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Apresentação
Unicamp, visa sugerir uma economia da discussão que Hugo Friedrich realiza sobre as
pode ser observada a partir de uma noção de linguagem que encontro nas aproximações
singulariza Mallarmé, e lhe confere papel e lugar histórico referente a este período
Friedrich, focando-me a comentar aquilo que Friedrich diz sobre Mallarmé, pois a
hipótese deste trabalho é motivada pela desconfiança de que a noção de linguagem através
da qual Mallarmé lança seus dados está obscura em Friedrich, que ora a vislumbra,
característica à qual o autor dá grande relevância, porque perpassa toda a lírica do início
do século XX, sobre o qual ele está se detem neste momento. Ele a define como uma
deste efeito ambíguo, e a comenta pelas da vozes de alguns poetas. A primeira delas é de
Eliot, que diz: “A poesia pode comunicar-se, ainda antes de ser compreendida”. Aqui a
poesia comunica algo, que antecede a compreensão. Esta será suspendida por Baudelaire,
o que, para Friedrich, diz respeito a uma certa intencionalidade do poeta em desagradar o
leitor: “Existe uma certa glória em não ser compreendido”. E pela voz de Montale a
Destas vozes emprestadas por Friedrich, ouço em seu livro, mais alta, a deste
Eliot, cujas forças que prolongam a incompreensibilidade parecem poder ser superadas.
Glória, da boca do poeta que escreveu O Albatroz, me soa mais como provocação verbal,
procedimentos e efeitos desta poesia, que ouço mais pela voz de Montale.
A linguisteria e a Língua
Friedrich também, pois além de evocar estes poetas no início de suas reflexões, ele
sustenta a ideia de que a poesia de Mallarmé deve ser decifrada, pois carrega uma
linguagem específica, própria e única deste autor: “Temida e famosa é a obscuridade de
sua lírica. Esta deve ser decifrada a partir de uma linguagem que só é escrita por este
autor” (Ibid., p.95). Também Lacan se sentiu convocado a falar sobre compreensão e
poesia. É o que nos conta Claudia Lemos em Joyce e Lacan: um gozo dito opaco (2007)
ao dizer que “Lacan foi convocado por Finnegans Wake a dizer o que Joyce fez com a
língua de modo a afetar sua elaboração sobre a teoria e prática psicanalítica” e que, por
conclusão nenhuma, sendo “leiam Finnegans Wake” as suas palavras finais sobre o
Lemos continua a falar sobre as relações entre poesia e psicanálise em outro texto
intitulado Acordando discursos adormecidos: o que o ato poético diz do ato analítico
(2011), e se pergunta “o que faz a poesia que possa vir a inspirar a intervenção do
analista?”, que é generelizar a pergunta do porquê Lacan se sentiu convocado por Joyce.
resutla de uma violência feita a esse uso’ (op. cit., p. 8, tradução minha).
pelo fato de que ‘o que quer que vocês digam, há o Outro, o Outro que sabe
escrita joycianos, que isto que Lacan fez a partir Joyce pode seguir falando, como, aqui,
fala de novo sobre literatura e não mais, ou não só, sobre a psicanálise. Fala, aliás, sobre
desde que ele sopre, ou roce ou fira com ciência; usá-lo à parte e dedicá-lo
voluntárias’, como ele chama este recurso de escrita que sofrem os versos alexandrinos,
que desestabilizam tais versos incitam os ‘ouvidos individuais’ a jogar com, além da
poesia, toda a língua. Há um jogo que é da escrita da poesia, que não diz apenas sobre a
leitura desta poesia, mas diz sobre a linguagem. Nota-se, portanto, que a singulizaração
linguagem, é contrária a ideia que Mallarmé observa nestes versos, de que a partir de um
indivuais’, este notará que tais singularidades dos versos também podem ser escutadas
em toda a língua. Com isto, pode-se pensar também a adjetivação da linguagem que faz
Friedrich a partir de Mallarmé, da ‘nova linguagem’. Esta novidade, para o poeta francês,
parece estar mais na atenção que a poesia vem reclamar à linguagem, vista amplamente,
dedicada ou não à poesia, ou seja, no uso que os poetas, tal como ele mesmo, fazem da
linguagem. E como, desta maneira, a atualizam, permitindo que olhemos para aquilo que
possibilidade de diálogo entre o que diz Mallarmé e o que diz Lacan. Para compreender
esta relação, é necessário passar pelo artigo de Lemos, Poética e Significante, publicado
originalmente em 1998, revisado e republicado em 2009, no qual a autora nos conta sobre
a releitura que fez Lacan do signo saussuriano. Se para Saussure significante e significado
eram unidos, comparados à frente e ao verso de uma folha de papel, para Lacan esta
relação é a de uma barreira intransponível. Isto é dizer que nenhum significante carrega
consigo seu significado, e sim, que todo significado é efeito de significante. Para Lemos,
esta releitura de Lacan vai ao encontro daquilo que o próprio Saussure anunciava como
relação dos signos entre si, relação esta de pura diferença e assentada na
Esta barreira intransponível da qual fala Lacan, pela leitura de Lemos, também
está presente no momento em que Saussure trouxe a questão das cadeias sonoras
homófonas, como ‘je l’apprends’ e ‘je la prends’, exemplos do próprio linguista presente
língua francesa, de ser falante nativo, não delimita o que será escutado por diferentes
ouvintes. O significado recorta a cadeia sonora que se escutou e é, ao mesmo tempo,
efeito deste corte realizado pelos ouvidos de quem escuta. Neste sentido, o significante é
tudo o que está dado, e a decisão por um ou outro significado vem daquilo que Lacan
psicanálise, sem aquilo que afirmou Freud sobre a fundação do sujeito e do inconsciente.
cadeia de significantes também está presente nas leituras do próprio Saussure dos versos
saturninos da poesia latina, o que nos mostra que este tal efeito de escuta, pode ser também
um efeito de leitura. Lemos nos apresenta um exemplo: “em um poema dedicado a Apolo,
pode-se ler seu nome no verso Ad temPLa pOrtatO (A tradução: “levado adiante dos
templos”)” (LEMOS, 2009, p. 213). Saussure, sem compreender a razão deste fenômeno,
Não é sobre este mesmo fenômeno que Friedrich diz encontrar na poesia de
Mallarmé? Diz ele: “Cada poesia isolada tem várias camadas de significação que se
sobrepõem uma às outras, a última das quais se perde em possibilidades de sentido mal
sobrepõem, mas sim os significantes, que recortados, lidos como lê Friedrich, as encontra.
causam o sentimento de vítima, instruída a não reagir, a não interpretar aquilo que ele
próprio diz que se perdeu. Nos conta Lemos que Joyce lamentou atitudes de sua crítica
parecidas com esta de Friedrich a Mallarmé: “Sua reação não é a quem lamenta o sem
sentido de que alguns críticos se servem para desqualificar Finnegans Wake, mas sim o
interpretar o sentido que lhes escapa” James Joyce (apud LEMOS, 2007, p. 19).
contrário, me parece que a poesia de Mallarmé, assim como a poesia de outros tantos
poetas do final do século XIX e começo do XX, dão espaço ao leitor, convida-os a lê-las,
a recortá-las, a dar-lhes o sentido que não lhe fora entregue pelo texto poético. E daí,
Friedrich, já que o leitor é intimado a ser ativo perante o texto poético, é chamado a
escrever, junto ao poeta, o poema, assim como Joyce, ao radicalizar o uso da linguagem,
poesia é um processo não nas coisas, mas na linguagem” (Ibid., p. 100). Esta afirmação,
ao lado das outras anteriores, mostram-me uma contradição, que diz sobre a dificuldade
do teórico em aceitar as provocações que Mallarmé faz com a linguagem, pois ao tentar
sobre que coisas está fala a sua linguagem. E cria-se uma falsa ideia de que a matéria da
poesia, em algum momento da história, possa ter sido outra coisa que não a linguagem.
que Friedrich fez do que disse Mallarmé. Friedrich diz que “verbalmente, ele próprio
Esta frase que Friedrich toma de Mallarmé, me parece, de novo, assim como em
Baudelaire ao glorificar-se por não ser compreendido, uma provocação do poeta, uma
entrarmos na obra de Mallarmé, que Friedrich de diferente formas afirma ser linguagem
pura, ficamos na linguagem. Ficamos lá, mesmo quando estivermos fora da poesia, efeito
parecido àquele qual Mallarmé observou pelas ‘deliciosas aproximações’ dos versos
alexandrinos.
A poesia de Mallarmé não anuncia o fim da poesia, mas tensiona para além dos
qualquer um com seu jogo e ouvido individuais”. Marcos Siscar, em Poetas à beira de
uma crise de versos, questiona a interpretação proposta pelos concretistas brasileiros, que
é consonante com esta de Friedrich, de que, com Mallarmé, se finda o verso. A partir de
uma atenção ao título do ensaio ‘Crise de vers’, Siscar defende as opções ‘Crise de verso’
ou ‘Crise de versos’ no lugar de ‘Crise do verso’, como ele afirma que é mais comum
encontrar este título em português. Segundo ele, em Crise de vers pode-se ler o paralelo
com ‘crise de nerfs’ (ataque de nervos), pela proximidade sonora com o título do ensaio
propósito dele. Uma crise de verso, como se pode notar pelas referências
“Uma irritação do verso, dentro do verso, e a propósito dele” não é uma irritação
que acontece na materialidade de texto, em sua linguagem e a propósito dela mesma, que
pode ser dedicada à toda Língua? Irritações que provocam falhas exemplares. Falhas
parecidas àquelas da psicanálise, mas também falhas rítmicas nos versos, no tempo-
espaço da poesia no qual Mallarmé apontou que acontece a crise: “No tratamento, tão
espaço da escuta e exige uma dedicação também de leitura: “Não se trata mais da fala
que, ao falhar, deixa escapar ou cair o que ficaria esquecido atrás do dito, venha ele do
analisante ou do analista, mas do artista que está de olho na letra e no leitor, espetando-o
com a letra afiada”. (LEMOS, 2007, p. 19). ‘Estar de olho na letra’ é estar atento à
linguagem da poesia. ‘Estar de olho no leitor’ é estar atento ao efeito desta poesia, que
vai ao encontro a ideia de Friedrich da lírica como trabalho e jogo de Mallarmé, como
e da subjetividade do eu romântico.
Como Lacan leu James Joyce, entende-se que aquilo que Friedrich chamou
via do significante. Não quero com isso conformar-me que não possa exister fascínio ou
prazer em qualquer leitura consonante, harmoniosa ou compreensível, uma vez que isto
me parece bastante particular, mas quero, isso sim, colocar-me ao lado daqueles poetas
que disseram que a lírica moderna não tensiona seus textos nesta direção.
que se escuta de Eliot, Baudelaire e Montale, das suas vozes emprestadas por Friedrich?
Não foi justamenteme porque Lacan não compreendeu Joyce que este lhe exerceu fascínio
apresenta em Estrutura da Lírica Moderna pretende, menos reunir sob um novo nome os
vários nomes categorizantes que Friedrich nos traz no título de cada um de seus excertos
(Evolução do estilo, O nada e a forma, Magia linguística, Estar só com a linguagem, etc),
jogável ao bel-prazer dos ‘ouvidos individuais’, e que, então, a partir da poesia do período
de transição do séculos XIX para o XX, é evidenciada pelo fazer poético, que, a partir de
poesia. Para Friedrich, o precursor deste fazer poético é Mallarmé, que, uma vez
Bibliografia
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978. 341
p.
LEMOS, C. T. G. Joyce e Lacan: um gozo dito opaco. In: Nina Virgínia de Araújo Leite;
Suely Aires;Viviane Veras. (Org.). Linguagem e Gozo. Campinas: Mercado de Letras,
2007, v. , p. 15-24.
SISCAR, M. Poetas à beira de uma crise de versos (2007). In Poesia e crise. Ensaios sobre
a «crise da poesia» como topos da modernidade, Campinas: Editora Unicamp, 2010, pp.
103-116