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6/5/22, 7:01 PM Como as escolas comunitárias podem ajudar no cenário pós-pandemia

Como as escolas comunitárias


podem ajudar no cenário pós-
pandemia
Por Edivan Mota 05/06/2022 08:01 0

Imagem ilustrativa.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

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A educação no Brasil estará diante de um desafio


enorme nos próximos anos que é como recuperar o
atraso na aprendizagem dos alunos causado pela
pandemia de Covid-19. A princípio, a resposta mais
simples é a de mais investimento. Todavia, isso já foi
em certo sentido resolvido com o acréscimo da
complementação federal no Fundeb, que passou de
10% para 23% até o ano de 2026. Estima-se que de
cada R$ 10 investidos em educação no Brasil, R$ 6
venha do Fundeb.

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Para além da questão econômica, pesquisadores como


a sueca Inger Enkvist, professora de literatura
espanhola na Universidade de Lund, afirmam que a
qualidade da aprendizagem não está necessariamente
ligada aos aportes financeiros, mas sim com a gestão
do gasto em educação, a qualidade do currículo e a
participação da família no processo.

Aliás, uma pesquisa liderada pelo sociólogo espanhol


Victor Pérez-Diaz em 2009 e publicada no
livro Educação e Família – os pais diante da educação
geral de seus filhos, afirma que as instituições mais
importantes na educação dos jovens são, nesta ordem, a
família, o professor e o Estado. Ainda segundo Diaz, o
fracasso escolar costuma estar atrelado a três fatores
essenciais, pouco esforço do aluno, negligência da
família no acompanhamento do cotidiano escolar, e a
má formação profissional. Ou seja, pouco adianta
investir num modelo sem as devidas estruturas.

No pós-pandemia, o Estado não poderá mais ser o


único ator no processo de formação das futuras
gerações. Isso porque devido às dificuldades trazidas
pela queda de arrecadação, inflação e as altas taxas de
desemprego – o que faz crescer a demanda pela
educação pública – o Estado não terá condições de
construir novos edifícios escolares ou fazer altos
investimentos.

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Para superar os desafios trazidos pelo período em que


as crianças e jovens ficaram em aulas remotas, o
crescimento da procura por vaga em escolas gratuitas e
para evitar a superlotação das classes – o que prejudica
a aprendizagem dos alunos e desgasta física e
mentalmente os profissionais da educação –, os
gestores públicos terão de utilizar ferramentas e
estratégias eficientes na gestão do gasto público. Além
disso, será preciso utilizar metodologias científicas que
já tenham demonstrado resultados efetivos e ter na
família e na sociedade organizadas, como associações
de bairro, ONGs e igrejas, parceiros essenciais. Assim,
a existência de alternativas aos modelos de educação
existentes é salutar.

Há poucos dias, a Câmara dos Deputados aprovou a


regulamentação da educação domiciliar, também
conhecida como homeschooling. Este modelo de
educação, em que as famílias são as responsáveis
diretas pelo processo de formação de seus filhos,
necessita, segundo a legislação aprovada, de uma rede
de apoio para as famílias e as famílias que praticam a

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educação domiciliar precisam matricular seus filhos em


uma instituição de ensino. Mas cabe perguntar se as
escolas públicas estão preparadas para receberem as
famílias que praticam homescooling. E não apenas isso.
Também é preciso questionar se as escolas publicas
estão preparadas para receber os alunos oriundos das
escolas particulares. Devido à pandemia, muitos pais
viram sua renda diminuir e tiveram de recorrer à
educação gratuita.

Essas questões nos levam a pensar se não é hora de


olhar para outros modelos de gestão de serviços
públicos que já deram resultados, como é o caso da
área da saúde, em que entidades sérias da sociedade
civil, como o Einstein, São Luiz, as Santas Casas,
atendem com eficiência e dignidade. Talvez seja
possível algo similar na área de educação com as
escolas comunitárias.

Escolas comunitárias são aquela administradas por


pequenas instituições, como ONGs e OSCIPs, que
podem atuar, por exemplo, em comunidades
quilombolas, em aldeias indígenas, no atendimento a
crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social
ou em áreas remotas. Elas também podem ainda ser
administradas por grupos de famílias, uma vez que art.
205 da Constituição Federal diz expressamente que “a
educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a

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colaboração da sociedade, visando ao pleno


desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. Esse trecho da nossa Carta Magna reforça a
percepção quanto à centralidade da família no exercício
do direito à educação dos membros da sociedade, com
a participação do Estado.

Importante lembrar ainda que o arcabouço legal


brasileiro não confunde o dever do Estado em prover as
condições objetivas para a operação de instituições de
ensino e a concepção da forma de educar. Tanto a
Constituição quanto a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira (LDB 9394/96) ressaltam que há
previsão para que recursos captados da sociedade e
considerados públicos sejam usados para subvencionar
escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas.
Portanto, não cabe a limitação desse direito à escolha
apenas para etapa mais precoce da vida escolar das
novas gerações.

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O que a sociedade brasileira almeja é o exercício de


escolha e a pluralidade de opções custeadas por
recursos que, afinal de contas são públicos: o
financiamento de escolas não estatais, por meio de
convênios entre os estados e municípios com entidades
sem fins lucrativos. A educação brasileira, pública ou
privada, localiza-se entre as piores do mundo, quando
se faz comparações objetivas entre pares. Não se pode
imaginar que o modelo atual continue indefinidamente.

Cabe salientar, a título de ilustração, que já existem


experiências exitosas de parceria entre o poder público
e instituições sérias, como é o caso da Igreja Católica.
Um exemplo são as escolas paroquiais na Diocese de
Petrópolis e inúmeras creches, pré-escolas e escolas
que atendem à educação de jovens e adultos por todo o
Brasil.

Por que não permitir que, ao lado do sistema


puramente estatal e do sistema privado, exista uma
alternativa com características dos dois modelos?  O
que se defende é a extensão de algo que já existe, de
forma exitosa, em outros ciclos da educação e em todo
país. São escolas verdadeiramente públicas, em sentido
amplo, prestadoras de serviço de interesse social, como
as Santas Casas o são para a área da saúde.

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A possibilidade de se compartilhar também com essa


modalidade de oferta de ensino os recursos do Fundeb
ou de quaisquer dos mecanismos de organização dos
recursos carimbados para a educação não deveria
sequer ser tema de discussão, o que se faz agora apenas
porque houve cerceamento de possibilidades reais e de
efetividade já comprovada.

As escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas,


além de não terem custos diretos para as famílias dos
alunos que as frequentam – como qualquer escola
pública no Brasil – possuem também o caráter
democrático e solidário que as torna semelhantes às
escolas das redes públicas brasileiras. Elas têm a
obrigatoriedade de acolher e manter os alunos que as
queiram frequentar, não podendo exercer qualquer tipo
de seleção na entrada de seus alunos, excetuando os
limites impostos pelas vagas existentes.

Ainda assim, as escolas comunitárias possuem


características importantes que as diferenciam das
escolas públicas estatais. Uma delas é que as escolas
comunitárias, confessionais e filantrópicas estão
sujeitas à assinatura de um contrato com o respectivo
ente público que autoriza o seu funcionamento. Esse

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contrato inclui cláusulas relacionadas com a


administração da escola e relacionadas com resultados
de aprendizagens, com a inclusão de penalidades caso
essas cláusulas não sejam respeitadas. Mas talvez a
característica mais singular desse tipo de escola, e que
pode, inclusive, mudar a realidade da aprendizagem
das crianças, é que nas escolas comunitárias as famílias
estão mais próximas e participam ativamente de todos
os processos, sejam eles pedagógicos, éticos ou sociais.

No Brasil, nomeadamente nas redes públicas de


educação, há um distanciamento das famílias da
realidade das instituições de ensino. É preciso oferecer
às famílias, que ao fim são quem paga todo o sistema
público de educação, alternativas gratuitas, de
qualidade e que permita a efetiva participação daqueles
que são os principais interessados no bem-estar das
crianças e jovens.

O modelo puramente estatal em que o Estado faz tudo


está esgotado. Ele não responde ao seu principal

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objetivo de ofertar as aprendizagens essenciais aos


estudantes e assim possibilitar o desenvolvimento de
competências e habilidades. Nossas escolas estatais
apresentam resultados vexatórios, quer nas avaliações
nacionais, como a Prova Brasil, quer nas avaliações
internacionais, como o Programa Internacional para a
Avaliação dos Estudantes (PISA).

Sabemos que as redes públicas, quando bem


administradas podem proporcionar ambientes de ensino
adequados para a aprendizagem, como ocorreu em
Sobral (CE) e Teresina (PI). Mas essas são as exceções
em meio a um Brasil gigantesco.

As escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas


possuem uma capacidade enorme de resolver os
problemas na educação que já existiam antes da
pandemia, como a falta de qualidade; e também os
trazidos pela pandemia, como o crescimento da
demanda, a dificuldade do poder público em investir
novas escolas, e a superlotação das salas de aula.

É preciso construir alternativas aos modelos existentes


que não respondiam às necessidades da sociedade, nem
dos alunos ou das famílias. O Estado, sozinho, não dará
conta dos desafios que estão por vir. É preciso confiar
nas famílias e permitir que elas escolham a forma –
educação escolar ou domiciliar – e o tipo de escola –
pública, privada ou comunitária – que considerem mais

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adequada para a formação


integral, corpus, ratio, anima, de seus filhos.

Edivan Mota, diretor de escola pública e presidente do


Instituto de Estudos Avançados em Educação (IEA).

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