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Mesmo assim, há quem insista, até com certa razão, que a poesia é
intraduzível porque demanda estados e sensações nem sempre facilmente
tangíveis. Se nossa inclinação imediata, em face da prosa, é buscar a
realidade representada, diante da poesia essa tendência precisa ajustar-se
aos parâmetros sugeridos pelo poema, ainda que este seja de índole
narrativa.
Neste caso, não se trata apenas e necessariamente de reconhecer no
poema, por si só, ações e atitudes de algum personagem, mas sim de
apreender também um estado, ou uma emotividade estética. Uma outra
significação se instala na ação ou atitude descrita.
O contato com a poesia, seja ele de fruição espontânea, seja com
intenção analítica mais alentada, requer um ajuste do espírito e da
inteligência para uma experiência emotiva e intelectiva específica,
intensificada. Que ativemos a intuição, que elaboremos a sensibilidade. Em
alguns casos, a poesia chega ao extremo do hermetismo, ao nonsense
aparentemente gratuito, como notamos em poemas surrealistas. Um leitor
mais afoito diria que poemas assim concebidos buscam mais testar sua
paciência...
A natureza da poesia se define, pois, por cobrar do leitor um olhar
especial, arisco, intensificado, minucioso, algumas vezes necessariamente
ousado. Que esse leitor force a visibilidade, no poema e em si, de
experiências sensíveis e emocionais amortecidas, indefiníveis às vezes; que
ultrapasse a pura intelecção, que calibre o olhar para um enfrentamento
mais sugestivo de imagens obscuras, resistentes à compreensão imediata.