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PERMITEM A EXPERIMENTAÇÃO
RESUMO
O presente texto parte da noção de Cosmopolítica e da ideia de uma reativação do
animismo presente na obra da filósofa da ciência Isabel Stengers, para fazer uma
leitura de alguns trabalhos de artistas contemporâneos que dialogam com o fazer
ritualístico próprio de matrizes religiosas animistas, como o artista alemão Joseph
Beuys, o artista Dalton de Paula e a artista Alina Duchrow. Procura-se destacar
pontos em comum entre esses trabalhos, salientando a potencialidade da arte como
criadora de mundos e de uma consciência que possa trabalhar com as forças da
vida pela vida.
Pensar a arte como a “magia”: um ofício formado por múltiplos agenciamentos que
carregam uma potência transformadora.
PALAVRAS-CHAVE
Arte contemporânea. Rituais. Experimentação. Feitiçaria. Cura.
Um dos motivos de Beuys ter escolhido o coiote para essa ação-interação, é que,
para os muitos povos originários da América do Norte, o coiote era uma das mais
poderosas de toda uma série de divindades. Ele estava ligado à imagem da
transformação e podia mudar à vontade o seu estado do físico para o espiritual e
vice-versa. Esse princípio da transformação teria sido, segundo afirma Caroline
Tisdall, fotógrafa da performance, a chave para Coyote: “a transformação da ideia de
liberdade, a transformação da linguagem para uma compreensão mais ampla da
mesma como meio evolutivo, a transformação do diálogo verbal em diálogo
energético”. (TISDALL, 2008: p. 12)
A magia, desde muito tempo, fez parte de uma concepção animista da natureza que
não admitia a separação entre a matéria e o espírito, e via o cosmos como um
organismo vivo, povoado de forças ocultas, marcados por afinidades invisíveis que
tinham que ser decifradas e onde cada elemento está em relação favorável com o
resto. (FEDERICI, 2017: p.257) Essa concepção mágica do cosmos, que atribuía
poderes especiais ao indivíduo, aparecia como uma forma ilícita de poder e como
um instrumento para obter o desejado sem trabalhar, sendo a erradicação destas
práticas uma condição necessária para a racionalização capitalista do trabalho. A
colonização, que está na origem da acumulação capitalista, permanece se
atualizando. Desenfeitiçar, nas palavras de Stengers, é proteger-se e empoderar-se.
É recobrar aquilo que o capitalismo tomou e sobrecodificou, a feitiçaria não como
malefício, mas como pharmakon, a um só tempo veneno e remédio. (STENGERS,
2017)
Durante sua performance, Dalton Paula cria uma garrafada. Alternativa adotada para
driblar a carência de acesso aos meios da medicina tradicional bastante utilizadas
pelas populações interioranas e pela camada urbana de baixa renda. Seus
receituários se baseiam em conhecimentos fitoterápicos herdados dos negros e dos
índios, e geralmente são feitas da mistura de ervas conservadas em cachaça.
Porém, em vez de produzir um remédio capaz de aliviar e curar, o artista cria uma
garrafada para produzir sofrimento, hemorragia interna e morte, e desta maneira
atualiza a figura ancestral do sacerdote de candomblé que manipulava as plantas
para criar medicamentos/venenos, conforme a necessidade de amansar o senhor,
ou dele se vingar. (SOBRAL, 2015)
Fig 2. Dalton Paula | Unguento | Vídeo | 16’ | 2015 |
Foto/Vídeo: João Pedro Matos
Medicina
Referências
STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. In: Caderno de Leituras n:65. Belo Horizonte:
Chão de feira. 2017