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INSTITUTO DOUTOR JOSÉ FROTA

CIRURGIA DO TRAUMA
MANUAL DE CONDUTAS

FORTALEZA

2020
Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas IJF
© 2020 by Instituto Doutor José Frota
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

INSTITUTO DR. JOSÉ FROTA - IJF


R. Barão do Rio Branco, 1816 – Centro
Fortaleza – Ceará CEP: 60025 - 061 – Contato: (85) 3255-0000

Programação Visual e Editoração Gráfica


Heron Kairo Sabóia Sant’Anna Lima
Pedro Henrique Lides

Capa
Pedro Henrique Lides

C578 Cirurgia do trauma – Manual de Condutas Instituto Doutor


José Frota
Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas Insti-
tuto Dr. José Frota [recurso eletrônico] /
Instituto Doutor José Frota. Fortaleza, 2020.
260 p. 185 Kb; e-book – pdf ISBN 978-65-00-04402-7

1 Cirurgia do Trauma I. Título. II. Medicina – cirurgia. III.


Instituto Doutor José Frota. IV. / José Walter Feitosa Go-
mes. V. Ricardo Monteiro de Sá Barreto. VI. Heron Kairo
Sabóia Sant’Anna Lima. VII. Roberto César Pontes Ibiapi-
na. VIII. Liga Acadêmica de Cirurgia Geral.
CDD 617
INSTITUTO DOUTOR JOSÉ FROTA

Superintendente
Riane Maria Barbosa Azevedo

Superintendente Adjunto
Osmar Azevedo Aguiar Filho

Diretoria Médica
Roberto César Pontes Ibiapina

Diretoria Técnica
Cristiane Rodrigues de Sousa

Diretoria de Enfermagem
Maria Cláudia Moreira de Alcântara

Diretoria Administrativo-Financeira
Rita de Cássia Rodrigues Pereira

Assessoria de Comunicação
Pedro Henrique Lides
Organizadores
José Walter Feitosa Gomes
Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) (2004). Residên-
cia em Cirurgia Geral (2009) e do Aparelho Digestivo (2011) pelo Hospital dos Ser-
vidores Públicos do Estado de São Paulo (HSPE -SP). Título de especialista em Co-
loproctologia pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia (2011). Mestrado em
Ciências da Saúde pelo IAMSPE- SP (2015). Doutorado em andamento em Biotec-
nologia pela Universidade Estadual do Ceará. Membro Titular da Sociedade Brasi-
leira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL). Membro Adjunto
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH) e
Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Editor Associado
da Revista Científica do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJ-
MA). Cirurgião e preceptor da residência de Cirurgia Geral e internato médico em
Cirurgia Geral no HMJMA durante 2016-2020. Médico Cirurgião concursado e
preceptor de Cirurgia Geral do Instituto Dr. José Frota.

Ricardo Monteiro de Sá Barreto


Graduação em Medicina pela Universidade Federal Do Ceará (UFC) (1987). Resi-
dência em Cirurgia Geral (1990) no Hospital Geral Dr. Cesar Cals. Mestrado em
Ensino em Saúde pelo Centro Universitário Christus (2018). Médico Cirurgião Con-
cursado do Instituto Dr. José Frota. Médico Cirurgião Concursado da Secretaria de
Saúde do Município de Fortaleza. Atualmente Chefe do Núcleo de Cirurgia Geral
do Instituto Dr. José Frota.

Heron Kairo Sabóia Sant’Anna Lima


Acadêmico do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Membro
da Liga Acadêmica de Cirurgia Geral (LICIG) da Universidade de Fortaleza (2018-
2020) e ex-presidente da LICIG (2019-2020). Aluno bolsista de Iniciação Científica
PBICT/FUNCAP/UNIFOR 2018-2019. Membro Acadêmico da Sociedade Brasileira
de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL), Membro Acadêmico do
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD) e Membro Acadêmico Proposto do
Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Membro do Corpo Editorial e Editor Associ-
ado da Revista Científica do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar
(Rev Cienti HMJMA). Editor chefe, organizador e autor da coleção de livros intitu-
lados ''Fundamentos'', atualmente contendo quatro livros diferentes: Fundamen-
tos - Cirurgia e Emergência, Fundamentos - Condutas Obstétricas, Fundamentos –
Radiologia Essencial e Fundamentos - Cirurgia Ambulatorial.
Roberto César Pontes Ibiapina
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) (1992). Resi-
dência em Anestesiologia pela Universidade Federal do Ceará (1995). Especializa-
ção em Rede de Gestão do Cuidado ao Paciente Crítico pelo Hospital Sírio-Libanês
(2011). Especialização em Gestão de Emergências no SUS-GES pelo Hospital Sírio-
Libanês (2014). Atualmente é Médico Anestesiologista e Diretor Médico do Institu-
to Dr. José Frota.

Núcleo de Cirurgia Geral e Núcleo de Anestesiologia do IJF


Alan Breno Moura Pontes
Alano Mourão Leandro
Alexandra Mano Almeida
Ana Raquel Ferreira de Azevedo
Ana Thaís Aguiar Carneiro
Camilo Bitu Bezerra Ferreira
Daniel Pereira de Alencar Araripe
Daniel Souza Lima
Danielle Cristina de Oliveira Soares
David Silveira Marinho
Elam Vasconcelos de Aquino
Érico Luís Dantas Diógenes Saldanha
Eudes Fontenele Moraes Pinheiro
Francisco José Cabral Mesquita
Francisco Julimar Correia de Menezes
Francisco Martins Neto
Gabriel Lopes Ponte Prado
Geniefesson Leandro da Silva Feitoza
Gislano Soares de Lira
Gotardo Duarte Dumaresq
Grijalva Otávio Ferreira da Costa
Heládio Feitosa e Castro Neto
Ivens Filizola Soares Machado
João Édison de Andrade Filho
José Airton Lopes Filho
José Xavier Rodrigues de Freitas
Leonardo Macedo de Queiroz
Lucas Manoel Alves Lima
Márcia Grazielly Souza Vieira
Marcos Fiúza de Carvalho
Manoel Messias Campos Júnior
Paulo André Pereira Lobo
Rafaela Torres Portugal Leite
Ramiro Rolim Neto
Raphael Felipe Bezerra de Aragão
Tainah Cristina Saboya de Queiroz

Colaboradores Discentes
Afonso Nonato Goes Fernandes
Ana Osmira Carvalho Saldanha
Antonio Victor Gouveia Azevedo dos Santos
Arthur Antunes Coimbra Pinheiro Pacifico
Bárbara Bezerra Ricciardi
Bárbara Matos de Carvalho Borges
Fábio Augusto Xerez Mota
Karla Rafaelly de Vasconcelos Costa
Lara Poti Nobre
Lucas Nunes Ferreira Andrade
Maria Stella Vasconcelos Sales Valente
Rodrigo Teófilo Parente Prado
Vinicius Oliveira Coelho Garcia
Capítulo 01
Atendimento Inicial ao Politraumatizado
..................................................................................................................................11
Capítulo 02
Anestesia no Trauma
.................................................................................................................................25
Capítulo 03
Trauma Cervical
.................................................................................................................................52
Capítulo 04
Trauma Cardíaco
.................................................................................................................................68
Capítulo 05
Trauma Torácico
.................................................................................................................................86
Capítulo 06
Trauma Esofágico
.................................................................................................................................99
Capítulo 07
Trauma Gástrico e Duodenal
...............................................................................................................................106
Capítulo 08
Trauma Pancreático
...............................................................................................................................118
Capítulo 09
Trauma Hepático e de Vias Biliares
................................................................................................................................125
Capítulo 10
Trauma Esplênico
................................................................................................................................138
Capítulo 11
Trauma Intestinal
................................................................................................................................154
Capítulo 12
Trauma Renal, Vesical e Ureteral
................................................................................................................................167
Capítulo 13
Trauma Geniturinário
................................................................................................................................179
Capítulo 14
Trauma Vascular Cervical
................................................................................................................................191
Capítulo 15
Trauma Vascular Torácico
..............................................................................................................................200
Capítulo 16
Trauma Vascular Abdominal
.................................................................................................................................211
Capítulo 17
Trauma Vascular de Extremidades
...............................................................................................................................228
APRESENTAÇÃO
A partir de um anseio, após várias visitas e sessões no instituto Dr. José
frota, surgiu a ideia de montar um manual de condutas cirúrgicas no trauma para
trilhar o manejo com os pacientes, que, diga-se de passagem, são extremamente
complexos, já que são de vítimas dos mais variados e impactantes traumas oriun-
dos da nossa cidade fortaleza e de todo o estado do Ceará.
Esse manual foi compilado devido às várias possíveis condutas que o ci-
rurgião geral e de emergência pode tomar diante de um paciente politraumatiza-
do, em especial, porque nossa equipe de staffs possui formação nas mais diversas
escolas cirúrgicas do país onde as rotinas são peculiares a cada uma.
Nesse intuito, convidamos as referências do nosso serviço para compor o
corpo editorial desse livro onde através da literatura atualizada e baseada em
evidências foi possível formatar as condutas pertinentes aos mais variados meca-
nismos de trauma, trazer estímulo ao estudo de técnicas e propostas cirúrgicas aos
residentes de cirurgia geral e fomentar entre o nosso staff médico o espírito de
produção científica e análise de dados da literatura mundial, comparando e ade-
quando a nossa realidade.
Por fim, e com grata satisfação que agradecemos a todos os envolvidos
(médicos, residentes, estudantes da Liga Acadêmica de Cirurgia Geral (LICIG) e
direção do IJF) e apresentamos o livro: Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas
do Instituto Dr. José Frota, bem didático e completo, compreendendo bases da
cirurgia e anestesia no trauma.

Orgulhosamente,

José Walter Feitosa Gomes


Organizador e Idealizador do Livro.
Cirurgia Geral do IJF
Uma vocação para o atendimento e a formação
O atual Instituto Dr. José Frota, carinhosamente conhecido como Frotão, ou-
trora Assistência Municipal de Fortaleza, é indubitavelmente um “top of mind” para
qualquer cidadão cearense, mormente para nós fortalezenses. Desde sua fundação em
1936 tornou-se a referência da população para as urgências e emergências de cirurgia,
principalmente as do trauma, mas também de outras áreas como queimados, fraturas,
neurocirurgia e outras especialidades que contam com equipes em sistema de plantão
nas vinte e quatro horas de todos os dias da semana, ininterruptamente. Os pacientes,
atendidos por estas equipes de plantonistas, seguem os seus tratamentos acompanha-
dos por especialistas que estão nas equipes de retaguarda, distribuídas em Serviços
especializados, dentre os quais se destaca o Serviço de Cirurgia Geral. Historicamente
composto por Cirurgiões de escol, com vasta experiência cirúrgica, agregou ao seu
perfil assistencial, na década de 80, a formação de novos especialistas via Residência
Médica, credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica, e assume com
eficiência o papel promover o ensino da Cirurgia. Dessa forma, o Serviço de Cirurgia
Geral é estruturado para atender a estas duas vertentes e o tem feito muito bem! Sob
a Chefia de vários colegas Cirurgiões, dos quais tiver a honra de ser um dos protagonis-
tas, sempre teve o cuidado de produzir diretrizes para norteamento das condutas de
atendimento aos mais variados casos, surge agora, na gestão do Dr. Ricardo Monteiro
de Sá Barreto, com esta publicação intitulada Cirurgia do Trauma – Manual de Condu-
tas do Instituto Doutor José Frota, contendo 17 capítulos, abordando de forma objetiva
e prática, as condutas no atendimento ao trauma. Louvável também é a participação
dos Residentes e estudantes da Liga Acadêmica de Cirurgia Geral (LICIG) como coauto-
res dos capítulos, o que mostra a profícua integração docente-discente, um dos objeti-
vos da Residência. Saudamos, pois, com entusiasmo a chegada deste novo tratado que,
sem dúvidas, se tornará uma referência obrigatória, não só para os Residentes e Staffs
do Serviço, mas principalmente para os futuros Cirurgiões do Trauma!

Heládio Feitosa de Castro Filho


TCBC, FACS Chefe do Serviço de Cirurgia Geral do IJF (2017-2019)
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erFeitosaGomes.
O trauma deve ser visto como uma doença e no Ceará, assim como o restante
do Brasil, representa um grave problema de saúde pública. A violência, seja a interpessoal
ou a do trânsito, faz com que as causas externas represente a terceira causa de morte da
população brasileira. Destaca-se ainda, o perfil predominante de acometimento dos jovens
e adultos até a 4ª década de vida.
Dentre as internações por etiologias traumáticas, existe o politraumatismo o qual
define-se como lesões concomitantes que atingem mais de uma região do corpo, podendo
ter caráter intencional ou acidental, e que causam danos morfológicos, fisiológicos e/ou
bioquímicos.
Para que abordagem de um doente politraumatizado minimize falhas e tenha fo-
co nas lesões de acordo com sua gravidade, foi instituída uma sistematização do atendi-
mento em meados da década de 70 e 80, com os programas Advanced Trauma Life Sup-
port(ATLS) e Prehospital Trauma Life Support (PHTLS), ambos desenvolvidos com iniciativa
do Comitê de Trauma do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
Um aspecto fundamental no atendimento de emergência é o tempo, o que de-
termina medidas que impactam na sobrevida dos pacientes. O reconhecimento rápido das
lesões que ameaçam a vida e as medidas de tratamento são exigidas. Na fase pré-
hospitalar, a iniciação do mnemônico XABCDE, padronizado de acordo com as lesões de
maior mortalidade. O seu significado é: X - controle de hemorragias externas graves; A
(airway) – vias aéreas com controle da coluna cervical; B (breathing) – respiração e ventila-
ção; C (circulation) – circulação com controle da hemorragia; D (disability) – estado neuro-
lógico; E (exposure) – exposição e controle da temperatura. Também deve ocorrer a comu-
nicação antecipada ao hospital que receberá a vítima de trauma para planejarem: as fun-
ções dos membros da equipe, checagem dos materiais, certificando-se de que estejam
funcionando; além de proporcionar o local adequado para reanimação. Estes junto aos
materiais de proteção individual para os membros da equipe, devem ser avaliados pela
equipe e são determinantes para o sucesso do atendimento.
Avaliação Pré-Hospitalar

Durante a fase de atendimento pré-hospitalar (APH), foi desenvolvido o mnemô-


nico MIST, uma ferramenta para auxiliar a transferência de informações dos pacientes de
maneira sistemática. Ele auxilia os profissionais de APH a comunicar a equipe da sala de
emergência hospitalar o M(mecanismo da lesão), I (investigações de lesões evidentes ou
suspeitas), S (sinais vitais) e T (tratamento provido). Vale ressaltar que deve existir uma
rede de comunicação entre a ambulância e o serviço que receberá o paciente. O atendi-
mento local, realizado pelos profissionais, é monitorado via rádio pelo médico regulador
que orienta a equipe quanto aos procedimentos necessários à condução do caso.
De forma geral, o paciente que apresente os achados de história ou de exame físi-
co descritos do Quadro 01.1, deve ter atendimento emergencial e prioritário.

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Quadro 01.1 - Fatores Auxiliadores na Prioridade no Atendimento de Emergência

Alterações Importantes dos Sinais Achados Potencialmente Emergenciais


Vitais e Nível de Consciência

ECG ≤ 13 Alterações neurológicas agudas: déficits motores, afasias,


convulsões, delirium

FR > 29 OU < 10 irpm ou uso de mus- Injúrias perfurantes em cabeça, pescoço, tórax e extremi-
culatura acessória dades próximas de cotovelos e joelhos

SatO2 < 90% Precordialgia ou dor torácica

FC > 130 ou < 40 bpm Fraturas pélvicas ou de dois ou mais ossos longos

PAS < 90 mmHg Pulsos periféricos filiformes ou ausentes

TEC > 3 segundos Suspeita de obstrução de via aérea


Abreviações: Escala de coma de Glasgow (ECG); Frequência respiratória (FR); Saturação arterial de
oxigênio (SatO2); Frequência cardíaca (FC); Pressão arterial sistólica (PAS); Tempo de enchimento
capilar (TEC).

Avaliação Primária

Antes da avaliação inicial, vale ressaltar os princípios do atendimento ao trauma.


A começar pelo fator tempo que é de extrema importância, priorizando, inicialmente, as
lesões com risco de vida, com foco no controle e procura de hemorragias as quais são con-
sideradas a principal causa de morte evitável, junto à um atendimento ágil, comandado por
uma equipe multidisciplinar preparada e um exame precoce com um cirurgião geral da
emergência, pois a maioria dos traumatizados graves necessitarão de aporte cirúrgico.
Ao iniciar a avaliação, deve-se tentar a comunicação com o paciente, perguntando
o nome e como aconteceu o trauma, pois isto auxilia a avaliar rapidamente o ABCD do
trauma. Se houver uma resposta adequada, sugere que não há maior comprometimento
das vias aéreas, da respiração e do nível de consciência. Em caso de falha ou dificuldade de
comunicação, demonstra urgência na manipulação desses traumatizado.

Avaliação das Vias Aérea e Controle da Coluna Cervical (A)


Durante o manejo das vias aéreas, a primeira prioridade deve ser a procura por
sinais de obstrução. Deve ser realizada de maneira rápida, incluindo: inspeção por corpo
estranho (como dentes ou sangue); identificação de fraturas faciais, mandibulares, ou tra-
queolaríngeas e demais lesões que corroborem em diminuição da permeabilidade das vias
aéreas. Caso o paciente esteja falando, é improvável que a obstrução das vias aéreas repre-
sente um risco imediato, mas será prudente a reavaliação em curtos intervalos de tempo
para garantir a perviedade.

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Demais sinais objetivos de obstrução aérea são: observar se o paciente está agita-
do, o qual sugere hipóxia, ou obnubilado que sugere hipercapnia. Já a cianose indica hipóxia
sendo melhor visualizada em leito ungueal e pele, porém costuma ser o último achado da
diminuição na oferta do oxigênio. A escuta de estridores e roncos respiratórios podem estar
associados à oclusão parcial de faringe ou laringe. Junto à isso, deve ser avaliado o compor-
tamento do paciente, visto que a hipóxia pode influenciar nisso também.
Deve-se enfatizar que pacientes portadores de grave traumatismo cranioencefáli-
co com alteração do nível de consciência ou escala de coma de Glasgow (ECG) menor ou
igual a 8, exigirão o estabelecimento de uma via aérea definitiva (intubação orotraqueal ou
nasotraqueal; cricotireoidostomia ou traqueostomia). Nestes pacientes, é comum a queda
da base da língua, dificultando a passagem da via aérea, sendo recomendadas as manobras
de elevação do mento (chin lift) ou anteriorização da mandíbula (jaw thrust), com o intuito
de tornar pérvia a passagem do ar (Figura 01.1).

Figura 01.1 - Manobras para retificação de vias aéreas: 1 - Chin Lift (elevação do mento); 2 - JawTrust
(tração da mandíbula).
Fonte: MENEZES; MORANO; CUNHA, 2017.

Toda avaliação das vias aéreas deve ser, obrigatoriamente, realizada com a imobi-
lização da coluna cervical, mantendo a cabeça e o pescoço alinhados, sem movimentação
da coluna para que não se desenvolvam lesões ainda não identificadas provenientes da
espinha vertebral. Com isso, um membro da equipe deve estabilizar manualmente a cabeça
e a cervical, enquanto outro profissional coloca o colar cervical, caso o paciente já não
esteja com esse dispositivo.

Ventilação e Respiração (B)


Somente a permeabilidade das vias aéreas não garante uma ventilação adequada.
A ventilação pode ser comprometida por obstrução de via aérea, alterações de mecanismos
ventilatórios e/ou depressão do sistema nervoso central.
Inicialmente, é fundamental realizar a monitorização, oximetria e acesso venoso
de grosso calibre (de preferência em veias antecubitais) para que as condutas possam ser
instituídas no menor tempo possível. Junto a isso, deve-se ofertar a todos os pacientes

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vítimas de trauma, com exceção dos que receberão ventilação definitiva, oxigênio em más-
cara com reservatório, com fluxo de 12 a 15 l/min.
Para avaliação da respiração e ventilação, deve-se expor completamente o tórax
para observar sinais de ventilação ineficaz, como a assimetria do tórax durante as incursões
respiratórias e lesões percebidas durante o exame físico do tórax. Em que a inspeção visual
e a palpação podem detectar lesões da parede torácica que causem comprometimento da
ventilação, a percussão revela a presença de ar ou de sangue no espaço pleural, e a ausculta
na confirmação do fluxo de ar nos pulmões. As injúrias mais comuns que afetam a respira-
ção incluem pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço, pneumotórax aberto, tórax
instável e lesões traqueobrônquicas (melhor discutidas no Capítulo 05 – Trauma Torácico),
as quais devem ser identificadas nessa etapa.
Os critérios para estabelecer uma via aérea definitiva são: impossibilidade de
manter a via aérea pérvia ou comprometimento da via aérea; ineficácia de manter uma
ventilação adequada com a suplementação de oxigênio; presença de apneia, sinais de hipo-
perfusão cerebral (confusão mental, obnubilação); convulsões persistentes, necessidade de
proteger a via aérea de aspirações de sangue ou vômito ou ECG menor ou igual a 8. Estes
pacientes que necessitarem de via aérea definitiva e, dessa forma, deve-se pensar inicial-
mente na intubação com tubo nasotraqueal ou orotraqueal (IOT), no entanto, antes de
fazê-la, deve-se avaliar as indicações potenciais de dificuldade de intubação (Quadro 01.2).
Opta-se por nasotraqueal em vez de orotraqueal apenas em casos de lesão de boca que
impossibilite o uso da IOT.

Quadro 01.2 - Critérios para uma intubação difícil

Localização externa Avalia características que estão associadas à intubação difícil (trauma
facial, boca ou mandíbula pequena e pacientes pediátricos, por exem-
plo)

Estimativa da regra 3-3- - Distância entre os dentes incisivos pelo menos < 3 dedos
2 - Distância entre o osso hióide e a mandíbula pelo menos < 3 dedos
- Distância entre a proeminência tireóidea e o assoalho da boca ao
menos 2 dedos

Mallampati Considera a classe III e IV preditoras de via aérea difícil

Obstrução ou obesidade Dificulta a ventilação e a entrada do laringoscópio

Mobilidade do pescoço Prejudicada em traumas e doenças articulares

Em casos de impossibilidade de intubação orotraqueal ou nasotraqueal (tanto pe-


lo quadro abaixo quanto por inexperiência da equipe), há indicação para a máscara laríngea,
tubo laríngeo ou via aérea cirúrgica. A cirurgia está indicada se presença de edema de glote,
fratura de laringe, hemorragia orofaríngea severa que obstrui a via aérea ou impossibilidade
de passar o tubo pelas cordas vocais. Nestes casos, a cricotireoidostomia é o procedimento

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de eleição, visto que é mais fácil e rápido de realizar, associado a menores sangramentos
quando comparada à traqueostomia. Existem duas técnicas de cricotireoidostomia, a por
punção (fácil e rápida, mas permite oferta de oxigênio por no máximo 40 minutos) e a
cirúrgica, que em até 36 a 42 horas, deve ser convertida em uma traqueostomia.

Circulação e Controle das Hemorragias (C)


O comprometimento circulatório nos politraumatizados decorre principalmente
de hemorragias e choque hipovolêmico, sendo uma das principais causas de morte pós-
traumática evitável. A hipotensão em paciente traumatizado deve ser interpretada como
hipovolemia até que se prove o contrário. Assim, é essencial a análise dos sinais vitais, com
foco na pressão arterial (indicador mais tardio de choque), frequência cardíaca e respirató-
ria, e um exame físico rápido e preciso para análise dos sinais indiretos de perda sanguínea:
Nível de consciência: a perfusão cerebral pode estar prejudicada quando o volu-
me sanguíneo estiver criticamente diminuído, acarretando alterações na consciência.
Cor da pele: traumatizado com coloração rósea, principalmente em face e extre-
midades, raramente está criticamente hipovolêmico. Porém, em situações de hipovolemia
severa, para manter o débito cardíaco adequado, ocorre vasoconstrição periférica, que,
associada ao baixo fluxo sanguíneo, forma a pele pálida, acinzentada, fria e pegajosa, po-
dendo ser um sinal inespecífico de hipovolemia. Atentar-se que pele quente associada à
hipotensão pode indicar choque neurogênico.
Pulsos: Um pulso filiforme é indicativo de hipovolemia. Logo, devem-se analisar os
pulsos centrais bilateralmente, em geral femoral ou carotídeo, para avaliar regularidade,
simetria, amplitude e frequência. A ausência de pulso, se associada a não responsividade e
respiração pode significar ressuscitação cardiopulmonar.
Deve-se identificar a presença de sangramento externo ou interno. Se externo, é
realizado, rapidamente, a compressão manual do local, que, apenas se não for efetiva, pode
ser substituída por torniquetes ou pinças hemostáticas, com o risco de isquemia de extre-
midades ou pinçamento de vasos ou nervos. A detecção de hemorragias intracavitárias
pode ser necessária nesse momento, caso não seja visto no exame físico o foco da perda
sanguínea. As áreas mais comuns de hemorragia interna são: tórax, abdômen, regiões
retroperitoneais, pelve e ossos longos. Se o paciente estiver estável, realiza-se a tomografia
computadorizada pela maior acurácia, porém, em casos de instabilidade hemodinâmica, a
ultrassonografia na sala de emergência (FAST), quando disponível, ou o lavado peritoneal
diagnóstico (LPD) podem ser realizados para identificar a presença de líquido livre na cavi-
dade.
A identificação do sangramento deve ser tratada com a reposição de acordo com
a estimativa do sangue perdido, (Quadro 01.3) administrando 30 ml/kg solução cristalóide
aquecida (SF 0,9% ou RL) a 37 até 40 graus em 2 catéteres venosos periféricos curtos e
calibrosos, de preferência periféricos, nas primeiras 3 horas, acompanhada por constantes
reavaliações. Deve-se administrar um bólus inicial de fluido aquecido isotônico, sendo a
dose usual de 1 litro para adultos e 20 mL / kg para pacientes pediátricos com peso inferior

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a 40 kg. Nos casos de choque classe III ou IV, ou se paciente sem resposta à terapia com
cristalóide, deve receber transfusão sanguínea, o qual deve aguardar a tipagem sanguínea
no estágio III, enquanto no IV utiliza-se o sangue O de imediato devido à gravidade da situa-
ção. Nesses casos, é importante implementar o protocolo de hemotransfusão utilizado pelo
hospital IJF (Fluxograma 01.1).

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ao lado para
visualizar o
fluxograma

Fluxograma 01.1 - Protocolo de Manejo Hemostático.

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Aos pacientes chocados, sem perda sanguínea, são incluídos nos choque não he-
morrágicos, representados, principalmente, por:
Choque cardiogênico: limitação da função cardíaca que torna o débito cardíaco
incompatível com as necessidades metabólicas, sendo o tamponamento cardíaco a causa
mais comum desse tipo de choque é encontrada em pacientes com trauma penetrante
torácico.
Choque obstrutivo: estado de hipoperfusão devido à obstrução mecânica ao fluxo
sanguíneo ou pulmonar, sendo mais prevalente o pneumotórax hipertensivo.
Choque distributivo: queda brusca da resistência vascular periférica devido à va-
sodilatação exacerbada, com diminuição retorno venoso e alteração da distribuição do fluxo
sanguíneo, sendo, no trauma, as principais:
1. Choque neurogênico: presença de trauma cranioencefálico, classicamente apresenta-
do por hipotensão e bradicardia, sem manifestações de vasoconstrição cutânea.
2. Choque séptico: geralmente mais prevalente em pacientes com trauma penetrante
abdominal e contaminação do peritônio pelo conteúdo intestinal. Nos casos de pacien-
tes afebris, pode tornar difícil a diferenciação do choque hipovolêmico.

Quadro 03.3 - Perda Estimada de Líquido Baseada da Condição Clínica do Paciente

Parâmetro Classe I Classe II Classe III Classe IV

Perda sanguínea até 750 750 - 1000 1500 - 2000 > 2000
(mL)

Perda sanguínea < 15% 15 - 30% 30 - 40% > 40%


(%)

Frequência < 100 > 100 > 120 > 140


cardíaca

Pressão arterial normal normal diminuída diminuída

Pressão de pulso normal/alta diminuída diminuída diminuída

Frequência 14 - 20 20 - 30 30 - 40 > 35
respiratória

Diurese (mL/h) > 30 20 - 30 5 - 15 desprezível

Estado mental ansiedade leve ansiedade mode- ansiedade e confusão e


rada confusão letargia

Reposição volê- soro cristalóide soro cristalóide soro cristalóide e soro cristalóide
mica concentrado de e concentrado
hemácias de hemácias

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Avaliação Neurológica (D)
A avaliação neurológica estabelece o nível de consciência do paciente, o estado
das pupilas e sua capacidade de reação ao feixe de luz, os sinais de lateralização e as possí-
veis lesões da coluna vertebral se presentes. A escala de coma de Glasgow (Quadro 01.4) é
uma forma rápida e objetiva de analisar o nível de consciência do traumatizado. A diminui-
ção desta pode implicar na redução na oxigenação e/ou na perfusão cerebral ou poderá
representar resultado direto do trauma cerebral. Esta exige imediata reavaliação da ventila-
ção, oxigenação e perfusão. Deve-se lembrar de que hipoglicemia, uso de álcool e drogas
pode causar alterações da consciência, porém, excluindo hipóxia e hipovolemia, prioriza o
trauma direto ao sistema nervoso central, até que se prove o contrário.
Apesar de realizar o atendimento adequado, pacientes portadores de trauma
cranioencefálico poderão sofrer deterioração rápida, sendo fundamental a reavaliação
neurológica sistemática de forma persistente. Atentar-se que todos os pacientes com ECG
menor ou igual que 12 necessitam imediatamente de avaliação pelo neurocirurgião e to-
mografia computadorizada de crânio. Aos com Glasgow entre 13 a 15, indica-se TC de crâ-
nio se houver sinais de fratura de crânio basilar, mais de 2 episódios de vômitos, idade > 65
anos, perda de consciência > 5 minutos ou uso de anticoagulante. Em casos de suspeita de
injúria de coluna espinhal, se: idade > 65 anos, parestesias em extremidades ou mecanismo
de trauma de colisão automobilística ou queda maior que 1 metro, existe indicação de
radiografia da coluna espinhal.

Quadro 01.4 - Escala de coma de Glasgow. A soma desses valores pode indicar um trauma cranio-
encefálico leve (13 a 15), moderado (9 a 12) ou grave (3 a 8)

Avaliação Neurológica Tipo de Resposta Escore

Abertura ocular Espontânea 4


À voz 3
À dor 2
Nenhuma 1

Resposta verbal Orientada 5


Confusa 4
Palavras inapropriadas 3
Palavras incompreensíveis 2
Nenhuma 1

Resposta motora Obedece comandos 6


Localiza a dor 5
Movimento de retirada 4
Flexão anormal 3
Extensão anormal 2
Nenhuma 1

Página 19
Exposição e Controle do Ambiente (E)
Todo paciente traumatizado deverá ser totalmente despido, cortando-se suas
roupas para facilitar o acesso visual de toda a superfície corporal, sem que nenhuma lesão
passe despercebida. Em indivíduos com suspeitas de traumas em qualquer segmento da
coluna ou sem a adequada exclusão de possíveis lesões no local, a rotação deve ocorrer em
bloco, de maneira cuidadosa, a fim de evitar lesões iatrogênicas ou agravamentos intra-
hospitalares de lesões raquimedulares. A rotação em bloco ocorre com o auxílio de no
mínimo três pessoas. Uma é responsável por estabilizar a coluna cervical, imobilizando a
cabeça do paciente e realizando a rotação simultânea ao corpo; as outras realizam a rota-
ção do corpo, segurando os membros inferiores e superiores, enquanto mantém toda a
coluna alinhada.
Após avaliação, é essencial proteger o paciente com cobertores aquecidos com
dispositivos de aquecimento externo junto à atenção com a temperatura dos ambientes
hospitalares, no intuito de prevenir a ocorrência de hipotermia. Da mesma forma, os fluidos
intravenosos devem ser aquecidos antes do procedimento junto à temperatura ambiente
em níveis adequados, com o intuito de manter as funções vitais do corpo, em uma tempera-
tura corporal de 36 a 37ºC. A hipotermia é potencialmente letal nos traumatizados, agra-
vando a acidose e a coagulopatia, sendo assim obrigatória a realização de medidas agressi-
vas que estabeleçam a temperatura corporal normal.
Medidas Auxiliares à Avaliação Primária

Esses exames são efetuados após a avaliação primária e antes da avaliação secun-
dária, para identificar condições que rapidamente podem piorar e que requerem tratamen-
to imediato, ou lesões que necessitam de aprofundamento diagnóstico.
Monitorização contínua: Fundamental na avaliação da eficiência da reanimação,
por meio da oximetria de pulso, a qual sinaliza a frequência de pulso e a saturação de oxi-
gênio de hemoglobina por método colorimétrico, frequência respiratória, pressão arterial e
temperatura corpórea. Acrescenta-se capnógrafo e gasometria arterial para monitorar a
ventilação do paciente. O capnógrafo, também pode ser acoplado ao tubo orotraqueal ou
nasotraqueal, para confirmar se a intubação está na via aérea ou se deslocou.
Eletrocardiograma: Deve-se realizar em todas as vítimas de trauma, pois a pre-
sença de arritmias, taquicardia inexplicáveis, extrassístoles ventriculares, fibrilação atrial e
alterações do segmento ST podem indicar traumatismo cardíaco contuso. A atividade elétri-
ca sem pulso pode indicar pneumotórax hipertensivo, hipovolemia profunda ou tampona-
mento cardíaco. Nos casos de bradicardia, considera a possibilidade de hipóxia ou hipoper-
fusão.
Sondas urinárias e gástricas: A passagem do cateter urinário auxilia na determi-
nação do débito urinário, refletindo na perfusão renal e volemia do paciente, realizado com
mais acurácia pela sonda vesical de demora. A cateterização transuretral da bexiga está
contraindicada em casos suspeitos de injúria uretral, demonstrados por: equimose perineal,
presença de sangue no meato ou escroto e fraturas pélvicas. Nesses casos, o cateterismo

Página 20
não deve ser realizado antes de um exame perineal e da genitália, se houver suspeita de
lesão local, deve-se avaliar a integridade da uretra através da uretrocistografia retrógrada.
Já a sonda gástrica pode ser útil na descompressão gástrica, reduzindo o risco de aspiração.
A presença de sangue no aspirado gástrico pode indicar principalmente lesões do trato
digestivo alto, traumas penetrantes ou injúria devido à introdução do cateter. Em pacientes
com fratura de base de crânio, pode ocorrer o comprometimento da placa cribriforme,
devendo inserir a sonda por via orogástrica.
Exames laboratoriais: varia a depender da estabilidade do paciente, e do meca-
nismo do trauma. No entanto, após a obtenção do acesso venoso, alguns exames devem ser
pedidos como a tipagem sanguínea, a prova cruzada, gasometria arterial, lactato, e o βHCG
nas mulheres em idade fértil.
Radiografias e procedimentos diagnósticos: estes métodos exigem utilização ra-
cional de modo que não retardem os procedimentos salvadores. A radiografia de tórax e
pélvica podem oferecer informações úteis para orientar a reanimação das vítimas. A ultras-
sonografia abdominal (FAST) e o lavado peritoneal diagnóstico são importantes para detec-
ção rápida de sangramento oculto intra-abdominal. A utilização destes depende da experi-
ência do profissional, da disponibilidade do aparelho de ultrassom portátil, sendo aplicados
em pacientes instáveis sem indicação óbvia de laparotomia. Deve-se diferenciar o FAST, da
extensão do protocolo FAST, denominada de FAST-Estendido (EFAST). Este amplia a avalia-
ção do paciente antes reservada à parede abdominal e cardíaca, para cavidade torácica,
possibilitando a detecção de pneumotórax, hemotórax e ruptura diafragmática. Demais
indicações deste exame são: trauma cardíaco penetrante, trauma cardíaco fechado, trauma
abdominal fechado, trauma torácico, pneumotórax, hemotórax, hipotensão de causa não
definida.
A avaliação primária ocorre a fim de a equipe obter informações suficientes para
estabelecer a necessidade ou não de transferência para outro serviço. Caso o processo de
transferência aconteça, antes disso, deve-se tomar todos os cuidados de avaliação e reani-
mação seguido da informação necessária do médico atendente à equipe que receberá o
paciente.
Reavaliação

O paciente politraumatizado deve ser constantemente reavaliado à procura de


novos achados ou deterioração dos sinais e sintomas já detectados. Deve-se realizar conti-
nuamente a monitorização dos sinais vitais, da saturação de oxigênio e da diurese (0,5
mL/kg/h no adulto e 1 mL/kg/h em pacientes pediátricos acima de um ano). Após realizada
a avaliação primária ou toda vez que seja identificado um novo evento clínico de agravo ao
paciente deve ter retomada a padronização do ABCDE com intuito de detectar novas alte-
rações que podem surgir ao passar do tempo.
Lembrar que o alívio dos sintomas é uma parte fundamental no tratamento dos
traumatizados. Logo, uma analgesia efetiva, como opióide ou ansiolítico intravenosos, deve
ser oferecida a todo paciente, em pequenas doses, evitando-se que possam mascarar os

Página 21
sintomas neurológicos, ou alterar o estado hemodinâmico e respiratório do paciente. Vale
ressaltar que diversas vezes os pacientes após o ABCDE são submetidos, por exemplo, a
cirurgias a fim de estabilizá-los, fazendo com que a avaliação secundária, detalhada e minu-
ciosa seja feita posteriormente a fim de buscar ativamente por problemas que ainda não
tenham sido identificados.
Avaliação Secundária

Esta etapa só deve ser iniciada depois de completar-se o exame primário, as me-
didas de reanimação tiverem disso adotadas e o paciente demonstrar melhora de suas
funções vitais. A avaliação secundária consiste na revisão da história clínica e um exame
físico da cabeça aos pés, incluindo a reavaliação de todos os sinais vitais.

História Clínica
Utiliza-se o mnemônico “AMPLA” para auxiliar na memorização de todos as in-
formações úteis a serem perguntadas ao paciente ou ao familiar, caso não se consiga obter
a história do próprio paciente, presente:
A – Alergia;
M - Medicamentos de uso habitual;
P - Passado médico/prenhez (gestação);
L - Líquidos e alimentos ingeridos recentemente;
A - Ambiente e eventos relacionados ao trauma.

Exame Físico
Cabeça: Examina-se todo o crânio e couro cabeludo em busca de laceração, con-
tusão ou evidências de fraturas. Também são observados os olhos como possível indicativo
de edema cerebral,avaliando: acuidade visual, motricidade ocular, tamanho pupilar, pre-
sença de hemorragia conjuntival e/ou lentes de contato, lesões penetrantes, deslocamento
do cristalino e encarceramento ocular.
Estruturas Maxilofaciais: Se não associadas à obstrução de vias aéreas ou san-
gramentos volumosos, devem ser tratadas após estabilização do paciente. Atentar-se as
fraturas de terço médio da face as quais podem se relacionar com fratura de placa crivosa e
aos sinais clínicos de hematoma em processo mastóideo (sinal da batalha), em região peri-
orbital (sinal do guaxinim) e perda de sangue e/ou líquor pelos ouvidos ou nariz.
Coluna Cervical e Pescoço: Todo paciente com trauma craniano ou maxilo-facial
deve ser considerado portador de lesão cervical até que se prove o contrário. Deve-se reali-
zar inspeção, palpação e ausculta a fim de identificar desvios de traqueia, enfisema subcu-
tâneo e dor que podem sinalizar fratura de traqueia ou laringe. As artérias carótidas devem
ser auscultadas e palpadas para analisar possíveis lesões penetrantes.
Tórax: Requer inspeção, palpação de toda a caixa torácica, percussão e ausculta
ântero-posterior do tórax, de forma que, timpanismo à percussão associado a murmúrios

Página 22
vesiculares diminuídos ou abolidos pode indicar pneumotórax, enquanto hipofonese de
bulhas pode significar tamponamento cardíaco.
Abdome: Caso haja trauma abdominal, este deve ser identificado e tratado de
forma agressiva. Pacientes com história inexplicada de hipotensão, lesão neurológica, alte-
rações sensoriais e motoras secundárias à álcool ou demais drogas e achados duvidosos do
exame físico devem ser candidatos à lavado peritoneal, ultrassom FAST, ou, se hemodina-
micamente estável, a tomografia de abdômen é o método com maior acurácia na identifi-
cação de lesões.
Períneo, reto e vagina: O períneo deve ser examinado em busca de contusão,
hematomas, lacerações e sangramento ureteral. Também tem de ser feito o toque retal e
vaginal para detecção de sangramentos, integridade da parede retal e vaginal ou outras
alterações locais. O toque retal ainda auxilia na identificação de deslocamento de próstata e
fratura de bacia. Além disso, é importante a dosagem do beta-HCG nas mulheres em idade
fértil.
Sistema musculoesquelético: As extremidades devem ser avaliadas em busca de
deformidades e contusões. Palpa-se cada osso observando presença de dor, crepitação e
movimentos anormais à procura de fraturas ocultas. Pressiona-se as espinhas ilíacas anteri-
ores e a sínfise púbica para identificação de fraturas pélvicas, que também pode ser suspei-
tadas por hematomas em asa ilíaca, do púbis, dos grandes lábios e do saco escrotal. Suspei-
ta-se de fraturas de coluna torácica e lombar a depender das informações do mecanismo do
trauma associado aos achados de exame físico e radiológico. Perda de sensibilidade ou
contrações involuntárias pode indicar lesões nervosas. Os pulsos periféricos devem ser
palpados para investigar lesões vasculares.
Sistema nervoso: O exame neurológico nesta fase inclui a avaliação motora e sen-
sorial das extremidades junto à reavaliação do nível de consciência e tamanho e simetria
das pupilas. Nos pacientes com trauma craniano é necessária uma consulta precoce com
um neurocirurgião.
Tratamento Definitivo

Após a análise das lesões, quando o tratamento excede a capacidade da institui-


ção que recebeu o doente, a transferência é considerada. Esta depende da estabilidade
hemodinâmica do paciente, ou de qualquer fator que possa influenciar seu prognóstico.
Referências
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Página 24
Anestesi
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noTrauma

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na.
O número de cirurgias relacionadas ao trauma em países em desenvolvimento é
bastante alto e continua em crescimento. Inicialmente, todos os pacientes politraumatiza-
dos devem ser manejados de acordo com as orientações do Capítulo 01 – Atendimento
Inicial ao Paciente Politraumatizado.
Alguns tipos de injúrias podem passar pelo atendimento inicial da sala de emer-
gência e serem diagnosticadas somente na sala de cirurgia. Portanto, o conhecimento pelo
médico anestesiologista e pelo cirurgião de todas as fases da avaliação primária e secundá-
ria é essencial e deve ser sistematizado conforme já estudado. A seguir, abordaremos algu-
mas particularidades dessa avaliação no contexto da anestesiologia.
Avaliação do Politraumatizado

Vias aéreas e Intervenções


A avaliação da via aérea deve ser realizada pensando em alguns objetivos: dificul-
dade de cooperação do paciente, dificuldade de ventilação sob máscara ou aposição de
dispositivo supraglótico, dificuldade de intubação orotraqueal e finalmente a dificuldade de
abordar a via aéra de forma cirúrgica. Após realizada a avaliação, aplicar como sugestão o
algoritmo da ASA (Associação Americana de Anestesiologia) de abordagem à via aérea difícil
com modificações aplicadas ao trauma (Fluxograma 02.1, ao final do capítulo). Muitas vezes
a opção de adiar o procedimento e acordar o paciente não será possível pela emergência do
procedimento e em alguns casos intubar o paciente acordado será a melhor alternativa.
Algumas particularidades na abordagem da via aérea desses pacientes devem ser
respeitadas e algumas modificações são realizadas na técnica padrão de intubação (Quadro
02.1):
 Todos pacientes politraumatizados são considerados “estômago cheio”.
 Se as condições permitirem, levantar histórico de via aérea difícil prévia.
 Fazer a avaliação clínica da via aérea conforme o método mneumônico “LE-
MON”.
 A ventilação manual sob máscara facial ou dispositivos supraglóticos fica res-
trita a situações de resgate das vias aéreas para prevenção de hipoxemia. A
intubação deve ser realizada em “sequência rápida” (Quadro 02.1).
 Em pacientes agitados e não-cooperativos, a anestesia tópica da via aérea
pode ser impossível e a administração de sedativos pode resultar em obstru-
ção da via aérea e risco aumentado de aspiração de conteúdos gástricos.

Tipos de trauma específicos também geram algumas particularidades no momen-


to da abordagem da via aérea tanto na emergência e principalmente na sala de cirurgia
(Quadro 02.2).

Página 26
Quadro 02.1 - Intubação e Indução de Sequência Rápida para Pacientes Politraumatizados

Passo Descrição

I Esteja familiarizado com o algoritmo de via aérea difícil da ASA

II Esteja já com opções de via aérea não-invasivas alternativas prontas (máscaras faciais,
cânulas orofaríngeas e nasofaríngeas, dispositivos supraglóticos)

III Avalie a via aérea e esteja com material preparado para múltiplos planos, inclusive invasivos

IV Pré-oxigene com oxigênio 100% sob máscara

V Remova a porção anterior do colar cervical e aplique a estabilização manual da cabeça e


pescoço se trauma cervical é suspeito

VI Administre medicações apropriadas IV, como indicado pelo quadro clínico e hemodinâmico
do paciente (sedativos/hipnóticos e relaxantes musculares)

VII Aplique a pressão cricóide até completa intubação traqueal, insuflação do cuff e confirma-
ção da curva de capnografia. Caso necessário soltar para laringoscopia adequada, soltar um
pouco a pressão

VIII Caso necessário ventilar manualmente com oxigênio 100% usando pressão <15cmH2O para
prevenir (ou tratar) hipoxemia e hipercarbia antes (ou entre) as tentativas de intubação.
Continue a pressão cricóide durante a ventilação bolsa-máscara a não ser que atrapalhe a
ventilação

IX Confirme a correta posição do tubo endotraqueal através da visualização do tubo passando


pelas cordas vocais, presença de ETCO2 sustentada, ausculta de sons respiratórios e visuali-
zação da expansão torácica

X Após a intubação com sucesso, administre doses adicionais de sedativos-hipnóticos e anal-


gésicos ou inicie um anestésico volátil, conforme as necessidades. Considere também o uso
de relaxante muscular não-despolarizante se apenas a succinilcolina foi usada no contexto
da indução

Quadro 02.2 - Particularidades de Traumas Específicos e Abordagem de Via Aérea

TCE, Trauma Penetrante Ocular e Lesões de Grandes Vasos

Manter o paciente em plano anestésico e relaxamento muscular profundo para impedir reações de
tosse e hipertensão que levem ao aumento da pressão intracraniana, extravasamento de conteúdo
ocular ou deslocamento de coágulos de vasos

Lesão de Coluna Cervical

Trauma Buco-Maxilo-Facial
Continua na próxima página

Página 27
Continuação do Quadro 02.2

Realizar o posicionamento em hiperextensão cervical para intubação somente se avaliação já realiza-


da e paciente sem suspeita de lesão. Caso paciente com colar e sem confirmação de lesão, abordar
com estabilização manual de cabeça e pescoço como descrito anteriormente. Outras medidas como
uso da videolaringoscopia, bougie como guia, intubação retrógrada ou até cricotireoidostomia po-
dem ser pensadas nesse contexto pela abordagem mais difícil de via aérea

Muitas vezes a abordagem cirúrgica inicial tem que ser a realizada pela impossibilidade de laringos-
copia com segurança. Considera-se que fraturas cominutivas mandibulares, fraturas Le Fort III bilate-
rais e panfaciais talvez sejam melhor manejadas com traqueostomia para cirurgia definitiva. Fraturas
em base de crânio contraindicam intubação nasotraqueal e passagem de cânulas nasogástricas

Respiração
Anormalidades encontradas na ventilação ou oxigenação do paciente após intu-
bação traqueal confirmada com segurança devem ser avaliadas. Lesões como pneumotórax,
hemotórax, traumas pulmonares ou cardíacos contusos devem ser investigadas e pensadas
no contexto da avaliação do paciente politraumatizado e exames como radiografia de tórax,
ultrassonografia e até tomografia podem ser solicitados para complementação.

Manejo do Choque
Hemorragia é a causa mais comum de hipotensão relacionada ao trauma. Outras
causas comuns de hipotensão são anormalidades cardíacas (contusão miocárdica, tampo-
namento cardíaco, doença cardíaca pré-existente), pneumotórax, hemotórax e lesão medu-
lar. Pacientes com sangramento ativo, o principal tratamento é o controle cirúrgico da
lesão.
Os pacientes devem ser classificados de acordo com a classificação de choque
hemorrágico do ATLS e a terapêutica de reposição volêmica e de hemocomponentes guiada
pela gravidade. Além dessa classificação pode ser utilizado o “Shock Index”. Esse último é a
razão entre a frequencia cardíaca do paciente (FC) e a pressão arterial sistólica (PAS). O
índice parece ser um preditor de mortalidade e avaliação de choque precoce. Outro escore
utilizado para avaliar a gravidade do choque e assim orientar a melhor estratégia de reani-
mação é o escore ABC “Assessment of Blood Consumption” (Quadro 02.3).

Quadro 02.3 – Escores utilizados para avaliação de choque e início de Manuseio de Hemorragia
Grave (MHEG)
“Shock Index” Escore ABC
Razão = FC / PAS Mecanismo Penetrante (0 não, 1 sim)
Frequência Cardíaca / Pressão Art. Sist.
Normal= 0,5 – 0,7 PAS ≤ 90 mm Hg (0 não, 1 sim)
Baixo Risco= 0,7- 0,9 FC ≥ 120 bpm (0 não, 1 sim)
Alto risco= 0,9 – 1,3 FAST Positivo (0 não, 1 sim)
Pacientes com escore ABC igual ou maior a 2 ou dependendo do julgamento clínico iniciam o
Protocolo de Manuseio da Hemorragia Grave - MHEG

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Em algumas instituições, como no Instituto Dr. José Frota, quando o escore ABC
apresenta dois ou mais pontos, é ativado um Protocolo de Manuseio de Hemorragia Grave -
MHEG, de acordo com o Fluxograma 02.2.
O atual conceito de Cirurgia de Controle de Danos defende que, após a identifica-
ção de uma hemorragia grave, é recomendável tolerar hipotensão (pressão média por volta
de 50mmHg), controlar rapidamente a fonte do sangramento e abreviar o tempo cirúrgico.
Outras medidas são minimizar a infusão de cristaloides, usar ácido tranexâmico, empregar
estratégias de reanimação hemostática (como o uso de pacotes transfusionais na propor-
ção 1:1:1) e corrigir eventuais desvios nos pré-requisitos da coagulação (acidose, hipoter-
mia e hipocalcemia). Outra cirurgia definitiva pode ser necessária após a estabilização inicial
do paciente.
Hipotensão permissiva está contraindicada em TCE, lesões medulares e em paci-
entes idosos hipertensos crônicos. Nesses indivíduos a adequada perfusão é crucial e o
conceito de hipotensão permissiva deve ter seu uso clínico evitado nessas situações. O
excesso de cristalóides é associado ainda com maior mortalidade e piores índices de perfu-
são tecidual (como aumento do lactato e déficit de bases).
Uma das principais metas do tratamento do choque no trauma é interrromper a
conhecida Tríade Letal do Trauma: acidose, hipotermia e coagulopatia dilucional.
Tratar os distúrbios hidroeletrolíticos adequadamente, medidas que evitem a hi-
potermia e a tranfusão racional dos hemocomponentes são essenciais nesse processo.
Dessa forma, o tratamento do choque será sempre um balanço difícil entre o controle cirúr-
gico, hidratação com cristalóides e transfusão sanguínea.
Traumas Específicos e Manejos Anestésicos

Traumas Cranioencefálicos
Em adultos esses traumas geralmente não são associados com hipotensão. Toda-
via, pacientes com TCE podem ter outras lesões associadas e crianças podem apresentar
instabilidade hemodinâmica pelo próprio TCE. Importante tratar hipotensão rapidamente,
pois a baixa perfusão cerebral aumenta a área lesionada. O exame neurológico deve ser
realizado de preferência antes da administração de sedativos ou relaxantes musculares
Outras medidas que devem ser consideradas para diminuir a lesão cerebral são
evitar hipoxemia, anemia, aumentos de pressão intracraniana (PIC), acidose e hipo ou hi-
perglicemia. No Quadro 02.4 temos algumas metas sobre o manejo que devem ser busca-
das em pacientes com TCE com o objetivo de evitar o aumento da lesão secundária.

Quadro 02.4 – Metas gerais para manejo durante anestesia de pacientes com TCE
PAM (pressão arterial média) > 80mmHg ou PAS (pressão arterial sistólica) > 100mmHg
SaO2 > 95% e PaO2 > 100mmHg
ETCO2 entre 35-40mmHg ( ETCO2 pode ser tolerável até 25mmHg somente se risco de herniação
cerebral iminente)

Página 29
Continuação do Quadro 02.4
PIC (pressão intracraniana) < 20-25mmHg. Idealmente entre 5-15 mmHg
PPC (pressão de perfusão cerebral) ≥ 60mmHg (PPC = PAM-PIC)
Temperatura fisiológica (36-38°C)
Glicose 80-180 mg/dL
Hemoglobina > 7g/dL
Na+ 135-145 mEq/L
pH 7,35-7,45
Plaquetas≥ 75000/ mm3 e INR ≤ 1.4

Traumas Medulares
A avaliação do paciente deve ser realizada conforme a abordagem ao paciente
politraumatizado. Quando ao contexto da anestesiologia é importante ressaltar o conceito
de choque medular e choque neurogênico. O choque neurogênico é caracterizado por
hipotensão, bradicardia e hipotermia causada pela perda do tônus vasomotor e simpático
da inervação do coração como resultado da perca de função das vias descendentes simpáti-
cas da medula espinhal. Inicialmente pode haver uma hipertensão severa ocasionada pela
liberação de catecolaminas pelas adrenais seguida dos sintomas de choque. Geralmente
está presente após lesões na coluna torácica (lesões de T6 para cima) e cervical com melho-
ra dentro de 3 a 5 dias.
O choque medular é a perca do tônus muscular e perca dos reflexos que ocorre
imediatamente após a lesão espinhal, após um período de tempo a espasticidade aparece.
No Quadro 02.5 temos as principais recomendações quanto a anestesia nesse tipo de trau-
ma.

Quadro 02.5 - Manejo Anestésico de Traumas Medulares

Atenção para manejo da via aérea – ver anteriormente tópico de via aérea

Mesmas recomendações de evitar hipotensão e baixa pressão de perfusão cerebral do TCE

Podem ocorrer bradicardias severas e arritmias durante indução anestésica pelo quadro de perda
do tônus simpático – esteja pronto para essa emergência
Pacientes com lesão em C4 ou acima podem necessitar de suporte ventilatório definitivamente

Maior risco de broncoaspiração, pneumonias e atelectasias

Maior risco de trombose venosa profunda, iniciar profilaxia com heparina assim que possível

Uso de vasopressores e/ou inotrópicos será necessário em muitos desses pacientes. Se disponível a
monitorização hemodinâmica invasiva é uma boa escolha

Traumas Torácicos
Os traumas torácicos muitas vezes envolvem múltiplos arcos costais que levam a
dispnéia e dor intensa. O papel do anestesiologista ao promover analgesia com anestesia

Página 30
epidural, bloqueio paravertebral, intercostal ou bloqueio do eretor da espinha é essencial
para melhorar o padrão respiratório e evitar atelectasias e pneumonia.
O pneumotórax é muitas vezes uma lesão que passa sem diagnóstico pela avalia-
ção inicial e muitas vezes apresentam-se clinicamente após a intubação traqueal na sala de
cirurgia quando é iniciada a ventilação mecânica com pressão positiva. Além do raio-X de
tórax na avaliação do pneumotórax outra valiosa ferramenta é o uso do US para avaliação
pulmonar. Para mais informações leia o Capítulo 05 – Trauma Torácico.
Para pacientes que serão submetidos à cirurgia com anestesia geral e ventilação
sob pressão positiva, mesmo pequenos pneumotórax devem ser drenados. Outras lesões
torácicas incluem o hemotórax, lesões cardíacas e de grandes vasos que muitas vezes levam
ao estado de choque grave com tamponamento cardíaco e tornam o manejo anestésico
difícil desses pacientes. Intervenções cirúrgicas rápidas são necessárias e indução anestésica
deve ser realizada já com cirurgião e material prontos. Pode ocorrer parada cardíaca logo
após a indução e a rápida toracotomia com massagem cardíaca interna e drenagem do
tamponamento podem ser salvadoras.

Trauma Abdominal e Pélvico


Após a indução anestésica é bastante comum à hipotensão franca ao abrir a cavi-
dade abdominal em casos de sangramento peritoneal importante. Além da contribuição das
drogas hipnóticas e analgésicas ocorrem mais sangramento e descompressão dos vasos
esplânicos levando a vasodilatação. O anestesiologista deve estar atento a esse momento e
pronto para reposição volêmica agressiva, com cristalóides e/ou hemocomponentes a
depender do caso. Acesso venoso calibroso já garantido antes desse momento é essencial.
Lesões pélvicas podem ser graves quando associadas a instabilidade hemodinâmi-
ca. Sangramentos retroperitoneais muitas vezes são de difícil controle e fazem da rápida
fixação externa uma medida fundamental. Pacientes podem ter lesão de uretra associada e
idealmente devem fazer uma avaliação antes da inserção de cateter vesical.

Injúrias de Extremidades
Nos casos de injúrias de membros o foco do anestesiologista deve ser no rápido
reconhecimento de traumas vasculares associados. A presença de dor, palidez, parestesias
e ausência de pulso são sinais clínicos de isquemia. A síndrome compartimental e a isque-
mia de membros podem ser evitadas com essa conduta de avaliação dos membros cautelo-
sa. Pacientes anestesiados podem ter esse diagnosticado retardado pois não queixam-se de
dor. Presença de membros com compartimentos musculares apresentando pressão maior
que 30 cmH2O é uma indicação de cirurgia imediata. O uso do US com doppler ou até a
realização de angiografias são necessárias para os diagnósticos duvidosos de lesões vascula-
res.

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Monitorização Hemodinâmica
No cenário do paciente vítima de grandes traumas, a monitorização hemodinâmi-
ca assume um papel ímpar, tendo em vista que a principal causa de morte nestes pacientes
é o choque hipovolêmico e suas complicações. Alguns dispositivos ganham destaque neste
contexto.

Pressão Arterial Invasiva


Idealmente deve ser instalada antes da cirurgia. Aconselha-se a punção arterial
guiada por ultrassonografia ou punção direta após dissecção do vaso nos casos em que haja
dificuldade técnica. O vaso de escolha em traumas torácico e abdominal é a artéria radial,
pois há o risco de clampeamento da aorta o que tornaria as artérias femoral e pediosa não
funcionais. Especificamente, em trauma torácico a artéria radial direita é preferível devido
ao risco de clampeamento da aorta descendente levar a oclusão da artéria subclávia es-
querda.
Através de uma linha arterial é possível, além de monitorizar os níveis pressóricos
em tempo real, coletar amostras para gasometria arterial com maior facilidade e, em paci-
entes sob ventilação mecânica, estimar o status volêmico e a fluidorresponsividade. Os
índices derivados na análise das ondas de pressão arterial que predizem a responsividade a
fluidos são: Variação Pressão Sistólica (VPS) e seu Delta Down (Δdown); Variação de Pressão
de Pulso (VPP); e Variação do Volume Sistólico(VVS). Tais índices podem ser obtidos de
maneira acurada conectando a linha arterial aos modernos monitores minimamente invasi-
vos (PiCCO®; LiDCO®; FloTrac/Vigileo®). Esta tecnologia, porém, está limitada para pacientes
em ventilação mecânica controlada, com volume corrente entre 7-8ml/kg, tórax fechado e
ritmo sinusal. Os valores limites destes índices e sua interpretação estão descritos na tabela
abaixo (Quadro 02.6).

Quadro 02.6 - Interpretação dos Índices Hemodinâmicos Dinâmicos

Índice
VPS > 5 mmHg
Δdown > 2 mmHg
VVS > 12%
VPP > 12%
Interpretação
Hipovolemia
Responsividade a fluidos

Acesso Venoso
Segundo o ATLS, são necessários, pelo menos, dois acessos venosos periféricos
calibrosos (14 ou 16 gauge), a princípio. Rotineiramente, os pacientes já chegam ao centro

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cirúrgico com pelo menos um acesso periférico puncionado. Qualquer acesso puncionado
previamente deve ser cuidadosamente testado para confirmação de fácil injeção, fluxo
gravitacional e retorno de sangue. Não se aconselha desprezar nenhum acesso venoso
prévio, mesmo que não esteja em condições ideais, até que uma nova linha venosa seja
obtida.
A punção de um acesso venoso central (AVC) não é mandatória, mas essa decisão
é prudente em contextos como: grandes traumas; expectativa de tempo cirúrgico prolon-
gado; necessidade de expansão volêmica maciça e uso de drogas vasoativas; expectativa de
cuidados intensivos no pós-operatório; pacientes com injúria miocárdica comprovada ou
altamente provável. Todavia, a instalação de um cateter venoso central não deve postergar
o início da cirurgia de emergência.
A escolha do sítio de punção do AVC vai depender da familiaridade do profissio-
nal, do tempo-hábil e de considerações específicas do paciente. Sítios próximos à cabeça do
paciente (veia jugular interna, veia subclávia) têm a vantagem de serem facilmente acessa-
dos pelo anestesiologista durante a cirurgia, mas podem necessitar da retirada do colar
cervical para punção. O acesso pela veia femoral, embora não seja tão familiar para o anes-
tesiologista, é de instalação rotineira pelos cirurgiões e pode, inclusive, ser puncionado pelo
cirurgião simultaneamente à indução anestésica e intubação traqueal. Entretanto, este sítio
não é uma boa indicação em caso de traumas torácico e abdominal, devido ao risco de
lesão vascular e, consequentemente, falha na ressuscitação volêmica por esta via, além de
poder piorar a hemorragia e dificultar a visualização cirúrgica.

Ecocardiografia
O ecocardiograma transesofágico (ETE) permite identificar contusão miocárdica,
lesões septais ou valvares, tamponamento pericárdico e ruptura aórtica, além de possibili-
tar a avaliação da função cardíaca, volumes ventriculares, fração de ejeção (FE), débito
cardíaco e de detectar sinais de isquemia miocárdica aguda de forma mais acurada do que o
eletrocardiograma. O volume intravascular pode, ainda, ser inferido por esta avaliação. No
intraoperatório, esta técnica permite a visualizar a entrada de ar ou gordura nas câmaras
cardíacas, fazendo o diagnóstico precoce de embolia aérea ou gordurosa. Em caso de sus-
peita ou confirmação de lesão esofágica ou coluna cervical, a instalação deste dispositivo
está proscrita.
Já o ecocardiograma transtorácico (ETT) é interessante para o uso na estratégia
point of care, na qual uma avaliação objetiva e direcionada é realizada antes do início da
cirurgia. Permite a avaliação cardíaca qualitativa e quantitativa. A análise qualitativa, no
contexto no trauma, é a mais relevante devido à rapidez com que é executada por exami-
nador experiente. Por meio desta, o estado de hipovolemia é sugerido ao visualizar câmaras
cardíacas pouco preenchidas, com suas paredes entrando em contato no final da sístole,
presença de taquicardia e fração de ejeção elevada. A veia cava inferior fina e colapsável
com o ciclo respiratório corrobora com este diagnóstico. A avaliação quantitativa é mais
complexa, mas permite o cálculo do volume sistólico (VS), variação de volume sistólico

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(VVS), fração de ejeção e débito cardíaco. Através desses parâmetros pode-se identificar
quatro cenários distintos com necessidade de diferentes intervenções: (1) VS e FE normais,
não necessitando de intervenção; (2) VS baixo e FE elevada, sugerindo hipovolemia e neces-
sidade de fluidos; (3) VS e FE baixos, sugerindo disfunção miocárdica e necessidade de
agentes inotrópicos; (4) VS normal e FE elevada, sugerindo vasodilatação e necessidade
vasopressor.
Monitorização do Débito Cardíaco
Deve ser monitorizado rotineiramente nos grandes traumas por ser um indicador
da perfusão tecidual, hemólise e intensidade da injúria musculoesquelética. Em condições
normais de perfusão, espera-se um débito urinário (DU) de 1-2ml/kg/h.
A monitorização do DU pode ser prejudicada em casos de grande choque hipovo-
lêmico prévio à intervenção cirúrgica ou se uso de diuréticos osmóticos, como manitol e
contraste radiopaco. A coloração da urina também possui relevância clínica. Urina escureci-
da popularmente conhecida como “cor de cola-cola” sugere tanto hemoglobinúria que, por
sua vez, pode ser consequência de hemólise intravascular por incompatibilidade sanguínea
pós-transfusão, como mioglobinúria, causada por lesão musculoesquelética maciça. Ambas
condições estão relacionada com lesão renal aguda e sua prevenção inclui estimular a diu-
rese com fluidos e manitol. Por outro lado, urina avermelhada sugere hematúria e, no
contexto do trauma, é indicador de lesão do trato urinário.
Monitorização Respiratória

Oximetria de Pulso
A hipotermia, hipotensão e hipoperfusão periférica são fatores que dificultam a
leitura da saturação periférica de oxigênio (SpO2) pelo oxímetro de pulso, sobretudo nos
dispositivos colocados nos dedos ou lobo da orelha.
O uso de dispositivo apropriado para monitorizar a SpO2 a partir da pulsação da
artéria supraorbitária (posicionado na testa do paciente) reduz a interferência dos fatores
descritos, pelo fato deste vaso ser um ramo direto da artéria carótida, sendo, portanto, uma
alternativa viável nos pacientes vítimas de trauma que apresentam dificuldade de medidas
em sítios tradicionais.

Capnometria
O capnógrafo é um dispositivo utilizado para monitorização respiratória, mas que
também fornece informações dinâmicas sobre o débito cardíaco. A pressão expiratória final
de CO2 (ETCO2) tem relação direta com a pressão arterial de CO2 (PaCO2), mas também
varia conforme mudanças sofridas pelo débito cardíaco. Mantendo-se a ventilação minuto
fixa, as variações sofridas pela ETCO2 podem ser atribuídas à variação do débito cardíaco.
Valores ETCO2 < 25mmHg no paciente vítima de trauma estão relacionados à maior morta-
lidade.

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A diferença entre PaCO2 e ETCO2 pode ser mensurada afim de obter informações
sobre a perfusão global. Quanto maior for esta diferença, mais comprometida estará a
perfusão pulmonar, justificando o aumento da PaCO2 e a redução da ETCO2. Valores de
PaCO2 – ETCO2 maiores que 10 mmHg após ressuscitação volêmica predizem maior morta-
lidade.
Monitorização da Coagulação
A monitorização convencional da coagulação sanguínea envolve a dosagem basal
e seriada do INR, TTPA, contagem de plaquetas, fibrinogênio sérico e produtos da degrada-
ção da fibrina (PDF). No entanto, mesmo em hospitais terciários, por questões logísticas, o
intervalo despendido entre coleta de amostra e liberação de resultados atrasa a tomada de
decisões críticas que necessitam de agilidade. Neste contexto, ganha destaque uma modali-
dade de monitorização da coagulação point-of-care, a tromboelastometria, que permite
uma avaliação da hemostasia relativamente rápida, de forma gráfica e facilmente interpre-
tada.
A tromboelastometria, através do sistema ROTEM®, determina em poucos minu-
tos o tempo necessário para a formação inicial da fibrina, a rapidez de deposição da fibrina,
a consistência do coágulo, e os tempos necessários para retração e lise do coágulo. O tempo
de coagulação (CT) determina o nível de anticoagulação ou a deficiência de fatores de coa-
gulação; o tempo de formação do coágulo (CFT) determina a qualidade do coágulo e a sua
consistência, tendo relação direta com a trombina; o ângulo alfa tem relação com a dinâmi-
ca da formação do coágulo e indica a presença de estados de hipercoagulabilidade ou hipo-
coagulabilidade; a firmeza máxima do coágulo (MCF) determina a interação e a participação
da fibrina e das plaquetas; e a lise máxima (ML) determina o percentual de lise do coágulo,
®
possibilitando a identificação de estados de hiperfibrinólise (Figura 02.1). O ROTEM tem
quatro canais independentes que podem ser usados simultaneamente, sendo que os ensai-
os mais analisados são explicados na tabela abaixo (Quadro 02.7).

Quadro 02.7 – Ensaios realizados pelo ROTEM®

EXTEM: ativação da coagulação extrínseca. Analisa a via extrínseca, proporcionando a mensuração


da fibrinólise, e a formação do coágulo.
APTEM: ativação da coagulação extrínseca com ação do inibidor da fibrinólise (aprotinina). Analisa a
presença de fibrinólise e a deficiência do fator XIII
INTEM: avalia a via intrínseca com medidas da polimerização da fibrina e a formação do coágulo.

HEPTEM: ativação da coagulação intrínseca com ação da enzima que degrada heparina (heparinase
I).
FIBTEM: ativação da coagulação extrínseca com inibição das plaquetas pela citocalasina D. Repre-
senta a fibrina no coágulo e analisa uma avaliação qualitativa dos níveis de fibrinogênio

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Figura 02.1 – Representação de tromboe-
lastograma do dispositivo de monitoriza-
ção da coagulação point-of-care ROTEM®.
Ver texto para as siglas.

Drogas Anestésicas e Adjuvantes


Para indução e manutenção da anestesia geral no contexto do trauma, algumas
condições clínicas merecem destaque por terem particularidades na escolha dos anestési-
cos: (1) via aérea comprometida; (2) hipovolemia; (3) lesões intracranianas e traumas ocula-
res abertos; (4) lesão cardíaca; (5) grande queimado.

Comprometimento de Via Aérea


Primeiramente, na suspeita de obstrução de via aérea superior ou de limitações
anatômicas para intubação, não se deve induzir o paciente até que a suspeita seja descar-
tada. Se houver tempo hábil, pode-se avaliar melhor a via aérea do paciente utilizando
anestesia tópica e leve sedação, com auxílio do laringoscópio comum, videolaringoscópio
ou fibroscópio, antes da indução anestésica.
Para indução em sequência rápida, os hipnóticos sugeridos são etomidato
(0,3mg/kg) e cetamina (1-2mg/kg ou fazer bolus de 10mg até hipnose), por proporcionarem
maior estabilidade hemodinâmica. No entanto, é possível sim haver piora da hipotensão
mesmo com uso desses agentes, no caso do etomidado por inibir a liberação de catecola-
minas e, no caso da cetamina, por depressão miocárdica direta. O propofol não seria a
melhor escolha de hipnótico por gerar, comparativamente, maior depressão cardiovascular.
O relaxante muscular - essencial para intubação em sequência rápida – de escolha
é a succinilcolina (1mg/kg), devido seu curto início e duração de ação (cerca de 60 segundos
e 6 minutos, respectivamente). Por ser um bloqueador neuromuscular despolarizante,
alguns de seus efeitos colaterais contraindicam seu uso, como o aumento da pressão intra-
ocular, aumento da pressão intracraniana e hipercalemia. Nestes casos, o rocurônio na dose
de 1,2-1,5mg/kg é uma alternativa, proporcionando condições ótimas para intubação em
cerca de 45 segundos, porém com duração de ação prolongada (cerca de 40 minutos). Esta
seria uma desvantagem do rocurônio, sobretudo quando a intubação e a ventilação não

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obtiverem sucesso. Nestas situações, a reversão do bloqueio muscular com uso de sugama-
dex é uma estratégia para rápido retorno a ventilação espontânea.

Hipovolemia
Para otimizar a escolha do anestésico e seu modo de administração é preciso,
primeiramente, entender alguns conceitos. Em primeiro lugar, todos os agentes anestésicos
tem potencial de causar não só depressão cardiovascular direta, como de inibir os meca-
nismos compensatórios hemodinâmicos fisiológicos (reflexo barroceptor e liberação reflexa
de catecolaminas, principalmente). Em segundo lugar, o estado de hipovolemia eleva a
concentração plasmática dos agentes anestésicos acima da esperada em pacientes euvolê-
micos e, ainda, aumenta a sensibilidade do miocárdio e do sistema nervoso central à sua
ação. Por fim, deve-se ressaltar que nos pacientes vítimas de trauma, os mecanismos com-
pensatórios hemodinâmicos são ativados por vários gatilhos (dor, hipovolemia, descarga
simpática induzida diretamente pelo trauma), o que explica muitos pacientes darem entra-
da na sala de cirurgia normotensos mesmo que hipovolêmicos, as custas da ativação máxi-
ma dos mecanismos supracitados. Sabendo disso, para o uso racional dos fármacos no
contexto do trauma é importante fazer uma estimativa acurada da perda volêmica e, assim,
reduzir as doses de anestésicos de forma proporcional.
Na indução da anestesia geral, deve-se considerar dois possíveis cenários: o paci-
ente que dá entrada hipotenso, o que sugere choque descompensado; e o paciente normo-
tenso, mas sabidamente hipovolêmico, o que indica choque compensado. Na primeira
situação, qualquer anestésico irá produzir hipotensão significativa com risco de parada
cardiorrespiratória. Idealmente, o volume intravascular deve ser restaurado antes da admi-
nistração de qualquer fármaco. No entanto, quando isso não é possível, em casos de cho-
que grave deve-se considerar proceder intubação traqueal sem administrar anestésicos ou
administrando apenas bloqueador neuromuscular de ação rápida ou ainda associando
bloqueador neuromuscular com doses mínimas de hipnótico, deixando o opioide para um
segundo momento. Em se optando por usar apenas bloqueador neuromuscular ou ainda
não utilizar nenhuma droga, pode-se considerar uso de baixas doses de midazolam, se o
paciente tolerar, a fim de minimizar a consciência e memória do procedimento. Já no se-
gundo cenário, é prudente tentar atingir a euvolemia antes da indução anestésica. É possí-
vel o uso de opioides com dose reduzida. Os hipnóticos de escolha são o etomidato e ceta-
mina, mas outros hipnóticos e adjuvantes podem ser considerados, desde que suas doses
sejam proporcionalmente reduzidas nos pacientes instáveis.
Na manutenção da anestesia geral, os cuidados são semelhantes. Opta-se por
anestesia balanceada ao invés de venosa total devido ao potencial cardiodepressor do
propofol. De maneira semelhante aos demais anestésicos, o paciente hipovolêmico necessi-
ta de menores concentrações de anestésicos inalatórios para hipnose adequada. Isso por-
que a concentração alveolar mínima (CAM) desses agentes sofre redução em torno de 25%
nos pacientes hipovolêmicos vítimas de trauma. Todos os agentes inalatórios causam algum
grau de depressão cardiovascular de forma concentração-dependente e, por isso, dá-se

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preferência àqueles de menor solubilidade para que a depressão hemodinâmica por eles
induzida possa ser rapidamente revertida uma vez interrompida a oferta.
Apesar da recomendação da diminuição de doses dos anestésicos nas situações
de instabilidade e trauma, já que a necessidade é realmente menor nesses casos, o aneste-
siologista deve estar sempre atento para ainda manter um plano adequado de anestesia e,
se preciso, iniciar vasopressores para minimizar os efeitos cardiodepressores e vasodilata-
dores dos anestésicos. As cirurgias de emergência de pacientes com instabilidade hemodi-
nâmica estão muito associadas a lembranças intraoperatórias podendo causar liberação
aumentada de catecolaminas no procedimento e estresse pós-traumático.

Lesões Intracranianas e Traumas Oculares Abertos


Em pacientes vítimas de lesões intracranianas, sobretudo os hematomas traumá-
ticos, os anestésicos utilizados para indução e manutenção da anestesia devem produzir o
menor aumento da pressão intracraniana (PIC), a menor redução da pressão arterial média
(PAM) e a maior redução da taxa metabólica cerebral de O 2 (TMCO2). Isso porque a presen-
ça de um hematoma intracraniano expõe o paciente a significativo risco de isquemia cere-
bral que é agravada com a redução da pressão de perfusão cerebral (PPC = PAM - PIC). Em
pacientes vítimas de trauma ocular aberto, o raciocínio é semelhante e maior cuidado deve-
se ter para evitar aumento da pressão intraocular (PIO) pelo risco de evisceração.
Todos os hipnóticos venosos causam algum grau de vasoconstricção cerebral e
consequente redução da PIC, além de reduzirem a TMCO2. Contudo, o seu efeito cardiode-
pressor, excetuando-se a cetamina, reduzem também a PAM, podendo levar à redução da
PPC. Uma estratégia para minimizar esta depressão miocárdica é um administrar baixas
doses de opioide (por exemplo, fentanil 2-3mcg/kg) a fim de reduzir a dose de hipnótico
necessária, devido ao seu efeito sinérgico. Esta estratégia também funciona para reduzir o
risco de mioclonias pelo uso de etomidato e, assim, reduzir o risco de aumento da PIC e da
pressão intraocular (PIO). Outra estratégia consiste na administração de vasopressores para
aumentar a PAM.
Em relação aos bloqueadores neuromusculares, a succinilcolina sabidamente
aumenta a PIC e a PIO de forma secundária às fasciculações provocadas, portanto, deve ser
evitada nestes pacientes em questão. Um alternativa, como já foi citada, é o rocurônio na
dose de 1,2-1,5mg/kg que, assim como todos os bloqueadores neuromusculares adespolari-
zantes, não causam aumento da PIC ou da PIO. Na indisponibilidade de rocurônio e necessi-
dade de usar succinilcolina, pode-se tentar minimizar as fasciculações administrando baixas
doses de um bloqueador neuromuscular não despolarizante como pré-tratamento.
Para manutenção da anestesia deve-se atentar que todos os agentes inalatórios,
de maneira contrária aos hipnóticos venosos, causam vasodilatação cerebral, aumento do
fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e, consequentemente, da PIC. Eles também reduzem o me-
canismo de autorregulação cerebral, a responsividade ao CO2 e a TMCO2. O grau de vasodi-
latação cerebral varia com o tipo de gás e sua concentração. Isoflurano, sevoflurado e des-
flurano causam menor efeito vasodilatador. Concentrações inferiores a uma CAM também

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se associam a menor vasodilatação cerebral. É preciso, portanto, considerar essas variáveis
ao optar-se por manutenção da anestesia com inalatório nesses pacientes. Em casos de PIC
muito elevadas é prudente não utilizar ou postergar o uso de inalatórios até que o crânio
seja descomprimido ou a PIC controlada. Abaixo quadro com algumas recomendações
sobre anestesia em pacientes com TCE. (Quadro 02.8)

Quadro 02.8 - Considerações sobre a anestesia particulares a pacientes com TCE

Manter cabeceira elevada a 30° / sedação e relaxamentos adequados para evitar aumentos da PIC

Se necessário para abaixar PIC, administrar manitol 0,25-0,5 g/kg até de 6/6h – Atenção para hipoten-
são!
Doses maiores que 2g/kg são associadas a toxicidade.

Evitar soluções de hidratação hipotônicas (preferir SF 0,9% em relação ao Ringer Lactato)

Salina hipertônica pode ser usada em concentrações variadas (3%- 6 a 8ml/kg ou 7,5% 4ml/kg) princi-
palmente nos pacientes hipotensos para controle da PIC
Anticonvulsivantes profiláticos para todos TCE não são indicados, mas em lesões graves ou pacientes
que apresentaram episódios convulsivos devem ser administrados – Fenitoína 1g EV (dose de ataque
– máximo velocidade de infusão 50mg/min) seguida de manutenção 100mg 8/8h

O uso de coma induzido por barbitúricos para redução da PIC é indicado somente quando não há
sucesso com outras medidas de controle. Não deve ser feito em pacientes hipotensos.
Se possível escolher técnica anestésica com menor efeito na PIC (anestesia venosa é preferida em
relação a inalatória e caso fazer inalatória não ultrapassar 1 CAM – concentração alveolar mínima- do
anestésico inalatório)

Lesão Cardíaca
No tamponamento cardíaco deve-se manter a pré-carga adequada e evitar bradi-
cardia, para garantir débito cardíaco. Todas as drogas anestésicas causam algum grau de
depressão miocárdica ou vasodilatação, interferindo no débito cardíado. Por isso, a melhor
opção seria administrar anestésicos apenas após a resolução do tamponamento através de
uma pericardiocentese com anestesia local. Quando isso não é possível e a anestesia geral
precisa ser feita, a indução deve ser realizada apenas após posicionamento do paciente,
colocação dos campos e estando o cirurgião paramentado a beira leito. Deve-se utilizar as
menores doses de anestésicos possíveis e evitar elevadas pressões na via aérea sob ventila-
ção controlada, sobretudo a PEEP. A cetamina é uma boa droga para indução nestes pacien-
tes.
Na contusão miocárdica, além de manter o débito cardíaco adequado deve-se
evitar aumentos adicionais da resistência vascular pulmonar, uma vez que esta frequente-
mente já está acima do normal como consequência de contusões pulmonares, atelectasias
e aspiração. O volume intravascular deve ser restaurado e a pré-carga otimizada. Se neces-
sário introduzir inotrópicos, o de escolha é a milrinona. Deve-se considerar a manutenção

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da anestesia de forma venosa a fim de minimizar a depressão miocárdica produzida pelos
inalatórios.

Grande Queimado
Nestes pacientes várias dificuldades estão presentes. A pele queimada limita
dispositivos de monitorização, como cardioscópio, oxímetro, monitor neuromuscular e
monitor de pressão arterial não invasiva. Podem ser necessários grampos cirúrgicos ou
eletrodos de agulha, oxímetro de refletância e uma linha arterial. Além disso, um acesso
venoso calibroso é essencial. Como esses pacientes estão muito suscetíveis à hipotermia,
medidas de prevenção devem ser instituídas, como manter a superfície queimada coberta,
garantir temperatura ambiente entre 28-32ºC, infundir fluidos e sangue aquecidos, e umidi-
ficar os gases ofertados.
A depender da fase, o grande queimado responde de maneira diferente aos agen-
tes anestésicos. Na fase de ressuscitação, as doses de anestésicos devem ser reduzidas para
evitar depressão hemodinâmica excessiva. Já na fase hiperdinâmica, doses maiores de
anestésicos podem ser necessárias devido ao aumento da eliminação dos fármacos, porém
há maiores chances de paraefeitos. O grande queimado está exposto a elevado estímulo
álgico, o que explica sua demanda aumentada por opióides. O fenômeno da tolerância que
se desenvolve após 3-4 semanas da injúria também justifica essa demanda. O opioide de
escolha é a morfina, em parte por suas propriedades anti-inflamatórias.
O uso de adjuvantes também é benéfico como estratégia multimodal poupadora
de opióides, dentre eles clonidina, dexmedetomedina e cetamina merecem destaque. Para
anestesia geral, os inalatórios são a escolha para manutenção. Para procedimentos curtos,
sem manipulação de via aérea, a cetamina em bolus intermitentes é uma boa opção pela
estabilidade hemodinâmica, preservação de via aérea patente e propriedades analgésicas.
É importante ressaltar ainda que após 24h da injúria o grande queimado responde
de maneira anormal aos bloqueadores neuromusculares. Após este período, o uso de suc-
cinilcolina deve ser evitado durante um ano devido ao elevado risco de hipercalemia fatal
em pacientes com mais de 10% de área de superfície queimada (ASQ). O mecanismo que
explica este fenômeno é o up regulation dos receptores de acetilcolina. De forma contrária,
há resistência aos bloqueadores neuromusculares adespolarizantes em pacientes com mais
de 30% ASQ que inicia após uma semana da injúria e pode perdurar até 6 semanas após.
Ver quadro abaixo com recomendações de anestesia em grande queimados (Quadro 02.9).

Quadro 02.9 – Principais considerações anestésicas em pacientes grande queimados

Fluidos Cristalóides são essenciais durante a fase aguda; considere colóides > 24horas
após a queimadura
Succinilcolina Permitida com <24 horas. Evite após 24 horas e por até 18 meses após a quei-
madura

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Continuação do Quadro 02.9
Relaxantes ades- Aumente dose e frequência (2-5 vezes) durante a fase hiperdinâmica. Agentes
polarizantes reversores não precisam ter doses modificadas. Considere o rocurônio
(1.2mg/kg) para IOT em sequencia rápida após 24h do trauma
Anestésicos Doses menores na fase inicial. Necessidades aumentadas na fase hiperdinâmi-
venosos ca. Considere terapia multimodal (opióides, propofol, cetamina, benzodiazepí-
nicos)
Agentes Diminuir CAM da fase aguda. Aumentar CAM na fase hiperdinâmica. Pode ser
Inalatórios benéfica em casos de injúria inalatória
Beta- Atenuam resposta hiperdinâmica
bloqueadores
Insulina Atenua resposta hiperdinâmica

Manejo das Complicações Perioperatórias

Hipotensão Persistente
Diante de um paciente com hipotensão persistente no perioperatório, algumas
hipóteses devem ser levantadas, com destaque para quatro: sangramento ativo, pneumotó-
rax hipertensivo, choque neurogênico e lesão cardíaca. Menos frequentes, mas possíveis,
são as seguintes situações: hipocalcemia secundária a intoxicação por citrato, hipotermia,
doença arterial coronariana, reação alérgica ou reação transfusional.
A existência de algum sangramento ativo é a principal causa de hipotensão, po-
dendo ser externo ou oculto. Os principais focos de sangramento são a cavidade torácica,
cavidade abdominal e o espaço pélvico retroabdominal. A rápida identificação do foco,
interrupção do sangramento e ressuscitação volêmica vigorosa são a base do tratamento.
Dentre as soluções cristaloides utilizadas para ressuscitação, prefere-se solução Ringer
Lactato (RL) à solução salina, uma vez a infusão de grandes volumes de salina estão associa-
dos a acidose metabólica hiperclorêmica, coagulopatia dilucional e maior necessidade de
volume, se comparada ao RL. A solução RL, por sua vez, está associada a maior edema
tecidual e não deve ser administrada juntamente com hemoderivados, pois o cálcio presen-
te na solução neutraliza a ação anticoagulante do citrato.
Embora menos frequente, o choque neurogênico secundário a lesões na medula
espinhal deve ser sempre suspeitado, sobretudo em pacientes inconscientes. Frequente-
mente confundido com o choque hipovolêmico, ele se diferencia pela presença frequente
de bradicardia e pela pronta resposta às catecolaminas. A ecocardiografia (ECOTT e ECOTE)
podem auxiliar nessa diferenciação avaliando o status volêmico do paciente e, assim, evi-
tando administração inadvertida de fluidos no choque neurogênico.
Dentre as injúrias cardíacas que podem levar a hipotensão persistente, destaca-se
o tamponamento cardíaco e a contusão miocárdica, ambas podendo ser distinguidas pela
ecocardiografia ou pela avaliação das pressões intracardíacas com auxílio de um cateter na
artéria pulmonar (CAP). Com o auxílio do ECOTT visualiza-se o derrame pericárdico, poden-

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do inclusive guiar a pericardiocentese, se esta for feita com tórax fechado; enquanto com o
CAP o achado de equalização das pressões diastólicas sugere tamponamento cardíaco. Já na
contusão miocárdica, o comprometimento do ventrículo direito(VD) é mais acentuado,
vendo evidenciada aumento da pressão de VD, aumento da PVC e até deslocamento do
septo interventricular para o interior do VE. Em ambas as lesões, o tratamento dependerá
de uma adequada pré carga estabelecida pela reposição de fluidos. No tamponamento
cardíaco, a pericardiocentese é essencial. Já na contusão miocárdica, pode-se usar vasodila-
tadores pulmonares, em caso de PA normal; ou inotrópicos, em caso de hipotensão.

Hipotermia
Vários fatores favorecem a hipotermia nos pacientes vítimas de trauma, dentre
eles, estado de choque, intoxicação alcóolica, ressuscitação volêmica, exposição a ambien-
tes frios e anormalidades nos mecanismos de termorregulação. A hipotermia é um fator de
risco independente na mortalidade desses pacientes. Além disso, está associada a uma série
efeitos deletérios, como acidose, hipotensão, coagulopatia, depressão e isquemia miocárdi-
ca, arritmias, limitação na oferta tecidual de oxigênio, prejuízo na resposta a catecolaminas,
redução do clearance dos anestésicos, dentre outros. Os pacientes que estão mais suscetí-
veis a hipotermia são àqueles submetidos a raquianestesia, vítimas de extensas lesões de
partes moles, grandes queimados e àqueles que ingeriram bebidas alcóolicas antes do
trauma.
Sendo assim, a prevenção da hipotermia e a restauração da temperatura normal
fazem parte dos cuidados essenciais ao paciente vítima de trauma. No tocante ao reaque-
cimento, cuidado deve ser tomado em relação a velocidade, pois rápidas taxas de aqueci-
mento estão relacionadas a acúmulo de produtos metabólicos gerando ou agravando a
depressão miocárdica, hipotensão e acidose. O aquecimento convectivo – utilizando mantas
térmicas, por exemplo – com ar seco forçado a 43ºC é adequado na prevenção das perdas
térmicas, embora não seja tão efetivo no tratamento da hipotermia grave (temperatura <
32ºC). Já os aquecedores com água em circulação podem produzir um reaquecimento mais
rápido, embora, em geral, cubram uma área de superfície corpórea comparativamente
menor em relação aos sistemas convectivos. Os aquecedores de vapores das via aéreas
podem ser usados como medida adicional. E, por fim, o aquecimento dos fluidos para infu-
são via intravenosa surge como a estratégia que melhor previne e trata a hipotermia nesses
pacientes, podendo ser realizada em taxa relativamente rápida.

Distúrbios na Coagulação
Em essência, todo trauma minimamente relevante provoca sangramento decor-
rente da lesão de vasos sanguíneos. A maior parte dos sangramentos é contida pelo sistema
hemostático endógeno ou por ação cirúrgica. Traumas graves, no entanto, costumam ser
acompanhados de grandes hemorragias cuja origem pode não ser apenas a secção de vasos
sanguíneos, como também a ocorrência de defeitos na coagulação. Em traumas de maior

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intensidade, cerca de 25% dos pacientes apresentam algum indício – clínico ou laboratorial
– de insuficiência na hemostasia ou “coagulopatia do trauma”.
Até a virada do século, a coagulopatia do trauma era entendida como sendo de-
corrente da diluição dos integrantes da coagulação (plaquetas, fatores e fibrinogênio) pro-
vocada pela infusão de coloides ou cristaloides usados na reanimação do choque hipovolê-
mico. Esta diluição poderia, ainda, ser prejudicada por fatores agravantes e comumente
presentes nestes doentes, tais como acidose e hipotermia (que compunham, juntamente
com a coagulopatia, a chamada “tríade letal”).
No início deste século, estudos conduzidos no Reino Unido avaliaram pacientes
que haviam sofrido traumas graves e que chegaram rapidamente ao hospital (tendo recebi-
do, portanto, quantidades mínimas de fluidos intravenosos). Foi demonstrado que se podia
detectar anormalidades laboratoriais da coagulação mesmo em pacientes que haviam
recebido menos de 500ml de cristaloides. Com isso, tomou força a hipótese de que existiria
algum mecanismo não-dilucional responsável pela coagulopatia do trauma. O mesmo pes-
quisador, anos mais tarde, conseguiu mapear o mecanismo central deste defeito, descrito a
seguir.
Quanto mais grave o trauma, maior a chance de resultar em choque. No choque,
há hipoperfusão sistêmica, inclusive do próprio endotélio vascular. O endotélio hipoperfun-
dido reage secretando o ativador tecidual da fibrinólise (t-PA) e também aumentando a
expressão de trombomodulina. Esta é uma proteína de membrana que, em contato com a
trombina (produzida na coagulação), torna-se capaz de ativar a proteína C. Por sua vez, este
anticoagulante endógeno inativa os fatores da coagulação V e VIII e também inativa um
inibidor de fibrinólise (PAI-1). A inativação de fatores pró-coagulantes e de inibidores da
fibrinólise resulta no cerne do entendimento atual acerca da fisiopatologia da coagulopatia
do trauma: anticoagulação endógena e hiperfibrinólise. Estes mecanismos agem sinergica-
mente entre si e em combinação aos fatores anteriormente apontados (diluição, acidose e
hipotermia) para consumir a reserva funcional da hemostasia dos pacientes até provocarem
um estado de insuficiência hemostática (coagulopatia do trauma).
O manejo da coagulopatia do trauma é ditado pelo quadro do paciente. Pacientes
com sangramentos ameaçadores à vida não toleram retardos em seu tratamento. Por este
motivo, torna-se inadequado o “manejo tradicional”, no qual se solicitam testes da coagula-
ção convencionais (TP/INR, TTPa, contagem plaquetária e dosagem de fibrinogênio) e,
conforme seus resultados, são solicitados componentes que podem levar até 45 minutos
para serem dispensados. Em pacientes vítimas de traumas graves e com risco de morte
hemorrágica, é recomendável o manejo com (I) pacotes transfusionais empíricos e pré-
definidos ou (II) uso de concentrados de fatores da coagulação guiados por testes point-of-
care (como o tromboelastograma).
A estratégia com pacotes transfusionais prega que, num cenário em que não se
disponha de exames em tempo hábil, os exames da coagulação devem ser inicialmente
dispensados e os componentes infundidos às cegas. Entretanto, considerando que os me-
canismos descritos anteriormente têm o potencial de tornar deficitários quaisquer dos

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integrantes da hemostasia, como escolher os hemocomponentes a serem usados? A res-
posta encontrada foi: combinemos todos os hemocomponentes! Desta forma, esta estraté-
gia tem o objetivo de prevenir (ou tratar) a coagulopatia do trauma fazendo uso de uma
combinação de componentes – hemácias, plasma e plaquetas – que seja capaz de (I) restau-
rar a volemia, (II) manter a capacidade de transporte de oxigênio (DO 2) e (III) manter os
integrantes da coagulação acima de seus níveis críticos. Estes dois últimos itens requerem
um equilíbrio específico na razão entre os componentes.
Neste sentido, combinações desequilibradas com grande proporção de plasma
fresco condelado em relação aos concentrados de hemácias resultarão em hematócritos
inadequadamente baixos, e vice versa. Para atender aos dois itens citados anteriormente,
parece bem estabelecido que a combinação entre os componentes deve ficar na proporção
de 1 unidade de plasma fresco congelado para 1 unidade de plaquetas randômicas e para
cada 1-2 hemácias (1:1:1 a 1:1:2). O uso dessa estratégia requer uma série de adequações e
planejamentos peculiares a cada instituição e agência transfusional. O uso destes pacotes
transfusionais persiste até que o quadro clínico do paciente se estabilize (permitindo, então,
o uso do manejo guiado por exames convencionais ou globais da coagulação).
Outra estratégia aceitável é a que utiliza concentrados de fatores da coagulação
conforme os déficits mapeados em testes point-of-care (como o tromboelastograma - RO-
TEM). Este modelo contorna os dois principais problemas do “manejo tradicional”: o tempo
para o resultado de exames da coagulação e o tempo no preparo dos componentes. Desta
forma, logo na admissão, colhe-se uma amostra de sangue do paciente, e resultados capa-
zes de orientar as intervenções podem ser obtidos dentro de 10-15 minutos. Como os con-
centrados de fatores estão disponíveis instantaneamente e o seu preparo é muito rápido,
não há retardos no manejo do paciente.
Em sangramentos menos graves (ou naqueles que foram inicialmente estabiliza-
dos com o uso de pacotes transfusionais empíricos), é admissível o uso da estratégia descri-
ta no parágrafo anterior ou com o “manejo tradicional”, em que os déficits são mapeados
com exames tradicionais da coagulação (TP/INR, TTPa, contagem plaquetária e dosagem de
fibrinogênio) e, em seguida, os hemocomponentes necessários são preparados.
O hematócrito influencia na adequada coagulação, pois quanto maior o hemató-
crito (Ht), melhor é a função plaquetária, sendo o alvo Ht 30%, valor no qual o coágulo
formado torna-se sólido suficiente para estancar sangramentos. No protocolo de transfusão
maciça (PTM), a relação entre concentrado de hemácias (CH), plasma fresco congelado
(PFC) e plaquetas varia entre 1:1:1 e 2:1:1. É importante salientar que, devido ao volume
transfundido no PTM, cada hemoderivado administrado dilui os outros dois e reduz, conse-
quentemente, a sua função. Além disso, fatores como tempo e condições de armazenamen-
to do hemoderivado influenciam na função dos componentes sanguíneos. Deve-se dar
preferência ao “sangue novo” que é aquele coletado até 14 dias da transfusão, embora nem
sempre isso seja possível.
O PFC contém todos os componentes solúveis da hemostasia, além de proteínas
que exercem função oncótica e imunológica, gorduras, carboidratos e minerais. O seu uso

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no contexto do trauma tem como objetivos: hemostasia; restauração do volume intravascu-
lar; reverter coagulopatia em paciente em uso de warfarina que estejam com sangramento
ativo ou necessitem de cirurgia de emergência; e em pacientes anticoagulados com warfa-
rina que possuam deficiência dos fatores II, VII, IX e X ou das proteínas C e S. Recomenda-se
administrar 10-15ml/kg PFC grupo AB negativo logo na chegada do paciente gravemente
traumatizado que esteja sangrando ou manifestando sinais de coagulopatia. Doses adicio-
nais são indicadas quando a transfusão de CH excede 10 unidades no período de 6h ou
quando o controle de TAP e/ou TTPA excede 1,5.
3
A transfusão de plaquetas está indicada se valor sérico inferior a 50.000/mm , ou
3
se inferior a 75.000/mm em algumas situações, como, CIVD, hiperfibrinólise, lesão intrace-
rebral e hemorragias maciças. Podem ser administradas como unidades que combinam
plaquetas (pools) de 5 doadores individuais ou unidades obtidas por aférese a partir de um
único doador. Em geral, 1 unidade de plaquetas, seja ela um pool ou obtida por aférese,
costuma ser suficiente. Devido ao risco de complicações infecciosas e grau de imunossu-
pressão deste perfil de pacientes, deve-se preferir transfundir plaquetas coletadas por
aférese de um único doador.
O crioprecipitado, que é produzido a partir do descongelamento do PFC, contém
fator VIII, fibrinogênio, fator de von Willebrand, fibronectina e fator XIII, em um pequeno
volume de plasma. No trauma, sua transfusão é utilizada com frequência para correção da
hipofibrinogenemia. O corte para reposição de fibrinogênio no trauma é de 150mg/dL na
presença de sangramento não cirúrgico, indicando necessidade de administração de con-
centrado de fibrinogênio 50mg/kg (3-4g) ou crioprecipitado (1 unidade para cada 5kg de
peso). Como o resultado da dosagem de fibrinogênio comumente requer certo tempo e
ainda seu valor pode estar erroneamente mensurado por alguns fatores relacionados ao
trauma, guiar a reposição de fibrinogênio pela tromboelastometria é uma estratégia útil.
Valores de MCF inferiores a 7mm indicam a necessidade de reposição. Ver fluxograma 3 ao
final do capítulo.
Os agentes antifibrinolíticos – ácido tranexâmico e ácido épsilon-aminocaproico –
podem ser usados no trauma a fim de reduzir o sangramento empiricamente, mesmo na
ausência de estado de hiperfibrinólise detectável laboratorialmente. Recomenda-se iniciar a
administração em até 3 horas do trauma, pois se iniciado após esse tempo ele começa a
piorar o desfecho do paciente. A dose habitual de ácido tranexâmico é 10-15mg/kg (média
de 1g para adultos) seguida de 1-5mg/kg/h; e de ácido aminocaproico é 100-150mg/kg,
seguida de 15mg/kg/h.
No contexto transfusional não se pode esquecer de uma possível complicação,
muito grave e felizmente infrequente: a lesão pulmonar associada a transfusão, mais co-
nhecida como TRALI. Esta consiste em uma entidade respiratória definida como edema
pulmonar e consequente hipóxia que ocorre nas primeiras 6 horas de transfusão. Trata-se
de uma reação imunomediada que pode estar relacionada a qualquer hemoderivado, po-
rém o PFC e aférese de plaquetas estão mais frequentemente implicadas. É muitas vezes

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um diagnóstico de exclusão e o tratamento é de suporte, sobretudo ventilatório, sabendo
que o curso clínico gira em torno de 3 a 5 dias.

Distúrbios Hidroeletrolíticos e Ácido-Básicos


A hipercalemia é o distúrbio hidroeletrolítico mais frequente no intraoperatório
em pacientes vítimas de trauma devido a três mecanismos: aumento da permeabilidade da
membrana celular no choque irreversível; lesão por reperfusão após reparação de um gran-
de vaso lesado; transfusões realizadas com elevada vazão. Cuidados com dosagem seriadas
de potássio, desclampeamento de grandes vasos de forma lenta a gradual e transfusões em
vazões adequadas são imprescindíveis. Tão logo o distúrbio for identificado medidas para
sua correção devem ser instituídas. Recomenda-se infusão de solução glicoinsulina que
pode ser repetida a cada 30 minutos, bicarbonato de sódio 8,4% e em caso de alterações
eletrocardiográficas, gluconato de cálcio ou cloreto de cálcio.
A hipocalcemia, embora não seja um distúrbio tão frequente de forma isolada,
recebe destaque no contexto da transfusão maciça. A maioria dos hemoderivados possui
adição de citrato no seu preparo por suas propriedades anticoagulantes. O citrato, por sua
vez, reage quelando o cálcio presente no sangue e quando essa reação ocorre em grandes
proporções – como nas transfusões maciças – a hipocalcemia pode se manifestar. As mani-
festações, nesse contexto, incluem hipotensão, redução da pressão de pulso, arritmias,
mudança do estado mental e tetania. Deve-se levantar essa suspeita em todo paciente que
atingiu as metas do protocolo de transfusão maciça e continua hipotenso.
A acidose metabólica, por sua vez, distúrbio ácido-básico mais frequente nesses
pacientes, é mais frequentemente secundária aos estados de choque, mas outras causas
devem ser lembradas, como a cetoacidose alcóolica e a cetoacidose diabética. A base do
tratamento dessas duas últimas é oposta, sendo da primeira a glicose e da segunda a insuli-
na. A reversão do estado de choque é essencial para correção da acidose metabólica por
esta causa e a administração de bicarbonato de sódio, neste caso, não trata o problema de
base, mas pode ser uma estratégia concomitante para evitar outras complicações graves
quando o pH esta abaixo de 7,2.

Transporte
Pacientes vítimas de trauma deverão seguir para o pós-operatório em SRPA (sala
de recuperação pós-anestésica) ou UTI acompanhados pelo médico anestesiologista. Rela-
tar a unidade que vai receber o paciente as drogas vasoativas em uso, gasometrias, balanço
hídrico e hemocomponentes que foram realizados no intraoperatório é essencial para um
correto seguimento do doente.

Página 46
Fluxogramas

Fluxograma 02.1 - Via aérea difícil adaptada ao trauma.


*A máscara laríngea pode ser usada mais precocemente em situação de falha da laringoscopia direta e
dessaturação do paciente.

Use o QR CODE da esquerda para visualizar o Fluxograma 02.2 e o QR CODE da direita para
visualizar Fluxograma 02.3.

Página 47
Fluxograma 02.2 - Protocolo de Hemorragia Grave no Trauma.

Página 48
Fluxograma 02.3 - Manuseio de Hemorragia Grave no Trauma Guiado por ROTEM.

Página 49
Tabela 01.2
CTEXTEM CTINTEM Tratamento
80-100s 240-300s PFC 10-15 mL/kg ou CCP 10-15 UI/kg
100-120s 300-360s PFC 15-20 mL/kg ou CCP 15-20 UI/kg
>120s >360s PFC 20-25 mL/kg ou CCP 20-25 UI/kg
Observações
- Do déficit de fatores calculado deve-se abater o volume de PFC que foi já administrado no PTM;
- Cada bolsa de PFC contém 250 mL;
- Cada frasco de CCP contém 500 UI;

Tabela 02.2
Número de Bolsas de Crio Gramas de Concentrado
de Fibrinogênio
[(10 − 𝐴10 𝐹𝐼𝐵𝑇𝐸𝑀 𝐴𝑡𝑢𝑎𝑙) 𝑥 𝑃𝑒𝑠𝑜] [(10 − 𝐴10 𝐹𝐼𝐵𝑇𝐸𝑀 𝐴𝑡𝑢𝑎𝑙) 𝑥 𝑃𝑒𝑠𝑜]
35 140

Tabela 03.2
[A10EXTEM – A10FFIBTEM] Concentrados de Plaquetas (‘’pool’’)
≥ 25 mm 1
≤ 24 mm 2

Tabela 04.2
LOTEXTEM Tratamento*
> 3000 s ou não concluído TXA 15 mg/kg ou EACA 90 mg/kg
1200-3000 s TXA 20 mg/kg ou EACA 120 mg/kg
< 1200 s TXA 25 mg/kg ou EACA 150 mg/kg
* Caso ainda não tenha sido administrada na reanimação inicial ou em casos de hiperfibrinólise que
persiste mesmo após o tratamento inicial. No trauma, nunca esperar ROTAM para fazer TXA.

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Página 51
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A região cervical é particularmente importante por conter estruturas anatômi-
cas de diversos sistemas como o respiratório, digestório, neurológico, vascular e endócrino.
O conhecimento anatômico e a correlação entre os diversos órgãos da região são funda-
mentais para investigação diagnóstica e na aplicação do tratamento cirúrgico.
Os traumas cervicais são divididos em penetrantes superficiais e profundos e os
não penetrantes. Considera-se trauma penetrante profundo à lesão que ultrapassa em
profundidade o músculo platisma e, em contraste com o não penetrante, pode acometer
importantes estruturas neurológicas e vasculares, além do trato respiratório e digestivo.
Didaticamente, pode-se dividir a região cervical em anterior e posterior, A região
anterior (trígono anterior) é delimitada pela borda inferior da mandíbula, pelo músculo
esternocleidomastóideo e pela linha mediana anterior do pescoço, nessa região as estru-
turas mais comumente lesadas são os vasos sanguíneos, as vias aéreas e o esôfago. Já a
região posterior (trígono posterior) é delimitada pela face superior da clavícula, pelo mús-
culo trapézio e pelo esternocleidomastoideo, nessa região as estruturas vasculares impor-
tantes raramente são acometidas.
Com o intuito de padronizar o tratamento das lesões penetrantes, a região cervi-
cal foi dividida em três zonas anatômicas. A zona I corresponde ao espaço entre as clavícu-
las e a cartilagem cricóide, a zona II ao espaço entre a cartilagem cricóide e a mandíbula e a
zona III ao espaço entre a mandíbula e o osso mastóide. No trauma penetrante a incidência
das lesões é maior na região II, seguida pela região I e pela região III (Figura 03.1).

Figura 03.1 - Delimitação das zonas cervicais.


Fonte: BAHTEN et al, 2003.

Sob a ótica dos traumas não penetrantes, em cerca de 3% dos traumatismos fe-
chados pode-se encontrar fraturas cervicais. Costuma dividir as lesões cervicais em fraturas
cervicais altas, que envolvem, principalmente, as fraturas do côndilo occipital, fratura do
atlas, luxação atlanto-occipital, luxação rotatória atlanto-axial, espondilolistese traumática
do áxis, lesão do ligamento transverso e fratura do processo odontóide; e fraturas cervicais

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baixas ou subaxiais, que abrangem as lesões entre C3-C7. Essas fraturas apresentam carac-
terísticas distintas e por isso são estudadas separadamente, além disso, ressalta-se que
cerca de 10% dos pacientes com fratura de coluna cervical possuem uma segunda fratura
não contígua de outra região da coluna vertebral.
A gravidade da lesão é variável, indo desde simples distensões ligamentares e fra-
turas das apófises espinhosas, até fraturas importantes e luxações, que são capazes de
resultar em comprometimento neurológico, podendo ocorrer em até 40% dos casos.
De modo geral, em pacientes politraumatizados com ou sem déficits neurológicos,
deve ser sempre considerada a presença de lesão vertebral. Nos Estados Unidos, as lesões
cervicais correspondem a 2-3% de todos os pacientes politraumatizados.
No contexto epidemiológico, os indivíduos jovens do sexo masculino são a popu-
lação mais frequentemente atingida, tanto no trauma penetrante como no não penetrante.
No Brasil, o trauma penetrante cervical tem incidência equivalente entre os ferimentos
provocados pelas armas de fogo e brancas. No trauma não penetrante, o acometimento
ocorre, em geral, decorrente de traumas de maior energia, como quedas de grandes altu-
ras, geralmente acima de dois metros, e acidentes automobilísticos, que causam fraturas
mais graves e com maior probabilidade de instabilidade, surgindo por meio de mecanismos
de distração e/ou rotação.
A presença de um déficit neurológico focal indica a ocorrência de uma lesão cervi-
cal em 20% dos acidentados, além disso, a presença de traumatismo craniano, bem como a
sua gravidade, aumentam essa possibilidade. Em contraste com a população jovem, a popu-
lação idosa apresenta, com maior prevalência, fraturas cervicais isoladas, decorrentes de
quedas simples e compressão vertebral.
Mecanismo do Trauma
O trauma cervical pode ocorrer de duas formas: trauma cervical contuso e trauma
cervical penetrante (Quadro 03.1).

Quadro 03.1 - Mecanismo de Lesão

Formas de Trauma Cervical Etiologias

Trauma Cervical Contuso  Golpe direto


 Aceleração e desaceleração brusca
 Compressão
 Esmagamento torácico
 Hiperextensão cervical
 Rotação cervical
 Translação

Trauma Cervical Penetrante  Arma branca


 Arma de fogo

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O trauma penetrante é aquele cuja lesão ultrapassa o músculo platisma em pro-
fundidade, podendo ser causado por arma branca, arma de fogo ou qualquer objeto perfu-
rocortante. Em geral, essas lesões vão depender bastante do tamanho da arma, velocidade
e força do golpe sofrido pelo indivíduo.
Em casos de lesão por arma de fogo, as cavitações nos tecidos são maiores que a
do próprio orifício de entrada. Além disso, o trajeto não costuma ser retilíneo, tendo poten-
cial de lesar mais estruturas. As estruturas mais lesadas no trauma penetrante são as vascu-
lares, seguidas das medulares, faríngeas, esofágicas, vias aéreas e plexos braquiais, sendo as
veias mais afetadas que as artérias. A veia jugular e a artéria carótida comum são os vasos
mais acometidos.
Os traumas cervicais contusos são menos frequentes, sendo as lesões por estira-
mento ou compressão as mais comuns. Além destes, outros mecanismos podem levar o
paciente a ter estruturas cervicais comprometidas, como o golpe direto, a desaceleração
brusca com cisalhamento da fixação da cricóide e da carina, traumas que apresentam es-
magamento torácico com aumento da pressão em região cervical e a hiperextensão cervi-
cal.
Em relação às fraturas cervicais, os padrões do trauma podem variar vindos de um
mesmo mecanismo. Em casos de acidente automobilístico, o tipo de fratura é determinado
por um conjunto de variáveis: o grau e direção das forças causadoras da lesão, a posição do
indivíduo e a orientação da coluna no momento do trauma.
As fraturas cervicais são comumente classificadas em altas e baixas. Altas, quando
acomete o occipício, atlas (C1) e áxis (C2); e baixas, quando a lesão está entre C3 a C7. Nas
crianças, o principal mecanismo responsável pelas fraturas cervicais alta são os acidentes
automobilísticos, já nos idosos acima de 60 anos, a queda da própria altura é a causa mais
prevalente desse tipo de trauma.
Devido à amplitude limitada dos movimentos da coluna cervical alta, as fraturas
cervicais altas apresentam características distintas das da coluna cervical baixa. O mecanis-
mo de trauma dessas lesões é indireto e as forças absorvidas pela cabeça são transmitidas
para a coluna vertebral, o que pode lesionar o arranjo de movimentos reduzidos de suas
estruturas.
Dentre as lesões cervicais altas, as fraturas do côndilo occipital são raras e ocor-
rem associadas com outros eventos, principalmente com as fraturas do atlas e, mais dificil-
mente, com a luxação atlanto-occipitocervical. Os principais mecanismos envolvidos nesse
tipo de fratura são por compressão, translação e rotação cervical.
As luxações atlanto-occipitais são extremamente raras, e podem ocorrer em casos
de atropelamentos. As informações acerca desse tipo de trauma são bem escassas, sendo
relatadas na literatura apenas em casos de pacientes que sobreviveram ao acidente e pela
observação em vítimas fatais.
A lesão do ligamento transverso é geralmente resultante do mecanismo de hiper-
flexão aguda da coluna cervical, provocada por queda ou trauma direto sobre o occipital.

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As fraturas do atlas podem ocorrer a partir de eventos penetrantes ou contusos,
normalmente resultante de lesões por arma de fogo e de força vertical aplicada sobre a
cabeça. Em acidentes automobilísticos, o impacto sofrido pela cabeça é absorvido pelo atlas
que se encontra preso entre os côndilos occipitais e as facetas articulares superiores do
áxis, formando um arranjo anatômico que favorece a sua fratura.
Das fraturas de coluna vertebral alta, a fratura do processo odontóide é uma das
mais comuns, representando até 15% de todos os casos. Esta lesão representa 75% dos
traumas cervicais altos em crianças. Isto se deve a interposição de sincondrose, entre o
processo odontóide e o corpo de C2, sendo a parte da vértebra mais vulnerável às fraturas.
Nos adultos, o principal mecanismo são os acidentes automobilísticos e as quedas de gran-
des alturas, e por isso estão associadas a outras lesões. Já nos idosos, a fragilidade óssea
causada pela osteoporose e diminuição da sua massa os predispõe a esse tipo de trauma,
sendo causada na maioria das vezes por queda da própria altura e geralmente são isoladas.
O mecanismo de trauma da espondilolistese traumática do áxis é variável e as le-
sões possuem padrões distintos. O principal mecanismo é o acidente automobilístico, na
qual resulta em movimentos de aceleração e desaceleração que atuam em direções opostas
da coluna cervical. Com isso, os mecanismos de hiperextensão, flexão e compressão axial
são os responsáveis por esse tipo de lesão.
As fraturas cervicais baixas são cada vez mais frequentes, e têm classificações dis-
tintas em relação aos seus mecanismos. As lesões são divididas em três tipos, e correspon-
dem às fraturas por compressão, que são responsáveis por fraturas do corpo vertebral; por
distração, que tem como característica a lesão ligamentar; e por evento rotacional, dirigen-
te de luxações e fraturas de massa lateral.
Avaliação e Diagnóstico do Trauma
A abordagem do paciente com trauma deve, inicialmente, seguir o protocolo de
atendimento inicial ao paciente politraumatizado, abordado no Capítulo 01 – Atendimento
Inicial ao Paciente Politraumatizado.
Os problemas mais comuns são os de via aérea, ventilatórios e choque hemorrági-
co. Nas lesões traumáticas da coluna cervical, a avaliação e diagnóstico são desafiadores
quando a abordagem é feita apenas com radiografia simples, e necessita de uma investiga-
ção mais apurada. A tomografia computadorizada possibilita a realização dos diagnósticos e
a identificação de lesões mais discretas.
Dessa forma, a avaliação da região cervical deverá ocorrer de acordo com a gravi-
dade dos sinais e sintomas que o paciente apresentar.
Além disso, os conhecimentos anatômicos das zonas cervicais são essenciais na
avaliação desses pacientes (Fluxograma 03.1).

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Fluxograma 03.1 - Avaliação da região cervical de acordo com quadro clínico e sintomas.
Fonte: Adaptado de RIBEIRO JÚNIOR, 2016.

Nesses pacientes, o quadro clínico pode variar de acordo com as zonas e órgãos
acometidos, e a avaliação vai variar dependendo dos sintomas sugeridos. Nos casos mais
graves, o paciente pode estar desacordado, e a avaliação pode ser dificultada devido a falta
de informações acerca do caso (Quadro 03.2).

Quadro 03.2 - Sintomas Observados para Estratificação da Gravidade

Gravidade Sintomas

Pacientes com sintomas graves  Lesões vasculares com formação de hemotórax


 Pneumotórax
 Lesão de via aérea com asfixia
 Lesão hemorrágica com asfixia
 Sangramento vascular na base do crânio

Pacientes com sintomas modera-  Sangramento prévio no local do ferimento


dos ou assintomáticos  Hematoma não expansivo
 Rouquidão
 Alteração na fonação
 Crepitação
 Hemoptise
 Saída de ar pela ferida
 Pneumomediastino
 Dor cervical
 Hematêmese
 Disfagia

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Os traumas em zona I, em que os pacientes se apresentam estáveis hemodinami-
camente, assintomáticos e sem comprometimento da via aérea, devem ser avaliados rigo-
rosamente em busca de lesões despercebidas por meio de ultrassonografia e radiografias
cervicais. Quando a radiografia indica a presença de hematomas ou hemotórax, a angioto-
mografia deve ser realizada em seguida. Nos casos em que esses exames se mostram nor-
mais, não há necessidade de investigação adicional. Porém, se a angiotomografia apresen-
tar lesões, a avaliação cirúrgica com uma melhor abordagem da lesão encontrada deverá
ser indicada.
Pacientes com trauma em zona II devem passar por exame físico, sejam eles as-
sintomáticos ou com sintomas moderados, e deve ser repetido a cada 6-8 horas até com-
pletar 24-36 horas de observação.
A partir do exame físico, quando há suspeita de lesão vascular, uma ultrassono-
grafia com Doppler ou uma angiotomografia deve ser realizada. A tomografia cervical tam-
bém pode ser feita, pois pode ajudar a desenhar o trajeto da lesão e identificar algumas
lesões mesmo sem o uso de contraste. Mesmo assim, a tomografia pouco acresce ao exame
físico, apesar de dar ao cirurgião a certeza de que não há acometimento de lesão vascular,
de vias aéreas ou do trato digestivo.
Os pacientes com sintomas moderados devem passar por uma avaliação vascular
por angiotomografia, que é o padrão-ouro nesses casos. A ultrassonografia com Doppler e a
arteriografia também podem ser realizados, sendo a arteriografia a menos indicada.
O esôfago deve ser investigado sempre que houver sintomas de disfagia no teste
de ingestão de água, e sua avaliação consiste em exame contrastado do esôfago e esofa-
goscopia ou endoscopia.
A investigação da via aérea deve ser feita sempre que houver suspeita de lesões
em seu trajeto. A laringoscopia e a broncoscopia podem detectar essas lesões, e a tomogra-
fia computadorizada pode auxiliar nesse rastreio.
Na investigação da zona III, quando há suspeita de comprometimento vascular, a
realização de angiotomografia é necessária. Se houver identificação de lesão de camada
íntima ou pseudoaneurisma, a colocação de stent estará indicada como tratamento. A
hipofaringe deve ser investigada com laringoscopia, e dependendo da presença ou grau da
lesão, o tratamento pode ser conservador.
Por fim, vale ressaltar que em pacientes com baixo nível de consciência, como em
traumatismo crânio encefálico e trauma facial, a avaliação e o diagnóstico das possíveis
lesões cervicais devem ser feitas de forma rápida e apropriada.
Na abordagem das fraturas cervicais altas, o diagnóstico das fraturas do côndilo
occipital, subluxação rotatória e fraturas do atlas por meio de radiografias simples é muito
difícil devido aos seus sinais clínicos discretos e má visualização da extensão das estruturas.
Com o advento da tomografia computadorizada, essas lesões podem ser melhor diagnosti-
cadas, além de permitir a identificação da extensão da lesão.
Nos casos de luxação rotatória em que o paciente não apresenta déficit neuroló-
gico, os sintomas relatados geralmente são torcicolo, dor e espasmo muscular na região

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cervical. As radiografias podem não possibilitar uma avaliação tão precisa, mas na incidên-
cia em AP transoral a assimetria e o apagamento das articulações entre C1-C2 podem ser
observados.
Na lesão do ligamento transverso, os valores da distância do espaço atlantodental
anterior acima de 5 mm nas crianças e 3mm nos adultos são indicativos de lesão. A investi-
gação pode ser realizada por radiografias da coluna cervical tomografia computadorizada
ou ressonância magnética para a avaliação, lembrando que a realização de radiografias
dinâmicas está contraindicada nos pacientes que apresentam déficit neurológico.
Diferente das outras lesões cervicais altas, as fraturas do processo odontóide e a
espondilolistese traumática do áxis podem ser diagnosticada por meio de radiografias em
AP transoral e perfil. Nas lesões do processo odontóide, apesar de simples, o diagnóstico
pode demorar devido à falta de suspeição pelo examinador. Nos casos de espondilolistese
traumática do áxis, o diagnóstico da fratura usa como parâmetros a análise do grau de
desvio do fragmento anterior e a relação das superfícies articulares entre C2-C3.
Avaliação da Extensão do Trauma

Lesões cervicais altas


Em se tratando das lesões cervicais altas, existem classificações específicas com
base no tipo de fratura, permitindo uma terapêutica específica a depender do tipo de lesão.
As fraturas do côndilo occipital são lesões infrequentes e dificilmente diagnosti-
cadas, geralmente ocorrendo associadas a outras fraturas, especialmente com as do atlas.
Podem ser classificadas, como descrito por Anderson e Montesano em 1988, em três tipos
(Quadro 03.3). As fraturas do tipo I e II são decorrentes de compressão vertical, enquanto
as do tipo III são decorrentes de mecanismos combinados de translação e rotação.

Quadro 03.3 - Classificação das fraturas do côndilo occipital

Classificação Descrição

Tipo I Corresponde às fraturas cominutivas impactadas no côndilo occipital

Tipo II Corresponde à fratura da base do crânio que se estende pelo côndilo occipital e
podem acompanhar lesão de nervos cranianos

Tipo III Corresponde às fraturas por avulsão de fragmento ósseo do côndilo occipital conec-
tado ao ligamento alar e pode estar associada à luxação atlanto-occipitocervical

A fratura do atlas é um tipo de lesão raro que corresponde a cerca de 2% das fra-
turas da coluna vertebral. Está associada frequentemente à fratura do áxis e pode gerar
lesão vascular, evidenciada por sinais de insuficiência vertebrobasilar. Salvo nos casos de
fraturas produzidas por arma de fogo, as fraturas do atlas resultam, como explicado anteri-

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ormente, da absorção da energia do impacto aplicada sobre a cabeça em razão do encarce-
ramento do atlas entre os côndilos e as facetas adjacentes.
A fratura de Jefferson corresponde à fratura do atlas em quatro partes, ocorren-
do uma ruptura dos arcos anterior e posterior, com consequente afastamento das massas
laterais, muitas vezes esse tipo de fratura apresenta apenas dois ou três fragmentos. Em
situações fratura graves com maior instabilidade é visível um afastamento lateral superior a
8mm nas radiografias em AP. Em relação à classificação, Levine e Edwards, em 1985, dividi-
ram em as fraturas do atlas em sete tipos diferentes de acordo com a localização anatômica
e tipo de lesão: fratura do arco anterior, fratura do arco posterior, fratura tipo explosão,
fratura cominutiva, fratura do processo transverso, fratura da massa lateral e fratura com
avulsão do tubérculo inferior.
A fratura do processo odontóide (Figura 03.2) representa 7% a 15% das fraturas
da coluna cervical, apresentando características variáveis de acordo com a idade dos paci-
entes. A maioria das fraturas do processo odontóide ocorre em adultos, geralmente causa-
das por traumas de alta energia, que, por isso, também pode estar associados a outras
fraturas. Nesse sentido, baseando-se na localização da linha da fratura, a classificação mais
utilizada e com maior aceitação é a proposta por Anderson e D’Alonzo em 1974, represen-
tada no (Quadro 03.4).

Figura 03.2 - Ilustração dos tipos de fraturas do processo odontóide, de acordo com a classificação de
Anderson e D’Alonzo.
Fonte: PONTIN et al., 2011.

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Quadro 03.4 - Classificação de Anderson e D’Alonzo, utilizando como base a localização da linha
da fratura

Classificação Descrição

Tipo I Fratura oblíqua que corresponde às fraturas-avulsões do ápice do processo


odontóide

Tipo II Fratura no colo do processo odontóide

Tipo III Fraturas da base do odontóide que se estendem para o corpo

A espondilolistese traumática do áxis, considerada uma das mais comuns formas


de lesão da coluna cervical alta, se caracteriza por fratura bilateral dos pedículos do áxis por
um mecanismo de hiperextensão-distração, sendo também conhecida como fratura do
enforcado. Esse termo tem sido utilizado de modo geral para descrever as fraturas relacio-
nadas com o enforcamento judicial ou aquelas causadas por acidentes automobilísticos,
quedas ou outros tipos de traumatismo da coluna cervical, apesar de ter empregada incor-
retamente, já que esses dois grupos de lesões tem mecanismos completamente distintos. A
espondilolistese traumática do áxis raramente está associada a comprometimento neuroló-
gico pela fratura em si, mas pode apresentar comprometimento neurológico como uma
complicação decorrente da demora no tratamento da lesão. A classificação proposta por
Effendi et al., em 1981, e modificada por Levine e Edwards, em 1985, divide essa lesão em
quatro tipos (Quadro 03.5).

Quadro 03.5 - Classificação dos tipos de espondilolistese traumática do áxis, adaptada por Levine
e Edwards

Classificação Descrição

Tipo I Fratura sem desvio ou angulação e desvio translacional menor que 3,5mm

Tipo II Fratura com desvio translacional ou angular importante

Tipo IIa Fratura com pequeno desvio translacional e grande angulação, com aumento
do espaço discal posterior entre C2-C3 com a aplicação de tração

Tipo III Fratura com grande desvio translacional e angular, associada com luxação uni
ou bilateral das facetas articulares C2-C3

Lesões Cervicais Baixas


Ao longo da última década, em se tratando principalmente das lesões cervicais
baixas, duas classificações de lesão cervical têm sido amplamente utilizadas com o intuito
de identificar situações de instabilidade e indicar a necessidade de tratamento cirúrgico.
Uma delas é a classificação AO (“Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen”), que é uma

Página 61
proposta adequada e se baseia no mecanismo da lesão (compressão, distração e rotação).
As lesões por compressão apresentam características como diminuição da altura do corpo
vertebral e fragmentação da vértebra, correspondendo ao tipo A e sendo subdivididas em
A1 (impactação), A2 (separação ou “split”), e A3 (explosão). As lesões por distração são
classificadas como tipo B, apresentam como característica a lesão ligamentar e são subdivi-
didas em B1 (lesão posterior com corpo íntegro), B2 (lesão posterior associado à fratura do
corpo do tipo A) e B3 (distração e hiperextensão com lesão anterior). As lesões de meca-
nismo rotacional são classificadas como tipo C, se caracterizam, logicamente, por um com-
ponente rotacional e são subdivididas em C1 (fratura-luxação facetária), C2 (luxação facetá-
ria unilateral) e C3, (fratura da porção lateral).
A segunda classificação corresponde à de Denis, que estuda a estabilidade da co-
luna vertebral por meio da divisão da vértebra em três partes (Quadro 03.6). De modo
geral, é considerada instável a vértebra que apresenta lesões em pelo menos duas das três
colunas. Comumente, quando há lesão da coluna média, a fratura é classificada também
como instável pela possível lesão associada das colunas anterior e posterior.

Quadro 03.6 - Divisão de Denis em coluna anterior, média e posterior e seus respectivos compo-
nentes, com a finalidade de avaliar a estabilidade e o grau de lesão da coluna vertebral

Localização Descrição

Coluna anterior Ligamento longitudinal anterior e metade anterior do disco intervertebral e


corpo vertebral

Coluna média Ligamento longitudinal posterior, regiões posteriores do disco intervertebral


e corpo vertebral

Coluna posterior Articulações facetárias, processos transversos, lâminas, processo espinhoso e


ligamento amarelo

A classificação AO e a de Denis, apesar de úteis para classificação da estabilidade


da coluna vertebral, não avaliam a porção cervical alta referente à transição cranioverte-
bral, em que se abordam as fraturas de côndilo, atlas, áxis, fraturas de processo odontóide
e outras lesões.
Tratamento

Tratamento do Trauma Cervical Penetrante


O passo inicial que norteia a abordagem do tratamento do trauma cervical pene-
trante é a definição do grau de estabilidade do paciente.
Os pacientes instáveis hemodinamicamente costumam ser aqueles que perderam
uma quantidade considerável de sangue e que ainda estão possivelmente com sangramen-
to ativo, devendo-se estar atento para localizar o instrumento da lesão que pode estar

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alojado na região. As lesões de laringe e traqueia são causas menos comuns de instabilida-
de.
Quando a via aérea é comprometida, mas as estruturas anatômicas estão preser-
vadas, é recomendada uma intubação de sequência rápida para estabelecer a via aérea
definitiva. Entretanto, na vigência de uma lesão traqueal, a via aérea definitiva só é estabe-
lecida, geralmente, por meio de uma abordagem cirúrgica, através de uma cricotireoidos-
tomia de emergência seguida de traqueostomia. Nesse ínterim, as lesões da traqueia inferi-
or podem necessitar uma exploração cirúrgica urgente para estabelecer sua estabilização.
Após a garantia da via aérea, deve-se dar atenção a função pulmonar, avaliando a presença
de lesão apical pulmonar e eventual pneumotórax hipertensivo.
A exploração cirúrgica das lesões penetrantes deve ser realizada na vigência de cho-
que, hemorragia ou hematomas em expansão e lesões da árvore traqueobrônquica com
comprometimento respiratório (Quadro 03.7).

Quadro 03.7 – Metas gerais para manejo durante anestesia de pacientes com TCE
Choque
Estridor
Hemorragia ou hematoma em expansão
Comprometimento das vias aéreas
Enfisema subcutâneo
Estridor
Rouquidão
Disfagia ou odinofagia
Déficit neurológico

O sangramento causador da instabilidade decorre da lesão de vasos calibrosos


cervicais como os jugulares, carotídeos ou subclávios. Nesse caso, a terapêutica de controle
cirúrgica pode ser atingida por compressão local ou uso do balonete inflado do cateter de
Foley. Não é recomendada o uso de clamps em vasos maiores na emergência em razão da
possibilidade de causar lesão adicional. A presença de choque requer ressuscitação volêmi-
ca, com finalidade de estabilizar o paciente hemodinamicamente, associada a constante
reavaliação. Pacientes com choque refratário à reposição volêmica podem ser abordados
com drogas vasoativas.
Historicamente, o manejo dos pacientes estáveis depende da zona da lesão. As
lesões da zona II, que representam o maior número de lesões, sempre foram submetidas à
exploração cirúrgica obrigatória, enquanto as lesões da zona I e III foram conduzidas de
forma seletiva devido o difícil acesso anatômico a essas regiões. Anteriormente a conduta
mais realizada era a exploração cirúrgica da região, entretanto, nas últimas décadas, a
evolução dos métodos propedêuticos proporcionou maior segurança da abordagem não
cirúrgica.

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Atualmente, a exploração mandatória está relacionada a índices elevados de ci-
rurgias não terapêuticas, cerca de 45%, em contraste aos 12% de quando é instituída a
exploração cirúrgica seletiva. Portanto, a maioria dos pacientes com trauma cervical pene-
trante não precisam necessariamente de uma abordagem cirúrgica e podem ser manejados
de forma conservadora. A angiografia e a endoscopia são estratégias rotineiras nos casos de
lesões próximas ao esôfago e a estruturas vasculares.

Tratamento da lesão cervical não penetrante


O tratamento inicial em qualquer traumatizado consiste na imobilização cervical
com colar rígido até que se exclua uma lesão. Caso haja lesão neurológica, devem ser insti-
tuídas medidas de suporte com o intuito de elevar ou manter a pressão arterial média entre
80 e 85 mmHg. Deve-se evitar a hipoxemia por meio da administração de oxigênio suple-
mentar e eventual suporte ventilatório. Segundo o Advanced Trauma Life Support o trata-
mento geral do trauma da coluna vertebral e da medula espinhal inclui restringir o movi-
mento da coluna, fluidos intravenosos, medicamentos e transferência, se apropriado.
De modo geral, os objetivos do tratamento, independente se for cirúrgico ou conservador,
são o alinhamento da coluna cervical, a estabilização da coluna, a prevenção da perda de
função neurológica, a otimização da recuperação neurológica, o apoio psicológico e a reabi-
litação funcional. O tratamento conservador, com imobilização em ortóteses de rigidez
variável pode ser instituído na maioria das lesões estáveis da coluna cervical. Lesões liga-
mentares estruturais têm um baixo potencial de cicatrização, nesses casos o tratamento
cirúrgico será preferível.

Figura 03.3 - Exemplos de órteses cervicais: Halo craniano, em (A); Gesso minerva, em (B); e Halo-gesso
em (C).
Fonte: FERRO et al., 2012.

Nas fraturas do côndilo occipital, as lesões do tipo I e II podem ser manejadas de


forma conservadora por meio de colar ou órtese cervical durante seis a oito semanas. As
fraturas do tipo III requerem imobilização mais rígida, nesse caso, pode-se utilizar halo-
gesso por oito a 12 semanas ou artrodese nos casos de instabilidade atlanto-occipital.
Nas fraturas do atlas, as fraturas estáveis, como as isoladas do arco anterior ou
posterior, as do processo transverso e as por avulsão do arco anterior, podem ser maneja-

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das com órtese cervical por seis a 12 semanas. Já as fraturas do tipo explosão e as da massa
lateral, caracterizadas como instáveis, necessitam de halo-gesso, colete gessado do tipo
Minerva ou órteses rígidas por 12 semanas, ou podem ser abordadas com artrodese entre o
atlas e o áxis na fase aguda da fratura ou após tração com halo por quatro semanas.
Nas fraturas do processo odontóide, as fraturas do tipo I devem ser tratadas com
colar cervical por um período de seis a oito semanas. As fraturas do tipo II são mais fre-
quentes, porém apresentam taxa maior de não consolidação. Nesse caso, a redução anatô-
mica da lesão e sua manutenção através de imobilização rígida são fundamentais para a
consolidação da fratura. Após a redução da fratura, dependendo da gravidade da lesão e
dos recursos, pode ser realizada imobilização com halo-gesso por 12 semanas, osteossínte-
se da fratura com parafusos ou artrodese posterior C1-C2. Em contraste, as fraturas do tipo
III apresentam menor taxa de não consolidação em relação ao tipo II, devendo-se, seguindo
a mesma lógica, reduzir a fratura por meio de halo craniano e abordar de forma conserva-
dora com halo-gesso, osteossíntese do processo odontóide ou artrodese C1-C2.
Por fim, na espondilolistese traumática do áxis, as fraturas do tipo I são estáveis e
podem ser abordadas com órteses cervicais, halo gesso, halo vest ou gesso minerva por 12
semanas. Nas fraturas do tipo II, realiza-se a redução da fratura por meio da aplicação de
tração seguida por aplicação de halo-gesso por 12 semanas ou abordagem cirúrgica com
artrodese anterior C2-C3 ou fixação transpedicular de C2. Os pacientes com fraturas do tipo
IIa necessitam de redução da fratura, sendo obtida, em contraste com as do tipo II, pela
remoção da tração e aplicação de pequena compressão e extensão, seguida pela utilização
de halo-gesso por 12 semanas ou estabilização cirúrgica através de artrodese anterior C2-C3
ou fixação transpedicular de C2.
O tratamento cirúrgico é a abordagem de escolha nos casos com fraturas do tipo
III, buscando a redução das facetas articulares e fixação por meio de artrodese. Além disso,
a utilização de halo-gesso por 12 semanas após a redução cirúrgica e artrodese C2-C3 cor-
responde a outra opção terapêutica.
Assim, no manejo das lesões cervicais, atualmente, não é esperado que o paciente
fique em repouso sob uma cama por semanas, ou mesmo meses, após o trauma, ou seja, se
uma lesão cervical não é estável suficiente para permitir mobilidade do paciente entre 24 e
48h com suporte apropriado, a estabilização cirúrgica deve ser considerada. O esperado é
que, após a cirurgia e recuperação dos efeitos anestésicos, na ausência de lesão medular, os
pacientes estejam livres para deambular dentro um dia após o procedimento. Nos pacien-
tes acometidos por lesão medular, é evidente a presença de dificuldade para restabelecer a
mobilidade anterior à lesão, entretanto centros de reabilitação proporcionam, nos casos
possíveis, um retorno mais precoce da movimentação após a estabilização cirúrgica. Na
literatura, ainda não são evidentes as recomendações formais acerca do início ultra precoce
da terapia de reabilitação, porém um dos principais benefícios da abordagem de estabiliza-
ção cirúrgica é justamente a permissão de um retorno precoce da mobilidade do paciente.

Página 65
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O coração é um órgão único, vital e constante. Diante disso, as lesões cardíacas
representam as mais desafiadoras presentes no âmbito da cirurgia do trauma. Seu manejo,
muitas vezes, requer uma intervenção imediata, uma boa técnica cirúrgica e uma capacida-
de de fornecer acompanhamento rigoroso para esses pacientes no pós-operatório.
O trauma cardíaco penetrante é uma lesão altamente letal e aqueles que sobrevi-
vem ao hospital têm uma mortalidade geral que se aproxima de 80%. As taxas de mortali-
dade relatadas variam amplamente e são extremamente dependentes do mecanismo de
ferimento e das câmaras cardíacas envolvidas. Além disso, a presença de tamponamento
cardíaco é um fator independente que influi na mortalidade das lesões cardíacas ainda alvo
de debate, pois algumas pesquisas mostram associação à maior taxa de letalidade, e outros,
à menor, por controlar o sangramento cardíaco. Apesar dos avanços significativos nos cui-
dados pré-hospitalares, nas técnicas operatórias e nos cuidados intensivos, a mortalidade
não mudou ao longo de várias décadas.
O transporte e a avaliação rápida, juntamente com a intervenção operatória pre-
coce, produzem os resultados mais favoráveis. Isso pode ser explicado devido a mortalidade
instantânea da lesão. Mais da metade dos pacientes ocm trauma cardíaco encontrava-se
morta no local e outros 26% estavam mortos na chegada do hospital. Estudos de autópsia
evidenciaram que o óbito no local foi mais frequentemente relacionado ao choque hemor-
rágico não tamponado.
Apresentação Clínica das Lesões Cardíacas
Qualquer lesão penetrante no tórax pode estar associada a um trauma cardíaco.
Entretanto, as chances são maiores quando o trauma ocorre dentro da chamada “caixa
cardíaca”. Esta por sua vez, é definida como a região inferior às clavículas, superior à mar-
gem costal e medial à linha hemiclavicular. As lesões cardíacas resultantes de facadas fora
do precórdio tem uma mortalidade mais alta do que aquelas dentro de seus limites. Uma
explicação plausível é que, dada à localização da ferida, a lesão cardíaca não é inicialmente
considerada.

Figura 04.1 – Desenho esquemático da caixa cardíaca.


Fonte: adaptado de ANESTKEY, 2017.

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Como em todos os pacientes com trauma, um exame físico rápido, mas completo,
é obrigatório. Localização das feridas, avaliação do estado cardiorrespiratório, sons cardía-
cos e pulmonares são informações essenciais. Em pacientes hemodinamicamente estáveis,
uma radiografia de tórax portátil pode ser realizada rapidamente.
As apresentações clínicas das lesões cardíacas penetrantes variam de estabilidade
hemodinâmica completa a colapso cardiovascular agudo e franca parada cardiorrespirató-
ria. Tais acometimentos podem estar relacionados a vários fatores, incluindo o mecanismo
de lesão, o tempo decorrido antes da chegada a um centro de trauma e a extensão da
lesão. Se a perda de sangue exceder 40 a 50% do volume sanguíneo intravascular ou se um
tamponamento pericárdico estiver presente poderá resultar na cessação da função cardía-
ca. Nesse contexto, o rápido acúmulo de mesmo uma pequena quantidade de sangue pro-
voca aumento da pressão intrapericárdica, resultando em diminuição do retorno venoso,
diminuição do débito cardíaco, hipotensão e, finalmente, morte. A tríade de sons cardíacos
abafados, hipotensão e distensão venosa jugular de Beck é a descrição clássica dos sinais de
tamponamento cardíaco, a presença da Triade de Beck ou sinal de Kussmaul representa a
exceção e não a regra, portanto, o cirurgião de trauma deve estar ciente de que as lesões
cardíacas podem ser extremamente enganosas em sua apresentação clínica.
No âmbito da fisiologia, o tamponamento pericárdico está relacionado à natureza
fibrosa do pericárdio, tornando- o relativamente inelástico e incompatível com aumentos
súbitos da pressão intrapericárdica. Perdas agudas de volume sangüíneo intracardíaco
causam elevação de pressão intrapericárdica e compressão do ventrículo direito. Isso reduz
sua capacidade de preenchimento, resultando em uma diminuição subsequente do enchi-
mento ventricular esquerdo e da fração de ejeção, comprometendo efetivamente o débito
cardíaco e o volume sistólico. Dessa forma, o trabalho cardíaco também aumenta, assim
como a tensão da parede miocárdica, elevando a demanda de energia no coração que,
devido ao aumento da carga de trabalho, apresenta uma necessidade de oxigênio não
suprida, justificando a hipoxemia, o débito de oxigênio e a acidose lática.
O pericárdio é capaz de suportar acúmulos graduais de sangue se o sangramento
não for rápido o suficiente para provocar elevações agudas nas pressões intrapericárdicas
que excedam a pressão ventricular direita e, subsequentemente, a capacidade de enchi-
mento do ventrículo esquerdo. Desse modo, uma hemorragia lenta e gradual é muito me-
lhor tolerada, uma vez que pode ser gradualmente acomodada pelo pericárdio.
Portanto, o tamponamento pericárdico pode ter um efeito deletério e protetor.
Tal efeito protetor pode limitar o sangramento extrapericárdico na cavidade hemitorácica
esquerda e permitir que o paciente atinja um centro de trauma vivo. Já o efeito deletério
pode levar à rápida parada cardiorrespiratória. Alguns autores apoiam fortemente a pre-
sença de um tamponamento pericárdico como um determinante independente crítico para
a sobrevivência em lesões cardíacas penetrantes. Com estudos os quais os autores concluí-
ram que pacientes com tamponamento pericárdico apresentaram uma taxa de sobrevida
maior, sendo mais influente até do que os sinais vitais na determinação dos desfechos.
Outros estudos não corraboraram com este resultado.

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É evidente, porém, que apesar das diferenças entre os estudos, há a presença de
uma resposta intermediária; parece existir um período de tempo em que o tamponamento
pericárdico provoca um efeito protetor e, portanto, leva a um aumento na taxa de sobrevi-
vência. O que permanece indefinido é esse período de tempo, após o qual esse efeito pro-
tetor é perdido, resultando em um efeito adverso na função cardíaca.
Métodos de Avaliação do Trauma Cardíaco

Janela Pericárdica Subxifóide


Historicamente, a janela subxifóide foi o padrão ouro para avaliar o hemopericár-
dio. A técnica original para criar uma janela pericárdica foi descrita por Larrey em 1800.
Ainda permanece o padrão-ouro de todos os procedimentos para o diagnóstico de lesão
cardíaca, apesar de ser considerada uma segunda linha de avaliação em centros de trauma
com disponibilidade de ultrassonografia, visto que a ecocardiografia tornou-se a modalida-
de de escolha.
Para realização de uma janela pericárdica subxifóide, após a realização de aneste-
sia geral, uma incisão de 10 cm é feita na linha média sobre o processo xifóide, pois facilita a
dissecção posterior. Com o esterno distal elevado com um afastador ou separado, disseca-
do e fixado por uma pinça Allis ou Kocher, sendo então deslocado cranialmente, o diafrag-
ma é identificado e, com a pinça de dissecção romba, o pericárdio é encontrado. A dissec-
ção brusca com separa o tecido adiposo abaixo do xifóide. Uma combinação de dissecção
brusca e afiada após a palpação digital do impulso cardíaco transmitido é usada para locali-
zar o pericárdio que é retido pela pinça de Allis. Daí, uma vez que o pericárdio foi firmemen-
te preso, uma incisão longitudinal medindo aproximadamente 1cm é feita no pericárdio,
com cautela para não lacerar o epicárdio subjacente. Depois dessa abertura, o campo pode
ser preenchido com líquido pericárdico claro cor de palha, significando uma janela negativa,
ou com sangue, indicando uma janela positiva e, portanto, uma lesão cardíaca. Deve-se
lembrar de que o campo pode permanecer seco se o sangue coagular dentro do pericárdio.
Em seguida, recomenda-se a passagem de um cateter através da abertura previamente
feita quando esta situação acontecer. Tal manobra pode liberar o coágulo e permitir que o
sangue escape pela abertura. Caso a janela seja positiva, o cirurgião deve proceder imedia-
tamente a uma esternotomia e cardiorrafia mediana.
Numerosos estudos confirmaram a confiabilidade e o potencial diagnóstico da
janela pericárdica subxifóide. Essa técnica apresenta a segurança, a facilidade e a confiabili-
dade como vantagens na detecção de um hemopericárdio, porém, apresenta como desvan-
tagem a submissão do paciente a um procedimento cirúrgico com anestesia geral. É impor-
tante ressaltar ainda que o papel da janela pericárdica subxifóide foi progressivamente
diminuído como uma ferramenta de diagnóstica a partir do surgimento da ecocardiografia.
Uma nota de cautela precisa ser enfatizada. Uma pré-carga adequada é essencial
para evitar descompensação quando há tamponamento. A indução da anestesia geral e a
ventilação com pressão positiva tendem a diminuir a pré-carga e podem resultar em parada

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cardíaca. Portanto, em pacientes hipotensos, devemos estar bem preparados. Se ocorrer
colapso hemodinâmico, uma incisão pode ser rapidamente realizada com alívio do tampo-
namento.

Ecocardiografia bidimensional
A ecocardiografia emergiu claramente como a mais nova técnica para o diagnósti-
co de lesões cardíacas penetrantes. Horowitz et al., 1974, definiu os limites de sensibilidade
e especificidade para essa técnica e concluiu a necessidade de 50 ml de líquido pericárdico
para que a ecocardiografia possa demonstrar com segurança um derrame.

Figura 04.2 - Derrame pericárdico


identificado por ultrassonografia.
Fonte: DINAMARCA, 2013.

Na literatura, estudos compararam prospectivamente pacientes hemodinamica-


mente estáveis admitidos com traumas torácicos penetrantes localizados dentro dos limites
precordiais e concluiu que a ecocardiografia tinha 90% de precisão, 97% de especificidade e
90% de sensibilidade na detecção de lesões cardíacas penetrantes.
Meyer, Jessen e Grayburn, 1995, no que talvez seja o estudo mais abrangente da
literatura, avaliou prospectivamente 105 pacientes hemodinamicamente estáveis, portado-
res de lesões cardíacas ocultas. Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia
bidimensional, seguida de janela pericárdica subxifóide. Para o grupo todo, a janela subxi-
fóide revelou sensibilidade de 100%, especificidade e precisão de 92% versus ecocardio-
grama, com sensibilidade de 56%, especificidade de 96% e acurácia de 90%. Entretanto,
quando a janela pericárdica subxifoide foi comparada à ecocardiografia em pacientes sem
hemopneumotórax associado, sua sensibilidade (100% versus 100%), especificidade (89%
versus 91%) e acurácia (90% versus 91%) foram comparáveis. A partir desses dados, conclu-
iu-se que a ecocardiografia tem limitações significativas e identifica lesões cardíacas graves
em pacientes com hemopneumotórax associados, e esse dado deve ser lembrado durante a
avaliação.

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Classificação das Lesões Cardíacas
A Associação Americana de Cirurgia do Trauma (AAST) e seu Comitê de Escala de
Lesões Orgânicas (OIS) desenvolveram uma escala de lesão cardíaca para descrevê-las uni-
formemente. Esta escala é bastante complexa e, embora seja muito abrangente, não é de
fácil utilização na sala de cirurgia.

Quadro 04.1 – Classificação das lesões cardíacas pela AAST.

Grau Descrição da Injúria

I Lesão cardíaca contusa com anormalidade eletrocardiográfica (alterações não específicas


da onda ST ou T, contração atrial ou ventricular prematura ou taquicardia sinusal persis-
tente); Trauma pericárdico contuso ou penetrante sem lesão cardíaca, tamponamento
cardíaco ou herniação cardíaca
II Lesão cardíaca contusa com bloqueio cardíaco (ramo direito ou esquerdo, fascículo ante-
rior esquerdo ou atrioventricular) ou alterações isquêmicas (depressão ST ou inversão da
onda T) sem insuficiência cardíaca; Penetração do miocárdio tangencial sem alcance de
endocárdio, sem tamponamento
III Lesão cardíaca contusa com contrações ventriculares sustentadas (> 5 batimentos/min)
ou multifocais; Lesões cardíacas contusas ou penetrantes com ruptura do septo, incompe-
tência valvular pulmonar ou tricúspide, disfunção do músculo papilar ou oclusão da arté-
ria coronária distal sem insuficiência cardíaca; Laceração pericárdica contusa com hérnia
cardíaca; Lesão cardíaca com insuficiência cardíaca; Penetração do miocárdio tangencial
sem alcance de endocárdio, com tamponamento
IV Lesão cardíaca contusa ou penetrante com ruptura do septo, incompetência valvular
pulmonar ou tricúspide, disfunção do músculo papilar ou oclusão arterial coronária distal
que produz insuficiência cardíaca; Blunt ou penetrante injúria cardíaca com válvula mitral
ou aórtica incompetentes; Lesão cardíaca direta ou penetrante do ventrículo direito, átrio
direito, ou átrio esquerdo
V Lesão cardíaca contusa ou penetrante com artéria coronária proximal; Oclusão, contusão
ou perfuração penetrante do ventrículo esquerdo; Ferida estrelada com perda de tecido
<50% do ventrículo direito, átrio direito ou átrio esquerdo
VI Avulsão brusca do coração; Ferida penetrante produzindo> 50% de perda de tecido de
uma câmara

Condutas no Trauma Cardíaco

Toracotomia do Departamento de Emergência


A Toracotomia do Departamento de Emergência (TDE), ou toracotomia de rea-
nimação, continua a ser uma ferramenta formidável dentro do arsenal da cirurgia do trau-
ma. Em muitos centros de trauma, esse procedimento encontrou um nicho como parte do
processo de ressuscitação. Tal ferramenta se mostra tecnicamente complexa e desafiadora,
devendo ser executada por cirurgiões que estejam familiarizados com o manejo de lesões
cardiotorácicas penetrantes.

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A toracotomia do departamento de emergência é melhor indicada para o trata-
mento de lesões cardíacas penetrantes com cardiorrafia imediata, juntamente com pinça-
mento aórtico e massagem cardiopulmonar aberta. Neste cenário, é bem sucedido em
recuperar aproximadamente 10% de todas as lesões cardíacas penetrantes. A massagem
cardiopulmonar aberta após o reparo definitivo das lesões cardíacas penetrantes é mais
eficaz na produção de uma maior fração de ejeção (FE). Se um reparo definitivo não puder
ser realizado, o controle temporário da lesão, juntamente com o uso de medidas adjuntas,
como o tamponamento com balão, também pode ser efetivamente realizado. Da mesma
forma, lacerações de grandes vasos sanguíneos torácicos também podem ser controladas
por pinças vasculares.
A ausência de sinais vitais, ritmo cardíaco, pulso palpável na parada cardiorrespi-
ratória e movimento de extremidades, além de pupilas fixas e dilatadas representam fato-
res pré-hospitalares preditivos de mau prognóstico. A toracotomia de emergência deve ser
realizada simultaneamente com a avaliação inicial e reanimação, usando os protocolos ATLS
(Advanced Trauma Life Support) do American College of Surgeons (ACS). Da mesma forma,
o acesso venoso imediato com o uso simultâneo de técnicas de infusão rápidas complemen-
ta o processo de ressuscitação.
A indicação de realizar a TDE são: trauma torácico penetrante com menos de
15min de PCR, trauma não torácico penetrante com menos de 5 min de PCR, trauma fecha-
do com menos de 10 min de PCR ou Hipotensão severa (PAS < 60) com sinais de tampona-
mento cardíaco, hemorragias importantes e embolia aérea. As contraindicações são trauma
torácico penetrante com mais de 15min de PCR sem sinais de vida, trauma fechado com
mais de 10 min de PCR sem sinais de vida.
Os principais objetivos do procedimento são 1. liberar o pericárdio por possível
tamponamento, pois a maior taxa de sobrevivência é em pacientes com feridas cardíacas
penetrantes especialmente quando associadas a tamponamento pericárdico; 2. Controle de
hemorragia cardíaca ou intratorácica, sendo as lesões mais comuns no hilo pulmonar e
grandes vasos e menos comuns na aorta torácica ou feridas cardíacas penetrantes;
3. Evacuar embolia aérea maciça, entidade muito mais comum do que reconhecida, sua
história clássica é de um paciente com trauma torácico que evolui com hipotensão severa
ou PCR após intubação. Quando suspeita deve-se clampear o hilo pulmonar, que irá parar a
progressão da embolia, colocar paciente em trendelenburg para evitar embolia no SNC,
realizar massagem cardíaca intratorácica para dissolver a embolia e aspirar o ventrículo
esquerdo, a aorta e a coronária direita; 4. Realizar massagem cardíaca aberta, A RCP exter-
na fornece 20 a 25% do débito cardíaco e 10–20% da perfusão normal e consegue manter
órgãos vitais por até 15 min, mas em um paciente hipotenso ou tamponado esses valores se
aproximam a zero. A massagem cardíaca aberta é efetiva em manter perfusão por até
30min; 5. Temporariamente ocluir a aorta torácica descendente para redistribuir o volume
sistólico para cérebro e coração, tendo o paciente uma melhora quase imediata e significa-
tiva da hemodinâmica, aumentando significativamente a chance de retorno a circulação
espontânea e diminuindo perdas sanguíneas. Deve ser aberta no máximo após 30minutos

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ou realocada abaixo das artérias renais, pois o intestino tolera apenas de30 a45min de
isquemia normotérmica.

Técnica Cirúrgica da TDE


Os pacientes geralmente são transferidos para a maca de emergência na chegada.
No procedimento de toracotomia supracitado, o braço esquerdo deve ser elevado e todo o
tórax é preparado rapidamente com uma solução anti-séptica. A toracotomia ântero-lateral
esquerda com início na borda lateral da junção esternocostal esquerda e inferior ao mamilo
é realizada e estendida lateralmente ao grande dorsal. Esta incisão é rapidamente realizada
através da pele e tecido subcutâneo e do serrátil anterior até que os músculos intercostais
tenham sido atingidos. As três camadas desses músculos são seccionadas com tesoura de
Metzenbaum e ocasionalmente, à esquerda, a quarta ou quinta cartilagem costocondral são
seccionadas para fornecer maior exposição. Daí, um afastador Finochietto é então colocado
para separar as costelas e a avaliação da extensão da hemorragia presente dentro da cavi-
dade hemitorácica esquerda é então realizada. É importante ressaltar que hemorragia com
perda quase completa do volume intravascular do paciente é um indicador confiável de
desfecho ruim.
O pulmão esquerdo é então medialmente elevado e a aorta torácica é localizada
imediatamente ao entrar no abdome através do hiato aórtico. A aorta deve então ser pal-
pada para avaliar o estado do volume de sangue remanescente dentro da vasculatura. Ela
também pode ser temporariamente ocluída digitalmente contra os corpos das vértebras
torácicas até que possa ser fixada em clampeamento.
Para o clampeamento da aorta - sendo preferível o uso da pinça de Crafoord-
DeBakey- é realizada uma combinação de dissecção abrupta e contundente iniciada nas
bordas superior e inferior da aorta para que a mesma possa ser circundada entre o polegar
e os dedos indicadores, assegurando seu pinçamento. Diante do frequente cruzamento
errôneo do esôfago, feito por cirurgiões inexperientes, uma sonda nasogástrica deve ser
previamente colocada, servindo como um guia útil na diferenciação do esôfago de uma
aorta torácica.
Os cirurgiões devem então observar o pericárdio e procurar a presença de uma
laceração pericárdica. Além disso, o nervo frênico também deve ser identificado e preser-
vado. Uma abertura longitudinal no saco pericárdico é então feita anterior ao nervo frênico
e prolongada inferior e superiormente. É prudente prender o pericárdio com duas pinças de
Allis para segurá-lo, de modo que uma pequena incisão de 1 a 2 cm possa ser feita. Segue-
se a abertura do pericárdio com uma tesoura de Metzenbaum. Após a abertura do pericár-
dio, há o vazamento do sangue coagulado e o cirurgião deve notar imediatamente a pre-
sença e/ou ausência e o tipo de ritmo cardíaco subjacente, bem como a localização da lesão
penetrante. Várias técnicas estão disponíveis para obter controle temporário da lesão car-
díaca, incluindo controle digital, colocação de cateter de Foley e uso de grampos na pele.
A colocação de um cateter de Foley, apesar de ser uma ideia engenhosa, tem
limitações significativas, sendo a mais grave a possibilidade de ampliação da lesão cardíaca.

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Uma vez que o balão é insuflado e que se aplique tração suave, é difícil de segurar e fácil de
desalojar, aumentando assim a ferida. Os grampos da pele também foram usados com
sucesso para obter o fechamento temporário de feridas cardíacas. É possível realizar apenas
o controle digital, pois é um método simples e direto. Não é necessário parar completamen-
te o sangramento cardíaco, mas diminuí-lo e facilitar o reparo definitivo.
Uma tentativa deve ser feita para traçar a trajetória do agente ferido, já que os
projéteis, freqüentemente, entram em uma área e migram para áreas adjacentes, como o
hemitórax contralateral. Da mesma forma, os cirurgiões também devem estimar o volume
de sangue remanescente dentro das câmaras cardíacas. A descoberta do coração flácido e
desprovido de qualquer movimento de bombeamento é um preditor de mau prognóstico.
Da mesma forma, outros preditores confiáveis de desfecho desfavorável são artérias coro-
nárias vazias e a presença de embolia aérea sendo visualizada nas veias coronárias (não nas
artérias).
As lacerações dos átrios podem ser controladas com uma pinça vascular, como Sa-
tinsky, antes da cardiorrrafia definitiva. Se a lesão for muito grande, o tamponamento de
balão com o cateter de Foley pode interromper temporariamente a hemorragia, permitindo
a execução de uma cardiorrrafia definitiva ou ganhando tempo na transferência do paciente
para uma sala cirúrgica.
Embora os reparos bem-sucedidos sejam denotados pela cessação do sangramen-
to e preenchimento progressivo das câmaras cardíacas, eles podem ser efetivamente reali-
zados sem que o coração consiga recuperar seu ritmo. Freqüentemente, a manipulação
farmacológica associada à desfibrilção direta utilizando 20 a 50 joules é necessária para
restaurar um ritmo sinusal normal. Se um ritmo sinusal não puder ser restaurado apesar de
todas as tentativas, o prognóstico é grave e o resultado é invariavelmente ruim. Às vezes,
um ritmo pode ser restaurado, mas nenhum mecanismo de bombeamento efetivo é obser-
vado. Da mesma forma, nenhuma pulsação é detectada na aorta torácica descendente.
Além disso, a inserção dos fios do marcapasso pode ajudar a restaurar esse movimento de
bombeamento ineficaz, mas isso é incomum. A morte miocárdica progressiva pode ser
presenciada pela dilatação do ventrículo direito com acompanhamento da cessação da
contratilidade e do movimento, seguido pelo mesmo processo no ventrículo esquerdo.

Técnicas de Reparo das Lesões Cardíacas


No centro cirúrgico, várias incisões podem ser utilizadas para expor o coração e o
mediastino. Cada um tem vantagens e desvantagens, e a escolha é influenciada pela experi-
ência e facilidade do cirurgião em cada uma delas.
Embora uma toracotomia póstero-lateral apresente excelente exposição da cavi-
dade pleural, ela permite apenas uma exposição cardíaca limitada. Outra desvantagem é
que pode exacerbar a instabilidade hemodinâmica, uma vez que a posição de decúbito
lateral pode resultar em piora da hipotensão. Por estas razões, não usamos essa abordagem
para lesões cardíacas penetrantes. Se uma toracotomia de emergência é necessária, é nossa
preferência dividir o esterno e levar a incisão antero-lateral esquerda para o espaço pleural

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direito como uma “toracotomia de clamshell”. Isso pode ser feito rapidamente, permite a
exposição adequada do coração e do mediastino e pode ser realizado por um cirurgião
geral. As principais desvantagens dessa abordagem são: a incisão é frequentemente coloca-
da muito inferiormente, e tanto o fechamento esternal como o torácico podem ser proble-
máticos. A incisão antero-lateral deve ser feita sobre o sulco inframamário e promover uma
elevação de cerca de 20 graus sob o peito esquerdo facilita a extensão para a axila ipsilate-
ral.
A esternotomia mediana proporciona exposição mediastinal ideal, pode ser reali-
zada rapidamente e permite o reparo da lesão cardíaca. Embora os cirurgiões cardiotoráci-
cos tenham mais experiência com essa abordagem, um cirurgião geral bem treinado é mais
do que capaz de usar essa abordagem para tratar lesões cardíacas.
Qualquer que seja a incisão escolhida, uma vez exposto o mediastino, o pericárdio
deve ser aberto. Se uma incisão antero-lateral é empregada, o pericárdio é incisado anterior
ao nervo frênico. Se uma esternotomia mediana for realizada, o pericárdio é aberto ampla-
mente e um sling pericárdico pode ser construído afixando-se a borda do pericárdio à pele.
Após a pericardiotomia, qualquer hemopericárdio pode ser evacuado.
A esternotomia mediana, ou incisão de Duval, é a incisão de escolha em pacientes
admitidos com lesões precordiais penetrantes que podem abrigar lesões hemodinamica-
mente comprometedoras, sendo ocultas ou não. Pacientes admitidos com algum grau de
estabilidade hemodinâmica podem ser submetidos à investigação pré-operatória limitada
com radiografia de tórax ou ecocardiograma. Da mesma forma, os pacientes que chegam à
sala de cirurgia com algum grau de estabilidade podem passar por uma janela pericárdica
subxifóide se o diagnóstico de lesão cardíaca exigir confirmação.
A toracotomia ântero-lateral esquerda ou a incisão de Spangaro, continua sendo a
incisão de escolha para o manejo de pacientes com lesões cardíacas penetrantes que che-
gam graves. A toracotomia ântero-lateral esquerda pode ser estendida através do esterno
como toracotomias anterolaterais bilaterais se as lesões do paciente se prolongarem até a
cavidade hemitorácica. A mesma também permite a exposição total do mediastino anterior
e de ambas as cavidades hemitorácicas. É importante notar que, após a transecção do
esterno, ambas as artérias mamárias internas são dissecadas e devem ser ligadas no final do
procedimento.
As feridas atriais são frequentemente mais fáceis de reparar do que as ventricula-
res, uma vez que as primeiras são câmaras de baixa pressão e a lesão pode ser controlada
com uma pinça vascular. Depois que o grampo vascular é aplicado, o reparo é realizado com
Prolene 3-0 ou 4-0. As paredes atriais finas, que são propensas a rasgar, exigem uma colo-
cação precisa da sutura e, por essa razão, pode-se realizar a reparação com sutura colchão.
Lesões no átrio esquerdo, embora infrequentes, apresentam um desafio devido à sua locali-
zação posterior. Da mesma forma, lesões na junção do átrio direito e da veia cava inferior
também são difíceis de manejar. O controle temporário pode ocasionalmente ser obtido
pela colocação sequencial de pinças Allis e, em seguida, reparo dos vasos.

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As lesões atriais também podem ser controladas por oclusão parcial através da
pinça de Satinsky. Tal processo permitirá ao cirurgião de trauma realizar uma reparação
rápida, utilizando uma sutura de monofilamento em uma fração em execução ou interrom-
pida. Recomenda-se 2-0 Prolene. As paredes finas dos átrios exigem cuidado durante a
sutura, pois podem rasgar e aumentar facilmente a lesão original. O uso de materiais bio-
protéticos na forma de emplastros de teflon não é recomendado para o manejo dessas
lesões.
As feridas ventriculares podem ser reparadas primeiro por meio da oclusão digital
da laceração enquanto se realiza suturas de colchão simples ou interrompidas de Halsted.
Eles também podem ser reparados com uma sutura monofilamentar em execução de 2-0
Prolene. Reparar lesões cardíacas de facadas é menos desafiador do que de projéteis, pois
estas tendem a produzir algum grau de defeito explosivo, causando dificuldades no reparo.
As lesões ventriculares resultantes de ferimentos por arma branca podem ser reparadas
com Prolene 3-0, seja como uma simples sutura contínua ou uma sutura horizontal inter-
rompida.
As lesões por projéteis que foram inicialmente suturadas e controladas aumen-
tam à medida que o miocárdio danificado continua a retrair-se. Feridas maiores, especial-
mente aquelas resultantes de ferimentos por arma de fogo, são fechadas com suturas
horizontais interrompidas. Uma curva maior da agulha facilita o engate do tecido em ângulo
reto e é essencial conduzir a agulha após sua curva. Freqüentemente, essas lesões reque-
rem múltiplas suturas em uma tentativa de controlar a hemorragia maciça. Quando isso
ocorre, é necessário um material bioprotético como o Teflon para reforçar a linha de sutura.
Possivelmente, a maioria das lesões cardíacas pode ser fechada sem Teflon e so-
mente deve-se usá-los se a parede ventricular for friável, pois permitem distribuir a tensão
quando a sutura é amarrada.
Três outros detalhes técnicos importantes são: primeiro, pegar uma parte adequada do
miocárdio. Existe uma tendência, especialmente entre os cirurgiões inexperientes, de pegar
pequena parte do miocárdio com a sutura. Se a sutura for muito superficial, o risco de
rasgar o tecido aumenta. Embora possa parecer contraintuitivo, pegar uma maior parte do
miocárdio trará um reparo mais seguro. A segunda é cronometrar a sutura com a contração
ventricular, pois isso também irá minimizar a ruptura miocárdica. Terceiro, enquanto o
ventrículo direito é geralmente uma câmara de baixa pressão, ele tem parede miocárdica
menos espessa que a esquerda e é mais propenso a rasgar se uma sutura inadequada for
realizada.

Manejo de Lesões Arteriais Coronárias


O reparo de lesões ventriculares adjacentes às artérias coronárias pode ser bas-
tante trabalhoso, mas várias alternativas estão disponíveis. O cirurgião de trauma deve
sempre ser lembrado de que a realização indevida de suturas pode estreitar ou ocluir uma
artéria coronária ou um de seus ramos. Portanto, recomenda-se a disposição das suturas
sob o leito da artéria coronária. Se a lesão acometer ramo pequeno da coronária ou se a

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laceração está no terço distal, a ligação é uma opção. Se a artéria coronária proximal é
lacerada, particularmente a descendente anterior esquerda, é necessário o desvio da arté-
ria coronária, o que pode ou não exigir a circulação extracorpórea e a parada cardioplégica.
Traumas em localizações proximais da artéria coronária podem exigir o uso de cir-
culação extracorpórea para reparo, embora isso raramente seja necessário. Em uma tenta-
tiva desesperada, as lesões das artérias coronárias proximais e de porção média são fre-
quentemente ligadas, resultando em infartos miocárdicos imediatos da mesa cirúrgica.
Esses pacientes podem se beneficiar da instituição imediata da contrapulsação do balão
intra-aórtico e da derivação aortocoronária imediata. A circulação extracorpórea também
tem sido usada para suporte hemodinâmico após a cardiorrafia.
Várias medidas adjuvantes estão disponíveis para auxiliar a cardiorrafia, incluindo
oclusão temporária de fluxo, métodos para facilitar o reparo de lesões cardíacas posterio-
res, infusão de adenosina e o uso de circulação extracorpórea para ressuscitação pós-
cardiorrafia. Embora a oclusão temporária de influxo pareça uma opção atraente, é de valor
limitado em um paciente acidótico e hipotenso..
Os ferimentos cardíacos posteriores representam um problema, pois exigem o le-
vantamento do coração, o que muitas vezes leva a hipotensão profunda, bradicardia e
possivelmente parada. Deve-se levantar o coração, avaliar a lesão e retornar o coração à
sua posição normal. A mesma técnica é usada para as suturas: muitas vezes elas não podem
ser apertadas quando são colocadas, e o coração é novamente retornado à sua posição
anatômica normal. Após um período de recuperação, o coração é levantado novamente e
as suturas são apertadas. Essa técnica exige paciência por parte do cirurgião e estreita
cooperação com a equipe de anestesia. A infusão de adenosina causa a assistolia temporá-
ria, facilitando assim a reparação cardíaca e é particularmente útil quando é necessária a
colocação precisa da sutura, como nas proximidades das artérias coronárias ou do sistema
de condução.
A diminuição da frequência cardíaca pela infusão de um ß-bloqueador, enquanto
opção, deve ser cuidadosamente avaliada devido ao seu efeito inotrópico negativo na fun-
ção miocárdica já comprometida. Lesões na proximidade das artérias coronárias requerem
atenção especial. Claramente, o perigo é que a sutura colocada para reparar a lesão mio-
cárdica possa comprometer ou obstruir o fluxo sanguíneo coronariano. Portanto, as suturas
devem ser colocadas com precisão e profundidade na própria artéria coronária. Nessa
circunstância, evita-se o uso de medicamentos, pois eles podem aumentar a probabilidade
de comprometer o fluxo coronariano.
As lesões cardíacas que têm o potencial de causar dano septal ou valvular tam-
bém exigem consideração específica. Ocasionalmente, um shunt da esquerda para a direita,
de uma lesão septal ou fístula aorto-pulmonar, pode ser detectado no momento da opera-
ção. A artéria pulmonar pode estar distendida e ter um frêmito palpável. A maioria das
lesões valvares pós-traumáticas apresenta-se como insuficiência, mas, a menos que sejam
profundas, geralmente não são diagnosticadas no momento do reparo cardíaco. A ecocar-
diografia transesofágica intraoperatória é, então, uma excelente modalidade diagnóstica.

Página 79
A última circunstância especial é o controle de danos. Ocasionalmente, após o re-
paro cardíaco, o tórax não pode ser fechado sem comprometimento hemodinâmico signifi-
cativo. Os efeitos aditivos da hipotensão, acidose, ressuscitação volêmica e distensão cardí-
aca podem contraindicar o fechamento do tórax ou do esterno. O uso temporário de um
fechamento a vácuo minimiza o risco de agravar a hipotensão e aumentar a pressão nas
vias aéreas. Após a cirurgia inicial, a ressuscitação continua na unidade de terapia intensiva.
Quando os parâmetros fisiológicos se normalizaram, o fechamento definitivo é realizado,
geralmente dentro de 48 horas da operação de controle de danos . Ocasionalmente só é
possível fechar o tórax esquelético, e não a musculatura da parede torácica. Nesses casos,
pode-se empregar um fechamento assistido a vácuo [VAC] sobre o tórax ósseo e o fecha-
mento por etapas da musculatura.
Lesões Complexas e Combinadas
Lesões cardíacas complexas e combinadas são definidas como qualquer lesão car-
díaca penetrante, associada a uma lesão vascular, cervical, torácica ou abdominal. Além
disso, qualquer lesão vascular periférica de extremidade também pode ser classificada
como esses tipos de lesões. Tais acometimentos podem ser bastante difíceis de conduzir,
devendo-se priorizar aquelas que proporcionam maior perda de sangue.
Existem pesquisas interessantes e potencialmente revolucionárias usando hipo-
termia terapêutica no tratamento do choque hemorrágico que resultou em parada. A hipo-
termia terapêutica tem sido eficaz e preconizada no tratamento da parada cardíaca não
traumática. A aplicação dessa terapia no tratamento de pacientes traumatizados exsangui-
nados é uma extensão natural do conceito de controle de danos. Vários estudos experimen-
tais, com modelos animais submetidos a hemorragia extensa, demonstraram a sua eficácia.
Apesar do uso de diferentes modelos animais, e pequenas diferenças no grau e duração da
hipotermia, é claro que a hipotermia terapêutica de emergência é uma modalidade extre-
mamente útil no tratamento da hemorragia extensa. A aplicação desta técnica em humanos
é apenas uma questão de tempo.
É evidente, a partir desses e de outros estudos, que muito ainda precisa ser feito
em termos de avaliação de lesões anatômicas e fisiológicas. É claro que uma melhor seleção
de pacientes através do uso de índices fisiológicos, como o escore do CVRS para a realização
de toracotomia de emergência e cardiorrafia, levará à melhora da sobrevida. Desse modo,
somente com sérias investigações científicas baseadas em coleta prospectiva e análise de
dados pode-se estender as fronteiras no gerenciamento de lesões devastadoras, muito
semelhante ao que Cappelen, Farina e Rehn fizeram há mais de 100 anos.
A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) representa atualmente uma
das principais modalidades terapêuticas do suporte de vida extracorpóreo, sendo uma
alternativa diante de uma falência cardíaca e/ou pulmonar refratária ao tratamento con-
vencional. No âmbito do trauma, o grupo que mais se beneficia de tal técnica inclui o paci-
ente com insuficiência respiratória hipoxêmica causada por lesão pulmonar e os pacientes
com lesões cardiacas complexas.

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Existem duas modalidades de ECMO, uma que o fluxo se faz como oxigenação por
membrana extracorpórea venovenosa (ECMO –VV) outra com oxigenação por membrana
extracorpórea venoarterial ECMO –VA.
A ECMO- VV é mais indicada para pacientes sem disfunção cardíaca ou função
cardíaca pouco reduzida, sendo a configuração de escolha em pacientes com insuficiência
respiratória hipercápnica ou insuficiência respiratória hipoxêmica. Já a ECMO - VA é a confi-
guração de escolha para pacientes com falência cardíaca, podendo ser necessário ou não o
suporte pulmonar associado.
O suporte venoarterial de ECMO parecia a estratégia mais apropriada para con-
trolar as armadilhas da disfunção do VE e hipóxia em casos de realização de lobectomia. O
suporte de ECMO é uma ferramenta útil e útil para gerenciar o tratamento cirúrgico de
rotura cardíaca ou lesões pulmonares induzidas por trauma e também é benéfico na recu-
peração pós-operatória. O suporte da ECMO permite a manutenção da normotermia, bem
como a administração rápida e massiva de fluidos e hemoderivados no circuito da bomba
conforme a necessidade. No pós-operatório, o suporte com ECMO permite manter uma boa
perfusão sistêmica e diminuir as doses de drogas vasopressoras, pois a ECMO descarrega
parcialmente o ventrículo esquerdo com o objetivo de otimizar a recuperação do miocárdio
e limitar lesão pulmonar. A contusão miocárdica no trauma torácico pode exigir altas doses
de drogas vasoativas e tempo para se recuperar. As suturas cirúrgicas através de um mio-
cárdio lesado são frágeis e podem lacerar o músculo se a tensão da parede for muito alta. A
descarga parcial do ventrículo esquerdo usando ECMO pode desempenhar um papel nesses
frágeis reparos cirúrgicos. Além disso, esse suporte circulatório mecânico temporário forne-
ce o débito cardíaco nativo transitoriamente baixo e permite diminuir a dose de drogas
vasoativas enquanto mantém boa perfusão e função dos órgãos.
A ECMO também permite o reparo tardio de lesões valvares e de septo. Permitin-
do garantir evidências da função neurológica e investigar lesões adicionais, evitando o
choque cardiogênico. Existem poucos relatos de uso de ECMO para lesões cardíacas trau-
máticas, embora a SDRA continue sendo uma indicação bem reconhecida em pacientes com
trauma. A complicação mais comum associada à ECMO é o sangramento, um risco que pode
ser agravado pela hipotermia terapêutica. Outras complicações são rotura do circuito, falha
na membrana de oxigenação, coagulação do sistema, lesão renal aguda infecção e hemor-
ragia intracraniana.
A hipotermia induzida lentamente ganhou tração e se tornou uma prática padrão
para neuroproteção em casos de parada cardíaca não traumática, e foi incorporada ao
protocolo ACLS. Vários estudos indicaram benefícios significativos nos resultados, incluindo
sobrevida e maior probabilidade de boa recuperação neurológica quando usados no ambi-
ente médico pós-parada cardíaca. Bernard et al. demonstraram que a probabilidade de alta
para casa ou para reabilitação após hipotermia terapêutica era cinco vezes maior do que
sem ela. A ECMO também pode ajudar nessa estratégia com a rápida mudança ou manu-
tenção da temperatura corporal. No entanto, tem havido relutância em adotar essas mano-
bras em pacientes com trauma, frequentemente citando os riscos de coagulopatia hipotér-

Página 81
mica. Apesar destes contrapontos, o uso de indução rápida de hipotermia, cirurgia de res-
suscitação e ressuscitação com circulação extracorpórea em pacientes com trauma tem se
evoluindo com resultados promissores.
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O trauma torácico é responsável por cerca de 25% das mortes relacionados ao
trauma, mortalidade atrás apenas do trauma de cabeça e pescoço. O motivo dessa mortali-
dade está diretamente relacionado ao fato de que, na caixa torácica, estão alojados os
principais órgãos do sistema pulmonar e cardíaco, requerendo uma abordagem rápida e
efetiva. Apesar de possuir uma mortalidade considerável, muitas vezes seu manejo não
exige uma conduta extremamente complexa, podendo ser conduzido de forma rápida e
eficaz, através de drenagem pleural, suporte ventilatório e analgesia.
O mecanismo do trauma torácico pode ser penetrante (por meio de armas bran-
cas ou armas de fogo) ou contuso (muito frequente em acidentes automobilísticos). No
trauma contuso, fraturas dos ossos que compõem a caixa torácica são frequentes, sendo
importante a sua identificação como forma de prevenir maiores complicações. Em traumas
penetrantes abaixo do quarto espaço intercostal deve-se considerar a possibilidade de lesão
abdominal concomitante.
Avaliação Primária
A avaliação primária deve ser realizada de forma sistemática e objetiva, conforme
descrita no Capítulo 01 – Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. Seguindo essa
metodologia de avaliação do paciente, poderemos identificar alterações na via aérea, respi-
ração e circulação do paciente. Com base nisso, devemos estabelecer medidas com base
nesta ordem prioridade.
O trauma torácico é capaz de proporcionar diversas lesões diferentes para tornar
o processo de respirar menos eficaz, representando uma ameaça à vida do paciente. Dessa
forma, após a avaliação da via aérea, deve-se realizar a avaliação da respiração do paciente.
Identificar o mecanismo do trauma é fundamental para otimizar a busca por essas
lesões. As condições apresentadas no Quadro 05.1 serão abordadas durante o decorrer do
capítulo.

Quadro 05.1 – Lesões Ameaçadoras à Vida Relacionadas ao Tórax


Lesão Intervenção Necessária
Pneumotórax Inicialmente deve ser realizada uma toracocentese descompressiva e prosseguir
Hipertensivo com a drenagem torácica.
Pneumotórax Inicialmente deve ser realizado um curativo de três pontas e, após estabilização,
Aberto drenagem torácica seguida de sutura da lesão.
Hemotórax Ressuscitação volêmica, drenagem torácica e avaliar a necessidade de toracoto-
Massivo mia de emergência.
Tamponamento Pericardiocentese (ou drenagem pericárdica por toracotomia) e avaliar a neces-
Cardíaco sidade de toracotomia de emergência.
Contusão Oxigenoterapia e alívio da dor. Posteriormente deve ser avaliada a necessidade
Pulmonar cirúrgica e/ou intubação.

Página 87
Pneumotórax
O pneumotórax é uma condição comum tanto no trauma penetrante quanto con-
tuso. Esta condição pode ser definida como a presença de ar ou gás no espaço pleural (ge-
ralmente após uma lesão do parênquima pulmonar e brônquios), resultando em um colap-
so parcial ou total do pulmão.
De modo geral, o pneumotórax não é uma condição que necessita de intervenção
imediata, porém possui um potencial para progredir em uma condição ameaçadora de vida.
Clinicamente os pacientes podem se apresentar com dor torácica ipsilateral, diminuição ou
ausência dos ruídos respiratórios, diminuição da expansibilidade da caixa torácica ipsilate-
ral, dispnéia e hipertimpanismo no lado acometido à percussão torácica. Cabe ressaltar que,
dependendo do tamanho do pneumotórax, o paciente pode apresentar-se assintomático.
Uma apresentação potencialmente fatal desta condição é o pneumotórax hiper-
tensivo. A sintomatologia desta condição é semelhante ao simples, porém acrescida do
desequilíbrio hemodinâmico relacionado ao choque obstrutivo. A taquicardia e hipotensão
são decorrentes da diminuição do retorno venoso para o coração, devido à pressão intrato-
rácica aumentada decorrente do desvio do mediastino para a direção contralateral ao lado
acometido. Apesar de ser um sinal tardio, pode-se notar turgência jugular. O desvio de
traqueia - muitas vezes citados em livros-texto, trata-se de um evento intra-mediastinal,
dificilmente percebido ao olho clínico, porém mais facilmente visualizado por meio de
exames radiológicos. Portanto, reforça-se que o diagnóstico do pneumotórax hipertensivo
é clínico e as terapêuticas não devem ser atrasadas em decorrência do aguardo pelos exa-
mes de imagem.
Todo paciente vítima de trauma torácico com: dispnéia, murmúrio abolido ou di-
minuído e sinais de choque, deve receber tratamento imediato com toracentese de alívio
seguida de drenagem no mesmo local da toracocentese.
Por fim, uma última condição associada é o pneumotórax aberto. Essa condição
(mais rara entre as três) é resultante de uma ferida penetrante (com cerca de 2/3 do diâme-
tro da traqueia) que permite uma conexão entre o espaço pleural e o mundo externo. Essa
conexão permite o rápido equilíbrio entre a pressão da cavidade pleural e a pressão atmos-
férica, fazendo com que o ar movimente-se preferencialmente por essa perfuração e não
pela via aérea. Dessa forma, esse tipo de lesão pode ser facilmente percebido como uma
ferida aspirativa no momento da avalição.

Diagnóstico
O pneumotórax ‘’simples’’ (Figura 05.1 e 05.2) é uma condição frequente nos
traumas torácicos. A suspeita surge com base na avaliação clínica (história clínica e exame
físico), principalmente se o paciente estiver sintomático (dor e dispnéia, por exemplo). Nos
casos de suspeita clínica de pneumotórax hipertensivo, a intervenção (Quadro 05.1) não
deve ser adiada por causa da espera pela confirmação através dos exames de imagem.
A confirmação diagnóstica pode ser feita por meio da radiografia de tórax ou da
tomografia computadorizada (TC), esta ultima possuindo uma superior capacidade diagnós-

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tica e considerada o padrão ouro para diagnóstico. Denominamos ‘’pneumotórax oculto’'
aqueles que não foram vistos na radiografia, mas foram vistos na TC. Estima-se que a preva-
lência desta condição ‘’oculta’’ seja bastante comum, estando presente em cerca de 15%-
20% dos pacientes vítimas de trauma contuso e 17% dos traumas penetrantes.

Figura 05. 1– Radiografia de tórax mostrando pneumotó-


rax ‘’simples’’ à direita do paciente. Na imagem é possível
identificar o espaço pleural preenchido por ar (seta azul
escura sinaliza a pleura parietal e a seta azul clara sinaliza
a pleura víscera colada no pulmão direito).
Adaptado de: HALLIFAX; JANSSEN, 2019.

Figura 05.2 – Radiografia de ombro direito. O pneumotó-


rax esta sinalizado com as setas brancas. As setas pretas
sinalizam fraturas na segunda costela, na terceira costela
e luxação da articulação acromiclavicular.
Fonte: SRIDHAR; RAPTIS; BHALLA, 2016.

Figura 05.3 – As imagens acima são de um paciente que deu entrada na emergência com dispneia e
dor. Após avaliação clínica foi cogitado o diagnóstico de pneumotórax espontâneo primário. A imagem
(A) é uma radiografia de tórax que evidência o pneumotórax à direita do paciente. Na imagem (B) é
possível identificar o pneumotórax e uma bolha enorme no lado direito.
Fonte: SWIERZY, M. et al., 2014.

Página 89
Além dos exames radiológicos citados anteriormente, a ultrassonografia está
sendo cada vez mais utilizada para realizar o diagnóstico de alterações torácicas decorren-
tes de trauma.
A utilização do FAST (um acrônimo da língua inglesa que pode ser traduzido como
‘’Avaliação Focalizada com Sonografia para Trauma’’) no contexto abdominal já está bem
estabelecida na literatura há muitos anos. Para avaliação torácica, utilizamos o E-FAST
(pode ser traduzido como FAST ampliado). Para fins didáticos, abordaremos apenas o E-
FAST no contexto do pneumotórax relacionado ao trauma torácico neste tópico.
A avaliação do pneumotórax é através de uma janela transtorácica, preferencial-
mente usando um transdutor linear, no segundo espaço intercostal na linha hemiclavicular
ou no quinto espaço intercostal (Figura 05.4). Até o momento, as evidências levam a crer
em uma maior sensibilidade do E-FAST para diagnosticar o pneumotórax do que a radiogra-
fia de tórax. Nesse contexto, o E-FAST possui 48%-77% de sensibilidade e 98,7%-99,8% de
especificidade.
Durante a avaliação ultrassonográfica, achados como ‘’cauda do cometa’’ e linhas
B são utilizados para excluir a condição (Figura 05.4 e 05.5). Um sinal extremamente sensí-
vel e específico para a confirmação do pneumotórax é a presença das linhas A (Figura 05.6 e
05.7).

Figura 05.4 – A imagem (A) demonstra as posições do transdutor para a avaliação do pneumotórax. Na
imagem (B) há alguns sinais de ausência do pneumotórax. Os artefatos da ‘’cauda do cometa’’ são
linhas finas, verticais hiperecóicas que surgem da linha pleural por uma curta distância (seta). As linhas
B são artefatos verticais e hiperecóicos que se estendem desde a linha pleural até a borda das imagens
sem desbotar (cabeças de seta). Os artefatos da cauda do cometa e as linhas B se movem em sincronia
com deslizamento do pulmão. Se houver linhas A e B sobrepostas, as linhas B apagarão as linhas A.
Fonte: WONGWAISAYAWAN et al., 2015.

Página 90
Figura 05.5 – Ultrassonografia
torácica com ausência de
pneumotórax. A seta está
apontando para um achado
denominado ‘’Linhas B’’.
Fonte:
PLATZ; FABRICANT; NOROTSKY,
2017.

Figura 05.6 – As linhas A (aste-


riscos) são artefatos que refle-
tem a pleura parietal que
aparecem como linhas horizon-
tais hiperecogênicas igualmen-
te espaçadas. Esse achado
acrescido com a avaliação
clínica é sugestivo de pneumo-
tórax.
Fonte: PLATZ; FABRICANT;
NOROTSKY, 2017.

Figura 05.7 – Exame sugestivo


de pneumotórax. Linhas A
apontadas pelas setas brancas.
Fonte: WONGWAISAYAWAN et
al., 2015.

Página 91
Manejo
Nesse tópico ainda existe bastante discussão sobre a conduta mais adequada.
Guidelines internacionais e as opiniões de especialistas são bastante variadas.
Pode-se considerar o tratamento conservador (observação clínica e acompanha-
mento com radiografias de tórax durante 12 a 24 horas) para pneumotórax ‘’simples’’ (Figu-
ra 05.1) em pacientes com estabilidade hemodinâmica. KONG, OOSTHUIZEN e CLARKE em
2015, relataram os resultados de 125 pacientes com pneumotórax secundários a facadas –
com média de menos de 2 cm nas radiografias de tórax. Desses 125 pacientes, apenas 4
(3%) necessitaram de colocação de dreno torácico.
De modo geral, indicam-se intervenções em casos de pneumotórax extenso ou
sintomáticos. A dúvida repousa justamente quando o paciente está assintomático, pois é
necessário definir o ‘’extenso’’. No contexto do trauma o recomendado é que a drenagem
torácica seja realizada em pneumotórax com volume maior que 400 milímetros ou 20%,
aqueles envolvendo mais de 2 fraturas de costela ou em pacientes que estão necessitando
de ventilação por pressão positiva.
Ainda no contexto da drenagem torácica, o tamanho do dreno a ser utilizado ain-
da é uma área de pesquisa em andamento. INABA e colaboradores, em 2015, mostraram
que os tubos menores (28-F ou 32-F) eram tão eficazes quanto os tubos maiores (36-F ou
40-F) na drenagem do pneumotórax. Um recente ensaio clínico randomizado (KULVA-
TUNYOU, et al. 2014) demonstrou que os drenos torácicos – no contexto de pneumotórax
isoladamente - 14-F eram equivalentes aos tubos torácicos 28-F acerca do sucesso na dre-
nagem e complicações relacionadas à inserção. No contexto do trauma torácico, os drenos
de 28 a 38 tem o mesmo efeito em traumas torácicos. Dessa forma, sugerimos que o dreno
a ser usado no trauma fosse de 28F a no máximo 34F.
Quando estamos diante de um pneumotórax hipertensivo, a conduta deve ser
rápida e direta. Imediatamente, deve ser feita uma toracocentese descompressiva, prefe-
rencialmente no 5 EIC entre a linha axilar anterior e linha axilar média, seguindo as novas
recomendações do último ATLS, baseando-se na metanálise de LAAN. Mostrou-se a alta
porcentagem de falha quando o procedimento é realizado no 2º EIC na linha hemiclavicular.
O pneumotórax aberto requer tratamento imediato no ambiente pré-hospitalar.
Um curativo oclusivo fixado em três lados é o tratamento inicial preferido para esta lesão.
No cenário pré-hospitalar, isso pode exigir a adição de descompressão da agulha se caracte-
rísticas hipertensivas se desenvolver após a aplicação do curativo. No departamento de
emergência, um dreno torácico deve ser colocado longe da lesão dos tecidos moles. O
reparo operativo do defeito do tecido mole é necessário para restabelecer os gradientes de
pressão intratorácica necessários para a ventilação (Quadro 05.1).
A aspiração foi descrita para o tratamento do pneumotórax espontâneo e, em al-
guns estudos, está sendo adotada no contexto do trauma, enquanto outros médicos usam a
oxigenoterapia para auxiliar na reabsorção intratorácica do ar. Embora esse último trata-
mento tenha sido utilizado há décadas, foi sugerido que a terapia com alta tensão de oxigê-
nio (> 60%) não é mais benéfica do que a cânula nasal de baixo fluxo padrão.

Página 92
Deste modo, é perceptível que ainda não foi determinado qual deve ser o regime
ideal de tratamento para pequenos pneumotórax. Independentemente da intervenção, o
passo mais importante no manejo é o monitoramento clínico para evitar a expansão do
pneumotórax.

Quadro 05.2 – Drenagem Torácica

Etapa Descrição

1 Se consciente, solicitar consentimento do paciente e explicar o procedimento.

2 Posicionar o paciente em decúbito dorsal, com o braço ipsilateral abduzido e a mão atrás da
cabeça, com elevação do dorso a 30º.

3 Inspecionar a parede do tórax procurando por sinais de infecção.

4 Identificar o local da incisão, que deve ser no quinto espaço intercostal, entre linha axilar
anterior e média, ao nível do mamilo.

5 Realizar paramentação cirúrgica: gorro, máscara cirúrgica, proteção ocular, avental estéril e
luvas cirúrgicas.

6 Realizar antissepsia com povidine ou clorexidine.

7 Posicionar campos cirúrgicos.

8 Realizar anestesia com lidocaína 2% na pele, periósteo (na borda superior da costela inferi-
or) e pleura.

9 Realizar incisão oblíqua de 1-2 cm com um bisturi nº 11 ou 15.

10 Fazer a dissecção dos planos (subcutâneo, musculatura intercostal, pleura) com uma pinça
Kelly.

11 Medir o comprimento do dreno da incisão à clavícula ipsilateral.

12 Marcar a extremidade distal com uma pinça Kelly de forma que o último orifício fique a,
pelo menos, 5 cm da marcação.

13 Usar outra pinça Kelly direcionando a extremidade proximal do dreno. Após isso, inserir o
dreno em direção cranial e posterior até que todos os orifícios dessa extremidade estejam
dentro da cavidade pleural.

14 Conectar o dreno ao sistema de selo d’água e colocá-lo abaixo da maca do paciente. O


frasco deve estar preenchido com 500 mℓ de soro fisiológico ou de água destilada.

15 Realizar sutura da pele com fio de algodão 2-0, realizando sutura em U.


Cortar a agulha do mesmo fio e dar um nó de bailarina para fixar o tubo.

Página 93
Continuação do Quadro 05.2
16 Fazer o curativo.

17 Verificar o sistema e solicitar radiografia de tórax.

Hemotórax
Hemotórax é definido como a presença de sangue no espaço pleural, podendo ser
decorrente tanto de trauma penetrante quanto contuso. O sangramento pode ser decor-
rente de lesão no parênquima pulmonar, vasos intercostais ou outros vasos da parede
torácica. O hemotórax simples não costuma ser fatal, porém está associado à elevada mor-
bidade (fibrotórax, por exemplo). A não evacuação completa do sangue pode resultar em
retenção de hemotórax, estando associado a uma taxa de empiema entre 27% e 33%.
O hemotórax maciço é uma condição que está associada a uma alta taxa de mor-
talidade e requer intervenção imediata. O hemotórax maciço é tipicamente o resultado de
lesões mais significativas, como as que envolvem a vasculatura pulmonar, grandes vasos ou
coração.

Diagnóstico
Durante o exame físico, sinais como diminuição da expansibilidade torácica, maci-
cez à percussão e diminuição dos murmúrios vesiculares. Apesar disso, pequenas quantida-
des de sangue (< 200~300 mililitros) raramente são detectadas durante o exame físico ou
durante uma radiografia de tórax. Caso seja realizada uma TC, ela permite identificar a
origem do sangramento, o volume de sangue e permite ainda avaliar lesões associadas.
A avaliação do hemotórax por meio do ultrassom utiliza duas janelas da avaliação
abdominal (esplenorrenal e hepatorrenal) com uma maior atenção para as estruturas acima
do diafragma (Figura 05.8). Alguns estudos sugerem que a sensibilidade do E-FAST na avali-
ação do hemotórax é superior que a radiografia de tórax. BROOKS e colaboradores em 2004
conduziram um estudo prospectivo acerca da utilidade da ultrassonografia no diagnóstico
de hemotórax em 61 pacientes vítimas de trauma. Os resultados encontrados foram: sen-
sibilidade de 92% e especificidade de 100%. Na maioria dos casos, o resultado da ultrasso-
nografia estava disponível para a equipe de trauma antes dos resultados da TC.

Figura 05.8 – Utilização da ultrassonografia para


detectar hemotórax no contexto do trauma (facada
ocasionando um trauma penetrante). Na imagem ao
lado, é possível observar o hemotórax acima do
diafragma e próximo ao fígado. Os achados são uma
área anecóica de sangue não coagulado (seta es-
querda) e sangue coagulado hiperecoico (seta
direita).
Fonte: MEYER, 2007.

Página 94
05.9 - Radiografia de tórax portátil
em decúbito dorsal obtido durante a
avaliação inicial do trauma de um
paciente. Um grande volume de
sangue no espaço pleural pode
aparecer como opacidade à medida
que o sangue se espalha posterior-
mente. A tomografia computadori-
zada desse mesmo paciente será
apresentada na Figura 05.10.
Fonte: BRODERICK, 2013.

Figura 05.10 - Tomografia de contraste do paciente da figura 05.9. Observe o hemotórax esquerdo de
grande volume e o extravassamento do contraste, indicando necessidade de intervenção imediata. Este
paciente teve uma lesão na artéria e veia subclávia esquerda.
Fonte: BRODERICK, 2013.

Manejo
Devido às complicações associadas ao hemotórax retido, o tratamento requer
drenagem torácica. Embora a colocação precoce do tubo não drene o tórax em até 5% dos
casos, essa taxa de falha aumenta drasticamente quando o tratamento é adiado mais de 24
horas após a lesão.
No hemotórax retido com falha na drenagem do dreno torácico, a instilação de
ativador de plasminogênio tecidual e desoxirribonuclease encontrou sucesso em 65% a 90%
dos casos. Este tratamento leva vários dias, no entanto, e está associado a febres e dor
pleurítica.
O tratamento inicial do hemotórax é o mesmo, simples ou maciço. Embora o vo-
lume ideal do hemotórax que requer drenagem ainda não tenha sido demonstrado na
literatura, deve-se considerar em pessoas com trauma torácico adicional, tais como fraturas

Página 95
múltiplas de costelas e pneumotórax. Dessa forma, todos os hemotórax devem ser conside-
rados para drenagem, independentemente do tamanho.
Indicações tradicionais para intervenção cirúrgica imediata em hemotórax trau-
mático agudo incluem a drenagem de mais de 1500 mL após a inserção do dreno ou drena-
gem de mais de 200 mL por hora nas primeiras 4 horas. No entanto, os parâmetros hemo-
dinâmicos e a condição geral do paciente deve ser o principal fator de intervenção cirúrgica,
ao invés do volume absoluto de drenagem inicial ou contínua saída pelo dreno torácico.
Após a colocação do dreno torácico, a adequação da drenagem deve ser avaliada
com radiografias de tórax diárias. Os drenos devem permanecer no local até que o escape
de ar de ar diminua e a drenagem seja de 200 mL ou menos por dia. Pacientes com opaci-
dades persistentes, que obscurecem o ângulo costofrênico, podem estar em risco de hemo-
tórax retido. Esses pacientes devem realizar uma tomografia computadorizada contrastada
de tórax para uma correta avaiação, pois as radiografias são insuficientes para determinar a
presença de hemotórax retido.
De modo geral, hemotórax retido maior que 300 mL é improvável que seja resol-
vido com a observação exclusiva e irão necessitar de intervenção cirúrgica. O objetivo da
intervenção (seja aberta ou por toracoscopia videoassistida) para o hemotórax retido é: (1)
evacuar o sangue retido e (2) liberar qualquer pulmão aprisionado para permitir a expansão
máxima.
Embora a toracotomia aberta seja considerada a terapia padrão-ouro para hemo-
tórax retido, a abordagem videoassistida (do inglês videoassisted thoracoscopic surgery -
VATS) é uma abordagem cada vez mais comum, devido aos benefícios da cirurgia minima-
mente invasiva. Dentre esses benefícios, temos: menor dor pós-operatória, melhorar a
função pulmonar, reduzir as complicações infecciosas pós-operatórias e encurtar o período
de recuperação. Dessa forma, a abordagem por vídeo é o tratamento de escolha para o
hemotórax retido.
Contusão Pulmonar
A contusão pulmonar geralmente ocorre em conjunto com lesão da parede torá-
cica. Nesse contexto, gostaríamos de ressaltar a definição de tórax instável: fratura de dois
ou mais arcos costais consecutivos em dois ou mais pontos. No exame pode ser identificada
a respiração paradoxal, em decorrência dessa instabilidade do arcabouço da caixa torácica.
O pulmão contundido frequentemente é comprometido e torna-se incapaz de
participar das trocas gasosas da respiração corretamente. Quando se trata de comprome-
timento respiratório primário, embora o pneumotórax possa produzir os sintomas mais
profundos imediatamente após o trauma torácico, a contusão pulmonar pode ser a lesão
mais destrutiva, pois estas estão associadas a 5% a 30% de mortalidade e são diretamente
causadoras em muitas dessas mortes.
Existem poucos sinais clínicos de contusão pulmonar. Traumas torácicos intensos
devem levantar suspeitas sobre a possível presença da contusão pulmonar e levar a uma

Página 96
investigação mais aprofundada. A contusão costuma progredir em 4 a 6 horas após o trau-
ma e desenvolve o efeito máximo em 24 a 48 horas.
Radiografias de tórax e tomografia computadorizada são os dois métodos para di-
agnosticar contusões pulmonares. Importante ressaltar que o aparecimento de contusão
pulmonar nas radiografias de tórax é frequentemente atrasado. Nesse contexto, a tomogra-
fia computadorizada provou ser um método mais preciso para diagnosticar contusões pul-
monares.
O tratamento da contusão pulmonar é de suporte, consistindo em oxigenoterapia,
restrição de fluidos, tratamento cuidadoso da dor e diurese apropriada com adequado
balanço hídrico.
Ao contrário do trauma penetrante, raramente é indicada a intervenção cirúrgica
para contusão pulmonar fechada. Em circunstâncias em que a contusão parenquimatosa é
grave o suficiente para produzir grandes regiões de necrose, a lobectomia pode ser realiza-
da para prevenir infecções ou melhorar a derivação; entretanto, mesmo após a intervenção,
a mortalidade chega a 50%.

Figura 05.11 – Radiografia de tórax portátil


após acidente de moto exibindo várias
fraturas de costela do lado esquerdo, bem
como contusões pulmonares comumente
subjacentes.
Fonte: PLATZ; FABRICANT; NOROTSKY, 2017.

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Página 98
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06
-Dani elPereir adeAlencarAra-
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-Bárbar aMat osdeCar valho
Borges.
-Ant onioVi ctorGouveiaAzeve-
dodosSant os.
O esôfago é um órgão tubular que mede cerca de 25 cm, anatomicamente divi-
dido em três partes: cervical, torácica e abdominal, sendo esta última a única com revesti-
mento seroso. Também é importante salientar que cada porção esofágica possui caracterís-
ticas próprias.
O trauma de esôfago é considerado raro, não somando nem 1% do total de aten-
dimentos por trauma. No entanto, quando ocorre, possui difícil diagnóstico, que somado a
pouca experiência dos cirurgiões em lidar com essas lesões, leva a uma alta taxa de mortali-
dade, sendo considerado um dos mais graves e letais traumas do sistema digestório.
Quando relacionado a causas externas, geralmente, vem acompanhado de lesões
importantes em estruturas adjacentes, como traqueia e vasos nobres, impactando direta-
mente na morbidade e mortalidade.
Mecanismo do Trauma
As lesões por trauma podem advir de mecanismos penetrantes ou contusos. Entre
as causas penetrantes (consideradas mais comuns), podemos destacar as lesões por arma
de fogo (43 a 95%) e por armas brancas. No trauma penetrante, frequentemente estruturas
adjacentes são atingidas, e até 90% dos pacientes apresentam lesões associadas em trato
respiratório ou vasculares.
Já as lesões contusas são bem menos frequentes e relacionadas a mecanismos de
transferência intensa de energia e desaceleração, como acidentes automotivos. Em cada
porção esofágica podem ocorrer diferentes traumas devido ao mecanismo contuso. Por
exemplo, na porção cervical a hiperextensão ou a compressão pelo cinto de segurança
podem causar laceração do órgão. Já no segmento torácico, a lesão pode ser causada pela
compressão do esôfago entre o esterno e as estruturas posteriores, como corpos vertebrais
e, por não haver camada serosa nessa porção, sua ruptura poderia levar a uma contamina-
ção torácica. Por fim, na porção abdominal, pode ocorrer ruptura esofágica devido ao au-
mento da pressão intraluminal por compressão extrínseca, além de poder ocorrer perfura-
ção devido a fragmentos ósseos, advindos de fraturas.
O esôfago é mais do que um simples canal para condução do alimento ao estôma-
go, ele é utilizado como acesso a outros órgãos do trato gastrointestinal superior para reali-
zação de exames e procedimentos como esofagogastroduodenoscopia, ecoendoscopia,
ecocardiograma transesofágico, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE),
dentre outros. Com a evolução tecnológica e desenvolvimento de novas técnicas, cada vez
mais procedimentos endoscópios são feitos e, consequentemente, ocorre o aumento do
risco de lesionar esse órgão durante os exames, tornando a lesão iatrogênica a principal
causa de trauma esofágico.
Outra forma de trauma é a ruptura esofagiana por aumento abrupto da pressão
intraluminal devido a esforços de vômitos e contrações diafragmáticas (Valsava) com o
piloro fechado por repetidas vezes, recebendo o nome de síndrome de Boerhaave, podendo
levar uma mortalidade entre 20 e 45% a depender tempo entre o seu aparecimento e a

Página 100
intervenção adequada. Essa ruptura ocorre principalmente no terço inferior do esôfago à
esquerda, ocasionando o extravasamento de conteúdo e uma contaminação grosseira do
mediastino e da cavidade pleural, levando a uma mediastinite química e bacteriana, com
um quadro de sepse grave seguido de falência de múltiplos órgãos.
Diagnóstico
Como já foi citado, o diagnóstico de lesões esofágicas é bastante difícil e requer a
suspeita imediata do médico que realiza o atendimento à vítima. Alguns sinais e sintomas
sugestivos devem ser prontamente investigados, como dor local, que é o sintoma mais
comum, febre, dispneia e crepitações. Em situações mais graves, podem ser observados
abscesso cervical, peritonite ou mediastinite, levando a um pior prognóstico, podendo
cursar com sepse associada. Em ferimentos transfixantes de linha média, a lesão esofágica
deve ser sempre suspeitada.
Nesses casos, o tempo do trauma até o tratamento é muito importante e deve ser
o mais curto possível, sendo diretamente relacionado com a evolução e prognóstico do
caso. Devido a isso, precisa-se lançar mão de métodos diagnósticos, como a radiografia, a
tomografia computadorizada e a endoscopia digestiva alta. Caso o paciente apresente
instabilidade hemodinâmica em traumas abdominais, a indicação de laparotomia explorató-
ria passa a ser o meio diagnóstico e terapêutico.

Radiografia
Esse método de imagem é um dos primeiros a ser usado, principalmente pela sua
facilidade de execução e por ser um método barato. Pode ser feito contrastado ou não, e
apresenta sinais indiretos de lesões de vísceras ocas, como o esôfago. Os principais sinais
são enfisema subcutâneo, pneumotórax, pneumomediastino, efusão pleural e ar subfrêni-
co. No entanto, em 12 a 33% dos casos, as radiografias podem não apresentar nenhuma
anormalidade.
A utilização do esofagograma pode ser uma alternativa por identificar a lesão por
meio do extravasamento do contraste, sendo indicado o contraste hidrossolúvel à base de
iodo, só afetando indivíduos alérgicos ao componente.

Tomografia computadorizada
A Tomografia Computadorizada (TC) multislice é um dos métodos principais na in-
vestigação do trauma esofágico em indivíduos estáveis hemodinamicamente, devido a sua
capacidade de investigar amplamente todas as lesões associadas. Além disso, nos traumas
penetrantes, ela possibilita definir o trajeto dos projéteis de arma branca ou de fogo. O
principal achado desse exame no trauma torácico seria o pneumomediastino.

Página 101
Figura 06.1 - Tomografia mostran-
do ar extraluminal cervical (seta
branca) e ar no canal medular
(seta preta). B: Extensa coleção de
ar em contato com a parede
esofágica.
Fonte: GRACIANO, 2013.

Endoscopia Digestiva Alta


Possuindo uma sensibilidade de 96 a 100% e uma especificidade de 92 a 100%, a
endoscopia flexível possui a capacidade de visualizar diretamente a lesão e determinar sua
localização e extensão. A diminuição da acurácia em identificar lesões pequenas ou no terço
superior do esôfago são desvantagens desse método. Atualmente, pode ser feita a terapia
endoscópica de pequenas lesões e com pouca contaminação.
De acordo com o mecanismo de trauma, deve ser realizado um seguimento do pa-
ciente avaliando prioritariamente seu estado hemodinâmico, como mostrado no fluxograma
abaixo.

Fluxograma 06.1 – Conduta no trauma esofágico com base no mecanismo do trauma.

Página 102
Classificação
O trauma esofágico pode ser classificado de acordo com o tamanho da área afe-
tada, baseando-se na escala proposta pela American Association for the Surgery of Trauma
(AAST). Essa classificação tem como objetivo identificar a gravidade da lesão, além de auxi-
liar na decisão da conduta a ser efetuada.

Quadro 06.1 - Classificação das lesões por trauma esofágico de acordo com a AAST

Grau Lesão

I Contusão/Hematoma ou laceração com espessura parcial

II Laceração de espessura total envolvendo menos que 50% da circunferência do órgão

III Laceração de espessura total envolvendo mais que 50% da circunferência do órgão

IV Perda de segmento ou desvascularização de menos que 2cm

V Perda de segmento ou desvascularização de mais que 2cm

Tratamento
A principal forma de tratamento é a abordagem cirúrgica; entretanto, como esse
trauma é muitas vezes concomitante a outros acometimentos, é necessário estabilizar o
paciente, de forma que se deve considerar suporte ventilatório, hidroeletrolítico, antibioti-
coterapia e, se possível, esvaziamento do conteúdo gástrico.
O tratamento cirúrgico é realizado de acordo com o grau da lesão e com o seg-
mento acometido (cervical, torácico ou abdominal). Além disso, a abordagem deve ser
realizada durante o período de até 24 horas.

Abordagem de acordo com o grau da lesão


Em lesões grau I-III é possível realizar o reparo primário da lesão; entretanto caso
não seja possível, devido à contaminação, instabilidade hemodinâmica ou tratamento tar-
dio, um tubo em “T” (dreno de Kehr, por exemplo) pode ser usado para auxiliar na aborda-
gem, criando uma fístula temporária e de resolução geralmente espontânea. Mesmo sendo
rara a sua utilização, seus resultados têm sido bastante satisfatórios.
Já nos graus IV e V, é recomendada a técnica de derivação esofágica (Figura 06.2).
Com essa abordagem, cria-se uma ostomia do esôfago, permitindo a ressecção da área
lesada e, em uma segunda intervenção, é feita a reconstrução do trânsito. Essa técnica é
preferível em relação à esofagectomia com reconstrução imediata, devido ao tempo cirúr-
gico prolongada e a alta complexidade operatória dessa última.

Página 103
Figura 06.2: Derivação esofágica,
evidenciando etapa de realização de
esofagostomia. O sítio do estoma é
baseado no tamanho da área viável
de esôfago, sendo na imagem acima
realizado abaixo da clavícula.
Fonte: RAYMOND, 2008

Abordagem de acordo com a área acometida


Em lesões que atingem o esôfago cervical, a incisão deverá ser realizada na borda
medial do músculo esternocleidomastóideo esquerdo, podendo ainda ser realizada pelo
lado direito ou transversa (em colar), caso haja impossibilidade de acesso pelo lado esquer-
do ou lesão traqueal concomitante, respectivamente. Essas lesões possuem melhor prog-
nóstico em relação aos outros segmentos, com o tratamento podendo ser realizado com
drenagem somente ou com desbridamento e sutura primária (em dupla camada: podendo
utilizar-se fio absorvível ou não absorvível na mucosa e somente fio absorvível na camada
muscular, sempre com pontos separados). As esofagorrafias devem sempre ser submetidas
à drenagem por mecanismos de sucção ou de capilaridade (Penrose). Recomenda-se ainda
a passagem de sonda nasoenteral (SNE) guiada cirurgicamente. Quando for optado pela
esofagectomia, deve-se realizar uma gastrostomia para descompressão gástrica e uma
jejunostomia para nutrição.
No esôfago torácico, deverá ser realizada toracotomia direita quando atinge os
primeiros dois terços do esôfago e toracotomia esquerda quando atinge o último terço
esofágico. O reparo deverá ser primário com uso de retalho pleural, pericárdico, omento,
fundo gástrico, músculo intercostal ou diafragma, como forma de prevenir vazamento ou
fístulas. Em lesões maiores ou contaminadas, a exclusão esofágica é indicada e, em casos de
mediastinite, deve-se realizar a esofagectomia com drenagem ampla e esofagostomia pro-
ximal.
Por fim, em lesões no segmento do esôfago abdominal, é importante salientar
que o acesso a esse órgão é complexo, sendo necessária a divisão do ligamento triangular
esquerdo e dos vasos gástricos curtos, que permitem a mobilização do lobo esquerdo do
fígado e da junção gastroesofágica, respectivamente. Em seguida, o reparo por sutura pri-
mária é preferido, podendo utilizar como reforço a fundoplicatura de Nissen ou Dor.

Página 104
Cuidados Pós-Operatórios
Após a abordagem cirúrgica é recomendada a restrição de alimentação por via
oral por 5-7 dias, mantendo-se a nutrição pela SNE. Com a confirmação por imagem (esofa-
gograma) da ausência de fístula, a alimentação via oral poderá ser iniciada.
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Página 105
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A anatomia é uma ciência fundamental no estudo do trauma. Dessa forma,
iremos iniciar as discussões acerca do trauma gástrico e duodenal realçando aspectos
anatômicos.
Estômago: está localizado no epigastro, mas pode ocupar outras áreas do abdô-
men, dependendo do seu grau de distensão, fase da excursão diafragmática. O estômago é
adjacente ao lobo esquerdo do fígado, diafragma, cólon e parede abdominal anterior.
Posteriormente, o estômago é adjacente ao pâncreas, baço, rim esquerdo e glândula adre-
nal, artéria esplênica, diafragma esquerdo, mesocólon transverso e cólon.
O suprimento de sangue do estômago é proveniente das artérias gástricas. A ar-
téria gástrica esquerda, que é derivada da artéria celíaca, percorre a curvatura menor do
estômago e anastomosa com a artéria gástrica direita, que é um ramo da artéria hepática
comum. As artérias gastroepiplóicas direita e esquerda surgem da artéria gastroduodenal e
das artérias esplênicas, respectivamente, se anastomosam ao longo da curvatura maior do
estômago. As artérias gástricas curtas surgem da artéria esplênica e suprem o fundo do
estômago.
Duodeno: o duodeno é principalmente um órgão retroperitoneal que começa no
piloro e termina no ligamento de Treitz. O duodeno mede aproximadamente 20 cm e
consiste em quatro segmentos. A primeira porção é orientada transversalmente, iniciando
no piloro e terminando no ducto biliar comum. A segunda porção corre inferiormente à
ampola de Vater, a terceira porção transversalmente à artéria e veia mesentérica superior
e a quarta porção se estende ao ponto em que o duodeno emerge do retroperitônio para
se juntar ao jejuno na borda esquerda da segunda vértebra lombar.
Epidemiologia
O mecanismo da lesão origina a natureza e o nível de gravidade da lesão. Varian-
do desde pequenas contusões à completa desvascularização, de lesões contundentes e
pequenas perfurações até a desvascularização por lesões penetrantes.
Lesões gástricas no trauma são, em sua maioria, associadas a trauma penetrante,
sendo raras nos traumas fechados com incidência de 0,02 a 1,7%. Quando presente em
traumas contusos, a associação com outras lesões é comum, extra ou intra-abdominais,
sendo a lesão esplênica a associação mais comumente visualizada.
As lesões duodenais são menos comuns, porém quando ocorrem apresentam al-
tas taxas de morbidade e mortalidade. Além do mecanismo da lesão, no trauma duodenal
tempo entre o trauma, o diagnóstico e o tratamento influenciam na evolução do caso.
Visto que a alta taxa de complicações associadas a este tipo de lesão se deve à demora no
diagnóstico e/ou lesões despercebidas, originadas da natureza insidiosa de algumas lesões
duodenais, além de sua localização anatômica retroperitoneal. Na maioria das vezes é
resultado de lesão penetrante. Em 20% dos casos ocorrem lesões associadas com o pân-
creas, o que piora sobremaneira o prognóstico.

Página 107
Mecanismo da lesão
As lesões podem ser originadas por traumas fechados/contundentes/contusos
(colisão de veículos, atropelamentos, quedas) ou trauma aberto/penetrante por armas
brancas (facas, tesosuras e etc) ou por arma de fogo (PAF).
A maioria das lesões gástricas e duodenais por trauma fechado, ocorre devido a
acidentes automobilísticos associado ao mau posicionamento do cinto de segurança de
duas pontas e / ou na posição do passageiro do banco da frente.
Uma revisão prospectiva multicêntrica de 95 centros de trauma pela Associação
Oriental para a Cirurgia de Trauma (EAST Hollow Viscus Injury in Blunt Trauma Study) iden-
tificou 275.557 internações por trauma e descobriu que pacientes envolvidos em um aci-
dente de automóvel, têm uma probabilidade 1,5 vezes maior de apresentar uma lesão
gástrica e duodenal em comparação com outros mecanismos de trauma abdominal contu-
so.

Avaliação clínica
Com frequente associação com uso de bebidas alcoólicas, uso de entorpecentes e
trauma de alto impacto, muitas vezes o exame físico do paciente pode não ser confiável, e
a história clínica pode ser inespecífica.
Portanto, diante de qualquer informação sobre golpe e/ou lesão em região epi-
gástrica, deve-se suspeitar de trauma gástrico, duodenal e/ou pancreático. O mecanismo
de trauma em acidentes automobilísticos requer avaliação do veículo e do modo da coli-
são, sendo esta uma etapa importante, visto que informações sobre o acidente e possíveis
vítimas no local também denotam gravidade ao trauma. Em ferimentos penetrantes, deve-
se avaliar o objeto que penetrou na cavidade.
Manobras no exame físico que evidencia irritação peritoneal podem identificar
lesões intra-abdominais associadas, visto que a peritonite só ocorre quando há extravasa-
mento de líquidos do retroperitônio para a cavidade peritoneal. Ao examinar um abdome,
presença de equimose na parede abdominal, marca do cinto de segurança e fratura da
coluna torácica inferior e das lombares superiores aventam a hipótese de lesão abdominal,
e esses órgãos podem ou não estar acometidos. O aumento de dor abdominal, sensibilida-
de, leucocitose e amilase, além de vômitos persistentes e hipotensão inexplicada, podem
sugerir lesões gástricas e duodenais não diagnosticadas.
Diagnóstico
O diagnóstico torna-se mais evidente se o paciente tiver alguma outra indicação
de laparotomia, no qual a maioria dos diagnósticos de traumas gástricos e duodenais são
feitos, no entanto, se não houver indicação, o seguimento deve ser feito com investigação
por meio de exames de imagem.
Em relação aos exames de imagem, o uso da radiografia tem uma sensibilidade e
especificidade baixa para trauma gástrico e duodenal, sendo pouco utilizado na prática.
Essa técnica pode levar ao diagnóstico apenas em um terço dos casos ao apresentar sinais

Página 108
que indicam perfuração de vísceras ocas e extravasamento de gás, como pneumoperitônio,
retropneumoperitônio e apagamento do músculo psoas.
O exame utilizado no diagnóstico é a Tomografia Computadorizada de abdome e
pelve com contraste, apresentando sensibilidade de 76 a 82%, dependendo da qualidade
do exame nas lesões. Para melhor visualização do estômago e duodeno, o contraste pode
ser injetado via sonda nasogástrica, podendo conter os achados de ar retroperitoneal,
extravasamento de contraste e borramento de gordura e fluidos localmente.
Além de diagnosticar a lesão, esse exame é importante para definir a conduta de
acordo com os achados, sendo a perfuração duodenal a principal indicação cirúrgica. A
laparotomia avaliativa somente é realizada quando houver diagnóstico de hemorragias e
lesões associadas que necessitam de controle e quando a abordagem do duodeno ocorrer
frente a hematoma retroperitoneal e trajetória próxima do ferimento penetrante.
Tratamento
Todo paciente que necessita realizar a laparotomia exploratória após o trauma,
deve ser minuciosamente inspecionado desde a junção gastroesofágica até o reto, passan-
do por estômago, duodeno, intestino desde o ligamento de Treitz até a válvula ileocecal,
além de todo o intestino grosso e seu mesentério.
A decisão fundamental a ser tomada em cada paciente é: controle de danos ou
cirurgia definitiva. A decisão dependerá do contexto, isto é, o padrão de lesão, o status
fisiológico do paciente e a natureza e o volume de outros pacientes aguardando. Se for
tomada uma decisão para "controlar o dano" do paciente, o procedimento em lesões
viscerais é geralmente simples.
O estômago exigirá fechamento por sutura hemostática; o restante do intestino
geralmente será tratado ressecando o intestino danificado e deixando-o grampeado ou
amarrado em descontinuidade. A cirurgia intestinal definitiva pode ser realizada na cirurgia
de reexame (“re-look laparotmy”), quando o paciente deve estar em um estado fisiológico
melhor.
Em relação ao trauma gástrico, na laparotomia, o estômago deve ser levantado e
tracionado pela sua curvatura maior por meio de duas pinças Babcock, para que a superfí-
cie anterior seja inspecionada. A Bolsa Omental deve ser visualizada através da secção do
Omento Maior, assim o estômago pode ser levantado, permitindo a visualização de sua
superfície posterior, como também o corpo e a cauda do pâncreas.
Esse órgão é altamente vascularizado e suas lesões podem levar a hemorragia in-
tensa e com risco à vida. A conduta a ser tomada é definida por meio da Classificação
proposta pela AAST, demonstrada no Quadro 07.1.

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Quadro 07.1 - Classificação anatômica de gravidade das lesões gástricas, segundo a AAST

Grau Lesão

I Contusão ou hematoma sem desvascularização ou laceração superficial sem perfuração

II Laceração: < 2cm na junção gastroesofágica ou piloro; < 5cm no 1/3 proximal do estôma-
go; < 10cm no 2/3 distal do estômago

III Laceração: > 2cm na junção gastroesofágica ou piloro; ≥ 5 cm 1/3 proximal do estômago; ≥
10 cm no 2/3 distal do estômago

IV Laceração: perda de tecido ou desvascularização ≤ 2/3 do estômago

V Laceração: perda de tecido ou desvascularização ≥ 2/3 do estômago

Todas as lacerações do estômago devem ser reparadas com sutura contínua com
fio não absorvível 2-0 ou 3-0. Lesões gástricas simples podem ser minimamente debridadas
e fechadas (estágio I,II, III), enquanto que lesões mais complexas (estágio IV e V) devem ser
controladas por ressecção não anatômica, com reconstrução adiada para a próxima laparo-
tomia (re-look laparotomy).
Importante ressaltar que em lesões gástricas penetrantes em que se encontra
orifício na porção anterior do estômago, deve-se procurar o orifício de saída na superfície
posterior do órgão. Se este não for encontrado, deve-se inspecionar o estômago por den-
tro. Também deve ser inspecionado a curvatura maior e menor, onde uma pequena lesão
pode passar despercebida pelos envelopes gordurosos da vasculatura gástrica. Não deve
ser esquecido o exame do fundo gástrico, que podem conter lesões associados a traumas
penetrantes toracoabdominais.

Figura 07.1 - Espessamento da parede do


corpo gástrico (seta) após trauma abdo-
minal fechado. Nesse caso, a cirurgia não
foi necessária.
Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSAN-
DRO, 2017.

Página 110
Figura 07.2 – (A) Pneumatose gástrica isolada (setas) após trauma abdominal fechado. Nesse caso,
houve recuperação espontânea; (B) - Sangue no lúmen gástrico (seta). Acompanhamento sem cirurgia.
Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSANDRO, 2017.

Figura 07.3 – Hematoma Parietal após trauma abdominal fechado. (A) Espessamento com alta ate-
nuação na camada externa da parede gástrica (setas). Acompanhamento com cirurgia subsequente
por piora dos sintomas e peritonite; (B) Hematoma da camada externa da parede gástrica confirmado
durante procedimento cirúrgico.
Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSANDRO, 2017.

Figura 07.4 – Ruptura Gástrica após trauma abdominal fechado. (A) Ruptura da parede gástrica (seta
branca). Líquido peritoneal om componentes hiperdensos homogêneos do sangue (seta preta), pneu-
moperitônio com bolha de gás localizada próximo a lesão gástrica (cabeça de seta preta). (B) Ruptura
gástrica confirmada durante cirurgia. Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSANDRO, 2017.

Página 111
Figura 07.5 – As imagens são de dois pacientes diferentes. (A,B) Intraoperatório mostrando rotura da
parede anterior do corpo gástrico após trauma abdominal fechado. (C) Intraoperatório após trauma
abdominal aberto por arma branca.
Fonte: (A,B) NUNES, et al., 2016. (C) ABOOBAKAR, et al., 2017.

Em relação ao trauma duodenal, na laparotomia, o duodeno deve ser cuidado-


samente inspecionado desde o piloro até o ligamento de Treitz. Caso haja algum hemato-
ma, torna-se obrigatória a realização da manobra de Kocher para inspecionar a superfície
posterior do duodeno. Uma pinça Duval é útil para promover a tração suave adequada ao
manusear o duodeno. A presença de secreção retroperitoneal, é fortemente sugestiva de
lesão duodenal ou bilo pancreática e deve ser investigada.
Para uma visualização adequada do órgão, além da manobra de Kocher para vi-
sualizar a segunda parte do duodeno, uma rotação visceral medial pode ser usada para
expor toda a parte transversal do duodeno. Alternativamente, a quarta parte do duodeno
pode ser mobilizada dividindo o ligamento de Treitz e dissecando-o suavemente com o
dedo indicador direito no plano avascular atrás do duodeno transverso. Combinando isso
com a manobra de Kocher, os dedos indicadores podem ser reunidos de ambos os lados e,
assim, excluir uma perfuração posterior da parte transversal do duodeno.
A maioria das lesões duodenais pode ser tratada com reparo simples. Lesões
mais complicadas podem exigir técnicas mais sofisticadas. As lesões duodenais de alto risco
são seguidas por uma alta incidência de deiscência da linha de sutura e seu tratamento

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deve incluir desvio duodenal. O manejo de todas as lacerações desse órgão de espessura
total deve incluir drenagem periduodenal externa adequada. A pancreaticoduodenectomia
é praticada apenas se não houver alternativa disponível. O "controle de danos" deve pre-
ceder a reconstrução definitiva.
A conduta a ser tomada vai depender da classificação de gravidade da lesão duo-
denal segundo a AAST, como mostrada no Quadro 07.2.

Quadro 07.2 - Classificação anatômica de gravidade das lesões duodenais, segundo a AAST

Grau Lesão

I Hematoma em apenas uma porção duodenal ou laceração superficial sem perfuração.

II Hematoma em mais de uma porção e laceração pequena, acometendo menos de 50%


da circunferência.

III Laceração de 50-75% da segunda porção duodenal ou de 50-100% da primeira, terceira


e quarta porções duodenais.

IV Laceração de 75-100% da segunda porção duodenal ou ruptura do ducto colédoco distal


ou ampular.

V Desvacularização duodenal e destruição maciça do duodeno

Do ponto de vista prático, o duodeno pode ser dividido em uma porção ‘'superi-
or'’ que inclui a primeira e a segunda partes (D1 e D2) e outra porção '’inferior’' que inclui a
terceira e quarta partes (D3 E D4). A porção ‘'superior'’ possui estruturas anatômicas com-
plexas (o ducto biliar comum e o esfíncter) e o piloro. Exige manobras distintas para diag-
nosticar lesões (colangiograma e inspeção visual direta) e técnicas complexas para repará-
las.
A primeira e a segunda porções do duodeno são densamente aderentes e de-
pendentes do suprimento de sangue na cabeça do pâncreas; portanto, o diagnóstico e o
tratamento de qualquer lesão são complexos e a ressecção, a menos que envolva toda a
alça 'C' e a cabeça do pâncreas, é impossível. A porção "inferior" que envolve a terceira e
quarta parte do duodeno geralmente pode ser tratada como o intestino delgado, e o diag-
nóstico e o tratamento da lesão são relativamente simples, incluindo desbridamento,
fechamento, ressecção e anastomose.
Em relação à abordagem Cirúrgica, algumas características da lesão são impor-
tantes e devem ser levadas em conta, como a relação anatômica com a ampola de Vater, a
característica da lesão ( laceração simples ou destruição da parede duodenal), a extensão
duodenal acometida e se a lesão duodenal está associada com lesão de trato biliar, pan-
creática ou da vasculatura adjacente. O tempo da operação também é muito importante,

Página 113
pois a mortalidade aumenta de 11% para 40% se o intervalo de tempo entre lesão e opera-
ção for superior a 24 horas.
Em caso de lacerações duodenais, a grande maioria das perfurações e lacerações
duodenais podem ser conduzidas com procedimentos cirúrgicos simples. Isso é particular-
mente verdade com lesões penetrantes, quando o intervalo de tempo entre a lesão e a
operação é normalmente curto. Por outro lado, a minoria é de 'alto risco', por exemplo,
com maior risco de deiscência do reparo duodenal, aumento da morbidade e, às vezes,
mortalidade. Essas lesões estão relacionadas à lesão pancreática associada, lesão contusa
ou por projétil, envolvimento de mais de 75% da parede duodenal, lesão da primeira ou
segunda parte do duodeno, intervalo de tempo superior a 24 horas entre lesão e reparo, e
lesão do ducto biliar comum associada.
Nessas lesões de alto risco, vários procedimentos cirúrgicos adjuntos foram pro-
postos para reduzir a incidência de deiscência da linha de sutura duodenal. Os métodos de
reparo do trauma duodenal, bem como os procedimentos de "suporte" contra a deiscên-
cia, estão descritos abaixo.

Reparação da Laceração
A maioria das lesões do duodeno pode ser reparada pelo fechamento primário
em uma ou duas camadas. Indicada para lesões tipo I e II. O fechamento deve ser orienta-
do transversalmente, se possível, para evitar comprometimento luminal. Inversão excessi-
va deve ser evitada e as duodenotomias longitudinais geralmente podem ser fechados
transversalmente se o comprimento da lesão duodenal for inferior a 50% da circunferência
do duodeno. Se o fechamento primário comprometer o lúmen do duodeno, várias alterna-
tivas serão recomendadas, como o enxerto de mucosa pediculado, como método de fe-
chamento de grandes defeitos duodenais, tem sido sugerido, usando um segmento de
jejuno ou um retalho de ilha gástrica do corpo do estômago.
Uma alternativa é o uso de um enxerto seroso jejunal para fechar o defeito duo-
denal. A serosa da alça do jejuno é suturada nas bordas do defeito duodenal. Embora
encorajadora em estudos experimentais, a aplicação clínica de ambos os métodos tem sido
limitada, sem resultados benéficos, e vazamentos na linha de sutura foram relatados.

Transecção completa do Duodeno


O método preferido de reparo é geralmente a anastomose primária das duas ex-
tremidades após desbridamento e mobilização adequados do duodeno. Esse é frequente-
mente o caso de lesões da primeira, terceira ou quarta parte do duodeno, onde a mobiliza-
ção tecnicamente não é difícil. No entanto, se uma grande quantidade de tecido for perdi-
da, a aproximação do duodeno pode não ser possível sem produzir tensão indevida na
linha de sutura.
Se esse for o caso, e a transecção completa ocorrer na primeira parte do duode-
no, é recomendável realizar uma antrectomia com fechamento do coto duodenal e uma
gastrojejunostomia Billroth II. Quando essa lesão ocorre distalmente à ampola de Vater, o

Página 114
fechamento do duodeno distal e a anastomose duodenojejunal em Y- Roux é apropriado. A
mobilização da segunda parte do duodeno é limitada pelo suprimento sanguíneo comparti-
lhado com a cabeça do pâncreas. Uma anastomose direta a uma alça em Y de Roux sutura-
da sobre o defeito duodenal de maneira de ponta a ponta é o procedimento de escolha.
A drenagem externa deve ser fornecida em todas as lesões duodenais, pois per-
mite a detecção e o controle precoce da fístula duodenal. O dreno é de preferência um
sistema fechado simples, de borracha de silicone macio, colocado adjacente ao reparo.

Desvio Duodenal
Nas lesões duodenais de alto risco, o reparo duodenal é seguido por uma alta in-
cidência de deiscência da linha de sutura. Para proteger o reparo duodenal, o conteúdo
gastrointestinal - com suas enzimas proteolíticas - pode ser desviado com uma gastrojeju-
nostomia; essa é uma prática que também facilitaria o manejo de uma potencial fístula
duodenal. Indicada para lesçoes grau III. A evidência para esse procedimento é ambígua,
embora ainda haja um papel em casos selecionados.

Figura 07.1 – Reparos e


reconstruções no trauma
duodenal. A. Lesão duode-
nal com reparo simples. B.
Lesão da primeira porção
duodenal com reconstrução
em Billroth I e II. C. Lesão na
segunda porção duodenal
sem possibilidade de reparo
primário, com reconstrução
em Y de Roux. Avaliar a
ampola de Vater. Lesão na
terceira e quarta porções
sem possibilidade de reparo
primário. É preferível a
anastomose primária,
porém, se não for possível,
realizar Y de Roux.
Fonte: Adaptado de RIBEI-
RO JÚNIOR, 2016.

Diverticulização do Duodeno
Este procedimento inclui gastrectomia à Billroth ll, fechamento do coto duode-
nal, passagem de sonda gastroduodenal para drenagem, drenagem externa segura da
lesão duodenal reparada. deve ser adicionada vagotomia troncular e drenagem da via
biliar. Esta conduta, contudo, deve ser evitada em pacientes hemodinamicamente instaveis
ou com muitas lesões, por ser um procedimento muito prolongado.

Página 115
Exclusão Pilórica
Amplamente relatado, a exclusão pilórica tem sua indicação no tratamento da
severa lesão combinada duodeno-pancreática, sem lesão da papila ou do ducto biliar co-
mum. A técnica consiste no fechamento interno do piloro, com fio absorvível de curta
duração, para desvio de secrecões da lesão duodenal reparada. Uma alternativa consiste
no uso de grampeador, não cortante, na exclusão pilórica. O conteúdo gástrico deve ser
descomprimido e drenado através de uma gastrojejunostomia.

Pancreaticoduodenectomia (procedimento de Whipple)


Este é o maior procedimento a ser praticado em trauma, apenas se nenhuma al-
ternativa estiver disponível. Indicado nas lesões de grau V. O controle de danos com con-
trole de sangramento e contaminação intestinal e ligação dos ductos biliares e pancreáti-
cos comuns deve ser a regra. A reconstrução deve ocorrer em 48 horas ou quando o paci-
ente estiver estável. Dano local extensivo das lesões intraduodenais ou intrapancreáticas
do ducto biliar exige frequentemente uma pancreatoduodenectomia em estágios. Lesões
locais menos extensas podem ser tratadas por stent intraluminal, esfincteroplastia ou
reimplante da ampola de Vater.
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O trauma pancreático ocorre em 0,2% dos pacientes vítimas de trauma abdo-
minal fechado e 1%~12% dos pacientes com trauma penetrante. Essas lesões possuem
como peculiaridade o fato do pâncreas ser um órgão localizado no retroperitônio, tornando
essa lesão de difícil diagnóstico e complicada identificação precoce, proporcionando uma
maior morbidade e mortalidade.
Aproximadamente 60% dos traumas pancreáticos são decorrentes de acidentes
envolvendo veículos. Em adultos, o acidente ocorre principalmente quando há o impacto
abdominal com o volante do veículo automotor, enquanto nas crianças o acidente ocorre
após impacto abdominal no guidão da bicicleta.
Com base nisso, a suspeita dessa lesão por meio do mecanismo de trauma de ser
levado em consideração, devendo ocorrer uma busca ativa para o seu diagnóstico precoce.
Importante ressaltar que a maioria dos traumas pancreáticos não ocorre de forma isolada,
podendo ter lesões em outros órgãos abdominais (como baço, fígado e rins) em mais de
50% dos casos – no caso de trauma penetrante é de quase 100%.
Esse tipo de trauma é caracterizado por uma alta morbimortalidade. Na literatura,
a morbidade varia de 30% a 40%, sendo principalmente relacionada a lesões em outros
órgãos abdominais concomitantemente.
A mortalidade imediata do trauma pancreático está relacionada principalmente
com o choque hemorrágico, devido lesão vascular relacionada. Após 48 horas, a mortalida-
de está mais relacionada à infecção e complicações decorrentes do trauma, por exemplo,
sepse.
Estima-se que a lesão pancreática possua uma mortalidade de cerca de 11% se for
diagnóstica antes das primeiras 24 horas e cerca de 40% se diagnosticada após esse perío-
do. Além dessa relação temporal, mortalidade depende também de lesões em outros ór-
gãos abdominais e do mecanismo do trauma.
Anatomia
A anatomia do pâncreas possui uma importante relação com suas estruturas adja-
centes, sendo muito incomum um trauma isolado desse órgão. Trata-se de um órgão retro-
peritoneal localizado principalmente em região epigástrica e que possui contato com estô-
mago, fígado, duodeno, baço, rins e estruturas colônicas, além de importantes vasos, como
veia cava inferior, veia porta, vasos mesentéricos superiores e artéria aorta abdominal.
Esse órgão pode ser dividido em 5 partes: cabeça, processo uncinado, colo, corpo
e cauda. Possuindo uma ampla vascularização, onde a cabeça pancreática é irrigada pelas
artérias pancreaticoduodenais anteriores e posteriores e por ramos da artéria mesentérica
superior. Além disso, o pâncreas também é irrigado por ramos da artéria esplênica. Devido
a essa vascularização abundante, os traumas pancreáticos são lesões sujeitas a um sangra-
mento abundante e de difícil controle.

Página 119
Figura 08.1 – Desenho esquemá-
tico da anatomia pancreática.
Fonte: Adaptado de Longnecker,
2014.

Avaliação Clínica
Por se tratar de um órgão retroperitoneal, o exame físico e queixas do pacientes
podem ser inespecíficos, portanto, sempre diante de um trauma em região epigástrica,
deve-se suspeitar de uma lesão pancreática. Em traumas penetrantes, deve-se avaliar o
objeto que causou a lesão, assim como em traumas contusos por meio de acidentes auto-
mobilísticos, deve-se sempre recorrer à análise da cinemática do trauma.
Apesar de queixas e sinais inespecíficos, o paciente pode evoluir com sinais de irri-
tação peritoneal, equimoses na parede abdominal, marca do cinto de segurança, dor ab-
dominal, vômitos persistentes, hipotensão inexplicada e refratária, além de fratura de
vértebras da região de transição toracolombar. Esses sinais reforçam a suspeita e a indica-
ção de investigação de lesões de órgãos retroperitoneais, como o pâncreas.
Diagnóstico
Como citado anteriormente, as lesões pancreáticas são de difícil diagnóstico. Em
pacientes instáveis hemodinamicamente que necessitem de intervenção cirúrgica, deve-se
buscar durante o transoperatório possíveis lesões pancreáticas. Já nos pacientes que não
possuem indicação de laparotomia imediata, a investigação deve ser realizada por meio de
exames de imagem e laboratoriais.
Os exames laboratoriais são inespecíficos, servindo somente para corroborar com
o diagnóstico. O principal exame laboratorial nesse caso seria o nível sérico de amilase, pois
possui elevação em cerca de 60% dos casos de traumas pancreáticos. Caso esse aumento
sérico da amilase permaneça elevado, aumenta-se a suspeita de lesão no pâncreas, pos-
suindo uma sensibilidade de 48-85% e especificidade de 0-81%.
Em relação aos exames de imagem, a radiografia de abdome tem baixo valor di-
agnóstico em traumas pancreáticos, possuindo achados inespecíficos, principalmente se
associado a algum trauma duodenal que leve ao extravasamento de gás das alças intesti-
nais, podendo ocasionar em achados de pneumoperitônio e retropneumoperitônio.
O exame mais utilizado nesse tipo de trauma é a tomografia computadorizada
(TC) contrastada de abdome e pelve, possuindo uma sensibilidade e especificidade da lesão

Página 120
pancreática pode variar de 70-90%, possuindo uma acurácia dependendo da qualidade da
imagem, da experiência do radiologista e do tempo transcorrido entre o trauma e realiza-
ção do exame.
Os achados tomográficos ficam evidentes após a injeção de contraste intraveno-
so, onde pode ser visualizada a fratura pancreática, presença de líquido no retroperitônio e
a presença de hematoma separando a veia esplênica do corpo pancreático. Esse exame,
portanto, tem grande valor diagnóstico e na escolha terapêutica das lesões, onde, depen-
dendo do grau da lesão e do local, pode ser optado por um tratamento conservador ou
cirúrgico, sendo a lesão de ducto pancreático a principal indicação.
A utilização da ressonância magnética (RM) tem sido cada vez mais frequente,
principalmente quando há suspeita de lesão de ducto pancreático, por se tratar de um
exame não invasivo e de maior sensibilidade que a TC. No entanto, sua indicação só deve
ocorrer em pacientes estáveis hemodinamicamente e que já realizaram algum outro exame
de imagem.
Pode-se aumentar a sensibilidade deste exame ao realizar o teste de estímulo de
produção de suco pancreático por meio da injeção de secretina a 1mg/kg. Em casos de
traumas pancreáticos é possível visualizar o extravasamento desse suco na cavidade. Por
fim, esse exame também é utilizado nas reavaliações de traumas onde foi optado pela
terapêutica conservadora.
A utilização da colangiopancreatografia retrógada endoscópica (CPRE) pode ser
útil para diagnóstico de lesões de ducto pancreático principal, além de poder oferecer tra-
tamento em pacientes que estejam hemodinamicamente estáveis. Tem como vantagem o
fato de poder ser realizado durante o intraoperatório.
Tratamento
Nesse tipo de trauma, o atendimento inicial utiliza como base o atendimento sis-
tematizado do Advanced Trauma Life Support (ATLS®). Para mais informações, confira o
Capítulo 01 – Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado.
Tendo foco apenas na avaliação da lesão pancreática, utilizaremos a classificação
proposta pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST) (Quadro 08.1). Essa
escala enfatiza a importância das lesões na cabeça do pâncreas ou no ducto pancreático
principal (ducto de Wirsung). Devido sua simplicidade e importante correlação com o tra-
tamento, iremos utiliza-la como base para planejamento terapêutico.

Quadro 08.1 - Classificação proposta pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST)

Grau Característica da Lesão

I Hematoma pequena ou laceração superficial, ambas sem lesão ductal

II Hematoma extenso ou laceração maior, ambas sem lesão ductal e sem perda tecidual

Página 121
Continuação do Quadro 08.1

III Laceração do parênquima com lesão ductal ou transecção distal*

IV Transecção proximal* ou laceração envolvendo a ampola

V Disjunção da cabeça pancreática

* Os vasos mesentéricos superiores determinam anatomicamente a cabeça do corpo pancreático,


considerando as lesões à esquerda dos vasos como distais e, à direita, como proximais.

Duas situações diferentes podem ser encontradas no intra-operatório: em um ca-


so, a lesão pancreática é apenas um constituinte em um trauma múltiplo, necessitando que
seja realizada uma cirurgia de controle de danos e, no outro, a estabilização rápida permite
a exploração completa da lesão pancreática, permitindo a escolha do tratamento mais
apropriado.
Se o cirurgião precisar realizar uma laparotomia de controle de danos, é reco-
mendado evitar manobras cirúrgicas complexas, e a drenagem pancreática simples com
tamponamento do leito pancreático é a escolha mais apropriada. Na maioria dos casos, a
lesão das estruturas vasculares peripancreáticas (tronco gastrocólico de Henle, etc.) é a
fonte do sangramento e essas lesões devem ser tratadas (seja por meio de sutura simples,
seja por meio de by-pass) de acordo com a sua localização e gravidade.
Em pacientes estáveis hemodinamicamente e com lesões grau I e II (representan-
do 60% e 20% de todas as lesões pancreáticas) geralmente costumam ser manejados de
forma conservadora - sempre levando em conta a possibilidade de lesão ductal e dispondo
de exames de imagem para fazer o acompanhamento. Nesses casos, se houver a formação
de pseudocisto ou coleção de líquidos, pode-se optar pela drenagem percutânea ou trans-
gástrica.
No entanto, mesmo nos graus I e II, se houver outra indicação para abordagem ci-
rúrgica, a melhor opção é realizar a hemostasia e a drenagem da lesão. É importante desta-
car que a laceração pancreática não deve ser rafiada nesses casos, pois aumenta o risco de
desenvolver complicações, como o surgimento de pseudocistos. Portanto, a melhor condu-
ta seria a drenagem e o acompanhamento do fechamento da laceração. A retirada do dreno
deve ocorrer quando os níveis séricos de amilase e lipase voltarem ao normal e, principal-
mente, quando a fístula estiver dirigida e com débito menor de 30 ml em 24h.
O trauma grau III com lesão de ducto deve ser tratado com a realização de uma
pancreatectomia distal com ou sem esplenectomia, preferencialmente, e a cavidade deve
ser drenada.
No grau IV, a transecção proximal do pâncreas tem um manejo mais complexo e
não unânime. Deve-se, inicialmente, controlar a homeostasia, depois, realizar o controle da
contaminação da cavidade e, somente após, seguir com a avaliação das opções de trata-
mento da lesão. Pacientes que estão instáveis e que forem realizar cirurgia para controle de
danos, devem ser drenados com múltiplos drenos, para então programar o reparo definiti-
vo. Caso haja lesão do ducto principal sem acometimento da ampola e do duodeno, a

Página 122
pancreatojejunostomia em Y de Roux pode ser indicada, embora seja pouco utilizada, ou a
pancreatectomia subtotal. A melhor conduta consiste na drenagem e posterior avaliação
para reconstrução, caso necessário.
No trauma grau V, a condução do caso deve ser realizada por meio da realização
da duodenopancreatectomia com reconstrução à Whipple, em segundo tempo, após cirur-
gia de controle de danos e estabilização do paciente.
Já quando o diagnóstico do trauma pancreático é realizado intraoperatório, as
condutas devem ser tomadas com base no referencial anatômico, como mostrado no Qua-
dro 08.2.

Quadro 08.2 - Tratamento das lesões com diagnóstico intraoperatório.

Anatomia da Lesão Tipo de correção cirúrgica

Proximal (Cabeça)  Drenagem por sucção fechada com dreno


 Pancreatojejunostomia, se duodeno e ampola preservados
 Duodenopancreatectomia com reconstrução em Y de Roux
(cirurgia de Whipple)

Distal (Corpo e cauda)  Lesão ductal ou alta suspeita para lesão de ducto principal:
pancreatectomia distal com ou sem preservação esplênica
 Sem lesão ou baixa suspeita: drenagem da cavidade com
dreno de sucção fechado

Complicações
A ocorrência de complicação não é um ocorrido incomum, sendo prevalente entre
20-40% dos casos e, portanto, devem sempre ser investigadas. As complicações mais fre-
quentes são fístulas pancreáticas, abscesso pancreático, pancreatite, pseudocisto e hemor-
ragia secundária. A insuficiência endócrina e exócrina do pâncreas após trauma é conside-
rada rara.
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O fígado pode ser dividido em dois segmentos lobares (direito e esquerdo) e,
de forma mais aprofundada, subdividido em oito segmentos com base na distribuição vas-
cular ou do ducto biliar. O acesso a esses segmentos só pode ser alcançado através da mo-
bilização completa do órgão, incisando seus vários anexos ligamentares (ligamento coroná-
rio, ligamento triangular esquerdo e direito). Acerca da vascularização, este órgão possui
um suprimento sanguíneo duplo da veia porta e das artérias hepáticas. A veia porta, que é
uma confluência das veias mesentérica superior e esplênica, fornece aproximadamente
80% do sangue ao fígado, enquanto o restante do sangue é suprido pela artéria hepática.
O fígado é o segundo órgão mais comumente afetado em situações de trauma fe-
chados e está entre os mais atingidos em situações de trauma penetrante, chegando a estar
presente em 40% das situações. A apresentação clínica dos pacientes acometidos pode
mudar segundo algumas variáveis, tais como: mecanismo do trauma, existência e gravidade
do sangramento e acometimento concomitante de outros órgãos.
A mortalidade relacionada ao trauma hepático, historicamente, tem índices ele-
vados, no entanto desde o Século XX, com a II Guerra Mundial, esse número vem caindo
devido à utilização e a descoberta de novas técnicas propedêuticas, até que, atualmente,
tem-se preconizado, em diversas situações, o manejo não cirúrgico das lesões hepáticas
associado a uma avaliação utilizando a tomografia computadorizada (TC).
Seja a terapia escolhida conservadora ou cirúrgica, a ressuscitação e manutenção
volêmica para controle da hemorragia é essencial no tratamento inicial desses pacientes.
Porém, sabe-se atualmente que a ressuscitação agressiva de fluidos não melhora o prog-
nóstico e pode resultar em complicações por sobrecarga de volume, anemia, trombocito-
penia e desequilíbrio hidro-eletrolítico. Outro ponto relevante é que, apesar das proporções
para administração de componentes do sangue ainda serem focos de acentuada discussão,
os protocolos de transfusão maciça melhoraram a prestação de cuidados e os resultados a
longo prazo. Ressalte-se ainda a importância do conceito de “Damage control resuscitation”
utilizado na prática em que é possível evitar a ressuscitação maciça de cristaloides e abor-
dar precocemente a coagulopatia no trauma, buscando a hipotensão permissiva sempre
que possível e a administração precoce de produtos sanguíneos.
Em relação às considerações anatômicas, a segmentação hepática em si é um tó-
pico pertinente, uma vez que participa, em parte, da classificação do trauma hepático,
sendo possível nomeá-los como segmentos de Coinaud, e, também, por guiar o manejo
cirúrgico, no que diz respeito à localização e vascularização. Portanto, faz-se necessário
saber que o fígado possui 8 segmentos, possuindo uma organização em dois lobos, chama-
dos de direito e esquerdo, e que não inclui o 1º segmento,. O plano de tal divisão é a fissura
portal principal onde se encontra a Veia Hepática Média. Os segmentos II, III e IV, fazem
parte da parte hepática esquerda, já os segmentos V, VI, VII e VIII, se encontram na porção
direita.
A lesão biliar no trauma, tanto fechado quanto penetrante, é rara, ocorrendo em
apenas 0,1% das admissões hospitalares por fenômenos traumáticos. Quando visto no

Página 126
contexto exclusivamente abdominal, esse número sobre para 3-5%, sendo em 80% dos
casos uma lesão na vesícula biliar. Além disso é mais comum o seu aparecimento quanto o
mecanismo é penetrante.
Nesse contexto, o maior risco não está na lesão do trato biliar em si, mas no aco-
metimento de estruturas adjacentes, o que ocorre muito comumente. Sua identificação
ocorre de forma mais rotineira durante a realização de uma laparotomia, sendo um achado
ocasional, geralmente. Outra possibilidade é a sua identificação no contexto pós-operatório
devido ao desenvolvimento de complicações.
Anatomia
Em 1854, Francis Glisson publica “Anatomia Hepatis“, considerado uma das mais
importantes obras acerca do estudo da anatomia e fisiologia do hepática, onde o autor faz
referência à circulação hepática e, principalmente, à existência de uma rede vascular comu-
nicando os sistemas da veia porta e das veias hepáticas.
A anatomia do fígado assume características distintas, se considerados aspectos
morfológicos ou funcionais. Morfologicamente, ou seja, da maneira como o órgão é visto a
laparotomia, o fígado apresenta 4 lobos, sendo dois maiores e dois menores. Os dois lobos
maiores, direito e esquerdo, são separados pela fissura umbilical na face inferior e pelo
ligamento falciforme na face ântero-superior. Entre eles há uma nítida diferença de volume
com acentuado predomínio do direito sobre o esquerdo. Na face inferior do lobo direito, a
fissura transversa ou hilar, região onde penetram no parênquima hepático os ramos da veia
porta, da artéria hepática e os ductos biliares, delimita dois pequenos lobos, um anterior,
conhecido como lobo quadrado e outro posterior, conhecido como lobo caudado ou de
Spiegel. Apesar disso, essa divisão morfológica não costuma ser utilizada como principal
parâmetro para planejamento cirúrgico.

Figura 09.1 – Desenho esquemático à esquerda ilustrando segmentação cirúrgica hepática. Na foto da
direita, é possível visualizar as divisões em um fígado real. Cada segmento hepático constitui uma
unidade funcional do fígado, recebendo uma tríade portal individualizada, e sendo drenado por ramo
de uma das veias hepáticas. Fonte: Adaptado de TRIVIÑO; ABIB, 2003.

Mecanismo do Trauma
No contexto do trauma abdominal é comum encontrar na literatura diversos rela-
tos apontando para uma elevada prevalência de lesão hepática. Neste capítulo dividiremos
as lesões em: decorrentes de trauma penetrante e decorrentes de trauma contuso.

Página 127
Trauma Penetrante
Esse tipo específico de trauma pode aparecer, de maneira geral, em duas situa-
ções, quando há um ferimento por arma branca ou quando a fonte do ferimento é uma
arma de fogo. Na primeira, a lesão tende a se linear, enquanto que no caso de dano por
projéteis há uma lesão em forma de cavitação, podendo, portanto, lesar todo tipo de estru-
tura. Vale lembrar que as lesões hepáticas estão presentes em 40% dessas situações.
O uso de armas brancas envolve menos energia, por depender basicamente da
força do agressor e da arma utilizada, logo, é possível em alguns casos específicos, até, um
manejo não cirúrgico. Tal terapêutica não é tão viável nos casos de trauma por arma de
fogo, visto que, raramente, as lesões são únicas e há muito mais energia envolvida no even-
to, ocasionando danos maiores.

Trauma Contuso
É o principal tipo de trauma que afeta o fígado - cerca de 80 a 90% das vezes. A le-
são nesse caso acomete, em especial, o componente vascular do fígado, assim como o seu
parênquima.
Dentre os principais mecanismos que geram o trauma contuso, o mais comum de-
les é o acidente automobilístico, sendo válido lembrar que essa situação envolve o paciente
tanto dentro do carro quanto fora dele, como ocorre em atropelamentos. As quedas de
grandes alturas e agressões têm grande potencial para gerar um trauma hepático.

Avaliação do Trauma
Por se tratar de um trauma, a avaliação inicial deve ocorrer de acordo com o pre-
conizado no Advanced Trauma Life Support (ATLS). Nos pacientes hemodinamicamente
instáveis, que não respondem a infusão de fluidos ou ao uso de drogas vasoativas, por
exemplo, é mandatório a sua transferência para a sala de cirurgia, para a resolução de uma
possível hemorragia interna. Se a clínica do paciente permitir devem ser feitos algum dos
seguintes exames/procedimentos: Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST),
uma Tomografia Computadorizada (TC) ou um Lavado Peritoneal.
A suspeita de uma lesão hepática se inicia com a localização trauma, avaliada
principalmente pelo ferimento. A dor referida pelo paciente também é um importante
fator a ser levado em consideração, podendo estar no quadrante superior do abdome ou na
região direita da parede torácica ou até no ombro direito, secundário a uma irritação dia-
fragmática.
Hiperalgesia abdominal ou torácica, rigidez abdominal, sinais de irritação perito-
neal, hematomas e contusões indicam um comprometimento da região de localização, mas
não especificamente do fígado, tornando-se mais sugestivos se forem encontrados ou no
quadrante superior do abdome ou na região direita da parede torácica.
A associação de hemorragia interna com o trauma hepático é bastante elevada,
logo, a maior parte das manifestações clínicas, além da dor, vai envolver o estado de cho-

Página 128
que hipovolêmico, o que é evidenciado, de maneira mais eficiente, com a avaliação dos
sinais vitais do paciente.
Importante ressaltar que nessa situação, poucas serão as ocasiões, em que a úni-
ca lesão será hepática, devido à alta incidência de lesões associadas, principalmente toráci-
ca, esplênica, pélvica e de coluna vertebral, ocorrendo devido à localização ou ao mecanis-
mo.
Diagnóstico
O diagnóstico de trauma hepático depende de algumas variáveis. A principal delas
é a condição clínica do paciente, uma vez que se a vítima do trauma estiver estável, a com-
provação do quadro pode ser feita com base na história (mecanismo do trauma), exame
físico, e exames laboratoriais e de imagem, em especial a TC. No caso do paciente que
permanece instável no departamento de emergência, de certa forma, a única opção diag-
nóstica vai coincidir com a opção terapêutica, no caso a laparotomia exploratória.
O exame padrão-ouro, tanto para o diagnóstico quanto para a avaliação da gravi-
dade da lesão é a Tomografia Computadorizada com contraste, tendo alta sensibilidade e
especificidade. Neste exame é possível avaliar, também, a presença de hemorragia ativa, o
que é observado quando o contraste que foi injetado via intravenosa está livre ao redor do
Fígado, e de lesões em órgãos adjacentes, como já discutido, trata-se de uma condição
bastante usual.
Outro exame válido para o diagnóstico é o FAST, apesar da presença de um resul-
tado negativo não excluir a existência de um trauma no Fígado. Alguns sinais, que contribu-
em a comprovação podem ser listados:
 Presença de líquido hipoecóico na região subcapsular;
 Presença de líquido intraperitoneal ao redor do fígado;
 Presença de líquido no espaço hepatorrenal.
Lembrando que em pacientes hepatopatas crônicos, a presença de líquido livre na
cavidade peritoneal pode indicar ascite, o que levanta a necessidade de uma investigação
mais aprofundada. Além disso, o FAST apresenta dificuldades em identificar sangramentos
intraparenquimatosos.
Por fim, outros exames, como a ressonância magnética, não parecem ser de gran-
de ajuda na avaliação diagnóstica. Sua utilização é preferencialmente em situações em que
o paciente tem indicações de realizar uma TC, porém não pode realizá-la (alergia ao con-
traste, por exemplo). A arteriografia geralmente é reservada para pacientes que possuem
indicação para embolização hepática, informações que abordaremos mais adiante no capí-
tulo.
No contexto laboratorial não existem exames específicos para essa avaliação,
mas, de forma geral, alguns achados podem sugerir acometimentos intra-abdominais, tais
como: leucocitose, anemia inespecífica, hematócrito < 30%, TGO > 200 U/L, amilase > 100
U/L e microhematúria > 5 eritrócitos por campo.

Página 129
Uma classificação feita pela American Association for the Surgery of Trauma
(AAST) e tem sido amplamente utilizada em tais situações. Essa divisão utiliza uma separa-
ção em 6 graus diferentes, com base no tipo de lesão e nos achados tomográficos (Quadro
09.1).

Quadro 09.1 - Classificação proposta pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST)

Grau Lesão Achado tomográfico

I Hematoma Subcapsular < 10% da área de superfície

Laceração Ruptura capsular < 1 cm de profundidade no parênquima

II Hematoma Subcapsular, 10 a 50% da área de superfície; intraparenquimatoso, < 2


cm de diâmetro

Laceração 1 a 3 cm de profundidade no parênquima, < 10 cm de extensão

III Hematoma Subcapsular > 50% da área de superfície ou em expansão; ruptura sub-
capsular ou hematoma parenquimatoso; hematoma intraparenquimato-
so > 2 cm ou em expansão

IV Laceração Superior a 3 cm de profundidade

Laceração Dilaceração do parênquima envolvendo 25 a 75% do lobo hepático ou


um a três segmentos de Coinaud no mesmo lobo

V Laceração Dilaceração do parênquima > 75% do lobo hepático ou três segmentos


de Coinaud no mesmo lobo

Vascular Lesões de veias justa-hepáticas ou veias hepáticas/veia cava retro-


hepática

VI Vascular Avulsão hepática

Tratamento
O tratamento de pacientes com trauma hepático visa restaurar a homeostasia e a
fisiologia dos indivíduos, considerando os modernos métodos de abordagem do sangra-
mento e a avaliação do estado hemodinâmico do paciente.

Pacientes Estáveis Hemodinamicamente


O tratamento de escolha para pacientes hemodinamicamente estáveis com lesão
hepática é a terapia não cirúrgica, independentemente do grau da lesão. Essa modalidade
terapêutica consiste em observação e cuidados de suporte com o uso adjuvante de arterio-
grafia e embolização hepática. Revisões retrospectivas do Banco Nacional de Dados de
Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões e outros estudos observacionais descobriram

Página 130
que mais de 80% dos pacientes com lesão hepática contusa podem ser tratados de modo
satisfatório por meio da terapia não cirúrgica (TNC).
A base para a TNC bem-sucedida requer seleção apropriada de pacientes e dispo-
nibilidade de incluindo disponibilidade de leitos para unidades de terapia intensiva, apoio
de bancos de sangue, acompanhamento contínuo da hemoglobina sérica, disponibilidade
de salas cirúrgicas, cirurgiões e radiologistas intervencionistas experientes em controle de
lesão hepática.
Quando a TNC é bem-sucedida, os riscos inerentes ao procedimento cirúrgico e
anestésicos são eliminados. No entanto, as desvantagens associadas ao tratamento não
operatório incluem um risco aumentado de lesão oculta intra-abdominal (principalmente
lesão de víscera oca), complicações relacionadas à transfusão sanguínea e riscos associados
a técnicas de embolização, que incluem necrose hepática, formação de abscesso e vaza-
mentos de bile. Acerca dos riscos da transfusão, alguns centros de trauma consideram que
esses riscos podem superar os benefícios de estratégias agressivas de manejo não operató-
rio, principalmente em lesões hepáticas de alto grau.
Pacientes hemodinamicamente estáveis, mas demonstrando extravasamento do
contraste no fígado na TC, apresentam taxas de falha mais altas na TNC, devendo ser sub-
metidos a uma arteriografia e avaliar a necessidade de embolização hepática, seguido de
observação contínua e avaliação sérica constante de hemoglobina.
A embolização hepática requer instalações especiais de imagem e um intervenci-
onista vascular (isto é, radiologia intervencionista e cirurgiões vasculares) com experiência
em técnicas de cateterismo e embolização arterial. A eficácia geral da angioembolização em
trauma hepático é de 93%. As taxas de sucesso variam de acordo com a instituição, técnica
de embolização, acessibilidade arterial, habilidade do operador e o tipo de material utiliza-
do.
A embolização hepática parece ter mais sucesso quando usada preventivamente
em pacientes hemodinamicamente estáveis. Os estudos disponíveis indicam sucesso me-
lhores em pacientes com lesões de grau III ou IV que exibem extravasamento de contraste
visualizado na tomografia computadorizada de admissão. A embolização hepática também
pode ser usada para tratar pacientes que falharam no manejo observacional ou como auxi-
liar no tratamento de pacientes com sangramento ou ressangramento contínuo do fígado
após o tratamento cirúrgico.
Pacientes que se tornam instáveis hemodinamicamente, por definição, fracassa-
ram no tratamento não cirúrgico e devem ser levados imediatamente à sala de cirurgia para
exploração abdominal. A arteriografia com embolização não deve ser realizada nessas cir-
cunstâncias, dado o tempo necessário para instalar o conjunto de radiologia intervencionis-
ta, colocar o pessoal no local e executar o procedimento de embolização.
Existem poucos dados para orientar o atendimento e acompanhamento de rotina
de pacientes com lesão hepática que foram tratadas no período não operatório. Nenhuma
recomendação definitiva foi estabelecida quanto à necessidade ou o período das imagens
radiológicas de acompanhamento, necessidade ou duração do repouso no leito, o momento

Página 131
do retorno às atividades diárias e/ou exercício, ou o momento para iniciar profilaxia ou
anticoagulação terapêutica. Embora seja uma recomendação comum que os pacientes
evitem atividades extenuantes por várias semanas, isso permanece empírico, com poucos
dados para apoiar essa prática.
Por fim, as contraindicações para tratamento não operatório de lesão hepática in-
cluem o seguinte:
- Instabilidade hemodinâmica após ressuscitação inicial;
- Outra indicação para cirurgia abdominal (por exemplo, peritonite);
- Lesão por arma de fogo (contraindicação relativa se houver suspeita de lesão extra-
hepática);
- Ausência de um ambiente clínico apropriado para fornecer monitoramento, avaliação
clínica seriada ou disponibilidade de instalações e pessoal para embolização hepática ou
exploração abdominal urgente, se necessário.
O manejo não operatório de ferimentos a bala permanece controverso, embora o
manejo não operatório de pacientes com lesões hepáticas penetrantes isoladas devido a
facadas abdominais tenha sido praticado rotineiramente em muitos centros de trauma por
vários anos. O manejo não operatório desses pacientes falham em até um terço dos pacien-
tes devido a sangramento contínuo ou ao desenvolvimento da síndrome compartimental
abdominal.
Por fim, gostaríamos de ressaltar que apesar de lesões grau III serem conduzidas
de forma conservadora em diversos estudos internacionais, em nossa experiência em cirur-
gia do trauma no Instituto Dr. José Frota, lesão grau III pode ser conduzida com sucesso de
forma cirúrgica.

Página 132
Fluxograma 09.1 – Tratamento
não operatório do trauma
hepático contuso.

Fonte: ABRANTES et al, 2006.

Pacientes Instáveis Hemodinamicamente


Esses pacientes necessitarão de intervenção cirúrgica. O tratamento cirúrgico das
lesões hepáticas pode ser um desafio, mesmo para cirurgiões experientes, devido à nature-
za complexa do fígado, tamanho, vascularização, suprimento duplo de sangue e drenagens
venosas de difícil acesso. O objetivo da cirurgia é controlar a hemorragia do fígado, o que
pode exigir técnicas cirúrgicas simples ou mais complicadas, dependendo da extensão da
lesão.
O tratamento cirúrgico das lesões hepáticas geralmente ocorre em uma de duas
situações: o diagnóstico (e talvez até a gravidade) da lesão pode ter sido estabelecido antes
da realização da laparotomia, ou o cirurgião descobre a lesão na laparotomia exploratória
realizada por causa do choque ou peritonite. Importante ressaltar que nessa segunda situa-
ção, como o diagnóstico foi estabelecido durante intraoperatório, o grau de lesão da AAST
desempenha um papel menor na tomada de decisão cirúrgica com respeito às lesões hepá-
ticas.
Uma laparotomia exploratória completa utilizando a incisão mediana deve ser
realizada sempre que a lesão hepática exigir intervenção cirúrgica. Um afastador estático
ajuda significativamente na exposição, além de reduzir a fadiga do cirurgião e evitar a su-

Página 133
perlotação de instrumentais ao redor da mesa cirúrgica. Para cirurgia de trauma, diversos
cirurgiões preferem um afastador autoestático (por exemplo, Thomson, Omni), pois ofere-
cem ampla exposição. Caso seja necessário acessaria a abordagem dos segmentos posterio-
res, o fígado pode ser rapidamente mobilizado pela ligação e divisão do ligamento falcifor-
me e incisão dos ligamentos triangular e coronário, tendo o máximo de cuidado para evitar
lesões nas veias hepáticas posteriormente.
Os princípios de controle de danos são seguidos, controlando a hemorragia pri-
meiro (após evacuação rápida do hemoperitônio, as compressas cirúrgicas são colocadas
sistematicamente nos quatro quadrantes do abdome, ao longo das goteiras parietocólicas e
na pelve) e depois controlando qualquer contaminação gastrointestinal. O controle de
danos permite tempo para a equipe de anestesia buscar estabilizar hemodinamicamente o
paciente. O manejo definitivo da lesão hepática pode ser realizado imediatamente em
pacientes apresentando melhora nos parâmetros hemodinâmicos ou de maneira retardada
após a estabilização das lesões e a subsequente ressuscitação na unidade de terapia inten-
siva.
Na maior parte dos casos (em cerca de 80% das situações), técnicas mais simples
como compressões mecânicas, agentes hemostáticos tópicos ou técnicas eletrocirúrgicas e
sutura conseguem lidar com o sangramento. Após tentativa inicial de contenção do san-
gramento, a manobra de Pringle (clampeamento com instrumental atraumático através do
forame de Winslow por, no máximo, 45 minutos da tríade portal. Após esse tempo, a ma-
nobra deve ser desfeita para permitir uma revascularização de forma intermitente) pode
ser realizada com o objetivo de bloquear temporariamente o aporte sanguíneo portal e
arterial do fígado. Apesar disso, a manobra torna-se ineficaz se o sangramento tiver um
componente predominante das veias hepáticas, sendo este responsável por boa parte dos
grandes sangramentos nas lesões complexas do fígado.
O reconhecimento da anatomia do segmento afetado pelo trauma é fundamental
ao manuseio. Nos segmentos mais superiores a direita (VI, VII e VIII) e à esquerda (II), por
exemplo, após o clampeamento a manobra de Pringle, deve-se proceder à averiguação de
lesões em veias supra-hepáticas para controle da hemorragia. Em se obtendo controle
satisfatório, então, deve-se averiguar o segmento hepático inferior, a fim de promover
hemostasia segura, e só aí, pode-se proceder à reperfusão do fígado com a liberação da
manobra de Pringle.
Caso as medidas citadas anteriormente não sejam capazes de conter o sangra-
mento, pode-se considerar uma ressecção hepática. Nesse contexto, é preciso compreen-
der a forma da lesão. Lesões graves que estejam localizados primordialmente em apenas
um segmento hepático podem ser conduzidas com ressecção do segmento afetado. Entre-
tanto, em lesões em que múltiplos segmentos estão afetados (traumas contusos em alta
velocidade, por exemplo) a ressecção de todos os segmentos afetados torna-se inviável.
Nesses casos, pode ser realizado o debridamento acrescido das técnicas hemostáticas men-
cionadas anteriormente no trajeto afetado.

Página 134
Situações, onde há lesão de veias intra-hepáticas ou lesão de veia cava retrohepá-
tica, geram uma mortalidade altíssima em decorrência do complexo manejo. Em primeiro
momento, deve-se realizar tamponamento do sangramento por meio de compressas cirúr-
gicas. Caso o sangramento venoso persista à compressão mecânica, deve-se realizar o des-
vio do fluxo sanguíneo do local da lesão por meio de técnicas vasculares, tais como: by-pass
venovenoso, exclusão vascular do fígado e shunt átrio-caval (esta última caiu em desuso
devido resultados insatisfatórios).
Na técnica de bypass venovenoso, a veia cava inferior é pinçada e o fluxo venoso
abaixo da pinça é desviado para a veia cava superior por meio de um circuito extracorpóreo
(semelhante ao transplante de fígado). Esta abordagem está associada a complicações que
incluem lesão vascular ou trombose e embolia aérea, que pode ser fatal.
A exclusão vascular total hepática oclui todos os vasos de entrada e saída do fí-
gado. O retorno venoso ao coração é severamente reduzido e o estado hipovolêmico resul-
tante pode resultar em parada cardíaca. Há estudos que apontam que essa técnica possui
melhores resultados quando em combinação com lobectomia hepática direita.
Trauma de Vias Biliares
O trauma de vias biliares é uma condição desafiadora para cirurgiões não acostu-
mados com a cirurgia hepatobiliopancreática. Na ocorrência de choque, a cirurgia de con-
trole de danos deve ser realizada e apenas a exteriorização com drenos do local da lesão
deve ser feita. Após controle fisiológico do paciente, o tratamento definitivo então ocorre-
rá. Se o paciente estiver estável, o reparo primário da lesão deverá ser realizado. Caso haja
dúvida da presença ou não de lesão, a colecistectomia com colangiografia intraoperatória
deve ser realizada.
Caso haja transecção completa da árvore biliar ou laceração maior que 50% do di-
âmetro da via biliar, recomendamos a realização da anastomose biliodigestiva em Y de
Roux, de preferência hepático-jejunal.
Lesões parciais, que acometam até 50% da circunferência, podem ser reparadas
com sutura primária e inserção com tubo T (dreno de Kehr). Importante deixar claro que o
dreno deve ser exteriorizado por outra abertura na via biliar, e não pela lesão suturada.
O trauma penetrante da via biliar intra-hepática é de mais fácil manejo, pois a
drenagem da região já resolve a maioria dos casos. Na ocorrência de fístulas, estas tendem
a se resolver espontaneamente com a terapia nutricional de suporte, correção dos distúr-
bios hidro-eletrolíticos e ácidos-básicos e manejo adequado de infecções.
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-CamiloBituBezerr
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ra.
-AfonsoNonatoGoesFernandes.
O baço é um órgão altamente versátil localizado no quadrante superior esquerdo
do abdome, podendo ser dividido histologicamente em três porções bem definidas (polpa
vermelha, polpa branca e zona marginal) com distintas funções metabólicas e imunológicas.
Anatomicamente o baço é cercado por diversas estruturas abdominais: o dia-
fragma, superior e póstero-lateralmente; estômago, medial e ântero-lateralmente; glândula
adrenal esquerda e rim esquerdo póstero-medialmente; ligamento frenocólico, inferior-
mente; e os arcos costais lateralmente. Na Figura 10.1 apresentaremos os ligamentos asso-
ciados ao baço.
O baço é perfundido predominantemente pela artéria esplênica, que é um ramo
do tronco celíaco. O fluxo sanguíneo esplênico também é derivado das artérias gástricas
curtas, que são ramos do lado esquerdo da artéria gástrica. A artéria esplênica, que pode
ser bastante tortuosa, atravessa a margem superior do pâncreas, fornecendo ramos a ele,
antes de continuar no baço.

Figura 10.1 – Ligamentos esplênicos. (1) Ligamento Gastroesplênico, (2) Ligamento Esplenofrênico, (3)
Ligamento Esplenorrenal, (4) Ligamento Esplenopancreático, (5) Ligamento Pancreatocólico, (6) Liga-
mento Esplenocólico.
Fonte: Adaptado de SKANDALAKIS et al, 1993.

São algumas funções deste órgão: primeira resposta imune humoral, atua como
reservatório de linfócitos, participa da filtração do sangue, atua como reservatório de pla-
quetas e eritrócitos imaturos, durante a vida fetal participa da hematopoiese, produção de
substâncias fagocíticas, ativação do sistema complemento, reutilização de ferro e inibição
da angiotensina. Além dessas funções supracitadas, o baço é o órgão mais eficiente em
eliminar bactérias investidas por IgG e é essencial na depuração das bactérias encapsuladas
não opsonizadas por anticorpos ou complemento.
Apesar das diversas funções do baço, em 1892, Riegner descreveu uma esplenec-
tomia após trauma esplênico em um indivíduo de 14 anos, o que deu início à realização
rotineira desse procedimento. Um dos fatores que pode ter contribuído para a realização

Página 139
rotineira da esplenectomia é que o baço era considerado um órgão dispensável por quatro
principais motivos: (1) na época a sua função não era bem estabelecida, (2) acreditava-se
que esplenectomia não trazia malefícios ao paciente, (3) havia uma supervalorização em
sua capacidade regenerativa e (4) o risco proporcionado pelo fato de que mínimas lesões
eram capazes de ocasionar hemorragia importante.
Atualmente, apesar de a esplenectomia continuar sendo um procedimento reali-
zado com frequência no contexto do trauma esplênico, diversos cirurgiões buscam métodos
para preservar o baço. Citaremos mais a frente no capítulo as complicações relacionadas a
este procedimento cirúrgico.
Mecanismo do Trauma
Nos serviços de emergência é comum o médico encontrar pacientes vítimas de
trauma abdominal. O trauma é uma das principais causas de morte em pessoas menores de
45 anos sendo que cerca de 10% destas são secundárias aos traumas abdominais.
Na avaliação do trauma abdominal, deve-se ter como prioridade o reconhecimen-
to de hemorragias e lesões específicas que necessitem de intervenção. O trauma esplênico
pode ocorrer de diversas formas diferentes: trauma abdominal fechado, trauma abdominal
aberto e iatrogênico (Quadro 10.1).

Quadro 10.1 – Mecanismo de Lesão

Formas de Trauma Abdominal Etiologias

Trauma Abdominal Fechado - Quedas.


- Golpes abdominais contundentes.
- Desaceleração brusca (laceração ligamentar).
- Fraturas de costelas.
Trauma Abdominal Aberto - Feridas ocasionadas por armas de fogo.
- Feridas ocasionadas por armas brancas.
Trauma - Lesões acidentais ocasionadas durante procedimento cirúrgico
Iatrogênico abdominal.
- Lesão acidental ocasionada pelo endoscópio.

Acerca desses mecanismos, precisamos ressaltar a importância do trauma abdo-


minal fechado como fator desencadeante de trauma esplênico, sendo o baço o órgão sólido
mais frequentemente lesado em traumas abdominais contusos, principalmente colisão
envolvendo veículos automotores em adultos. Na população pediátrica, quedas represen-
tam uma causa mais frequente que o acidente automobilístico de trauma abdominal.
Avaliação do Trauma
A avaliação do trauma deve ser realizada de forma eficaz e sistematizada, tal qual
foi apresentado no Capítulo 01 - Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. Neste
capítulo, focaremos nas condutas e diagnósticos relacionados ao trauma esplênico.

Página 140
História e Exame Físico
A história de trauma no quadrante superior esquerdo abdominal, caixa torácica
esquerda ou no flanco esquerdo deve ser um sinal de alerta para o médico que esta reali-
zando o atendimento suspeitar de lesão esplênica. Apesar disso, traumas em outras regiões
abdominais não excluem completamente a possibilidade de lesão esplênica, por exemplo,
lesões penetrantes podem ocasionar lesão no baço mesmo que o orifício de entrada não
seja muito próximo ao órgão em questão.
O paciente pode queixar-se de dor abdominal no quadrante superior esquerdo,
parede torácica esquerda ou apresentar o sinal de Kehr (dor referida no ombro esquerdo
que piora com a inspiração e é causado pela irritação do nervo frênico devido sangue adja-
cente à porção esquerda do diafragma).
No exame físico, o paciente costuma apresentar um quadro clínico inespecífico
relacionado ao trauma abdominal (dor abdominal, irritação peritoneal, hematomas abdo-
minais, alteração do estado mental, etc.), sem achados que sejam restritos ao baço.
Na avaliação clínica deste paciente é importante buscar lesões associadas. Dentre essas
lesões, ressaltaremos fraturas de costelas, fratura de pelve e lesão na medula espinhal.
Por fim, ainda na avaliação do trauma precisamos definir o estado hemodinâmico
do paciente, pois este vai ser um dos principais parâmetros utilizados para estabelecer as
condutas. A prevenção ou correção da hipotermia são fundamentais e dependem de medi-
ções precisas da temperatura central (que deve ser mantida a ≥ 35◦C), com aquecimento de
todos os fluidos para infusão e o uso de mantas de aquecimento.

Estado Hemodinâmico em Adultos


A instabilidade hemodinâmica em adultos é considerada a condição em que o pa-
ciente na admissão apresenta características de choque circulatório: pressão arterial sistóli-
ca < 90 mmHg com evidência de vasoconstrição da pele (fria, úmida, tempo de enchimento
capilar aumentado), alteração do nível de consciência e/ou dispneia, ou pressão > 90
mmHg, porém que requer infusões/transfusões e/ou medicamentos vasopressores para
manter a pressão ou a necessidade de transfusão de pelo menos 4-6 unidades de concen-
trado de hemácias dentro das primeiras 24 horas.
Além disso, consideramos instáveis os pacientes com resposta transitória ao cho-
que circulatório (apresentam resposta inicial a ressuscitação volêmica adequada e, em
seguida, sinais de perda sanguínea contínua e défices de perfusão); e, mais em geral, aque-
les que respondem à terapia, mas que não são capazes de estabilização suficiente para
serem submetidos a tratamentos de radiologia intervencionista.

Estado Hemodinâmico Pediátrico


Para definirmos a estabilidade hemodinâmica em pacientes pediátricos, precisa-
remos considerar os dois principais parâmetros abordados pela literatura. De modo geral,
consideramos estabilidade hemodinâmica em pacientes pediátricos a pressão arterial sistó-
lica de 90 mmHg mais duas vezes a idade da criança em anos, sendo o limite inferior de 70

Página 141
mmHg mais duas vezes a idade da criança em anos ou inferior a 50 mmHg segundo outros
estudos.
O estado hemodinâmico estabilizado aceitável é considerado em crianças com
resposta positiva à ressuscitação volêmica: três bolus de 20 mL/kg de reposição de cristalói-
des administrados antes da substituição do sangue. Os critérios que utilizamos para consi-
derar a resposta positiva são: redução da frequência cardíaca, recuperação do sensório,
retorno dos pulsos periféricos e cor da pele, aumento da pressão arterial e do fluxo uriná-
rio, e aumento do calor da extremidade.
Diagnóstico de Lesão Esplênica
Em pacientes estáveis hemodinamicamente, utilizaremos exames radiológicos
para realizar o diagnóstico de lesão esplênica. Abordaremos nesse capítulo a utilização do
FAST (um acrônimo da língua inglesa que pode ser traduzido como ‘’Avaliação Focalizada
com Sonografia para Trauma’’), da Tomografia Computadorizada (TC) e da Ressonância
Magnética.

FAST
Exame rápido e eficaz para encontrar fluído livre na cavidade. Em diversos estudos
buscando avaliar a sensibilidade do exame, foi encontrado uma variação entre 73% a 99%.
Stengel et al, em 2005, realizou uma meta-análise de 62 trabalhos (gerando um total de
mais de 18 000 pacientes) usando o FAST identificou uma sensibilidade aproximada de
78,9% e especificidade de 99,2%, reforçando a utilidade deste exame no contexto do trau-
ma.
As quatro janelas (Figura 10.2) utilizadas na avaliação são: cardíaca ou pericárdica,
hepatorrenal ou quadrante superior direito, esplenorrenal ou quadrante superior esquerdo
e, por fim, pélvica ou suprapúbica.
Figura 10.2 – Posicionamento do transdutor para
avaliação do FAST. Em traumas penetrantes deve-
se realizar a posição 1 (cardíaca) primeiro, devido o
risco de tamponamento cardíaco. Nos traumas
abdominais fechados deve-se realizar a posição 2
(hepatorrenal) primeiro, pois é usualmente a mais
sensível para identificação de hemoperitônio.
Fonte: WILLIAMS; PERERA; GHARAHBAGHIAN,
2014.

Página 142
Os sinais de lesão esplênica observados pelo FAST são uma margem hipoecóica ao
redor do baço, o que pode representar: fluido subcapsular, fluido intraperitoneal periesplê-
nico ou fluido na bolsa de Morrison (espaço hepatorrenal).

Figura 10.3 – (A) Visualização normal da janela esplenorrenal. O baço está sendo apontado pela seta
amarela e o rim esquerdo pela seta azul. (B) Visualização patológica da janela esplenorreal. A seta
vermelha está apontando para fluído livre na cavidade próximo ao baço em paciente vítima de trauma
abdominal.
Fonte: WILLIAMS; PERERA; GHARAHBAGHIAN, 2014.

Por fim, cabe ainda ressaltar a utilização do E-FAST (um acrônimo da língua ingle-
sa que pode ser traduzido como ‘’Avaliação Focalizada com Sonografia para Trauma Esten-
dida’’) na avaliação torácica, principalmente para detecção de hemotórax e pneumoperitô-
nio.
A avaliação do hemotórax utiliza duas janelas da avaliação abdominal (esplenor-
renal e hepatorrenal) com uma maior atenção para as estruturas acima do diafragma. Al-
guns estudos sugerem que a sensibilidade do E-FAST na avaliação do hemotórax é superior
que a radiografia de tórax.
A avaliação do pneumotórax é através de uma janela transtorácica, preferencial-
mente usando um transdutor linear, no segundo espaço intercostal na linha hemiclavicular.
Tal qual o hemotórax, alguns estudos sugerem uma maior sensibilidade do E-FAST para
diagnosticar o pneumotórax do que a radiografia de tórax.

Tomografia Computadorizada
No contexto do trauma, a investigação utilizando a TC costuma cogitar a utilização
do contraste intravenoso. A não utilização de contraste pode fornecer uma boa quantidade
de informações acerca da condição abdominal, porém possui uma baixa sensibilidade para
lesões parenquimatosas e não consegue estabelecer com precisão a presença de sangra-
mento ativo. Quando utilizado o contraste, há um aumento na capacidade diagnóstica da
TC (sendo considerado o padrão-ouro com sensibilidade e especificidade próximas a 96 -
100%).

Página 143
Quadro 10.2 – Achados indicativos de Lesão Esplênica na TC

Achados Descrição

Hemoperitônio Coleções de fluído ao redor do baço são bastante sugestivas de hemope-


ritônio. Lacerações esplênicas com sangramento acelerado podem
causar um sangramento abundante no abdômen.
Hipodensidade Regiões hipodensas podem representar áreas de ruptura do parênqui-
ma, hematoma intraparenquimatoso ou hematoma subcapsular.
Extravasamento de Extravasamento ativo do contraste indica sangramento ativo e necessita
Contraste de intervenção rápida. Também conhecido como ‘’Blush vascular’’.

Ressonância Magnética
A indicação da Ressonância Magnética está reservada a duas principais condições:
1 - Pacientes estáveis hemodinamicamente, em que foi realizada uma TC e encontrado
lesão esplênica indeterminada; 2 – Pacientes que não podem realizar uma TC devido com-
plicações intrínsecas da tomografia (alergia ao contraste e elevado risco de nefropatia indu-
zida por contraste, por exemplo).
Avaliação da Extensão da Lesão
A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) criou uma escala para a
graduação progressiva da lesão esplênica que varia de um até cinco, onde quanto mais
elevado é o grau, mais graves são as lesões (Quadro 10.3).
Apesar de amplamente utilizada, essa classificação só leva em analisa alterações
anatômicas, desconsiderando as alterações hemodinâmicas. Com base nisso, a World Soci-
ety of Emergency Surgery (WSES) propõem uma classificação (Quadro 10.4) para adultos e
crianças que leve em consideração a classificação da AAST associado com o estado hemodi-
nâmico.

Quadro 10.3 – Escala de lesão esplênica da AAST

Grau Descrição da Lesão

- Hematoma: subcapsular, não expansiva, < 10% da área superficial.


I - Laceração: rotura capsular, sem sangramento, < 1 cm de profundidade do parênquima.
– Hematoma: subcapsular, 10–50% da superfície, intraparenquimatoso <5 cm.
II – Laceração: 1 cm a 3cm de profundidade no parênquima. Não compromete vasos trabe-
culares.
- Hematoma: Subcapsular, >50% área de superfície ou expandindo. Ruptura Subcapsular
III ou hematoma parenquimatoso. Hematoma Intraparenquimatoso >5 cm.
- Laceração: ≥ 3 cm de profundidade parenquimatosa ou envolvendo vasos trabeculares.
- Laceração: Laceração de vasos segmentares ou hilares produzindo maior desvasculariza-
IV ção (>25% do baço).
- Laceração: Completo esmagamento do baço.
V - Vascular: Desvascularização esplênica por lesão vascular hilar.

Página 144
Quadro 10.4 – Classificação de Trauma Esplênico Adulto e Pediátrico com base na WSES

Classe AAST Estado


Hemodinâmico
WSES I I-II Estável

WSES II III Estável

WSES III IV-V Estável

WSES IV I-V Instável

Tratamento das Lesões


O tratamento de pacientes com trauma esplênico visa restaurar a homeostasia e a
fisiologia dos indivíduos, considerando os modernos métodos de abordagem do sangra-
mento e a avaliação do estado hemodinâmico do paciente. No final do capítulo colocare-
mos a Figura 10.4 e a Figura 10.5, onde será apresentada de forma sucinta a progressão
terapêutica do trauma esplênico.

Pacientes Estáveis Hemodinamicamente


Em pacientes estáveis hemodinamicamente há a possibilidade de iniciarmos o tra-
tamento não cirúrgico (TNC), modalidade que está sendo cada vez mais utilizadas nos cen-
tros de trauma. A justificativa para a utilização do tratamento não cirúrgico é baseada na
premissa que salvando tecido esplênico funcional há uma maior chance de evitar as compli-
cações associadas ao procedimento cirúrgico, tais como o procedimento cirúrgico, riscos de
infecção e sepse pós-esplenectomia.
Atualmente o manejo não cirúrgico abrange tanto a observação clínica do pacien-
te quanto a utilização de técnicas de embolização. Diversos estudos apontam que essa
modalidade terapêutica pode manejar 50% a 80% dos casos de trauma esplênico, princi-
palmente nos pacientes com baixo grau de lesão apresentando cerca de 10% de taxa de
falha. Com base nisso, o TNC deve ser escolhido sempre que possível.
Ao encontrar o paciente, deve-se realizar uma rápida avaliação clínica, buscando
sinais de complicações circulatórias e/ou neurológicas. Uma radiografia de tórax e uma
avaliação ultrassonográfica abdominal devem ser realizadas enquanto se inicia a monitori-
zação e ressuscitação volêmica do paciente. A avaliação da fluido responsividade (resposta
circulatória positiva à infusão de volume) é essencial para estabelecer se haverá necessida-
de ou não de intervenção cirúrgica.
Após esta avaliação e determinação da estabilidade, uma tomografia computado-
rizada com contraste intravenoso deve ser executada na maior parte dos pacientes (prati-
camente exceto apenas em pacientes com contraindicações ao exame). A TC abdominal e
torácica deve ser realizada após a TC de cabeça e pescoço. Com a avaliação radiológica será
possível combinar a escala de lesão esplênica AAST (Quadro 10.3) com a situação circulató-
ria do paciente para estabelecer as classes WSES (Quadro 10.4). Classes WSES I, II e III po-

Página 145
dem ser conduzidas de forma não cirúrgica, enquanto pacientes com classificação WSES IV
deve ser encaminhados para a cirurgia imediatamente (Figura 10.4 e 10.5).
Dessa forma, sempre que não houver critérios que indiquem o tratamento cirúr-
gico (classificação WSES IV, presença de extenso hemoperitônio, sinais de choque grave à
admissão, necessidade de transfusão de um ou mais concentrados de hemácias e presença
de lesão cerebral traumática, por exemplo) deve-se realizar o TNC.
Os fatores que contribuem para o sucesso do manejo conservador são o monito-
ramento contínuo dos sinais vitais, reavaliações seriadas do paciente e possibilidade de
transfusão quando necessário.
Além disso, o hospital deve ter fácil acesso à tomografia computadorizada com
administração de contraste intravenoso e cobertura 24 horas de radiologia intervencionista.
Se o hospital não for capaz de atender a esses requisitos, a terapia conservadora deve ser
evitada em comparação à cirurgia nos casos em que há dúvida acerca da conduta.
Ainda no contexto da abordagem não cirúrgica, devemos ressaltar a participação
da angiografia com embolização da arterial esplênica no manejo do trauma esplênico. Di-
versos estudos apontam que a utilização desta técnica aumenta consideravelmente as taxas
de salvamento de baços lesionados. A taxa de sucesso reportada com o TNO associado à
angiografia varia de 86% a 100%. Em um grande estudo multicêntrico, que recrutou 10.000
pacientes, encontrou que a utilização desta técnica está associada a redução no risco de
esplenectomia e que quanto mais precocemente é realizada, menor foi o número de paci-
entes submetidos a esplenectomia.
De acordo com a OLFTHOF et al. (2013), as indicações para a utilização da emboli-
zação arterial esplênica são: evidências de extravasamento do contraste, pseudoaneurisma
ou fístula arteriovenosa, elevados graus de lesão com base na AAST, hemoperitônio maciço
e traumas múltiplos graves. A WSES define que, em adultos, classes I e II podem considerar
a utilização se houver extravasamento de contraste na TC ou em casos de aneurisma preco-
ce. Em adultos com classificação III prosseguem com a angiografia e posteriormente avaliar
sua eficácia, mudando para conduta cirúrgica caso seja ineficaz. Na faixa pediátrica, classes
WSES I, II e III deve-se considerar a utilização da angiografia com base nos resultados obti-
dos na TC e avaliação clínica do paciente.
A utilização da embolização proximal em relação à distal atualmente tem encon-
trado melhores resultados. O material utilizado para embolizações utilizando Coils está
alcançando uma maior taxa de sucesso que as esponjas de gelatina (Gelfoam®).
Apesar das vantagens do TNC, é preciso orientar o paciente acerca algumas con-
dições. Todos os pacientes tratados de forma não operatória são aconselhados a não prati-
car esportes durante pelo menos dois a três meses e evitar esportes de contato por mais
três meses. Além disso, são orientados a procurar atendimento médico imediato caso sin-
tam dor abdominal súbita. Por fim, é preciso estar ciente do considerável número de paci-
entes que desenvolvem sangramento secundário após tentativas de tratamento inicialmen-
te conservador.

Página 146
Os riscos da terapia conservadora incluem: hemorragia tardia, infecções, necessi-
dade de transfusão de sangue e não identificação de outras lesões intra-abdominais. Cerca
de 90% das rupturas esplênicas secundárias ocorrem dentro de dez dias após o trauma
inicial. Rupturas secundárias após mais de duas semanas do trauma são raras.
Na literatura é possível identificar fatores que predizem falha do tratamento não
operatório, são eles: instabilidade hemodinâmica, doença esplênica preexistente, idade
superior a 55 anos, grau da lesão e extensão do hemoperitônio.
As desvantagens do TNC incluem risco aumentado de lesão oculta, principalmente
lesão de vísceras oca, doença relacionada à eventual transfusão e, quando usadas, os riscos
adicionais associados às técnicas de embolização. Além disso, a identificação precoce de
pacientes de alto risco para falha na terapia conservadora (eventualmente exigindo inter-
venção ou esplenectomia tardia) é essencial, uma vez que atraso no reconhecimento e no
tratamento de rupturas esplênicas tardias leva ao aumento da morbimortalidade e dos
recursos utilizados.

Pacientes Instáveis Hemodinamicamente


O tratamento cirúrgico está indicado para pacientes instáveis ou pacientes está-
veis, porém sem o acesso à angiografia/angioembolização ou quando não há possibilidade
de realizar um monitoramento intensivo. O insucesso das abordagens não cirúrgicas tam-
bém indica o tratamento cirúrgico.
Na preparação pré-operatória do paciente, devemos nos preparar com pelo
menos quatro bolsas de sangue, deixando-as disponíveis para a possível necessidade de
transfusão. Um protocolo de transfusão maciça deve estar disponível imediatamente caso o
paciente fique gravemente instável. Além disso, devemos realizar antibioticoprofilaxia para
diminuir as chances de infecção de sítio cirúrgico. Na cirurgia do trauma de emergência, a
seleção farmacológica segue uma lógica semelhante a das cirurgias eletivas com a adminis-
tração de cefalosporinas de primeira geração (Cefazolina, por exemplo). Se houve suspeita
ou confirmação de contaminação intestinal, deve-se cobrir também micro-organismos
anaeróbicos com Metronidazol ou uma geração mais elevada de cefalosporinas.
Na laparotomia exploratória deve-se realizar uma investigação de toda a cavida-
de abdominal, incluindo todas as estruturas intraperitoneais e a exploração da porção do
retroperitônio compatível com o mecanismo da lesão. A incisão a ser utilizada deve ser a
mediana, pois esta permite uma ampla visualização da cavidade abdominal e é rapidamente
executada. Realiza-se a incisão através da pele, subcutâneo e linha alba, deixando, momen-
taneamente, o peritônio intacto. Nesse momento, a equipe cirúrgica e anestésica deve
estar preparada para a perda de sangue assim que a cavidade peritoneal for adentrada.
Assim que adentrar a cavidade peritoneal, deve-se iniciar a drenagem de sangue
abdominal e retirada de coágulos, enquanto se divide mentalmente o abdome em 4 qua-
drantes, buscando avaliar o local de maior extravasamento sanguíneo, o qual poderá ser
controlado por compressão direta. Após a utilização da compressa para conter o sangra-
mento mais abundante, deve-se colocar compressas nos demais quadrantes abdominais, as

Página 147
quais serão retiradas posteriormente a partir do local de menor probabilidade de origem do
sangramento. No caso de sangramento ativo do baço, podem-se colocar quatro compressas
ao redor do órgão (entre o diafragma e o baço, entre a parede abdominal lateral e o baço,
entre a flexura esplênica e o baço e na porção anterior do baço) criando um ambiente bem
mais favorável ao tamponamento do sangramento.
Nesse momento deve ser decidido entre as técnicas de intervenção parcial (esple-
nectomia parcial e esplenorrafia - cabe ressaltar que a esplenorrafia foi praticamente aban-
donada na cirurgia de trauma devido ao risco de agravar a lesão) ou total (esplenectomia
total). Esta decisão é feita com base no grau da lesão, na presença de lesões associadas, na
condição geral do paciente e na experiência do cirurgião. O pequeno risco futuro de sepse
fulminante pós-esplenectomia precisa ser equilibrado com o risco mais significativo de
hemorragia recorrente na esplenectomia parcial. Além disso, a utilização da esplenectomia
total possui a vantagem de ser mais apropriado em pacientes que necessitam de tratamen-
to cirúrgico urgente de outras lesões importantes, fato que impede o tempo adicional ne-
cessário para uma maior preservação esplênica. Por fim, lesões menos graves que anteri-
ormente seriam conduzidas com uma intervenção cirúrgica parcial atualmente estão sendo
conduzidas por meio do TNC utilizando as avaliações seriadas e angiografia com angioem-
bolização.
Para realizar a mobilização esplênica, precisaremos seccionar os ligamentos que
circundam o baço (Figura 10.1). Os ligamentos laterais (esplenofrênico e esplenorrenal) são
os primeiros a serem seccionados. Uma maneira de fazer isso é colocando a mão esquerda
sobre a superfície diafragmática do baço, girando-a gradual e cuidadosamente e elevando-a
medialmente enquanto disseca o plano entre o pâncreas e o rim (utilizando uma tesoura de
Metzenbaum, por exemplo). Após isso, O ligamento gastrosplênico é dividido e os vasos
gástricos curtos contidos nele devem ser fixados, divididos e suturados. Por fim, o ligamen-
to esplenocólico é dividido para completar a mobilização do baço.
Após a liberação do baço, a artéria e a veia esplênica no hilo são isoladas. Cada
vaso deve ser ligado de forma individual e dividido, objetivando diminuir as chances de uma
possível fístula arteriovenosa. Pela íntima relação entre a cauda do pâncreas e o hilo esplê-
nico, deve-se ter bastante cuidado na manipulação dos vasos hilares, buscando sempre
evitar lesionar tecido pancreático. Sempre que houver suspeita acerca da lesão pancreática,
recomenda-se colocar um dreno na cavidade abdominal e realizar monitoração de uma
possível formação de fístula pancreática. Esta é a única indicação de utilização de drenagem
cavitária no contexto do trauma esplênico.
Na literatura, apesar de bem conceituada nas cirurgias eletivas, a esplenectomia
laparoscópica no contexto do trauma é relatada, apenas, em alguns selecionados casos de
lesões esplênicas de baixo a moderado grau e em pacientes com estabilidade hemodinâmi-
ca onde há mínimo sangramento. Uma das maiores dificuldades da abordagem laparoscópi-
ca é a visualização dificultosa ocasionada pelo sangramento do trauma (tornando complexa
a avaliação da cavidade) e a hipotensão ocasionada pela diminuição do retorno venoso
proporcionada pelo pneumoperitônio.

Página 148
O relato de mortalidade hospitalar geral por esplenectomia em trauma é próximo
de 2% e a incidência de sangramento pós-operatório varia entre 1,6 a 3%, mas com morta-
lidade próxima de 20%.

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fluxograma

Figura 10.4 – Conduta do trauma esplênico em pacientes adultos.


Adaptado de: DA SILVA, P. A. P. et al, 2018.

Página 149
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o fluxograma

Figura 10.5 – Conduta do trauma esplênico em pacientes pediátricos.


Adaptado de: DA SILVA, P. A. P. et al, 2018.

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O trauma intestinal é o sofrimento resultante de lesões à parede abdominal,
atingindo intestino delgado, cólon e reto, podendo ser de origem mecânica, química, elétri-
ca ou irradiação. As lesões traumáticas em geral, são divididas em dois grandes grupos: (1)
lesões fechadas ou contusas, quando a lesão mantém a integridade da pele e (2) lesões
abertas, quando há descontinuidade do tecido. Ambas tendo sua natureza e gravidade
dependendo do mecanismo de trauma.
O paciente com trauma de vísceras ocas, além da possibilidade de sangramento e
instabilidade hemodinâmica, mais comum nas lesões de órgãos sólidos, também apresenta
como particularidade a liberação de suco gastrointestinal, bile e fezes, predispondo o paci-
ente à peritonite e a complicações infecciosas pós-cirúrgicas.
O sucesso da abordagem ao trauma é regido pela eficiência da avaliação inicial,
permitindo um diagnóstico rápido para que o tratamento seja oportuno e preciso. O pre-
sente capítulo vai abordar quais condutas seguir frente às lesões de vísceras ocas, sendo a
lesão duodenal e gástrica melhor descrita no Capítulo 07 - Trauma gástrico e duodenal.

Anatomia do Intestino Delgado


O intestino delgado têm aproximadamente 6 a 7 metros, sendo anatomicamente
dividido em três partes: duodeno, jejuno e íleo. A primeira parte do duodeno é intraperito-
neal, juntamente com o jejuno e íleo, e os dois terços finais são retroperitoneais. O jejuno é
a continuação direta do duodeno, tem seu início determinado pelo ligamento de Treitz e
não tem estrutura específica delimitando seu fim e início do íleo. Considera-se que os 2/5
proximais do intestino delgado constituem o jejuno, enquanto o íleo corresponde os 3/5
distais. Diferentemente do que ocorre com o íleo, o jejuno é mais calibroso e mais vascula-
rizado (portanto mais vermelho no vivo). As paredes do jejuno são também mais espessas
em virtude da presença de pregas circulares proeminentes, que no íleo são mais esparsas e
atenuadas. Este fato evidencia-se nas radiografias, onde o jejuno aparece muito pregueado
e o íleo com um contorno mais liso e uniforme.
Ambos, jejuno e íleo, são ligados à borda livre do mesentério, que os mantém
acoplados à parede abdominal posterior desde a altura da junção duodenojejunal até ter-
ceira vértebra lombar. Conhecer o mesentério é fundamental para entender a vasculariza-
ção e a inervação do intestino delgado, pois ele contém suas artérias, veias, linfonodos e
nervos. O mesentério jejunal tende a ter mais tecido adiposo que o ileal e suas arcadas
vasculares mais longas e em menor quantidade. O mesentério do íleo possui arcadas vascu-
lares mais curtas, mas em maior quantidade (Figura 11.1). Ambos são irrigados por ramos
da artéria mesentérica superior (AMS), que têm origem na aorta abdominal e drenados por
veia mesentérica, que se une à veia esplênica e posteriormente compondo a veia porta,
próximo ao início do corpo pancreático. Os linfonodos mesentéricos podem ser visíveis e
palpáveis em indivíduos com menos tecido adiposo e são drenados para o linfonodo pré-
aórtico, próximo a origem da AMS.

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Figura 11.1 – Desenho esquemático contendo as principais artérias e veias do trato gastroi-
ntestinal. Vinho, tronco celíaco; laranja, artéria mesentérica superior; rosa, artéria mesen-
térica inferior; azul claro, veia porta do fígado; verde, veia esplênica; roxo claro, veia me-
sentérica superior e roxo escuro, veia mensetérica inferior.
Fonte: LIMA; LIMA NETO; DE MESQUITA JÚNIOR, 2020.

Anatomia do Cólon e do Reto


O cólon têm aproximadamente 1,5 metros e é anatomicamente dividido em 4
segmentos: ascendente, transverso, descendente e sigmóide. Macroscopicamente, tem
como característica a presença de 3 faixas longitudinais, chamadas tênias, e possui pregas
semilunares que se formam na superfície interna através de contrações musculares, as
quais, externamente, são denominadas de haustrações ou haustras.
Os segmentos ascendente e descendente são retroperitoneais e estão aderidos à
parede abdominal posterior, enquanto o transverso e o sigmóide são intraperitoneais e
estão suspensos pelo mesocolo transverso e sigmóide, respectivamente.
O reto é a continuação direta do sigmóide, têm aproximadamente 15 cm e possui
três pregas semilunares. Duas pregas estão localizadas à esquerda, distando cerca de 7 e 12
cm da margem anal, respectivamente, e a outra prega está localizada à direita, em torno de
8 a 9 cm da margem anal, utilizada como referência endoscópica da reflexão peritoneal
(fundo de saco de Douglas) e, portanto, como limite entre os retos intraperitoneal e extra-
peritoneal.

Página 156
O cólon e o reto são irrigados pela artéria mesentérica superior, artéria mesenté-
rica inferior, artéria ilíaca interna. A drenagem venosa, em geral, segue a arterial.
Avaliação do Trauma
Os mecanismos de trauma intestinal podem ser por lesões contusas (ex: aciden-
tes automobilísticos e quedas) e lesões abertas (ex: ferimento por arma branca ou arma de
fogo).
O trauma intestinal contuso é aquele em que o agente causador têm seu dano
desferido à parede abdominal, mantendo a integridade da pele, e internamente é transferi-
do, atingindo as vísceras. As contusões chegam a representar 1% de todas as internações
hospitalares, e suas principais etiologias são os acidentes automobilísticos (70%), os golpes
físicos (17%) e as quedas acidentais (6%). Já o trauma intestinal aberto, ocorre quando há
rompimento da pele, sendo ainda classificado em penetrante (viola o peritônio) e não pene-
trante (não viola o peritônio). Usualmente, os ferimentos abdominais abertos são causados
por armas de fogo ou armas brancas, e a violação de peritônio ocorre em 20 a 80% dos
casos.

Intestino Delgado
As lesões de intestino delgado representam a maioria dos traumas abdominais
penetrantes devido ao seu volume de ocupação abdominal, com aproximadamente 80%
dos casos, sendo mais prevalentes os ferimentos por arma de fogo (FAF) quando compara-
dos aos ferimentos por arma branca (FAB) até 20%. As lesões contusas são mais incomuns,
cerca de 20%, entretanto são encontradas em traumas com grande energia cinética como
acidentes automobilísticos de alta velocidade, tendo íntima relação com a região de contato
com o cinto de segurança e podendo estar associada à fratura transversa de coluna lombar
(fratura de Chance). O desaceleramento brusco causa injúria por estiramento dos pontos de
fixação, como ligamento de Treitz e a região ileocecal. Além disso, a lesão de mesentério
ocorre em 1 a 5% dos traumas contusos, o que pode agravar o quadro por possível hemor-
ragia grave ou isquemia de segmento.

Cólon e Reto
O cólon é o segundo órgão mais acometido em lesões penetrantes, e devido a sua
localização, mobilidade e extensão, o trauma colônico está presente em até 25 a 41% dos
FAF e em 5 a 20% dos FAB que acometem o abdome. As lesões contusas, bem como no
intestino delgado são menos comuns, em torno de 2 a 5% dos casos. As lesões contusas
também tendem a acontecer nos locais de maior mobilidade como o cólon sigmóide e a
válvula ileocecal. A maioria dos traumas fechados colônicos se dá por acidentes veiculares,
entretanto também há a possibilidade de lesão transanal e iatrogênica, que podem ser
causadas por atividades sexuais ou procedimentos colonoscópicos.

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Quadro 11.1 - Incidência Do Trauma Intestinal Por Mecanismo

Mecanismo Intestino Cólon Reto*


Delgado Extraperitoneal

Ferimentos por projétil de arma de fogo 80% 75% 80%

Ferimentos por arma branca 80% 20% <3%

Trauma Contuso 20% 5% 10%


* 6% das lesões retais são transanais (erotismo, intercusto e iatrogenia).

Deve-se ressaltar que, as lesões penetrantes (com foco no FAF) que atingem os
glúteos, a região abaixo das cristas ilíacas ântero-superiores ou o períneo, possuem alta
possibilidade de acometimento retal. Além das etiologias usuais do trauma retal, outro caso
menos prevalente, porém de elevada importância, são as contusões por fratura de bacia.
Conduta Inicial e Avaliação
A conduta inicial do trauma em geral deve ser feita de maneira sistemática, prio-
rizando a vitalidade do paciente, sendo mais bem discutida no Capítulo 01 - Atendimento
Inicial ao Paciente Politraumatizado. A seguir, serão discutidas as condutas referentes ao
trauma intestinal.
Pacientes hemodinamicamente instáveis devem imediatamente ser direcionados
para sala cirúrgica para intervenção e avaliação. Já os pacientes que chegam hemodinami-
camente estáveis, devem ser submetidos ao Focused Assessment with Sonography for
Trauma (FAST) ou à lavagem peritoneal diagnóstica (LPD), que serão discutidos mais adian-
te.

História e exame físico


A história e o exame físico do paciente são imprescindíveis para uma boa avalia-
ção e condução do caso. Ambos, junto à ciência do mecanismo de trauma, podem sinalizar
a possível gravidade, estruturas acometidas e complicações. O paciente traumatizado ge-
ralmente apresenta dor abdominal, entretanto não é um sintoma específico, logo a inspe-
ção da parede abdominal deve ser bem detalhada buscando por sinais indicativos, mas
também não específicos, de trauma intestinal como equimoses, dor à palpação, distensão
abdominal ou sinais de irritação peritoneal. Entretanto o fato de não encontrar tais sinais
diminui significativamente a chance de achar um trauma grave.
Os pacientes vítimas de trauma intestinal que não têm lesão perfurativa, quando
comparado aos traumas contusos, tendem a ter uma prevalência muito maior de dor à
palpação (Quadro 11.2). Além disso, quanto à distensão abdominal e aos sinais de irritação
peritoneal, foi registrada uma prevalência de, respectivamente, 4% e 10%.

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Quadro 11.2 – Prevalência de dor à palpação

Tipo de lesão Prevalência de dor à palpação

Perfurativo 72%

Não perfurativo 53%

Sem lesão do intestino 23%

Métodos diagnósticos auxiliares


Diante da inespecificidade dos sinais clínicos e radiológicos, de modo geral, alguns
dos métodos diagnósticos mais utilizados na emergência incluem a tomografia computado-
rizada (abordada adiante), o Lavado Peritoneal Diagnóstico (LPD) e o exame ultrassonográ-
fico “Focused Assessment with Sonography for Trauma” (FAST).
No FAST, à presença de líquido livre na cavidade, espessamento da parede intes-
tinal ou presença de pneumoperitônio podem indicar lesão de víscera oca ou parenquima-
tosa. O LPD, apesar de mais sensível, possui maior risco de complicações com lesões de
vísceras ao procedimento, além de probabilidade de falso positivo ou negativo. Assim,
deve-se utilizar TC, FAST ou LPD (Quadro 11.3, 11.4 e 11.5) junto à história clínica e exame
físico, uma vez que nenhum método atual, isoladamente, é suficiente para definir o diag-
nóstico. Os pacientes que não apresentem algum dos sinais apresentados, geralmente não
têm lesão intestinal.

Quadro 11.3 – Lavado Peritoneal Diagnóstico no Trauma Intestinal


Vantagens Desvantagens Indicações
- Procedimento rápido. - Invasivo - Trauma abdominal contuso
- Detecta injúria de alça - Risco de injúria durante o proce- com alterações hemodinâmicas
intestinal. dimento - Trauma abdominal penetran-
- Sem necessidade de - Não repetível te sem indicações para laparo-
transportar o paciente - Baixa especificidade tomia imediata
- Interfere na interpretação de TC
ou FAST subsequentes
- Requer descompressão gástrica ou
urinária para prevenir complicações
- Pode não captar lesões diafragmá-
ticas

Página 159
Quadro 11.4 – FAST no Trauma Intestinal
Vantagens Desvantagens Indicações
- Não invasivo - Operador dependente - Trauma abdominal contuso
- Procedimento rápido - Gás intestinal ou subcutâneo pode com alterações hemodinâmicas
- Sem necessidade de distorcer as imagens - Trauma abdominal penetran-
transportar o paciente - Pode não captar lesões diafragmá- te sem indicações para laparo-
- Repetível ticas, de alças intestinais e pancreá- tomia imediata
ticas
- Não visualiza completamente
estruturas retroperitoneais
- Não visualiza ar extraluminal

Quadro 11.5 – Tomografia Computadorizada no Trauma Intestinal


Vantagens Desvantagens Indicações
- Diagnóstico anatômico - Alto custo - Trauma abdominal contuso
- Não invasivo - Procedimento demorado ou penetrante sem alterações
- Visualiza: estruturas - Exposição à radiação e ao contras- hemodinâmicas
retroperitoneais, osso e te IV - Trauma penetrante em flan-
ar extraluminal - Pode não captar lesões diafragmá- cos e dorso sem indicações de
- Repetível ticas, de alças intestinais e pancreá- laparotomia imediata
ticas
- Com necessidade de transportar o
paciente

Diagnóstico
O diagnóstico definitivo de lesão intestinal, geralmente ocorre intra-operatório,
principalmente nas lesões abertas, onde, comumente os pacientes já apresentam sinais de
irritação peritoneal ao exame físico, sendo encaminhados imediatamente à laparotomia
exploratória. Deve-se atentar para a rapidez ao estabelecer o diagnóstico, pois seu atraso é
responsável direto pelo aumento da morbimortalidade desses pacientes, sendo o exame
físico o mais importante instrumento para diagnosticar lesões que necessitem intervenção
imediata.
Entretanto, em pacientes hemodinamicamente estáveis, com trauma contuso e
sem sinais de peritonite, os exames de imagem são importantes na decisão de explorar o
abdômen.

Intestino Delgado
O diagnóstico de lesão de intestino delgado pode ser difícil em situações de
trauma contuso, uma vez que o exame físico é pouco específico nas primeiras horas. Os
principais exames de imagem auxiliares incluem a tomografia computadorizada (TC), com
alta sensibilidade, variando de 64 a 95% e com acurácia de 80 a 90%; e o FAST, que pode ser
realizado na própria sala de emergência, entretanto seu valor preditivo para lesões de
intestino delgado é de 38%, além de ser operador dependendente. A LPD também pode ser

Página 160
utilizado, sendo bastante sensível, entretanto inespecífica e passível de complicações como
lesões e de vísceras e resultados falsos positivos ou negativos.
Ao proceder com os exames, é possível ver sinais que são indícios de lesão intes-
tinal, mesmo que não possamos ver a lesão propriamente dita (Figura 11.2). Esses sinais são
presença de líquido livre sem lesão de órgão sólido, densificação focal da gordura do me-
sentério, pneumoperitônio, espessamento da parede intestinal, extravasamento de con-
traste oral para a cavidade abdominal e descontinuidade da parede intestinal.

Figura 11.2 - Trauma abdominal fechado com lesão da transição jejuno-ileal. TC do abdome com con-
traste iodado endovenoso evidencia em (1) seta branca: pequena bolha de pneumoperitônio e (2) seta
azul: densificação da gordura mesentérica adjacente ao segmento lesado do intestino delgado que está
com paredes espessadas.
Fonte: ARAÚJO, 2014.

Em geral, o diagnóstico bem sucedido em lesões não evidentes vão necessitar


uma criteriosa avaliação considerando tanto os achados clínicos, como história do trauma e
exames complementares.

Cólon e Reto Intraperitoneal


O diagnóstico do trauma colônico é baseado principalmente no exame físico, bus-
cando por sinais de peritonite e dor à palpação superficial. O exame retal é rotineiramente
realizado em traumatizados e a presença de sangue vivo à luva pode ser indicativo de lesão
colorretal, porém devido à baixa sensibilidade, não é recomendada na triagem de traumas
de cólon e reto. Bem como já foi visto, a clínica pode demonstrar sinais bastante inespecífi-
cos, sendo a TC um importante aliado, com sensibilidade de 91% e especificidade de 96%,
devendo-se buscar os mesmos sinais radiológicos já discutidos no trauma de intestino del-
gado. Entretanto o pneumoperitônio é encontrado em apenas 50% dos casos e a presença
de contraste extra-luminal menor ainda, apenas 19% deles.

Reto Extraperitonial
Quanto a parte extraperitoneal do reto, durante o exame físico, deve-se atentar
aos sinais de suspeição para lesão retal ou do aparelho esfincteriano como dor na fossa

Página 161
ilíaca esquerda, irritação peritoneal, hematúria, hematoquezia, e, ao toque retal, é impor-
tante à procura de sangramento e espículas ósseas, embora a ausência destes não exclua o
diagnóstico de trauma retal.
Está indicada a realização de retossigmoidoscopia se houver suspeita de ferimen-
to de reto, porém é indisponível em diversos serviços, diferente da radiografia simples da
pelve, que, apesar de menos específica, possui maior disponibilidade e pode revelar sinais
tênues mas essenciais em lesões contusas, como a presença de gás livre, relacionado ou
não a fraturas ósseas, na pelve. Geralmente, a retossigmoidoscopia ou a TC são realizadas
após radiografia de pelve se houver a presença de algum dos achados descritos, as quais, na
fase aguda, demonstram hiperdensidade em tecidos pélvicos com ou sem gás associado.
Quando a TC é realizada com contraste, evidencia-se escapes ou "borramentos" do contras-
te se houver lesões.
Exames menos utilizados são a uretrocistografia retrógrada, restrita aos casos de
hematúria macroscópica, e ressonância magnética, apenas se histórico de infecções uriná-
rias de repetição, pneumatúria ou fecalúria a qual confirma a presença de uma fístula reto-
vesical, caso não diagnosticada anteriormente o trauma nesta região.
Classificação do Trauma
As classificações têm como objetivo a compreensão e a comunicação do médico,
além de auxiliar a padronização terapêutica. O Quadro 11.6 aponta a classificação da lesões
intestinais segundo a American Association for the Surgery of Trauma (AAST). As lesões em
escala correspondem a um meio prático de guiar as decisões de abordagem principalmente
quanto ao reparo primário ou ressecção da lesão.

Quadro 11.6 – Classificação das Lesões Intestinais

Estrutura Grau Descrição AIS-90 score

I Hematoma ou laceração apenas de espessura parcial 2

II Laceração < 50% da circunferência 3

Intestino III Laceração > 50% da circunferência sem ruptura 3


Delgado
IV Laceração com ruptura 4

V Laceração com ruptura e perda tecidual ou desvasculariza- 4


ção

Continuação do Quadro 11.6

Página 162
I A) contusão ou hematoma, sem desvascularização 2
B) laceração de espessura parcial

II Laceração <= 50% da circunferência 3

Cólon III Laceração > 50% da circunferência sem transecção 3

IV Transecção do cólon 4

V Transeccao do cólon, com perda segmentar de tecido 4

I A) contusão ou hematoma, sem desvascularização 2


B) laceração de espessura parcial

II Laceração <= 50% da circunferência 3


Reto-
Sigmóide e
III Laceração > 50% da circunferência sem transecção 4
Eeto
IV Laceração com extensão ao peritônio 5

V Desvascularização de um segmento 5

AIS: Abbreviated Injury Scale - Seu valor é diretamente proporcional à mortalidade.

Tratamento
Como já visto, os pacientes com fortes indícios clínicos de trauma intestinal de-
vem ser submetidos à laparotomia exploradora, bem como os pacientes com indicações
absolutas de cirurgia imediata: instabilidade hemodinâmica, sinais de peritonite, ou acha-
dos de imagem que condizem com lesão intestinal.

Conduta Operatória
Quando a lesão intestinal é confirmada na laparotomia exploratória, a lesão pode
seguir duas vertentes principais: (1) reparo primário, que consiste na sutura primária da
lesão ou segmentectomia seguida de anastomose sem derivação; ou a própria (2) derivação
intestinal. A decisão vai depender do estado clínico do paciente, da gravidade, do tipo e da
extensão da lesão, além da presença de trauma em outras vísceras.
Os cuidados com o paciente traumatizado encaminhado para cirurgia iniciam com
antibioticoprofilaxia e tromboprofilaxia, devido ao alto risco de infecção e eventos trombó-
ticos nesse tipo de paciente. Deve-se seguir com uma incisão xifo-pubiana ampla, para que
seja feita a detalhada exploração da cavidade abdominal buscando por contusões e lacera-
ções. A busca por lesão deve ser feita em todo o intestino e mesentério, avaliando e mar-
cando cada ponto de lesão, que só devem ter reparação definitiva após toda a exploração.

Página 163
O reparo ou ressecção da lesão de uma injúria vai depender do grau da lesão, da
preservação da perfusão sanguínea, da presença de outras lesões e da clínica do paciente. A
ressecção vai ser frequentemente necessária em casos de múltiplas lesões no mesmo seg-
mento, além disso, indica-se ser feita imediatamente em casos de segmento infartado ou
desvascularização. A aproximação primária dos dois segmentos pode ser feita na maioria
das vezes, sem necessidade da criação de uma ostomia.

Intestino Delgado
A inspeção do intestino delgado deve começar a partir de sua evisceração. O li-
gamento de Treitz deve ser identificado e a inspeção deve ser feita seguindo todo o intesti-
no até o ceco, em ambos lados e em pequenos segmentos. Deve-se atentar aos hematomas
mesentéricos, ao intestino proximal e ao ileal distal, que por causa de sua anatomia, algu-
mas lesões podem passar despercebidas. Para facilitar a visualização pode-se utilizar as
manobras de Kocher e Cattel. Além disso, as manobras podem prover um reparo livre de
tensão.
As lesões de grau I e II devem ter reparo primário após debridação, feito em uma
ou duas camadas, podendo ser sutura contínua ou interrompida. O reparo deve ser feito
sem tensão, em orientação transversal, a fim de evitar estenose ou estreitamento do intes-
tino. As lesões devem ser suturadas individualmente, entretanto quando houver múltiplas e
muito próximas, que impeçam o fechamento adequado, pode-se combiná-las ou tratar
como lesão de maior grau, fazendo a ressecção.
As lesões de grau III, IV e V devem ser tratadas com ressecção da lesão e/ou seg-
mento desvascularização. A anastomose deve ser também feita em uma ou duas camadas,
interrompida ou contínua, tomando cuidado para não criar uma anastomose estreita ou
estenosante. Além disso, é importante o desbridamento adequado dos tecidos não viáveis e
a certeza de uma anastomose sem tensão antes do fechamento.
Caso o paciente esteja hemodinamicamente instável ou necessite de princípios de
contenção de danos, o intestino delgado deve ser rapidamente fechado ou ressecado para
prevenir contaminação e a anastomose postergada. A reanastomose deve ser feita assim
que paciente se torne estável, de preferência em 48 horas.

Cólon e Reto Intraperitoneal


Os cuidados gerais de reparo e anastomose, descritos nos segmento de intestino
delgado, também servem para o cólon. As feridas não destrutivas de cólon são aquelas
passíveis de reparo primário com desbridamento controlado, feita com qualquer tipo de fio,
desde que seja de absorção lenta ou inabsorvível, em 1 ou 2 planos a critério do cirurgião.
Essas lesões representam as lesões de grau I, II e III na escala da AAST, e estão menos asso-
ciadas a complicações. Já as lesões destrutivas são aquelas que abrangem as lesões dos
graus IV e V, que requerem ressecção de segmento devido a perda da integridade do cólon
e/ou desvascularização devido a lesão mesentérica. Geralmente são resultantes de lesão
por projétil em alta velocidade e ocasionalmente lesões contusas mais violentas.

Página 164
Reto Extraperitoneal (RCD)
Inicialmente, deve-se caracterizar o grau de comprometimento do trauma retal,
para melhor divisão da terapêutica. Assim, lesões até grau III, opta-se pela administração de
antibióticos que cubram as bactérias anaeróbicas e gram-negativas, desbridamento e sutura
(quando acessível) junto ou não de colostomia protetora, seguida de irrigação do reto distal
para limpeza mecânica do conteúdo. Quando as lesões forem de grau IV ou V consistem nas
medidas descritas acima mais cirurgias de maior porte, como a retossigmoidectomia. Estas
cirurgias costumam ser evitadas até os traumas de grau III, o qual realiza-se apenas a sutura
simples com ou sem limpeza do reto distal.

Derivação Intestinal
A anastomose primária após a ressecção geralmente é a conduta mais eficaz para
a maioria dos pacientes, entretanto quando houver lesões mais graves ou pacientes que
precisem de controle de danos, pode-se necessitar de derivações intestinais. As principais
derivações em procedimentos de emergência são as ileostomias e colostomias em alça,
além da colostomia à Hartmann, em que a escolha de cada uma varia da condição do paci-
ente e da preferência do cirurgião.
Complicações e Considerações Finais
A incidência de complicações nas lesões intestinais varia entre 22 e 29%. Sendo as
principais complicações sistêmicas: pneumonia, sepsis injúria renal e tromboembolismo. Já
as complicações específicas incluem infecção de sítio cirúrgico abscesso e sepse abdominal.
O atraso do diagnóstico de lesão de intestino delgado está significativamente as-
sociado com o aumento da taxa de morbidade. As lesões identificadas em até 24 horas
tiveram taxa de 55%, enquanto as identificadas em até 8 horas tiveram de 8%. Além disso, é
válido salientar que no trauma gastrointestinal, há uma maior incidência de complicação
em pacientes que sofreram contusões de intestino delgado (29%), do que os não sofreram
13%.
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TraumaRenal,
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O trauma renal apresenta frequência importante, representando em torno de
10% das lesões em traumas abdominais. Aproximadamente 90% dos casos são decorrentes
de traumas abdominais fechados principalmente quando envolve o mecanismo de desace-
leração. Em relação ao sexo, homens com idade média de 30 anos são os mais predominan-
temente afetados.
No geral, aproximadamente um quarto das lesões de órgãos sólidos é devido ao
trauma renal. Os rins com malformações são mais suscetíveis a lesões. O manejo de lesões
renais traumáticas evoluiu com o tempo, com uma ênfase crescente no manejo não-
cirúrgico, principalmente nas lesões renais contusas.
Avaliação do Trauma
Os rins estão bem protegidos no retroperitônio. Dessa forma, uma força
significativa é necessária para lesar o rim, por isso, é comum a associação com lesões em
outros órgãos.
O trauma renal contuso é o mais comum, sendo causado principalmente por coli-
sões de veículos (63%), seguido de quedas (43%), práticas esportivas (11%) e acidentes com
pedestres (4%). A lesão contusa no rim pode ser o resultado de um golpe direto, ou o rim
pode ser esmagado contra os músculos paravertebrais. A desaceleração rápida pode causar
avulsão na junção ureteropélvica, avulsão dos vasos renais ou dissecção / trombose arterial,
levando a uma desvascularização renal.
As lesões renais por armas de fogo (65%) foram mais comuns do que as por arma
branca (35%), devido a posição relativamente central no abdome e a proteção posterior por
camada muscular espessa, que faz com que o rim seja raramente lesado por ferimentos
causados por arma branca.
Manifestações Clínicas
Após avaliação inicial, estando o paciente fora de risco iminente, deve-se interro-
gar o mecanismo de trauma. A suspeita de lesão renal é aumentada com um mecanismo
apropriado de lesão (por exemplo, lesão por desaceleração rápida, golpe direto nas costas
ou no flanco, lesão penetrante na proximidade do rim), instabilidade hemodinâmica e he-
matúria.
O exame físico ajuda a determinar a localização, extensão e gravidade da lesão.
Com efeito, o paciente pode apresentar dor lombar, hematúria, equimose de região lom-
bar, sensibilidade em flancos ou fratura dos últimos arcos costais. A hematúria aumenta a
suspeita de lesão renal, mas nem sempre está presente, principalmente no paciente com
politrauma. O grau da hematúria não está relacionado com a gravidade da lesão renal.
Doença renal pré-existente ou anormalidades (por exemplo, obstrução da junção
ureteropélvica, cistos renais, pedras nos rins, cirurgias anteriores), anomalias renais e rins
solitários devem ser interrogados.

Página 168
Diagnóstico
Para pacientes hemodinamicamente estáveis com suspeita de lesão renal, deve-se
fazer o uso de tomografia computadorizada (TC) do abdome com contraste e com imagens
imediatas e tardias (pielografia por tomografia computadorizada). As vantagens da pielogra-
fia por TC na identificação de lesão renal geralmente superam os riscos. Em crianças o ul-
trassom pode ser usado, mas a TC é preferida.
A imagem tem como objetivo inicial a classificação da lesão renal, analisar a pre-
sença de anormalidades renais pré-existentes e identificar lesões para outros órgãos. A
decisão de obter uma imagem inicial é baseada nos aspectos clínicos e no mecanismo de
lesão. De acordo com a European Association of Urology (EAU) e a American Urological
Association Guidelines (AUA), a TC deve ser realizada em todos os pacientes com trauma
contuso hemodinamicamente estáveis, com hematúria macroscópica ou em pacientes com
hematúria e hipotensão (pressão arterial sistólica <90 mmHg) na apresentação.
Em pacientes hemodinamicamente instáveis, há a necessidade de exploração para
identificar e tratar o sangramento, que pode ou não estar relacionado à lesão renal. Ade-
mais, em pacientes traumatizados com indicações para laparotomia imediata, um diagnós-
tico de lesão renal pode ser sugerido durante a exploração.
A exploração só deve ser feita se houver necessidade, pois ela aumenta aumenta
a chance de perda do rim. Sendo a nefrectomia um resultado frequente quando pacientes
hemodinamicamente instáveis são submetidos à exploração cirúrgica de hematomas. Con-
tudo, se houver uma alta suspeita de vazamento de urina, a exploração e o reparo devem
ser realizados.
O ultrassom auxilia na identificação de quem exige uma avaliação mais detalhada.
Sendo útil na investigação e no acompanhamento de lesões parenquimatosas, hematomas
e “urinomas”, porém pode não avaliar com precisão as lacerações renais.
A classificação do trauma renal feita pela American Association for the Surgery of
Trauma (AAST, Quadro 12.1) demonstra que o grau das lesões renais serve como um im-
portante marcador diagnóstico, prognóstico e preditor de complicações a longo prazo.

Quadro 12.1 – Classificaçao do Trauma Renal

Grau Tipo da lesão Descrição da lesão

I Contusão Hematúria macroscópica ou macroscópica, estudos urológicos normais

Hematoma Subcapsular, sem expansão, sem laceração parenquimatosa

II Hematoma Hematoma perirrenal não expansível confirmado para retroperitônio renal

Laceração <1,0 cm profundidade parenquimatosa do córtex renal

III Laceração > 1,0 cm de profundidade parenquimatosa do córtex renal sem ruptura ou
extravasamento urinário do sistema coletor

Página 169
Continuação do Quadro 12.1
IV Laceração Laceração parenquimatosa que se estende do córtex renal, medula e siste-
ma coletor

Vascular Lesão na artéria ou veia renal principal com hemorragia contida

V Laceração Rim “pulverizado”

Vascular Avulsão do hilo renal que gera desvascularização renal

Conduta
O manejo de lesões renais traumáticas evoluiu com o tempo, com uma ênfase
crescente no manejo não-cirúrgico, principalmente nas lesões renais contusas. Essa mudan-
ça ocorreu devido ao reconhecimento que a exploração cirúrgica frequentemente resulta
em nefrectomia.
De forma geral, a maioria das lesões renais (graus I-III e algumas grau IV) pode ser
gerenciada conservadoramente. Nesse contexto, as indicações para reparo cirúrgico são
situações de extravasamento de urina, sangramento contínuo, instabilidade hemodinâmica
ou suspeita de lesão renovascular.
O gerenciamento inicial inclui ressuscitação volêmica, repouso no leito e monito-
ramento constante dos sinais vitais e monitorização seriada da hemoglobina, juntamente
com seguimento urológico. Deve-se manter sondagem vesical de demora enquanto houver
hematúria macroscópica e realizar irrigação vesical, se necessário.
A hidratação vigorosa diminui a probabilidade de formação de coágulos na via ex-
cretora, além de repor a perda volêmica. Deve-se prescrever e iniciar o antibiótico imedia-
tamente, sendo em geral com cefalosporinas de primeira geração.
Pacientes hemodinamicamente instáveis devem ser considerados para interven-
ção imediata, cuja modalidade depende dos padrões de lesão associados e conhecimento
institucional. Pacientes submetidos à laparotomia exploradora devem ser submetidos à
exploração retroperitoneal para gerenciar sangramentos retroperitoneais com risco de vida,
embora isso muitas vezes resulte em nefrectomia.
Em relação aos casos cirúrgicos, a maioria consiste de pacientes hemodinamica-
mente instáveis que não respondem à ressuscitação. A abordagem transperitoneal é a mais
comum no trauma com isolamento da artéria renal e veia renal antes da exploração renal
como uma manobra de segurança. Com efeito, essa abordagem pode reduzir a taxa de
nefrectomia de 56% para 18%. Um bom controle dos vasos renais permite ao cirurgião
evitar uma nefrectomia desnecessária através de uma avaliação do retroperitôneo.
Ademais, um subgrupo de pacientes irá exigir intervenção não cirúrgica devido a
persistência do sangramento renal, que pode ocorrer por causa da lesão em si ou como
consequência de fístulas arteriovenosas ou pseudoaneurismas que se desenvolveram após
a injúria. A angiografia e angioembolização são a principais opções de tratamento em paci-
entes que necessitam de intervenção na ausência de outras indicações imediatas de cirurgi-

Página 170
a. Conduto, a angioembolização é limitada a vasos segmentados e não está indicada para
vasos renais principais.

Trauma Ureteral
O ureter raramente é lesado por traumas externos, devido a sua localização re-
troperitoneal e de seu pequeno diâmetro. Geralmente sua lesão tende a ser iatrogênica,
ocorrendo durante a cirurgia pélvica (cirurgia ginecológica, urológica ou colorretal). Em
lesões traumáticas, a lesão ocorre na maioria das vezes, devido a um mecanismo penetran-
te, principalmente em homens jovens. Lesões traumáticas são frequentemente associadas a
outras lesões graves.
Os traumas contusos são praticamente inexistentes, e os traumas penetrantes
correspondem a apenas 2%, dos quais 90% são causados por armas de fogo. A lesão urete-
ral pode não ser reconhecida precocemente, a menos que sejam especificamente avaliadas
com base na suspeita clínica. O tratamento pode incluir a colocação de um stent ureteral ou
reparo cirúrgico, dependendo da gravidade e localização da lesão.
Mecanismo do Trauma
O trauma ureteral compreende cerca de <1% do trauma geniturinário (contuso e
penetrante). O ureter proximal é o mais comumente envolvido. O trauma penetrante é
mais comum, entre 60-77%, sendo os ferimentos de bala responsáveis pela maioria das
lesões. Lesões contundentes ocorrem mais em pacientes pediátricos e quando ocorrem
estão relacionadas a uma alta incidência de lesões associadas.

Lesões Associadas
A lesão ureteral traumática está altamente associada a lesões concomitantes, de-
vido a suas associações íntimas com estruturas circundantes. Em uma das maiores revisões
de literatura sobre trauma ureteral, lesões associadas estavam presentes em 91% dos paci-
entes. As lesões mais comumente associadas foram as lesões intestinais e vasculares em
casos de mecanismo penetrante. Em lesão contundente, a fratura pélvica óssea foi a mais
comum.

Lesão Iatrogênica
As lesões ureterais iatrogênicas podem ocorrer durante vários procedimentos ci-
rúrgicos abdominopélvicos e retroperitoneais, bem como durante a manipulação endoscó-
pica ou dissolução dos cálculos ureterais. A maioria das lesões é identificada no momento
da cirurgia (61%). Idealmente, uma lesão ureteral iatrogênica descoberta no intraoperatório
deve ser gerenciada imediatamente.
O reconhecimento e o tratamento de lesões ureterais de imediato estão associa-
dos à menor morbidade. A maioria das lesões iatrogênicas foi transecção incompleta, mas
também ocorreu perfuração (parcial ou completa), ligadura ou transecção completa.

Página 171
Avaliação do Trauma
Inicialmente, o quadro clínico é pouco sintomático ou até mesmo assintomático, e
a suspeita de lesão durante o procedimento cirúrgico é o principal indício que leva à realiza-
ção de exame de imagem para diagnóstico.
Em pacientes com trauma contuso ou penetrante, o mecanismo da lesão deve o-
rientar o nível de suspeita de lesão ureteral. Uma história de desaceleração rápida, trauma
abdominal multissistêmico ou trauma penetrante com características clínicas como dor no
flanco, equimose do flanco, fratura posterior da costela ou fraturas da coluna devem au-
mentar a suspeita. É importante observar que não se pode confiar na ausência de hematú-
ria para excluir lesão ureteral.
Após alguns dias da lesão, a formação de coleção de urina ou a presença da mes-
ma em contato com o peritônio provocam o surgimento de sintomas como dor lombar ou
abdominal, íleo prolongado, febre, oligúria, fístulas urinárias e sepse.

Quadro 12.2 – Classificação do Trauma Ureteral

Grau Tipo Descrição da lesão

I Hematoma Contusão ou hematoma sem desvascularização

II Laceração Transecção com menos de 50% da circunferência

III Laceração Transecção com mais de 50% da circunferência

IV Laceração Transecção completa com menos de 2 cm de desvascularização

V Laceração Transecção completa com mais de 2 cm de desvascularização

Diagnóstico
O diagnóstico é idealmente e normalmente (cerca de 75%) realizado no intraope-
ratório, sendo assim, sua imediata identificação e correção. Nos casos em que a lesão não
for identificada no intraoperatório e nos casos de traumas externos, os exames de imagem
contrastados devem ser realizados.
Entre os exames usados para detecção de lesão ureteral, destacam-se: a urografia
excretora, que apresenta alta sensibilidade para detecção de lesões ureterais; a TC com
contraste intravenoso, que tem a vantagem de avaliar simultaneamente outros órgãos
intra-abdominais, sendo especialmente importante nos casos de traumas externos.
Para informações mais delineadas, um pielografia retrógrado pode ser considerado e deve
ser usado quando se suspeita um diagnóstico tardiode iatrogenia, pois permite para coloca-
ção simultânea do cateter duplo J.
Para pacientes traumatizados com indicações para laparotomia imediata, o
diagnóstico será necessariamente feito durante a exploração dos ureteres quando houver
suspeita de lesão. A inspeção direta é o método mais sensível para avaliar lesões ureterais.

Página 172
Conduta
O manejo de uma lesão ureteral é focado em manter a drenagem renal, impedin-
do assim a formação de coleção de urina e abscesso. O tratamento das lesões ureterais
depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, local da lesão, presença de lesões
associadas e extensão do ureter desvitalizado.
O tratamento geralmente é cirúrgico (90% dos casos). Sendo poucos os casos que
são manejados de forma conservadora. Quando as lesões são identificadas precocemente,
o reparo cirúrgico um stent duplo J usando sutura absorvível, pode ser bem-sucedido, mas
um dreno de sucção fechada deve ser colocado no espaço retroperitoneal para controlar
vazamento.
Em pacientes hemodinamicamente estáveis, deve-se obter o exame de imagem
para avaliação. A pielografia retrógrada pode ser utilizada para identificar uma lesão subja-
cente, sendo o derivação urinária com cateter duplo J ou a nefrostomia percutânea reco-
mendadas em casos de fístulas urinárias.
O uso do stent ureteral (duplo J) está relacionado com uma maior facilidade de ci-
catrização, no entanto seu uso deve ser avaliado, pois também está associada a complica-
ções como formação de estenose, reação inflamatória e desconforto. Ademais, se essas
medidas não forem efetivas e o paciente continuar a apresentar problemas, a exploração
cirúrgica é indicada.
Nos pacientes hemodinamicamente instáveis, quando o controle de danos é ne-
cessário, o reparo cirúrgico da lesão ureteral pode ser postergado de 48 a 72 horas para
permitir a correção de hipotensão, coagulopatia e hipotermia induzidas pelo trauma. Nesse
caso, uma nefrostomia percutânea ou um cateter Foley exteriorizado está indicado para
desviar temporariamente a urina do local da lesão até o reparo definitivo do ureter.
As lesões ureterais grandes representam um problema significativo, pois podem
requerem reconstrução significativa. Os métodos de reparo bem-sucedidos para lesões de
ureter agudas são baseados em certos princípios: desbridamento uretérico e cuidadosa
mobilização, anastomose espatulada, livre de tensão e estanque à água sobre um stent
(sutura absorvível 5-0 sob aumento), isolamento do reparo uretérico das lesões associadas
e drenagem adequada do retroperitônio.
Além disso, durante o manejo da lesão deve-se estar atento que suprimento san-
guíneo do ureter vem de forma segmentada, logo é importante considerar esse padrão de
distribuição ao mobilizar e reparar o ureter para evitar a desvascularização ureteral.
Em algumas situações como em lesões graves na parte superior ureteres que impedem a
função ureteral adequada, a nefrectomia pode ser considerada. Ademais, se a situação
permite o trabalho em estreita colaboração com um urologista para abordar os danos ure-
teral pode trazer benefícios adicionais para o paciente, particularmente no que diz respeito
ao acompanhamento a longo prazo e continuidade geral dos cuidados.
Trauma Vesical

Página 173
Por ser protegida pelas estruturas ósseas que compõem a pelve, lesões traumáti-
cas, por qualquer mecanismo, nesse órgão não são comuns. Tendo isso em mente, a
presença de um trauma vesical, normalmente, está associado a alguns fatores facilitadores,
como a fratura de pelve ou a distensão vesical significativa.
O trauma de Bexiga ocorre em cerca de 1,6% dos traumas contusos em geral e em
cerca de 10% dos traumas abdominais. Possui uma morbimortalidade elevada, que varia de
10 a 22%, o que pode ser ainda maior quando considerado que geralmente o trauma vesical
não ocorre sozinho, estando diversas vezes associado a outras lesões graves. Quanto a
divisão anatômica dos traumas, a literatura indica que 60% deles ocorre na porção extrape-
ritoneal do órgão, outros 30% afeta a porção intraperitoneal e em 10 das situações tem-se
um acometimento de ambas as partes.
Mecanismo do Trauma
Como principais causas para essa injúria, tem-se os traumas contusos ou fecha-
dos, os traumas penetrantes e os traumas de causa iatrogênica.

Trauma Contuso
É, sem dúvidas, a etiologia mais frequente, correspondendo a cerca de 60 a 85%
dos casos. Desses 50% ocorre devido a acidentes automobilísticos, por meio do trauma
gerado pelo cinto de segurança, que costuma travar o avanço forçado do órgão pela energia
cinética. Mais de dois terços estão associados a traumas e fraturas na pelve, sendo o restan-
te observado em traumas diretos em hipogástrio quando a bexiga está cheia e em 90% dos
traumas contusos a região afetada da bexiga é a extraperitoneal.
Nesse tipo de mecanismo, que ocorre quando há uma desaceleração intensa ou o
aparecimento de uma pressão súbita em direção a parede abdominal, tem-se uma situação
de choque dentro da bexiga devido a contração do músculo detrusor e do trígono vesical e
ao evento em si. Tal acontecimento gera uma distensão da região da cúpula vesical, porção
mais frágil do órgão, gerando a sua ruptura.

Trauma Penetrante
Ocupam de 15 a 20% dos casos. Nesse contexto, os mecanismos mais vistos são os
ferimentos por arma branca e as perfurações por arma de fogo. Desses, o último é o pre-
dominante, ocorrendo em cerca de 88% das vezes em que se tem um trauma penetrante de
bexiga, além disso, o projétil tende a se estilhaçar no interior do organismo, por isso, tem-se
uma maior taxa de lesões associadas, principalmente de reto, intestino grosso e intestino
delgado. Tendem a afetar ambas as partes intra e extraperitoneias da bexiga de forma
conjunta.

Trauma Iatrogênico
A causa iatrogênica está presente nas situações em que há um trauma isolado de
bexiga, tendo uma incidência de 0,11% em cirurgias. Raras são as vezes em que mais de

Página 174
uma estrutura é lesada. A sua presença é maior em cirurgias ginecológicas ou urológicas,
devido a relação de proximidade anatômica das estruturas. A literatura também indica
quais os procedimentos com maiores índices de lesões iatrogênicas da bexiga, sendo eles:
Histerectomia, Ressecção de tumor vesical por via transuretral e slings ureterais.
Avaliação do Trauma
Alguns achados clínicos sugerem, de maneira mais enfática, a presença de um
trauma vesical, como exemplos podem ser citados: Hematúria, Peritonite, Sensibilidade em
região suprapúbica, Fratura pélvica, Oligúria, Hematoma escrotal e Ruídos hidroaéreos
diminuídos. Tais manifestações dependem também da região vesical afetada.
Desses, o sintoma mais comum nessa situação, tendo uma prevalência de até
90%, é a hematúria. Tende a ter um caráter mais grave ou macroscópico, mas existe a pos-
sibilidade de ser observada como microhematúria, em 5% dos casos.

Avaliação da Gravidade
A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) desenvolveu uma escala
(Tabela 3) para a classificação da gravidade de tal trauma. Apesar disso sua utilização com
precisão é dificultada em algumas situações.

Quadro 12.3 – Classificação do Trauma Vesical

Grau Tipo Descrição da Lesão

Hematoma Contusão, hematoma intramural


I
Laceração Lesão de espessura parcial da parede vesical

II Laceração Laceração extraperitoneal com menos de 2 cm

III Laceração Laceração extraperitoneal com mais de 2 cm, ou intraperitoneal


com menos de 2 cm

IV Laceração Laceração intraperitoneal com mais de 2 cm

V Laceração Laceração intra ou extraperitoneal com extensão para o colo ou


trígono da bexiga

Diagnóstico
A suspeita de um trauma vesical deve acontecer quando tem-se uma combinação
de manifestações clínicas associadas com uma história de trauma compatível. A realização
de um diagnóstico definitivo pode se dar ou pelo uso da Cistografia, ou pela visualização
direta do trauma por meio de uma laparotomia exploratória.
A Cistografia, além de ser o melhor exame disponível para esse fim também pode
consegue excluir a presença de traumas uretrais que possam ter acontecido em conjunto.
Possui uma acurácia de 85 a 100%. Sua realização deve seguir os seguintes passos:

Página 175
- Realizada uma Radiografia de abdome e pelve simples;
- Por meio de um cateter deve-se instilar dentro da bexiga, esvaziada previamente, 300
ml de um composto com solução salina e contraste diluídos;
- São realizadas outras radiografias para avaliar a progressão da bexiga cheia até o seu
completo esvaziamento, por meio de uma drenagem.

Atualmente, tem-se proposto uma maior utilização da cistotomografia, visto que


o paciente com fratura pélvica, muito comumente associada, e hematúria já deve realizar a
TC de Abdome para a avaliação dessas e de outras possíveis injúrias, sendo possível poupar
tempo nessa situação por tal meio. No entanto, o custo e a quantidade de radiação não
devem ser ignorados.
Nos casos de suspeita de traumas vesicais iatrogênicos, há a realização de uma
cistoscopia ou em cirurgias abertas pode-se influir líquido para a bexiga por meio de um
cateter e o cirurgião realiza a inspeção buscando extravasamento de fluidos.
Conduta
O tratamento baseia-se na escala da AAST:
- Grau I: Tratamento conservador ou com a realização e manutenção de uma Son-
dagem Vesical por 7 dias;
- Grau II e III (extraperitoneial): Inicia-se com a realização de uma Sondagem Ve-
sical por 21 dias, sendo, após esse período, realizado outra Cistografia para reava-
liação, qualquer lesão não tratada ou complicação indica a realização de uma ci-
rurgia para correção com realização de Sondagem Vesical por mais 7 dias;
- Grau III (Intraperitoneal), IV e V: Por envolver o risco elevado de Sepse e outras
complicações, indica tratamento cirúrgico, associado a realização de Sondagem
Vesical por 7 dias.

Na cirurgia, ideal é que a sutura seja realizada em dois planos, sendo importante,
também, que o cirurgião realize uma confirmação de eficácia influindo por meio de um
cateter uma substância preferencialmente colorida, tal qual o azul de metileno.
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CAPÍ
TULO

-AlanoMour ãoLeandro.
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O trato urinário inferior é composto pela parte pélvica dos ureteres, pela bexi-
ga, pela uretra, além dos órgãos genitais feminino e masculino. Os ureteres são tubos
musculares, com 25 a 30 cm de comprimento, que conectam os rins à bexiga urinária. A
irrigação arterial principal das partes pélvicas dos ureteres é variável, proporcionada por
ramos uretéricos originados das artérias ilíacas comuns, ilíacas internas
A bexiga urinária é uma víscera oca que tem fortes paredes musculares, é carac-
terizada por sua distensibilidade. Quando vazia, a bexiga urinária do adulto está localizada
na pelve menor, situada parcialmente superior e parcialmente posterior aos ossos púbicos.
À medida que se enche, a bexiga urinária entra na pelve maior e é apoiada sobre o púbis e
a sínfise púbica anteriormente e sobre a próstata (homens) ou parede anterior da vagina
(mulheres) posteriormente. Quando vazia, a bexiga urinária tem um formato quase tetraé-
drico e externamente tem ápice, corpo, fundo e colo. As paredes da bexiga urinária são
formadas principalmente pelo músculo detrusor. Os óstios do ureter e o óstio interno da
uretra estão nos ângulos do trígono da bexiga. As principais artérias que irrigam a bexiga
urinária são ramos das artérias ilíacas internas.
Em relação as particularidades masculinas, a uretra masculina é um tubo muscu-
lar (18 a 22 cm de comprimento) que conduz urina do óstio interno da uretra na bexiga
urinária até o óstio externo da uretra, localizado na extremidade da glande do pênis em
homens. Esse órgão também é a via de saída do sêmen (espermatozoides e secreções
glandulares). A uretra masculina é subdividida em quatro partes: intramural (pré-
prostática), prostática, membranácea e esponjosa. A parte membranácea (intermédia) da
uretra começa no ápice da próstata e atravessa o espaço profundo do períneo, circundada
pelo músculo esfíncter externo da uretra. A parte esponjosa da uretra começa na extremi-
dade distal da parte membranácea e termina no óstio externo da uretra masculina, que é
ligeiramente mais estreito do que as outras partes da uretra.
O escroto é um saco fibromuscular cutâneo dinâmico para os testículos e epidí-
dimos. A face anterior do escroto é suprida por vasos sanguíneos ramos dos vasos sanguí-
neos pudendos externos. A face posterior do escroto é suprida por vasos sanguíneos conti-
nuações dos vasos sanguíneos pudendos internos.
O pênis é formado principalmente por pele fina e móvel que cobre três corpos ci-
líndricos de tecido cavernoso erétil, os dois corpos cavernosos e um corpo esponjoso que
contém a parte esponjosa da uretra. Esses corpos eréteis são unidos pela fáscia profunda
do pênis, exceto na raiz, onde se separam nos ramos e no bulbo do pênis. A glande do
pênis é uma expansão distal do corpo esponjoso, que tem o óstio externo da uretra em sua
extremidade e uma coroa que se projeta do colo da glande. Com exceção da pele próxima
da raiz, o pênis é irrigado principalmente por ramos das artérias pudendas internas. As
artérias dorsais irrigam a maior parte do corpo e da glande. As artérias profundas irrigam o
tecido cavernoso. As artérias helicinais terminais abrem-se para encher os seios de sangue
sob pressão arterial, ocasionando a ereção do pênis.

Página 180
Em relação ao sexo feminino, a uretra (com cerca de 4 cm de comprimento) se-
gue anteroinferiormente do óstio interno da uretra na bexiga urinária, posterior e depois
inferior à sínfise púbica, até o óstio externo da uretra. O óstio externo da uretra feminina
está localizado no vestíbulo da vagina. Há glândulas na uretra, sobretudo em sua parte
superior. Um grupo de glândulas de cada lado, as glândulas uretrais, é homólogo à prósta-
ta. A uretra feminina é irrigada pelas artérias pudenda interna e vaginal.
A vagina situa-se entre a uretra anteriormente e o reto posteriormente e está in-
timamente relacionada com essas estruturas. A maior parte da vagina está localizada na
pelve, recebendo sangue pelos ramos pélvicos das artérias ilíacas internas (artérias uterina
e vaginal). A parte mais inferior da vagina está localizada no períneo, recebe sangue da
artéria pudenda interna.
Já em relação aos órgãos femininos externos, consistem em pregas concêntricas
(lábios) que circundam o clitóris e os óstios separados dos sistemas urinário e reprodutivo.
O monte do púbis e os lábios maiores do pudendo preenchidos por tecido adiposo circun-
dam a rima do pudendo, cobrindo e protegendo seu conteúdo. Os vasos pudendos inter-
nos irrigam a maior parte da vulva, e os vasos pudendos externos irrigam uma área anteri-
or menor.
Trauma Uretral
O trauma uretral é mais prevalente em homens, devido, na maioria das vezes, a
iatrogenia relacionada à sondagem vesical e por trauma abdominal contuso. A uretra ante-
rior, distal ao diafragma urogenital, é exposta, aumentando o risco de trauma contuso,
principalmente os do tipo ‘’ queda em cavaleiro”. Outro fator causal comum é a lesão de
uretra secundária a trauma peniano. As lesões de uretra posterior são quase que concomi-
tante às fraturas de anel pélvico, sendo observada em aproximadamente 19% das fraturas
pélvicas em homens.
Apresentação Clínica
O principal sinal de presunção de lesão de uretra é o sangue no meato uretral,
ele se apresenta em até 93% dos casos de lesão posterior e em até 75% nas lesões anterio-
res. outros fatores de suspeição de lesão uretral são retenção urinária, hematoma perine-
al/peniano e elevação da próstata ao toque retal.
Em se tratando de hematomas, deve-se observar se é restrito ao pênis ou se se
estende para períneo e nádegas, o padrão de extensão é determinado a partir do acome-
timento das fáscias do pênis, do períneo e da parede abdominal. Geralmente as lesões de
uretra anterior possuem hematoma limitados ao pênis, já que não violam a fáscia do penis
(ou fáscia de Buck). No entanto, quando essa fáscia é rompida, a sufusão hemorrágica se
estende pelo períneo, com o ''padrão de borboleta’’, que pode se estender até a parede
abdominal.

Página 181
Figura 13.1 – Desenho esquemático mostrando o tipo de acometimento nos casos de hematoma
perineal.
Fonte: Adaptado de THURTLE, et al. 2017.

Abordagem Diagnóstica
O método padrão para diagnosticar lesão uretral é a uretrografia retrograda
(UR), que é realizada com injeção de 20-30 ml de contraste não diluído através de sonda de
Foley 14Fr, com o balão insuflado (1-2ml) na fossa navicular. Logo após, é realizado radio-
grafia com incidência de 30 graus em posição oblíqua. Em paciente com instabilidade he-
modinâmica, não é realizada de UR, sendo indicado cistostomia suprapúbica

Figura 13.2 - Imagem mostrando Uretrocistografia


Retrógrada em paciente vítima de trauma, apresen-
tando falha de enchimento e extravasamento de
contraste em uretra peniana.
Fonte: Foto retirada do acervo do site:
https://pebmed.com.br/

A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) elaborou uma classifi-
cação para estratificar a lesão ureteral (Quadro 13.1):

Quadro 13.1 – Classificação do Trauma Ureteral da AAST

Grau Descrição da lesão

I Contusão – sangue no meato uretral; uretrograma normal

Página 182
Continuação do Quadro 13.1
II Lesão por estiramento – alongamento da uretra sem extravasamento na uretografia

III Ruptura parcial – extravassamento do contraste no local da lesão com visualização


do contraste na bexiga

IV Ruptura completa – extravassamento do contraste no local da lesão sem visualiza-


ção na bexiga; separação uretral < 2 cm.

V Ruptura completa - transecção completa com mais de 2 cm de separação uretral ou


extensão para próstata ou vagina.

Figura 13.3 – (A) Imagem de uretrografia retrógrada em um paciente do sexo masculino com uma
fratura pélvica em "livro aberto" mostrando a uretra posterior (seta), que parece estreita, mas intacta,
sem evidência de extravasamento de material de contraste; (B) Imagem de uretrografia retrógrada
mostra uma área de extravasamento de material de contraste (branco seta) indicativo de lesão na
uretra posterior, com um diafragma urogenital intacto (seta preta).
Fonte: INGRAM, et al., 2008.

Figura 13.4 - Imagens de (A) uretrografia retrógrada e (B) uretrografia excretora realizadas com o
auxílio de cateter suprapúbico, em um paciente masculino com trauma pélvico evidênciando uma
transecção completa da uretra posterior com extravasamento de material de contraste para os tecidos
moles perineais (seta em A), bem como ruptura do colo da bexiga com extravasamento de material de
contraste extraperitoneal (seta em B).
Fonte: INGRAM, et al., 2008.

Página 183
Abordagem Terapêutica
Quando há suspeita de lesão, a cateterização é aceitável, desde que seja feita por
um profissional experiente e capacitado. Porém, se não houver progressão da sonda, deve
ser realizado cistostomia e realização de uretrografia, para confirmar lesão uretral.
A punção suprapúbica pode ser realizada com um cateter pela técnica de seldin-
ger e guiada por ultrassom ou mesmo por via cirúrgica, com cateterização por sonda de
Foley 16Fr.
As indicações de correção primária (< 48h) são:
● Lesão anorretal associada;
● Desluvamento perineal;
● Deslocamento importante de bexiga;
● Trauma penetrante de uretra anterior.
Em caso de alguma das situações acima, deve ser realizado exploração para des-
bridamento e o reparo pode ser primário, porém se a lesão for extensa ou o paciente não
possuir estabilidade hemodinâmica, deve ser realizado cistostomia com uretroplastia em
outro tempo cirúrgico e, se necessário, em etapas.
A melhora nos métodos de fixação e correção de fraturas do anel pélvico possibi-
litaram e facilitaram tratamento tardio efetivo, podendo este ser realizado em torno de
três meses após o trauma em centro especializado com urologista experiente em cirurgia
reconstrutoras.

Trauma Genitoescrotal
Trata-se de trauma envolvendo órgãos sexuais masculinos e femininos. Apesar de
parecer um órgão vulnerável, esse tipo de truma em homens são relativamente raros.
Geralmente, essas lesões cursam com dor intensa e, devido a vascularização abundante,
sangramento.
As principais lesões do trato genitourinário são: fratura de pênis, ruptura testicu-
lar e trauma penetrante de penis.
Trauma de Pênis
A fratura de pênis é definida como a ruptura da túnica albugínea do corpo caver-
noso. Pode ser associado à transecção parcial ou total de uretra ou do tecido esponjoso.
Possui uma incidência de 0.29-1.36 casos a cada 100.000 pessoas. Lesão uretral associada é
rara, sendo descrita em uma frequencia de 10-38% dos casos.

Quadro 13.2 – Classificação do Trauma Peniano da AAST

Grau Descrição da lesão

I Laceração cutâneo/contusão

Página 184
Continuação do Quadro 13.2
II Laceração da fáscia de buck (cavernosa) sem perda tecidual

III Avulsão cutânea/laceração através da glande/meato/corpo cavernoso ou defeito


uretral < 2 cm

IV Lesão de corpo cavernoso ou defeito uretral > 2cm/ penectomia parcial

V Penectomia total

Trauma Peniano Contuso


O trauma peniano contuso é o principal mecanismo de fratura peniana. Ela deve
ser suspeitado quando há um estalo brusco, geralmente durante relação sexual ou manipu-
lação, associados com dor local e detumescência. Nos casos de hematomas limitados ao
subcutâneo, pode ser optado por tratamento conservador com uso de anti-inflamatórios
não esteroidais e compressas geladas.
Recomenda-se exploração cirúrgica para reparo de túnica albugínea, a fim de evi-
tar disfunção erétil e deformidade peniana.
Há uma associação considerável entre fratura de pênis e lesão de uretra, sendo
assim, quando necessário, cabe investigar com uretrografia retrograda ou uretroscopia. Se
presente a lesão uretral deve ser corrigida na fase aguda, conforme discutido anteriormen-
te.

Figura 13.5 - Imagem de orgão acometido por ferimen-


to por arma de fogo com lesão de glande e de corpos
cavernosos.
Fonte: GARCÍA-PERDOMO, 2014.

Trauma Penetrante
Cerca de 20% dos trauma penianos são provenientes de mecanismos penetran-
tes.5 Traumas penetrantes penianos são identificados apenas com exame físico, cerca de
11-29% dos casos possuem lesão de uretra associada, dessa forma, pode ser realizado

Página 185
uretrografia retrógrada para confirmar a lesão ou pode ter a exploração cirúrgica indicada.
Nesta última deve ser realizado debridamento e síntese primária da túnica albugínea. 6
Se houver perda de substância importante, pode ser realizado enxerto. Os enxertos de
espessura total são preferidos, pois apresentam melhores resultados que os de espessura
parcial.
Outro trauma penetrante pode acontecer por meio de mordedura de animal, na-
qual a conduta é semelhante, porém é notório o aumento de incidência de infecção local.
Portanto, é recomendável ser realizado lavagem copiosa de lesão, associado a debrida-
mento de partes desvitalizadas e fechamento primário, assim como antibioticoterapia
guiada para patógeno mais prevalente, sendo mais indicado beta-lactâmico com inibidor
de beta-lactamase (amoxicilina + clavulanato), cefalosporinas, doxiciclina ou macrolídeos
(eritromicina) por 10-14 dias e Vacinação antirrábica. Importante lembrar sobre o uso da
vacinação para hepatite B e profilaxia pós exposição para HIV, nos casos de mordedura
humana

Trauma por Constricção


Apesar de incomum nas emergências urológicas, o trauma por constrição causa
sérios danos ao sistema genital e necessita de intervenção imediata para evitar eventos
vasculares e lesões mecânicas.
Utilizado, em adultos, por interesses sexuais, psiquiátrico e, em crianças, por aci-
dente, os objetos descritos nesse tipo de lesões são, principalmente, metálicos (anéis e
porcas de parafusos) e não metálicos (cabelo, elásticos e garrafas PET).
Quanto a classificação das lesões, Bhat et al separou e graduou, por gravidade, as
lesões penianas por encarceramento (Quadro 13.3):

Quadro 13.3 – Gradação da Lesão Peniana Proposta por Bhat et al

Grau Apresentação

I Edema

II Parestesia

III Lesão de Pele e Uretra, sem fístula

IV Fístula Uretral

V Gangrena, Necrose e Amputação

A fisiopatologia deve-se à diminuição da drenagem linfática, ocasionando edema


e, consequentemente, menor retorno venoso, irrigação arterial e piora do encarceramen-
to, podendo causar síndrome compartimental e gangrena. Foi relatado também retenção
urinária aguda, que pode ser tratada com sondagem ou por cistostomia suprapúbica.

Página 186
O tratamento se dá pela retirada do objeto constritor seja com raquianestesia ou
anestesia local, além de antibioticoterapia, podendo ter como sequela mais prevalente
impotência sexual e, em alguns casos, infecção e amputação do órgão.
Figura 13.4 – Constricção na
região peniana.

Figura 13.5 - Constricção na região peniana.

Trauma Escrotal e Testicular


A genitália externa masculina possui risco maior de trauma, devido sua anatomia.
Sendo assim, há mecanismos protetores naturais para o escroto e os testículos. O testícu-
los são móveis na bolsa escrotal, a pele do escroto também é móvel, permitindo que as
orgãos se interiorizem devido ao reflexo cremastérico, gerando um mecanismo de prote-
ção. A túnica albugínea serve como uma forte força tênsil, gerando atenuação da energia
cinética provocada pelo mecanismo de trauma. Assim como em outros órgãos, as lesões
escrotais podem ser divididas em penetrantes e contusas, essas últimas são as mais preva-
lentes, podendo corresponder até a 85% dos casos. Quanto ao acometimento testicular, a
lesão bilateral é encontrada em 1.5% nos traumas contusos e em aproximadamente 30%
dos traumas penetrantes

Apresentação Diagnóstica
Geralmente o exame físico nesses pacientes é dificultado pela intensa dor e
edema importantes associados, por esse motivo alguns pacientes têm indicação equivoca-
da de exploração escrotal.

Página 187
A ultrassonografia de bolsa escrotal, apesar de no passado não ser tão emprega-
da, atualmente tem importante valor para diagnóstico, com sensibilidade de 100% e espe-
cificidade de 65%. Os achados ultrassonográficos que indicam exploração cirúrgicas são:
hematocele, perda de definição de contornos, parênquima testicular heterogêneo ou
hipoecogênico, hematoma testicular, lesões de epidídimo e avulsão testicular.

Quadro 13.4 – Classificação do Trauma Escrotal da AAST

Grau Descrição da lesão

I Contusão

II Laceração < 25% do diâmetro escrotal

III Laceração ≥ 25% do diâmetro escrotal

IV Avulsão < 50%

V Avulsão ≥ 50%

Quadro 13.5 – Classificação do Trauma Testicular da AAST*

Grau Descrição da lesão

I Contusão ou hematoma

II Laceração subclínica da túnica albugínea

III Laceração da túnica albugínea com < 50% de perda de parênquima

IV Laceração importante da túnica albugínea com ≥ 50% de perda de parênquima

V Destruição testicular total ou avulsão


* Avançar um grau para lesões bilaterais até grau 5.

Figura 13.6 - Imagem de Ruptura de


Testiculo Direito pela ultrassonografia.
Fonte: RANDHAWA; BLANKSTEIN;
DAVIES, 2019.

Página 188
Abordagem Terapêutica
A exploração cirúrgica com reparo, se precoce, e associada com melhores taxas
de preservação da fertilidade e da função hormonal, além de recuperação mais rápida e
retorno precoce às atividades. O objetivo da exploração cirúrgica e o reparo testicular, se
possível, hemostasia, prevenção de infecção e melhorar o tempo de recuperação.
Em traumas contusos, a ruptura ou fratura testicular é representada pelo rom-
pimento da túnica albugínea, resultado da compressão da bolsa escrotal. Mais de 90% das
rupturas de testiculo podem ser recuperadas se abordadas com até 72h. A conduta cirúrgi-
ca deve ser realizada se o US mostrar sinais de ruptura testicular ou o exame for inconclu-
sivo.
A incisão é feita na rafe escrotal, seguido de abertura da túnica vaginal e evacua-
ção do hematoma e inspeção do testiculo para avaliação da lesão e da viabilidade. Após
isso deve ser realizado debridamento de tecidos desvitalizados e o defeito da túnica albu-
ginea corrigido com fio absorvível para que o edema não progrida para os ductos seminífe-
ros. Se o reparo primário não for possível, pode ser utilizado um retalho da túnica vaginal.
Sempre que não houver viabilidade do testiculo a orquiectomia deve ser realizada.
Os raros casos de deslocamento testicular são mais comuns em acidentes auto-
mobilísticos, podendo acometer os testículos bilateralmente em 25% dos casos. O deslo-
camento pode ocorrer tanto para tecido subcutâneo, quanto para o anel inguinal externo
do canal inguinal.
Portanto, é necessário abordagem cirúrgica para avaliação de viabilidade do ór-
gão e realização de orquidopexia.
A hematocele é o achado mais comum dos traumas escrotais contusos, ela pode
ser identificada na US com achado de imagem ecogênica. Uma reavaliação deve ser reali-
zada com 12-24h para verificar provável mudança na ecogenicidade. Hematocele crônicas
podem apresentar ao US septações, loculações e calcificações. Geralmente é necessária a
evacuação do hematoma no momento da abordagem cirúrgica, coom controle efetivo da
hemostasia, pois há um risco considerável de ressangramento. A conduta não cirúrgica
pode ser empregada quando a hematocele for 3x menor que o testiculo contralateral,
menor de < 5cm ou nao expansivel. Pacientes com hemoceles volumosas se beneficiam de
evacuação precoce se não houver ruptura testicular. Isto é devido ao aumento nas taxas de
orquiectomia, infecção, dor e atrofia.
Em traumas penetrantes da bolsa escrotal deve ser realizado exploração cirúrgica
para desbridamento de tecidos desvitalizados, no ato operatório é necessário cuidado com
acometimento de estruturas, como funículo espermáticos, incluindo ducto deferente. Ao
contrário do trauma contuso, a taxa de preservação do testiculo em trauma penetrante é
menor, cerca de 32 a 65%.
Lesões térmicas também podem existir e dificilmente são isoladas, sendo neces-
sária abordagem sistêmica do paciente, incluindo ressuscitação volêmica, antibioticoprofi-
laxia e vacinação antitetânica. A lesões com perda de sensibilidade e de aparência carboni-

Página 189
zada podem prejudicar a espermatogênese. As lesões de terceiro grau, na maioria das
vezes, necessitam de abordagem cirúrgica para reconstrução.
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CAPÍ
TULO

-JoãoEdisondeAndr adeFi l
ho.
-ManoelMessiasCamposJúni or.
-MárciaGrazi
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ySouzaVi eira.
-AnaOsmi raCarval
hoSal danha.
-BárbaraBezerr
aRicciar
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O traumatismo das artérias carótidas e vertebrais representa um desafio ao ci-
rurgião vascular em virtude das elevadas taxas de complicações e óbitos. A maioria das
lesões (mais de 90% dos casos) são causadas por ferimentos penetrantes na região cervical.
O vaso mais frequentemente lesado é a veia jugular interna, seguida pela carótida comum e
então a carótida interna. Os traumatismos iatrogênicos, por sua vez, ocorrem na sua maio-
ria durante a tentativa de inserção de cateter venoso central.
Alguns sinais e sintomas sugerem fortemente a presença de lesão vascular cervi-
cal e indicam exploração vascular imediata. Os sinais fortes são choque, sopro, hipotensão
refratária, sangramento ativo pulsátil e hematoma em expansão. Outros achados que po-
dem estar associados ao trauma cervical são hemoptise, crepitação subcutânea, rouquidão,
odinofagia, comprometimento das vias aéreas, além de déficit neurológico contra-lateral e
síndrome de Horner.
As lesões cervicais penetrantes superficiais que não ultrapassam o platisma não
exigem exploração vascular e podem ser tratadas de forma conservadora com limpeza da
lesão e sutura. Os pacientes estáveis com sinais leves e que apresentam ferimentos pene-
trantes no platisma devem ser avaliados sistematicamente devendo-se considerar exames
complementares adicionais ao exame clínico. Os sinais leves são história de sangramento na
cena do trauma, hematoma estável, lesões de nervo, assimetria de pulso (ou pressão arte-
rial) nos membros superiores e trajeto da lesão na topografia dos vasos cervicais.
Deve-se considerar a necessidade de garantir uma via aérea definitiva pelo risco
de comprometimento da via respiratória por hematoma expansivo na região cervical.
Quanto ao mecanismo de trauma, os ferimentos por arma de fogo são mais pro-
pensos a causar grandes lesões vasculares quando comparados aos ferimentos por arma
branca.
Zonas Anatômicas
Monson e colaboradores propuseram em 1969 uma divisão anatômica do pescoço
dividida em três zonas. O conhecimento destas zonas é fundamental no estabelecimento da
conduta terapêutica do trauma cervical. São elas:

Quadro 14.1 Divisão Anatômica do Pescoço em Zonas Descrita por Monson e colabs.
Zonas Descrição
Zona I Corresponde à base do pescoço e localiza-se abaixo da cartilagem cricóide.
Zona II Espaço compreendido entre a cartilagem cricóide e o ângulo da mandíbula.
Zona III Estende-se do ângulo da mandíbula até a base do crânio.

A Zona I compreende a base do pescoço e envolve estruturas como arco aórtico,


artérias carótidas comuns proximais, veia inominada, artérias subclávias extratorácicas,
veias subclávias, ducto torácico, traquéia, esôfago, plexo braquial proximal e nervo vago. A

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presença de lesão vascular nessa região pode se manifestar por exteriorização hemorrágica
ou sangramento intrapleural. Nos pacientes estáveis com suspeita de lesão vascular reco-
menda-se investigação com angiografia ou angiotomografia, devendo a esofagoscopia e a
broncoscopia ser realizadas conforme avaliação clínica individual. A exposição cirúrgica
para as lesões na Zona I envolve, na maioria das vezes, a necessidade de esternotomia
mediana com extensões cervicais, toracotomia anterolateral alta ou acesso supra clavicular
com ou sem excisão da clavícula. Dependendo das condições hemodinâmicas do paciente e
da localização da lesão, o controle proximal dos grandes vasos pode ser realizado através da
inserção endovascular de um balão complacente pela femoral até que seja possível o clam-
peamento do mesmo.
A Zona II, compreendida entre a cartilagem cricóide e o ângulo da mandíbula,
abrange estruturas vasculares como as artérias carótidas comuns e bifurcação carotídea,
artérias vertebrais, veia jugulares internas, além da traquéia cervical, laringe, esôfago cervi-
cal, medula espinhal, nervos vago e hipoglosso, entre outros. O tratamento das lesões
penetrantes da zona II ainda traz algumas controvérsias nos pacientes estáveis. Durante
muito tempo se propôs a realização de exploração cirúrgica em todos os ferimentos pene-
trantes nesta região por considerar que as estruturas aí localizadas são vitais e de fácil
exposição, podendo ser reparadas as lesões de artéria carótida, veia jugular interna, esôfa-
go e traquéia. A maioria dos grandes centros de trauma recomenda hoje uma exploração
cirúrgica seletiva naqueles casos onde haja evidências clínicas ou radiológicas sugestivas de
lesão vascular. É importante ressaltar que caso a conduta inicial seja não cirúrgica, é neces-
sária uma investigação aprimorada através de reavaliação clínica sistemática pela equipe
médica e exames de imagem complementares (arteriografia, angiotomografia ou ultrasso-
nografia vascular com doppler). Deve-se considerar também a necessidade de endoscopia
digestiva alta ou broncoscopia para investigar lesões esofágicas ou de traquéia, respectiva-
mente. Naqueles pacientes que manifestem hemoptise, crepitação e exteriorização de
sangramento via oral oriundo do ferimento cervical a exploração cirúrgica está indicada.
As lesões na Zona III, região compreendida entre o ângulo da mandíbula e a base
do crânio, podem envolver as artérias carótidas internas, artérias vertebrais, veia jugular
interna, faringe ou estruturas nervosas. A exploração cirúrgica desta zona é difícil e a expo-
sição e controle distal dos vasos nesta topografia são limitados, obrigando muitas vezes a
realizar a subluxação da articulação temporomandibular. Recomenda-se, sempre que possí-
vel, o estudo angiográfico dos vasos desta região e o planejamento cirúrgico para uma
possível abordagem endovascular.

Página 193
Figura 14.1 - Zonas anatômicas do pescoço para lesões penetrantes.

Traumatismo da Artéria Carótida

Lesões Penetrantes
As lesões de artéria carótida ocorrem em aproximadamente 6% das lesões pene-
trantes do pescoço. A artéria carótida comum é a mais frequentemente lesada seguida pela
carótida interna.
As lesões penetrantes associadas a sinais fortes de traumatismo vascular como
sangramento ativo, choque hipovolêmico, sopro e hematomas grandes e em expansão,
devem ser submetidas à exploração imediata. Os pacientes estáveis com suspeita de lesão
vascular podem ser melhores investigados com ultrassom doppler, angiotomografia ou
arteriografia quando necessário.
As lesões carotídeas penetrantes sem déficit neurológico devem ser reparadas
sempre que possível. Os pacientes neurologicamente assintomáticos com trombose da
artéria carótida devem ser conduzidos prioritariamente de forma conservadora sem revas-
cularização carotídea. Nestes casos deve ser considerada a imediata instituição do trata-
mento anticoagulante para evitar complicações secundárias como a trombose da artéria
cerebral média, desde que não haja contraindicação absoluta à anticoagulação. Apesar de
controverso, as lesões penetrantes associadas a pequenos defeitos da íntima ou pequenos
pseudoaneurismas podem ser conduzidos conservadoramente nos pacientes neurologica-
mente íntegros desde que rigorosamente acompanhados com USG doppler ou angiografia.
Muitos centros, entretanto, recomendam que estes pacientes sejam rotineiramente abor-
dados no intuito de evitar complicações tardias. Naqueles pacientes tratados de forma

Página 194
conservadora e que evoluem com persistência de pseudoaneurismas ou dissecção sintomá-
tica, deve-se considerar a possibilidade de tratamento endovascular.
O acesso cirúrgico das lesões carotídeas vai variar de acordo com a sua porção
acometida. Lesões de carótida comum na zona I são abordadas através de esternotomia ou
toracotomia anterolateral alta, podendo-se associar outras incisões como acesso supra
clavicular com ou sem ressecção da clavícula. Já nas lesões de zona II adota-se habitualmen-
te incisão oblíqua ao longo da borda anterior do músculo esternocleidomastóideo através
da qual é possível reparar lesões nas artérias carótidas e na veia jugular interna. Caso haja
suspeita de lesão associada de outras estruturas poderá ser realizada cervicotomia explora-
dora transversal com uma incisão cervical anterior alta e extensões oblíquas bilateralmente.
As lesões de zona III são de difícil acesso cirúrgico sendo necessário, na maioria das vezes,
realizar a luxação da articulação temporomandibular.

.......
Figura 14.2 - Lesão de artéria carótida comum e veia jugular interna submetida a exploração vascular
por cervicotomia anterior e rafia primária.

A técnica cirúrgica utilizada para o reparo vai variar conforme a localização e o ti-
po de lesão, podendo ser realizada rafia primária, ressecção segmentar com anastomose
termino terminal, transposição da carótida externa, reimplante da carótida interna, plastia
da carótida com remendo (preferencialmente de safena) ou mesmo interposição de enxerto
com veia safena ou prótese vascular. Quando a lesão acometer uma porção mais distal da
carótida interna poderá ser utilizado um cateter de Fogarty para controle distal do sangra-
mento ativo. Naqueles casos em que o reparo seja mais demorado ou que o refluxo no coto
distal da carótida interna seja débil, recomenda-se a utilização de shunt intravascular. É
importante ressaltar que durante o período de clampeamento da carótida o paciente deve-
rá estar heparinizado, desde que não haja contraindicação absoluta.

Página 195
Figura 14.3 - Lesão em artéria carótida comum por projétil de arma de fogo em zona II visualizada na
arteriografia cervical (A e B); Exploração vascular cervical (C).

Com o avanço da técnica endovascular e o crescente aprimoramento dos materi-


ais disponíveis, o reparo endoluminal deverá ser considerado, principalmente no tratamen-
to das lesões das zonas I e III. A abordagem endovascular poderá evitar a morbidade de
uma esternotomia mediana, uma incisão torácica alta ou uma difícil dissecção na base do
crânio. Lesões mais distais, inacessíveis cirurgicamente, podem ser revascularizadas ou
embolizadas por via endovascular sob anestesia local. O uso de stents autoexpansíveis
recobertos permite a exclusão endovascular de pseudoaneurismas, fístulas arteriovenosas
ou mesmo transecções parciais principalmente nas regiões de difícil acesso. As lesões da
zona II devem ser abordadas preferencialmente com o reparo operatório.
As lesões simples de carótida externa devem ser rafiadas, ao passo que nas lesões
complexas preconiza-se a ligadura ou embolização da mesma. Nos casos de lesões venosas
(veia jugular interna) pode ser realizada a ligadura da mesma.

Figura 14.4 - Lesão em carótida comum direita por arma branca (A) em zona I corrigida por técnica
endovascular com stent revestido (B).

Página 196
Figura 14.5 - Lesão de ramo da artéria carótida externa por arma branca em zona III (A). Embolização
da carótida externa por técnica endovascular (B).

Lesões Contusas
O traumatismo contuso da artéria carótida tem uma baixa incidência, mas quando
presente, pode ser fatal. Mais de 90% das lesões fechadas acometem a artéria carótida
interna, geralmente na sua porção distal. São conhecidos três mecanismos principais de
lesão carotídea no trauma contuso: (1) hiperextensão e rotação cervical súbita; (2) contusão
direta do vaso no pescoço; (3) fratura na base do crânio com laceração do vaso por fraturas
ósseas. A hiperextensão ou rotação cervical é o mecanismo mais frequente e resulta de
altas velocidades nos acidentes automobilísticos. Ela determina um estiramento da parede
arterial promovendo uma lesão na camada íntima com dissecção da carótida podendo
evoluir para a trombose arterial. Além de dissecção e/ou trombose arterial, o trauma caro-
tídeo contuso pode evoluir com formação de pseudoaneurismas ou até mesmo com ruptu-
ra arterial completa.
O diagnóstico inicial das lesões carotídeas contusas é dificultado pela frequente
associação com o traumatismo craniano e pela intoxicação por etanol e por outras drogas,
limitando o reconhecimento do déficit neurológico secundário ao trauma vascular carotí-
deo. Além disso, mesmo que não haja TCE associado, nem sempre os sinais neurológicos
secundários à lesão carotídea são evidentes no momento da admissão, podendo se mani-
festar horas ou mesmo dias após o trauma. Pacientes vítimas de trauma cervical contuso
apresentando déficit neurológico e sopro carotídeo sem alterações na tomografia de crânio
deverão ter alto grau de suspeição de lesão vascular carotídea. Exames complementares
como o USG doppler, a angiotomografia e a arteriografia podem auxiliar na confirmação da
lesão vascular.

Página 197
O tratamento das lesões contusas da carótida é conservador na grande maioria
dos casos, devendo ser instituída anticoagulação sistêmica imediata. É fato que a maior
parte das lesões acomete a carótida interna distal e muitas vezes são lesões extensas, difi-
cultando o acesso cirúrgico e limitando a correção das mesmas.
Os pseudoaneurismas podem ser abordados cirurgicamente ou por via endovascular, quan-
do factível. Em alguns casos específicos, as dissecções deverão ser abordadas por radioin-
tervenção.
A terapia endovascular tem sido reservada principalmente para os casos de dis-
secção em evolução que são cirurgicamente inacessíveis, para os pseudoaneurismas que
persistem mesmo após o tratamento conservador (anticoagulação) ou para pacientes com
agravamento dos sintomas neurológicos. É comum que os pseudoaneurismas não regridam
com o tratamento clínico; além disso, 33% das dissecções agudas não oclusivas tratadas
com anticoagulação evoluem com a formação de pseudoaneurismas na arteriografia de
acompanhamento. Apesar do baixo risco de ruptura, esses pseudoaneurismas tendem a ser
fonte de eventos embólicos crônicos ou trombose. Diante disso, recomenda-se a terapia
endovascular com uso de stents recobertos com baixa morbidade. Se a lesão estiver locali-
zada na base do crânio, a única opção de tratamento pode ser a exclusão endovascular.
Quando a lesão está localizada na carótida interna proximal ou na artéria carótida comum,
o vaso deve ser abordado por uma exposição anterior e realizada a rafia primária ou, mais
comumente, uma plastia com remendo de veia safena magna ou prótese.
Traumatismo da Artéria Vertebral
O uso crescente dos exames de imagem (tomografia e arteriografia) na investiga-
ção dos traumas cervicais tem contribuído para um aumento na incidência das lesões trau-
máticas de artéria vertebral nos últimos anos. A maioria destes pacientes é assintomática
uma vez que o sistema vertebro-basilar promove uma compensação circulatória pela artéria
vertebral contra-lateral, o que torna o diagnóstico clínico ainda mais difícil.
O tratamento das lesões traumáticas de artéria vertebral deverá ser individualiza-
do conforme os achados angiográficos e a presença de circulação colateral. Pequenas lesões
intimais, sem sangramento ou pseudoaneurismas, devem ser conduzidas de forma conser-
vadora com anticoagulação sistêmica, assim como as lesões oclusivas onde ocorre a trom-
bose da artéria vertebral. Nas lesões mais graves, principalmente naqueles casos onde haja
sangramento ou fístula arteriovenosa, o tratamento de escolha é a embolização pela técni-
ca endovascular.
O reparo da artéria vertebral costuma ser reservado àqueles pacientes com hipo-
plasia ou ausência da artéria vertebral contralateral onde haja um comprometimento da
circulação cerebral posterior.
O acesso cirúrgico supra-clavicular permite expor o segmento proximal da artéria
vertebral após a sua origem na artéria subclávia. A segunda porção da artéria, entretanto, é
de difícil acesso uma vez que ela penetra no forame do processo transverso de C6 e se
exterioriza em C1, além de haver uma rica rede venosa no seu trajeto intra-ósseo que pode

Página 198
levar a um sangramento de difícil controle. Para acessar o terceiro e quarto segmento da
artéria vertebral torna-se necessário a realização de craniotomia. O controle proximal deve-
rá ser realizado, portanto, junto à origem da artéria vertebral na subclávia.

Referências
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O trauma vascular torácico tem se tornado um desafio cada vez maior no tra-
tamento do paciente politraumatizado. O aumento da violência urbana, bem como um
número cada vez maior de traumas de alto impacto, tem determinado uma incidência
crescente de lesões vasculares graves e complexas no tórax, frequentemente associada a
lesões de outros órgãos.
A maioria das lesões vasculares no tórax são causadas por ferimentos penetrantes
secundárias a arma de fogo (mais comum) ou arma branca. O trauma fechado também
pode determinar lesões de grandes vasos no tórax, em especial na aorta, nas veias pulmo-
nares, na veia cava e demais grandes vasos, na maioria das vezes relacionados a acidentes
de alto impacto com veículos motorizados. Nos traumas fechados, a aorta descendente logo
abaixo da emergência da artéria subclávia esquerda é o local mais frequentemente lesado,
com aproximadamente 90% das lesões.
O progresso nos métodos diagnósticos e terapêuticos observados nas últimas dé-
cadas tem mudado o paradigma do trauma vascular torácico. O uso da angiotomografia e a
adoção do reparo endovascular para pacientes anatomicamente favoráveis contribuíram
significativamente para essa mudança de paradigma.
Uma radiografia em antero-posterior em posição supina deve ser obtida rotinei-
ramente no paciente politraumatizado para pesquisar alterações como pneumotórax, he-
motórax e fraturas. Achados como fratura de esterno, escápula, clavícula, primeira costela
ou múltiplas costelas à esquerda devem levantar suspeita de lesão contusa de aorta toráci-
ca. Outros achados indiretos podem ser obliteração do botão aórtico, depressão do brôn-
quio fonte esquerdo, opacidade da cúpula pleural esquerda, desvio de sonda nasogástrica
para a direita, deslocamento lateral da traquéia ou alargamento patológico do mediastino.
Considera-se mediastino alargado aquele com mais de 8cm ao nível do botão aórtico ou
uma largura do mediastino superior a 25% em relação à largura do tórax. É importante
ressaltar que um mediastino normal na radiografia de tórax não exclui lesão aórtica.

......
Figura 15.1 - Radiografia de tórax em paciente com ferimento penetrante por arma branca.

Página 201
A Angiotomografia é a modalidade de triagem de escolha na investigação da le-
são vascular traumática no tórax. Pacientes com achados clínicos e com mecanismo de
trauma sugestivos de lesão vascular devem ser submetidos a investigação tomográfica,
assim como aqueles com alterações na radiografia de tórax como descritas acima. Pacientes
com história de trauma torácico vítimas de acidentes com desaceleração grave e que apre-
sentem exame clínico ou radiológico suspeito, necessitam de angiotomografia, sempre que
possível. Os sinais diretos de lesão vascular na angiotomografia são: 1) extravasamento
ativo de contraste; 2) pseudoaneurismas; 3) falhas de enchimento e retalhos intimais. Os
sinais indiretos de lesão aórtica são: 1) hematoma periaórtico; 2) hematoma mediastinal.
Com o advento da angiotomografia, a arteriografia deixou de ser considerada pa-
drão-ouro no diagnóstico das lesões vasculares torácicas por seu caráter invasivo e pela
necessidade de um centro de hemodinâmica, assumindo agora um papel mais terapêutico
que diagnóstico na correção endovascular dos traumas vasculares.
Em casos onde haja hematoma periaórtico mas sem sinais diretos de lesão aórtica
ou quando a Angiotomografia não for totalmente esclarecedora, o ultrassom intravascular
(IVUS) poderá ser muito útil. Através de um cateterismo da artéria femoral é inserida uma
o
sonda de ultrassom que fará uma avaliação em tempo real e em 360 da parede da aorta ou
do vaso que se suspeita haver lesão. O IVUS pode ser realizado simultaneamente através da
mesma punção utilizada para a angiografia diagnóstica.
Apesar da sua limitação nos pacientes com lesão cervical e da sua dificuldade em
visualizar lesões da aorta ascendente e dos ramos aórticos, o ecocardiograma transesofági-
co é uma ferramenta útil na avaliação da lesão traumática da aorta, permitindo o diagnósti-
co de lesões cardíacas associadas e podendo ser realizado à beira do leito na sala de emer-
gência. Com a maior acessibilidade à angiotomografia, seu uso ficou restrito a alguns casos
específicos.
Lesão de Aorta Torácica
Nos pacientes vítimas de traumas contusos, a lesão de aorta torácica é a segunda
causa mais comum de morte, perdendo apenas para o traumatismo craniano. Estudos de
autópsia confirmam estes dados e mostram que aproximadamente 85% dos pacientes com
rotura traumática da aorta morrem no local do acidente. Os que chegam vivos geralmente
apresentam lesões incompletas e não circunferenciais nas camadas média e íntima, de
forma que a adventícia e a pleura mediastinal evitam a livre ruptura. O principal mecanismo
associado a este tipo de lesão são acidentes com veículos motorizados, seguidos de atrope-
lamento e quedas.
O local mais comum da lesão aórtica no trauma contuso é o segmento proximal da
aorta torácica descendente, mais especificamente no istmo, imediatamente após a emer-
gência da artéria subclávia esquerda. Isso ocorre porque abaixo dessa região a aorta des-
cendente é fixa pelas artérias intercostais, enquanto o arco aórtico é relativamente móvel,
tornando essa área suscetível ao estiramento em uma desaceleração grave, com ruptura da
íntima, formação de pseudoaneurismas e possível hemorragia no caso de ruptura. Dados

Página 202
mostram que a parede aórtica é capaz de suportar tensões de até 80% antes da sua ruptu-
ra. A maioria dos pacientes tem uma única lesão na aorta.
De acordo com a extensão da lesão nas camadas anatômicas da parede aórtica, a
lesão contusa da aorta torácica pode ser classificada em quatro graus:

Quadro 15.1 - Classificação da Lesão Contusa da Aorta Torácica


Grau Descrição
GRAU I Ruptura da íntima (lesão aórtica mínima)
GRAU II Hematoma intramural e dissecções
GRAU III Pseudoaneurismas
GRAU IV Ruptura da aorta

Figura 15.2 - Classificação das lesões contusas da aorta torácica.


Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.

A lesão contusa da aorta torácica ocorre mais frequentemente em pacientes jo-


vens e é causada principalmente por acidentes com veículos motorizados (sendo responsá-
vel por aproximadamente 80% dos casos) e quedas. A colisão frontal é o mecanismo mais
comum, podendo ocorrer também nos impactos laterais e traseiros. O fator de o paciente
ser ejetado do veículo, duplica o risco de rotura. As quedas que resultam em lesão aórtica
são geralmente de alturas maiores que 3 metros.
Durante a avaliação inicial do trauma recomenda-se a realização de uma radiogra-
fia do tórax, bem como uma ultrassonografia do saco pericárdico para avaliar hemopericár-
dio. Se houver suspeita de lesão vascular torácica com estabilidade hemodinâmica, o ideal é
que o paciente seja submetido a uma angiotomografia, tentando minimizar ao máximo o
tempo de permanência dele no setor da radiologia.
Os pacientes com lesão contusa traumática da aorta que se manifestam com ins-
tabilidade hemodinâmica têm mortalidade global (envolvendo todas as causas) superior a
90%, ao passo que naqueles hemodinamicamente estáveis a mortalidade é inferior a 25%.
Algumas situações sugerem postergar a correção da lesão de aorta e adotar um tratamento
clínico conservador inicial (desde que hemodinamicamente estável). São elas:
 Traumatismo craniano associado (hemorragia ou edema);

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 Lesão abdominal grave de órgão sólido e fraturas pélvicas (que contraindiquem
temporariamente o uso de heparina);
 Coagulopatia grave;
 Lesão pulmonar grave;
 Risco cardíaco elevado (alterações de contratilidade segmentar ao ecocardiogra-
ma, angina e revascularização coronariana por ponte prévia).

O reparo tardio proporciona uma melhor otimização do doente bem como o tra-
tamento de outras lesões graves associadas. Dentre as medidas clínicas adotadas nestes
pacientes recomenda-se: 1) rigoroso controle dos níveis pressóricos, mantendo PA sistólica
< 100mmHg ou pressão arterial média (PAM) < 80mmHg; 2) controle da frequência cardíaca
< 100bpm utilizando betabloqueador venoso associado ou não a um vasodilatador para
reduzir o cisalhamento da parede aórtica. Caso haja aumento rápido do hematoma medias-
tinal ou do derrame pleural, anúria persistente, extravasamento de contraste no tórax,
hipotensão ou isquemia de membro, o tratamento conservador deve ser revisto e optado
pela correção imediata da lesão.
Pacientes com lesões de grau I podem ser tratados conservadoramente (trata-
mento clínico), com bons resultados a longo prazo, devendo ser realizada angiotomografia
de controle em 4 a 6 semanas. Pacientes estáveis com lesões grau II e III podem ser subme-
tidos à correção endovascular da aorta torácica (TEVAR) de forma eletiva, desde que ana-
tomicamente favoráveis ao método. Os doentes com lesão grau IV devem ser submetidos à
correção endovascular em caráter de emergência se a anatomia permitir. Pacientes que não
são anatomicamente favoráveis ao reparo endovascular, como aqueles com lesões do arco
aórtico ascendente ou transversal, podem ser submetidos ao reparo aberto.

Correção Endovascular da Lesão de Aorta Torácica


A correção endovascular é o tratamento de escolha para as lesões aórticas trau-
máticas contusas. Para que o procedimento seja viável é necessário, entretanto, que o
paciente seja anatomicamente favorável ao implante da endoprótese. As diretrizes da SVS
(Society for Vascular Surgery) propõem o reparo endovascular como primeira opção nas
lesões grau II a IV, recomendando o manejo expectante nas lesões grau I. Caso não haja
outras lesões traumáticas concomitantes graves, recomenda-se a correção já nas primeiras
24 horas. Caso contrário, realiza-se o reparo das outras lesões e a seguir a correção endo-
vascular da lesão de aorta ainda na mesma internação hospitalar. O reparo endovascular
deverá ser realizado independente da idade (desde que anatomicamente favorável), com
revascularização seletiva da artéria subclávia esquerda, administrando-se heparina intrave-
nosa de rotina, com anestesia geral e por acesso femoral. A drenagem liquórica espinhal
deverá ser avaliada caso a caso.
O procedimento de correção endovascular da aorta torácica (TEVAR) é realizado
em sala de hemodinâmica e consiste no implante de uma endoprótese de aorta torácica de
forma a cobrir e excluir toda a lesão. Eventualmente pode ser necessário cobrir a origem da

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artéria subclávia esquerda com a prótese para que haja uma área de ancoragem melhor do
dispositivo evitando, assim, vazamentos (endoleak) ou migração da prótese. Nesses casos,
deverá ser considerada a revascularização da subclávia esquerda através de um enxerto
carotídeo-subclávio ou por meio do uso de enxertos fenestrados durante o TEVAR. O pro-
cedimento será realizado sob anestesia geral e com acesso femoral (aberto ou por técnica
percutânea). O paciente deverá ser heparinizado no intra-operatório, recomendando-se
uma dose menor nos casos de lesões multiorgânicas graves, podendo ser revertida com
protamina ao final do procedimento, caso necessário.

Cirurgia Aberta na Correção da Lesão de Aorta Torácica


Diante da suspeita de lesão contusa da aorta torácica no istmo, o acesso mais re-
comendado é uma toracotomia póstero-lateral esquerda na topografia do quarto espaço
intercostal. Através desta incisão será possível realizar o controle proximal e distal da aorta,
bem como da artéria subclávia esquerda. O controle proximal da aorta é realizado geral-
mente entre a artéria carótida comum esquerda e a subclávia esquerda. O controle distal é
colocado o mais proximal possível em relação ao local da lesão (geralmente o clampeamen-
to é realizado na topografia de T6) de forma otimizar a perfusão da medula espinhal. A
correção pode ser feita com reparo primário da lesão ou interposição de um substituto
(prótese de Dacron). O conhecimento da anatomia esofágica e brônquica, bem como dos
nervos frênico e vago, é fundamental para evitar lesões inadvertidas. Em alguns casos pode
ser necessário procedimento que proporcione perfusão aórtica distal por bypass ou até
mesmo circulação extracorpórea completa, entre eles derivação átrio esquerdo – aorta
torácica descendente, by-pass do átrio esquerdo para artéria femoral ou by-pass artéria
femoral-veia femoral.
O paciente receberá anticoagulação sistêmica com heparina intravenosa com
dose entre 100 a 500U/kg (1 a 5mg/kg) de forma a manter um TCA (tempo de coagulação
ativado) entre 250 e 480 segundos a depender do tipo de reparo necessário da lesão aórti-
ca. A lesão deverá ser corrigida com Prolene 3-0 ou 4-0. Além da execução de um reparo
vascular tecnicamente correto, a proteção da medula espinhal e a proteção distal dos de-
mais órgãos deverão ser uma preocupação predominante durante o reparo operatório da
lesão contusa no istmo aórtico ou na aorta torácica descendente. A lesão da medula espi-
nhal poderá ocorrer tanto durante o reparo operatório quanto no período pós-operatório.
A interrupção de fluxo arterial com o clampeamento aórtico é o principal responsável pela
isquemia da medula espinhal. Além disso, a hipertensão proximal ao ponto de clampea-
mento aórtico poderá favorecer uma produção aumentada de líquor e diminuir a perfusão
da medula espinhal.
Os principais fatores relacionados à paraplegia pós-operatória são a duração do
pinçamento vascular, nível e extensão do segmento aórtico clampeado, a pressão de perfu-
são da aorta distal ao clampe, hipotensão arterial sistêmica e número de artérias intercos-
tais ligadas durante a cirurgia. É importante ressaltar que perfusão da medula espinhal é
dependente das artérias radiculares, que se originam das artérias intercostais posteriores e

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lombares. O suprimento de sangue colateral para a medula é suplementado por ramos da
artéria subclávia esquerda e artérias ilíacas interna.
A artéria de Adamkiewicz (que geralmente surge entre T8 e L4) é essencial para a
perfusão da medula espinhal torácica inferior devido à descontinuidade da artéria espinhal
anterior. Apesar de controversas, algumas medidas podem ser usadas para reduzir a inci-
dência de paraplegia como drenagem do líquido cefalorraquidiano, reimplante das artérias
intercostais, hipotermia e uso de esteroides, barbitúricos ou papaverina.
A maioria dos estudos tem evidenciado taxas de paraplegia significativamente
maiores nos casos de reparo aberto quando comparados à correção endovascular, princi-
palmente quando o tempo de clampeamento foi maior que 30 minutos.
Eventualmente algumas lesões traumáticas estáveis da aorta torácica podem não
ser identificadas no momento do trauma e serem diagnosticadas de forma mais tardia anos
após o evento. Quando presentes, na maioria das vezes se manifestam como falsos aneu-
rismas, geralmente saculares e localizados imediatamente após a subclávia esquerda. Ape-
sar de controverso, alguns autores consideram que lesões diagnosticadas mais de 2 anos
após o trauma devem ser conduzidas de forma semelhante aos aneurismas torácicos ver-
dadeiros. Os resultados da correção endovascular estão associadas e menor morbimortali-
dade que a correção aberta.

Figura 15.3 - Enxerto aorto-aórtico com correção aberta de lesão no istmo (A) e acesso por toracotomia
póstero-lateral esquerda (B).
Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.

Lesão de Tronco Braquicefálico


A rotura da artéria inominada é a segunda lesão arterial mais frequente no trau-
ma torácico contuso e geralmente acomete o seu segmento proximal. O acesso é realizado
através de uma esternotomia mediana sendo necessário, em alguns casos, uma extensão
cervical direita. A confecção de um enxerto com prótese de Dacron da aorta ascendente
para a artéria inominada distal permite a correção da lesão sem a necessidade de abordar
diretamente o ponto de lesão vascular. O clampeamento da aorta pode ser parcial e o coto
do tronco braquiocefálico deve ser rafiado cuidadosamente.

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Lesão de Arco Aórtico e Aorta Ascendete
As lesões de arco aórtico e aorta ascendente são pouco comuns pois a sua real in-
cidência é mascarada pela grande letalidade destas lesões, na maioria das vezes culminando
com o óbito na cena do trauma. Quando presentes, geralmente se manifestam com alar-
gamento de mediastino e tamponamento cardíaco, principalmente nas rupturas de aorta
ascendente. A melhor via de acesso para o reparo cirúrgico é através de uma esternotomia
mediana com uma rafia primária da lesão ou interposição de enxerto vascular, sendo neces-
sária circulação extracorpórea. Devem ser consideradas técnicas de perfusão cerebral ante-
rógrada e retrógrada nas lesões do arco aórtico.

Figura 15.4 - Enxerto Aorto-Inominada para correção de lesão de tronco braquiocefálico (A). Acesso por
esternotomia mediana (B).
Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.

Lesão de Artéria Carótida Comum Esquerda


A lesão da artéria carótida interna esquerda no seu segmento intra-torácico exige
uma abordagem diferente do tratamento da lesão cervical. Nestes casos o tratamento deve
ser realizado através de uma esternotomia mediana com extensão cervical esquerda, quan-
do necessário. Após controle proximal e distal, procede-se a confecção de um enxerto com
prótese evitando-se, sempre que possível, o reimplante com anastomose término-terminal
da carótida. A correção endovascular da lesão intratorácica da carótida comum esquerda
com implante de stent revestido também é factível e deve ser levada em consideração nos
centros que disponham de sala de hemodinâmica além de equipe treinada e material espe-
cífico para tal. Maiores considerações sobre o trauma carotídeo podem ser observadas no
capítulo de trauma vascular cervical.

Lesão de Vasos Subclávios


As lesões de vasos subclávios ocorrem mais frequentemente em traumas pene-
trantes, principalmente por arma de fogo. Quando houver acometimento da artéria subclá-
via esquerda o acesso preferencial se dá através de uma toracotomia anterolateral esquer-

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da sendo necessário, muitas vezes, um acesso supra clavicular (com ou sem ressecção da
clavícula) para controle distal da subclávia. Eventualmente pode ser realizada uma esterno-
tomia mediana comunicando estas duas incisões e permitindo um melhor acesso nas lesões
complexas. Dessa forma, a suspeita clínica e a investigação pré-operatória com angiotomo-
grafia são fundamentais no planejamento cirúrgico destas lesões.

Figura 15.5 - Toracotomia anterolateral esquerda (A) e extensão mediana e supraclavicular da toraco-
tomia (B).
Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.

Lesões que acometam o segmento proximal da artéria subclávia direita devem ser
abordadas preferencialmente através de uma esternotomia mediana com extensão cervical
direita ou eventualmente acesso supra clavicular direito.
Além do tratamento convencional (cirurgia aberta), bons resultados têm sido des-
critos com a abordagem endovascular das lesões contusas ou penetrantes das artérias
subclávia, carótida comum proximal e artéria inominada.

Figura 15.6 - Lesão de artéria subclávia esquerda por arma de fogo com formação de grande pseudoa-
neurisma.

Lesão de Veia Cava Superior ou Inferior


As lesões traumáticas de veia cava superior e inferior são mais frequentemente
decorrentes de traumas penetrantes. Lesão contusa de veia cava é rara e, quando presente,
geralmente está associada a mecanismos de rápida desaceleração, ocorrendo na maioria
das vezes nos reflexos pericárdicos, onde as cavas são fixas e mais vulneráveis a forças de
tensão como no diafragma. A desaceleração descendente do fígado também pode estar
relacionada ao mecanismo de laceração da veia cava inferior, assim como o efeito Valsalva
com uma súbita compressão abdominal podendo levar à rotura da cava. A associação de
lesão de veia cava inferior retro-hepática e veias hepáticas não é incomum.

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As lesões mais comuns de veia cava ocorrem no trauma penetrante podendo ter
localização variável. A radiografia de tórax e o ultrassom de saco pericárdico podem ofere-
cer informações iniciais sugestivas como o derrame pericárdico.
Nas lesões extensas de veia cava superior ou inferior e de veia cava retro-hepática
pode ser necessário uma derivação atriocaval ou cardiopulmonar. A correção das lesões
deve ser realizada preferencialmente com o uso de remendos de pericáridio bovino ou
nativo para evitar complicações pós-operatórias como síndrome da veia cava superior,
estenose ou oclusão da cava inferior. O tratamento endovascular com o uso de stents pode
ser considerado em centros com hemodinâmica.
Lesão de Vasos Pulmonares
A lesão vascular pulmonar é pouco frequente no trauma fechado. Quando ocorre,
geralmente está associada a mecanismos de desaceleração brusca podendo causar rotura
em pontos fixos como na junção das veias pulmonares e o átrio esquerdo. O trauma vascu-
lar pulmonar é mais frequente nas lesões penetrantes.
É importante ressaltar que mesmo diante de lesões graves nos vasos pulmonares
o paciente pode se apresentar hemodinamicamente estável em virtude de a circulação
pulmonar ser um sistema de baixa pressão. Dessa forma, quando preenchido por sangue, o
espaço pleural pode promover uma pressão positiva tamponando a lesão e impedindo a
persistência do sangramento. Nestes casos, a drenagem torácica, poderá promover um
rápido esvaziamento do hemotórax levando à instabilidade hemodinâmica e favorecendo
um maior sangramento. Diante desse cenário, deverá ser considerada uma rápida toraco-
tomia para controle do sangramento.
Pacientes que se apresentem com hemotórax maciço ou com drenagem contínua
e persistente de sangue pelo dreno de tórax com volume maior que 200mL por hora devem
ser avaliados quanto à possibilidade de toracotomia. No intra-operatório o sangramento
poderá ser rápida e provisoriamente controlado através da compressão dos vasos no hilo
pulmonar, permitindo, assim, visualizar o local do sangramento e rafiar as lesões identifica-
das.
Referências
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A principal causa de morte nos pacientes vítimas de ferimento penetrante no
abdome é a lesão vascular. Diante disso, um rápido transporte ao centro de trauma, o reco-
nhecimento imediato das lesões e uma intervenção cirúrgica precoce por uma equipe bem
treinada são fundamentais para otimizar a sobrevida destes pacientes.
O trauma penetrante é responsável pela maioria das lesões vasculares abdomi-
nais e responde por cerca de 90% dos casos. Em pacientes submetidos a laparotomia explo-
radora por trauma, a incidência de lesão vascular é de aproximadamente 14% para ferimen-
tos por arma de fogo, 10% para ferimentos por arma branca e 3% para traumas contusos
São três os principais mecanismos relacionados ao trauma vascular abdominal fe-
chado: rápida desaceleração, lesão direta por fragmentos ósseos e esmagamento.
A estratificação da incidência nos diferentes vasos varia conforme estatísticas de
diversos centros de trauma. De uma forma geral, o vaso mais comumente lesado é a veia
cava inferior (aproximadamente 25% das lesões), seguida pela aorta (21%), artérias ilíacas
(20%), veias ilíacas (17%), veia mesentérica superior (11%) e artéria mesentérica superior
(10%).
Anatomia Cirúrgica

Com o objetivo de normatizar a avaliação e o tratamento das lesões vasculares


abdominais, o abdome foi convencionalmente dividido em três zonas anatômicas:

Quadro 16.1 – Zonas Vasculares Abdominais


Região Estruturas Vasculares
Zona 1 Retroperitônio da linha média Supramesocólica: aorta suprarrenal e seus ramos
estendendo-se do hiato aórtico até (tronco celíaco, artéria mesentérica superior e
o promontório sacral. artérias renais); veia cava inferior supramesocólica
É subdividida em áreas suprame- (VCI) com seus ramos principais e veia mesentérica
socólica e inframesocólica. superior.
Inframesocólica: aorta infrarrenal e VCI.
Zona 2 Região à direita e à esquerda da Artéria e veias renais; rins.
zona 1 incluindo as goteiras parie-
tocólicas.
Zona 3 Retroperitônio pélvico e vasos Artérias e veias ilíacas e seus ramos.
ilíacos.

Alguns autores consideram ainda a existência de uma quarta zona na área perihe-
pática e engloba a veia porta, a artéria hepática, a veia cava inferior (VCI) retro-hepática e
as veias hepáticas

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Figura 16.1 - Zonas anatômicas para as lesões vasculares retroperitoneais.

Achados Clínicos
A manifestação mais comum no paciente com trauma vascular é o choque hipovo-
lêmico. A apresentação clínica vai depender de qual o vaso acometido, do tamanho e tipo
da lesão, bem como das lesões abdominais associadas, entre outros. Muitos destes pacien-
tes morrem na cena do trauma e cerca de 15% perdem os sinais vitais no transporte ou na
sala de emergência. Eventualmente estes pacientes se manifestam hemodinamicamente
estáveis. É o que ocorre quando o retroperitônio promove uma contenção do sangramento
ou quando ocorre a trombose do vaso lesado. Dor e distensão abdominal também são
sugestivos de lesão vascular, principalmente quando associados à hipotensão. Quando
houver lesão de vasos ilíacos, além da manifestação abdominal, o paciente pode apresentar
sinais de isquemia nos membros inferiores.
Diante da suspeita de lesão vascular no trauma abdominal penetrante, nenhum
exame de imagem complementar é necessário uma vez que o estado crítico já justifica a
laparotomia exploradora. Nos casos de ferimento por arma de fogo, uma radiografia sim-
ples do abdome poderá ser realizada para averiguar a localização do projétil, estimar o seu
trajeto e orientar o planejamento terapêutico. Nos casos de trauma contuso, a angiotomo-
grafia assume importante papel devendo ser realizada quando houver estabilidade hemo-
dinâmica. Ela possibilitará avaliar presença de hematomas, dissecção, pseudoaneurismas,
trombose e a localização precisa das mesmas.

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Tratamento
O tratamento dos pacientes com trauma vascular abdominal começa no ambiente
pré-hospitalar e a sobrevivência destes doentes dependerá, entre outros fatores, de um
rápido transporte ao centro de trauma com imediato controle cirúrgico do sangramento. A
ressuscitação volêmica pré-hospitalar é controversa e deverá ser realizada com ressalvas,
uma vez que administração vigorosa de fluidos esteve associada a aumento da hemorragia
e da mortalidade em algumas séries de pacientes com trauma de aorta abdominal. Dessa
forma, sugere-se sempre acesso venoso calibroso com reposição volêmica de forma a man-
ter um grau de hipotensão controlada evitando sangramentos maciços, mas também redu-
zindo a chance de parada cardíaca por hipovolemia severa. Alguns trabalhos sugerem man-
ter uma pressão arterial sistólica entre 80 e 90mmHg.
A intubação endotraqueal deve ser evitada no departamento de emergência por-
que a indução de sequência rápida muitas vezes está associada à descompensação cardio-
vascular, exceto para os doentes com risco iminente de parada cardíaca.
Diante da suspeita de lesão vascular abdominal, não se deve perder tempo com ressuscita-
ção volêmica ou investigação diagnóstica, exceto a radiografia de tórax simples na sala de
reanimação. Cateter intravenoso calibroso deve ser inserido nas extremidades superiores
ou nas veias centrais, evitando-se acesso nas veias femorais pelo risco de lesão de veias
ilíacas ou veia cava inferior.
Os pacientes admitidos em parada cardíaca devem ser submetidos a intubação
endotraqueal devendo ser considerada a realização de toracotomia de ressuscitação ânte-
ro-lateral no quinto espaço intercostal esquerdo para clampeamento da aorta torácica
distal e massagem cardíaca de reanimação. Caso haja sucesso, o procedimento deverá ser
concluído na sala cirúrgica. Uma alternativa à toracotomia de reanimação é a inserção
endovascular de cateter balão por via femoral para oclusão temporária da aorta torácica
distal permitindo uma melhora na perfusão central reduzindo, eventualmente, o sangra-
mento abdominal.
Identificada a lesão vascular, a ressuscitação volêmica deverá ser realizada com
infusão de hemoderivados. É importante que o preparo do campo operatório seja realizada
antes da indução anestésica uma vez que esta pode ocasionar uma rápida descompensação
hemodinâmica. Recomenda-se uma laparotomia mediana ampla e imediata, controle tem-
porário do sangramento por compressão direta e pinçamento aórtico, se necessário, no
diafragma. Em casos de hematoma retroperitoneal alto (próximo ao hiato aórtico), a expo-
sição infradiafragmática da aorta é difícil e uma toracotomia esquerda para controle proxi-
mal pode ser evitada através do acesso endovascular com a oclusão aórtica temporária por
balão. A lesão vascular poderá se manifestar por sangramento intraperitoneal, hematoma
retroperitoneal ou mesmo a associação de ambos. Eventualmente, nos traumas contusos,
poderá ocorrer a trombose vascular sem que haja necessariamente hematoma ou sangra-
mento associado.

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Abordagem Cirúrgica dos Hematomas Retroperitoneais
O tratamento dos hematomas retroperitoneais dependerá, entre outras coisas,
do mecanismo do trauma vascular.
Os hematomas de trauma penetrante deverão, quase que invariavelmente, ser
abordados independente do tamanho, salvo raras exceções como os hematomas retro-
hepáticos estáveis e não expansíveis.
Os hematomas retroperitoneais decorrentes de trauma fechado raramente re-
querem exploração devido à baixa incidência de lesões vasculares subjacentes que reque-
rem reparo cirúrgico. A exploração destes hematomas deverá ser limitada a pacientes com
hematomas expansivos, pulsáteis ou com sangramento ativo. Dessa forma, exploração de
hematoma de zona 2 devido trauma renal poderá levar a uma nefrectomia desnecessária,
assim como a exploração de um hematoma de zona 3 por fraturas pélvicas poderá ocasio-
nar sangramento irreversível. Algumas situações especiais justificam a exploração do hema-
toma retroperitonial por trauma contuso, sejam elas: 1) hematoma paraduodenal (pelo
risco de lesão duodenal subjacente); 2) hematoma zona 3 associado a ausência de pulso
femoral (pelo risco de lesão de artéria ilíaca); 3) hematoma na raiz do mesentério associado
a isquemia intestinal (possível lesão de artéria mesentérica superior). Nos casos de trauma
abdominal vascular contuso em que seja optado por tratamento conservador e não explo-
ração do hematoma, o mesmo deverá ser reavaliado sistematicamente no pós-operatório
com USG doppler, angiotomografia ou, eventualmente, arteriografia.
O advento da radiointervenção possibilitou uma melhor abordagem destes hema-
tomas estáveis, permitindo não só uma avaliação como também o tratamento das lesões
vasculares, evitando, assim, as complicações inerentes ao acesso cirúrgico.
No caso de sangramento ativo grave, a lesão deve ser imediatamente contida por
compressão direta. A seguir realiza-se a dissecção com controle proximal e distal do vaso
para então proceder o reparo da lesão. Nos pacientes com choque hipovolêmico grave
poderá ser realizado clampeamento da aorta no hiato aórtico ou a oclusão temporária com
balão intra-aórtico.
As lesões vasculares de zona 1 supramesocólica são de difícil abordagem em vir-
tude da grande concentração de vasos nobres nesta região (aorta, artéria mesentérica
superior, tronco celíaco, veia cava inferior e vasos renais) e do controle proximal na aorta
infradiafragmática, algumas vezes sendo necessário toracotomia anterolateral esquerda ou
oclusão endovascular da aorta para este controle. A exposição da aorta supramesocolica e
seus ramos principais é melhor realizada pela mobilização e rotação medial das vísceras do
abdome superior esquerdo. Já as lesões de veia cava inferior supramesocolica são melhor
expostas pela rotação medial do cólon direito e flexura hepática, além de manobra de Ko-
cher para mobilização duodenopancreática.
A abordagem da zona 1 inframesocólica é realizada acessando a base do mesen-
tério, deslocando-se o cólon transverso para cima e as alças do intestino delgado para a

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direita. Eventualmente, caso necessário, poderá ser realizada a rotação medial do cólon
direito ou esquerdo.
O hematoma de zona 2, quando do lado direito, é abordado pela mobilização e
rotação medial do colon direito, duodeno e pâncreas. No lado esquerdo, realiza-se a rota-
ção medial do cólon esquerdo.
Os sangramentos de zona 3 geralmente são abordados através da dissecção dire-
ta do peritónio sobre os vasos ilíacos. Quando necessário, poderá ser realizada rotação
medial do cólon direito ou esquerdo.

Abordagem Endovascular
As técnicas endovasculares, apesar de limitadas nos pacientes com sangramento
ativo decorrente de trauma vascular penetrante, são úteis no controle temporário do san-
gramento ou no tratamento definitivo de algumas lesões vasculares, principalmente nos
traumas fechados.
A abordagem endovascular pode ser utilizada para controle proximal temporário
do sangramento através da utilização de balão intra-aórtico a ser insuflado na aorta torácica
descendente distal. Em alguns casos o sangramento pode ser corrigido de forma definitiva
através da embolização do vaso sangrante ou da interposição de um stent revestido na área
de lesão vascular interrompendo instantaneamente a hemorragia.
As técnicas intervencionistas por angiorradiologia têm grande utilidade na abor-
dagem dos hematomas retroperitoneais de zona 3 associadas a fratura de bacia, permitindo
a identificação do vaso sangrante através da arteriografia e a embolização para controle do
sangramento, com excelentes resulatdos. Sabe-se que a abordagem cirúrgica destas lesões
está associada a elevadas taxas de sangramento e mortalidade.

Cirurgia de Controle de Danos


A presença de lesão vascular abdominal muitas vezes se manifesta através de
choque hipovolêmico grave com necessidade de múltiplas transfusões. O conceito de con-
trole de danos é de extrema importância nestes pacientes, mas não deve ser considerado
com último recurso, sendo recomendado em estágios mais precoces, antes que o paciente
apresente quadros irreversíveis de hipotensão e coagulopatia, principalmente em naqueles
com idade avançada e outras doenças crônicas associadas.
Dessa forma, em pacientes com trauma vascular abdominal grave que apresen-
tem hipotensão, acidose e coagulopatia, tentativas persistentes para reparar e reconstruir
todas as lesões abdominais poderá resultar em taxas ainda maiores de mortalidade. Esses
doentes se beneficiam com o controle de danos imediato e posterior reconstrução definiti-
va. As lesões venosas complexas são então ligadas, as lesões arteriais são derivadas tempo-
rariamente com shunts e os sangramentos parenquimatosos e retroperitoneais difusos são
tamponados com compressas.

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O abdome deve ser fechado temporariamente com material protético ou curativo
a vácuo e o paciente é transferido para UTI para estabilização. Após estabilizar, retornará à
sala de cirurgia para reparo vascular definitivo e fechamento definitivo da parede abdomi-
nal. É importante ressaltar que na cirurgia de controle de danos o abdome nunca deve ser
fechado primariamente em virtude da elevada incidência de síndrome compartimental
abdominal.

Síndrome Compartimental Abdominal


A Síndrome compartimental abdominal decorre da hipertensão na cavidade ab-
dominal com pressões acima de 20mmHg associada a disfunção orgânica. A pressão intra-
abdominal normal em repouso na posição supina é próxima à zero. Pressões acima de
12mmHg já traduzem hipertensão intra-abdominal.
A síndrome do compartimento abdominal se caracteriza por tensão abdominal,
taquicardia com ou sem hipotensão, disfunção respiratória e oligúria. Os principais fatores
de risco relacionados ao desenvolvimento da síndrome compartimental abdominal são:
hipotensão prolongada, hipotermia, transfusões maciças, cirurgia de controle de dano,
necessidade de clampeamento da aorta e fechamento hermético da parede abdominal.
Dessa forma, em pacientes com trauma vascular abdominal grave, o abdome nunca deverá
ser fechado sob tensão uma vez que o edema intestinal progressivo frequentemente resul-
tará em síndrome compartimental.
O diagnóstico é realizado através do exame clínico e com a medida da pressão
abdominal, que pode ser obtida através de um cateterismo vesical. De uma forma geral,
pressão abdominal maior que 20 a 30mmHg deve ser considerada para descompressão
cirúrgica, podendo ser realizada mesmo com pressões menores caso haja disfunção orgâni-
ca. É realizado então o fechamento temporário do abdome com dispositivos de cobertura,
ficando o fechamento definitivo para um segundo momento quando houver uma melhora
do edema intestinal.

Lesão de Aorta Abdominal


A causa mais comum de lesão de aorta abdominal é o trauma penetrante. Lesões
contusas são raras e podem estar associadas a fratura na coluna ou lesão por cinto de segu-
rança. Nos pacientes que chegam vivos ao hospital as lesões mais encontradas são dissec-
ção ou trombose, uma vez que a rotura de aorta acaba por determinar o óbito no próprio
local do acidente.
A apresentação clínica dependerá do mecanismo e tipo da lesão. No trauma fe-
chado o paciente pode manifestar quadro de isquemia visceral, isquemia de membros
inferiores ou sangramentos agudos. O diagnóstico poderá ser realizado no intra-operatório
de laparotomia ou através da investigação com angiotomografia. Nos pacientes com lesões
penetrantes que chegam vivos ao hospital, a maioria apresenta choque hipovolêmico na
admissão, podendo estar normotensos quando o hematoma estiver contido no retroperitô-

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neo. Eventualmente estas lesões passam despercebidas e podem ser diagnosticas tardia-
mente com o achado de pseudoaneurisma na aorta.
O trauma penetrante da aorta sempre requer reparo, na maioria das vezes sendo
realizada correção cirúrgica aberta. No trauma contuso, pequenas dissecções podem ser
tratadas de forma conservadora e acompanhadas com angiotomografia. Nas lesões contu-
sas mais graves com grandes hematomas retroperitoneais, hemorragia na cavidade abdo-
minal ou grandes dissecções, recomenda-se o reparo das lesões por laparotomia ou endo-
vascular.
O tratamento endovascular, quando disponível, tem um papel fundamental no
tratamento das lesões aórticas infra-renais, principalmente nos casos de hematomas retro-
peritoneais estáveis contidos, dissecção de aorta, pseudoaneurismas ou mesmo fístulas
aortocava. O tratamento é realizado habitualmente com o implante de uma endoprótese de
aorta por acesso femoral.
A correção cirúrgica aberta é realizada através de laparotomia mediana, podendo
ser necessário toracotomia esquerda para clampeamento da aorta torácica descendente
nas lesões de zona 1 supramesocólica. Eventualmente, o tratamento híbrido com interposi-
ção de balão intra-aórtico por acesso endovascular pode ser realizado para controle proxi-
mal das lesões de difícil acesso. Na maioria dos casos a correção aberta é realizada através
da arteriorrafia da parede aórtica com prolene 3-0. Lesões mais complexas da parede da
aorta podem requerer reconstrução vascular com enxerto protético através da interposição
e anastomose termino-terminal entre a prótese e a aorta. Nesses casos, é de extrema im-
portância que a cavidade abdominal seja rigorosamente lavada para remoção de todo
material entérico que eventualmente esteja contaminando a cavidade antes de realizar as
anastomoses vasculares. Alguns autores sugerem a não utilização de próteses caso haja
lesão intestinal associada pelo elevado risco de infecção na prótese.

Figura 16.2 - Lesão de aorta abdominal por arma branca (A) e a correção por arteriorrafia (B).

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Lesão de Veia Cava Inferior
A veia cava inferior (VCI) é o vaso mais comumente lesado nos traumas abdomi-
nais vasculares, sendo responsável por 25% dos casos. O trauma fechado determina 10%
das lesões da VCI e geralmente acontece na sua porção retro hepática. Muitos pacientes
morrem no local do acidente e, daqueles que chegam vivos ao hospital, mais da metade
apresenta choque hipovolêmico, sendo necessário toracotomia de reanimação em 18%
deles. Alguns chegam hemodinamicamente estáveis quando o hematoma se encontra
contido no retroperitôneo.
Como regra geral, todos os hematomas retroperitoneais decorrentes de trauma
penetrante devem ser explorados, exceto os hematomas retro hepáticos estáveis, uma vez
que a exploração destes poderá ocasionar destamponamento da lesão com hemorragia
incontrolável e morte.
A exposição da veia cava inferior infrarrenal e justarrenal é realizada através da
mobilização e rotação medial do cólon direito, flexura hepática e duodeno. A exposição da
VCI retro-hepática, por sua vez, é desafiadora e exige ampla mobilização do fígado através
da divisão dos seus ligamentos. Nestes casos, a adição de uma incisão subcostal direita
proporciona excelente exposição e, caso insuficiente, poderá ser acrescida de uma esterno-
tomia mediana. Esta permitirá expor as estruturas lesadas e, caso necessário, a oclusão
vascular hepática total ou shunt atriocaval, permitindo acesso ao átrio direito e veia cava
supra-hepática. Caso tenha sido optado por uma toracotomia direita, essa incisão deverá
ser conectada à laparotomia incisando o diafragma circunferencialmente. Naquelas situa-
ções onde mesmo com as incisões adicionais não seja possível realizar o tamponamento da
hemorragia ou o reparo adequado da VCI ou das veias hepáticas, poderão ser utilizadas
manobras como o isolamento vascular hepático total, o shunt atriocaval ou mesmo a divi-
são do fígado.
O shunt atriocaval consiste no estabelecimento de um shunt entre a veia cava in-
ferior suprarrenal e o átrio direito. Através de uma pequena incisão com sutura em bolsa na
aurícula direita é inserido um tudo de toracostomia de grosso calibre ou um tubo endotra-
queal e direcionado para a veia cava inferior, sendo posicionado abaixo do local de lesão da
cava. São aplicados torniquetes ao redor da VCI suprarrenal e intrapericárdica de forma a
impedir a passagem de sangue entre o tubo inserido e as paredes da veia cava. Caso seja
utilizado um tubo endotraqueal o balão será insuflado acima das renais e devem ser criados
um ou mais orifícios na porção endoatrial do tubo. Apesar de associada a alta mortalidade,
essa medida possibilitou salvar vidas em situações extremas.
O isolamento vascular hepático total consiste no clampeamento da aorta infradi-
afragmática, da veia cava inferior (VCI) supra-hepática, VCI infra-hepática acima das veias
renais e da tríade portal. É importante ressaltar que o clampeamento da aorta deverá pre-
ceder o clampeamento da VCI para evitar parada cardíaca decorrente da grave redução do
retorno venoso pós oclusão da veia cava.
A divisão do fígado ao longo do plano da vesicula biliar para expor diretamente o
fígado deve ser evitada por aumentar o sangramento, devendo ser considerado apenas

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quando o fígado já estiver gravemente lesado permitindo a exposição e dissecção direta da
VCI.
Na maioria dos casos, a lesão da veia cava inferior poderá ser corrigida através da
rafia da lesão com prolene 3-0 ou 4-0. As lesões posteriores são rafiadas girando a VCI, ao
passo que nas lesões transfixantes, o reparo da parede posterior pode ser realizado por
dentro da VCI ampliando a lesão da parede anterior. Nos pacientes com lesões complexas
de VCI infrarrenal em pacientes hemodinamicamente instáveis ou quando o reparo deter-
minar estenose muito significativa, a ligadura da VCI pode ser considerada. A ligadura da
VCI suprarrenal, entretanto, está proscrita e a sua realização implicará em insuficiência
renal. Nestes casos a reconstrução da VCI poderá ser realizada com o auxílio de em remen-
do ou de um enxerto protético. Nos pacientes submetidos à ligadura da VCI infrarrenal os
membros inferiores deverão ficar em Trendelemburg e deverão ser aplicadas meias de
compressão elásticas para minimizar os riscos de síndrome compartimental.

Lesão Vascular do Sistema Porta


A lesão vascular pulmonar é pouco frequente no trauma fechado. Quando ocorre,
geralmente está associada a mecanismos de desaceleração brusca podendo causar rotura
em pontos fixos como na junção das veias pulmonares e o átrio esquerdo. O trauma vascu-
lar pulmonar é mais frequente nas lesões penetrantes.
É importante ressaltar que mesmo diante de lesões graves nos vasos pulmonares
o paciente pode se apresentar hemodinamicamente estável em virtude de a circulação
pulmonar ser um sistema de baixa pressão. Dessa forma, quando preenchido por sangue, o
espaço pleural pode promover uma pressão positiva tamponando a lesão e impedindo a
persistência do sangramento. Nestes casos, a drenagem torácica, poderá promover um
rápido esvaziamento do hemotórax levando à instabilidade hemodinâmica e favorecendo
um maior sangramento. Diante desse cenário, deverá ser considerada uma rápida toraco-
tomia para controle do sangramento.
Pacientes que se apresentem com hemotórax maciço ou com drenagem contínua
e persistente de sangue pelo dreno de tórax com volume maior que 200mL por hora devem
ser avaliados quanto à possibilidade de toracotomia. No intra-operatório o sangramento
poderá ser rápida e provisoriamente controlado através da compressão dos vasos no hilo
pulmonar, permitindo, assim, visualizar o local do sangramento e rafiar as lesões identifica-
das.

Lesão de Tronco Celíaco


As lesões do tronco celíaco são raras e quase sempre são decorrentes de trauma
penetrante. O acesso cirúrgico é obtido através de laparotomia mediana com dissecção
direta sobre a aorta abdominal através do omento menor ou por meio da rotação medial
das vísceras do abdome superior. O reparo aberto poderá ser realizado através da rafia da
lesão ou interposição de enxerto com veia ou prótese. Caso necessário, o tronco celíaco
poderá ser ligado sem que haja complicações isquêmicas para o fígado, estômago ou baço

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em virtude de uma rica circulação colateral para estes órgãos. A ligadura da artéria hepática
é bem compensada pelo suprimento proporcionado pela veia porta e pela artéria gastrodu-
odenal. As artérias esplênica e/ou gástrica esquerda também podem ser ligadas individual-
mente com baixos riscos de complicações.
É possível também lançar mão da abordagem endovascular para tratar lesões do
tronco celíaco e seus ramos, seja por meio da revascularização com implante de stent re-
vestido ou através da embolização da artéria lesada.

Lesões de Artéria Mesentérica Superior


Compreender a anatomia vascular abdominal é fundamental para e entender as
lesões de artéria mesentérica superior (AMS). Ela se origina da aorta, abaixo do tronco
celíaco e atrás do pâncreas, percorrendo trajeto ao longo do processo uncinado do pân-
creas e da terceira porção do duodeno, quando entra então na raiz do mesentério. Apesen-
ta os seguintes ramos: artérias pancreatoduodenal inferior, cólica média, arcada intestinal
com 12 a 18 ramos, cólica direita e ileocólica.
O mecanismo de lesão mais comum é o ferimento penetrante. O trauma contuso
é responsável por 10 a 20% dos casos e só perde para as lesões renovasculares em frequên-
cia nos traumas vasculares abdominais fechados, podendo ocorrer por esmagamento do
abdome, lesão por cinto de segurança ou trauma direto sobre a artéria.
É importante entender que nas lesões de alta energia por rápida desaceleração
poderá haver tanto uma avulsão da artéria mesentérica na sua origem aórtica quanto uma
lesão de íntima, determinando sua posterior trombose. Estes casos podem ter seu diagnós-
tico mascarado na fase inicial por ser oligossintomático, sendo diagnosticado mais tardia-
mente quando já houver necrose intestinal.
Os pacientes com lesão penetrante na mesentérica superior geralmente se apre-
sentam na admissão com choque hipovolêmico grave, podendo estar normotenso caso o
hematoma esteja contido. Os achados clínicos iniciais dependerão do mecanismo de trau-
ma, natureza da lesão vascular e presença ou não de lesões abdominais associadas. Os
principais achados intra-operatórios são hematoma retroperitoneal, hematoma ao redor da
AMS, hemoperitônio e isquemia intestinal.
O tratamento cirúrgico é realizado através de laparotomia e proporcionará não só
a correção da lesão vascular, mas também dos demais órgãos acometidos. A exposição da
artéria mesentérica superior retropancreática é realizada através da rotação medial do
cólon esquerdo, fundo gástrico, baço e cauda do pâncreas. Caso haja sangramento intenso
e crítico nessa região, pode ser realizada a divisão colo pancreático com exposição rápida e
imediata da AMS e da veia porta. A exposição da AMS infrapancreática é realizada através
da raiz do mesentério com incisão à esquerda do ligamento de Treitz. Eventualmente pode-
rá ser necessária uma extensa manobra de Kocher para expor este segmento.
No trauma penetrante ou contuso com isquemia intestinal, todos os hematomas
retroperitoneais e em torno da AMS deverão ser explorados, o que muitas vezes é uma
tarefa difícil e perigosa. Naqueles hematomas contusos estáveis e sem isquemia intestinal,

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recomenda-se não explorar neste momento, devendo ser realizada uma melhor avaliação
pós-operatória com angiotomografia ou arteriografia visceral.
Lesões parciais por arma branca poderão ser corrigidas por rafia da artéria com
prolene 6-0. A restrita mobilidade do segmento proximal da artéria mesentérica superior
em virtude do denso tecido neuroganglionar que a circunda limita bastante a realização da
reconstrução por anastomose arterial término-terminal. Dessa forma, deverá ser levada em
consideração a condição clínica do paciente, o local da lesão na AMS e o grau de perfusão
do intestino. Diante disso, definir entre a ligadura do vaso ou a interposição de um enxerto
vascular.
De um modo geral, a ligadura da artéria mesentérica superior nas zonas 1 e 2 re-
sultará em grave isquemia do intestino delgado e do cólon direito, ao passo que a ligadura
nas zonas 3 e 4 determinará isquemia parcial do intestino delgado com necessidade de
ressecção segmentar do mesmo. Ligadura da AMS proximal só deverá ser realizada na
presença de necrose intestinal A ligadura distal à cólica média está associada a moderado
risco de isquemia intestinal. Os 10 a 20cm iniciais do jejuno poderão se manter viáveis
através de colaterais oriundas da pancreatoduodenal superior. Dessa forma, a ligadura da
AMS deverá sempre ser evitada pelos riscos catastróficos da isquemia intestinal com sín-
drome do intestino curto.
Nos pacientes críticos com choque, hipotermia, acidose e coagulopatia grave de-
verá ser considerada a interposição de um shunt temporário (de forma a garantir uma
adequada perfusão intestinal) e uma posterior reconstrução definitiva. Após a ressuscitação
e correção dos parâmetros fisiológicos na UTI, o paciente deverá ser reabordado para re-
construção definitiva da lesão através da revascularização da artéria mesentérica superior.
É realizado, então, um enxerto aorto-mesentérico com veia safena ou prótese de PTFE ou
de Dacron. A anastomose proximal é realizada na parede anterior da aorta e a anastomose
distal no coto da artéria mesentérica superior. Caso haja lesão pancreática associada, reco-
menda-se que as anastomoses sejam realizadas o mais distante possível do pâncreas e que
sejam protegidas com o omento ou tecidos moles adjacentes para evitar exposição às en-
zimas pancreáticas.
O paciente deverá ser rigorosamente monitorado no pós-operatório de forma que
a persistência ou piora da acidose metabólica, a despeito das medidas clínicas de ressusci-
tação adotadas, exige imediata reexploração do abdome para descartar isquemia intestinal.
Alguns centros instituem como obrigatória a revisão da cavidade abdominal em 24 a 48
horas para inspeção da perfusão intestinal.
A correção endovascular das lesões de artéria mesentérica superior apresenta
duas grandes limitações: 1) o implante de stent revestido na área da lesão poderá ocluir os
seus ramos; 2) a técnica endoluminal não possibilitará a inspeção da perfusão e viabilidade
das alças intestinais.

Lesões Renovasculares
As lesões contusas da artéria renal são mais comuns à esquerda e acredita-se que
isso de deva ao fato anatômico de a artéria renal direita estar protegida das desacelerações

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pelo seu trajeto posterior à veia cava inferior. Nos traumas contusos por desaceleração a
avulsão da artéria renal ocorre em cerca de 12% dos casos. Poderá ocorrer também lesão
contusa na artéria renal com ruptura e dissecção da íntima e subsequente trombose arteri-
al.
As lesões renovasculares penetrantes são habitualmente identificadas no intrao-
peratório, ao passo que as lesões contusas geralmente são diagnosticadas mais tardiamente
através da tomografia com contraste do abdome.
O tratamento cirúrgico deverá levar em consideração o mecanismo da lesão, o
tempo de isquemia renal, o estado geral do doente e a presença de rim contralateral. A
função renal é gravemente afetada após 3 horas de isquemia total e após 6 horas de isque-
mia parcial, embora em alguns casos a perfusão possa ser mantida por circulação colateral
mesmo após isquemia prolongada. De uma forma geral, a revascularização deve ser realiza-
da caso o paciente esteja estável e a lesão tenha sido diagnosticada nas primeiras 4 a 6
horas. Nas lesões bilaterais ou de rim único, alguns autores recomendam revascularização
até 20 horas após o trauma.
De uma forma geral, todos os hematomas retroperitoneais de zona 2 decorrentes
de trauma penetrante devem ser explorados, exceto os hematomas perirrenais estáveis e
distantes do hilo renal. Nas lesões penetrantes diagnosticadas durante a laparotomia ex-
ploradora poderá ser realizada a reconstrução arterial ou a nefrectomia.
Os resultados da revascularização renal são considerados muito precários de um
modo geral. São relatadas taxas de sucesso de apenas 28% dos casos de revascularização.
Além disso, a literatura evidencia hipertensão arterial em cerca de 12 a 57% dos pacientes
revascularizados, exigindo muitas vezes a realização de nefrectomia eletiva. Diante deste
cenário, muitos autores têm sugerido que a revascularização renal aberta seja considerada
apenas nas lesões renovasculares diagnosticadas no intraoperatório (desde que o paciente
se apresente estável o suficiente para tolerar o procedimento) e nos pacientes com rim
único ou com lesão renal bilateral.
A correção das lesões pode ser realizada através da rafia da artéria renal, da in-
terposição de um patch de veia, da ressecção segmentar com anastomose termino-terminal
entre os cotos da artéria renal ou por meio da interposição de um enxerto com veia ou
prótese. Poderá ser utilizado enxerto com veia ou prótese. A anastomose proximal poderá
ser realizada na aorta ou no coto proximal da artéria renal (quando tecnicamente viável), ao
passo que a anastomose distal será realizada no coto distal da artéria renal. Nos casos de
reconstrução muito complexas e demoradas, recomenda-se manter o rim perfundido com
solução gelada de ringer lactato heparinizado ou soluções próprias para tal. A administração
de manitol pós revascularização poderá ser utilizada na tentativa de reduzir lesão por reper-
fusão.
O tratamento conservador poderá ser adotado nos pacientes com diagnóstico
tardio, presença de rim contra lateral funcionando normalmente e na presença de outras
lesões extra-abdominais graves.

Página 223
O tratamento endovascular é considerado padrão-ouro na abordagem da maioria
das lesões contusas estáveis com dissecção intimal, pseudoaneurismas ou fístulas arterio-
venosas. Através de uma punção femoral é realizado um cateterismo com estudo angiográ-
fico e implante de stent na artéria renal proporcionando uma correção definitiva da lesão
arterial. Por ser minimamente invasivo e proporcionar resultados favoráveis, o tratamento
endovascular deverá ter tentado quando disponível.
As lesões de veia renal devem ser tratadas preferencialmente por venorrafia late-
ral com fio prolene. Caso a lesão venosa seja complexa ou o paciente esteja hemodinami-
camente instável, deverá ser realizada a ligadura da veia renal. A ligadura da veia renal
esquerda junto à veia cava inferior é mais bem tolerada em virtude da drenagem venosa
proporcionada pelas veias adrenal, gonadal e lombares.

Lesão de Artéria Mesentérica Inferior


As lesões de artéria mesentérica inferior (AMI) são raras e na maioria das vezes
são decorrentes de ferimentos penetrantes. Representam apenas 1% de todas as lesões
vasculares abdominais.
A AMI irriga o cólon esquerdo, o sigmóide e a parte superior do reto. Ela se comu-
nica com a mesentérica superior através da arcada marginal de Drummond.
As lesões da artéria mesentérica inferior geralmente são identificadas apenas no
intra-operatório. Quando possível, a correção da lesão pode ser realizada através da rafia
da artéria. Na maioria dos casos, entretanto, é realizada a ligadura do vaso. A rica rede de
colaterais proporciona a perfusão intestinal e evita a ocorrência de isquemia colorretal.

Lesões de Vasos Ilíacos


O mecanismo mais comum de lesão dos vasos ilíacos é o trauma penetrante.
Estima-se que aproximadamente 10% dos pacientes submetidos a laparotomia exploradora
por arma de fogo apesentem lesão nos vasos ilíacos. As lesões contusas não são comuns e
quando ocorrem geralmente são decorrentes de lesão direta por fratura pélvica ou por
estiramento da artéria ilíaca sobre a parede pélvica. As lesões penetrantes acometem mais
comumente os vasos ilíacos comuns enquanto o trauma contuso está frequentemente
associado a lesões da artéria ilíaca interna e seus ramos.
O achado de hipotensão associado a distensão abdominal em paciente com lesão
penetrante no abdome inferior é altamente sugestivo de trauma nos vasos ilíacos. Além
disso, ausência de pulso femoral e manifestações isquêmicas no membro inferior em paci-
entes vítimas de trauma abdominal penetrante ou fratura pélvica devem alertar para a
possibilidade de lesão em artéria ilíaca comum ou externa. A angiotomografia desempenha
importante papel no diagnóstico das lesões vasculares ilíacas em pacientes estáveis.
As lesões dos vasos ilíacos podem se manifestar tanto através de hematoma re-
troperitoneal em zona 3 quanto pela presença de sangramento livre na cavidade abdomi-
nal.

Página 224
Os hematomas de zona 3 decorrentes de ferimento penetrante devem sempre ser
explorados, ao passo que aqueles hematomas decorrentes de trauma contuso só devem ser
explorados se houver sangramento intraperitoneal associado, rápida expansão do hemato-
ma ou ausência de pulso femoral.
A exploração vascular é realizada através da dissecção direta sobre o retroperitô-
neo na topografia dos vasos ilíacos. Eventualmente pode ser utilizada manobra de rotação
medial do cólon direito ou esquerdo para melhor exposição. Atenção especial deve ser
conferida no momento da dissecção da bifurcação da artéria ilíaca comum para que não
haja lesão iatrogênica do ureter que se encontra nesta topografia. Após controle inicial do
sangramento ativo por compressão direta, deverá ser realizado controle proximal e distal
ao local da lesão vascular. Caso necessário, uma inguinotomia (com ou sem divisão do
ligamento inguinal) poderá ser realizada para permitir um melhor controle distal nas lesões
de ilíaca externa.
As lesões arteriais puntiformes provocadas por arma branca podem ser corrigidas
com arteriorrafia simples desde que não promovam estenose significativa. Como forma de
minimizar estenoses, poderá ser utilizado um remendo vascular confeccionando-se um
pacth de veia ou de material protético (PTFE ou pericárdio bovino).
Nos ferimentos contusos ou por arma de fogo não se recomenda a realização
apenas da rafia das lesões, mas sim uma reconstrução arterial através da regularização dos
bordos vasculares e anastomose término-terminal entre os cotos proximal e distal da arté-
ria lesada ou através da interposição de um enxerto com prótese. A utilização dos enxertos
com veia safena, apesar da sua origem autóloga e menor risco de complicações infecciosas,
apresenta como desvantagem a desproporção entre o calibre dos vasos ilíacos e da safena.
Durante o procedimento de revascularização recomenda-se a heparinização sistêmica ou
locorregional e a embolectomia dos cotos arteriais proximal e distal com cateter de Fogart
para remoção de todos os coágulos remanescentes.
É importante ressaltar que é contra-indicada a ligadura das artérias ilíacas comum
ou externa, uma vez que isso implicará em isquemia com perda do membro ou até mesmo
grave disfunção orgânica decorrente da síndrome de reperfusão quando se tenta uma
revascularização tardia posteriormente. Nos pacientes em estado grave com cirurgia de
controle de dano, recomenda-se a realização de um shunt temporário na artéria ilíaca de
forma a manter a perfusão do membro inferior e a posterior reconstrução definitiva após a
estabilização clínica.
Nos pacientes em estágio tardio e que apresentem infecção do enxerto primário
ou peritonite purulenta grave, recomenda-se a realização de enxertos extra-anatômicos
como a derivação femoro-femoral cruzada ou axilo-femoral. No tratamento agudo do trau-
ma com contaminação entérica da cavidade abdominal existe controvérsias quanto à utili-
zação de enxertos protéticos em virtude do elevado risco de infecção. Caso seja optado pela
reconstrução ilíaca com uso de prótese, recomenda-se uma rigorosa lavagem da cavidade
peritoneal antes do reparo com enxerto protético. Alguns autores recomendam os enxertos
extra-anatômicos ou a mobilização da artéria ilíaca interna nestes casos.

Página 225
O tratamento endovascular é uma alternativa terapêutica interessante em alguns
casos selecionados. Ele consiste em um cateterismo femoral através do qual é implantado
um stent corrigindo a lesão na artéria. Deve ser considerado principalmente nos pacientes
com lesões contusas de artéria ilíaca comum ou externa que apresentem pseudoaneuris-
mas, dissecções ou fistulas arteriovenosas. A radiointervenção também proporciona a em-
bolização de artéria ilíaca interna com excelentes resultados técnicos.

Figura 16.3 - Pseudoaneurisma pós traumático (ferimento por arma de fogo) na artéria ilíaca interna
direita (A). Embolização da pseudoaneurisma com molas (B). Resultado final (C).

As lesões de veias ilíacas são muitas vezes ainda mais desafiadoras que as lesões
arteriais em virtude da sua disposição anatômica de mais difícil acesso. As lesões venosas
ilíacas devem ser corrigidas por venorrafia lateral, desde que não produzam graves esteno-
ses. Nas lesões que determinem estenoses severas após a rafia, deve ser considerada a
ligadura da veia uma vez que existe elevado risco de trombose da veia e embolia pulmonar
associada. Eventualmente poderá ser realizada uma reconstrução venosa mais complexa
com enxertos protéticos ou venoplastia com patch. Não se recomenda, entretanto, recons-
trução complexa em pacientes críticos e com lesões arteriais e venosas combinadas, deven-
do se proceder a ligadura da veia caso não seja viável uma venorrafia simples.
A ligadura de veia ilíaca geralmente é bem tolerada e está associada a edema de
membro inferior no pós-operatório. Em alguns casos raros, poderá haver edema severo
com síndrome compartimental e necessidade de fasciotomia descompressiva. Apesar de
descrita na literatura, a transecção da artéria ilíaca para proporcionar o acesso à veia lesada
não é recomendada e só deverá ser realizada em casos extremos.
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Página 227
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Os traumas vasculares em extremidades são responsáveis por 20% a 50% de
todas as lesões vasculares, acometendo pacientes jovens, com idade média dentro dos 30
anos, e predominantemente (70%-90%) do sexo masculino. O trauma vascular de extremi-
dade vem aumentando muito ao longo desta última década no ambiente civil.
Os agentes responsáveis pelas lesões vasculares das extremidades são: projétil de
arma de fogo de média ou alta velocidade, arma branca, trauma contuso e lesões iatrogêni-
cas. Vítimas de traumatismo penetrante possuem três vezes mais chance de apresentarem
lesão vascular em comparação com o trauma contuso.
O traumatismo penetrante é responsável por 70% a 90% das causas e tem o pro-
jétil de arma de fogo de média velocidade responsável por 50% dessas lesões vasculares das
extremidades. O trauma penetrante causado por arma branca é responsável por 30% dos
casos e é mais comum em área rural.
O traumatismo contuso é responsável por 20% dos casos de traumatismo vascular
das extremidades, tendo como causas os acidentes automobilísticos, atropelamentos,
esmagamentos, acidentes de motocicletas, agressão física, acidente de trabalho, quedas
domésticas. As fraturas e luxações aumentam significativamente o risco global de lesão
vascular.
As lesões iatrogênicas são causadas por procedimentos endovasculares, diagnós-
ticos ou terapêuticos, que têm crescido consideravelmente nos últimos anos. Evoluem mais
comumente com fístulas arteriovenosas, pseudoaneurismas e trombose arterial. Podem
também ocorrer em procedimentos ortopédicos, como artroscopia de joelho, uso de fixa-
dor externo ou ainda durante cirurgia de coluna.
A lesão vascular, independente do mecanismo de trauma, é consequente a alguns
fatores: lesão direta do vaso por projétil de arma de fogo ou objetos penetrantes; lesão por
transferência de calor e energia aos tecidos; lesão por desaceleração ou força de compres-
são nos casos de traumas contusos e embolização de corpos estranhos, este último conhe-
cido como Embalia. Esses fatores podem ocasionar laceração parcial ou total, fístulas arteri-
ovenosas, pseudoaneurismas, contusões e trombose.
A laceração total do vaso leva a trombose proximal e distal à área da lesão com
isquemia do membro; já as lacerações parciais causam sangramento persistente com for-
mação de hematoma pulsátil que pode evoluir para pseudoaneurisma. As fístulas arteriove-
nosas causadas pelos traumas penetrantes comprometem tanto a artéria como a veia, com
desvio do fluxo da artéria para a veia. As contusões podem ser acompanhadas de lesões da
íntima, podendo evoluir para trombose da artéria e isquemia do membro. As contusões
com pequenas lesões de íntima podem não causar comprometimento hemodinâmico e
evoluir para cura espontânea.
No trauma vascular é importante lembrar do espasmo arterial que é uma situação
geralmente reversível. Ocorre com mais frequência em crianças, adolescentes e adultos
jovens devendo ser acompanhado com muito cuidado pelo cirurgião vascular. A causa e a

Página 229
incidência são desconhecidas. Porém, sinais clínicos de isquemia não devem ser considera-
dos apenas como espasmo arterial.

Local da Lesão e Lesões Associadas


Análise de grandes séries americanas e europeias aponta o membro inferior como
o mais atingido, sendo duas vezes mais acometido que o membro superior. A artéria mais
atingida foi a femoral, com mais de 46% das lesões, seguida da artéria poplítea, 35%, e
artérias da perna em 21% dos casos. Em relação ao membro superior, a artéria braquial é a
mais atingida, 40%, seguida das artérias, radial e ulnar, axilar e, por último a subclávia. O
mecanismo de lesão contundente é visto mais frequentemente em membros inferiores do
que em lesões arteriais das extremidades superiores.
Em geral, as fraturas são vistas com elevada frequência em trauma contuso, com
taxas que variam entre 80% e 100% enquanto que nos traumatismos penetrantes as fratu-
ras estão presentes em 15% a 40% dos membros com lesão arterial. Fraturas, especialmen-
te as cominutivas, representam de forma consistente um fator de risco para amputação
quando são encontradas em associação com a lesão vascular de extremidade.
A lesão venosa concomitante com trauma arterial de extremidade varia entre 15%
a 35% na maioria dos estudos. A lesão nervosa periférica associada a trauma vascular na
extremidade é difícil detectar na fase aguda, sendo essas lesões, geralmente, subrelatadas.
Para o membro inferior, a maioria dos estudos relatam taxas em torno de 10%; enquanto
que em extremidade superior há uma associação mais elevada de lesão de nervo: 40% a
50%. Quanto à associação de trauma vascular com lesão de partes moles, a incidência
parece ser maior na extremidade superior (40% a 70%) do que na extremidade inferior
(30%).

Anamnese, Exame Físico e Diagnóstico


A avaliação inicial dos pacientes traumatizados com potencial ferimento vascular
dos membros inferiores deve ser realizada por meio da sistemática do suporte avançado de
vida no trauma (do inglês advanced trauma life support – ATLS), com ênfase no tratamento
das lesões por ordem de gravidade (ABCDE); porém, um novo conceito, relacionado aos
traumas vasculares maiores, surgiu a partir da experiência com os conflitos do Afeganistão
eIraque: trata-se do <C>ABC, que consiste no diagnóstico e no tratamento prioritário das
hemorragias catastróficas antes da via aérea.
Na história clínica detalhada, deve-se pesquisar: estado clínico do paciente no ce-
nário do trauma, tipo de trauma (penetrante ou contuso), história de sangramento no
cenário do trauma (quantidade e o aspecto, se arterial ou venoso), hematoma pulsátil ou
sangramento ativo. Deve ser dado atenção especial ao agente etiológico e o estado hemo-
dinâmico do paciente ao chegar. No exame físico é importante identificar as lesões, orifícios
de entrada e saída, e a sua localização, se há sangramento ativo, hematomas no trajeto do
vasos (pulsátil ou expansivo), presença de frêmitos ou sopros, queixa de dor. No exame
físico do membro comprometido avalia os seguintes parâmetros: temperatura, enchimento

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capilar, presença de parestesia ou paralisia, dor à palpação da musculatura, edema, empas-
tamento muscular e identificar e documentar possíveis fraturas e luxações e lesões neuro-
lógicas. Quanto à avaliação dos pulsos do membro acometido, sempre comparar ao mem-
bro contralateral, embora a presença do mesmo não afaste a lesão arterial, pois 25% dos
pacientes com lesão vascular das extremidades podem apresentar pulso palpável.
Especificamente durante o atendimento dos traumas das extremidades, deve-se
realizar controle imediato das hemorragias com compressão local e aplicação de tornique-
tes na sala de emergência. Nos casos de lesões em áreas juncionais como a região axilar,
inguinal e a fossa ilíaca, deve-se tentar o controle inicial com compressão manual até ser
realizado o acesso cirúrgico. É importante adotar a estratégia de hipotensão permissiva,
com alvo de PAS <100mmHg até a aplicação de clampes arteriais.
Nos pacientes estáveis, nos quais é possível uma avaliação mais detalhada, de-
vem-se buscar os sinais maiores de lesões que caracterizam óbvia lesão vascular (hemorra-
gia ativa, hematoma em expansão, isquemia, instabilidade hemodinâmica) ou sinais meno-
res que caracterizam potencial lesão vascular (história de sangramento no local ou no
transporte, hematoma, frêmitos, diminuição de perfusão, diminuição de pulso, déficits
motores indicativos de lesão neurológica).
Na maioria dos casos com presença de sinais maiores, a conduta é cirurgia imedi-
ata, exceto nos casos em que há fatores confundidores, como trauma em múltiplos níveis
presentes nos politraumatismos decorrentes de acidentes automobilísticos, atropelamen-
tos, explosões, por exemplo. Nestes casos, pode haver sinais maiores por desvios decorren-
tes de fraturas, vasoconstrição periférica ou vasoespasmo acentuado, sem alteração da
integridade ou trombose arterial. A angiotomografia ou a arteriografia estão indicadas
nestas situações.
O diagnóstico de lesões em pacientes que apresentam apenas “sinais menores”
de lesão vascular é mais desafiador. Com isso, na presença de sinais menores, indica-se o
índice tornozelo-braquial (ITB), que deve ser medido no membro afetado e comparado a
um membro não afetado, Um índice maior que 0,9 indica baixa probabilidade de lesão
arterial grave, devendo-se proceder, então, a reavaliações seriadas durante a internação
hospitalar. Nos casos de ITB igual ou menor que 0,9, há possível lesão arterial limitante de
fluxo ou fluxo diminuído por outros motivos, como hipotermia ou presença de desvios por
fraturas. Diante dessa situação, deve-se repetir periodicamente o ITB após o aquecimento
e/ou a redução dos desalinhamentos. A persistência de ITB menor ou igual a 0,9 direciona à
realização de complementação diagnóstica por imagem, preferencialmente angiotomogra-
fia ou arteriografia intraoperatória se o paciente estiver no centro cirúrgico.
A radiografia de tórax pode revelar fraturas dos primeiros arcos costais e clavícula,
hemo ou pneumotórax e alargamento mediastino. Deve ser realizado na suspeita de fratu-
ras ou luxações (por exemplo, luxação posterior do ombro, fratura supracondiliana do úme-
ro, fratura fêmur distal, Luxação posterior do joelho, fratura de platô tibial) ou para localizar
possível projétil de arma de fogo ou corpo estranho.

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O Doppler bidirecional avalia a presença e caracterização do fluxo arterial à área
da lesão. Permite realizar o índice tornozelo-braquial (ITB) que pode revelar assimetria de
perfusão, sugerindo possível estenose ou oclusão vascular.
O USG c/ doppler é importante na investigação e acompanhamento das lesões
vasculares mínimas, pois identifica a presença de trombose, pseudoaneurismas, fístulas
arteriovenosas e pequenas lesões da íntima. O uso do USG c/ Doppler no diagnóstico de
trauma vascular em extremidade tem sido limitada com o aumento do uso da Angiotomo-
grafia Computadorizada (ATC).
Nos últimos anos, a ATC tem-se mostrado bastante eficaz para avaliação dos pa-
cientes com trauma vascular de extremidades. A angiotomografia deve ser realizada nos
pacientes hemodinamicamente estáveis, podendo diagnosticar o exato segmento lesado,
assim como presença de lesões de órgãos e estruturas adjacentes. Com isso, tem largamen-
te suplantado a angiografia por cateter convencional. A ATC vem demonstrando em estu-
dos prospectivos redução de tempo na realização do exame assim como menor custo com-
parada à angiografia. Porém, a ATC tem algumas limitações na avaliação de trauma vascular
em membros: opacificação inconsistente do contraste no sistema arterial se a temporização
do bólus intravenoso não for adequada e a presença de artefatos de imagem a partir de
fragmentos de metal que podem limitar o diagnóstico. A ATC deve ser considerada a moda-
lidade inicial de diagnóstico e localização de escolha em pacientes com sinais menores de
lesão arterial dos membros, especialmente naqueles cujo índice ITB é inferior ou igual a 0,9.
Ficando a angiografia convencional reservada para casos específicos e uso intraoperatório.
A angiografia convencional é o padrão ouro para o diagnóstico da lesão vascular
no trauma. Os achados arteriográficos são extravasamento de contraste, falhas de enchi-
mento, pseudoaneurisma, enchimento venoso precoce, lentidão no enchimento do leito
distal como nos casos de espasmo vascular. Porém, nos últimos tempos, a arteriografia
evoluiu da indicação sistemática para seletiva. Dessa forma, chegou-se ao consenso que, no
trauma vascular das extremidades, penetrante ou contuso, a arteriografia é indicada em
caso de dúvida diagnóstica ou na localização da lesão ou quando há intenção de tratamento
endovascular ou em conjunto com cirurgia aberta (cirurgia híbrida).
Tratamento
Manejo Não Operatório
Alguns cirurgiões vasculares apoiam o tratamento não cirúrgico para os casos de
lesões classificadas como lesões vasculares mínimas: pequenos flaps de íntima, rompimen-
tos da parede arterial (menor que 5mm), pseudoaneurismas (menor que 2cm), estreita-
mentos segmentares e pequenas fístulas arteriovenosas. Recomenda-se a vigilância serial
com uma modalidade de imagem apropriada, tal como ATC ou USG c/ doppler.

Terapia Endovascular
O uso de técnicas endovasculares para o tratamento de lesões vasculares em
extremidade tem sofrido um crescimento significativo com a integração dessas técnicas na

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prática cirúrgica vascular nas últimas duas décadas. A terapia endovascular é atualmente
aplicada com mais frequência em trauma contundente do que em trauma penetrante e em
extremidade inferior mais do que em lesões de membros superiores. Sendo menos invasiva
do que a cirurgia aberta, o tratamento endovascular de lesões arteriais nas extremidades
parece mais adequado quando a diferença de morbidade entre os procedimentos abertos e
endovasculares é maior. Esse é o caso mais frequente no ambiente de lesões de vasos
juncionais (como a subclávia e ilíaca).
Anteriormente, apenas os pacientes estáveis poderiam ser submetidos a este pro-
cedimento, hoje os pacientes instáveis se beneficiam também, tanto no controle de danos
como na abordagem e tratamento temporário ou definitivo com o uso de balão oclusor,
stent revestido, embolizações e outros. Dessa forma, em pacientes com lesões de múltiplos
órgãos, a técnica endovascular pode ser usada com modalidade de tratamento inicial; em
seguida, após a estabilização, uma reconstrução mais definitiva pode ser realizada em con-
dições mais favoráveis.
Os resultados de curto prazo relatados são promissores, mas a durabilidade no
longo prazo dessas intervenções com stents revestidos ainda não está tão bem definida.

Tratamento Cirúrgico Aberto


O controle cirúrgico aberto e reparo continuam a ser os pilares do tratamento da
maioria dos traumatismos vasculares em extremidades. Os princípios gerais de estabelecer
controle vascular proximal e distal e restauração da linha de fluxo para um leito de fluxo
apropriado são os mesmos para o tratamento de lesões traumáticas como para qualquer
outro defeito vascular. Deve-se realizar amplo desbridamento de tecido contaminado e não
viável na lesão vascular. Antes da heparinização locorregional e reparação, o coto proximal
e o distal devem ser submetido a embolectomia cuidadosa com cateter balão de Fogarty
para confirmar patência e manter fluxo e refluxo. A heparinização sistêmica deve ser evita-
da no trauma, principalmente nos pacientes com lesões associadas.
Quando é definido a extensão da lesão arterial, existem três opções para o reparo:
anastomose termino-terminal, angioplastia com patch venoso e interposição de enxerto
venoso autólogo. Vale ressaltar que todos os ferimentos traumáticos abertos são conside-
rados contaminados, e a conduta preferencial para reparo de lesões vasculares é a veia
safena autóloga colhida a partir de uma extremidade ilesa. Um curto segmento de enxerto
protético pode ser considerado para reparar lesões arteriais de vasos de grande porte como
subclávia, axilar, ilíaca e femoral comum, onde há uma grande desproporção de tamanho.
Se o estado fisiológico do paciente tolerar reparo, as lesões arteriais devem ser submetidas
a tratamento cirúrgico a fim de restabelecer fluxo distal. O reparo com sutura direta dos
segmentos lesados é indicado quando a lesão for menor que 50% do diâmetro do vaso,
porém nas situações em que há lesões maiores que 50%, perda de segmento arterial ou
bordas irregulares, é imprescindível a ressecção deste segmento até a identificação de local
sem lesão intimal para realizar anastomoses.

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Em situações de maior gravidade, como acidose, hipotermia e choque, os shunts
arteriais podem ser usados para se obter restabelecimento do fluxo temporário e, com isso,
controle da isquemia dos membros. Em casos excepcionais, a ligadura de uma artéria da
extremidade lesada é a opção imediata mais viável. O shunt é uma medida temporária,
permitindo a perfusão distal durante a estabilização da fratura antes do reparo vascular
formal ou como opção de tratamento para paciente sem condições clínicas de ser submeti-
do a reparo definitivo. O uso de shunts está associado a menor mortalidade e menores
taxas de amputação quando comparados à ligadura arterial segundo algumas séries.
Considerações Especiais
Reparo Venoso Versus Ligadura
A decisão para reparar ou ligar uma grande veia em extremidade lesada deve ser
feita no contexto do estado fisiológico global do paciente. Se é seguro tomar o tempo ne-
cessário para reparar uma lesão, é razoável tentar fazê-lo. Anastomose termino-terminal,
venorrafia lateral, venoplastia com patch e enxerto interposto são todas as opções viáveis
para reparo. Deve-se realizar ligadura se a condição do paciente não tolerar o tempo opera-
tório adicional. Porém, ainda é um assunto controverso. Não houve nenhuma associação
consistente entre ligadura venosa maior e eventual amputação. É de conhecimento geral
que os reparos de veia são altamente suscetíveis a trombose aguda. O desenvolvimento de
edema de membros é visto como resultado adverso principal quando uma grande lesão
venosa em extremidade principal é ligada. Porém, por outro lado, quase todos os pacientes,
independentemente do estado da veia lesionada, experimentam quase completa resolução
do edema por ocasião da alta hospitalar ou logo após a mesma. O edema é muito menos
comum após a ligadura das veias principais da extremidade superior do que as da extremi-
dade inferior. O tromboembolismo venoso é também um risco após lesão venosa na extre-
midade, e a taxa de trombose venosa profunda em pacientes submetidos a grande ligadura
venosa parece ser aproximadamente o dobro da dos pacientes submetidos a reparo.

Cuidados Pós-Operatórios
É Imprescindível o acompanhamento multidisciplinar e boa comunicação entre as
equipes. Cuidados intensivos com observação de persistência de hemorragia, controle do
estado hemodinâmico, controle de complicações relacionadas à síndrome inflamatória
sistêmica e, obviamente, o acompanhamento de outras lesões traumáticas. Em relação ao
acompanhamento vascular, reavaliações horárias são obrigatórias, para verificar a pervie-
dade das derivações, avaliara progressão para síndrome compartimental e verificar a perfu-
são distal e a presença de sangramento, tanto nos locais do trauma como nos acessos cirúr-
gicos. Na presença de alteração do exame físico ou mesmo de rotina, a ultrassonografia
com Doppler pode ser usada para avaliar a perviedade das reconstruções; se o resultado for
duvidoso, pode-se lançar mão de angiotomografia ou arteriografia. Deve-se utilizar com-
pressão pneumática no membro não afetado e profilaxia para tromboembolismo venoso
(TEV). Nos casos de ligaduras venosas, está indicada a manutenção dos pacientes com os

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membros inferiores elevados. Cuidados com infecção, como vigilância das secreções, aten-
ção a febre e alteração dos exames laboratoriais, devem estar presentes, pois esta compli-
cação pode ser causa de morte tardia.

Complicações Pós-Operatórias
Trombose das derivações são complicações importantes no pós-operatório, prin-
cipalmente das derivações distais em pacientes com escoamento prejudicado. O diagnósti-
co precoce permite a correção imediata e melhora o prognóstico do membro.
Infecção precoce pode acontecer nos traumas com extensas lesões de partes
moles e, este quadro é mais grave quando há derivações com próteses, muitas vezes sendo
necessária a remoção destas e a reconstrução por via extra-anatômica com veia safena.
Nos casos de reconstrução ou ligaduras venosas e lesões ortopédicas graves, não
é infrequente a presença de trombose venosa profunda (TVP).
A taxa de amputação é alta, em torno de 15 a 35%, e está relacionada aos traumas
de maior energia associados a choque, idade mais avançada, isquemia grave e extensas
lesões de partes moles. A razão desse predomínio de amputação nesses pacientes não está
relacionada à própria lesão vascular, mas, principalmente, a maior quantidade de lesões
associadas (ossos, nervos, veias e partes moles).

Síndrome Compartimental e Fasciotomia


O diagnóstico da síndrome compartimental é clínico. Os sinais diagnósticos classi-
camente descritos como cinco “P’s”: dor com movimento passivo, palidez, poiquilotermia,
parestesia e ausência de pulso representam sinais tardios de síndrome compartimental e
estão frequentemente ausentes ou obscurecidos em pacientes de trauma por causa de
lesões atordoantes e de estado mental alterado.
O tratamento para este quadro é a fasciotomia, que deve ser indicada se houver
tensão no compartimento ao exame físico ou preventivamente, nas seguintes situações:
tempo > 4 a 6 horas do trauma até a revascularização; lesões combinadas de artéria e veia;
mecanismos de alta energia; lesões por esmagamento; pós-reparo vascular; ligadura arteri-
al e venosa e pacientes comatosos ou com alteração de sensibilidade no membro afetado.

Lesão Vascular Na Extremidade Esmagada


As extremidades lesionadas com trauma grave a vários tipos de tecido são um
problema clínico difícil de tratar. A decisão sobre se é necessário executar amputação pri-
mária ou a tentativa de salvamento do membro tem sido fonte de debate ao longo de dé-
cadas.
O Escore mais conhecido e utilizado é o Mangled Extremity Severity Score (MESS)
(Quadro 17.1) foi concebido como uma ajuda para a tomada de decisão. Destinam-se a
diferenciar entre os pacientes nos quais o esforço para salvamento do membro teria suces-
so e os casos em que a amputação primária seria a medida mais racional a ser adotada. O
MESS leva em consideração o grau de destruição tecidual relacionado ao grau de energia

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envolvida no trauma, à presença de isquemia do membro afetado, à presença de choque e
à idade do paciente, sendo que alguns itens podem ter pontuação dobrada, caso o tempo
decorrido do trauma até o tratamento ultrapasse 6 horas. Um MESS de 7 ou superior se
correlaciona bem com a amputação primária da extremidade superior ou inferior. Ou seja,
as pontuações mais altas são preditoras de que o benefício da amputação primária supera a
possibilidade e os riscos envolvidos na tentativa de salvamento do membro.

Quadro 17.1 - ESCORE DE GRAVIDADE DE EXTREMIDADE MULTILADA (MESS)


BAIXA ENERGIA (fratura simples, puntiforme, arma de fogo média velocida- 1
ESQUELETO de)
MÉDIA ENERGIA (fraturas expostas ou múltiplas, luxação) 2
ALTA ENERGIA (espingarda de curto alcance, arma de fogo de alta velocida- 3
de, lesão por esmagamento)
ENERGIA MUITO ALTA: lesões de alta energia com contaminação grosseira e 4
avulsão de partes moles
ISQUEMIA Pulso reduzido ou ausente, mas perfusão intacta 1*
DE Ausência de pulso; parestesias;enchimento capular diminuído 2*
MEMBRO Ausência de pulso; frialdade; paralisia; insensível 3*
CHOQUE Pressão sistólica acima de 90mmHg 0
Hipotensão transitória 1
Hipotensão persistente 2
IDADE < 30 anos 0
30 – 50 anos 1
> 50 anos 2
* Escore dobrado para tempo de isquemia superior a 6 horas

Outra pontuação utilizada com resultados semelhantes no poder preditor de


amputações primárias nos traumas complexos dos membros superiores é o Mangled Ex-
tremity Syndrome Index (MESI) (Quadro 17.2). Esse índice foi inicialmente proposto para
traumas dos membros superiores, enquanto que o MESS foi validado sobretudo para feri-
mentos dos membros inferiores.
Quadro 17.2 – ÍNDICE DA SÍNDROME DE EXTREMIDADE MULTILADA (MESI)
ESCORE DE 0-25 1
GRAVIDADE 25-50 2
DA LESÃO > 50 3
TEGUMENTO Guilhotina 1
Esmagamento/queimadura 2
Avulsão/desenvulamento 3
NERVO Contusão 1
Transecção 2
Avulsão 3
VASCULAR Transecção de artéria 1
Trombose de artéria 2
Avulsão da artéria 3
Lesão venosa 1

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Continuação do Quadro 17.2
OSSO Fratura simples 1
Fratura segmentar 2
Fratura segmentar-cominutiva 3
Fratura segmentar-cominutiva com perda 4
óssea inferior a 6 cm
Fratura segmentar intra-extra articular 5
Fratura segmentar intra-extra articular com 6
perda óssea superior a 6 cm
Perda óssea superior a 6 cm Adicionar 1
TEMPO DE ESPERA Acrescenta 1 ponto para cada
hora superior a 6 horas
IDADE 40 – 50 anos 1
50 – 60 anos 2
60 – 70 anos 3
DOENÇA PREEXISTENTE 1
CHOQUE Pressão arterial sistólica inferior a 90 2

Lesão Vascular de Extremidade em Pediatria


A incidência de mecanismo penetrante e contuso na infância é aproximadamente
igual. As lesões na extremidade superior são responsáveis por aproximadamente três quar-
tos das lesões arteriais na população pediátrica. A artéria braquial é a artéria de extremida-
de superior mais frequentemente lesada em crianças. O dano a este vaso está frequente-
mente associado à fratura de úmero supracondiliana, especialmente em crianças mais
jovens. As artérias femoral e poplítea são as mais frequentemente lesadas nas extremida-
des inferiores de crianças e estão associadas a uma fratura de fêmur em metade dos casos.
Existem algumas considerações específicas para o tratamento de lesão arterial em
pacientes pediátricos. As artérias são pequenas o que torna delicado o reparo por anasto-
mose primária ou por interposição de enxerto. Os vasos são bastante propensos a vasoes-
pasmo, o que pode imitar uma lesão real ou ocasionar oclusão precoce de reparos arteriais.
De um 1/3 a metade das lesões arteriais pediátricas são tratadas sem reparo. Isso
é mais viável em crianças menores cujos vasos podem ser pequenos demais para serem
reparados de forma confiável. A recuperação do pulso distal em muitos desses pacientes
ocorre dentro de 6 semanas. O tratamento da insuficiência arterial associada a fraturas do
úmero supracondiliana em crianças é controverso, mas a tendência recente é a exploração
cirúrgica de tais lesões se um pulso radial não for restaurado após redução fechada da
fratura. Vale ressaltar que a suturas das anastomoses em criança em crescimento deverá
ser realizada com pontos simples a fim de permitir o crescimento radial dos vasos.
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Página 238
Desde a sua fundação em 1936, o Instituto Dr. José Frota (IJF) tem evoluído
no contexto de estrutura física e recursos humanos. A implantação da residência
médica em cirurgia geral em 1984 foi essencial para consolidar o tratamento
multidisciplinar do trauma, vocação maior dessa instituição. Desde então, dezenas de
cirurgiões gerais foram aqui formados, atuando com destaque em diversos hospitais
do Ceará e de outros Estados. A recente inauguração do IJF 2, com novo centro
cirúrgico e uma unidade de hemodinâmica em conclusão, permitirá intervenções
percutâneas através da radiologia intervencionista, hoje uma realidade no
tratamento mini-invasivo de alguns tipos específicos de trauma.
Acompanhamos de perto essa evolução, quando admitido como cirurgião
geral do IJF em 1985. Tivemos a honra de contribuir por mais de 33 anos na
assistência e no ensino, inclusive como chefe do serviço. Em 1994, na gestão do então
Superintendente Dr. Marcos Antônio Alves, fomos ao Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (HC/USP), ocasião em que completamos o curso Advanced
Trauma Life Support (ATLS), de acordo com as normas do Colégio Americano de
Cirurgiões. No mesmo ano, coordenamos com uma equipe de cirurgiões do HC/USP, o
o
1 curso de ATLS no IJF, marco importante na padronização do atendimento
multidisciplinar do paciente politraumatizado. Em seguida, o Dr. Grijalva Otávio, com
competência e determinação, coordenou dezenas de cursos, essenciais para
complementar a formação dos jovens cirurgiões. Dando continuidade, Dr. Rommel
Araújo mantem a qualidade desses cursos periódicos.
Durante as sessões clínicas semanais do serviço de Cirurgia Geral, com a
presença dos cirurgiões, residentes e internos, eram frequentemente discutidos a
implantação de protocolos de condutas nos diversos tipos de trauma. Para coroar
essa história de sucesso, surge agora, na gestão do Dr. Ricardo Sá Barreto como chefe
do serviço, o livro Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas do Instituto Dr. José
Frota. Em 17 capítulos redigidos por cirurgiões e residentes do corpo clínico do IJF,
são abordados os principais tópicos do trauma, de maneira concisa e com ilustrações
adequadas, tornando a leitura muito agradável. Estão de parabéns os organizadores e
colaboradores por propiciarem um manual atual e de qualidade, que certamente será
consultado com frequência, padronizando as condutas do trauma no IJF.

José Huygens Parente Garcia


Prof. Titular da Faculdade de Medicina da UFC
Chefe do Serviço de Cirurgia Digestiva e Transplante de Fígado do HUWC / UFC
Presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO)

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