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CAPÍTULO 1
TRADiÇÃO E REGRESSO:
os motins das primeiras décadas do século XVIII
40ATA de 20 de maio de 1713. Atas da Câmara de Ouro Preto. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. 49 (1927): 270-273.
O ouvidor Manoel da Costa Amorim apresentava, como os demais ministros das Minas, comportamento
absolutamente inadequado. Da carta que lhe foi enviada por D. Brás Baltasar da Silveira, sobre o péssimo
tratamento que dispensava ao preso Manoel Ferreira da Fonseca, consta ordem do Governador para que
o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica publicasse
"... a sentença do preso para que fosse castigado conforme ela, cujo despacho [o ouvidor me tornou] a
remeter sem lhe dar cumprimento, querendo maltratar o preso tendo-o na cadeia todo o tempo que [fosse]
necessário para satisfação de sua vingança."
O governador reiterava ao ouvidor que não era desta forma que se servia à Sua Majestade, que não
queria que "as suas leis [vingassem] agravos particulares, mas que se [fizesse] justiça a todos com
retidão". D. Brás ameaçou Costa Amorim, "à vista da repugnãncia que [o ouvidor mostrava] no cumpri-
mento dos [seus] despachos", de tomar "as medidas proporcionadas para conservar o respeito do [seu]
caráter e da [sua] pessoa".
Cf. CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira para o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica de 30 de dezem-
bro de 1714. APM. Seção Colonial. Códice SG 09 fi. 38.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII Vassalos Rebeldes: violência nas Minils
na primeira metade do Século XVIII
Superintendente deveria se empenhar em resolver as pendências en- Em circunstâncias semelhantes às da eclosão do motim de Vila
tre os minera dores, ouvindo imparcialmente as partes. Este ministro, do Carmo, os moradores do distrito de Itaverava revoltaram-se con-
responsável pela distribuição das datas e pela resolução dos eventu- tra o escrivão das datas, responsável pela repartição de "algumas la-
ais problemas entre os lavradores, acabou por abusar das vistorias _ vras velhas". O povo de Itaverava reuniu-se em armas para reparti-Ias
um tipo de fiscalização dos trabalhos minerais - o que generalizou "sem autoridade do guarda mor com o pretexto de que nesta forma repartia
um clima de tensão entre os moradores da área. o povo as datas no princípio [das] minas=" .
Este clima foi agravado em razão dos morros serem considerados Estas revoltas explicitam a dificuldade que tinham as autorida-
realengos, impedindo-se a distribuição de datas naqueles locais, o que des em impor regras sem respeitar aquelas estabelecidas no convívio
restringia a área de mineração. Exemplos foram os morros da Pas- da comunidade. Foram revoltas claramente reativas, nas quais os
sagem, de São Vicente e de Catas Altas, entre outros. mineradores não pretendiam colocar em xeque as regras estipuladas
Mostrando a dificuldade de se impor as novas regras, no morro para o jogo colonial, mas tão somente lutavam para garantir a manu-
de Vila Rica, por exemplo, importantíssimo núcleo de mineração, os tenção de determinados procedimentos, inaugurados no alvorecer das
lavradores desprezavam as regulamentações e faziam o que bem enten- minas e, em geral, considerados razoáveis pela sua população.
diam, "sem mais título que o da ambição e da injustiça". Os problemas . Da mesma maneira se comportaram os atores de outras revol-
eclodiam quando, nas vistorias, o Superintendente detectava a ocu- tas, ocorridas na Capitania das Minas Gerais na primeira metade do
pação irregular dos morros e tentava reintegrar as lavras à Real Fa- Setecentos. A exemplo das tax rebellions européias, a tentativa de al-
zenda".
teração da forma de arrecadação dos impostos provocou inúmeros
Voltando à tumultuada situação de Vila do Carmo em 1713,como conflitos.
a revolta se generalizasse sem que fossem tomadas medidas para sua -No ano de 1715, o povo das minas se levantou contra o paga-
contenção, os oficiais da Câmara de Vila Rica recomendaram aos de mentodos quintos por bateía"'. Os mineradores exigiram que D. Brás
Vila do Carmo que acabassem logo com o tumulto pelo "dano que da- Baltasar da Silveira, Governador da Capitania, declarasse as minas
quela sublevação podia resultar a todas [as] minas ... "42. Os oficiais da Câ- isentas para sempre desta forma de cobrança, e fixaram o valor do
mara de Vila do Carmo reconheciam, entretanto, a legitimidade da pagamento do quinto em 30 arrobas anuais. Declararam que não dis-
atitude dos amotinados e solicitaram à Câmara de Vila Rica interce- cutiam a justiça do pagamento do tributo com o qual volunta-
der junto ao Ouvidor Geral para que fosse concedido perdão aos su- riamente se dispunham a arcar, mas que nada pagariam caso a for-
blevados, devolvidos os bens seqüestrados e as terras em que lavra- ma da arrecadação fosse alterada.
vam: A Câmara de Vila Rica, porém, tomou uma posição irredutíval a Por Carta Régia de 24 de julho de 1711, havia sidp_d~J~Jm.inado
favor da decisão do Ouvidor Geral. Como castigo exemplar, os cabe- que a cobrança do quinto se faria por bateias. Contudo, o Governador
ças foram presos e, após a devassa, alguns foram condenados ao de- Antônio de Albuquerque, ciente das dificuldades de se cobrar o quin-
gredo para Benguela e outros a "degredo mais suaoe?", Não obstante a to desta forma, suspendeu a execução da carta régia, explicando ao
ameaça de castigo, as terras e os bens seqüestrados acabaram por ser Rei as razões da adoção da medida. A capitação se manteve suspensa
devolvidos aos mineradores amotinados e, por determinação do Go- até o governo de D. Brás Baltasar da Silveira, que convocou uma Jun-
vernador, foi concedido o perdão aos revoltosos'". ta a Vila Rica em 7 de dezembro de 1713, com o intuito de lembrar a
" CI. COELHO. José João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais. Belo Hori- 45 CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira para o Ouvidor Geral da Comarca de São João dei Rei de 12 de
zonte: Fundação João Pinheiro, 1994. p. 181-183.
janeiro de 1716. APM. Seção Colonial. Códice SG 0911. 45.
42 ATA de 20 de maio de 1713. Doe. cit.
46 "Pela palavra bateia se designarn os escravos, de sorte que o quinto por bate ia ou por cabeça de escravo
43CARTA do Governador ao Rei de 28 de maio de 1716. APM. Seção Colonial. Códice SG 04 tis. 439 a vinha a ser uma rigorosa capitação". CI. VASCONCELOS, Diogo P.R. de. Minas e Quintos do ouro. Revista
442. do Arquivo Público Mineiro. 6 (1901) p. 856.
44 Ibidem. A análise subseqüente sobre o estabelecimento da cobrança do quinto por bateias baseia-se na obra
citada. p. 856 passim.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
na primeira metade do Século XVIII
promessa que os mineradores haviam feito ao seu antecessor de pa- de executar as ordens para se cobrarem os quintos por bateias ... " permitindo
garem dez oitavas por bateia. Como os povos estavam indispostos " ...em que se continuasse com a forma estabelecida e assentada com
com a nova taxa, a Junta apresentou uma contra-proposta ao Gover- todos os povos em trinta arrobas de ouro por ano ... ,,49. O Rei ainda
nador pela qual os mineradores se dispunham a arcar com 30 arrobas comunicava ao Governador ter levado em conta as considerações apre-
de ouro pelos quintos de um ano. Esta taxa foi finalmente ratifica da sentadas pelo Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas e pelos ofi-
em 06 de janeiro de 1714, regulando-se a forma da sua arrecadação. ciais das Câmaras das vilas envolvidas no conflito sobre a injustiça desta
Não obstante a concordância de D. Brás com o pagamento pro- cobrança, "em razão de ser incerta nos escravos a ocupação de minerur'í" .
posto pelos minera dores, o Rei, por Carta Régia de 16 de novembro Alguns motins setecentistas mineiros também apresentaram
de 1714, insistiu na imposição do sistema de bateias, estabelecendo características que os aproximam dos food riots europeus, e explicitaram
que cada escravo seria tributado em 12 oitavas de ouro. a luta dos moradores da Capitania contra a carência de produtos de
. Tamanho era o repúdio à cobrança do quinto pelo novo modo primeira necessidade na região e contra o estabelecimento de contra-
de arrecadação, que os mineradores ofereceram, à nova Junta de 13 de tos destes gêneros, em razão das possibilidades de desabastecimento
março de 1715, vinte e cinco arrobas sobre as trinta já acordadas. No e de aumentos dos preços dos produtos.
entanto, as ordens do Rei foram taxativas. D. Brás pressionou as Câ- 'Em setembro de 1721, a Câmara de Vila Real e o Ouvidor Geral
maras para que aceitassem a cobrança por bateias e conseguiu sua da Comarca do Rio das Velhas resolveram por em contrato o corte das
concordância com o pagamento de 12 oitavas por escravo, o que ficou carnes consumidas naquela vila, até então livremente comercializadas.
ajustado em termo feito na Câmara de Vila Rica em 15 de março de Ao tomar conhecimento do estanco, imediatamente os moradores
1715. amotinaram-se em razão de serem os contratos das carnes
Imediatamente os moradores do Morro Vermelho, termo de Vila
Nova da Rainha, levantaram-se em motim, reivindicando isenção do "odiosos e prejudiciais aos povos porque sempre
tributo para os povos das minas. Preocupado com o movimento que [redundaram] em interesses particulares, principal-
mente que, pela grande distância em que [os] povos se
avançava para Vila de Sabará, Vila Rica e Vila do Carmo, o Governa-
[achavam] do mar,lhes [faltava] o peixe e não [tinham]
dor suspendeu a medida e retornou ao ajuste do pagamento das trin- outra coisa que comer mais do que a carne ..."51.
ta arrobas de ouro anuais. Nesta ocasião, D. Brás informou ao Rei que
se insistisse no estabelecimento da nova taxa "provocaria uma geral su- No mesmo ano, também os moradores da Vila de São João deI
oleoação=", Em carta de 28 de março, o Governador dava conta ao Rei se levantaram contra o estabelecimento do contrato de aguarden-
soberano de sua " ...mágoa (...) de não poder dar a execução das ordens de te determinado pela Câmara, por ser o produto largamente consumi-
[Sua] Majestade sobre o pagamento dos quintos ser por bateias ... "48 . do e também de livre comércio na região.
O Rei de Portugal acatou a decisão do Governador. Em Carta Em carta a D. Lourenço de Almeida, o Rei criticava acidamente
Régia de 04 de março de 1716, que concedia perdão aos revoltosos, estes Ouvidores e Senados da Câmara pelo grande prejuízo que cau-
afirmou a D. Brás que fizera bem " ... em sossegar esses povos com deixar savam ao Real serviço, em especial por serem responsáveis pela eclosão
de motins "dificultosos de soeeegar'?", Pela mesma carta, convicto da
.7 CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira ao Rei de 28 de março de 1715. APM. Seção Colonial. Códice SG
04 fls. 396 a 398 .
•• Ibidem. Em carta a Francisco de Távora, Provedor da Fazenda, D. Brás informava ter Sua Majestade lhe
.9 CARTA Régia de 04 de março de 1716. APM. Seção Coloníal. Códice SG 04 íls. 129 e 130.
ordenado
50lbidem.
'fizesse praticar nestas minas a cobrança dos quintos por bate ias ( ...), sem embargo de todas as diligên-
cias que [fez] a este respeito não pôde persuadir [os] moradores a que aceitassem esta forma de cobran- 51CARTA do Rei a D. Lourenço de Almeida de 15 de maio de 1722. APM Seção Colonial. Códice SG 20 fI. 40.
ça; e como de persistir nela poderiam originar-se algumas inquietações muito contra o sossego deste 52lbidem.
governo, [suspendeu] a execução por não arriscar [as] minas à última ruína ..." D. João V ordenou a D. Lourenço de Almeida que impedisse "as câmaras e ouvidores de usarem seme-
Cf. CARTA de D. Brás Baltasar para Francisco de Távora de 23 de abril de 1715. APM. Seção Colonial. lhantes procedimentos, [perturbando os povos} por suas conveniências particulares" sem ordem real.ex-
Códice SG 09 fls. 39-40. pressa ou licença do Governador.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII
na primeira metade do Século XVIII
legitimidade das revoltas, ordenou ao Governador que suspendesse O mesmo argumento encontra-se em edital da Câmara de Vila
os contratos das carnes e da aguardente para que cessassem os movi- Rica de 1723:
mentos.
Por sua vez, os problemas de desabastecimento, recorrentes na "...a nossa notícia veio que muitas pessoas, moradores
na travessa do Teixeira e neste Ouro Preto, e mais par-
região mineradora, também foram responsáveis pela eclosão de mo-
tes desta vila, tem atravessado e costumam atravessar
tins na Capitania. os mantimentos que vem para esta vila, e seu termo,
A carência dos gêneros de primeira necessidade estampava-se dos portos do mar, como são peixe, azeite, vinagre,
em edital de 1722, publicado pela Câmara de Vila Rica, do qual cons- queijos, farinha do reino, e mais molhados, o que é em
tava a "muita falta de víveres, assim vindos do Rio de Janeiro como do Sertão grande prejuízo do Povo, por estes tais atravessadores
dos Currais'í", Outro edital de 1732, publicado em Vila do Carmo, in- [pretendem] os revender, e principalmente retendo-
formava que "no morro de Mata Cavalos e em outras partes há grande falta os em casa, a esperar os maiores preços ...57 .
de mantimentos para o sustento dos negros e ainda dos brancos ... "54. I
Em geral, o desabastecimento era menos fruto da carência dos Exemplo destas dificuldades foi o motim ocorrido em setembro
produtos na região do que do movimento dos atravessadores, os quais de 1744 em Vila Rica. João de Siqueira, juiz almotacel, responsável
revendiam os gêneros de primeira necessidade produzidos próximos pela fiscalização do comércio dos gêneros de primeira necessidade,
às vilas. Um bando de D. Lourenço de Almeida proibiu os "ganhos representou contra dois oficiais de justiça que estavam levando, com
II ilícitos que [aos atravessadores] resultavam de revenderem mantimentos o conhecimento do Ouvidor, mantimentos para fora de Vila Rica.
[ocasionando] a falta de [víveres] de milho e farinhas que há tempo se [expe- O Ouvidor não aceitou as acusações feitas por João de Siqueira
rimenunxú'í'" . aos oficiais de justiça, seus subordinados, e tentou fazer valer a sua
,I Podemos detectar os problemas causados pelos atravessadores autoridade, afirmando governar "sobre o passar dos ditos alimentos mais
na portaria enviada pelo Governador à Câmara de Vila Rica: do que a Câmara"!", a qual nomeara o almotacel. A postura do Ouvidor
evidencia os conflitos intra-autoridades na Capitania, em especial aque-
"Porquanto em todos os Povos há um grande clamor les que opõem os interesses dos Senados da Câmaras e das comunida-
II contra os atravessadores de milho, de que me tem che- des e os dos magistrados portugueses. Estes enfrentamentos foram
gado repetidas queixas, dizendo-me que vem mais extremamente freqüentes nas Minas durante a primeira metade do
Povo a esta vila por estar atravessado a maior parte século XVIII.
dele assim no campo, como em as outras mais para- . Por sua vez, os moradores de Vila Rica, colocaram-se ao lado do
gens deste termo o que é em gravíssimo prejuízo des-
almotacel e pressionavam João de Siqueira para que ele proibisse de-
tes povos, a respeito da suma carestia, de que sem-
pre são causa os atravessadores ..."56 . finitivamente a saída dos mantimentos de Vila Rica, argumentando
que precisavam deles. Os amotinados incitaram a apreensão dos ali-
mentos e sua repartição entre o pOVOS9.•
Deve-se ressaltar que, não obstante o comportamento do
Ouvidor de Vila Rica em 1744, os Senados da Câmara, no mais das
vezes, tentaram garan~i: tanto o abastecimento das vilas quanto o bai-
53APM. Seção Colonial. Códice CMOP 06115. 2Bv e 29. Apud CHAVES, Cláudia M. G. e VIEIRA, Vera L. D.
Tropas e tropeiros no abastecimento da região mineradora no período de 1693 a 1750. Belo Horizonte.
Relatório apresentado a PRPq/UFMG/CNPq, 1991 (mimeo).
54APM. Seção Colonial. Códice CMM 03 fls. 113v e 114.lbidem. 57EDITAL da Câmara de Vila Rica de janeiro de 1723. APM. Seção Colonial. Códice CMOP 06fls. 41,
41v.
4 55APM. Seção Colonial. Códices CMM 04 fI. 115v e CMOP 06 IIs. 44 a 45. Ibidem.
58TERMOS de Acórdão de 20 de setembro de 1744. APM. Seção Colonial. Códice CMOP 50 fI. t 07.
56PORTARIA do Governador mandada à Câmara de Vila Rica de agosto de 1"723.'APM. Seção Colonial.
59lbidem.
Códice CMOP 06 fI. 43.
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Vassalos Rebeldes: vlolôoclll nl'il MII\ ••
na primeIra melad~ do SóculO XVIII
uma bala, [e deitaram-lhe} as canoas ue ti h :n ag:osamente, passado de dos revoltosos. Raramente atentava-se contra a vida nos
bandeira com as armas [de 5 M ~ tn a no abaixo e [tiraram-lhe} uma
portoí'": ua a;estade} que estava, por sinal, naquele enfrentamentos.
Também não se pode esquecer um dos argumentos fun-
Parece claro que nas revolt .d .. damentais da literatura recente sobre a violência da multidão - a cons-
(ood riots, motivadas tanto pela :tt~r:~hfIcadas às tax rebellions e aos tatação do caráter propriamente político dos movimentos pré-indus-
Impostos ou da distribuição inicial d ç~o da forma de cobrança dos triais (se é que podemos chamá-Ios, assim). A atribuição de um caráter
mento de contratos prejudiciais a as avras, quanto pelo estabeleci- político ao s motins invalida, sem dúvida, a perspectiva da
pelo abuso de poder das autorídadea alut. pelo desabastecimento e irracionalidade dos atores, ainda que se deva relativizar o significado
se dentro das regras do jogo coloni 1';. luta dos_atores desenvolveu- de político. Nicolas Roger, por exemplo, ao analisar motins em Lon-
tava estas regras e lutava nos s Ia . populaçao da Capitania acei-
A
dres no início do reinado de George 1, afirma que os historiadores,
como haviam sido, de início, a:::d~~~:~e~os, ~uscando preservá-Ias não obstante os avanços no tratamento metodológico da multidão,
como enfatizam os recentes estudos b' st~ e? c~mpo da tradição,
.Trabalhos históricos sobre . olê re a violência coletiva
as m a VlOencia da multidã .
. assas, em seus movimentos fo .. 1 ao revelam que
=-____________ .
especial na década de 1840. Em linais do Oitocentos, a critica à multidão encontrou, segundo as palavras
rais e políticas que legitimavam' r~m mspIr~das por tradições mo- de Hirschman, "uma expressão mais refinada nas teorias sociais científicas quando as descobertas médi-
e ate prescrevIam seus atos'" E cas e psicológicas demonstraram que o comportamento humano era motivado por forças irracionais em
sses, medida muito maior que fora reconhecido anteriormente". Expressão desta corrente foi Gustave Le Bon,
que viu a multidão como uma forma de vida inferior, embora potencialmente perigosa. Segundo Le Bon,
pouco apta para raciocinar, a multidão era, ao contrário, muita apta para a ação. Esta ação teria assumido,
60
.Exemplo é o termo de obrigação firmado no mais das vezes, a lorma de surtos anômicos por parte das multidões criminosas ou de movimentos de
?ilVelra, produtor de mantimentos e frutos ~~t;:r~a Se~ado da Câmarade Vila Rica e Francisco Gom d massa manipulados por líderes demagógicos. (Ver: HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência.
pelo Senado da Câmara [ficou obri suas roças reais no ano de 1741: es e
São Paulo: Cia tempo,
das Letras, 1992. conservadora
p. 27-28).
para tornar a revende () _ gado] a fazer termo de não atrav . Durante muito a retórica sustentou e manteve viva nas ciências sociais a tese da
(...) ficando por este t:r~~ :u:~ ~e~~r os ditos mantimentos por ;::rp~::~/;;ntos ou frutos da terra irracionalidade da multidão. Foi a partir de meados deste século que estudiosos procuraram recuperar a
se observa no expressado [d J t
comigo, Manoel de Queirós o errr;o e =r=
as as penas que o dito Senado lhe im
assim o disse e se obri
que andasse pela rua
pusesse, cobrando-lhe o que
imagem dos desordeiros, rebeldes e amotinados, através de análises da composição social das massas.
Os historiadores, em especial, negaram a concepção corrente segundo a qual a multidão seria uma turba
Obrigação que faz Francisc~ e~~::: :aOclamara que por mandado dela !~~~Ze este. ter,:o que assinou
6'CAR e Ivelra(1741) APM S - assme/.Cf.TERMOde incontrolável que praticava uma violência gratuita e irracional. /
6'. TA de 29 de janeiro de 1726. APM Se _ : ~ eçao Colonial. Códice SG 45. fI. 6 •• CI. DAVIS, Natalie Z. Op. clt, Ver também, entre outros: RUDÉ, George. Ideologia e protesto popular.
E interessante ressaltar ue a .: çao Colonial. Codice SG 29 íl. 16. . Petrópolis: Zahar Editores, 1982; RUDÉ, George, A multidão na história. Rio de Janeiro: Campus, 1991;
THOMPSON, E.P. La "economia moral' de Ia multitud en Ia Inglaterra dei siglo XVIII. In: -r-. Tradición, revuelta
motins referidos às for q '. ro contrario da região mineradora do B' .
muito comuns entre o~~~~~iltlcas coloniais, levantamentos contra a~~~~ ~olonlal na qual prevaleceram y consciencia de clase. Barcelona: Editorial Critica, 1984; KRANTZ, Frederik, org. A outra história. Ideolo-
México várias tax rebellions oneses da América Espanhola. Em es eci çoes nas regras do jogo foram gia e protesto popular nos séculos XVII a XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zanar Editor, 1990; neHUNT, Lynn, org.
metropolitanas
63 N E
no mais da
in Colonial Me~ican vilfage~ v;~esf o ;orregedor. ci TAYLOR, William B Dr~~Z· de
. . an or : Stanford University Press 1979' mg,
c:
ao lado de incontáveis revoltas contra ~ ab ai, podem ser constatadas no
das autoridades
omicide and Rebellion
A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, em especial o artigo de Suzan
sas, comunidade e ritual na obra de E.P. Thompson e Natalie Davis'; TILLY, Charles. The Changing
01 Collective Violence. In: scort James C. Weapons of the weak. Everyday forms of peas
Desan, "Mas-
ant Place
resistance.
a uropa do seculo XVIII, considerav . - ,. New Haven: Yale University Press, 1985; Scon, James C. Domination and the arts of resistance. Hidden
das revoltas contra o aumenio de i a-se a multidão, que participava dos . transcripts. New Haven: Yale University Press, 1990; TAYLOR, William B. Drinking, homicide and rebellion
uma besta de muitas cabe e Impostos, a "escória do populacho sem chamados motins de fome e
como uma "muttidêo ! ças (.. .) uma ralé insens". Em Paris à m ' . ordem, sem freio, sem líder ( ) in colonial mexican vil/ages. Stanford: Stanford University Press, 1979; ROGER, Nicolas. popular Protest in
o Ignorante governad I ,esma epoca os amoti d .. , Early Hanoverian London. Past & Present. 79 (1978): 70-100, entre outros inúmeros artigos sobre o tema
a oportunidade de cometer ' . a pe os apetites dos que a incitam ' na os eram vistos
d
Janeiro: Paz e Terra 1990 p i~~~uer tipo de crueldade". (Ver: DAVIS Natat e;r~mos de ttuve, à espera
nesta mesma revista.
da aristocracia fre~te à ~uitidã . ~o seculo XIX, ao desprezo pela; mass~~ . ulturas do povo. Rio de
empobrecidas do campo em o. ste medo generalizou-se e aprofund seçuiu-se o 'terror pânico' 65RUDÉ, George. A multidão na história. p.219.
, constante movimento em direção à id d ou-se quando as populações
5 CI a es, ameaçaram revoltar-se, em
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- --'-"'-'..,,~'~--~-
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII na primeira metade do Século XVIII
têm desprezado a possibilidade de os levantamentos populares se tra- entre cursos de ação disponíveis, o que pode tornar mais dinâmica a
duzirem em uma política de rua muito particular das massas. análise da violência coletiva 67 •
Dentro desta perspectiva - a do caráter político dos motins - o O padrão dos motins das Minas nas primeiras décadas do Sete-
trabalho de Thompson é exemplar". Thompson empreendeu uma centos não foi muito diferente do padrão geral do comportamento da
análise cultural do comportamento e das atitudes populares. Enfatizou, multidão durante os food riots e tax rebellions europeus. Também nas
particularmente, o significado, as motivações e os meios de legitimação áreas mineradoras, homens encapuzados, ao som de tambores, des-
da violência coletiva. truíam as propriedades de suas vítimas e os documentos oficiais que
Os motins de subsistência na Inglaterra foram, para Thompson, ·1 simbolizavam sua sujeição; queimavam seus inimigos políticos em
formas muito complexas de ação popular direta, disciplinada e com efígie, matando-os simbolicamente. Assim, explicitava-se uma das
claros objetivos. A motivação maior dos levantamentos - a fome - co- importantes características do comportamento da multidão pré-indus-
locava a questão da legitimidade da comercialização dos gêneros de trial - a preservação, no mais das vezes, da vida humana, restringin-
primeira necessidade, da cobrança de impostos etc. À idéia tradicio- do-se os levantes à destruição da propriedade.
nal das normas e obrigações sociais das funções econômicas, próprias Além da semelhança ritualística, alguns dos motins ocorridos
dos distintos setores dentro da comunidade (tomados em seu conjunto), na Capitania eclodiram, como mostrei, por motivos também próxi-
Thompson denominou economia moral dos pobres. Qualquer atropelo mos àqueles responsáveis pelos levantamentos das populações fran-
a estes supostos morais seria ocasião habitual para a ação direta da cesa e inglesa entre os séculos XVII e XIX - aumento dos preços dos
multidão. alimentos, tributação excessiva, carência de gêneros em virtude da
O autor critica a idéia de que a multidão, no período anterior à especulação, entre outros.
Revolução Francesa, agisse de forma mais compulsiva do que auto- Estes levantes europeus são considerados movimentos de cará-
consciente ou auto-ativada, gerando distúrbios sociais repentinos que ter reativo e/ ou regressista. Charles Tilly, por exemplo, ao julgar estas
nada mais seriam do que simples respostas a estímulos econômicos. revoltas reativas, partiu do comportamento do povo frente às deman-
Thompson detecta nos levantamentos a noção legitimizante dada pela das crescentes do Estado em processo de centralização e da expansão
multidão aos conflitos na medida em que os revoltosos acreditavam, do mercado nacional de insumos; enfim, caracterizou-as como uma
firmemente, estar defendendo direitos ou costumes tradicionais e, via forma peculiar de se resistir à emergência do Estado-Nação centrali-
de regra, estavam apoiados por amplo consenso da comunidade. zado. As tax rebellions, mais especificamente, colocavam em xeque o
Embora, de acordo com Thompson, não se possa afirmar que direito do governo central intervir na vida local e derivaram, em larga
esta economia moral seja estritamente política, tampouco se pode medida, das exigências de um Estado ávido, em expansão'". Rudé,
I
,
considerá-Ia apolítica "posto que supõe noções de bem público categórica e por sua vez, ao tratar dos food riots e das tax rebellions considera-os
, I apaixonadamente sustentadas". regressistas, provocados "tanto por lembranças de direitos costumeiros ou
,I Como bem nos ensina Charles 1111y,os food riots e as tax rebellions, pela nostalgia de utopias do passado, como pelas reivindicações presentes "69 •
caminhos que a multidão encontrou na busca de interesses partilha-
dos, tiveram sua própria racionalidade e seu próprio e significativo
67 Cf. HUNT, Lynn. Charles Tilly's Collective Action. In: SKOCPOL, Theda. Vision and method in historical
lugar na política. Contudo, embora reconheça o papel crucial desempe- sociology Cambridge: Cambridge University Press, 1984.
nhado pela tradição nesses movimentos, Tilly, diferentemente de 68 Cf. TILLY. Charles. The Changing Place of Collective Vio/ence. Op. clt, p. 146.
Thompson, defende o desenvolvimento de um repertório mais elásti- J' RUDÉ, George. A multidão na história. p.4.
i. 69
co da ação coletiva em resposta a determinadas mudanças econômi- I' Entre vários outros, os motins Rebeca, ocorridos no País de Gales na primeira metade do século XIX,
foram movimentos exemplares que tanto podem ser considerados reativos quanto regressistas.
cas, políticas e sociais. O autor investigou escolhas feitas pelos atores Em finais de 1838, Rebeca, rebelde travestido de mulher, e suas 'filhas", o grupo de revoltosos. levanta-
ram-se em motim contra o arrecadador profissional de impostos que havia assumido a direção de todas as
barreiras, anteriormente controladas por vários concessionários, e que passara a cobrar taxas mais altas.
Além do aumento dos impostos, o coletor construiu novas barreiras, muitas delas localizadas em estradas
secundárias onde nunca antes haviam sido instaladas. Estas barreiras apresentavam um inconvenlentà
66 THOMPSON, E. P.Op. cit.
particular para os agricultores que transportavam cal de um forno próximo e que teriam de pagar o pedá-
40 41
,rI Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
I
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII
na primeira metade do Século XVIII
Muitos motins, com estas características, ocorreram na Europa Devemos acrescentar, porém, que pelo menos dois significati-
entre os séculos XVII e XIX. Na maioria deles, mas não em todos, a tenta- vos movimentos ocorridos nas Minas, na primeira metade do Sete-
tiva de manter inalterada a ordem das coisas,como elas haviam sempre centos, apresentaram tanto características dos motins dentro das re-
sido no passado, foi a tônica dominante. Nestes movimentos, lutava-se gras do jogo colonial quanto evidências de terem se originado em con-
contra o aumento do preço do pão e dos impostos, enfrentava-se as ten- textos de soberania fragmentada e serem revoltas referidas às formas
tativas de cercar os rocios e instituir pedágios nas estradas. políticas coloniais. Isto é, estes motins reuniram elementos tipicamen-
Nas Minas do Setecentos, os movimentos desta natureza em te reativos, em geral encarnados nas reivindicações da gente miúda,
geral ficaram adscritos às duas primeiras décadas do século XVIII. com elementos característicos de competição entre atores sociais com
Originados por questões fiscais, abusos de poder das autoridades, maiores recursos de poder. Como estes movimentos combinam, com
problemas derivados da arrematação de contratos e da comercialização maior ou menor intensidade, elementos de comportamentos dos ato-
de produtos de primeira necessidade, foram movimentos nos quais res tanto dentro das regras quanto referidos às formas políticas colo-
os atores lutaram pela manutenção de determinados procedimentos niais, são considerados casos híbridos de atuação dos atores. Referimo-
que, não obstante impostos pela Metrópole, eram considerados "jus- nos à revolta de 1720, ocorrida em Vila Rica, e aos chamados motins
tos" e "comedidos" pela população colonial/Estes levantàmentos, que do Sertão do São Francisco que eclodiram no noroeste de Minas em
visavam a restaurar um equilíbrio tradicional, buscaram estabelecer 1736.
li
II um nível razoável de negociação com as autoridades portuguesas e,
ri via de regra, saíram vitoriosos nas suas reivindicações (muito embora
a repressão pudesse estar presente no processo de contenção do mo-
vimento).
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I gio três ou quatro vezes em um pequeno trecho da estrada. Segundo Rudé, ''não era tanto o volume do
tributo cobrado, mas sim a multiplicação de barreiras que constituía o principal motivo de reclamação e
levou o ressentimento a incendiar-se em conspiração e violência".
Em janeiro de 1839 construíram-se quatro novos postos fiscais, e quase que imediatamente foram todos
destruídos "à noite, por homens de rosto pintado de preto, vários deles vestidos de mulher. Rebeca e suas
'filhas' (...) tinham feito sua primeira aparição". Seguiram-se outros motins e a decisão do concessionário
!I de levantar novas barreiras foi revogada, em razão de uma moção do deputado do condado no Parlamen-
:1 to. Rebeca e suas "filhas", nesta primeira fase dos motins, haviam saído vítoriosas.
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11
Nova fase dos motins iniciou-se no inverno de 1842. Arrendatários queimaram os cereais pertencentes à
li pequena nobreza e reiniciaram a campanha de Rebeca contra as barreiras. O movimento perdurou duran-
I' te todo o ano de 1843, e alguns incidentes isolados ainda ocorreram nos últimos meses de 1844.
O padrão de comportamento dos amotinados foi o mesmo dos movimentos de 1839. As barreiras eram
! destruídas ou retiradas à noite, ocasionalmente as guaritas ou cabanas dos vigias eram incendiadas.
Segundo Rudé,
"Rebeca, como seus historiadores nos lembram, era rigorosamente sabatista. Nunca operava aos domin-
gos e até mesmo evitava, cuidadosamente, agir nas noites de sábado e nas madrugadas de segunda-
feira. Era notavelmente discriminatória: só as barreiras consideradas injustas eram atacadas,.em par-
ticular as que enchiam as estradas secundárias que, por sua proliferação, criavam um pesado custo extra
sobre o transporte de cal".
"Beca", líder dos amotinados, em carta aos guardas especiais, que confirma o caráter reativo do movimen-
to, afirmava: "Podem ter certeza de que todas as barreiras dessas pequenas estradas serão destruídas,
mas desejo que as barreiras das estradas reais fiquem".
Rebeca e suas "filhas", na "guerra" contra as barreiras, saíam em grupos de 40 a 100 pessoas os quais,
algumas vezes, chegaram a somar 250 amotinados. Os revoltosos agiam disfarçados ou simplesmente
pintavam o rosto de preto. Não obstante agissem armados, usavam pólvora, muito raramente balas e, ao
longo de todo o período de agitação, Rebeca só fez uma vítima: uma velha abatida a tiros em sua barreira.
CI. RUDÉ, G. Op. cit, p. 172 passim.
43
42
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CAPíTULO 2
MASCARADOS FACINOROSOS:
a sedição de Vila Rica
70 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. 'Belo Horizon-
te: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. p. 83/84.
71 VER SOUZA, Laura de Mello e. Estudo 'Crítico.ln: Discurso histórico e político. Op. cit. p. 13/56.
72TERMO que se fez sobre a proposta do povo de Vil~ Rica na ocasião em que veio amotinado a Vila do
Carmo de 02 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 06. tis. 95 a 97. Ver Anexo I.
45
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
portamento rebelde dos potentados, dos ouvidores de Vilas e Comarcas material necessário seria enviado de Portugal pela frota, e da Bahia e
e dos oficiais das Câmaras" . do Riode Janeiro lhe seriam expedidos oficiais e instrumentos indis-
Tendo sido ajustada a cobrança dos quintos por arrobas no gover- pensáveis ao seu funcionamento.
,
no de D. Pedro de Almeida, de acordo com Regimento de 04 de março I'Na frota de 1719, vieram os livros e material destinados às Ca-
1:, de 1718, uma das medidas cruciais adotada foi a de retirar das Câmaras sas de Fundição e também a Carta Régia de 29 de março de 1719, que
a administração dos quintos, pelo desserviço que faziam ao Tesouro Real. ordenava caber ao Governador escolher os lugares nos quais seriam
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1I,
.
Para isto foi decisiva a opinião do Conde de Assumar ao informar ao Rei erguidas. Em Junta, reunida a 16 de junho de 1719, decidiu-se pelo
' I: de um motim, liderado por Manoel Dias de Menezes, oficial da Câmara estabelecimento de quatro casas, cada uma delas localizada nas cabe-
)cf de Vila Rica, que poderia ter posto a "perder a causa do ouinto?" .
I'
ças das Com arcas, a saber Vila Rica, Sabará, São João deI Rei e Vila do
li O Rei, ciente das desordens observadas na distribuição da finta Príncipe. Nesta mesma Junta, ficou resolvida a criação de um !:~strQ...,
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'I das 30 arrobas, resolveu estabelecer Casas de Fundição nas Minas, em Borda do Campo, um outro próximo ao Rio Grande e um terceiro
I' I buscando evitar os descaminhos do ouro"'. Ordenou ao Governador . na Comarca do Rio das Velhas. Ainda, fixou-se o prazo de um ano, a
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partir de 23 de julho de 1719, data estipulada para o encerramento do
I: li
A sedição de 1720 aparece na literatura tanto aproximada a uma tax-rebellion quanto contendo elemen-
sistema de fintas, para que fossem inauguradas as Casas de Fundição
, I' 73
':, 11:
tos típicos de uma situação de soberania fragmentada. Diogo Pereira R. de Vasconcelos, C, R. Boxer e, a serem construídas às custas dos povos da Capitania. Durante este
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1"
mais recentemente, Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, não obstante a diferença de estilos e a diver- intervalo, a finta seria mantida.
sidade das fontes utilizadas, a consideram o resultado da ameaça de se estabelecer as Casas de Fundi-
A ameaça de alteração na forma da cobrança dos quintos gerou
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ção nas minas. C. R. Boxer e Diogo P.R. de Vasconcelos acrescentam a impopularidade do Ouvidor de Vila
Rica, Martinho Vieira, aos motivos da eclosão do levante. Ainda Boxer e Luciano R. A. Figueiredo susten- inquietações nas Minas. De acordo com a análise de D. Lourenço de
, 'I" tam estar a sedição de 1720 inserida numa série de motins, ocorridos em vários distritos da Capitania, que
tr:! se originaram do enrijecimento da tributação a partir de 1719. Tais considerações imputam à sedição de
Almeida, sucessor do Conde de Assumar no governo das Minas, os
!II! Vila Rica caracteristicas de movimento no qual o comportamento dos atores está contido nos parâmetros "povos todos têm concebido grande horror a estas casas, porque lhe servem do
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das regras do jogo colonial.
maior prejuízo "76 . D. Lourenço apresentou ao Rei as razões que ele acre-
João José Teixeira Coelho foi econômico na análise da sedição de 1720. Afirma ter adquirido o levante o
I 'caráter de uma "rebelião formar por culpa dos pau listas, "inimigos irreconciliáveis dos europeus'. ditava serem responsáveis por este prejuízo alegado pelos minera-
I
Por sua vez, Diogo de Vasconcelos e Teófilo Feu de Carvalho perceberam no levante de Vila Rica compor- dores. Em primeiro lugar, a desorganização que acarretaria ao siste-
tamento sedicioso decisivo dos potentados locais e a luta pelo poder que se travava entre os atores
,, ~',' ' coloniais. Dr. Diogo apresenta como as razões principais para a eclosâo do motim: a perda dos postos de ma de crédito, de uso generalizado nas Minas/": a seguir as dificulda-
, ,
oficiais de ordenança, que eram preenchidos pelos homens principais da Vila, e o declínio do poder dos des técnicas encontradas na extração do ouro nas Minas que elevari-
I:", potentados em decorrência da atuação política do Conde e do Ouvidor de Vila Rica, Martinho Vi eira.
Ver: VASCONCELOS, Oiogo Pereira Ribeiro de. Breve descrição geográfica, fisica e política da capitania
am em muito os custos de produção". Finalmente, a dupla taxação
de Minas Gerais (1807). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Cultu-
li :1; rais, 1994, p. 11"7; BOXER, C. R. The golden age of Brazil. 1695-1750. Berkeley: University of California
Press, 1962. p.193-195; FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Alrneica. Tributação, sociedade e administra-
Iil,l' ção fazendária em Minas Gerais no século XVIII. IX Anuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto, 1993.
11' 76CARTA de O.Lourenço de Almeida ao Rei de 31 de outubro de 1722. Revista do Arquivo Público Mineiro.
I" p. 96-100; COELHO, José João Teixeira. Op. cit. p. 135-136; VASCONCELOS, Oiogo de. História antiga de 31 (1980).p.152-153.
1 ! Minas Gerais. Belo Horizonte: ltatiaia, 1974. v.2. p. 172-209; CARVALHO, Feu de. Ementário da história
77 "Nestas minas não há pessoa por abundante que seja de cabedais que não deva grossa fazenda,
, II
li '
mineira. Filipe dos Santos Freire na sedição de Vifa Rica em 1720. Belo Horizonte: Edições Históricas, s/do
Ver especialmente o estudo critico de Laura de Mello e Souza em: DISCURSO histórico e político sobre a
porque como todos esses homens são mineiros e o estilo é comprar-se tudo fiado a pagamento de um e
dois anos (...). Os escritos e créditos que se passam destas dividas, é com a condição que se houver novo
sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Op. cit. p. 13-56.
imposto de pagar, o devedor dá mais o que importar a maioria da imposição, e como havendo Casas de
74 VASCONCELOS, Oiogo P R. Minas e quintos do ouro. Op. cit. p. 862. Moeda e de Fundição se há de pagar o quinto de todo o ouro. estão os devedores obrigados por cada mil
'1
75"Inteirado el rei das desordens acontecidas na distribuição das trinta arrobas, se resolveu a estabelecer oitavas que deverem, a pagarem mil e duzentas oitavas, e como esta maioria compreende a todos estes
em Minas uma e mais casas de fundição, aonde o ouro se reduzisse a barras marca das no cabo superior moradores, porque todos devem muito, é uma das causas de grande horror que têm às Casas de Fundl-
ção".lbidem. p. 152.
com as armas reais, tendo no inferior contramarcas ... Haveria livros de registro para o assentamento das
barras, peso delas, quilates do ouro (...). Nas ditas casas se deduziria o quinto do ouro, e correriam por " "... O ouro todo que hoje se lira das minas que se abrem, todo é de oiteiros, porque os dos veios da água,
conta da Fazenda Real as despesas delas. (...) as pessoas que tivessem ouro a fundir o deviam levar às que era o mais fácil, está extinto, e para se abrirem lavras nos oiteiros é preciso ser como regatos de água
casas para nelas se lhe reduzir a bsrre, bem entendido, que se Ihes não tiraria o quinto do adquirido para desmontarem a terra, a qual água trazem encaminhada muitas vezes de distância de léguas (u.)
durante a finta, senão do que houvessem depois ..". Cf. VASCONCELOS, Oiogo P. R. Ml'nas e quintos do {neste serviçal gastam grande cabedal, porque há serviços que gastam um e dois anos de tempo traba- •
ouro. Op. cit. p. 862-863. Ihando nele com quarenta e sessenta negros e muitas vezes com muitos mais ..."lbidem. p. 153,
46 47
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas V.s.alol R.b.ldu: vlullrlalroMil MlnH
na primeira metade do Século XV111 na prlmolr. m.lltJ. do '''uIlIlYIII
que incidiria sobre os negros vendidos nas Minas, uma vez que se ses da quietação (...) quase todo este governo [estava] não menos que subleva.
continuariam a pagar os outros impostos costumeiros. do (...), intestinamente [estavam] os ânimos não menos levantados que estl.
Estes motivos teriam sido os responsáveis pela repugnância dos oerum'T",
povos quanto à alteração na cobrança dos quintos e, em conseqüência, Em carta ao rei, novamente se referia o Governador ao estabele-
pelo levantamento da população de Vila Rica em junho de 1720. cimento das Casas de Fundição e aos "ânimos alterados e suspeitosos"
Por outro lado, os insustentáveis conflitos referidos às formas nas comarcas do Rio das Mortes e do Rio das Velhas. Afirmava o Con-
políticas coloniais entre autoridades e potentados, Governador e Câ- de correr nas minas o boato de que os responsáveis pela sedição de
mara e, especialmente, Ouvidor e ex-Ouvidores prepararam o terreno 1720 estavam inocentes, e que logo estariam em liberdade, sussurros
para a eclosão do motim, o qual se restringiu, oficialmente, até o 16 de que conduziam o governo ao desassossego".
julho, mas que contribuiu para a instabilidade nas Minas até os pri- Reiterava D. Pedro a Ayres de Saldanha de Albuquerque, go-
meiros meses de 172179• O Conde reforçou a face mais rebelde do vernador do Rio de Janeiro, que se renovavam "...por toda a parte as
movimento: '(f sedições querendo envolver nelas os povos com a sugestão de que [o Conde]
tinha jurado por as casas de fundição a todo o risco ...". Tanto em Vila Rica
"Vários têm sido os motins e sublevações que em di- quanto nas outras vilas haviam sido publicados vários pasquins sedi-
versos tempos houve nas Minas. Mas nenhuma de tão ciosos induzindo os povos a não pagarem os quintosO Conde, preq-
perniciosas conseqüências, e tanto para temer, como cupado com as dificuldades que enfrentaria na cobrança do imposto,
a presente do ano de mil setecentos e vinte, pelo te- I seguro de serem os presos do Rio de Janeiro os responsáveis pelas
merário e inaudito fim a que se encaminhava e diri-
gia, qual era alçar a obediência ao seu príncipe, usur-
par ao patrimônio real esta rica porção, e introduzi-
rem-se nela despoticamente soberanos, os mesmos
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alterações, solicitou ao governador Ayres de Saldanha de Albuquerque
que os remetesse com a maior brevidade para Lisboa de forma a "aia-
lhar este grande dano't'" .
que ainda eram indignamente vassalos'"" . Quanto mais intransigente tornava-se a cobrança dos impostos
e visível o abuso de poder, mais precária ficava a situação de acomo-
Estas perniciosas conseqüências da sedição podem ser detecta- dação nas Minas. Em muitas circunstâncias, os povos haviam se le-
das na carta de D. Pedro de Almeida ao Vice-Rei, Vasco Fernandes vantado contra as alterações na forma da tributação, o estabelecimen-
César, em que informava as dificuldades de outra vez se tentar esta- to de contratos, em especial os da carne e da aguardente e a eventual
belecer as Casas de Fundição e Moeda. Segundo o Conde, os cabeças tirania dos ouvidores ou dos Senados da Câmara, conflitos inscritos
da sedição, presos no Rio de Janeiro, e seus seguidores, que continua- dentro das regras do jogo colonial. Mas, também, as instáveis estrutu-
ram nas minas, influíam nos povos divulgando o boato que a Casa da ras acomodativas, observadas entre os atores coloniais perderam
Moeda seria transformada em Casa de Fundição. Esta notícia horrori-
zou a população da Capitania de tal forma que " ...passados alguns me- 81 CARTA de D. Pedra de Almeida para Vasco Fernandes César de Menezes de 10 de janeiro de 1721.
APM. Seção Colonial. Códice SG 13. Ils. 15, 15v.
48 49
V•••• loall.b.ld •• : vlolOool. nas Mina. I. V•••• Io. Rebeld.e: vlo16no1lnU Mlnu
'''' I',hnll'. ,notldo do Século XVIII na p,lmllra metad. do .~Io)M1I
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muitas vezes sua viabilidade em decorrência da intensa disputa pelo Em 29 de junho, novamente o povo se levantou e enviou três
poder dos principais atores políticos, os quais ao arregimentar o povo procuradores à Vila do Carmo exigindo resposta às suas reivindicações,
na defesa de interesses particulares ou compartilhados, engendraram O Governador lhes concedeu o perdão mas não atendeu os pon-
graves situações de soberania fragmentada. tos apresentados no memorial. Em 02 de julho, revoltados, os mais de
Em Vila Rica, não foram diferentes as razões da ec1osão do le- mil amotinados obrigaram os oficiais da Câmara da Vila a acompanhá-
vante de 1720. 10s à Vila do Carmo e pressionar o Conde a uma resposta favorável" .
Na noite de 28 para 29 de junho, aproveitando o entretenimento Quando os rebeldes aproximaram-se da sede do governo, o Conde
da população em virtude dos festejos de São Pedro, mascarados ar- determinou ao Senado da Câmara da Vila do Carmo, que fosse com
mados, ao som de tambores, desceram do morro do Ouro Podre, e seu estandarte arvorado, ao encontro deles no Alto do Rosário. En-
ajuntando-se a moradores da Vila, foram à casa do Ouvidor Geral da víou com o Senado o tenente José de Morais, tom ordens de não per-
Comarca, Martinho Vieira, "...para o matarem, e não o acharam (...) aque- mitir que os revoltosos seguissem em frente e de persuadi-Ias a envi-
les tornaram a rasgar-lhe a livraria e apregoar os autos e deitá-Ias pela janela arem um procurador ao encontro de D. Pedro, sem o que seriamrepe-
abaixo ... "B4. lidos à mão armada.
Saindo da casa do Ouvidor, concentraram-se os revoltos os na Na opinião do Governador, os cabeças do motim esperavam
praça em frente à Casada Câmara e lá permaneceram por toda a noi- -ique ele discordasse das reivindicações " ...para terem pretexto de jazer
te. Um letrado redigiu o memorial de reivindicações dos amotinados sublevar todas as minas na dúvida se [ele se] opunha ao interesse comum em
que foi encaminhado ao Conde Covernador'". que todos estavam uniformes de não querer Casas de Fundiçãoí" . O Gover-
D. Pedro, não obstante ciente da situação explosiva no distrito, nador porém, acatou todas as proposições, justificando que o havia
confessou-se perplexo aos oficiais da câmara de Vila Rica, admirado I. feito por duas razões "mui urgentes". A primeira porque estava segu-
do levantamento da vila, " ...entre todas [dele] a mais estimada't'", Na ro da intenção dos cabeças que era
ocasião, condenou a infidelidade dos oficiais da Câmara os quais
I
" ...todos foram cúmplices no pouco zelo que mostra-
li Segundo pitoresca narração de J. V. Couto de Magalhães, os oficiais da Câmara de Vila Rica acabaram
ram e esta é cousa bastante para que não seja injusta a
por concordar em seguir à frente dos revoltosos até Vila do Carmo porque foram vencidos pela fome.
indignação de Sua Majestade, e que afronta será para Segundo Magalhães: '
Vila Rica se virem privilégios a todas as outras câma- "No dia seguinte o jejum tinha operado merevitne« [nos oficiais da Câmara de Vila Rica]; os mais pertina-
ras menos a esta, ou de servir a afronta de Vila Rica de Z., estavam completamente corda tos e mais que prontos a irem levar ao general a proposta dos rebeldes.
É verdade que os castelos que tinham fundado no protesto de sua fidelidade esvaeciam-se completamen-
glória às demais vilas, particularmente daquelas que t•• Mas em suma nenhum deles tinha assentado que daria testemunho de fidelidade mesmo a despeito da
souberam distinguir-se nesta ocasião para fazer mais fome e, portanto, de comum acordo, deliberaram pôr-se a caminho para vila do Carmo. A crônica ou a
,J trsdlçlo não diz se os conjurados permitiram que eles começassem a execução do tratado por algum
negra e mais feia a nódoa da infidelidade que nesta
,Imoço, ou se os obrigaram a fazer as duas léguas de viagem naquele mesmo rigoroso jejum a que os
vila foi pública e manífesta=" . tinham submetido por 24 horas'.
MAGALHÃES, J. V. Couto de. Um episódio da história pátria (1720), Revista do Instituto Histórico, Geográ--
De posse do memorial, o Conde achou por bem não levar em /Ro.fJ Etnográfico do Brasil. 25 (1862). p. 333.
conta as exigências dos revoltosos. ~,~08 principais cabeças da sedição de Vila Rica foram o mestre de campo Pascoal da Silva Guimarães, "o
m,'. pfJrnlcloso', homem riquíssimo. proprietário de mais de 2.000 homens. entre escravos e camaradas,
oonoentrados no morro de Ouro Podre, distrito de Vila Rica; o sargento-mar Sebastião da Veiga Cabral, o
. ex-ouvldor Manoel Mosqueira da Rosa; seu filho, Frade Bento; Frei Francisco de Monte Alverne, amigo
84 APM. Códlce Costa Matoso (cópia). fI. 36v, 37v. Para a descrição minuciosa do conflito ver:VASCONCE- pllaoal de Pascoal da Silva Guimarães e Filipe dos Santos que tez, segundo o Conde. "causas inauditas
LOS, Diogo. Op. cit. p. 172/209. nlltll motins'.
B5 Ver Anexo I. No que ae relere às Casas de Fundição, é interessante a seguinte passagem do Discurso histórico e
polltlco:
ss PARA os oficiais da cãmara de Vila Rica de 30 de junho de 1720. APM. Códice SC 11. fI. 242v, 243r;
"P'rsoe qUfJ a Inquieta sorte dos passados r...) inventou esta lei de quimos e casas de fundiçlo só para
Cãmara Municipal de Ouro Preto. Códice CMOP 06. tis. 23, 23v.
."vlrem dfJ capa ao atrevimento com que os rebeldes, socolor de utilidade comum, amotinaram os po-
TERMO de vereança de 17 de agosto de 1720. Atas da Cãmara de Vila Rica. Revista do Arquivo Público
87 vo."," .' "
Mineiro. XXV (1937). p. 146. DISCURSO histórico e político. Op. cit. p. 68. /' - -,
50 51
veesace Rebeldes: violência nas Minas
Vassalos Rol V•••• Io. Rsbsld •• : vlol&noll no. Minas
na primeira metade do Século XVIII
na primeira r
na primeira m.tld. do SlIoulo XViii
muita: "sugerir o povo com pretextos aparentes da sua con- diminutas as catas. Os povos das Minas haviam argumentado que,
poder veniência e valer-se desta para que não houvesse go- nas índias de Castela, o Rei fornecia índios necessários para o traba-
na dei vernador, nem ministros nestas minas, nem tornas-
lho mineral a um grande número de vassalos. Ainda mais; nas minas
grave: sem a admitir-se outros postos por [Sua] Majestade,
conspiração mui semelhante a de Catalina e urdida de ouro de lavagem e de manchas incertas da América Espanhola (ca-
[por] pessoas que na desesperação de não poderem racterística da maioria dos serviços minerais na Capitania), do ouro
vante tributava-se menos do que da prata e os mineradores não eram execu-
pagar a ninguém as exorbitantes dívidas que deviam,
e querendo ainda assim conservar respeito e autorida- tados por dívidas cíveis. Nas Índias de Castela, o imposto dependia
da po de despótica maquinaram muito tempo". essencialmente da abundância do ouro que se extraía, pagando uns
mado minera dores o décimo, outros o oitavo ou o sétimo" .
ajunte: A segunda razão do Conde residia na sua expectativa de, uma Tratando desta situação difícil dos mineradores das Gerais, os
Coma vez atendida as reivindicações dos povos, restarem amotinados só os oficiais da Câmara de Vila Rica justificaram ao Rei a revolta de 28 de
les tor cabeças e seus negros, "como depois mostrou a experiência't'", junho de 1720 pelo crescente endividamento da população e a sua
abaixo Premido entre as duas faces da sedição de 1720, D. Pedro de dispersão pela capitania, o -que gerava desordens'":
Almeida buscou conciliar a resolução dos interesses do povo de Vila --;9 A aversão dos mineradores ao estabelecimento das Casas de
praça, Rica, inscritos dentro das regras do jogo colonial, com a situação de Fundição representou, portanto, o repúdio à tentativa da Coroa de
te. VIi soberania fragmentada, explicitada em movimento referido às formas cobrar o "quinto rigoroso". O Conde tentou contornar a situação de
que f~ políticas coloniais pelo qual os poderosos tentavam minar a autorida- conflito, propondo ao Rei a criação da Casa da Moeda no lugar das
de do Governador e dos demais ministros da Comarca. Casas de Fundição e a taxação do ouro em 12%. Ou seja, enquanto as
confe' -No calor da revolta em Vila Rica, o Conde escreveu ao Rei de reivindicações dos mineradores de Vila Rica estavam contidas dentro
do lei Portugal sugerindo que a idéia do estabelecimento das Casas de Fun- das regras do jogo colonial existiu, por parte do Conde, --ª-di~f2.0J?ição
ocasii -> dição nas minas fosse abandonada pela sua pouca utilidade'". Argu- de negociar. As reivindicações constantes do memorial do povo da
mentava o Governador que o descaminho do ouro era inevitável em Vila, entregue ao Governador, não ameaçavam a ordem colonial.
razão dos "infinitos portos de mar". Exemplo aludido na época foi o Por seu lado, a indisposição dos moradores e dos principais do
desvio do ouro pata o resgate de negros na Costa da Mina, e daí para distrito com o ouvidor Martinho Vieira sequer espantava o Conde pelo
as nações estrangeiras sem que fosse pago o quinto de Sua Majestade comportamento pouco amistoso e pouco ético do ministro" . De acor-
e sem "tirar deste comércio utilidade nenhuma para a fazenda [real]"92. do com as palavras do Governador, Martinho Vieira era dotado de
-_'.,_ContinuavaD. Pedro afirmando ao rei negarem-se os povos a pagar o modos altivos, preterindo os termos judiciais e (...) obrava tão sumária e
If
"quinto rigoroso'<" e, com a política das Casas de Fundição, torna- executivamente com as partes até que a sua exasperação prorrompeu neste
ram-se inflexíveis na recusa de pagá-Ias. desatino'í", Não obstante os contínuos tumultos, o Conde acreditava,
Para a população da Capitania, não era justo o pagamento do
"quinto rigoroso", uma vez que o trabalho de extração do ouro reve-
! lava-se excessivo e dispendiosa a aquisição de negros. Além do que, •• SOBRE o modo de se tirarem os quintos na casa da moeda. Doe. cit,
conta os mineradores arriscavam seu cabedal, correndo o risco de serem .5 SOBRE a revolta de 1720, Carta da Câmara de Vila Rica ao rei; 15 de julho de 1720, Anuário do Museu
I da Inconfidência. Ouro Preto: v. VI, 1955-1957, p. 61.
., Antes de eclodir o motim, quando da prisão de João Lobo, ex-capitão-rnor de Pitangui, na casa de
84 APM.! Pascoal da Silva Guimarães, o Governador recomendou ao ouvidor Martinho Vieira tomar cuidado com
LOS, DI 90 SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeças deles, Carta do governador ao rei de 21 de suas atitudes porque "estes tais sujeitos [os poderosos do distrito de Vila Rica] lhe [queriam] fazer guerra
B5 Ver A, julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 04, fls. 855 a 878, por via dos outros ouvidores". PARA o ouvidor da comarca, 25 de junho de 1720. APM. Seção Colonial.
., SOBRE o modo de se tirarem os quintos na casa da moeda, 10 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 11. fi. 240v.
se PARA
Códice SG 04. fls. 849 a 855,
Câmarei .7SOBRE o modo de se tirarem os quintos na Casa da Moeda. Doe. cit,
" Ibidem. O ouvidor foi descrito no Discurso histórico e político como ligeiro e leviano, "descomposto nas ações,
"TERJ solto de lingua, e que de todos falava com desprezo, sem exceção de pessoa ...". DISCURSO 'histórico e
Mineir~! 93 O "quinto rigoroso" referia-se ao pagamento da exata quinta parte do ouro extraído,
político, Op, cil. p. 75.
50
52
53
~
..
porém, que a revolta chegaria logo ao seu término. mostrara-se perplexo com a "imaginação" do povo, Como cobrar to-
~ das as 30 arrobas de Vila Rica, se já era difícil cobrá-Ias de todas as
No entanto, ao reunir-se, em 1 de julho, com o Ouvidor Martinho
0
i
Víeira, Eugênio Freire de Andrade, superintendente das Casas de Fun- Minas? D. Pedro reiterava aos oficiais sequer estar estabelecido o pa-
dição, o tenente geral Félix de Azeredo Carneiro e Cunha e o capitão de gamento que caberia a cada uma das Vilas e que Vila Rica pagaria sua
dragões [oseph Rodrigues de Oliveira, D. Pedro lamentou comunicar ~ parte na tributação como qualquer outra localidade na Capitania'?",
que o povo continuava em tumulto não só com "...tenacidade mas também A face propriamente rebelde da sedição, aquela que caracteri-
com indução de outros para engrossar o seu partido (...) com armas nas mãos
intentando vir nesta forma a (Vila do Carmo ]"98 . O Conde informou tam-
bém que os cabeças do motim, por sua vez, haviam enviado cartas a
todas as comarcas, especialmente à do Rio das Velhas, para que os apoi-
I zamos como referida às formas políticas coloniais, explicitou-se com
a presença de Pascoal da Silva Guimarães e Manoel Mosqueira da
Rosa em Vila Rica, os quais tentavam persuadir o Governador de que.
os conflitos só cessariam, uma vez que eles ocupassem os postos mais
__
> assem. Nas noites que se seguiram, os cabeças enviaram emissários à
Vila Rica, convocando os moradores que os acompanhassem "0 que acha-
va fácil aceitação por servirem todos no interesse comum de requerer
I .. /
. importantes da Comarca.r O objetivo, c1aramemte explicitado, dos
potentados era o de tomar os lugares do Conde Governador e do
Ouvidor Geral da Comarca.
i
contra os quintos e casas de [undição"?". D. Pedro ainda informou aos Para acalmar os ânimos dos revoltos os, o Conde de Assumar
presentes, comentar-se na Vila que os amotinados preparavam mais rei- providenciara a saída do ouvidor Martinho Vieira da Comarca. Ten-
1
I vindicações além daquelas já arroladas no memorial. tando neutralizar Manoel Mosqueira, nomeou-o Provedor da Fazen-
I
-> Àquela altura, o Conde acreditou ser prudente considerar o ~.
da Real, na ausência do Ouvidor, e solicitou ao Bispo do Rio de Janei-
perdão que os rebeldes pediam através dos procuradores do povo.A ro que o nomeasse Provedor dos defuntos e ausentes. Enviou ao ex-
I Ouvidor Mosqueira uma carta na qual expressava toda sua admira-
decisão de conceder o perdão foi unânime, tendo em vista a ocupação 11·
v
dos morros e desfiladeiros pelos amotinados que punham em perigo, ção e lhe pedia que
I durante os ataques aos revoltos os, pessoas inocentes, "constrangidas
por força no mesmo tumulto", e a "aceitação da casas de fundição (...) tão assistisse] em Vila Rica para sossegar com seu res-
/I ••. [
meiindroea'"?', De acordo com informações dos oficiais da Câmara de peito toda e qualquer alteração procurando que pelas
passadas [ficassem] os ânimos quietos e sossegados em
Vila Rica ao Rei, o Governador teve de ceder já que a revolta, apoiada virtude do perdão que lhes [concedera] ..."I04.
I,
por grandes e pequenos, se generalizava, atingindo Sabará e Mato
I Dentro. Se o indulto não fosse concedido " ...entravam os povos destas Mosqueira, contudo, não ficou satisfeito com o ofício de Prove-
minas em uma geral subleoação"?" . dor da Fazenda Real. Desejava tomar o lugar de Martinho Vieira e por
Não obstante o perdão, em 5 de julho o povo de Vila Rica nova- isso incitou um novo motim no qual deveria ser aclamado Ouvidor.
mente levantou-se. Revoltou-se pela ameaça da cobrança das 30 Por sua vez, o sargento-mor Sebastião da Veiga Cabral pretendia tor-
arrobas de ouro dos mineradores de Vila Rica, tributação que se refe- nar-se Governador. Insistia Veiga Cabral que os tumultos cessariam
ria a toda a Capitania'?", Em carta aos oficiais da Câmara, o Conde uma vez que o Conde se retirasse para São Paulo, já que o desejo dos
amotinados era fazer-lhe Governador. Para por fim ao conflito, o sar-
•• TERMO de perdão dado ao povo de Vila Rica na ocasião que se levantou de 01 de julho de 1720. APM. gento-mor sugeriu ao Conde fingir-se de doente e deixar o governo
Seção Colonial. Códice 5G 06. IIs. 94, 94v.
em suas mãos por alguns meses.
"Ibidem.
100Ibidem. Em edital de 01 de julho de 1720, consta que o Conde u••• {howe] por bem conceder a rodos os
I Em razão da sua permanência nas Minas, D. Pedro foi informa-
moradores desta vila e à outros quaisquer que se acharam no dito tumulto ou fossem cabeças dele, ou
·f do de um novo motim a iniciar-se em 12 de julho, visando colocar
não, perdão ...". SOBRE
Seção Colonial. Códice
o perdão concedido aos moradores de Vila Rica de 01 de julho de 1720. APM.
5G 11. fI. 289r.
f
101SOBRE a revolta de 1720. Carta da Câmara de Vila Rica ao rei de 15 de julho de 1720. Doe. eu.
103lbidem.
102PARA os oficiais da Câmara de Vila Rica; 6 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice 5G 11. fI.
243v. Ver nota de rodapé 35 deste capítulo. 104ORDEM do Governador de 10 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice 5G 11 fi. 244v.
54 55
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII na primeira melade do Século XVIII
Sebastião da Veiga Cabral no poder e preencher os outros cargos e to de Vila do Carmo, com um montante de 1500 negros armados e a
ofícios já previamente divididos por Pascoal da Silva Guimarães'?". companhia de dragões
A esta altura, o Governador tratou de por ordem em Vila Rica.
Através do bando de 13 de julho, determinou "... para por em sossego [VilaRica1 e livrar o seu povo
das vexações, hostilidades, inquietações e extorsões que
"... para evitar todo o gênero de desassossego que têm lhe faziam os cabeças amotinadores e perturbadores
com os mascarados, tornando estes insolentes a apare- do sossego público ..."110•
.>, cer lhe atirem e os matem por serem perturbadores do
sossego público e inquietadores do pOVO"106• D. Pedro queria uma platéia expressiva para presenciar o casti-,
go exemplar reservado aos amotinados, para que não se repetisse o
Aqueles que exterminassem os mascarados, freqüentadores do "horroroso atentado como para não deixar a mão alçada para outro". Era
morro de Ouro Podre e de Vila Rica, não incorreriam em crime algum inconcebível um povo
e ainda seriam recompensados com cem oitavas de ouro'?". Segundo
o Governador, estes homens disfarçados, geralmente os cabeças dos "... no domínio [de Sua Majestade] rebelado contra as
! motins, tinham "urdido uma conjuração feita entre eles para expulsar [das] suas leis e reais ordens, fazendo lubibrio delas, ul-
minas Governador e ministros e todos mais oficiais de Sua Majestade", pata trajando-as e inventando novas leis para se observa-
rem; desatino tão atroz que ofende os ouvidos de quem
dominarem os povos, apossarem-se de seus bens e ficarem isentos de
o ouve escandalizadamente mais aos que com media-
suas dívidas'!". Com a reincidência do motim, o perdão concedido
II em 1 de julho continuou em vigor somente para o povo da Vila, ten-
0
na fidelidade o presenciaram"!" .
I
do sido revogado para os líderes da sedição. Chegando à Vila, o Governador ordenou atear fogo às casas de
[ . .> O Conde determinou que o ajudante de tenente Manoel da Cos-
I
Pascoal da Silva Guimarães e em muitas dos seus cúmplices situadas
ta Pinheiro, o alferes Manoel de Barros Guedes e o capitão Manoel da ~? no morro do Ouro Podre de onde originavam, todas as noites, os mo-
Costa Fragoso, juntamente com 30 dragões, prendessem os cabeças tins. Durante o começo de uma sublevação, ocorrida também em 12
da revolta, missão concluída com êxito. Foram presos Manoel de julho, no sítio de Cachoeira do Campo, prendeu-se Filipe dos San-
i
III
Mosqueira da Rosa; o mestre de campo Pascoal da Silva Guimarães;
Frei Vicente Botelho: Frade Bento, filho de Mosqueira e Frei Francisco
de Monte Alverne, amigo pessoal de Pascoal da Silva'?".
A prisão dos cabeças desencadeou um novo motim. Homens
!I
tos, acusado de cabeça e instigador do levantamento, que foi executa-
do sumariamente.
Em 17 de julho, o Conde publicou um bando pelo qual determi-
nava que todos os proprietários de casas ou vendas localizadas no
I
mascarados, com um número considerável de negros armados, inva- morro de Ouro Podre se desfizessem delas no prazo de quinze dias, e
diram Vila Rica, quebraram portas e janelas, arrombaram e saquea-
;':, II ram as casas, ameaçando incendiar toda a Vila.
fossem se estabelecer em Vila Rica ou qualquer outro lugar que dese-
, I. jassem. Segundo costume da época, as casas e vendas seriam arrasa-
Generalizada a desordem, dirigiu-se o Conde em 16 de.julho das e queimadas "para que não houvesse mais memória delas"?" . O ban-
para Vila Rica, acompanhado de todas as 'pessoas principais do distri-
I "0 TERMO de vereança de 17 de agasto de 1720. Atas da Câmara de Vila Rica. Revista do Arquivo
105SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeças deles. Carta do Governador ao Rei de 21 Público Mineiro. XXV (1937), p. 145.
de julho de 1720, APM. Seção Colonial. Códice SG 04, tis. 855 a 878. t t t Ibidem.
106BANDO de 13 de julho de 1720, APM. Seção Colonial. Códice SG 11.fls. 291r, 291v,
rI 112 O ritual de arrasar e queimar com o usa do fogo os loei da desordem na colônia simbolizava a purifica.
1°'lbidem. . . ção e a regenerescência destes locais, aspectos positivos da destruição. Por sua vez, o uso do 811,apóI
a destruição pelo fogo. representava a tentativa de tornar estes lugares inférteis para sempre, Inibindo I
108SOBRE se querer somente castigar os cabeças do motim de Vila Rica; 14 de julho de 1720. APM. geração de novas idéias rebeldes e a recorrência das desordens. Este ritual já era observacto entre 01
Seção Colonial. Códice SG 11.tls. 290v. 291 r. romanos, que jogavam sal nas terras das cidades que destruíam para-tornar o solo eternamente 111.rll. Cf.
109SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeças deles, Doe, cit,
r. CHEVALlER, Jean et ai. Dicionário de símbolos, p. 440-443; 797-798,
56 87
I
Vassalos RebeldeS; violêncIa nas Mlnu
na primeira metade do Século XVIII
Valllo, Rebeldea: violência nas Minas
na primeira melada do Século XVIII
I il
I,
Este procedimento de queimar e salgar propriedades dos cabeças das revoltas foi utilizado, por exemplo,
nas casas e roças de Domingos Rodrigues do Prado, líder da sedição de Pitangui (ver capitulo 4 deste
trabalho). Exemplo mais conhecido deste ritual está ordenado na sentença de condenação de Tiradentes,
a qual determinava arrasar e salgar a casa em que vivia o Alferes Joaquim José da Silva Xavier "para que
I nunca mais no chão [coisa alguma] se editioue".
,I i Existe uma polêmica quanto à destruição do morro de Ouro Podre que teria sido totalmente incendiado e
passado a se denominar Morro da Queimada. Cf. VASCONCELOS, Diogo de. Op. cit. Apesar do bando do
Conde de Assumar, que ameaçava arrasar e queimar casas e vendas situadas no morro, não encontra-
mos nenhum documento que confirmasse a sua destruição total. Somente foram queimadas as proprieda-
des de Pascoal da Silva Guimarães. Não obstante vários são os relatos que atestam a destruição total do
Morro de Ouro Podre, incorporando a versão na história dos motins de 1720 em Vila Rica.
113BANDO de 17 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 11.fI. 291v. Em razão das desordens,
por termo de acórdâo, a Câmara de Vila Rica resolveu eleger seis cabos das rondas, "homens dos mais
capazeS' que deveriam, cada um, reunir 12 homens e, repartidos pelos bairros de Vila Rica à noite, "...con-
vir ao sossego e quie/ação destes moradores, observando em tudo o regimento que Ihes havia de dar o
Senado para melhor expedição às obrigações de que Ihes faziam cargo".
TERMO de acórdão de 08 de agosto de 1720. ATAS da Câmara de Vila Rica. Revista do Arquivo Público
Mineiro. XXV (1937). p. 139.
,1<PARA o Dr. Martinho Vieira, 20 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 11. IIs. 248r, 248v.
115CARTA para o secretário de Estado, Diogo de Mendonça, de 14 de dezembro de 1720. APM. Seção 116Ibidem.
Colonial. Códice SG 13. IIs. 11, 11v e 12.
et
58
I r
I I
i
i
I
I CAPÍTULO 3
r
POTENTADOS E BANDIDOS:
os motins do Sertão do São Francisco
117A região noroeste de Minas, que denominamos o Sertão do São Francisco, compreendia os arraiais de
São Romão, Manga, Brejo do Salgado (hoje Januária), Capela das Almas, Japoré (hoje Nhandutiba),
barra do Rio das Velhas (hoje Guaicui). Montes Claros, entre outros núcleos urbanos menores. Sobre o
assunto ver: MATA MACHADO, Bernardo. História do sertão noroeste de Minas Gerais. 1690-1930. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. p. 11 passim.
t18 VASCONCELOS, Diogo de. História média de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1918.
p.98.
61
Vassalos Rebeldes: violêncla nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
1
na primeira metade do Século xvm
deiras, transformadas em meados do século XVII em prescrutadoras
1l9
dos limites territoriais de cada jurisdição . A região, submetida ad- de metais preciosos, os formadores dos núcleos criatórios e comerci-
ministrativamente à Comarca do Rio das Velhas, ligava-se porém, no ais do noroeste da Capitania de Minas Gerais. Caio Prado Júnior, em
que se referia à jurisdição eclesiástica, aos Bispados de 12o Olinda e. da sua obra clássica Formação do Brasil contemporâneo, afirma que o norte
Bahia, em razão da tardia criação do Bispado de Mariana • e noroeste da Capitania achavam-se povoados pelos baianos desde o
Como o Sertão do São Francisco não se vinculava à economia século XVII e que a ocupação realizada pelos paulistas não teve con-
de exportação, podia-se observar, nesta área, grande fluidez adminis-' tínuídade'". Embora a proximidade com a Bahia possa sugerir um
trativa e uma organização sócio-econômica bem diferenciada daque- povoamento derivado das regiões baianas e pernambucanas, as evi-
la da região mineradora, embora sua formação e desenvolvimento dências documentais nos permitem afirmar que to (ia aár~a_foi origi-
estivessem intimamente ligados a estas. A ocupação do São Francisco \ nalmente povoada pelos paulistas aos quais se deveu também a sua
dinamização.
desviou-se dos pressupostos administrativos básicos da política me-
tropolitana para as regiões mineradoras - montagem de um vasto Consta do documento anônimo Informações sobre as Minas do
aparelho burocrático, tributário e fiscalizador. Brasil:
--;> Somente após a instalação do Arcebispado da Bahia foram cria- "Das vilas de São Paulo para o Rio de São Francisco
das freguesias no Sertão, nas quais era cobrado o imposto, meio civil descobriram os paulistas antigamente um caminho a
meio eclesiástico, do dízimo. A Carta Régia de 20 de janeiro de 1699 que chamavam Caminho Geral do Sertão, pelo qual
representou o primeiro esforço para introduzir alguma ordem no Ser- entravam e cortando os vastos desertos que medeam
tão. Foram criados juízes, à semelhança dos juízes de vintena, e desig- entre as ditas vilas e o dito rio, nele fizeram várias con-
nados o capitão-mor e cabos de milícia para sustentarem as decisões quistas de tapuias e passaram a outras para os sertões,
de diversas jurisdições, como foram Maranhão,
judiciais.
A resistência à tentativa da Metrópole de organizar a área não Pernambuco e Bahia sendo para todas geral o dito ca-
foi pequena. Mas o Sertão continuou "um país (...) habitado de régulos minho até aquele termo fixo que faziam nesta, ou na-
quela parte do rio de São Francisco, em o qual muda-
que não conheciam outra lei, que a da força", que devia,
12l
por todos os mei-
vam de rumo conforme a jurisdição, ou Capitania a
os, ser reduzido "à boa ordem e sujeição à justiça" • que encaminhavam, ou conveniência que se lhe ofere-
Desde que o apresamento dos índios tapuias se constituiu como cia; e com tão continuada freqüência facilitaram o trân-
economia básica da Capitania de São Vicente, foram organizadas para sito daquele caminho que muitos deles transportando
este fim bandeiras e entradas. Foram os responsáveis por estas ban- por ele suas mulheres e famílias mudaram os seus do-
micílios de São Paulo para as beiras do dito rio de São
li Francisco, nas quais hoje se acham mais de cem casais
119 Segundo Joaquim Ribeiro Costa: "Na criação das primeiras vilas limitavam-se os respectivos atos todos paulistas e alguns deles comcabedais muito gros-
Ii oficiais à declaração pela qual eram os antigos arraiais elevados àquela categoria, como sedes de muni-
cípios, mas não faziam referência ao território da respectiva jurisdição. A sua delimitação verificava-se na
SOS"123.
l medida em que se estendia, na prática, a ação das autoridades até onde não se entrassem em conflito
com a autoridade vizinha. É o que teria ocorrido na fixação dos limites entre Vila do Carmo e Vila Rica e
Segundo Afonso de Taunay, importantes bandeirantes paulistas
.fundaram enormes fazendas de criação no vale do São Francisco, da
entre estas e a Vila Real de Sabará. Esta última, limitando-se ao sul com aquelas duas, não teria natural-
mente outros limites a observar pelo simples fato de que outras vilas não haviam sido criadas. Assim, tanto foz do rio das Velhas para o norte, e nos de seus afluentes como o
ao norte como a oeste, e a leste, sua jurisdição se estenderia até onde chegassem, por aqueles lados, os
limites da capitania. Foi, ao que parece, o que ficou positivado com a criação das três primeiras comarcas,
uma das quais, com sede na Vila Real, teve ajustada a sua divisa com as de Vila Rica, tocando a esta a
parte do sul e àquela a do norte. Desta forma, a jurisdição da vila de Sabará foi muitíssimo maior que as
.
Verde, o Urucuia, o Carinhanha, o Paracatu'"
das outras duas reunidas'. 122 PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. p. 197. •
COSTA, Joaquim Ribeiro de. Toponímia de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1970. p. 80.
120 A margem' direita do São Francisco submetia-se à Vigaria Geral, com sede em Minas Novas, e a
123INFORMAÇÕES sobre as Minas do Brasil. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de J.n.'ro. 87
(1939).p.172. .
margem esquerda ligava-se ao Vigário da Vara que regia a área pernambucana.
121 CARTAS de Martinho de Mendonça de 29 de junho de 1736 e de 17 de outubro de 1737. Motins do
124 TAUNAY, Afonso. História das bandeiras paulistas. São Paulo: Melhoramentos, 1963. v.t. Vir Anlxa 2.
Sertão. Revista do Arquivo Público Mineiro, 1 (1896). p. 649-600, p. 662.
153
62
VlIIIiOI Rtblldtl: vlollnel. na. Minas
11Iprlma~.mllldt do S6culo XVIII
V•••• Io. Robtld •• : vlolOnelana. Mina.
n. prlmolr. matldo do S6culo XVIII
125 INFORMAÇÕES sobre as minas do Brasil. Op. cil. p. 179. 127 Carta de 15 de março de 1734. Ibidem. p. 99.
\26CARTA de 12 de outubro de 1732. Documentos interessantes. Apud PINTO, Virgílio Noya. O ouro \28 MOTINS do Sertão. Revista do Arquivo Público Mineiro. 4 (1896). p. 663.
brasileiro e o comércio anglo-português. São Paulo: Nacional, 1979. p. 98. 129HOLANDA, Sérgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: -. História geral da civilização brasileira.
\ Rio de Janeiro: Ditei, 1977.1.1. v.2. p.289.
64
65
_" ,_"u 4
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII na primeira metade do Século XVIII
dens e bandos de Arthur de Sá e Menezes, de 23 e 25 de setembro e 20 Brejo do Salgado foi considerado, no século XVIII, o maior em-
de dezembro de 1701, reforçadas pela Carta Régia de 9 de dezembro pório comercial entre o Alto e Médio São Francisco, de onde saíam
do mesmo ano. As providências foram renovadas por D. Álvaro da boiadas para a região do rio das Velhas. A importância de Barra do
Silveira de Albuquerque, em atos de 16 e 25 de setembro de 1702,10 e Rio das Velhas foi assinalada por João Emmanuel Pohl- "o arraial tem
13 de março de 1703. grande fama pelo seu amplo tráfego comercial" 132.
Contudo, as proibições nunca foram respeitadas, principalmente ,O desenvolvimento econômico do sertão do São Francisco
pelas maiores facilidades oferecidas para o escoamento das mercado- apoiou-se, assim, na criação de gado e na produção de gêneros de
rias, seja através da via fluvial, do São Francisco, seja das rotas terres- subsistência para o consumo das regiões mineradoras. Toda essa mas-
tres do sertão. Deve-se também ressaltar que o mercado paulista, pri- sa de mercadorias que era comercializada com as áreas de extração
meiro centro abastecedor das Gerais, sofreu uma aguda crise em ra- aurífera voltava em ouro.
zão da grande demanda das minas nos seus primeiros anos. O merca- 'A totalidade dos arraiais do noroeste da Capitania de Minas
do paulista não estava em condições de suprir as necessidades das Gerais teve a pecuária e a produção de gêneros de subsistência como
minas e, ao mesmo tempo, sustentar as regiões vicentinas o que acar- base de sua economia. Ressaltando a baixa capitalização da atividade
retou a proibição, em 1705, da venda de gêneros de subsistência para pastoril, as facilidades para o desenvolvimento das lavouras e os lu-
fora de São Paulo. Com o aumento da produção paulista, a proibição cros obtidos pelo gado e demais produtos nas minas, é fácil inferir a
foi cancelada em 1722 mantendo-se somente a restrição quanto ao co- alta capitalização dos fazendeiros da região, isto sem levar em conta
mércio de gado. Tal situação tornou o comércio através do São Fran- os lucros da intermediação comercial. Assim, a riqueza destes gran-
cisco fundamental para a sobrevivência das minas nos seus primeiros des proprietários, aliada à grande autonomia administrativa da re-
anos. Segundo Mafalda Zemella: gião, como veremos, permitiu a emergência de potentados e, conse-
qüentemente, graves dificuldades para a manutenção das formas
"A vida nas minas, nos primeiros anos que sucederam acomodativas no sertão do São Francisco ..
descobertas, seria praticamente impossível sem os for- A região agro-pastoril do noroeste de Minas, ao contrário da
necimentos partidos do Recôncavo e das zonas margi- região mineradora, sofria muito pouco com a tributação. Com exce-
nais do São Francisco, as quais ofereciam as carnes e ção dos dízimos da Ordem de Cristo e dos impostos cobrados nos
as farinhas necessárias ao sustento dos mineradores, registros - "postos fiscais estabelecidos nos limites dos distritos mineradores,
assegurando assim a continuidade da indústria
extrativa do ouro" 130. nos principais e mais freqüentes pontos das rotas que buscavam aquelas regi-
ões"133 - que controlavam a saída do ouro das minas, fiscalizavam e
A produção e a intermediação fizeram surgir importantes em- taxavam pessoas, escravos e gêneros, a tributação praticamente
pórios comerciais na região - Barra do Rio das Velhas, Brejo do inexistia no sertão do São Francisco, onde o poder das autoridades
Salgado, Morrinhos, São Romão. Estes empórios, situados no ca- era apenas nominal. A região noroeste, isenta do quinto, por não se
minho do São Francisco, tiveram peso significativo na Capitania constituir em área de mineração, ficava ainda excluída dos direitos de
de Minas Gerais durante o século XVIII. Tratando de São Rornão, peagem, dos impostos locais recolhidos pelos Senados da Câmara e
afirmou Waldemar de Almeida Barbosa que o arraial foi "centro das propinas, porque seus núcleos urbanos não possuíam as insígnias
comercial de importância com negócios de peixe, carne, melancias, açú- de vila. Com exceção de São Romão, único arraial onde se recolhia
car e, sobretudo, de sal"!", impostos, evidentemente ínfimos, se comparados com aqueles reco-
lhidos nas vilas da Comarca do Rio das Velhas, todos os demais arraí-
1~ZEMELLA, Mafalda. o abastecimento da Capitania de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: USp,
1951. p. 68. 132 POHL, João Emmanuel. Viagem ao interior do Brasil, Belo Horizonte: Itatiaia, 1971. p. 155,
131BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Promoção Familia, 1971. p. 472.
I ELLlS, Miriam. Contribuição ao estudo do abastecimento das zonas mineradoras do Brasil no século
133
66
I
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67
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeld •• : violência na. Mina.
na primeira metade do Século XVIII na primelramOCàde do Século XVIII
ais e a totalidade da população do noroeste mineiro ficaram isentos homens livres, oficiais de qualquer ofício e escrávos ficavam obriga-
de taxações de fato até 1736. dos ao pagamento de 4 3/4 oitavas de ouro per capita; as vendas eram
taxadas proporcionalmente aos seus cabedaís'" . Em cada distrito ha-
Os motins do sertão veria um Intendente, subordinado ao Governador, ao qual eram sub-
metidos os oficiais da Intendência - tesoureiro, fiscal, escrivão e
Ao se iniciar os anos 30 do século XVIII, o volume do ouro arre- meirinho - e todos os moradores do distrito. O Governador encarre-
cadado na Capitania ficava muito aquém das expectativas de D. João gava-se de distribuir aos Intendentes os bilhetes da matrícula da
V Consultas aos ex-governadores das Minas, D. Pedro de Almeida, capitação, a qual seria realizada nos primeiros dias dos meses de ja-
Conde de Assumar, e D. Lourenço de Almeida, indicaram a possibili- neiro e julho. Da matrícula deviam constar o nome e a pátria dos es-
dade de se adotar o imposto da capitação, segundo as diretrizes cravos, seus respectivos proprietários e suas residências. Pela portaria
traçadas por Alexandre de Gusmão, Secretário de.D, João V134. de 01 de agosto de 1735 foram estabelecidas as Intendências das
Em 1733, foi enviado para as minas Martinho de Mendonça de comarcas de Minas.
Pina e de Proença, responsável pela implantação do novo sistema':". Segundo Boxer, "a taxa de capitação mostrou ser altamente impopu-
Com a possibilidade de se adotar a capitação, as Câmaras apre- lar". Incidia de forma mais contundente sobre os pobres do que sobre
sentaram uma contra-proposta ao então Covemador André de Meio os ricos, já que os escravos pagavam a mesma quantia independente
e Castro, Conde de Galvêas, de aumentar a contribuição dos quintos dos resultados da extração do ouro. Igualmente os proprietários de
para um mínimo de 100 arrobas anuais, permanecendo as Casas de estabelecimentos deficitários arcavam com os mesmos ônus daqueles
Fundição. Aceita a contra-proposta, esta vigorou em 1734 e 1735 ape- que "retiravam grandes proventos" dos seus estabelecimentos ..Os lavra-
nas. A Coroa persistia no propósito de estabelecer o sistema de dores, por sua vez, sofriam uma dupla taxação pois pagavam ..,o,s.,
capitação, o que se efetivou a partir de 1735. dízimos sobre sua produção e a capitação referente aos seus escra-
Aprovado o regulamento da capitação, este foi mandado cum- VOS
137
•
prir por bando de 01 de julho de 1735 e, em razão das exigências do '. A análise de Boxer pode ser comprovada pela representação dos
novo sistema, outro bando da mesma. data determinou o retorno à oficiais da Câmara de Vila Rica ao Rei na qual tratavam da
circulação do ouro em pó após o fechamento das Casas de Fundição e
proibiu a circulação de moedas na Capitania. Gomes Freire de Andrade "." opressão universal dos moradores destas Minas
assinou o regimento da capitação em 1735, o qual foi confirmado por involuta no arbítrio atual de se cobrarem os quintos de
carta do Secretário de Estado de 15 de agosto de 1736. Vossa Majestade devidos, podendo ser pagos com al-
guma suavidade de outra forma, sem diminuição do
-O regimento constava de 41 capítulos que dispunham sobre o
que por direito está Vossa Majestade recebendo, na con-
processo de cobrança da taxa, o alcance do poder dos Intendentes e as sideração de que ainda sejam lícitos os fins se deve
medidas punitivas aos sonegadores do imposto. Pelo novo sistema abraçar os meios mais toleráveis; é pois geral o senti-
mentocom que se vem decrescer as forças dos 'po-
VOS ... "138,
A respeito do sistema de capitação ver: VASCONCELOS, Diogo. Minas e Quintos do Ouro. Op. cit. e
134
BOXER, C. R. Op. cit. p. 216/221.
Após a exposição do argumento, os oficiais finalizavam o docu-
135 Segundo a sua Instrução, Martinho de Mendonça deveria, entre outras diligências: 1. informar-se, com
precisão, do número de escravos que vivia nas Minas e a ocupação deles, "se são mineiros, se roceiros, mento pedindo a real "piedade e compaixão" na providência e suspen-
em que sítios e por que espaço de tempo costumam estes minerar'; 2. visitar a Casa da Moeda no Rio de
Janeiro, examinar os materiais e instrumentos que haveriam de ser enviados para as Minas; 3. entrar em
acordo com o Governador das Minas e os procuradores das vilas sobre a melhor maneira de se cobrarem 138As lojas grandes (mais de 30.000 cruzados) pagariam 12 oitavas de ouro, as médias (de"\S.OOO a
os quintos, "de sorte que se faça com a menor vexação que for possível"; 4. insistir para que os moradores 20,000 cruzados) 8 oitavas, as pequenas (de 2000 a 3000 cruzados) e os mascates seriam t8!<ados com
das vilas aceitassem a "capitação geral de todos os escravos e uma contribuição proporcionada aos lucros 4 oitavas de ouro. CI. VASCONCELOS. Diogo R. P.de. Minas e quintos do ouro. Op. clt, p, 898. passlm,
que se faziam nas Minas, sem dependência de escravos, ficando os demais direitos antigos em seu vigor".
137 BOXER, C. R. Op. cit, p. 217.
Cf. REGIMENTO ou Instrução que trouxe o Governador Martinho de Mendonça de Pina e de Proença de
. 30 de outubro de 1733. Revista do Ar~uivo Público Mineiro. 3 (1898) p, 85·88. 131 REPRE$ENTAÇÃO. APM. Seção Colonial. Códice CMOP 49. fi. 42r.
68 69
1".'
são do "insofrível e continuado castigo que [atormentava] até a própria alma de impostos, além de estarem isentos dos serviços de guerra'".
dos pobres habita dores destas Minas"139 . Apesar das precauções de Martinho de Mendonça e das dispo-
A situação era agravada pela adoção da penhora por dívidas sições especiais para a cobrança da capitação no noroeste mineiro, os
daqueles que não podiam pagar ou que atrasavam o pagamento da sertanistas não aceitaram a presença do comissário André Moreira de
taxa nas datas estipuladas. Como todo o movimento comercial na Carvalho. A autonomia dos poderosos do Sertão ficaria seriamente \
Capitania apoiava-se no sistema de crédito, a penhora por dívidas comprometida com a presença das novas autoridades instituídas para
acarretou a retração do crédito aos mineiros'!". a cobrança do imposto. A resistência da gente miúda em pagar a taxa
A cobrança da capitação no Sertão do São Francisco apoiou-se recém-estabelecida e as ameaças ao poder político dos potentados do
em disposições especiais em razão das singularidades regionais que Sertão foram responsáveis pela eclosão e generalização dos motins.
certamente trariam dificuldades à execução do regimento na sua ínte- Martinho de Mendonça enfrentou graves dificuldades no go-
gra. Para esta cobrança, Martinho de Mendonça "autorizou pessoas de verno da Capitania, não só para obter informações precisas sobre os
seu conceito, às quais-recomenâou que não vexassem os pOVOS"141. movimentos do São Francisco como também para controlá-los!":
Pela portaria de 19 de fevereiro de 1736 foi designado André O primeiro motim eclodiu, em março de 1736, no arraial de
Moreira de Carvalho, escoltado por um cabo de esquadra e uma par- Capela das Almas contra o juiz de Papagaio, responsável por tirar
tida de dragões, para a cobrança da taxa no Sertão. O Governador devassas de alguns tumultos que haviam ocorrido em Barra do Rio
Interino deixou ao arbítrio do comissário as providências que se fizes- das Velhas!" . Os amotinados, após as violências contra o juiz, ficaram
sem necessárias, desde que André Moreira persuadisse os moradores à espera da esquadra do Barreto, alferes da tropa de dragões, para
do Sertão da justiça do sistema. O comissário teria de fazê-los reco- enfrentá-Ia, atitude a qual, de acordo com o Governador Interino, in-
nhecer o supremo poder da Coroa, personificado nos agentes metro- dicava "máquina maior fomentada por cabeça grande"145. O segundo mo-
politanos e alertá-los de que, ao contrário dos povos das minas, sobre- vimento iniciou-se em princípios de maio no sítio de Montes Claros,
carregados de tributos, sempre haviam sido poupados do pagamento junto ao Rio Verde, contra o comissário da capitação, André Moreira.
Estes tumultos, liderados por André Gonçalves Figueira, foram mais
generalizados e mais violentos do que o da Barra do Rio das Velhas.
139 Ibidem. p. 44r. Martinho de Mendonça deduziu, pelas informações do comissá-
140 "Para pagar em tempo sua taxa de capitação, a maior parte das pessoas era forçada a fazer
empréstimos de mais quantidade de ouro, ou então vender seus próprios pratos, ou as jóias da
esposa e das filhas. Os escravos eram todos comprados a crédito, com longos prazos e os mineiros
que não podiam pagar sua taxa de capitação, muitas vezes tinham esses escravos seqüestrados "'Ibidem.
pelos funcionários da Coroa, antes de terem pago por eles, em todo ou em parte. Esse estado de
'" Segundo Diogo de Vasconcelos, Martinho de Mendonça "que já estava prevenidíssimo sobre indícios
coisas acabou por produzir efeitos desfavoráveis no comércio com os portos, onde os negócios se
de uma sublevação, logo que teve conhecimento dos motins de Montes Claros, da Barra do Rio das Velhas
iam fazendo cada vez mais retraídoS no conceder crédito aos mineiros". BOXER, C. R. Op. clt. p. 218. e do Rio Verde, farejando o rastro da Inconfidência, tratou imediatamente de reunir elementos de reação".
Ver também Protestos das câmaras nas Minas Gerais contra a taxa de capitação em 1741/1751.
Cf. VASCONCELLOS, Diogo. História média de Minas Gerais. Op. cít, p. 114.
APM. Seção Colonial. Códice Costa Matoso (cópia). fls. 243-248.
Como mostraremos a seguir, Martinho de Mendonça, durante algum tempo, sequer esteve convicto da
141 VASCONCELOS, Diogo R. P. de. Minas e quintos do ouro. Op. cit, p. 898 passim. veracidade das informações a respeito dos motins. Tanto foi assim que, em novembro de 1737, o Governa-
As disposições especiais que regiam a cobrança da taxa no Sertão foram: dor afirmava com relação a um provável início de revolta em Vila do Carmo:
1 - o livro de matrícula deveria ser entregue ao juiz de São Romão e remetido à Intendência de Sabará até "... em semelhante matéria não se deve desprezar qualquer princípio, como mostrou a experiência nos
o último dia do mês de abril; motins do Sertão, aonde não se fazendo caso das vozes que se disseram uma noite na barra do Rio
das Velhas, se experimentou, ao depois, uma. formal rebelião ...". Cf. CARTA de Martinho de Mendonça
2 - a taxa de capitação, em sua primeira cobrança, cobriria seis meses passados e os seis que corriam, ao Dr. Juiz de Fora da Vila do Ribeirão do Carmo de 03 de novembro de 1737. APM. Seção Colonial.
tornando-se esse procedimento regra geral para os futuros pagamentos;
Códice SG 61 fI. 64.
3 - o comissário deveria exercer rigorosa vigilância para que não houvesse a possibilidade de fuga dos Sobre os motins do Sertão ver: ANASTASIA, Carla M. J. A sedição de 1736: estudo comparativo entre a
moradores com os escravos, ao tempo do pagamento, através do rio São Francisco para a região do zona dinâmica da mineração e a zona marginal do Sertão agro-pastoril do São Francisco. Belo Horizonte,
Carinhanha, Brejo do Salgado, Urucuia, Paracatu e caminhos de Goiás; Dissertação de Mestrado, DCP/UFMG, 1983 (mimeo) e MATA-MACHADO, Bernardo. Op. cit.p.43-50.
4 - o comissário tinha autorização para prender e enviar para a cadeia de Sabará qualquer pessoa que '" Para o Desembargador Intendente Francisco da Cunha Lobo. 17 de junho de 1736. APM. Seção Colo-
resistisse à capitação. nial. Códice SG 54, fls. 22, 22v, 23.
Cf. VASCONCELOS, Diogo R. P.de. Minas e quintos do ouro. Op. ctt. p. 898/899. Ver anexo 11. ,.. Para o Dr.João Soares Tavares. 20 de junho de 1736. APM. Seção Colonial. Códice SG 54, fi. 25.
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70 71
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Vassalos Robek:Jes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
11 na primeira metade do Século XVIII na primeira metade do Século XVIII
rio, que ambos os movimentos "se encaminhavam do mesmo fim" e portan- No início de julho de 1736, o Desembargador Cunha Lobo in-
to era "crível que tivessem os mesmos indtadores"?" . Em carta a Francisco formava ao Governador estar extremamente apreensivo com as notí-
da Cunha Lobo, Desembargador Intendente, o Governador ordenava- cias que lhe dera André Moreira. Ao Desembargador parecia que não
lhe tirar devassas das assuadas e informava que, em caso da eclosão de haviam cessado os motins "daqueles insolentes" o~ quais persistiam "no
novos motins, lhe seria delegado "poder econômico e militar". Lembrava- absurdo de repugnarem (...) a capitação". Se as notícias de André Moreira
lhe Martinho de Mendonça que nas revoltas "nunca (era] antecipada a não estivessem refletindo o "terror pânico" do comissário, que andava
prisão, nem vagarosa a soltura". Recomendava ao Desembargador pren- muito desvalido, Cunha Lobo acreditava que as notícias "nunca {eram]
der os líderes da sedição porque "nos delitos da multidão (...) a piedade que para desprezar"?", Dispunha-se a examinar de perto a "hidra" que se
se usa com muitos se deve ressarcir com o rigor e severidade com que se deve apresentava e os meios de destruí-Ia. Nesse mesmo dia, voltou O
tratar os poucos que são cabeças". Ordenava-lhe o Governador infundir nos Desembargador a escrever ao Governador, informando-lhe a esta al-
iõ
líderes da sedição" o temor e o respeito às leis do scoerano'"? . tura que os amotinados, com medo dos destacamentos de cavalaria,
'0 Governador determinou que o mestre de campo Faustino , haviam finalmente resolvido pagar o novo ímposto'" .
Rebelo, João Jorge Rangel e Gaspar Ribeiro da Gama assistissem a I O Governador Interino; frente às notícias contraditórias, aguar-
I
João Soares Tavares, Intendente de Sabará, nas devassas que este de- I
dava o desenrolar dos acontecimentos, mantendo porém o rigor das
,I
veria tirar dos motins "com grande miudeza", Informou, contudo, devassas e enviando José de Morais a Cachoeira do Campo, com o
Martinho de Mendonça que tinha grandes suspeitas de Faustino ser pretexto de comprar cavalos, para obter informações sobre o estado
cúmplice dos rebeldes, uma vez que sempre se colocara contra a co- da região do São Francisco com os sertanistas que lá estivessem nego-
!
Ii
brança dos quintos e fora motor dos levantes de Catas Altas ocorridos ciando gado'". Sobretudo, insistia o Governador com seus ministros
em 1719, juntamente com Manoel Rodrigues Soares!". Este último na necessidade da cobrança do novo imposto, pouco lhe importando
espalhara espias e comissários por todas as partes do Sertão que o que a capitação necessitasse de "termos mais violentos no sertão, sendo
informavam dos movimentos dos ministros e das tropas, permitindo tllo suavemente aceita e executada nas minas"154.
o trânsito mais livre dos revoltosos!" . O comissário André Moreira estava convicto de que o "levante
Com a inquietação generalizada no noroeste da Capitania, fora disposto por gente vil e de pouca suposição". Já o Desembargador
Martinho de Mendonça ordenou a Francisco Barreto que suspendesse a Cunha Lobo reputou por "inverossímel esta asserção, porque de ordinário
marcha para os Goiases, escoltasse o comissário da capitação e se colo- sempre as sublevações têm cabeças superiores e poderosas"155. Cunha Lobo
casse à disposição do Desembargador até a chegada de oficial maior"? acreditava que a rebelião era fomentada e "influída nos humildes" pe-
los principais moradores do Sertão, em especial Domingos do Prado
.)00 Oliveira, proprietário de 500 arcos e de muitos escravos'" .Assim, para'
,.. Para o Desembargador Intendente Francisco da Cunha Lobo. 17 de junho de 1736. Doe. cit. O comissário AndréMoreira, QS motins do Sertão eram resultado da
,r ,., Ibidem. Para o Desembargador Francisco da Cunha Lobo. 29 de junho de 1736. APM. Seção Colonial. indisposição do povo miúdo com o estélb~J~çimentodonQyoimp-Os-
côdice SG 54, fi. fi. 29.
! I
:i" Para o Or. João Soares Tavares. 19 de junho de 1736. APM. Seção Colonial. Códice SG 54, fI. 51v, 52r.
I
Em carta de 1726, o Rei de Portugal informava a D. Lourenço de Almeida que o mestre de campo Faustino
" Rebelo era. "homem muito poderoso, e das principais pessoas das Minas, e procurador e sócio dos dois
r li' Carta de Francisco Cunha Lobo para o governador de 08 de julho de 1736. APM. Seção Colonial.
I
. que chamais régu/os, Manoel Nunes Vianna e Manoel Rodrigues Soares, os quais também são muito
poderosos e se acham metidos no Sertão e situados em parte onde se não pode ter com eles a coação
I Códlo, SG 54, tis. 106r, 107r.
IIllbldem. tis. 107v, 108r.
competente, e unidos todos poderão perturbar as minas". CI. CARTA de 29 de janeiro de 1726. APM.
i Seção Colonial. Códice SG 2911. 16. '''Carta do governador a Gomes Freire de Andrade. 09 de julho de 1736. APM. Seção Colonial. Códice SG
, I Em 03 de julho de 1736, o Governador inlormou ao desembargador Ralael Pires Pardinho a prisão de
66,11•. Ber, BSv, 87r.
Faustino Rebelo, que fora enviado para Sabará. Posteriormente Faustino foi enviado à Vila Rica onde ficou 114 Para o Desembargador Francisco da Cunha Lobo. 21 de julho de 1736. APM. Seção Colonial. Códlce
aguardando a sua partida para o Reino. Para o Desembargador Ralael Pires Pardinho. 03 de julho de sa 64, 11.33v. • .
1736. APM. Seção Colonial Códice SG 54, 11. 31. '"Ibldlm.
'49 Para o Dr. João Soares Tavares. 19 de junho de 1736. Doe. cit. 11I Carta de Francisco da Cunha Lobo para o gov~rnador de 19 de julho de 1736. APM. Seção Colonial.
150 Para Francisco Barreto Pereira Pinto. 27'de junho de 1736. APM. Seção Colonial. Códice SG 54. fi. 21. Códlc. SG 54. ti. 111v, 112r.
\ .
72 73
_._--~. -"-,
I r
tQ.,_Q_qlJ,~.J'\ºS
J~varia .él caracterizá-loscomo Jlp1a.JaX rebeliion. Para
~
e o juiz alertou
nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
Carta do governador a Gomes Freire de Andrade de 28 de julho de 1736. APM. Seção Colonial. Códice
157 '10 Ibldem. CARTA de Antônio Tinoco Barcelos para Gomes Freira de Andrade de 29 de julho de 1736.
SG 55. fI. 94r. APM, Seção Colonial, Códice SG 54, 115. 56v. 57r.
158 CARTA do desembargador Francisco Cunha Lobo para o Governador de 29 de julho de 1736. APM. '" CI. CARTA de Domingos Alves Ferreira para o Governador de 09 de setembro de 1736. APM. Sêçêo
Seção Colonial. Códice SG 54. fI. 118v. 119v e CARTA do Juiz de São Romão Francisco Souza Ferreira Colonial. Códice SG 54. IIs. 156r a 157r.
para o Governador de 10 de agosto de 1736. APM. Seção Colonial. Códice SG 54, fls. 122v. 123v. 'u CARTA do desembargador Francisco da Cunha Lobo para o governador de 07 de agosto de 1736. APM.
,
'" CARTA do Juiz de São Romão para o Governador de 10 de agosto de 1736. Doe. cit, 81Qlo Colonial. Códice SG 54. 115. 127r a 129v.
74 76
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
I Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
,
naprlmslra metade do Século XVIII
Cunha Lobo solicitou ao Governador que enviasse mais parti- qUI O capitão da tropa de amotinados, responsável pela primeira
das de dragões e mais capitães-do-mato, pois só 'assim poderia en- lnvustidn em São Romão
,
frentar os graves tumultos que eclodiam intermitentemente no Ser-
tão. Além da necessidade de reforços, o Desembargador avisou o Go- "lhe [parecia] que o [era] tanto na realidade como o foi
vernador das dificuldades das autoridades permanecerem na região, o Rei do Rio das Mortes, pois (...) aquele falava latim
tendo em vista a chegada da estação das águas com "sezões e maligni- aplicando textos a prepósitos, e este [era] um mama
Luiz filho de uma carijó, nascido e criado no rio de São
dades'P": Descrente das razões de Cunha Lobo e do mestre de campo, Francisco"!". .
Martinho de Mendonça os acusou de inventarem quimeras por esta-
rem com medo, na verdade, de contraírem as doenças do sertão.
Tampouco acreditava Martinho de Mendonça no comissário da I Contudo, Gomes Freire de Andrade, em resposta à carta do
Govcrnndor Interino, aconselhava-o a não "desprezar antes de dar a co-
capitação André Moreira que a "cada hora [sonhava] novo exército de nhcccr quanto um ajuntamento de pés rapados, mulatos e mamelucos (...)
levantados". O Governador dizia-se seguro de que "o tempo [mostraria] litro Ifuriu) demorar a cobrança da capuação'P",
as quimeras que se [contavam] sobre os motins do sertão", nascidas da ima- O Governador justificava a sublevação desta gente miúda como
ginação de "gente mal intencionada que [vivia] desde a barra até São resultado do odioso pagamento da capitação pelos "mulatos, filhos de
Romão"164. iunnens livres, que [eram] muitos e muito pobres"?", Embora descon-
Contudo a posição de Martinho de Mendonça revelava-se con- sldcrasse a força dos motins, ridicularizasse a qualidade dos homens
traditória. Se por um lado não acreditava na existência dos graves do Sertão e não estivesse disposto a negociar, Martinho de Mendonça,
tumultos no noroeste de Minas, por outro insistia na insolência das I para atender a gente miúda, ordenou a André Moreira "que praticasse
reivindicações dos rebeldes, consideradas inegociáveis. Em carta de {lia cobrança do imposto] toda a moderação'F" .
01 de agosto de 1736, para Antônio Tinoco Barcelos, afirmava que "se Ainda, segundo o Governador, as outras duas razões que havi-
os rebeldes fossem fiéis vassalos, seriam atendidos com justiça"165 . Este sem- am gerado os motins eram derivadas da má qualidade dos povos do
pre foi o argumento típico das autoridades para a negociação em caso Sertão e não permitiam "supor maior máquina". Referiam-se ao contro-
de motins considerados dentro das regras do jogo colonial. Para le que a capítação passaria a exercer na região sobre "a liberdade de se
Martinho de Mendonça "ajuntamento de povo, armas e gritos", como es- scroir com escravos induzidos efurtados aos passageiros" e ao conhecimento
tava acontecendo no Sertão, não eram "meios de alcançar favor"166. que fassaria a ter o Intendente dos diversos delitos cometidos no Ser-
..-)- Por outro lado, o Governador afirmava ter convicção de que H'Io1 • Outra razão era de ordem econômica. Informava Martinho de
o corpo de rebeldes era composto por gente miúda, por que escra- Mendonça ao ex-governador das Minas, Conde de Galvêas, que o dis-
vos só os tinham Manoel Rodrigues Soares, Luís de' Siqueira e trito do Sertão lucrava todos os anos mais de um milhão, "no aumento
Domingos do Prado e estes negros e índios não eram suficientes dos gados que nele se [engordavam]". Passavam de vinte mil as reses que
para sustentar os motins. Martinho de Mendonça, duvidando da nele nasciam, "governando-se as fazendas com pouquíssimos escravos".' O
força dos tumultos, escreveu com ironia a Gomes Freire de Andrade
,., CARTA do Governador para Gomes Freire de Andrade de 23 de julho de 1736. APM. Seção Colonial,
163CARTA do desembargador Francisco da Cunha Lobo para o Governador de 29 de julho de 1736. Doe,
cil. Códlce SG 55, fls. 91v, 92v. Martinho de Mendonça referia-se, ao comparar o capitão da tropa de amotina-
dos do Sertão com o rei do Rio das Mortes, à fracassada insurreição escrava na região mineradora em
164CARTA do Governador a Gomes Freire de Andrade de 13 de agosto de 1736. APM. Seção Colonial. 1719, no governo do Conde de Assumar, na qual os negros escolheram rei, rainha e oficiais militares que
Códice SG 55. fls.100v e 101v. CARTA do Governador para o capitão de dragões José de Morais Cabral (lovernarlam as Minas caso a sedição fosse bem sucedida. Ver capítulo 7 deste trabalho.
de 03 de setembro de 1736. APM. Seção Colonial. Códice SG 54 fls. 56v, 57r. CARTA do Governador para
'"" CARTA do Governador para Gomes Freire de Andrade de 13 de agosto de 1736. Doe, cit,
o Intendente da Fazenda Real Manoel Dias Torres de 07 de setembro de 1736. APM. Seção Colonial.
'··Ibldem.
Códice SG 5411. 18.
165CARTA do Governador para Antônio Tinoco Barcelos de 13 de agosto de 1736. APM. Seção Colonial, t, I/olbldem.
Códice SG 54, fI. 18. 1/1 CARTA de Martinho de Mendonça para o Conde de Galvêas de 26 de setembro de 1736. APM. Seção
76
I 77
vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
173CARTA de João Ferreira Tavares ao Governador de 23 de agosto de 1736. APM. Seção Colonial,
d.,.mhto da 1736. APM. Seção Colonial, Códice SG 56, fls. 21r, 21v.
Códice SG 54, 115. 133v a 134v. 111 CANTA de Martlnho de Mendonça para Gomes Freire de Andrade de 24 de agosto de 1736. APM.
"Q.11 Culonlal, Códic8 SG 55, fls. 104v a 105v.
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79
' , Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: vlolA"cll nl. Mina.
Vassalos
na primeira melade do Século XVIII na primeira melada do 860ulo XVIII
na primei
fi dens Não obstante descrente do poder dos levantados, o Governador até Jequitaí. No entanto, estes sertanistas recusaram acompanhá-los
~. de d ordenou a Sebastião Mendes de Carvalho, recém-nomeado Provedor "pela falta dos principaie'P" .
do n e Intendente dos Goiases, que prendesse suspeitos do motim de Ca- A partir deste momento, os tumultos começaram a involuir no
I SilVE pela das Almas e, em São Romão, principal origem das inquietações, sertão.
!
13 d: averiguasse o comportamento do sargento-mor Antonio Tinoco Bar- Arrefecidos os motins, o Intendente Sebastião Mendes de Car-
celos e lhe informasse também sobre a fidelidade do escrivão que re- valho mandou, em novembro de 1736, o tenente Simão da Cunha Pe-
pela: digira o requerimento dos amotinados'?". reira com seus homens para a região do Urucuia, onde prenderam
rias, Alheios às devassas ordenadas pelo Governador, os amotina- mais de 60 pessoas, fizeram seqüestros de bens, matricularam escra-
tres . dos continuavam a sua marcha, liderados por Pedro Cardoso, inves- vos e, finalmente, cobraram a capitação'" .
meir tido no cargo de procurador do pOV0178• No seu caminho para São Em fins de novembro, Martinho de Mendonça remeteu para Vila
zãol Romão, os rebeldes assaltaram viajantes, roubaram e saquearam ca- Rica alguns poucos presos, acusados pela devassa de terem cometido,
do F sas, forçaram mulheres casadas e solteiras, cometeram muitas outras além dos atos sediciosos, "execráveis delitos", como mortes, incêndios
miru insolências e, depois, partiram para a sede da Comarca do Rio das e estupros'". O controle dos motins do Sertão não significou o sosse-
retol Velhas'?". Os amotinados, a pretexto do chamado dos moradores das go do Governador Interino, Martinho de Mendonça'".
fora ---'> minas, pretendiam conquistar Sabará e ampliar os tumultos até a ocu- Nos últimos meses de 1737, Martinho de Mendonça inquieta-
foi c pação de Vila Rica. Para tanto, a tropa rebelde contava com a ajuda va-se com rumores de uma sedição em Vila do Carmo, que seria um
mén que lhe seria dada em Jequitaí por fazendeiros poderosos da região, desdobramento dos motins do Sertão. Afirmava o Governador que "0
ciscc em especial Manoel Rodrigues Soares, José de Queirós, Luís de método presente da cobrança da capitação (...) se tem feito odioso ao vulgo ... /I.
anos Siqueira e Dr. Miguel de Souza, filho e herdeiro de Manuel Nunes Ciente, àquela altura, da gravidade da situação que enfrentara no Ser-
Viana. As atrocidades cometidas pelos revoltosos na sua jornada re-
sultaram na condenação à morte do mestre de campo dos amotina-
CARTA de João Ferreira Tavares para o Governador de 03 de setembro de 1736. APM. Seção Colonial,
dos pelas suas próprias tropas, e na recusa dos potentados de Iequitai, 180
66 80 81
..-.--.. ----_.
Vassalos Rebeldes: vlolênola nas Minas
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII
na primeira metade do Século XVIII
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••• CARTA de Martinho de Mendonça para o Secretário de Estado, Antônio Guedes Pereira, da 17 da
,., CARTA do Rei de Portugal a Gomes Freire de Andrade de 03 de julho de 1738. APM. Seção Colonial. "
I outubro de 1737. Revista do Arquivo Público Mineiro. Op. cit. p. 662.
Códice SG 63, fI. 330.
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82
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PARTE 11
"E a razão por que aos poderosos, mais que aos minis-
tros de El Rei, obedecia o Povo, me parece que era por-
que via que em poder dos tais estavam as leis, os direi-
tos, as sentenças,_ a paz e a guerra, não se isentando
nem a jurisdição eclesiástica de seu poder, e que só eles,
ou os que eles queriam, eram os favorecidos, os pode-
rosos, os honrados, os ricos, e corno advertia, que quan-
to cada um destes pior obrava, então se estabelecia mais
seguro, sem que se desse gênero algum de castigo a
seus insultos, justamente julgava que eles eram os prín-
cipes das Minas ..." (Discurso Histórico e Político sobre
a Sublevação que n~s Minas houve no ano de 1720)
"...este governo não é governado nem por Sua Majes-
tade, nem pelos seus governadores, senão ~la Divina
Providência ..."
./
CAPíTULO 4
"GENTE INTRATÁVEL":
os motins de Pitangui
I~"
"8 Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, em trabalho apresentado no Seminário "Tiradentes: Mito, Cul-
tura e História" e publicado no IX Anuário do Museu da Inconfidência, atribui características de tax rebellion
ao levante de Pitangui - o de 1720 - e as aproxima das da sedição de Vila Rica, considerando os movi-
mentos interrelacionados, posição que não sustentamos, mesmo porque os tumultos iniciam-se em 1717
e persistem por toda primeira metade do século XVIII.
Segundo Luciano Figueiredo:
'~ primeira ofensiva de peso da administração ocorreria a partir de 1719, quando anuncia-se o projeto de
instalar em Minas uma Casa de Fundição e Moeda. Em Pitangui, as instâncias judiciárias - como o juiz
ordinário - e militares - como o capitão-mor - são atacadas por grupos liderados por Domingos Rodrigues
do Prado 'costumado a seduzir os povos para não pagarem o quinto'. O levante se espalha mais tarde
para Ouro Podre em Vila Rica onde 'se confederam alguns homens livres' invadindo a casa do
Ouvidor". FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Tributação, sociedade e a administração fazendária
em Minas no século XVIII. IX Anuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto, 1993. p. 96-110.
Diogo de Vasconcelos oferece elementos que permitem identificar o motim de Pitangui de 1720 com um
food-riot. Afirma o autor:
"Em janeiro daquele mesmo ano de 1720, o mais atormentado que ainda houve nas Minas, um outro
motim de graves proporções rebentou na vila de Pitangui: ali estando 'no juiza do da vila o Brigadeiro
João Lobo de Macedo quis por em estanco, ou em contrato, o comércio de aguardente de cana, e
por isso levantou-se o povo em motim sob o comando de Domingos Rodrigues do Prado, paulista podero-
so e caudilho terrível'. VASCONCELOS, Diogo de. História antiga das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia,
1974. v. 2. p. 170.
Não encontramos na documentação alusão à tentativa de João Lobo fazer contrato da aguardente.
Sílvio Gabriel Diniz nos parece ser o que apresenta a interpretação mais razoável acerca dos motins de
Pitangui.
Segundo Diniz:
"Logo de início, a arrematação dos dízimos deu 'pano para mangas'. Mais tarde, numa demonstração de
rebeldia contra o pagamento dos quintos, [os paulistasj não mandaram procuradores às Jttntas realizadas
nos anos de 1715 (2 de fevereiro, 13 e 18 de maio), no de 1716 (22 de julho), no de 1718(16 de Julho) e
1720 (24 de outubro). .
Não só por motivo da miséria do País; mas, sobretudo, por causa do ãnimo revoltoso, fI'fI.nflg.v.m
a cumprir as obrigações de vassalos.
Era a vila, por isso mesmo, amotinada". DINIZ, Gabriel Diniz. Pitangui, a Sétima Vila das ''MInas do Ouro",
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. p. 119-133.
B7
a'
I
VassaJos Rebeldes: violência nas Minas
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
na primeira metade do Século XVIII
medida em que a população da Vila negou-se sistematicamente a acei- instalada a 9 de junho do mesmo ano pelo superintendente Antônio
l
tar as regras estabelecidas para arbitrar o jogo colonial, constituindo Pires de Ávila, com poderes delegados pelo ouvidor geral da Comarca
um pólo de poder local que se manteve durante toda a primeira meta- do Rio das Velhas, Luís Botelho de Queirós'?". '
de do século XVIII. ~ Dois anos após a criação da Vila, D. Pedro de Almeida, Conde
Expulsos das Minas Gerais após a Guerra dos Emboabas, os de Assumar, sucessor de D. Brás no governo da Capitania, informava
paulistas se concentraram no arraial de Pitangui. Já ao instalarem ser-
viços minerais, desobedeceram ao disposto no Regimento de 1702,
que tratava da distribuição das datas e regulava a exploração do ouro,
e tentaram isolar as novas minas do governo da Capitania, abrindo
I ao rei de Portugal que, não obstante o empenho de D. Bré:\s/os mora-
dores da Vila de Pitangui, desde a sua criação, não pagavam os quin-
tos-reais'?' . Durante o ano de 1716, o capitão-mar Domingos Rodrigues
do Prado havia publicado vários bandos sob pena de morte àqueles
que se dispusessem a pagá-los, impedindo a real arrecadação'".
um caminho direto de São Paulo ao arraial.
Em abril de 1714, o Governador da Capitania de São Paulo e
Minas do Ouro, D. Brás Baltasar da Silveira, despachou o engenheiro
.
1 Desde a ocupação do distrito de Pitangui pelos paulistas, após
o término da Guerra dos Emboabas, a tendência da sua população
j Pedra Gomes Chaves para governar o arraial e o encarregou de reco- fora isolar-se do Governo da Capitania. Os habitantes de Pitangui,
lher a arroba do ouro referente aos quintos reais, tributada às minas
de Pitangui no ajuste das 30 arrobas!" .
'1' apoiados pelo Senado da Câmara e liderados pelo capitão-mor Do-
mingos Rodrigues do Prado, recusavam-se sistematicamente a pagar
Em julho do mesmo ano, o engenheiro recebeu ordens do Go- os quintos reais.
vernador para deixar o arraial e iniciar a feitura de um mapa da Capi- I' ·Os motins de Pitangui se diferenciaram dos levantes contra o
'I
j.
estabelecimento de contratos, distribuição de terras, carência de ali-
tania do ouro, sendo então encarregados da "regência e governo dos I'.
moradores" os sertanistas paulistas Bartolomeu Bueno da Silva, Do- mentos e questões eminentemente fiscais. Na medida em que a pró-
pria cobrança do tributo foi posta em xeque, dificilmente estes levan-
mingos Rodrigues do Prado, Francisco Jorge da Silva e Jerônimo f tamentos poderiam ser aproximados daqueles que apresentaram com-
Pedrosa de Barros. Além de estabelecer esta "junta governativa", D.
Brás passou provisão ao sargento-mor Antônio Pires de Ávila para portamentos dos atores claramente definidos dentro das regras do jogo
exercer o ofício de superintendente do distrito de Pitangui, a Domin- colonial. Além de liderarem os moradores da Vila na recusa ao paga-
gos Maciel Aranha para o ofício de escrivão do Superintendente e a mento da taxa, os potentados de Pitangui concentraram recursos de
Antonio da Silva para o de meírínho'". Embora Pitangui ainda não
tivesse as insígnias de Vila, administrativamente funcionava corno se
o fosse. Ajunta Governativa fazia as vezes de um Senado da Câmara, Em junho de 1715, com ordem do governador e capitão general e comissão do ouvidor geral, Luís
190 "•••
Botelho de Queirós, levantou vila no distrito de Pitangui, dendo-lne o nome de Vila de Nossa Senhora da
assistida pelos demais oficiais providos pelo Governador.
Piedade. Em 22 do dito mes e ano, na casa da câmara da dita vila, em presença dos oficiais dela, fez
Contudo, os paulistas insistiam na criação da Vila. Em fevereiro entrega de todos os bens pertencentes à fazenda Real, dos defuntos e ausentes e quintos do gado que
de 1715, D. Brás ordenou que se levantasse a Vila de Nossa Senhora haviam entrado na dita vila, tudo com tanta clareza e verdade, como quem mostrava o desinteresse com
r, que servia à Sua Majestade, sem tirar nem levantar emolumentos que pelas suas provisões lhe pertenci-
,da Piedade de Pitangui "...não só para o bom regime [dos seus] moradores, 1 am, e com grande despesa de sua fazenda mandou fazer o primeiro tronco que houve na dita vila e depois
- 'mas para melhor expedição da cobrança dos reais quiruos'T": A Vila foi a cadeia, havendo-se com notória constância em alguns levantamentos que houveram [sic] na dita vila,
!' acudindo a eles com grande presteza, sem reparar no perigo a que se expunha, acomodando sempre a
todos, devendo-se ao seu respeito o atalho das desordens". CARTA PATENTE do mestre de campo Anto-
nio Pires de Ávila. Apud MARQUES, Manoel Eulrásio de Azeredo. Apontamentos históricos, geográficos,
187 ORDEM de 12 de abril de 1714 de D. Brás Baltasar da Silveira ao Sargento-Mor Pedro Gomes Chaves.
, biográficos, estatísticos e noticiosos da província de São Paulo. São Paulo: sld. V. 1. p. 28-29.
APM. Seção Colonial, Códice SG 09 fi. 22. "Ordeno ao sargento-mor engenheiro Pedro Gomes Chaves
que logo que chegar a Pitangui (...) havendo-me Sua Majestade que Deus guarde ordenado pusesse em
melhor forma a arrecadação dos seus reais quintos pelos descaminhos que neles toma (.. .) [apre-
li A primeira câmara de Pitangui loi composta pelos juizes Antônio Rodrigues Velho e Bento Pais da Silva;
dos vereadores João Cardoso, Lourenço Francisco do Prado e José Silva Monteiro , do procurador AntO-
sentasse ordem do governador para que a Vila de Pitangui pagasse] uma arroba de ouro a qual é juízo que nio Ribeiro da Silva. CI. VASCONCELOS, Diogo de. Op. clt, p. 121.
os seus moradores satisfaçam com a maior brevidade". J 191 CARTA do Governador ao Rei de 09 de dezembro de 1717. APM. Seção Colonial, CódicfJ SG 04, 111,
188ORDEM de julho de 1714 de D. Brás Baltasar da Silveira. APM. Seção Colonial, Códice SG 09, IIs. 493 a 496.
89v,90v. I CARTA do Governador ao Marquês de Angeja de
192 30 de dezembro de 1717. APM, Seçlo Colonlll,
"9 REGISTRO de D. Brás Baltasar da Silveira. APM. Seção Colonial, Códice SG 04. 11.39. Códice SG 11. IIs. 8v, 9r, 9v.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Mina.
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII
na primeira metade do Século XVIII
poder suficientes para desafiar os ministros metropolitanos, negan- blícas e registrado nos livros da Secretaria e nos das câmaras das vilas
do-se a aceitar a sua jurisdição, e investir de autoridade homens da onde se publicar"?": A justificativa do Conde para o perdão foi de
comunidade, gerando um contexto típico de soberania fragmentada. ordem econômica. Alegava que se devia considerar as "grandíssimas
Em repúdio à tentativa do Conde de Assumar de cobrar o im- utilidades" das minas de Pitangui para a fazenda de Sua Majestade
posto em 1717, o povo da Vila amotinou-se e isolou a região. Os e para os seus vassalos, as quais estavam se tornando praticamen-
vassalos rebeldes assassinaram Valentim Pedroso, encarregado da co- te desertas e abandonadas " ...em razão da carga exorbitante do
brança do quinto, seu sogro e cunhados e feriram gravemente seu ir- quinto". De acordo com o Governador, os moradores da Vila fugi-
mão Jerônimo Pedroso, juiz ordinário da Vila de Pitangui'". am da região pelo temor do castigo que mereciam pelo seu levan-
Com ameaças de "castigo exemplar" aos moradores da Vila, em tamento contra a cobrança do tributo, situação que gerava consi-
razão do "procedimento tão estranho (...) e tão pernicioso aos interesses de derável prejuízo à Real Fazenda/Para garantir a continuidade da
Sua Magestade [e] ao sossego [do] governo", e do perigo do contágio de exploração das minas de Pitangui, o Conde perdoou, em nome do
i
I outras vilas que poderiam ficar" ...com a mão alçada para fazerem o mes- Rei, a todos os moradores do crime de sublevação e de outros cri-
mo e [tornarem1 incobráveis os quintos", o Conde de Assumar conseguiu I rnes precedentes visando à permanência dos povos no distrito!".
que a Câmara de Pitangui iniciasse a arrecadação do tributo. Contu- Ipretendeu ainda ampliar os serviços minerais, incentivando a fi-
do, abusando do "bom termo" do Governador, a Vila contribuiu com xação de paulistas que ali desejassem se estabelecer.
apenas 1600/8 das cinco arrobas devidas. Indignado, D. Pedro escre- Negociando a paz do distrito com seus habitantes, D. Pedro de
veu aos vereadores recomendando que dali por diante cuidassem para Almeida chegou a considerar legítimos os motivos dos amotinados
que " ...nem esses moradores com a demasiada carga [ficassem] oprimidos dos primeiros levantes. Porém, à medida que a negação da autorida-
nem [ficasse1 também tão prejudicada a Fazenda de Sua Majestade que [fos- de colonial tornava-se mais explícita, a política do Governador em
se] necessário usar do rigor antes que da moderação"?" . relação a Pitangui tornava-se menos "suave" e o controle da Vila foi
Contudo, a força do potentado Domingos Rodrigues do Pra- se enrijecendo.
do, a obstinação dos moradores de Pitangui e o conseqüente fra- Para o indulto, a condição imposta pelo Governador foi a de
casso na arrecadação da quantia estipulada em razão dos quintos que os moradores e os paulistas interessados em se fixar na região, se
reais fizeram com que o Governador mudasse sua política relativa recolhessem ao distrito no prazo de um ano a partir de 1 de julho de 0
à Vila. Não obstante estivesse convicto da necessidade de tomar 1718, acompanhados então de suas mulheres, famílias e dos negros e
uma série de medidas rigorosas para controlar a população e os carijós que possuíssem. Preocupado com a reocupação de Pitangui, o
régulos de Pitangui, não o fez para não "vexar os povos" e ficar Conde acenou aos moradores com algumas regalias como a suavida-
"inabilitado para as â-mais causas igualmente eseenciais't'" . O Conde de na cobrança dos quintos, a redução da taxa nos dois anos subse-
já se dera conta de que o seu poder estava limitado pelo poder qüentes ao de 1718, àqueles que possuíssem mais de dez negros ou
maior dos potentados e pelo comportamento pouco cooperativo carijós; a concessão de sesmarias "necessárias para sua lavoura", dadas
do Senado da Câmara de Pitangui. in perpetuum para os moradores e seus descendentes, e o privilégio de
. Controlado o motim, em maio de 1718 o Governador da Ca- cavalheiros, à semelhança do que fora concedido pelo Rei aos oficiais
pitania concedeu perdão e indulto geral aos moradores de Pitangui da Câmara de São Paulo, àqueles que ocupassem os cargos de juiz,
" ... por bando mandado publicar ao som de caixas, fixado nas partes pú-
I
,•• SOBRE o PERDÃO e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e~eu distrito. D. Pedro
de Almeida, 30 de maio de 1718. APM. Seção Colonial, Códice SG 11. tis 272r, 272v, 273r.
'93 CARTA do governador ao Rei de 09 de dezembro de 1717. Doc. clt, '.7Ibidem. O Governador somente informou ao Rei da concessão do indulto geral em julho de 1718, quatro
'94 CARTA do Governador à câmara de Pitangui de 22 de abril de 1718. APM. Seção Colonial, Códice SG dias antes de enviar para o Governo da Vila de Pitangui o Brigadeiro João Lobo de Macedo, com instru-
n, fI. 11v. ções de adotar uma política "suave" com relação aos moradores da região. Segundo o Coqde, todos os
'95 CARTA do Governador para Bartolomeu de Souza Mexia de 20 de maio de 1718. APM. Seção Colonial, movimentos em Pitangui resultavam da exorbitância da cobrança dos quintos. CARTA do Governador ao
Rei de 14 de julho de 1718. APM. Seção Colonial, Códice SG 04. fls. 550r, 550v, 551 r, 551v.
Códice SG 11. fI. 33 r.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
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vereador e procurador do Senado da Câmara de Pítanguí!". Em carta a Manoel Dias da Silva, o Conde afirmava que se dis-
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I
I
Quase dois meses após a concessão do indulto, D. Pedro de punhe a acreditar que o futuro capitão-mor aceitara o posto para con-
I . Almeida enviou o Brigadeiro João Lobo de Macedo, português nasci- vencer o povo a se colocar sob as ordens do Brigadeiro. Continuava o
1
do no Minho, homem que havia ocupado vários postos importantes lovcrnador afirmando que, se assim não fosse, " ...teria toda a [sua] in-
i na Colônia, com instrução para governar Pitangui. O bando que acom- d/gnaçtlo porque branco e honrado, submisso ao Príncipe, um dos principais
l,
panhava o Brigadeiro visava fundamentalmente neutralizar a indis- da Vila, não podia ser cabeça de um povo amotinado". O Conde esperava
i
I
.i .
posição dos paulistas com as autoridades e garantir assim a explora- com isto que Manoel Dias da Silva se colocasse numa posição favorá-
ção sistemática das minas do distrito!". v.l em relação a João Lobo de Maced0201 •
I.
): O perdão que fora concedido pelo Conde não alterou o ânimo A esta altura, o Governador já se convencera das dificuldades
belicoso dos moradores da Vila. Em setembro de 1718, o Governador de governar a Capitania.
enviou carta aos oficiais da Câmara de Pitangui, repreendendo-os pelas Em recorrentes cartas ao Conde, os oficiais da Câmara de
"desobedientes resoluções (...) com o mau costume em que (estavam] Pltangu! o haviam informado de que o povo da Vila, sublevado, os
de repugnarem a todas as ordens de seus superiores". O povo de obrigara a dar posse ao capitão-mor que os moradores haviam esco-
I
I1 Pitangui recusava-se a aceitar o governo do Brigadeiro João Lobo de lhido. O Governador respondeu ao Senado da Câmara, acusando-o
li
,' Macedo e com "inaudita pretensão" havia nomeado Manoel Dias da de estar "metido no meio do motim". Segundo D. Pedro de Almeida:
I.
I:, . Silva, considerado então um dos principais do distrito, para capitão-
mor da Vila2OO• "...algumas pessoas dessa câmara (...) esquecendo-se
Temos aqui o que consideramos uma situação típica de sobera- da obrigação de leais vassalos, obrando mais como
.. :'(
'
nia fragmentada, com a investidura de autoridades locais e rejeição bandidos e como ferozes, envolveram o povo nesse
aos ministros metropolitanos, constituindo um duplo pólo do poder. desatino?".
Rompida a acomodação, observa-se a fragmentação da soberania.
Prosseguia o Conde afirmando deduzir, pelas cartas dos ofici-
ais da Câmara, que se o órgão não havia conspirado para que o povo
'." SOBRE o PERDÃO e indulto geral que se concede aos moradores de Pitangui e seu distrito. Doe. clt. se levantasse - o que ele duvidava - não havia tido, por outro lado,
199.oa instrução constavam 13 artigos; o Brigadeiro devia: " ...valor para mostrar a cara e reprimir a insolência dos atrevidos". Em ra-
1·- apresentar a carta-patente que levava para a Câmara e homens principais da Vila de Pitangui e tratar zão de tantos desmandos, o Governador ordenou que o povo da vila
de controlar seus moradores; 22 - informar o desejo do Conde de ver povoadas e bem sucedidas as minas
de Pitangui e persuadir seus moradores do "bom ânimd' do bando, da inclinação do Governador aos de Pitanguí recebesse logo o Brigadeiro e lhe desse posse sem o que
paulistas "...para os favorecer em todos os negócios em que tiverem justiça" e do seu reconhecimento aos mandaria "...por o fogo a essa Vila para que não {houvesse] mais memória
serviços prestados por eles à Sua Majestade; 3· - sedentarizar a população para que "não andem vaga-
bundos";(4) - incentivar a mineração utilizando-se serviços de água mais permanentes, buscando fixar a
dela" e castigaria com inaudito rigor os "delinqüentes". Quanto ao pa-
população, e feita em sociedade com reinóis, para colocarfimàs indisposições constantes entre paulistas gamento dos quintos, o Conde comunicava aos oficiais que não ad-
e portugueses presentes desde a guerra dos Emboabas; 5· - procurar igualar, nas eleições da Câmara, o
mitia mais ouvir falar deles e advertia à Câmara "...que sempre foi a
número de paulistas e reinóis; 6· - ter um bom relacionamento com os moradores, obedecendo o bando e
garantindO, em conseqüência disso, o povoamento de Pitangui; 7· - acalmar os criminosos que temessem mais rebelde e mais renitente" que passasse a agir, doravante, correta-
ser presos pelos vários crimes cometidos, afirmando que não havia nada contra eles, mas sem prometer mente203•
perdão; 8· - acalmar a Câmara quanto às suas disputas de terra e corte de lenha com o guarda-mar Garcia
Rodrigues Pais, que havia recebido provisão do Governador para estabelecer uma fábrica de minerar com Tampouco o repudiado Brigadeiro João Lobo de Macedo esca-
fogo no morro do Batatal;:?). - proibir o estabelecimento de religiosos de qualquer ordem na região; 10·- pou à ira do Conde. O Governador estava certo de que o motim e a
deixar claro para os moradores que sua permanência em Pitangui visava tão somente pacificar suas
controvérsias e contendas, jamais o castigo; 11· - manter o Governador informado dos acontecimentos,
em especial da fábrica de Garcia Pais; 12· - recomendar aos moradores que tirassem cartas de sesmarias
visando a posse firme e estável da terra e, finalmente, 132 - resolver o que fosse omisso na instrução. ", CARTA do Governador a Manoel Dias da Silva de 08 de setembro de 1718. APM. Seção Colonial,
Códica SG 11. fI. 47v. "
INSTRUÇÃO que leva o Brigadeiro João Lobo de Macedo de 18 de julho de 1718. APM. Seção Colonial,
Códice SG 11. fls. 40v, 41r, 41v. 102 CARTA do Governador para a Câmara de Pitangui de 08 de setembro de 1718. APM. SeCjão Colonial,
Códlca SG 11. fi. 47v.
CARTA do Governador para os oficiais da Câmara da Vila de Pitangui de 05 de setembro de 1718. APM.
200
Seção Colonial, Códice SG 11. fi. 47r. 1o, Ibldem.
,
I 92
93
r Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
----._.-._ ..._.- ...__ ...:....;
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Ili,
11,
escolha do capitão-mo r haviam ocorrido em razão da morosidade do Em carta da mesma data, o Governador informou ao Ouvidor
I!
Brigadeiro em se dirigir para a vila de Pitangui. Em carta a João Lobo Geral da Comarca do Rio das Velhas sobre o perdão concedido pelo
de Macedo, D. Pedro de Almeida confessava: Brigadeiro, queixando-se de que o mesmo não tinha " ...por nenhum
i ~
I
" ...Já vou desconfiando de não saber governar este
,;-1 princípio poder para isto, antes ordem expressa minha no capítulo r da lns-
trução'T",
r, governo porque me não vale prevenir os sucessos e
dispor as cousas para eles, pois aqueles que deviam
,~,
A Vila de Pitangui manteve-se relativamente calma até os últi-
I)
li, observar as minhas ordens as executam como melhor mos meses do ano de 1719, enquanto Domingos Rodrigues do Prado,
lhes parece"204. capitão-mor da Vila, " ...homem régulo e por natureza matador, insigne e
motor principal das revoluções", permanecera em São Paulo?". Voltando
Uma vez que o atraso de João Lobo desencadeara o motim, avi- 'l a Pitangui, o capitão-mor expulsou o Brigadeiro João Lobo da Vila e
sava-lhe o Conde que se poria " ...como expectador para ver como o Briga- ·\1 assassinou o juiz ordinário Manuel de Figueiredo Mascarenhas, que
r deiro o [remediava]''205.
havia informado ao Conde sobre as desordens por ele promovídas'" .
li,;
Descrente de uma ação eficaz de João Lobo e buscando garantir Nos últimos dias de dezembro de 1719, o Governador ordenou
I!:I a submissão da Vila, o Governador ordenou ao ouvidor geral da ao ajudante de tenente Manuel da Costa Pinheiro sitiar a Vila de
Comarca do Rio das Velhas, Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha,
Pitangui e aguardar a chegada do Ouvidor-Ceral da Comarca do Rio
que fosse a Pitangui e tomasse medidas as mais rigorosas porque das Velhas que devia tirar devassa de tão inauditas desordens, como
U •••
" ...para Sua Majestade mais conveniente lhe será que não a haja que ter ali aquele [Domingos Rodrigues do Prado] e outros homens cometiam sem te-
um contínuo fermento de rebelião"?", Ordenou ainda ao coronel [oseph
I! Correa de Miranda nomear um capitão de sua total confiança e um "
mor de Deus e das justiças de [Sua] Majestade"213 .
A expedição do Ouvidor Geral para Pitangui foi atribulada. Não
alferes de seu regimento, com 20 soldados montados e escolhidos, e só se desentenderam, na jornada, o ministro e o capitão-mor da tropa
os colocar às ordens do Dr. Bernardo Pereira de Gusmão na sua expe- como não cumpriram as ordens do Governador quanto à data da entra-
dição a Pitangui'?".
da do Ouvidor na Vila. Queixava-se novamente o Conde de Assumar:
Poucos dias depois, o Conde recebeu a notícia de que o Briga-
deiro, imediatamente após a sua entrada na Vila de Pitangui, havia " ...já agora não chegarão a tempo quaisquer ordens que
perdoado os amotinados. Incontinenti, o Governador enviou uma carta se lhe mandem e não pode deixar de causar uma
/ a João Lobo na qual acusava-o, além de não ter conseguido tomar grandíssima confusão ajustar em um dia certo e de-
posse pelos seus próprios meios, de incitar a repetição dos crimes uma pois arbitrá-Ia cada um como lhe parece"?".
vez que os moradores ficavam ".. fiados na facilidade com que se lhes
[perdoava],,208. Advertia-lhe o Conde que as colônias só " ...sejazem per-
"O CARTA do Conde para o ouvidorgeral da comarca do Rio das Velhas de 22 de setembro de 1718.APM.
pétuas e duráveis na boa administração da justiça, que em faltando tem certa Seção Colonial, Códice SG 11 fls. 53v a 55r. Ver nota de rodapé 50 da qual constam os artigos da lnstru-
a sua destruição"?" .
I
ção dada ao Brigadeiro João Lobo de Macedo.
211CARTA do Governador ao Rei sobre as alterações de Pitangui de 09 de fevereiro de 1720. APM. Seção
Colonial, Códice SG 04 fls. 751 a 759.
'" Segundo Diogo de Vasconcelos, a expulsão do Brigadeiro foi decorrência da sua tentativa de fazer
204CARTA do Conde para o Brigadeiro João Lobo de Macedo de 08 de setembro de 1718. APM. Seção contrato do comércio de aguardente. VASCONCELOS, Diogo de. Op. cit, p. 170. Não encontramos nos
Colonial, Códice SG 11. fI. 48r. documentos confirmação deste fato. Encontramos referências à conduta escandalosa do Brigadeiro que
205lbidem. havia se tornado sócio de vários amotinados nos serviços minerais e que no seu governo só desejara
"vaidade e exaltação". Foi preso posteriormente quando se encontrava escondido na casa de Pascoal da
206CARTA do Conde ao ouvidor geral da Comarca do Rio das Velhas de 09 de setembro de 1718. APM. Silva Guimarães, líder da sedição de 1720 em Vila Rica.
Seção Colonial, Códice SG 11. fI. 48v.
2\3ORDEM ao ajudante de tenente Manuel da Costa Pinheiro de 28 de dezembro de 1719. APM Seção
I
207ORDEM do Governador de 09 de setembro de 1718.APM. Seção Colonial, Códice SG 11. fls.48v, 49r. Colonial, Códice SG 11. fi. 194v e CARTA do Governador sobre as alterações de Pitangui de 09 de \everei.
208CARTA do Governador para o Brigadeiro João Lobo de Macedo de 22 de setembro de 1718. APM. ro de 1720. Doc. cil.
Seção Colonial, Códice SG 11 fls. 54r, 54v.
". CARTA do Governador ao ouvidor do Rio das Velhas de 03 de janeiro de 1720. APM. Seção Colonial,
209lbidem. Códice SG 11.11s. 196r, 196v.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII na primeira metade do Século XVIII
Para reforçar as forças do Ouvidor Geral, o Conde ordenou a permanecer em Pitangui " ...com o poder de duzentas armas". O Conde
Francisco Duarte Meireles, do Sabará, possuidor de uma tropa de 500 providenciou a permanência de Francisco Duarte Meireles e um nú-
paisanos, e ao capitão Joseph Rodrigues de Oliveira, acompanhado mero considerável de paisanos na Vila, além do envio de uma tropa
de 23 dragões montados, seguirem para Pitanguf'". de paisanos comandada pelo sargento-mar Antônio Martinez Leça e
Chegando as forças do governo ao rio de São João, duas léguas outra oriunda da Comarca do Rio das Mortes, enquanto não indicava
antes de entrar na Vila, encontraram Domingos Rodrigues do Prado um capitão-mor que " ...não [quisesse] senhoria, nem sítios, e que [procu-
juntamente com 400 amotinados entrincheirados nos matos e nos ca- rasse] mais a paz e o sossego que a sua vaidade e exaitaçõo"?" .
minhos. Após algumas escaramuças, com perdas de ambos os lados, lndiciados na devassa do Ouvidor Geral, os cabeças do motim
os rebeldes embrenharam-se pelos matos e o Ouvidor pôde entrar na tiveram os seus bens seqüestrados e estipulada recompensa para a
vila de Pitangui?". prisão ou morte de Domingos Rodrigues do Prad0219 .
Em carta ao Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas, o Francisco Duarte Meireles ficou responsável pelo sossego da
Conde de Assumar enfa tizou Vila de Pitangui, sempre ameaçada por " ... muitos criminosos que
para ela tornarão com desígnios de vingança e de recuperarem todos os
"...a ousadia que tiveram esses régulos de se por em negros perdidos"?",
resistência contra um ministro de El Rei e contra suas
tropas, crime não só grave, mas de primeira cabeça, e
a de Domingos Rodrigues do Prado merecia ser logo
'" Ibidem.
cortada por estar incurso na pena de rebelde facinoroso
". Foram seqüestrados os bens de Pedro Morais da Cunha (roças, casas de vivenda); de Simplício
e ré guio, cometendo lesa-majestade por lhe negar o Poderoso [si c] (lavras, cabeças de porco, casas e uma roça de milho); de Domingos Rodrigues do
seu domínio e por pegar em armas contra as suas tro- Prado (roça plantada de milho); de Bento Pais da Silva (lavras no RIo da Onça, 400 "manos" de milho,
pas, fazendo hostilidades aos vassalos de Sua Majes- casas de vivenda e uma balança de pesar ouro); Antonio Rodrigues de Andrade (cata de vinte braças
de terra, em sociedade com o Brigadeiro João Lobo de Macedo, casas de telha com suas senzalas,
tade e negando obediência ao seu governador e às quintal e bananal); de Manoel Fernandes Preto (roça de milho, casas de vivenda); de Gaspar Gutierrez
suas justiças"?": (lavras e escravos); Francisco Pereira de Menezes (roças, lavras, casas e escravos); de Manoel Mendes
(escravo); de Joseph Rodrigues Lima (sítio, lavra e escravos) de Francisco Rodrigues Almeiro [sic]
Em razão dos constantes e graves crimes cometidos na Vila, o (lavras, casas, escravos e serviço de água no Rio da Onça); de Francisco Pedroso de Almeida (sítios na
Ponte Alta, casas de vivenda e escravos).
Ouvidor sugeriu a D. Pedro de Almeida nomear um capitão-mor para Por ordem do ouvidor-qeral da Comarca do Rio das Velhas, as casas de Domingos Rodrigues do Prado
loram queimadas, arrasadas e salgadas pelo meirinho, escrivão dos seqüestros e algumas outras pesso-
as. CI. AUTOS de Seqüestro, APM. Fazenda Real. M. de confiscos. nº 105.
Em outubro de 1720, parecer do Conselho Ultramarino recomendava ao Rei ordenar ao Governador das
215 CARTA do Governador a Francisco Duarte Meireles de 28 de janeiro de 1720. APM. Seção Colonial, Minas publicar um bando oferecendo recompensa a quem prendesse ou matasse Domingos Rodrigues
Códice SG 11. fI. 196v e CARTA do Governador ao rei sobre as alterações de Pitangui de 09 de fevereiro do Prado: "... quem o prender será premiado com a mercê do hábito de Cristo com 30$000 réis de tença
de 1720. Doe. cít, É interessante ressaltar que os paisanos, sob o comando de Francisco Duarte Meireles, efetivos, sendo pessoa em que assente bem a dita mercê, e no caso em que o não possa prender trazen-
recusaram-se a obedecer o capitão Joseph Rodrigues de Oliveira. O Conde afirmou ao capitão ter ficado do-lhe a cabeça, que terá a mesma mercê do hábito de Cristo com 12$000 réis de tença efetivos; e que
"... surpreendido que [osJ paisanos ignorassem deviam obedecer a v.m". Recomendava ao capitão que sendo feita a dita prisão ou morte por algum escravo, que ficará forro, peqsndo-se o seu valor da fazenda
fosse duro com eles porque eram "meio bárbaros e mais os [convenciaJ o modo que a razão". CARTA do de Vossa Majestade a seu Senhor. e sendo negro ou mulato forro se lhe fará a graça de 100$000 réis e de
Governador ao capitão Joseph Rodrigues de Oliveira de 03 de fevereiro de 1720. APM. Seção Colonial, uma ajuda de custo competente, e metendo-o que se lhe dará 100$000 réis; tendo-se por certo que este
Códice SG 11. fls. 197r, 197v, 198r. pr~mlo incitará na cobiça de muitos empreenderem a dita diligência: e para que a este régulo o desampa·
216 Diogo de Vasconcelos tratando, em sua História antiga das Minas Gerais, da sedição de Pitangui de rem a maior parte das pessoas que o seguem, que no mesmo bando se exprima, que todo o que o seguir
1720 afirma que, após a abertura de rigorosa devassa, Domingos Rodrigues do Prado foi acusado de ser "O não deixar logo, o haverão por banidos, para se executar neles a pena da leI'. SOBRE DESORDENS
o principal cabeça do motim. O ouvidor geral da comarca do Rio das Velhas "mandou levantar no lugar em Pltangui cometidas por Domingos Rodrigues do Prado de 26 de outubro de 1720. Conselho Ultrarna-
mais público uma forca, e nela fez executar em efigie o dito rebelde" que havia se retirado com suas tropas rino, Consultas do Rio de Janeiro. Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo.
para o sul do Rio Pará. Domingos Rodrigues do Prado, ao tomar conhecimento da "comédia", pendurou Slo Paulo: Imprensa Oficial, 1931. v. LI 11. p. 202.
por sua vez o ouvido r mascarado "na mesma figuração picaresca". VASCONCELOS, Diogo. Op. cít. p. 171. Domingos Rodrigues do Prado conseguiu escapar da prisão e, associado a Bartolomeu Bueno da Siva, o
Este mesmo relato encontra-se em ROCHA, José Joaquim. Memória histórica da capitania de Minas Anhanguera Filho, seu sogro, e João Leite da Silva Ortiz, seu cunhado, requereu licença de D. João V para
Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro. 2 (1897): 425·517. Nos documentos examinados não encon- penetrar nos sertões de Goiás à procura de riquezas. Em 1722, partiu para os Goiases e foi ~m dGS
tramos referência ao acontecido. . rllponsável pelas primeiras descobertas de ouro naquele território.
217 CARTA do Governador para o ouvidor geral da Comarca do Rio das Velhas de 29 de janeiro de 1720. li" CARTA do Governador para Francisco Duarte Meireles de 06 de março de 1720. APM. Seção Colonial,
APM. Seção Colonial, Códice SG 11. fls. 192r, 192v, 193r. CódlCfJ SG 11. IIs. 212r, 212v, 213r.
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algumas coisas, abusam do seu poder, em outras são
muito essenciais ao mesmo serviço de Nosso Rei, pois
servem aos governadores de instrumento para conse-
guirem cobrar os quintos, para reprimir os revoltos os
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de menos poder, para prender criminosos ..."m.
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Dois dos mais importantes potentados das Minas foram os
mestres-de-campo Manoel Nunes Viana e seu primo Manoel
Rodrigues Soares, residentes no Caeté, proprietários de extensas
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CARTA de D. Pedro de Almeida para o Marquês de Angeja de 30 de dezembro de 1717. APM. Seção
222
221 CARTA do Governador ao Rei sobre as alterações de Pitangui de 09 de fevereiro de 1720. Doe. cit, Colonial. Códice SG 11115.8-9.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência' nas Minas
na primeira metade do Século XViii na primeira metade do Século,XVIII
"Potentados Sediciosos": o motim de Catas Altas Assumar, tão logo tomou conhecimento da disputa, nomeou os
mestres de campo Joseph Rabelo Perdigão e Manoel da Affonseca
Foram constantes, ao longo da primeira metade do Setecentos, as para se dirigirem ao distrito de Catas Altas, ouvirem as partes e
disputas por terras nas lavras mineiras. Em Catas Altas, termo da Vila dirimirem as diferenças. D. Pedro de Almeida preocupava-se com
de Nossa Senhora do Carmo, região assim denominada pelas profundas a situação, porque acreditava que da contenda poderia "nascer-ai-
escavações que se faziam no alto do morro, surgiu uma contenda entre guma alteração e desordem contrária ao bem-comum e sossego e quietação
os feitores do mestre-de-campo Manoel Rodrigues Soares e Bento Ferraz, daquele pOVO"226. Temia a possibilidade de o conflito se generalizar
em razão de um serviço de água para lavrar as terras do distrito. já que "algumas pessoas mal intencionadas queriam [faZer] causa co-
Nas lavras, o cascalho era trabalhado por pressão hidráulica. mum daquilo que [era] couslJ1"particular"227.
Os seixos e areia levantados passavam por uma série de comportas e, Algum tempo depois de ocorrido o motim, D. Pedro informava
em cada uma delas, ficavam retidas partículas de ouro que os escra- a Bartolomeu de Souza Mexia que Manoel Nunes Viana quis fazer
vos resgatavam nos trabalhos com as bateias. Dos serviços minerais, valer o seu poder em Catas Altas e apossar-se de "todas as terras
as lavras eram as que apresentavam os melhores resultados, mas tam- drcunuizinhae, sem atentar para os direitos de seus donos originais". Co-
bém demandavam os maiofes investimentos iniciais gerando dispu- municava também estarem os negros do potentado e os de Manoel
tas intermináveis pelo direito exclusivo de minerá-Ias 7.23. Rodrigues Soares, que trabalhavam nas lavras, andando a minerar
Bento Ferraz, ao contrário de Viana e Rodrigues, foi um exem- "armados de toda a sorte de armas", contrariando as disposições do ban-
plo de potentado extremamente útil à Coroa Portuguesa. Homem de do de 1717 que proibia os escravos de portarem armas de qualquer
muitas posses, minerador e senhor de engenho, sempre apoiou D. qualídadeê" .
Pedro de Almeida, fornecendo-lhe negros armados, camaradas e Procurando garantir a ordem no distrito, o Governador reco-
"dispendendo considerável fazenda" nos enfrentamentos das ameaças à mendou aos mestres-de-campo, seus representantes, que, uma vez
ordem pública. Nas desordens em Caeté, em 1718, prendeu o Coronel resolvida a disputa, deveria ser lavrado um termo no livro de notas
João Barreiros e o Juiz ordinário da Vila "por juntarem armas para per- de um dos tabeliães de Vila do Carmo, pelo qual ficaria determinado
turbar os povos". Destruiu quilombos no morro do Caraça; enviou seus que as pessoas do distrito que o contrariassem seriam reputadas por
negros armados para ajudar no controle dos motins de Pitangui e com- inimigas do sossego público e perturbadoras dos povos e, como tal,
portou-se com "notável zelo" na sedição de 1720 em Vila Rica, ocasião seriam. severamente castigadas, além de terem seus bens confiscados
eJll que os moradores das Minas intentaram reduzir a uma "República para a Real Fazenda. Particularmente, o Conde de Assumar ameaçou
as terras [daquele] governo, espoliando delas o Governador e justiças". Ben- prender Manoel Rodrigues Soares, o qual havia se disposto, em termo
to Ferraz foi nomeado capitão-mor das Catas Altas em 1733, posto firmado com o Governador, a não incitar disputas nas áreas
confirmado pela patente de Gomes Freire de Andrade de 1736224• míneradoras'" .
Este potentado, não obstante "digno e merecedor de todas as A situação em Catas Altas se agravou quando Manoel Nunes
honras", tentou, "tumultuosamente, juntando armas para violentamen- Viana passou a apoiar seu primo na disputa contra Bento Ferraz.
te defender o seu partido", impedir a permanência dos negros de Na ocasião, D. Pedro de Almeida comunicou ao Ouvidor Geral da;
Rodrigues em Catas Altas22s• O Governador das Minas, Conde de Comarca do Rio das Velhas que Rodrigues e Viana "não [cessavam]
~e botar explorados por este País, semeando vozes sediciosas", e que fi-
CI. RUSSELL-WOOD, A,J.R. Tke gold cycle, 1690-1750. Mining, In: BETHELL, Leslie, ed. Colonial Brazil.
223 .•.
Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
224 CI. REGISTRO de certidões passadas a Bento Ferraz Lima. APM. Seção Colonial. Códice CMM 12115.
22'lbldem,
4-6. (Certidões de 25 de março de 1719: 28 de novembro de 1719: 12 de maio de 1720 e 10 de novembro
2lTlbldem,
de 1720). e PATENTE de Gomes Freire de Andrade de 28 de janeiro de 1736. APM. Seção Colonial.
Códice SG 49 Ils. 69-71. CARTA do Governador das Minas para Bartolomeu de Souza Mexia de 08 de janeiro de 1719, APM.
11'
225ORDEM sobre a contenda de Catas Altas de 19 de julho de 1718. APM. Seção Colonial. Códice SG 11 Seção Colonial, CÓd'fs S~ 11 fls. 94 a 99.
11.38. 2H ORDEM sobre a contenda de Oatas Altas. Doe. clt,
100 101
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
na primeira metade do Século XVIII
casse de sobreaviso na Comarca do Sabará "onde [havia} muitos Como Manoel da Costa, ao prender os negros amotinados, ti-
homens poderosos"?", vesse exacerbado o conflito, o Governador prontamente enviou para
Em razão do clima de "[aniástico temor" que se instalou no dis- o distrito o capitão Paulo Rodrigues Durão e o sargento-mor Antônio
trito com a generalização dos tumultos, os seus moradores resolve- Ferreira Pinto, recomendando-lhes usar de "toda a prudência e modera-
ram se desfazer de seus bens e abandonar as lavras. ção porque sempre que se junta muita gente, costumam ser as desordens de
O despovoamento de uma área mineradora significava, obvia- consideração"?",
mente, prejuízos para a Real Fazenda. Da mesma forma como havia Ao mesmo tempo, D. Pedro proibiu Rodrigues, que estava no
procedido nos motins de Pitangui, o Governador tentou evitar a fuga Caeté, de entrar em Catas Altas até que o governo tomasse conhe-
dos moradores de Catas Altas, proibindo todas as pessoas, "de qual- cimento da resistência que os seus negros haviam feito ao tenente ge-
quer qualidade ou condição, que [fossem} moradoras e assistentes no distri- ral Manoel da Costa Fragoso'" . Um dia depois, o Conde enviou para
to", de vender ou alienar seus bens sob pena de vê-I os confiscados o distrito rebelde o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica, Manoel
pela Coroa'" . ,,/ Mosqueira da Rosa, com a ordem de tirar devassa das insolências co-
Em carta enviada a Manoel- Rodrigues Soares, D. Pedro de metidas pelos negros de Manoel Rodrigues Soares e pelos seus feito-
Almeida confessava-se desconsolado por ver toda a população de res Manoel Gomes Aires e Nuno Gomes, este último também acusado
Catas Altas vendendo suas fazendas "por não arriscar ser perturbada". de liderar um motim em Santa Bárbaraê". O Governador pretendia,
Para Manoel Nunes Viana, que tanto havia se vangloriado de ter con- ainda, que Manoel Mosqueira lhe informasse o grau de responsabili-
corrido para o sossego das Minas e de ter sido o responsável "de a dade de Manoel Nunes Viana no motim de Catas Altasê" .
livrar das vexações com que a dominavam os Paulisias", o Conde afirmava Uma vez constatada a culpa dos potentados, a ordem de prisão
espantar-se por ser ele quem, naquele momento, imprimia "terror nos de Viana e Rodrigues, expedida por D. Pedro de Almeida, foi bem
miseráveis, humildes, pacíficos... "232. recebida em Portugal. O Secretário Bartolomeu de Souza Mexia co-
Agravando a determinação dos moradores de Catas Altas de municou ao Governador que ele agira bem mandando prender os dois
abandonarem suas lavras, D. Pedro foi informado de que os negros de régulos, especialmente a Manoel Nunes Viana, "já decantado pelas su-
Manoel Rodrigues Soares e de outras pessoas mais estavam a andar blevações de quefoi arguído e de que não teve castigo". Continuava o Secre-
"com armas, fazendo violências contra os bandos do Cooernador"?": tário afirmando que, pelo menos, se D. Pedro não os prendesse, certa-
Mais uma vez, buscando manter a ordem no distrito de Catas mente os colocaria para fora do distrito das Minas pelo "temor [que
Altas, o Conde enviou para a região o tenente geral Manoel da Costa teriam} do castigo". De acordo com Mexia, afugentá-Ios era também
Fragoso, com a ordem de prender a todos que não o obedecessem e de uma espécie de castigo
levar à sua presença Antônio Carvalho de Almeida, sobrinho de
Rodrigues, e Manoel Gomes Aires, feitor do potentado .. "que [servia] para intimidar os moradores [daquelas]
A chegada do tenente a Catas Altas agravou a situação. Os ne- minas, vendo que, tendo tanta autoridade e respeito
gros de Rodrigues levantaram-se, promovendo as "desordens mais in-
suportáveis que se [pudessem} imaginar". 234 CARTAS do Governador para o Capitão Paulo Rodrigues Durão e para o Sargento-mor Antônio Ferreira
Pinto de 2 de novembro de 1718. APM. Seção Colonial. Códice SG 11 fi. 66.
Revelando uma preocupação "social", o Conde de Assumar, sempre tão cruel, insistiu, nesta oportunida-
230PARA O OUVIDOR Geral da Comarca do Rio das Velhas em 08 de janeiro de 1719. APM. Seção de, com Manoel Rodrigues Soares para que trouxesse o distrito à ordem. Incisivamente afirmava-lhe
Colonial. Códice SG 11 fls. 100-101. esperar que ele fizesse "todo o possível para que estes clamores não [tornassem] a chegar aos [seus]
ouvidos, pois [estava] acostumado a não ouvir o dos pobres sem grande mágoa ..."
231ORDEM do Governador das Minas para o Sargento-mor Antônio Ferreira Pinto de 13 de agosto de
1718. APM. Seção Colonial. Códice SG 11 fI. 43. 231CARTA do Governador para Manoel Rodrigues Soares de 2 de novembro de 1718. APM. Seção Colo-
nial. Códlce SG 11 fI. 67.
232CARTA de D. Pedro de Almeida para Manoel Rodrigues Soares de 13 de agosto de 1718. APM. Seção
Colonial. Códice SG 11 fI. 43. a3e ORDEM do Governador das Minas de 3 de novembro de 1718. APM. Seção Colonial. Códice SG 11 fi. 67.
CARTA do Governador para o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica de 01 de novembro de 1718.
233
CARTA do Governador
237 para o Tenente-geral João Ferreira Tavares. APM. Seção Colonial. Códice
APM. Seção Colonial. Códice SG 11 fI. 152. SG 11 fi. 68.
102 103
r Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
entre eles aqueles homens, lhes não aproveitou para mento efetuado à Real Fazenda. Os contratos eram, no mais das ve-
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVlll
usar com eles da demonstração que mereciam por zes, trienais e tanto podiam ser arrematados por um só indivíduo quan-
suas culpas "238. to por um conjunto deles?".
Em 1710, Antônio de Albuquerque, Governador de São Paulo e
Insistindo em fazer retornar a ordem ao distrito, D. Pedro orde- Minas, convocou os povos para formarem uma Junta que deliberasse
nou ao Ouvidor Geral notificar todos os seus moradores da neces- sobre a cobrança dos impostos nos registros. O Governador justificou
sidade de lhe apresentar os títulos de posse de suas lavras e "purifi- a cobrança em razão da necessidade de suprir os rendimentos para as
car" as suas pretensões sobre as terras que, naquele momento, esta- despesas dos soldos e ordenados dos militares e ministros. Tornava-
vam sendo lavradas por Manoel Rodrigues Soares. ManoeI Mosqueira se para este fim imprescindível tributar "o negócio de fazenda, gados e
deveria fazer justiça a cada um "de acordo com seu merecimento", inici- cavalos que entrassem pelo registro de minas "242 • Ficou determinado que
ando rapidamente a demarcação das divisas de todas as proprieda- cada carga de fazenda seca pagaria quatro oitavas de ouro; cada carga
des dos mineradores de Eatas Altas'" . . de molhados, duas oitavas; cada escravo negro, quatro oitavas; cada
O desfecho do motim foi pitoresco. O Ouvidor Geral, Manoel escravo mulato, seis oitavas e cada cabeça de gado, uma oitava. Estes
Mosqueira da Rosa, "costumado a fazer as justiças às avessas", como impostos não foram cobrados imediatamente. Da Carta Régia de 24
bem demonstrou seu comportamento na sedição de 1720 em Vila Rica, de julho de 1711 constava que a tributação dos negócios de gado, que
intimidou de tal sorte as testemunhas que o seu inquérito foi invalidado. I,
vinham da Bahia, era excessiva e "dera causa a se alterarem os POVOSl/243 •
Os negros e feitores de Manoel Rodrigues Soares, em razão dos abusos Na mesma carta, o Rei recomendava que fosse instituído um tributo
do Ouvidor, acabaram sendo considerados "pouco menos que eantos"?", mais moderado.
O poder e a culpa destes potentados foram reiterados em outro Em 1715, no governo de D. Brás Baltasar da Silveira, com a obri-
,!
íl conflito, à mesma época, na região de Barra do Rio das Velhas. gação de as minas pagarem 30 arrobas de ouro anuais referentes ao
li Diabólicos Curraleiros: o motim de Barra do Rio das Velhas
quinto, ficou assentado que os direitos de entrada passariam a per-
tencer aos Senados da Câmara. Os rendimentos das entradas, arreca-
I' dados por estes órgãos contribuiriam no pagamento das 30 arrobas
Minas Gerais sofreu, durante todo o século XVIII, uma rigorosa de ouro devidas à Coroa em razão do quinto.
tributação. Além do quinto, dos dízimos, das propinas, dos subsídios No governo do Conde de Assumar foi feito novo ajuste com os
e outros, estavam também os direitos de entrada sobre bens, escravos, mineiros, que se comprometeram a pagar 25 arrobas anuais em satis-
comerciantes e viajantes que entravam ou saíam das minas, cobrados fação do quinto e entregaram à Coroa a arrecadação dos direitos das
nos registros, postos fiscais estrategicamente colocados nos caminhos entradas. O valor dos impostos permaneceu praticamente o mesmo.
e nos rios. ,,/
Em geral, a cobrança destes direitos era arrendada para os "De cada escravo, que entra a primeira vez em Minas,
se pagam duas oitavas de ouro quintadas. De cada ca-
I
contratadores, através de sua arrematação em hasta pública. Estes
contratadores pagavam uma quantia pré-estipulada à Coroa, coleta-
r beça de gado, uma oitava. De cada cavalo ou besta,
I llão sendo carregada ou montada, duas oitavas. De
vam os direitos em seu nome e apropriavam-se dos lucros, constituí- cada carga de fazenda seca, de duas arrobas, oitava e
dos pela diferença entre a quantia arrecadada pelos direitos e o paga- meia; dando-se a cada uma das ditas cargas seis libras
de tara; e de cada carga de molhados, meia oitava'?" .
,J'
238CARTA de Bartolomeu de Souza Mexia para o Conde de Assumar de 24 de março de 1720. APM.
Seção Colonial. Códice SG 16fl. 80. ••• CI. BOXER, C.R. Op, cit. p. 189 passim.
CARTA do Governador para o Sargento-mor Antônio Ferreira Pinto, com ordem inclusa para o Ouvidor
239 ••• COELHO, José João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania deMinas Gerais. Revista do
Geral, Manoel Mosqueira da Rosa, de 4 de novembro de 1718. APM. Seção Colonial. Códice SG 11 fI. 68. In.tltuto Histórico e Geográfico do Brasil. 7 (1852): 255-484, Op, cit. p. 405,
240CARTA do Governador das Minas para o Conde de Vimieiro, Governador da Bahia, de 30 de novembro "'Ibldem.
de 1718. APM. Seção Colonial. Códice SG 11 fI. 82. lU Ibldem. p.406.
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Vassalos Rebekfes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
~ na primeira metade do Século XVIII
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Vassalos Rebektes: vâolência nas Minas
na primeira melade do Século XVIII Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
Em represália, o potentado, explicitando uma posição típica em con- dem em Papagaios, mandando homens armados "para engrossar o nú-
textos de soberania fragmentada, publicou um bando, medida exclu- mero do povo" e apoiando as insolências praticadas pelo Pe. Curvelo.
siva das autoridades metropolitanas, "debaixo de penas muito rigoro- Por este comportamento, D. Pedro ordenou ao potentado que deixas-
sas", proibindo o envio de cargas de peixe para as Minas, do que de- se imediatamente as minas "para parte onde [ele] não/pudesse} suspeitar
correria a diminuição dos lucros dos contratadores por impossibilitá- que [fosse} o perturbador [daquele} pais"?", ,
los de "satisfazerem os ouartéis"?", Viana adotou ainda a estratégia de Como o acirramento das desordens e o fracasso no levantamen-
não permitir que o gado fosse levado para a região minera dor a, maté- to da vila em Papagaios tivessem decorrido da morosidade do Ouvidor
ria que, segundo o Governador, envolvia" tantos prejuízos e tantas con-
em acatar as ordens do Conde e ter prontamente se dirigido para a
seqüências [naqueles] povos (...) que [seria] causa de se levantarem se [hou- região, o Governador o censurou com veemência:
vesse] fome a este respeito "263 .
Viana fez também correr o rumor que o Governador determinara "...não [era] possível que o [Conde precisasse] estar
a imposição de mais 10% sobre cada negro na nova lista dos quintos. botando exploradores pelas partes onde [estavam]
A estratégia do potentado para tumultuar a cobrança do imposto teve ministros de El Rei; quando estes [sabiam] muito bem
resultados. que tão contrário [era] ao serviço de Sua Majestade
Em razão da pretensa cobrança dos 10%, emissários saíram de como aqueles que [procuravam] malquistar os que [go-
Caeté "semeando estas e outras semelhantes vozes, pondo pasquins em vári- vernavam], metendo na cabeça dos povos alguns dis-
as partes que morreria quem pagasse quiruoe"?", No Catete, os oficiais cursos sediciosos'v'".
mecânicos levantaram-se contra a imposição da nova taxa, acusando
o Conde de adotar medidas para as Minas sem antes ouvir os Senados Ordenou-lhe tratar de colocar ordem na região e ter sucesso na
da Câmara. O motim foi se espalhando pela Comarca do Rio das Ve- cobrança dos dízímosê".
lhas, o que parecia confirmar a opinião do Governador de "quão suma- Em julho de 1719, novamente o Governador fez uma tentativa
mente importante [era] cortar os membros podres para que não [passassem] para tornar previsível a ordem no distrito da Barra. Determinou a
herpes aos demais"265. Generalizado o motim, D. Pedro procurou tomar Faustino Rebelo e João Ferreira dos Santos, régulos poderosos das
providências rigorosas. Minas, "do partido de Manoel Nunes Viana e Manoel Rodrigues Soares",
Devido ao insucesso do Ouvidor e do Coronel Martim Afonso que persuadissem o povo de Papagaios a aceitar a ordem de Sua Ma-
em Papagaios e a conseqüente dificuldade de.controlar Manoel Nunes jestade de se tomar posse das passagens do Rio das Velhas. Ordena-
Viana, o Conde escreveu ao Ouvidor da Comarca de São Paulo, Rafael va-lhes finalmente que "reduzissem os moradores à obediência do governo
Pires Pardinho, informando-o dos acontecimentos, das dificuldades das Minas "270 . Esta postura paradoxal da Coroa de delegar poder aos
que enfrentaria caso o gado não chegasse às minas, "causa de se levan- poderosos, quase sempre sediciosos, para o controle da população das
tar o povo", e arguindo-o da possibilidade de os Campos de Curitiba
fornecerem 18 a 20.000 cabeças para a área minera dor a, com o que
CARTA de D. Pedro de Almeida para Manoel Nunes Viana de 04 de dezembro de 1718. APM. Seção
mandaria fechar os currais da Bahia=". Por outro lado, acusou Viana "7
Colonial. Códice SG 11 fI. 84.
de ter, da sua fazenda em Jequitaí, fomentado secretamente a desor- ",. PARA O OUVIDOR Geral da Comarca do Rio das Velhas em 07 de novembro de 1718. APM. Seção
Colonial. Códice SG 11 fls. 70·71.
••, O Governador ordenava ao Ouvidor que o informasse sobre: 1. "o monopólio de gados que [aqueles]
262lbidem. homens tinham feito no Caeté, embaraçando quem os queria contar para serem eles únicos; 2. as vozes
263Ibidem. sediciosas que se espalharam sobre os 10%; 3. com que razão publicaram que dentro de dois meses
haveria levantamento nas Minas; 4. o pasquim, escrito em espanhol, ameaçando de morte quem pagasse
as CARTA de D. Pedro de Almeida para Bartolomeu de Souza Mexia de 08 de janeiro de 1719. Doe. cit, os quintos e 5. quem do Morro Vermelho ofereceu armas ao motim de Catas Altas". CARTA do Governador
265PARA O OUVIDOR Geral da Comarca do Rio das Velhas em 12 de dezembro de 1718. Doe. cit, das Minas para o Ouvido r Geral da Comarca do Rio das Velhas de 21 de janeiro de 1719. APM. Seção
Colonial. Códice SG 11 fls. 103-105.
266CARTA do Governador das Minas para Rafael Pires Pardinho de 19 de dezembro de 1718. APM. Seção
Colonial. Códice SG 11 fI. 89. "'0 CARTA do Governador das Minas para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas de 05 de Julho
de 1719. APM. Seção Colonial. Códice SG 11 fI. 135.
110
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272SOBRE os limites deste governo. Carta de D. Lourenço de Almeida de 06 de setembro de 1721. Regis·
ii
tro de alvarás, cartas, ordens régias e cartas do governador ao Rei· 1721-1731 (Códice 23). Revista do
Arquivo Público Mineiro. XXXI (1980). p. 84.
CI. VASCONCELOS, Diogo de. Questão de limites. Revista do Arquivo Público Mineiro. XVIII (1911): 107·
273
123.
271 Ver capítulos 2 e 4 deste trabalho.
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rancado por ordem da Câmara de São João del Rei e levado para seu ra da Mantiqueira, sob os cuidados do governo de São Paulo. À astú-
lugar de origem. O fato de o marco ter retomado à Serra da Mantiqueira cia do Conde Galvêas somou-se o fato de não existirem outras divisas
não impediu, contudo, os constantes avanços dos paulistas sobre o naturais que pudessem servir de balizas entre as duas capitanias. Nessa
sertão da Comarca do Rio das Mortes, o que gerava uma constante medida, a Ordem Régia de 1731 ficou sem execução e os limites per-
I
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instabilidade naquela área de mineração. maneceram como antes.
Criada a Capitania independente das Minas Gerais, os limites À época do governo de Martinho de Mendonça, tropas foram en-
da Comarca do Rio das Mortes foram confirmados por Ordem Régia viadas ao Rio Sapucaí para garantir a sua posse. Em carta ao Ouvidor da
de 22 de abril de 1722274. Comarca do Rio das Mortes, o Governador lhe ponderava que" quando
Antônio da Silva Caldeira Pimentel, Governador de São Paulo, ([11 não estão reconhecidos os limites, sabe VM. muito bem que vale mais a posse que
sentindo-se prejudicado, reclamou ao Rei que a demarcação fora des-
proporcional, ficando a Vila de Guaratinguetá com somente cinco ou
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a razão". Na oportunidade, solicitava ao Ouvidor que formasse um su-
mário do qual constasse terem sido as minas do Sapucaí e parte da fre-
seis léguas guesia de Baependi descobertas e povoadas pela gente das Gerais, "em
que nunca teve atos possessórios outra jurisdição", mas não alferasse a posse
"experimentando o prejuízo de se não poderem pren- de São Paulo sobre Itajubá, ainda que fosse injus~a276. .
der os culpados pela facilidade com que [passavam]
Com os descobrimentos das minas de-Campanha do Rio Verde,
para a jurisdição das Minas, de onde [vinham] cons-
tantemente ao termo de Guaratinguetá a cometer no-
:1 entre 1740 e 1743, os paulistas novamente invocaram os seus direitos
vos insultos e violências ...", de posse até o Rio Grande, justificando-os pelo desbravamento pro-
movido na região pelas expedições paulistas prescrutadoras de índi-
Antônio Pimentel.§olicitava ao Rei que ampliasse os limites da
Vila de Guaratinguetá até Caxambu ou Boa Vista. Tendo em vista as
reivindicações de São Paulo, D. João, em nova ordem, expedida em 1731,
jl os. Em 1743, D. Luiz de Mascarenhas, entendendo que as descobertas
do Rio Verde pertenciam à sua jurisdição, nomeou para seu superin-
tendente Bartolomeu Correia Bueno.
determinou que os governadores interessados ajustassem os limites Em agosto deste ano, os oficiais da Câmara de São João del Rei
ir comunicaram ao Governador que o superintendente fora mandado
"que por esta devem ter um e outro governo, e me pelo governo de São Paulo para
dareis conta para aprovar, se me parecer, declarando a
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distância de uma e de outra parte, e só naquela se achar "com mão armada, [os] despojar da posse em que [es-
alguma serra ou rio, que possa servir de demarcação tavam] das minas do Rio Verde, Sapucaí e Pedra Bran-
aos dois governos ..."275. .J'li I I ca, com grande opressão dos vassalos e detrimento do
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i patrimônio real de Sua Majestade"?".
Apoiado na Ordem Régia, o novo Governador de São Paulo, D.
Luiz de Mascarenhas, convidou, em março de 1733, André de Melo e Segundo os oficiais, Bartolomeu Bueno, chegando às minas de
Castro, Conde de Galvêas, para o ajuste dos limites. Não só o Gover- Rio Verde, com a força de armas e de violência, publicou editais pelos
nador das Minas desconheceu a correspondência de D. Luiz quanto quais.suspendeu toda a jurisdição dos ministros da Comarca do Rio
escreveu uma representação ao Rei, denunciando o abandono da Ser- das Mortes sobre elas e proibiu que se arrecadasse os quintos pela
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Intendência da Comarca, argumentando que os mesmos lhe pertenci-
I
am conforme fora ordenado pelo Governador de São Paulo.
274 Diogo de Vasconcelos afirmou em sua "Questão de Limites": "...sem se poder bem afirmar do motivo, se
representação da Câmara de São João ou se do próprio Governador das Minas, o certo é que o Rei
expediu a Ordem Régia de 22 de Abril de 1722, confirmando esses timitee". Op. cit. p. 110. Sem dúvida, a
Ordem Régia de D. João V derivou da carta, supra citada, de D. Lourenço de Almeida de 06 de setembro '" CARTA de Martinho de Mendonça para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes de 10 de julho
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de 1721, na qual externava sua preocupação com os conflitos que fatalmente ocorreriam quando a área , de 1737. APM. Seção Colonial. CódiceSG 56 fI. 64.
fosse povoada.
sn DOS OFICIAIS da Câmara de São João dei Rei em 26 de agosto de 1743.APM. Seção Colonial. Caixa
275 Ibidem.
3, doe. 07.
114 115
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade de Século XVIII
r V.a •• to. Reh.Id.I: vlolOncl1 na. Minas
na prlf1\llrl meldde do Século XVIII
I
com as quais sem mais averiguação entrou V.E. no
risco de meter aquele numeroso povo no intento de
Respondendo aos oficiais, Francisco Martins Lustosa negou-lhes
um distúrbio (...) contrário às leis e reais intenções de
Sua Majestade, ao seu Real serviço e bem público" 278. passagem, respaldado nas ordens do seu General de não conceder justi-
ça alguma à Câmara de São João, e ainda de lá os expulsou. Os cameristas
Para "atalhar qualquer sinistro procedimento e acautelar algum per- insistiram, ordenando-lhe apresentar as ordens de D. Luiz de
nicioso acidente", tendo em vista que os "efeitos de tão violentos procedi- Mascarenhas, ao que Lustosa respondeu negativamente pois elas conti-
nham "outros segredos de justiça" e lhes informou que tinha instruções de
mentos" estavam colocando em risco o bem público e a Real Fazenda,
convocar o povo para defesa daqueles portos e que contava, no momen-
além de usurpar a jurisdição do Senado da Câmara de São João del
Rei, o Ouvidor do Rio das Mortes, José Antônio Calado, acompanha- to, com 200 homens armados entrincheirados nos barrancos do Sapucaí.
do de mais de cem homens armados, expulsou o superintendente O guarda-mor, Bento Pereira de Sá, provido pelo governo das Minas,
afirmou a Gomes Freire de Andrade ainda não ter visto
paulista de Rio Verde. De acordo com o Ouvidor, "com a sua retirada
279
respiraram os povos, conseguindo-se a quietação deles" • "maior insolência daqueles rebeldes criminosos e le-
Dificilmente a população do Rio Verde teria recebido, de bom vantados que, para viverem livres de perseguições dos
grado, a expulsão de Bartolomeu Bueno, pois o Governador das Mi- credores, e outros por irem públicos os seus insultos,
nas fora informado terem sido os moradores "os que foram inquietar o [buscavam] aquele quilombo, para não serem admi-
Senhor General de São Paulo" e o persuadir de ser a nomeação do supe- nistrados de justiça desta Capitania"283.
rintendente o mais conveniente ao bem público e ao serviço de Sua
O Fiscal das minas, Francisco de Castro e Costa, insistiu para
Majestade280. que o Senado permanecesse às margens do rio Sapucaí, construindo
A adesão dos mineradores do Sapucaí ao governo de São Paulo
canoas, para atemorizar os revoltos os, forçando a sua desunião. Sem
explicitou-se com os acontecimentos de 1746.
Neste ano, novamente o Governador de São Paulo nomeou um dúvida, os oficiais da Vila de São João teriam de enfrentar os amotina-
281DOS OFICIAIS da Câmara da Vila de São João dei Rei em 22 de setembro de 1746. APM. Seção
278CARTA de Gomes Freire de Andrade para o Sr. General de S. Paulo, D. Luiz Mascarenhas de 13 de Colonial. Códice 5G 76 IIs. 90·91.
fevereiro de 1743. APM. Seção Colonial. Códice 5G 84 IIs. 4-5.
2B2CARTA do Guarda-Mor Bento Pereira de Sá para Gomes Freire de Andrade de 24 de maio de 1746.
279lbidem. APM. Seção Colonial. Códice 5G 76f15. 81·82.
280CARTA do Governador para o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, o Dr. José Antônio Calado 28'lbidem.
de 13 de fevereiro de 1743. APM. Seção Colonial. Códice SG 84 IIs. 3·4.
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116
r vuallot AIOIldH: vlol6nol. nu Mina.
na prlmalra malada do ."ulo XVIII
Vassalos RebekJes: violência nas Minas
na primeira melade do Século XVIII
dos sozinhos porque, além de todos os moradores da freguesia se en- resolvida pelos Generais e Soberano e se retirarem, juntamente com
contrarem nos novos descobertos, impedindo ao Senado ajuntar cor- seus escravos, sem o que prenderia a todos e os enviaria para São
po de gente para intimidar os levantados, todo o povo estava do lado Paul0288.
de São Paul0284• A resistência dos rebeldes continuava e os levantados do Sapucaí
Segundo correspondência do Fiscal, Francisco de Castro e Cos- fecharam definitivamente a passagem para o outro lado do rio, colo-
ta, os moradores da freguesia desejavam ficar submetidos ao governo cando sentinelas em todos os portos com a maior vigilância. Amea-
de São Paulo, em razão das arbitrariedades e desmandos de Bento çado, o Guarda-mor Bento Pereira de Sá insistiu com o Governador
Pereira de Sá. Os levantados, "muito atrevidos e com má doutrina", esta- que "sem grande castigo aos cabeças e criminosos que [moviam] conti-
vam armados, entrincheirados nas margens do Rio, e na sua opinião nuamente estas dúvidas, se não [aquietaria] o pais"?":
eram criminosos, homens vis, e deviam ser exemplarmente punidos. Procurando garantir a posse das terras do Sapucaí e dar fim ao
O Fiscal não acreditava ser possível que fosse o governo de São Paulo motim, a Câmara da Vila de São João deI Rei enviou para o Governa-
quem fomentasse tais insolências-" e mandou abrir devassa, convicto dor de São Paulo certidões que comprovavam sua jurisdição sobre as
de que, se não houvesse castigo, seria aquele povo "o mais absoluto que cobranças de dízimos e capitação, devassas e arrecadações feitas pelo
se pode hauer. .. "286. . •
juízo dos defuntos e ausentes, e repartições das terras minerais. Vi-
l:8lindefinição da jurisdição administrativa' era responsável pe- sando à prisão dos cabeças do levante, o Juiz Ordinário tirou devassa
los desmandos e pela violência, uma vez que a região do Sapucaí aca- pelo "motim e assuada e ofensa de jus tiça" 290.
bava por não obedecer nem ao governo das Minas, nem ao de São Os carne ris tas comunicaram estas providências ao Governa-
Paulo. Tal situação facilitava a instituição de um poder local, que en- dor das Minas e afirmaram-se espantados com o conflito, uma vez
frentava as determinações metropolitanas, configurando um contex- que D. Luiz de Mascarenhas, desde 1743, teria "desistido da [posse)
to de soberania fragmentada. que violentamente [pretendeu] adquirir Bartolomeu Correa Bueno, a quem
Francisco de Castro criticou duramente os oficiais da Câmara havia mandado por Superintendente" e reconhecido a jurisdição da
da Vila de São João por não terem permanecido nas imediações do Vila de São João deI Rei. Acreditavam que os cabeças do motim
Rio Sapucaí. Os cameristas, "sem cabeça e com achaques incuráveis", re- eram Francisco Martins Lustosa, guarda-mar paulista, executado
colheram-se ao arraial de Campanha sem enfrentar a desordem/". por um grande número de dívidas, Bento Correa de Melo e José
A versão dos paulistas logo veio a público com a carta de Fran- Pires, ambos acusados pela justiça de São Paulo, os quais teriam
cisco Martins Lustosa, enviada a Cristovão de Faria, presidente da sido movidos não pelas ordens do governo de Sã$fPaulo, mas pela . I
Câmara de São João. O guarda-mar paulista levou ao conhecimento "co"b:içadI hauerem para si as melhorep~·tlm;J:/'{parq.,vênderem e desfruta-.'
do oficial que, quando os cameristas daquela Vila resolveram tomar r:(ni, como f~zham, com patente i1;tjustiçâ"na reporiição, pois nenhum
posse dos desçobertos e ampliar seu termo, pedira, mais de uma vez, ~ineirofico1J. c011Jterras de conver1iênda"291. v ' . .
para não ser perturbado. A presença do Senado, que "com a força das ;.. Não conseguimos informações precisas sobre o final do. motim.
armas [queria] entrar no distrito alheio", estava sendo muito prejudicial Contudo, em 16 de junho de 1746, quando a disputa entre os levantados
ao comércio e interferindo negativamente nos "povos que [estavam] tra- do Sapucaí e os oficiais do Senado da Câmara da Vila de São João deI Rei
balhando pacificas para pagarem os quintos de Sua Majestade". Francisco havia se tomado incontrolável, Gomes Freire de Andrade determinou a
Lustosa recomendou aos oficiais deixarem a questão dos limites ser
28.CARTA de Francisco Martins Lustosa ao Sr. Cristovão de Faria de 04 de junho de 1746. APM. Seção
Colonial. Códice SG 76fl. 84.
28'lbidem.
289CARTA de Bento Pereira de Sá de 06 de junho de 1746. APM. Seção Colonial. Códice SG 76 fI. 83.
285DE FRANCISCO de Castro e Costa em 22 de maio de 1746. APM. Seção Colonial. Códice SG 7611.82.
CARTA do Intendente do Rio das Mortes, Bento Antõniodos
aso Reis Pereira de 08 dejunho de 1746. APM.
'86 CARTA do Guarda-Mor Bento Pereira de Sá para Gomes Freire de Andrade de 24 de maio de 1746. Seção Colonial. Códice SG 76 IIs. 84-85.
Doc.cil.
DOS Oficiais da Câ~ara
291 da Vila de São João dei Rei em 22 de setembro de 1746. APM. Seção Colonial.
287 DE FRANCISCO de Castro e Costa em 22 de maio de 1746. Doe. cít, Códice SG 76 IIs. 90-91. -
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Vas.aloa Rebeldea; violência nas Minas
no primeira metade do Século XVIII
I Vassalos Rebeldes: violência nas Mina.s
na primeira melada do Século XVIII
partida de uma expedição para combater os quilombos da Comarca do Neste processo conflituoso, é interessante o registro de um mo-
Rio das Mortes'?". Como a revolta de Campanha aparece várias vezes tim, em 1751, nesta mesma região, liderado por um dos personagens
nos documentos como se fora um quilombo, a expedição pode ter tido da revolta de 1746, a qual apresentou também características de levan-
como alvo o reduto dos revoltosos nos barrancos do rio Sapucaf'". Na tamento dentro das regras do jogo colonial, constituindo-se em mais
ocasião do conflito, informara o guarda-mor Bento Pereira de Sá a Go- um caso híbrido de atuação dos atores.
mes Freire de Andrade que vários criminosos se escondiam naquele De uma petição ao Governador das Minas feita pelos pro-
"quilombo para não serem administrados da justiça desta Capitania ...,,294 . prietários de várias terras e águas minerais no distrito de São Gon-
Em documento de 1751, relativo a outro motim liderado por çalo do Rio Verde, junto ao rio Sapucaí, obtidas do Superintenden-
Bento Correa de Melo, novamente a revolta de 1746 foi vista como a te da Comarca do Rio das Mortes, consta que um grande número
formação de um quilombo e várias vezes observamos na documenta- de homens levantados, liderados por Bento Correa de Melo, que
ção referências ao quilombo do Sapucaí. Enfim, estas observações pre- participara das desordens de 1746, e por seus camaradas, preten-
tendem tão somente levantar uma possibilidade para explicar o con- deu repartir a lavra, em que trabalhavam os suplicantes" com grande
trole da sedição de Campanha do Rio Verde. fábrica de escravos", e todas as suas terras. Os amotinados, armados
Uma vez ciente dos acontecimentos no Rio das Mortes, o Rei, . "todos com espingardas, bacamartes e pistolas, entraram a chamar a malta
por Ordem Régia de 30 de abril de 1747, determinou ao Governador vox, dizendo viva o Povo", quiseram obrigar o guarda-mor Bento
de São Paulo que tendo em vista Pereira de Sá a repartir as terras. Como o ministro ponderasse que
as terras não eram de faisqueiras, as quais o Regimento mandava
"as contendas, que tem havido entre a Câmara da Vila
repartir, e como já estavam concedidas, não podendo, portanto,
de São João dei Rei e o Guarda-Mor posto por esse
Governo em um distrito da parte de além do Rio reparti-Ias sem ordem do Superintendente, os amotinados nomea-
Sapucaí, a respeito da jurisdição a que tocam àquelas ram para proceder à repartição um dos seus, Guilherme Rodrigues
terras, (...) fui servido determinar por Resolução de 22 da Veiga, e invadiram violentamente a casa de Bento Pereira de
do presente mês e ano, em consulta do meu Conselho Sá. Retirado à força, o verdadeiro guarda-mor "foi levado preso e
Ultramarino,que a este sítio sirva de limites dessa Ca- arrastado debaixo de armas de fogo, e assim o conservaram em uma casa
pitania a serra da Mantiqueira para desta sorte se evi- com guardas às portas e sentinelas à vista". No dia seguinte, Guilher-
tarem as desordens, que podem resultar de ficar o dito me Rodrigues da Veiga foi repartir entre os amotinados as terras
sítio administrado e regido por duas jurisdições ..."z95 . dos suplicantes, que já haviam sido expulsos delas?".
Com a real confirmação dos limites, os paulistas perderam qual- Os proprietários, Capitão Heitor de Sá Souto Maior e seus sóci-
quer direito na região, consolidando-se a sua posse pelo governo de os, na petição ao Governador, solicitavam que se aplicasse um exem-
Minas. plar castigo aos
120 121
VII ••• " ••• 1eI1I1vlaltnoll nll Mln••
1II1II1m1lr. 11III" do •••• ulo XVIII
ção das regras do jogo colonial estiveram presentes, como vimos, nas :.:
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CAPíTULO 7
NEGROS REBELDES:
o "inimigo mais pernicioso"
.~
(~~)CARTA de D. Maria ao Governador das Minas ern 09 de novembro de 1778. APM.Seção Colonial.
CÓdiceSG218fls.189a 193. -.
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ji I
298 Ct. GUIMARÃES, Carlos Magno. Uma negação da ordem escravista: quilombos em Minas Gerais no
século XVIII. 8elo Horizonte, DCP/UFMG, Dissertação de Mestrado, 1983 (mimeo).
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v•••• Ie. Rob.ldll: violência nos Minas
na prlmolr. melade do Século XVIII f Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
representar a fundação de uma nova ordem e a perda do controle das vantes, Em 1719, o Conde de Assumar informava ao Rei que as possi-
Minas. bilidades de atos sediciosos cresciam porque os negros tinham a: seu
Tal constatação fica explicitada em carta de 1725 de D. João V a favor a sua "multidão" e a "nécia confiança de seus senhores, que não só
D. Lourenço de Almeida, Governador da Capitania. Afirmava o Rei lIus fiavam todo o gênero de armas, mas encobriam as euas insolências e os
de Portugal que, como nas Minas
"os negros intentaram sublevarem-se contra os bran-
cos o que conseguiriam, se não houvesse entre eles a
I delitos,,301 .
Exemplos da crescente preocupação das autoridades com as
ameaças provenientes da radicalização do comportamento dos negros
diferença de que os negros de Angola queriam que fosse foram a substituição de quaisquer eventuais formas acomodativas pelo
Rei de todos um do seu Reino, e os Mina também de, castigo exemplar e a extensa legislação para controlar os escravos.
que fosse da sua mesma pátria, cuja conjuração se des- As tentativas de frear os comportamentos rebeldes dos negros não
cobriu por especial favor de Deus e se acudiu a tempo se mostraram tímidas durante a primeira metade do século XVIII. Proi-
de se atalhar o dano que este movimento podia oca- biram-se os batuques, as vendas nas áreas de mineração, o comércio
sionar à conservação dessas minas, as quais absolu- ambulante, o porte de armas, o trânsito descontrolado pelos caminhos.
tamente se perderiam se eles as dominassem, e en- Foi precoce, nos núcleos mineradores, a proibição do comércio
traríamos no cuidado de dar uma guerra a qual não só ambulante. Em especial, as determinações atingiam as negras de ta-
seria muito custosa, mas arriscada, sendo necessárias buleiro - forras ou escravas -, que transitavam pelas lavras e
todas as forças do Brasil para nós tornarmos a restituir
falsquetras, gerando reclamações dos proprietários de escravos. Eram
daquela porção de terra que eles possuíssem"?" .
acusadas principalmente do desvio de jornais em razão de os cativos,
A turbulência escrava não foi pequena nas Minas da primeira ao consumirem quitutes e aguardentes, gastarem parte do ouro devi-
metade do século XVIII e pode ser evidenciada pelos insultos e mor- do aos seus senhores/" .
tes provocados pelos negros e, principalmente, pela ameaça constan- No governo de Antônio de Albuquerque proibiu-se
te da eclosão de rebeliões escravas, locais ou generalizadas, na área
mineradora. de irem mulheres com tabuleiros às lavras do ouro
fi
Já em 1699, nos primeiros momentos do povoamento das Mi- com pastéis, bolos, doces, mel, aguardente, e mais be-
bidas, que algumas pessoas mandam às ditas lavras e
nas, o Rei de Portugal escrevia ao Governador Geral do Rio de Janei-
sítios em que se tira ouro dando ocasião a este se de-
ro, comentando os "roubos e malefícios cometidos nas estradas pelos negros sencaminhar de seus senhores e ir dar a mãos que não
fugidos", os quais se reuniam nas serras e, durante a noite, desciam pagam quintos a Sua Majestade'?" .
aos caminhos, colocando em pânico os viajantes. Nesta conjuntura, o
Rei recomendava ao Governador ter cuidado no trato com os negros, Em 1714, no governo de D. Brás Baltasar da Silveira, foi reforça-
insinuando a defesa de.uma certa acomodação entre os atores sociais da a proibição da venda de petiscos pelas negras de tabuleiro assim fi
das minas, para que os escravos não viessem" afazer nessa capitania o lUIS estradas como em quaisquer lavras de ouro'F" .
I
1:1
que fizeram nos Palmares de Pernambuco'P" .
Esta tentativa de acomodação rapidamente se desvaneceu em
I!: razão do número cada vez maior de escravos nas áreas mineradoras e 111IOBRE a sublevação que os negros intentaram a estas Minas. Carta do Governador ao Rei de Portugal
'/ do conseqüente agravamento dos insultos, mortes e ameaças de le- dllO d, abril de 1719. APM. Seção Colonial. Códice SG 04 Ils. 587-596.
'li • lobrl !Ia negras de tabuleiro ver: FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória. Cotidiano e trabalho
1\;
II d. mulher ~m Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993 (em especial Comércio
i\ "Imlnlno ,Tensão Social).
299 CARTA do Rei de Portugal ao Governador das Minas, D. Lourenço de Almeida de 18 de junho de 1725. ,/ IIIIANDO do Governador Antônio Albuquerque de 1Q de dezembro de 1710. APM. Seção Colonial. Códice
APM. Seção Colonial. Códice SG 2311. 47. Ia 07111,12-13.
300 CARTA do Rei ao Governador Geral do Rio de Janeiro de 24 de setembro de 1699. APM. Seção "'IANDO de D. Brás Baltasar da Silveira de 04 de fevereiro'de 1714. APM. Seção Colonial. Códice
Colonial. Códice SG 0211s. 171-172. Ia OQII,e,
"lI
126 127
.",
~....,..-:~ _ _,.
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Vassalos Rebeldes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII na primeira metade do Século XVIII
~.'~
A proibição do comércio ambulante não se restringiu às ativi- 1 no arraial de Antônio Pereira, nas vizinhanças de Vila Rica, muitos
dades destas negras. Os vendedores ambulantes, "homens de capa em
colo por. andarem vendendo em sacos e trouxas, metidos pelos buracos ...",
foram também reprimidos. Edital da Câmara de Vila Rica, publicado
1i:
I .
negros fugidos, misturados com outros tantos do mesmo arraial, an-
davam à noite "inquietando os moradores dele e cometendo vários insul-
to,/lM~, O Governador, apreensivo com as notícias, ordenou ao capi-
em 1742, insistia na execução dos bandos e outras proibições sobre a tlo-mor das ordenanças fazer rondas todas as noites nas imediações
prática do comércio ambulante em razão do grande número de ::'Qt:.11-
d.as ocultas, frasqueiras de boleiroe, cestos de comestíveis" que andavam .i
~t· ~!r 'i
do arraial de Antônio Pereira e prender todos os negros que se encon-
tra•• em nas ruas após as nove horas da noite, Informava D. Lourenço
continuamente pelos morros e lavras "por onde se [desvaneciam] as mul- )
para o Conde de Calvêas que todas as desordens derivavam da "gran-
tiplicadas vendas que [desertavam] da vila por esta tão urgente circunstãn- ti, al1'lbiçtfodos vendilhões, os quais {tinham] as vendas abertas até muito
cia"?", As proibições, contudo, não surtiam efeito. Em 1747, Gomes I ,\.\ tnrd, da noite; e alguns deles [recolhiam] os negros fugidos e, o que mais
:I
Freire de Andrade, Governador das Minas, reiterava as disposições ), 'fIram] os furtos que [faziam], contratando com eles, fomentando-os nestes
de seu bando de 13 de maio de 1736, porque continuava o comércio alla/oros", Nessa medida, ordenou também ao capitão-mor prender
de "cousas comestíveis, vinho, aguardente e cachaça, entre as lavras do Ar- t; o. vendilhões que estivessem" com as vendas e portas abertas fora de ho-
raial Novo e em todas as vizinhanças daquele distrito do Rio das Velhas, ra."~n\l.
Comarca do Sabará". Gomes Freire mandava executar o edital, como
parte do bando de 13 de maio de 1736, não permitindo que entrassem
~l.
~
Em 1742, a Câmara de Vila Rica comunicava aos juízes
almotllcéls as reiteradas queixas que vinham sendo feitas "a respeito de
nas lavras "negras ou negros de tabuleiros"306. li' l/mUII ver/das (".) em Antônio Dias nas quais [costumavam] os uendeiros
A presença de vendas localizadas nos morros auríferos também ~I rlcolller negros fugidos" e lhes recomendava dar "providência a este des-
foi duramente combatida. Estes estabelecimentos, misto de bar e ar- concerto e [evitar] este dano"?",
mazém, foram o principal meio de abastecimento das populações das " Por Edital do Senado da Câmara de Vila Rica, de 19 de janeiro
vilas, arraiais e núcleos mineradores. As vendas comercializavam tanto do 1743, ficou determinado que
os "secos" (tecidos, aviamentos, utilidades domésticas, ferramentas),
quanto os "molhados" (bebidas e comestíveis) e acabaram por multi- "todas as pessoas que [tiverem] venda pública e [reco-
plicarem-se onde existiu possibilidade de consumo para seus artigos. lherem] negros alheios (.,.) para dentro, de dia ou de
I Eram freqüentadas por escravos, forros, prostitutas e oficiais mecâni- noite, (...) serão condenadas em 10/8 de ouro e 30 dias
cos que bebiam "aguardente da terra" e promoviam grandes tumul- de cadeia sendo escravo forro, e se for cativo, será pu-
nido seu senhor (...) e para que não aleguem ignorân-
tos. Nestes estabelecimentos, os escravos planejavam fugas e vendi-
cia, sem embargo das repetidas proibições em seme-
, am o produto da mineração, furtado de seus proprietários; os lhante matéria, mandamos afixar vários deste teor ..."311.
I' quilombolas compravam pólvora e chumbo para resistirem às autori-
dades. Também lá eram realizados bailes e batuques que atraíam um As tentativas de controlar as vendas foram infrutíferas. O Sena-
I grande número de pessoas facilitando a generalização das desor- do da Câmara de Vila Rica recebeu, em 1743, uma representação dos
I dens'?". moradores da Ponte de Antônio Dias, Água Limpa e Morro, a respeito
I No final da segunda década do Setecentos,· D. Lourenço de
!, do grande número de vendas (calculadas em 150 estabelecimentos')
Almeida comunicava ao Conde das Calvêas ter sido informado que,
~I,
I' ••• CAATA di D, Lourenço para o Conde de Galvêas de 13 de dezembro de 1729. APM, Seção Colonial.
305 Códices CMOP 06, IIs. 31 a 32 e CMOP 49, IIs. 20 a 21. Apud CHAVES, Cláudia M. G. & VIEIRA, Vera I
L. D. Tropas e tropeiros no abastecimento da região mineradora no período de 1693 a 1750. Belo Horizon-
Oddlcl Sei i7 li, eo.
te, FAFICH/UFMG, Relatório apresentado a PRPqlCNPq, 1991. p. 32. lOI'bldlm,
1f
306EDITAL de Gomes Freire de Andrade de 26 de maio de 1747. APM. Seção Colonial. Códice SG 501ls.
44-45. ,I .,0 OAOI!M do Senado da Câmara de 17 de março de 1742.APM. Seção Colonial. Códice CMOP 49 11.14.
AIgl.'ro di v'r108 edltals que o Senado da Cãmara mandou publicar em 19 de janeiro de 1743, APM.
GIl
307 CI. FIGUEIREDO, Luciano. Op, cit. p:41passim. j, 51Qlo Colonl.l, CMOP 4911.49.
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1I
128 129
I' f- ~------,
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I
Vassalos Rebektes: violência nas Minas Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII naprjmesa metade do Século XVIII
existentes na rua de Argel, não obstante as proibições expressas nos Exemplo desta violência que permeava as relações entre bran-
vários bandos publicados, e das estratégias para dar couto aos escra- ao•• negros foi o assassinato, em abril de 174Q,.J;l.eduas mulheres,
vos fugidos'" . \lml branca grávida e uma mulata, cometido por' negros quilombolas.
Ineficazes as determinações para o controle dos negros, as de- Como vingança à decretação da sentença de morte por esquartejarnento
sordens derivadas da rebeldia dos escravos generalizaram-se nas Mi- d. 1.lm negro no termo de Vila Rica, cinqüenta escravos armados diri-
nas na primeira metade do século XVIII. li. ram-Ie ao lugar marcado para o suplício "para tirar a justiça do réu".
Preocupado com a situação no termo de Vila do Carmo, o Con- ÃO mlio do caminho, resolveram
de de Galvêas, em 1734, ordenou ao capitão-mor das 'ordenanças do
"vingar-se por modo mais bárbaro, pressionando ao pé
morro da Panage que, juntamente com seus oficiais subalternos e al- 11·'·'
da vila duas mulheres e,levando-as a um mato não muito
guns soldados, estivesse a postos nos sítios e estradas nos quais os distante, as degolaram e despedaçaram uma, declaran-
negros costumavam se reunir, para evitar as desordens e prender os do aos negros que encontravam [que] por cada negro
"insolentes temerários". A ordem decorria dos tumultos que estavam r,:
que fosse justiçado, justiçariam dois brancos'?".
acontecendo no Morro da Panage, no arraial de Baixo e nos caminhos ,.;
para Ribeirão do Carmo, locais em que os escravos Além da conflituosa relação com os brancos, os negros estive-
"com o motivo de fazerem seus bailes, que [degenera-
ram lempre envolvidos em situações de violência. Das devassas tira-
vam] ordinariamente em bulhas, andavam tumultuari-
dai IX oficio entre os anos de 1741 e 1748, a grande maioria referia-se a
tentativas de assassinatos de escravos, com armas de fogo e brancas,
amente vagando de uma para outra parte com bastões
grossos, porretes e paus compridos e outras armas, prin- nl maior parte das vezes bem sucedidas. Foram também comuns
cipalmente nos domingos e dias santos, sem que os seus d.noramentos de crianças negras, incêndios, arrombamentos e des-
mesmos senhores os [pudessem] conter ..."313 .. 1ruiçlo de propriedades provocados por bandos de negros armados'" .
Também em Vila Rica, sede do governo das Minas, as desordens No início de 1745, também os oficiais da Câmara de São João
haviam se agravado. Os oficiais da Câmara desta Vila enviaram carta ao d.l Rei denunciavam os tumultos ocorridos na Comarca do Rio das
Rei, em 1743, insistindo que fossem tornadas providências para a Mortes e a inquietação dos moradores da região:
decadência em que se [achava] o povo das Minas,
'i " ••• "...pelos contínuos roubos e mortes que [faziam] os ne-
i vexação em que se [via] causada da multidão de ne- gros fugidos; tendo chegado a sua insolência a tal extre-
l
gros fugidos e aquilombados que [havia] em todas elas, mo, que ainda sem o interesse do roubo, [matavam] por
, /'-. ' de que [resultavam] os extraordinários casos que con- devoção aos brancos, que lhes caem nas mãos, ou nas
I
.,./ tinuamente [estavam] sucedendo nos cruéis assassíni- suas ciladas; sendo em tanto número estes mal-feitores,
os e roubos violentos que a cada instante [estavam] que em partes mui distantes de seus quilombos se en-
i fazendo ..." 314 . contraram partidas de 20, 30 e demais com espingardas,
I baionetas, patronas e mais armas de toda sorte de que
i [usavam] tão destramente como qualquer soldado; [cai-
3'2 "Senhores do Senado. Representam a Vossas mercês os moradores da Ponte de Antônio Dias, Água
i Limpa e Morro que estando proibido pelos bandos dos senhores governadores o consentirem-se vendas am] dos atrevimentos que [cometiamJnas estradas, não
nas paragens em que possam prejudicar aos mineiros, pelos danos que a estes e seus escravos sucede, [duvidavam] insultar aos moradores que [possuíam] fá-
se está conservando contra os tais bandos uma rua inovada, chamada pelos roubos e desaforos que nela bricas grandes, nas suas próprias fazendas e casas; não
se fazem, a rua de Argel (...) onde tudo são vendas e casas de comissão em que se recolhem os negros
fugidos e se consome todo o ouro dos' escravos, por forma que seus senhores não recebem jornais sempre [foram] rechaçados obrando nas dos pobres, em
alguns, antes sim Ihes sucede da tal ruae fazerem-se-Ihe seus escravos quilombolas e fujões, dando-lhas que [achavam] menor resistência, e com suas famílias
nas casas da tal rua couto e escapula por certos becos que nela há...''. Cf. REPRESENTAÇÃO ao Senado
da Cãmara de Vila Rica de 25 de maio de 1743. APM, Seção Colonial. Códice CMOP 49 fI. 68,
3'3 CARTA do Conde de Galvêas ao capitão-mor das ordenanças Antônio de Oliveira Paes de 30 de agosto
de 1734. APM. Seção Colonial. Códice SG 37 fI. 59v.
REPRESENTAÇÃO da Cãmara de Vila Rica ao Rei de Portugal de 31 de agosto de 1743. APM. Seção
! li' e""TA do Qovlrnador Gomes Freire de Andrade de 20 de abril de 1740. APM. Seção Colonial.
,eU6III.l00-l0l,
Códice
31<
130
131
i -,
I
I
\, ,.
é·r Vassalos Rebeldes: vIolência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XVIII
132 133
.)
Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
na primeira metade do Século XV\II
'f
;
representaram ao Rei solicitando que, tendo em vista as " ...tão repeti-
do do Governador, ao prevenir o Ouvidor, era tanto maior pelo receio das insolências fel mortes que nestas minas sucedem feitas por escravos aos
com que recebera as notícias da generalização da revolta em partes seus senhores e com o pouco temor do casti o...", fosse ermitido que, por
distintas da Capitania. A movimentação dos negros era noticiada no estes delitos, os negros merecessem morte natural se executasse a
Furquim, em Ouro Preto, especialmente no morro de Ouro Podre onde sentença sumariamente nas Minas. Os oficiais sugeriam que, para tal,
mineravam quase quatro mil escravos, e em São Bartolomeu, área fosse dada jurisdição do Governador ao Ouvidor Geral da Comarca
periférica de abastecimento dos núcleos urbanos. Segundo D. Pedro de Ouro Preto e ao Provedor da Fazenda Real, da mesma forma que
328
de Almeida, os negros entendiam-se " ...conformando-ee todos em partes se praticava na cidade do Rio de Janeir0 •
mui distantes por meio de vários emissários que andavam de umas para ou- Em 1731, D. João conferiu aos Ouvidores Gerais das Comarcas
tras paragens"?", Para o sucesso da sedição, os escravos escolheriam a mesma jurisdição que tinham os do Rio de Janeiro de sentenciarem
seu rei, rainha e demais oficiais militares que seriam os líderes do
..
à morte negros considerados culpados em Junta com o Governador e
movimento. demais ministros. Por resolução do Conselho Ultramarinho de 21 de
I
I
Se a revolta não foi bem sucedida, tal fato deveu-se ao desen- fevereiro de 1731, o Rei concedeu ao Governador das Minas a mesma
tendimento entre os escravos Mina e os Angola que disputavam a li- jurisdição do Governador do Rio de Janeiro e do de São Paulo " ...que
derança do movimento, o que permitiu romper o segredo do levante sentenciassem em última pena aos delinqüentes (...) convocando à Junta os
na Comarca do Rio das Mortes e transpirar a movimentação escrava Ouvidores das quatro comarcas e o Juiz da Vila do Ribeirão do Carmo, com o
no Furquim e em Ouro Preto.
Provedor da Fazenda ... "329 •
Imediatamente o Governador tomou medidas para evitar a su- As dificuldades de reunir a Junta, de acordo com o disposto na
blevação. Preveniu à população acautelar-se na quinta-feira de Endoen- Resolução do Conselho Ultramarino de 1731, e os constantes atos se-
ças, impedindo o acesso dos negros às suas armas e cuidando da sua cliciosos cometidos pelos escravoS resultaram no afrouxamento das
segurança nas Igrejas. Para a Comarca do Rio das Mortes, onde a po- Ixigências para a punição dos negros.
pulação negra excedia consideravelmente a branca, enviou o tenente Em 1735, uma revolta escrava em Catas Altas, do que resultou a
João Ferreira Tavares para prender os cabeças. João Ferreira pronta- . morte de alguns brancos e a constatação da " ...liberdade com que vivem
mente enviou para Vila do Carmo os reis das nações Mina e Angola e ,.cravos nessas Minas, sendo principal motivo de suas desordens o verem
outros negros nomeados oficiais militares. r- n~o se punem os atrozes delitos que escandalosamente cometem ...", le-
Em 1719, a revolta negra foi abortada. Porém, afirmava o Go- 1\\ D. João, após nova consulta ao Conselho Ultramarino, a ordenar
vernador das Minas ao Rei de Portugal que, não obstante tenha sido li sentenciassem os negros nas Minas com o número de quatro
possível evitar a sublevação, como ,Itros, da mesma forma que fora decidido para as Capitanias de
,mbuco e PaJaíba. Para que não crescessem as culpas dos negros
~r "se lhes não [podiam] tirar os pensamentos e os dese- lixas dos moradores, a Junta poderia ser composta pelo Ouvidor
jos de liberdade, nem por esta causa se podem extin- Rica, o Juiz de Fora do Ribeirão do Carmo e outros dois minis-
'lI guir todos, sendo tão necessários para a subsistência •• achassem mais acessíveis, um dos quais, se possível, o Juiz
:, do país, sempre este fica exposto a suceder-lhe cada ,ODO. Com a Resolução do Conselho Ultramarino de 1735 pre-
'I dia o mesmo'<" .
Corroborando a afirmativa de D. Pedra, sobre o perigo que os 01101111da Câmara de Vila Rica ao Rei de Portugal de 29 de dezembro de 1725. APM.
escravos representavam, poucos anos após a ameaça de eclosão da
1\OU/C, CMOP 0911.12.
revolta escrava na Comarca do Rio das Mortes, os oficiais de Vila Rica \11'1IIcrellm de Sua Majestade que Deus guarde ao Ouvidor geral para se fazer junta em
,.lIm k mortl as pessoas nela declaradas de 24 de fevereiro de 1731. APM. Seção Colo-
.1"" di0'111.;2·93.
1ft, IIor\ugal Ia Governador da Capitania de Minas de 31 de dezembro de 1735, APM.
326SOBRE a sublevação que os negros intentaram fazer a estas minas. Doe. clt,
1111I, 0Id/Ot ,ca 4811.27.
327lbidem.
,
135
134
n. " rr-~rr.lr
I' I' Vassalos Rebeldes: violência nas Minas
i i
I gando-os " ...asperissimamente com açoutes em o mourão que [mandara} Ierou algumas questões revelantes a respeito do "antigo sistema coloni-
II levantar [naquele] distrito ...". O Governador reiterou a necessidade de 1/1 dn era mercaniilista",
ser obedecido o bando que mandara publicar proibindo os escravos Em primeiro lugar, como já foi enfatizado na introdução deste
de andarem armados (mesma proibição intentada desde os tempos trnbalho, a "história real que se desenrola mais no plano do atípico e do
I do Conde de Assumar), e castigar duramente aqueles que fossem en- l'l'euliar" é, sem dúvida, menos atípica e peculiar do que pretendeu
contrados portando armas333• Neste mesmo ano de 1778, D. Maria I, Novaís'". As relações que se estabeleceram entre colonos e autorida-
Rainha de Portugal, tentando diminuir o grau de violência nas Minas, des portuguesas nas primeiras décadas do Setecentos, apreendidas
I I ti
ordenou ao seu Governador que se tomassem providências e " ...pron- pela análise dos levantamentos, permitem afirmar que, no mais das
I'
I' I'I" 'i> to remédio para evadir os perigos que a estes Povos [podiam} resultar da mul- vezes, a Metrópole não se dispôs a dominar a área mineradora a "fer-
I '11 tidão, e.çme1d&1e.das.Eretos ... "334 . 1'0 e fogo" e a enfrentar sistematicamente a população, mas procurou
I li A ameaça de uma generalizada revolta escrava perdurou por garantir a viabilidade das situações de acomodação com os atores co-
i Ii ;,r
'I todo o período imperial. O medo da "haitinização" do Brasil determi- loniais. As tentativas de preservar as formas acomodativas ficaram
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I,
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r "1
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nou a necessidade de um firme controle dos negros. Independente do
fato colonial, as revoltas escravas seriam sempre "referidas às formas".
patentes tanto pelas negociações absolutamente razoáveis mantidas
com os mineradores e Senados da Câmara nos momentos em que os
! I
povos das minas ameaçavam se levantar, ou se levantaram, dentro
das regras do jogo colonial, quanto pelas diligências das autoridades
331 CARTA do Conde de Valadares ao Capitâo-rnor José Álvares Maciel de 13 de maio de 1770. APM. de retomar a situações de acomodação em contextos de soberania frag-
Seção Colonial. Códice SG 179 fI. 11.
mentada, postergando a adoção de medidas repressivas e buscando
332 CARTA do Conde de Valadares ao Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas de 16 de julho de 1771.
APM. Seção Colonial. Códice SG 17911. 86.
333 CARTA de D. Antônio de Noronha ao Comandante dos Carijós, Bernardo Martins Pereira, em 03 de
abril de 1777. APM. Seção Colonial. Códice SG 21511.38.
"" NOVAIS. Fernando A. Op. cit. p. 59-60. Ver nota de rodapé 5 da lntrodução,
334 CARTA de D. Maria ao Governador das Minas de 09 de novembro de 1778. APM. Seção Colonial.
""'Ibldem.
Códice SG 218f1s. 190-193.
137
136
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persuadir os potentados da importante e necessária aliança com a terna na análise do sistema colonial. Desta lógica resulta uma corres-
Coroa. pondência unívoca entre os tempos europeu e colonial. Segue-se que
Nos motins reativos, ocorridos nas minas, pode ser detectada às alterações no cenário metropolitano deveriam corresponder neces-
uma forte disposição do Rei, ou dos seus representantes na colônia, sariamente alterações no cenário colonial. Este viés informou a gran-
de acatar as reivindicações da população. Assim aconteceu, por exem- de maioria dos trabalhos que discute a crise do sistema colonial e atri-
I·
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plo, nas várias circunstâncias em que se tentou alterar a forma da co- bui elementos cronológicos, rigidamente determinados, para caracte-
brança do quinto: nos primeiros anos da mineração com Antônio de rizar os movimentos coloniais da primeira e da segunda metade do
Albuquerque; em 1715, no governo de D. Brás Baltasar da Silveira; na
'4 contingência do estabelecimento das Casas de Fundição em 1719 e
século XVIII. Este foi o ponto central que pretendi discutir neste tra-
balho.
1720; na gestão de Gomes Freire de Andrade, com as precauções to- Em contraposição a uma análise mais linear, que supõe um "au-
madas para a cobrança da taxa de capitação sobre os escravos no Ser- mento" da consciência dos colonos no que se refere ao exclusivo me-
tão da Comarca do Rio das Velhas em 1736. tropolitano e suas implicações, apresento uma tipologia dos movimen-
Já a possibilidade da emergência de revoltas referidas às for- tos intimamente relacionada com o padrão de comportamento dos
mas políticas coloniais em contextos de soberania fragmentada, as atores e as especificidades do rompimento das formas acomodativas
quais colocavam em xeque as regras que arbitravam as relações entre acordadas, explícita ou implicitamente, para reger a convivência da
colônia e metrópole, mostrou a necessidade de a Metrópole cooptar população das minas com as autoridades metropolitanas.
os potentados, responsáveis pela fragmentação do poder soberano ao O rompimento de acordos relativos à "economia moral" dos
! constituírem fortes redutos de poder privado. habitantes da Capitania, recorrendo ao conceito de Thompsorr'", ge-
O paradoxal relacionamento das autoridades metropolitanas rou revoltas inscritas dentro das regras do jogo colonial, movimentos
com Manuel Nunes Viana é paradigmático das tentativas da Coroa de reativos que buscavam retomar às formas acomodativas anteriormente
preservar a acomodação política do sistema. Líder dos Emboabas, usur- estabelecidas. Estes conflitos têm sido tradicionalmente denominados
pador do governo das Minas, Nunes Viana recebeu, mesmo assim, movimentos de contestação e sua ocorrência foi delimitada temporal-
I' patente de mestre de campo. Expulso da Capitania em razão da sua mente na primeira metade do século XVIII. Nesta~_r~YQltE-~, ?_q:)JJsd-
infidelidade à Coroa nos motins de Catas Altas e Barra do Rio das ência do "viver em colônias" estaria ausente.
Velhas, acabou por merecer carta de mercê do Rei de Portugal pelos -'---'Neste-me'smoregistro, os movimentos de oposição, por sua vez,
"relevantes serviços" prestados à Coroa. Não foi diferente o compor- refletiriam a consciência adquirida pelos colonos em virtude, prin-
tamento da Metrópole em relação a Manoel Rodrigues Soares, Do- cipalmente, das influências iluministas que teriam permitido o desvela-
I'
mingos Rodrigues do Prado, Pedro Cardoso, entre outros que, inves- mento das estruturas metropolitanas de dominação, baseadas nos di-
tidos de poder pela Coroa, foram responsáveis pela eclosão de levan- tames do pacto colonial. A característica mais fundamental destes
1I tamentos em contextos de soberania fragmentada, os quais Portugal movimentos teria sido a tentativa de romper com as disposições do
enfrentou com grande dificuldade. monopólio. comercial e, por conseqüência, com a dominação portu-
As reiteradas tentativas metropolitanas de acomodação com os guesa338•
atores coloniais sugerem, no que diz respeito à administração da Ca-
i I pitania de Minas Gerais, a impropriedade de se conceber um "proje-
to" apriorístico de colonização, absolutamente mercantil e predató-
rio. Sem dúvida, é mais adequada a idéia de um processo de coloni- 337 THOMPSON, E. P.Op, cit. Ver Introdução do trabalho,
zação, no qual os atores interagiram conforme as contingências se lhes 338 Cabe ressaltar que estudos recentes sobre o período, que enfatizam urna.certa autonomia da dinâmica
apresentaram. interna colonial, oferecem elementos de análise que permitem questionar os entraves efetivamente colo-
cados para a população pelo pacto colonial. Na região mineradora, dificilmente controlada quer por deter-
Uma segunda questão que se coloca, a partir do exame dos minações econômicas, quer por medidas político-administrativas, o exclusivo metropolitano não impossi-
motins setecentistas mineiros, refere-se ao predomínio da lógica ex- bilitou a acumulação interna nem barrou a concretização de interesses dos agentes econômicos elou
políticos.
138
139
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I
Não obstante O sucesso historiográfico desta concepção, o exa- ANEXOS
me da documentação nos permite afirmar que os moviID~!'ltº~de_QP_º- "
r
1I
sição secaracterizaram mais pela recusa dosatorcisem aceitar a auto-
ridade dos ministros portugueses e a sua disposição de "fragmentar"
a soberania metropoli tana, do que seu pelo seu caráter. de oposição ao
exclusivo comercial e ao fato coloniaL Estes movimentos decorreram
de situações específicas de rompirrtento das formas acomodativasj As
,
tentativas da ordem pública de penetrar em redutos nos quais se ha-I
viam consolidado pólos de poder privado e assentado comunidades
n
!
I
ANEXO I
desvinculadas do aparato político-administrativo metropolitano, a "Termo que se fez sobre a proposta do povo de Vila Rica
desconsideração, por parte da Metrópole, dos interesses dos potenta- l na ocasião em que veio amotinado a Vila do Carmo."
dos e os conflitos intra-autoridades foram responsáveis pela eclosão
de revoltas referidas às formas políticas coloniais, originadas de con- Aos dois dias do mes de julho de mil setecentos e vinte, nesta Vila
textos de soberania fragmentada.y Real de Nossa Senhora do Carmo e no palácio em que assiste o Exmo. Sr.
Exemplos foram respectivamente os motins do Sertão do São t Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida, Governador e Capitão Geral
Francisco, os de Pitangui e os do rio Sapucaí, os levantamentos de da Capitania de São Paulo e Minas, depois de se ter buscado todos os
Catas Altas e Barra do Rio das Velhas e, por fim, a sedição de 1720339• meios que pareceram convenientes para sossegar o tumulto do povo de
Enfim, a documentação relativa às revoltas na Capitania de ~. Vila Rica, e seu termo, persistindo no mesmo intento durante o tempo de
Minas Gerais permite contestar o caráter ~~sêptrcbda região cinco dias, e pelas mais conseqüências que daqui se seguiam, e por vir
mineradora, ao longo da primeira metade do século XVIII, na qual todo o povo sobredito a esta dita Vila do Carmo, com a Câmara presa e as
supostamente teriam predominado, a partir de 1711, a ordem pública ,. mais pessoas principais da sua Vila, apresentaram as condições seguintes
e, por conseqüência, as determinações metropolitanas. As fontes con- a saber:
sultadas revelaram um cenário de desordem nesta região, em decor-
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rência não só do rompimento das formas de acomodação, com a pre-
sença de um sem número de movimentos sediciosos, mas da violên-
cia que impregnava as relações cotidianas da população da Capitá-
nia, com especial destaque para a rebeldia negra. As ameaças da eclosão
I 1° - que não consentem em Casa de Fundição, cunhos e moeda, ao
que respondo se lhes deferia como pediam.
2° - que não consentem contrato novo algum que não esteja em esti-
lo até o presente, e foram deferidos na mesma forma.
de revoltas escravas e a conflituosa convivência entre brancos e ne- 3° - que não consentem que se pague o registro da borda do Campo
gros acrescentaram um ingrediente a mais para a imprevisibilidade pelo incomodo que dá, só sim tragam bilhete, cada qual das cargas que
! ir trouxer para delas pagar meia oitava por seco, e meia pataca por molha-
I
II da ordem social das minas na primeira metade do século XVIII.
do, aonde cada qual for sua direita descarga para o qual se elegerão cobra-
:1 dores, e levarão recibo para se descarregarem no dito registro, e outrossim
II se pagará pelos negros novos a oitava e meia por cada um, ao que se lhes
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I 'i deferiu na mesma forma que pediam.
I,
4° - Querem segurar a S. Majestade que Deus guarde, as trinta
\iii arrobas, lançando-se somente a cada negro oitava e meia, e no caso que
este não chegue se obrigam por inteirá-Ias, para o que contribuirão as lojas
e vendas, conforme a falta que para a dita conta [se faça], de sorte que não
passem de cinco oitavas cada uma, para cuja cobrança elegerão as Câma-
Da mesma forma que a revolta de Vila Rica, na sua face de movimento referido às formas políticas
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coloniais, a Inconfidência Mineira originou-se do dissenso entre as autoridades da Capitania no que dizia
ras dois homens em cada Arraial ou os que forem necessários, e querem
respeito à implementação de polítlcas para a região mineradora. que toda a pessoa que ocultar escravo fique confiscado para a Fazenda
140 141
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na primeira metade do Século XVIII
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