JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1976. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva, 2012. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Ciência do direito: conceito, objeto, método. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
O livro de Hilton Japiassu propõe uma “epistemologia da esperança”, que culmina
na proposição de uma nova pedagogia. O autor inicia falando sobre os experts, que terão ainda que descobrir que muitas coisas essenciais não são calculadas em dólares. Lembrando que o livro é de 1976. A partir disso, outra problemática do desenvolvimento se tornaria possível, de que poderiam tirar proveito os povos desenvolvidos. Porque a civilização não se deixa circunscrever apenas pela análise econômica. Ela repousa sobre uma ordem mental e espiritual, sobre um conjunto de opções de valores, as únicas a poderem assegurar a felicidade ou a infelicidade dos homens. Assim colocado, o problema é o de uma conversão da atenção científica de uma pedagogia adaptada às exigências de nosso tempo, pois as universidades do Velho Mundo, infiéis à sua missão, desde há muito deixaram de obedecer ao dever de universalidade, no entanto inscrito em sua própria denominação. Parece ser uma análise decolonial, porém não considera o autor que a ideia de universalidade decorre do iluminismo e do racionalismo eurocentrados. O mundo em que vivemos padece de uma doença muito grave, e os médicos convocados a curar o mal parecem não possuir o saber necessârio para atingirem o objetivo almejado. Ministros e diplomatas, reunidos com enormes gastos, manifestam a todos os olhares sua impotência de aprendizes de feiticeiros, ultrapassados pela gravidade das circunstâncias. Multiplicam-se as assembléias de experts. Os chefes de Estado transformam-se em viajantes febris, incessantemente a caminho dos horizontes quimérlcos de um mundo desarticulado. Os sinais dos tempos, longe de corresponderem a uma melhoria da situação, parecem anunciar o agravamento do mal. O século XX, na história da humanidade, surgirá como o século dos conflitos universais e o dos campos de concentração, formas novas de uma barbárie equipada com os formidáveis meios da técnica contemporânea. Esquecidas há séculos, as guerras de religião se desencadeiam de novo na Irlanda, no Líbano, na Palestina, na índia e no Paquistão. Estamos de tal forma habituados a esses horrores cotldianos, que nem mesmo lhes prestamos mais atenção. Contentamo-nos em viver o dia-a-dia, recalcando o mais possível o grande medo da catástrofe em que talvez, amanhã, o planeta se incendiará num fogo de artifícío definitivo. Enquanto aguardamos, depositamos nossa confiança nos experts, muito embora nossa confiança neles mil vezes tenha sido decepcionada. Os experts são os homens do provisório, aos quais é confiada a responsabilidade de assegurarem à humanidade uma precária sobrevivência. Especialista nesta ou naquela questão precisa, nos domínios político, científico, económico ou social, o expert é suposto saber o que os outros não sabem. A seus olhos, todo problema deve ter uma solução, desde que sejam tomadas as medidas adequadas. O expert assume a tarefa de extrair a ordem internacional das crises que não cessam de pô-la em perigo e, por vezes, consegue seu intento. De modo semelhante, o médico cuida de todas as doenças, e chega a curar algumas, exceto a última. Os comitês de experts competentes chegam a tratar, com maior ou menor êxito, a crise de superprodução ou de subprodução deste ou daquele produto. Grande quantidade ou insuficiência de petróleo, de trigo, de fosfato, de aço, de moeda, de automóveis, de bombas atômicas, etc.: uma conferência reúne as dez ou as cinqüentas pessoas que, sobre a face da terra, controlam os segredos que regem o setor considerado do saber ou da técnica. Os senhores especialistas formulam, numa linguagem técnica, enfeitada de termos bárbaros e de eqüações matemáticas, uma solução de compromisso que restabelece, por certo tempo, o equilíbrio lá onde havia uma ameaça de ruptura. A história do mundo humano continua, assim, tão bem quanto mal, aguardando a próxima crise e a nova conferência de experts convocada para deliberar a seu respeito. O especialista, dizia G.K. Chesterton, é aquele que possui um conhecimento cada vez mais extenso relativo a um domínio cada vez mais restrito. O triunfo da especialização consiste em saber tudo sobre nada. Os verdadeiros problemas de nosso tempo escapam à competência dos experts, porque os experts, via de regra, são testemunhas do nada. A parcela de saber exato e preciso detida pelo especialista perde-se no meio de um oceano de não-saber e de incompetência. As questões urgentes de nosso século XX são não apenas as da coexistência pacífica entre os povos, vale dizer, as questões da paz e da guerra, mas também as questões colocadas pela desigualdade de desenvolvimento econômico, técnico e cultural, entre as nações do mundo. As questões colocadas pela fome, pelo respeito às liberdades, são indissociãveis da situação geral da humanidade sobre o planeta Terra, na última etapa do século XX. Não poderíamos censurar nossa época por ser completamente cega às urgências do momento histórico. Os chefes das nações chegaram mesmo a confiar a certos responsáveis a tarefa de se ocuparem disso. Uma assembléia dita das Nações Unidas (ONU), tem por missão harmonizar a conjuntura internacional e fazer reinar, sobre a terra, a paz no respeito ao direito. Outra assembléia mundial promove universalmente a educação e a cultura {UNESCO). Também há um organismo encarregado de velar pela boa repartição dos recursos alimentícios entre os homens (FAO). Outro organismo, enfim, controla, através do mundo, as condições de trabalho impostas aos assalariados (OIT). Essas assembléias, compostas por indivíduos competentes, altamente especializados, destinam-se a conduzir sem conflito toda a humanidade a uma felicidade coletiva, à qual nenhum homem de nenhum país deveria poder escapar. Sabemos o que ocorre. As organizações internacionais, sem grandes recursos e sem poderes reais, converteram-se em refúgios de burocratas que perseguem, na penumbra dos empreendimentos irrisórios e, na melhor das hipóteses, dos abcessos de fixação para os conflitos, os ódios inexplicáveis que não cessam de dilacerar nosso planeta. Os Estados, prisioneiros de seus egoísmos sagrados e de seus fanatismos ideológicos, opõem violentamente partis-pris irreconciliáveis. Podemos mesmo perguntar se esse~ encontros internaclonais, por demais freqüentes, não têm por efeito exasperar as tensões e os antagonismos, que deveriam contribuir para amenizar. A opinião internacional, em todo caso, perdeu suas ilusões. Não dá mais importância a esses teatros de sombras cujos jogos trágicos ou cómicos perderam, de há muíto, toda realidade e toda importância. ************************************************************************************* Em Ciência do direito: conceito, objeto, método, Agostinho Ramalho Marques Neto mostra uma distância crescente entre a ordem das coisas e as possibilidades de pensamento e de ação dos responsáveis políticos, assistidos por seus estados-maiores de experts de todos os tipos. Aqueles que governam o mundo, parecem incapazes de compreender o mundo, apesar dos meios de conhecimento cada vez mais numerosos e dos meios de intervenção cada vez mais eficazes de que dispõem. É bastante fácil descobrir o segredo dessa crescente impotência. Até o século passado, o universo geográfico, muito mais vasto do que hoje em dia, era muito menos solidário. A distância e a dificuldade das comunicações amorteciam os conflitos. Contudo, os cânticos dos anjos e das legiões celestes, como outrora a harmonia das esferas, no tempo dos astros deuses, não constituíam apenas uma piedosa e supersticiosa imagínação. Para além das representações populares, as mitologias e as teologias assumiam uma função capital, que as teorias cientificas não assumem mais. Elas envolviam a morada dos homens com um horizonte protetor. Davam à existência humana a um estatuto de perfeita objetividade. o espaço vital converteu-se num espaço mental neutralizado, universalizado, onde indivíduos, todos providos de um estatuto idêntico, ocupam posições interpermutáveis. Esses indivíduos, aliãs, não se pertencem a si mesmos. Não constituem centros de iniciativa, nem tampouco unidades coerentes. A análise científica destrói a unidade, considerada como ilusória, da vida pessoal. A ciência divide para reinar. Dissocia as perspectivas, desmembrando, assim, a figura do homem. Estudará sucessivamente o homem enquanto consumidor de alimento, enquanto cidadão chamado a manifestar escolhas políticas, enquanto susceptível de contrair diversas doenças, enquanto capaz de se reproduziu·, enquanto trabalhador dessa ou daquela categoria, membro desse ou daquele agrupamento, etc. Cada uma dessas análises, apoiada pelo instrumento estatístico, projetada em curvas e gráficos, fornece aos especialistas dos bureaux de estudos, certo número de verdades cifradas, capazes de suscitar altíssimas satisfações aos conhecedores. Só que tais verdades, desligadas de toda referência à figura humana, são verdades que se enlouqueceram. Devemos considerar como alienada e alienante toda ciência que se contenta em dissociar e em desintegrar seu objeto. É absurdo, é vão, querer construir uma pretensa ciência do homem, se tal ciência não encontra na existência humana em sua plenitude concreta, seu ponto de partida e seu ponto de chegada. No ponto em que elas se encontram hoje, as ciências humanas parecem muito mais propor os produtos de decomposição de um cadáver. Elas anunciam essa morte do homem que anunciam os profetas sinistros da decadência contemporânea. Toda civilização digna desse nome, responde à solicitação de algumas grandes imagens reguladoras, que esboçam para cada época, a configuração do ser humano. Assim ocorreu com o sábio antigo, estóico ou epicurista, com o clérigo, com o cavaleiro medieval ou com o humanismo renascentista, com o "homem honesto" da Idade Clássica. Bem entendido, cada cultura propõe várias imagens diversas e, por vezes, opostas. Pelo menos, há modelos geralmente reconhecidos, nos quais os contemporâneos designam e veneram seus heróis e seus santos, seus sábios, seus "grandes homens". Esses modelos, esses homens ilustres, ajudam os homens não ilustres a viverem. Justificam a condição humana, não somente neles e por eles mesmos, mas aos olhos de toda a época, por vezes aos olhos da posteridade. Sócrates e Jesus Cristo, Lutero e Bolívar vivem, assim, na memória da humanidade como criadores de valores, como inventores de uma nova maneira de ser no mundo. Forneceram a multidões de pessoas menores que eles, razões de ser e de esperar, vivendo por uma causa susceptível de transfigurar sua existência. Artistas e chefes de guerra, sábios e homens de fé, todos aqueles nos quais se destacava uma virtude fora do comum, pareciam fornecer, cada um a seu modo e em graus bastante diversos, uma prova da existência do homem. O que caracteriza nossa época, é que essas grandes imagens reguladoras desapareceram, ou corromperam-se de modo bastante estranho. Parece extraordinário que personagens dementes, e em múltiplos aspectos, propriamente diabólicos, como Adolf Hitler e Joseph Stalin tenham podido impor- se à veneração de dezenas de milhões de homens, em seus países e fora de seus paises. Sabemos hoje, por múltiplos testemunhos, que eles eram desequilibrados, desprovidos de todo sentido do humano, como atestam os massacres por eles ordenados, bem como a abominável instituição dos campos de concentração, obras-primas de um absurdo criminoso. Hitler terminou sua vida batendo-se com alguém mais forte que ele. Mas Stalin morreu em seu leito. Foram necessârios anos para desmistificar sua imagem. E muitos de seus fiéis ainda não se desintoxicaram. Hitler e Stalin são heróis de nosso tempo, na medida em que, para imporem sua imagem legendâria a multidões subjugadas, utílizaram todos os recursos materiais e psicológicos das técnicas modernas. Sua autoridade despótica encontrava nos mass media agentes de execução cujo poder de persuasão era tal, que se toma necessário, para resistir-lhe; uma força de alma acima da média. Manifesta-se, aqui, claramente o perigo inerente ao desenvolvimento incontrolado da técnica. Esfacelada, vitima, em nossos dias, de uma confusão ontológica. Donde o paradoxo de uma prodigiosa expansão dos conhecimentos sem grande proveito para a comunidade dos homens, porque esse saber sempre mais preciso interessa-se por tudo, exceto pelo essencial. A patologia contemporânea do saber traduz, na ordem do pensamento, a deficiêncía ontológica, doença talvez mortal de nossa civilização. Não se trata apenas de uma patologia do saber, mas de uma patologia da existência indívidual e coletiva. A doença do saber também é doença do homem e doença do mundo. A fuga para a frente das disciplinas isoladas, cada uma afundando-se na incoerência, manifesta a perda de sentido do humano, o desaparecimento de toda imagem reguladora que preservaria a figura do homem num mundo à sua escala. A fonte exclusiva da descoberta dos fatos projeta o homem num vazio de valores. O positivismo pretende instalar a humanidade no deserto pulverizante dos fatos, como se a tarefa da epistemologia não fosse a de ressituar no humano as contribuições incoerentes das disciplinas cuja divergência não cessa de aumentar sob o efeito de uma espécie de força centrífuga. Toda verdade científica deve constituir o objeto de uma dupla crítica, porque possui uma dupla validade: sua verdade intrínseca pode ser colocada em questão do ponto de vista de sua significação para a realidade humana. Em outros termos, todas as ciências, até mesmo as mais abstratas ou as mais materiais, são ciências do homem. O especialista da física nuclear ou da teoria dos conjuntos jamais deve esquecer- se de que sua ciência, por mais rigorosa que seja, revela-se no horizonte escatológico definido pela figura do homem e por sua presença sobre a Terra. O remédio à desintegração do saber consiste em trazer, à dinâmica da especialização, uma dinâmica compensadora de não-especialização. Não se trata de entravar a pesquisa científica por interferências que correriam o risco de falsear seu desenvolvimento. Mas precisamos agir sobre o sábio, enquanto homem, para tornâ-lo consciente de sua humanidade. Precisamos obter que o homem da especialidade queira ser, ao mesmo tempo, um homem da totalidade. A medicina contemporânea tornou.se, por excelência, o reduto privilegiado dos "especialistas", cuja competência se exerce sobre um território cada vez mais reduzido. O homem doente ê um homem cortado em pedaços; um clínico se encarrega de seu coração, outro de seus pulmões, outro ainda de seus órgãos sexuais ou de seu sistema nervoso, etc. Cada um aplica sua terapêutica própria, sem pensar nas possíveis repercussões sobre os órgãos vizinhos, nem nas reações do moral sobre o físico. O inconveniente dessa medicina fragmentária surge com toda evidência nos países ditos "avançados", que chegam a reclamar a instituição de uma nova categoria de especialistas, os clínlcos gerais", que seriam os especialistas da não-especialidade, atentos às regulações de conjunto da vida humana, não somente na ordem fisiológica, mas também no domínio da psicologia e da psicossomática, da psiquiatria e da psicanálise. Essa ampliação do olhar deveria aplicar-se a todos os domínios do conhecimento. Um exemplo privilegiado poderia ser o do desenvolvimento, uma das grandes preocupações do planeta. Normalmente, os experts medem a distância entre os países desenvolvidos e os que não o são, calculando a diferença entre o produto nacional bruto de uns e de outros, formulada em dólares per capita. Tudo indica, assim, que os povos atrasados sofrem apenas de pobreza material, e que bastaria, para curá-los, fornecer-lhes as riquezas que lhes faltam. O desenvolvimento se reduziria a uma recuperação econômica. Bastaria dotar cada africano, cada polinéslo, cada índio da América ou da Asia, de um aparelho de barba elétrico, de um aparelho de televisão, de uma mãquina de lavar, de um automóvel e de um estoque de conservas alimentícias, para fazer dele um verdadeiro cidadão do século XX. Uma vez que todos os habitantes do planeta estiverem providos de um equipamento comparável ao de um nova-iorquino ou do residente em Estocolmo, tudo irá às mil maravilhas no melhor dos mundos civilizados. Faltará apenas tentar curar o polinésio ou o africano de todas as doenças da poluição, da degradação moral, que são o preço pago pelos ocidentais em vista dos pretensos benefícios da civilização técnica. Desde jã, existem equipes pluridisciplinares, reunindo, para o estudo desta ou daquela questão precisa, experts de especialidades diversas. Mas eles permanecem, por sua formação, estranhos uns aos outros; falam linguagens diferentes que, longe de se comporem, de se harmonizarem entre si, se excluem, se negam reciprocamente. Assim, o fracasso é inevitãvel. A exigência interdisciplinar impõe a cada especialista que transcenda sua própria especialidade, tomando consciência de seus próprios limites para acolher as contríbuições das outras disciplinas. Uma epistemologia da complementariedade, ou melhor, da convergência, deve, pois, substituir a da dissociação. ************************************************************************************** O livro “Rápido e Devagar – Duas formas de pensar” é uma interessante jornada pelo funcionamento da mente humana. A partir da década de 1970, o autor Daniel Kahneman e seu amigo Amos Tversky começaram a desenvolver uma teoria com uma percepção diferente da teoria econômica padrão. Eles estudaram como preferências intuitivas violam consistentemente as regras da escolha lógica, mostrando que os humanos não são bem descritos pelo modelo tradicional de agentes racionais. Esta obra traz inúmeros experimentos e reflexões sobre psicologia e tomada de decisões, explorando as peculiaridades e os limites da racionalidade humana. Foi justamente a colaboração da dupla neste campo de estudo que levou o autor a ganhar o Prêmio Nobel de Economia em 2002. Amos possivelmente teria dividido o prêmio, mas veio a falecer em 1996. Kahneman divide a mente em dois personagens fictícios. O sistema 1 é a parte que toma decisões de maneira automática e rápida, e não pode ser desligado. Ao lhe mostrarem, por exemplo, uma palavra escrita em um idioma que conheça, você a lerá de imediato. Já o sistema 2 é mais lento e exige esforço e atenção. O autor explora as capacidades, limitações e funções individuais de cada um destes mecanismos. Quando alguém pergunta quanto é 2 + 2, a resposta provavelmente já aparece na sua cabeça, impulsionada pelo sistema 1. Entretanto, se perguntarem quanto é 17 x 24, o resultado não deverá vir à mente de forma imediata, e você precisará fazer certo esforço, acionando o sistema 2. Importante notar que à medida que nos especializamos em uma tarefa, menos demandamos energia e mais automático o processo fica. Dirigir, por exemplo, demanda mais esforço logo que tiramos a carteira, mas com a prática passa a ser uma atividade mais natural. O sistema 1 é composto por um modelo de associações que fazemos, conectando ideias e acontecimentos que ocorrem com regularidade em nosso mundo pessoal, tornando-se algo comum. Ele busca histórias causais coerentes que liguem os pontos de conhecimentos que absorvemos no nosso dia a dia. Uma característica muito importante deste processo associativo é que ele retrata apenas o que temos de memórias ativadas em nossa mente e, por isso, o autor usa bastante a expressão “o que você vê é tudo que há” (em inglês WYSIATI). Quando a evidência é limitada, o sistema 1 tira conclusões precipitadas, usando a nossa memória associativa para construir de forma rápida e automática a melhor história possível a partir dos fatos que temos disponíveis. Saber pouco ajuda na conquista de coerência e do conforto cognitivo que nos leva a aceitar uma afirmação como verdadeira. Isto nos faz incorrer em uma série de vieses e ilusões cognitivas, como a superconfiança e o famoso Efeito Halo. Este último ocorre quando temos tendência a gostar ou desgostar de tudo em uma pessoa, mesmo só conhecendo poucas características dela. Até mesmo estímulos despercebidos à nossa volta costumam ter grande influência em nossos pensamentos e formas de agir, o que é chamado de priming. O sistema 2 é ativado quando nos deparamos com uma questão para a qual o sistema 1 não oferece uma resposta, mas ele não é exatamente um exemplo de racionalidade. Kahneman destaca que o sistema 2 é muitas vezes preguiçoso. Controlar pensamentos e comportamentos é uma atribuição dele, mas o autocontrole e o esforço cognitivo são formas de trabalho mental e, por natureza, temos aversão a este tipo de esforço. Quando estamos exaustos, por exemplo, é mais fácil acreditarmos em mensagens persuasivas, como comerciais. Portanto, quando o sistema 1 sugere a intuição incorreta e o sistema 2 a aceita, isso pode ocorrer por ignorância ou por “preguiça“. O autor mostra como tendemos a utilizar o pensamento causal de maneira indevida em situações que exigem raciocínio estatístico. Nossa cabeça é muito propensa a explicações causais, e as pessoas, de maneira geral, não costumam ser boas em estatísticas intuitivas. Muitas vezes ignoramos fatos estatísticos relevantes e acabamos usando heurísticas simplificadoras, que são como “regras de bolso“, para fazer um julgamento difícil. A confiança na heurística provoca inúmeros vieses e erros sistemáticos que são abordados no livro. É interessante notar como é fácil nos reconhecermos neles. A origem do que é conhecida hoje como economia comportamental se deu no início dos anos 1970 com Richard Thaler, autor que é citado diversas vezes no livro e que veio a ganhar o prêmio Nobel de Economia em 2017. Ele gostava de compilar observações de comportamentos que o modelo econômico racional não podia explicar e criou os conceitos de Econs e Humanos. Os econs seriam pessoas consistentes e lógicas. Já os humanos são dotados de um sistema 1 e, por isso, possuem uma visão limitada pela informação que está disponível em dado momento (WYSIATI). O livro traz explicações sobre a teoria da utilidade esperada – que serviu de base para o modelo de agente racional – e as divergências encontradas por Kahneman e Tversky. A dupla realizou vários experimentos buscando entender as escolhas intuitivas que tomamos, e assim desenvolveu a Teoria da Perspectiva, com o objetivo de explicar violações sistemáticas da racionalidade quando fazemos escolhas entre opções arriscadas. Segundo esta teoria, os humanos são guiados pelo impacto emocional imediato de ganhos e perdas, e não por perspectivas de riqueza e utilidade global no longo prazo. Isso significa que as pessoas possuem uma assimetria no valor psicológico de ganhos e perdas. A familiar aversão ao risco pode ser substituída por busca de risco quando mudamos nosso foco. Enquanto na teoria da utilidade os pesos de decisão e as probabilidades são iguais, na teoria da perspectiva nós atribuímos valores a ganhos e perdas mais do que à riqueza, e os pesos de decisão que damos a resultados são diferentes das probabilidades de eles ocorrerem. Isso quer dizer que situações economicamente equivalentes podem não ser emocionalmente equivalentes. Segundo Kahneman, este conceito de aversão à perda é a contribuição mais significativa da psicologia à economia comportamental. Este livro traz muitas reflexões sobre a maneira como pensamos e tomamos decisões.