Aula 02

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AULA 02

A POESIA E O GÊNERO LÍRICO – AS FORMAS DA POESIA

ELEGIA

Elegia para minha mãe

Nesta quebrada de montanha, donde o mar


Parece manso como em recôncavo de angra,
Tudo o que há de infantil dentro em minh'alma sangra
Na dor de ter visto, ó Mãe, agonizar!

Entregue à sugestão evocadora do ermo,


Em pranto rememoroso o teu lento martírio
Até quando exalaste, à ardente luz de um círio,
A alma que se transia atada ao corpo enfermo.

Relembro o rosto magro, onde a morte deixou


Uma expressão como que atônita de espanto
(Que imagem de tão grave e prestigioso encanto
Em teus olhos já meio inânimes passou?)

Revejo os teus pequenos pés... A mão franzina...


Tão musical... A fronte baixa... A boca exangue...
A duas gerações passara já teu sangue,
- Eras avó -, e morta eras uma menina.

No silêncio daquela noite funeral


Ouço a voz de meu pai chamando por teu nome.
Mas não posso pensar em ti sem que me tome
Todo a recordação medonha do teu mal!

Tu, cujo coração era cheio de medos


- Temias os trovões, o telegrama, o escuro -
Ah, pobrezinha! um fim terrível o mais duro,
É que te sufocou com implacáveis dedos.
Agora que me despedaça o coração
A cada pormenor, e o revivo cem vezes,
E choro neste instante o pranto de três meses
(Durante os quais sorri para tua ilusão!),

Enquanto que a buscar as solitárias ânsias,


As mágoas sem consolo, as vontades quebradas,
Voa, diluindo-se no longe das distâncias,
A prece vesperal em fundas badaladas!

Manuel Bandeira

BALADA

Balada das damas dos tempos idos

Dizei-me em que terra ou país


Está Flora, a bela romana;
Onde Arquipíada ou Taís,
que foi sua prima germana;
Eco, a imitar na água que mana
de rio ou lago, a voz que a aflora,
E de beleza sobre-humana?
Mas onde estais, neves de outrora?

E Heloísa, a mui sábia e infeliz


Pela qual foi enclausurado
Pedro Abelardo em São Denis,
por seu amor sacrificado?
Onde, igualmente, a soberana
Que a Buridan mandou pôr fora
Num saco ao Sena arremessado?
Mas onde estais, neves de outrora?

Branca, a rainha, mãe de Luís


Que com voz divina cantava;
Berta Pé-Grande, Alix, Beatriz
E a que no Maine dominava;
E a boa lorena Joana,
Queimada em Ruão? Nossa Senhora!
Onde estão, Virgem soberana?
Mas onde estais, neves de outrora?

Príncipe, vede, o caso é urgente:


Onde estão elas, vede-o agora;
Que este refrão guardeis em mente:
Onde estão as neves de outrora?

François Villon

SONETO

Não comerei da alface a verde pétala

Não comerei da alface a verde pétala


Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas


Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas pêras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois


Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro; dêem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati


E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

Vinicius de Moraes

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