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RECIFE, 2020
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SUMÁRIO
2. Justificativa
3. Análise do objeto
3.1 Fetichização
O fetichismo, então, é uma estratégia para ter tudo ao mesmo tempo: tanto
para representar, quanto para não representar o objeto de prazer e desejo que é
considerado tabu, perigoso e proibido. Permitindo aos observadores continuarem
olhando enquanto negam a natureza sexual de seu olhar. Permitem a manutenção
de um foco duplo – olhar e não olhar -, produzindo assim a satisfação de um desejo
duplo. Aquilo que é afirmado como diferente, horrível, primitivo e deformado está
sendo, ao mesmo tempo, obsessivamente desfrutado e apreciado de forma detida
porque é estranho, exótico e díspar.
3.2 Diferença
A série, com todo seu horror cósmico, é capaz de levar o telespectador para
um universo repleto de fantasia, de fato. Mas, em meio a tantos elementos irreais,
há inúmeras referências ligadas ao racismo sofrido pelos personagens, bem como
cenas escancaradamente preconceituosas. “Whitey's on the moon”, nome do
episódio número dois e homônimo a um poema que disserta acerca da luta contra o
racismo, por exemplo, nos mostra os personagens Atticus, Letitia e tio George ainda
em busca do pai do próprio Atticus, que se encontra desaparecido. Em meio a essa
procura incessante, eles vão parar em uma mansão e começam a ser servidos por
pessoas brancas. Nesse ponto, não é de se estranhar a situação, até que percebe-
se que tanto Leti como tio George encontram-se sob efeito de um encantamento
que os fazem querer ficar naquele lugar, custe o que custar. A diferença é que
Atticus é completamente imune a esse feitiço e consegue enxergar a realidade em
sua volta tal qual como é, pois ele obtém um tipo de poder que adveio de um ser
superior ao restante da população. E, ao decorrer do episódio, é possível notar que
as mesmas pessoas brancas que estavam os servindo, são aquelas que querem, a
todo custo, tirar a essência de Atticus e tomar para si. Essa é uma forte e marcante
evidência em relação à diferença proposta por Hall, pois, a partir do momento que
essas categorias opostas - negro e branco -, nas quais, uma possui mais poder que
a outra estruturalmente - categoria branca -, quando vê o seu oposto e então,
logicamente, inferior categoria obtendo destaque, é provável que se entre em um
estado de negação constante, pois a diferença é, também, um fator antropológico.
Por mais que oposições binárias sejam necessárias para haver a diferença, a
cultura de um determinado povo vai atribuir significado às coisas. No caso de
Lovecraft Country, na qual uma das pautas é a quebra do estereótipo de que
pessoas negras devem ser submissas ao seu oposto, essa classificação de
significado causa perturbação na ordem social da comunidade estruturalmente
racista, ainda mais em uma sociedade regida pelas leis Jim Crow.
Lovecraft Country é uma série que impõe a diferença de uma forma oposta
ao que grupos privilegiados sempre viveram, mas explorando o viés de como a
população negra é explorada e manipulada por uma sociedade que é culturalmente
preconceituosa. Sendo isso, algo cultural, e não natural, é possível haver
modificações nesses costumes, fazendo com que haja a naturalização de uma outra
diferença. Essa na qual a alteridade se fará realmente presente.
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amaldiçoada magicamente por dois policiais. A maldição faz com que só ela
enxergue duas meninas negras deformadas que a perseguem por todo lugar. Essas
crianças fazem referência a uma personagem do livro racista “A Cabana do Pai
Tomás”, que tem como característica principal ser mal educada e agressiva. Ora, a
metáfora não poderia ser mais clara: Diana, uma criança negra, é perseguida
(literalmente) durante quase todo o episódio pelos estereótipos vivos de como uma
menina negra é vista pela sociedade branca. É a materialização literal de como a
estereotipagem possui, nas palavras de Hall, “(...) poder na representação; poder de
marcar, atribuir e classificar; poder simbólico; poder da expulsão ritualizada.”
No entanto, Diana não fica sendo apenas uma vítima da situação. Mais uma
vez subvertendo o esperado, o roteiro coloca a personagem indo sozinha resolver
seu problema, enquanto enfrenta seus medos. Um símbolo de como pessoas
negras, desde crianças, têm que lutar para sobreviver numa sociedade racista que
as marginaliza e as encaixa em diversos estereótipos. Inclusive, em um momento
anterior, o tio de Diana, Montrose, tenta ter “a conversa” com ela, termo americano
para quando os pais negros têm que explicar aos seus filhos como lidar e se
comportar diante do mundo racista que irão encontrar pelo resto de suas vidas. No
fim do episódio, Diana é pega pelas meninas que a perseguem, pois é segurada
pelo próprio tio, que não consegue enxergar os espíritos.
Diantes dos exemplos e metáforas apresentados nos episódios supracitados,
fica clara a afirmação de Hall quando diz que “A estereotipagem enquanto prática de
produção de significados é importante para a representação da diferença racial”.
Nesse sentido, todos os personagens da série, e o próprio fato de serem os
protagonistas, servem para contrapor uma série de estereótipos e representações
racistas que são impostos à população negra. Da mulher negra que tem a chance
de escolher o que quer ser livremente ao homem negro que não é “só músculos”,
mas que também possui inteligência, curiosidade e conhecimento cientifico,
Lovecraft Country consegue criar imagens positivas e subverter a forma como os
pretos são retratados na maioria das obras de ficção, conseguindo quebrar visões
pré-concebidas por parte da população sobre esse grupo social. A ironia final reside,
claro, na obra ter sido construída baseando-se justamente em conceitos literários de
terror criados por um autor racista.
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4. Referências
HALL, Stuart. CULTURA e representação. 1º. ed. [S. l.]: Apicuri, 2016. 260 p.
SEPINWALL, Allan. Lovecraft Country’ Recap: The Past Is Never Dead. Rolling
Stone. Disponível em: https://www.rollingstone.com/tv/tv-recaps/lovecraft-country-
recap-episode-8-jig-a-bobo-1069922/. Acesso em: 5 nov. 2020.