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O Portugal deles

1 DEZ 2014

No Portugal que um finlandês me descreveu, é sempre verão e as pessoas estão


sempre sentadas em esplanadas, de perna traçada. Que belo tempo para usar calções e para
almoçar uma salada ligeira, temperada com vinagrete. As tardes são longas, mas é claro que
não chegam às tardes infinitas de Tampere durante o solstício. É outro tipo de passagem do
tempo, o oceano Atlântico não é o mar Báltico, o Tejo não é o lago Vesijärvi, também a cerveja
é diferente. Mas há sempre aquela camada de claridade sobre a pele, a aquecê-la e a dar-lhe
cor, pele dourada.

No Portugal que um brasileiro me descreveu, há sempre um nevoeiro que não passa.


Era um brasileiro da Baía, um baiano de Salvador. Disse “aquela” tristeza, como se eu fosse
capaz de saber exatamente a que tristeza se referia. No seu Portugal, há sempre “aquela”
tristeza. Mesmo que toda a gente esteja a rir à volta de uma mesa, mesmo que alguns estejam
agarrados à barriga, incapazes de controlar-se, vermelhos, a fazerem caretas de riso, há
sempre “aquela” tristeza, o tal nevoeiro que não passa. E um friozinho. Também há sempre
um friozinho.

Não sei a que conclusão chegariam se tivessem uma conversa sobre Portugal. Conheço
este finlandês e este brasileiro de lugares que estão separados por milhares de quilómetros.
Acredito que não é enorme o número de pessoas que, numa só vida, estiveram nesses dois
lugares: Cuiabá, Mato Grosso, e Lahti, na província de Hämeen. Há muitas pessoas que estão
neste preciso momento em Cuiabá, que já passaram por aquelas avenidas. O mesmo acontece
com a cidade de Lahti. Mas não acredito que seja enorme a quantidade de gente que já esteve
em Cuiabá e em Lahti. Seria bem interessante ter esse grupo reunido.

Mas esse é outro assunto. Aquilo que eu tenho a dizer agora é que, em Lahti, encontrei
esse homem de óculos, palavras pausadas, apreciador moderado de vodka, com uma ideia
muito precisa de Portugal e que, mal nos conhecemos, fez questão de me observar através
dela, procurando nas minhas respostas breves às suas perguntas, nas minhas hesitações, algo
que tivesse lógica à luz daquilo que já sabia, das certezas que já tinha.

Bastante comparável foi a maneira como esse brasileiro, baiano de muitos orixás,
rosto limpo e brilhante, me falou. Apesar de nos cruzarmos ali, longínqua Cuiabá, conseguiu
identificar-me pela pronúncia porque conhecia Portugal, esse país com “aquela” tristeza. E
fazia pausas no que dizia, não porque quisesse fazer perguntas, mas porque queria um
instante de silêncio, aproveitava-o para entrar no meu olhar e, sem falta, descobrir um pedaço
da tal tristeza. A partir da segunda ou da terceira vez, tentei um sorriso que disfarçasse, saiu
tímido por falta de motivo, injustificado, e foi assim que, na interpretação dele, lhe deu ainda
mais razão. Lá estava “aquela” tristeza, parente do friozinho.

E aqui estou eu. Olho em volta e procuro o Portugal que me foi descrito por um e por
outro. Estão cá os dois, mas encontro muitos mais. Está o Portugal de ontem, está todo aquele
que imagino daqui a um mês e está este de agora, multiplicado por mil.

José Luís Peixoto

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