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Pelo olhar de uma criança

Estamos caminhando. Eu aqui embaixo, perto do chão. Ela segura a minha mão. Que delícia, meus
dedos quentinhos na mão dela. Ela se abaixa, traz o rosto para perto do meu. Olha para mim, nos
meus olhos. Quando ri, aparecem ruguinhas em volta dos olhos dela.

– Olha lá – ela diz, apontando para uma bicicleta. – Que legal ter uma bici. Zum, zum, dá para ir tão
rápido!

Eu aponto para um cachorro ao lado da bicicleta.

– Olha – digo. – Cachorrão.

Ela olha para o cachorro e diz:

– Ele está balançando o rabo. Ih, agora vai fazer xixi. Pronto, fez xixi.

Eu começo a rir. A mamãe é engraçada.

Ela me leva num lugar junto da igreja. Eu gosto de correr atrás dos passarinhos.

– Olha, mamãe! – Eu aponto para um passarinho bem grande.

– É mesmo! Olha como ele é grande! Será que ele faz piu–piu? Ali tem outro, está vendo? Aquele
faz curucucú.

– Curucucú – repito.

– Curucucú. E olha ali: um passarinho grande e um pequeninho, um do lado do outro.

– Passarinho grande – eu digo.

– Olha ele batendo as asas. Está vendo? Flap, flap.

Eu dou outra risada.

– Ali, passarinho – digo. Ela olha para onde eu estou apontando.

Ela me pega no colo e me abraça. Bem nessa hora, uma mulher passa caminhando. Um monte de
passarinhos bate as asas e saem voando.

– Uoouu! Eles sempre fazem isso – diz a mamãe. – Eles voam para a gente não pegar. Que pena!

– Uoouu! – Eu gosto do som que ela faz. – Uoouu, uoouu – digo, que nem a mamãe.

– Uu–ooooouuuu – ela encomprida.

Ela me põe no chão e olha nos meus olhos. Vejo as ruguinhas e aquele dente engraçado quando ela
sorri.

– Uu–ooooooooouuu – repete.

Eu encomprido mais ainda:

– Uuuuuu–ooooooooooooooooooooooouuuuu, uuuuuu–ooooooooooooooooooooooouuuuu!

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Ela sorri outra vez, depois me pega no colo e me põe nos ombros.

– Meu amorzinho fofinho, está na hora de ir para casa – diz a minha mamãe.

XXX

No dia seguinte, eu acordo com fome. Começo a chorar, e a mamãe me pega no colo.

– Está com fome, pequerrucho? Aqui está a sua colher e o seu pratinho, cheio da comidinha que
você mais gosta.

Ah, que bom. A minha colher. O meu pratinho. A minha boca. Que delícia.

Terminei. Deixo cair a colher, e a mamãe cata do chão.

– Pequerrucho, eu sei que você adora essa brincadeira, mas agora não é hora. Nós vamos visitar os
passarinhos na igreja.

No caminho, eu aponto:

– Olha! Caminhão branco – digo. – Vrum, vrum.

Escuto a voz da mamãe fazendo vrum, vrum. Depois ela diz:

– Que caminhão grande, né? Ele é branco, com umas coisas escritas do lado.

Eu olho para ela, e ela sorri para mim. Ela também gosta do caminhão.

Triiim, triiim. É o telefone da mamãe. Triiim, triiim

Ela tira o telefone do bolso e diz:

– Oba, é a Ivone! – A amiga da mamãe.

Ela escuta o que a Ivone diz e dá uma risada.

– E depois, o que aconteceu? – Ela me põe num banco. – Me conta o que o Roberto fez.

A mamãe está achando graça, começa a rir de novo. Que coisa chata.

Eu puxo o braço dela, e ela empurra minha mão. Eu pulo do banco.

– Não faz isso, Michel! Está muito perto da rua – ela diz com aquela voz horrível. – Eu ligo quando
chegar em casa – ela fala para Ivone.

O telefone volta para o bolso. Que bom.

Vejo um caminhão verde.

– Caminhão grande, vrum, vrum.

Ela não olha.

– Caminhão, vrum, vrum.

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Nada.

– Mamãe, mamãe.

Ela levanta e me puxa pelo braço.

– Mamãe, mamãe, olha os passarinhos!

Ela não olha. Não sorri. Puxa meu braço. Dói. – Para, mamãe! – eu digo, dentro na minha cabeça.

Repito mais alto:

– Mamãe, os passarinhos!

Ela olha para baixo. Será que esqueceu que eu estou aqui? Será que se lembra de mim? Ela me pega
no colo e caminha mais rápido.

– Mamãe, os passarinhos.

O rosto dela não sorri.

– Passarinhos, passarinhos!

Eu aponto. Ela não olha para o que eu estou mostrando. Continua andando. Ela não enxerga. Não
me escuta.

Acabaram os passarinhos. Não tem mais passarinhos para nós.

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