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O termo Idade Média – Media Aetas - foi concebido no século XIV primeiramente pelo poeta e
humanista florentino Petrarca (1304-1374), mas foi em 1469 na obra do bibliotecário pontifical
Giovanni Andrea Bussi (1471-1475) que encontramos a primeira utilização do termo “Idade
Média” como a denominação de um período específico na história distinguindo os homens
da media tempestas dos homens de seu tempo (é preciso, entretanto, considerar que os homens
‘medievais’ conheciam os conceitos de antiguidade e de modernidade). Assim, seu uso se torna
corrente a partir do século XVII, o termo ‘dark ages’ começa a ser usado por eruditos ingleses. O
historiador alemão Christoph Keller, ou Cellarius, (1638-1707), na sua História Universal periodiza
a Idade Média como o espaço de tempo entre a elevação de Constantino como imperador de
Roma (312) e a tomada de Constantinopla (Império Romano do Oriente) em 1453. Assim, no
período renascentista o termo Idade Média está atrelado à cultura, às artes, à retomada de
autores gregos e latinos clássicos, opondo-se assim à suposta barbárie do latim medieval e da
formação das línguas vernáculas que corrompiam a verdadeira cultura. Roma é assim central
nessa contagem do tempo. Nesse sentido, a Roma antiga e a Itália renascentista (dividida por sua
vez entre repúblicas, papado e império) são os paradigmas desse processo de periodização
histórica. Mas, convém lembrarmos que o conceito de Renascimento também foi construído,
nesse caso pelo historiador francês Jules Michelet (1798-1874), que o utiliza na sua aula inaugural
no Collège de France em 23 de abril de 1838. Porém, foi com o historiador da cultura Jacob
Burckhard (1818-1897), em sua obra A cultura do Renascimento na Itália, que o termo se
consagrou.
Podemos considerar então que o termo Idade Média é construído por oposição a um momento e
a um espaço históricos: o humanismo italiano, mas também por oposição a um processo, que
veremos adiante, que é o das conturbações dos séculos XIV e XV com a peste, as revoltas rurais e
urbanas e a Guerra dos Cem Anos.
O segundo período que contribuiu para uma imagem negativa da Idade Média foi o Iluminismo e
o discurso revolucionário que culminou com a Revolução Francesa que romperia com as
instituições feudais: a Monarquia e a Igreja. Filósofos como Montesquieu (1689-1755), Voltaire
(1694-1778) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) cristalizam a ideia de que a Idade Média é o
posto do que está por vir: a Razão, o Estado as Leis e a Laicidade. Mas, cristalizaram também os
conceitos de feudalidade, de vassalidade, de servidão, que atualmente a historiografia se esforça
em compreender. O historiador Alain Guerreau, considera que no século XVIII opera-se uma
dupla fratura conceitual expressadas por Rousseau que concebe o conceito de religião e por
Adam Smith (1723-1790) com o conceitos de economia e mercado.
Mas, é na virada dos séculos XVIII e XIX que a Idade Média ganha novas colorações. O
romantismo e o historicismo alemães contribuem para buscar nas origens da Europa no
momento das migrações germânicas, seu passado guerreiro e triunfante. A França, por sua vez,
dividida entre monarquia e república, após a derrota napoleônica, busca também sua identidade
nacional, sua etnogênse, questionando-se se é gaulesa (Celta), germânica (Franca), ou latina (a
herança cultural e linguística da romanização). Esse jogo identitário que constrói o Estado-Nação
leva, nesse momento à guerra Franco-Prussiana e a unificação da Alemanha em 1870 e, um
pouco mais tarde, à Grande Guerra (1914-1918).
Seria importante lembrarmos a conferência proferida em 1882 por Ernest Renan (1823-1892): ‘O
que é uma Nação?’ na qual ele afirma que uma Nação não é um território, língua ou religião, mas
um plebiscito diário formado por aqueles que lutaram e viveram juntos.
Esse retorno às fontes, com novos questionamentos, foi o movimento empreendido pela Escola
dos Annales inaugurando uma nova forma de escrever a história e uma ‘Outra Idade Média’
como bem expressou Jacques Le Goff. É essa outra Idade Média que iremos explorar ao longo do
curso. Mas, diante do exposto acima, se a Idade Média parece estar ainda atrelada ao
nacionalismo e etnocentrismo europeus “Por que se interessar pela Europa Medieval?”.
Buscaremos responder a essa questão juntamente com Jérôme Baschet.
Jérôme Baschet escreve seu manual A Civilização Feudal. Do Ano Mil à colonização da América,
para seus alunos da Universidad Autónoma de Chiapas, no México aonde busca empreender uma
síntese ou compilação da historiografia recente sobre a Idade Média desconstruindo o senso
comum no qual a Idade Média seria um período de trevas, estagnação econômica e anarquia
política. Mas, o autor acaba por explicitar, conforme Jacques Le Goff afirma no prefácio, a ideia de
uma ‘Idade Média de Longa Duração’ (importante lembrarmos do conceito braudeliano de longa
duração’) que ultrapassaria o recorte tradicional do século XV e adentraria o século XVIII
justamente embasado na ideia de Alain Guerreau, da qual fizemos menção, de uma dupla fratura
conceitual de Religião e Economia e Le Goff acrescenta o tempo linear e a história, a razão e a
ciência. Mas Baschet vai mais longe ao se questionar sobre a legitimidade do estudo de história
medieval em terras americanas e reafirma uma herança medieval no Novo Mundo, pois, a
“descoberta não surge de um ‘simples apetite de riqueza ou de um desejo de conversão dos
índios, tornada possível graças às caravelas”, ele estabelece “que ela se deveu ao dinamismo
próprio do sistema feudal, que está longe de ser um sistema de estagnação e é muito mais um
regime construído para o crescimento e desenvolvimento interno e externo, em torno de um
poder senhorial de dominação”. (Le Goff, prefácio, p. 17). Além disso, Baschet procura, como em
um estudo comparatista ‘articular de maneira global sociedade medieval e sociedade colonial e
(de) captar a dinâmica histórica que as une, em um processo em que se misturam reprodução e
adaptação, dependência e especifidades, dominação e criação.” (Baschet, p.32). Para finalizar,
Baschet ainda afirma: “Aplicar à Idade Média o quadro de uma história nacional, herdada do
século XIX, significa privar-se de compreender sua lógica profunda.” (Baschet, p.33).