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Digital History e formação de historiadores: sugestões para um debate

Conference Paper · May 2015

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Patricia Santos Hansen

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Digital History e formação de historiadores: sugestões para um debate.
Patricia Santos Hansen 

Introdução
O objetivo deste texto é apresentar algumas das questões que as práticas associadas à
chamada Digital History colocam aos historiadores no momento atual. Tais questões, espera-se,
podem talvez contribuir para a formulação de uma pauta de discussões a ser considerada nos cursos
de formação de historiadores, em ambos os níveis de graduação e pós-graduação, no que diz respeito
à (re)elaboração dos programas de disciplinas obrigatórias, na reformulação de currículos, e/ou na
oferta de disciplinas opcionais.
Não ignoro que a falta de infraestruturas, em muitas universidades, seja um enorme
obstáculo. Porém, penso que uma vez compreendidas como prioridade (assim como não é possível
haver cursos de informática sem computadores), as condições terão de ser criadas. Nesse sentido,
sendo muito otimista é claro, não vou tratar das dificuldades postas pelos problemas de infraestrutura
material e tecnológica, as quais são muitas e as realidades diversas, tampouco da falta de recursos
humanos que serão formados conforme a necessidade se apresentar, isto é, quando estas questões
constituírem de fato uma agenda para o ensino superior de história.
Além disso, a necessidade de se discutir o tema extravasa as considerações sobre os
contributos metodológicos e práticos que as diversas tecnologias podem oferecer aos profissionais de
história, e mesmo a importância da aquisição de competências técnicas básicas para usufruir destas.
Portanto, nesta comunicação procurarei abordar principalmente as consequências, para o exercício
profissional crítico e reflexivo, de situações geradas ou propiciadas pelo ingresso da Digital History
no universo de atuação dos profissionais de história. Estes serão aqui considerados como aqueles que
se dedicam aos diversos níveis de ensino de história e/ou à pesquisa na área, por isso também não
levarei em conta dicotomias estabelecidas entre “pesquisadores” e “professores de história”,
existentes em maior ou menor grau em diferentes contextos, considerando o problema concernente
tanto à formação básica destes profissionais, quanto às subsequentes especializações e áreas de
atuação profissional.
O problema
Trata-se de um fato de difícil contestação que nas últimas décadas a grande maioria dos
historiadores de todas as subáreas disciplinares, tanto no ensino quanto na pesquisa, do mesmo modo


Patrícia Hansen é historiadora e webdesigner diletante. Foi professora de História no ensino fundamental, médio e
superior no Brasil. Em Portugal, foi responsável pelas disciplinas: Metodologias de Investigação no Mestrado em
História da Educação (E-learning); Educação para a Cidadania para o Mestrado em Ciências da Educação; e Literatura
Infantil e Educação para a Licenciatura do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Mantém duas páginas no
Facebook: “Ofício de Historiador” e “História da Literatura Infantil” e tem interesses de pesquisa nas áreas da História
do Livro (em particular dos livros para crianças), do Ensino de História, da História dos Intelectuais e em mediação
cultural. É autora de vários trabalhos sobre temas relacionados a estas áreas e recentemente organizou, com Angela de
Castro Gomes, o livro Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política, com edição prevista para o final de
que quaisquer outros profissionais de nível superior, tornaram-se não só usuários como, em maior ou
menor grau, utilizadores dependentes das tecnologias da informação e comunicação. Tal
dependência varia de acordo com fatores que incluem desde as competências individuais, ou o
interesse e oportunidade para aquisição de competências para utilização das inúmeras ferramentas
disponíveis, até a necessidade posta por problemas de pesquisa ou situações de ensino-aprendizagem,
condicionadas pelos contextos nos quais atuam.
No momento atual, a produção e a circulação do conhecimento histórico são, e tendem a
tornar-se cada vez mais, de formas imprevisíveis, mediadas em muitos aspectos pelas tecnologias da
informação e comunicação (TICs), especialmente pelo uso da internet. Seja devido aos usos de
recursos informáticos na educação, em sala de aula ou pela disseminação dos cursos em e-learning;
pela facilidade de pesquisa em catálogos ou acervos digitalizados; pela maior possibilidade de
divulgação dos resultados de investigações em periódicos científicos online e de comunicação com o
público mais amplo através de blogs, redes sociais e websites; ou ainda, para aqueles que perseguem
uma carreira acadêmica, pela presença em redes profissionais específicas (ResearchGate;
Academia.edu; LinkedIn; H-net, etc) que possibilitam manter-se a par de eventos, publicações,
oportunidades de emprego ou financiamento de pesquisa, mas também por exigências relacionadas à
gestão da produtividade e divulgação de índices métricos individuais, cada vez mais exigidos por
agências de fomento e instituições empregadoras, ou até, na falta de termo melhor, por razões de
“marketing” curricular. Nesse sentido, as TICs, na medida em que passam a implicar fatores que
condicionam o conhecimento histórico, já não podem mais ser ignoradas pela reflexão
historiográfica. Contudo, também não devem ser desprezadas no que diz respeito à preparação para o
mercado de trabalho e empregabilidade dos futuros profissionais.
Desnecessário listar exaustivamente os benefícios trazidos por estas tecnologias para
historiadores profissionais, como os decorrentes da ampliação do acesso às fontes, das possibilidades
de comunicação de resultados de pesquisa e formação de redes em torno de subáreas disciplinares,
dos recursos educativos disponíveis para o ensino de história, da democratização propiciada pelo e-
learning, etc. No entanto, também não é de se desprezar os encargos trazidos por estas ferramentas,
como o aumento exponencial da bibliografia sobre a qual historiadores precisam manter-se
atualizados e tempo gasto em selecionar o que interessa, muitas vezes perdido em meio a imenso
volume de “lixo acadêmico”, o enorme investimento na “aprendizagem ao longo da vida” que as
tecnologias demandam, agravado, entre outros aspectos, pela sua rápida obsolescência, os riscos de
plágio, desinformação e dificuldades de identificação de conteúdos fraudulentos por parte do
público, além de outros problemas. Muitos, certamente, têm a sensação desconfortável de
incapacidade ou impotência perante tantos desafios. Mesmo após duas décadas de presença
doméstica da World Wide Web, haverá ainda um número bastante significativo de profissionais
compartilhando o sentimento, tão familiar no fim do século passado, descrito por Nicolau Sevcenko
como perturbadoramente equivalente à sensação de se estar prestes a mergulhar no loop de uma
montanha-russa: “o mergulho no vácuo, o espasmo caótico e destrutivo”1
Também Robert Darnton, à mesma época, exprimiu num tom mais pessoal seus receios,
resistências e fascinação com a internet. Cito:
Como muitos acadêmicos, estou prestes a dar o salto para ciberespaço, e eu estou com medo.
O que vou encontrar lá fora? O que eu vou perder? Será que vou me perder?
Quanto mais me aproximo da fronteira da World Wide Web, mais me apego com carinho às
mídias do passado: a palestra e o livro. Não é notável que ambos ainda sejam tão fortes em nossos
campi, depois de séculos de uso, apesar do advento da chamada Era da Informação?
Por mais que admire meus colegas mais jovens, que encaixam música e imagens
computadorizadas em suas palestras, eu prefiro falar diretamente aos meus alunos, armado com nada
além de giz e um quadro-negro. Sou um historiador, e quando trabalho nos arquivos preencho fichas
com anotações que organizo em caixas de sapato, enquanto isso, ao meu redor, a geração mais nova
tecla em PCs portáteis. Eu amo livros, livros à moda antiga, quanto mais antigos melhor. A meu ver, a
cultura do livro alcançou o seu pico mais alto quando Gutenberg modernizou o códice; e o códice é,
em muitos aspectos, superior que o computador. [...]

A conclusão a que chega ao final do texto, não obstante, é esperançosa e visionária. O que
não surpreenderá aqueles que, após dezesseis anos, podem testemunhar o modo como Darnton
enfrentou seus receios e resistências:
Quer eu aterre ou não com segurança sobre ele [o ciberespaço], estou convencido de que a
Internet vai transformar o mundo da aprendizagem. A transformação já começou. Nossa tarefa, eu
acho, é procurar controlá-lo, para que possamos manter os mais altos padrões de práticas do passado
enquanto desenvolvemos outras para o futuro. Que lugar melhor para começar do que junto aos alunos
que agora produzem suas dissertações? Tendo passado a sua infância com os computadores, eles
saberão para onde vão quando mergulharem no ciberespaço.2

Dezesseis anos depois, tendo testemunhado a “transformação” a que Darnton se referiu e


constatando que ela foi muito mais radical do que alguém poderia imaginar em 1999, soa algo óbvia
a sua opinião sobre a tarefa dos responsáveis pela formação de futuros historiadores, incluindo os
1
Sevcenko, A Corrida Para O Século XXI.
2
No original: “Like many academics, I am about to take the leap into cyberspace, and I'm scared. What will I find out
there? What will I lose? Will I get lost myself? / As I approach the edge of the World-Wide Web, I am seized with
affection for the media of yesteryear: the lecture and the book. Is it not remarkable that both are still going strong on our
campuses, after centuries of use, despite the advent of the so-called Information Age? / Much as I admire my younger
colleagues, who splice computerized music and images into their lectures, I find it best to talk right at my students, armed
with nothing more than chalk and a blackboard. I'm a historian, and when I work in the archives, I fill index cards with
notes and sort them into shoeboxes, while all around me the younger generation is tapping away on portable P.C.'s. I love
books, old-fashioned books, the older the better. As I see it, book culture reached its highest peak when Gutenberg
modernized the codex; and the codex is superior in many ways to the computer. [...] / Whether or not I land safely on it, I
am convinced that the Internet will transform the world of learning. The transformation has already begun. Our task, I
think, is to take charge of it so that we maintain the highest standards from the past while developing new ones for the
future. What better place to begin than with students now completing dissertations? Having spent their childhood with
computers, they will know where they are going when they leap into cyberspace. (Darnton, “A Historian of Books, Lost
and Found in Cyberspace.”)
próprios estudantes dos cursos superiores de história que não são recipientes passivos de uma
educação que lhes é alheia, de procurar “tomar o comando” do ciberespaço para garantir a boa
prática profissional.
Do mesmo modo, o tempo deu razão a Pierre Levy quando afirmou, na mesma década de
1990, que a cibercultura era o veneno e o remédio para a experiência de cada um no mundo digital:
[…] nos casos em que processos de inteligência coletiva desenvolvem-se de forma eficaz graças ao
ciberespaço, um de seus principais efeitos é o de acelerar cada vez mais o ritmo da alteração tecno-
social, o que torna ainda mais necessária a participação ativa na cibercultura, se não quisermos ficar
para trás, e tende a excluir de maneira mais radical ainda aqueles que não entraram no ciclo positivo
da alteração, de sua compreensão e apropriação. Devido a seu aspecto participativo, socializante,
descompartimentalizante, emancipador, a inteligência coletiva proposta pela cibercultura constitui um
dos melhores remédios para o ritmo desestabilizante, por vezes excludente, da mutação técnica. Mas,
neste mesmo movimento, a inteligência coletiva trabalha ativamente para a aceleração dessa mutação.
Em grego arcaico, a palavra "pharmakon" […] significa ao mesmo tempo veneno e remédio. Novo
pharmakon, a inteligência coletiva que favorece a cibercultura é ao mesmo tempo um veneno para
aqueles que dela não participam (e ninguém pode participar completamente dela, de tão vasta e
multiforme que é) e um remédio para aqueles que mergulham em seus turbilhões e conseguem
controlar a própria deriva no meio de suas correntes.3

A metáfora da “deriva” é forte, porém representa um risco real para muitos futuros
historiadores que não tenham oportunidade de lidar com essas questões durante os seus anos de
formação profissional. Mais ainda, implica em grandes chances de que se crie, num futuro próximo,
um abismo intransponível em relação à qualidade do conhecimento histórico produzido em países
que investem na formação dos historiadores para o uso de novas tecnologias e para a reflexão sobre
as implicações que têm sobre o seu ofício, e aqueles que ignoram esta realidade. Sem querer assumir
um tom alarmista, a inércia no enfrentamento do assunto poderá, efetivamente, potencializar a
criação de dois cenários distintos, não necessariamente excludentes: a nível internacional, o de um
novo “roubo da história”, onde nações ou povos com mais recursos passam a monopolizar as
narrativas históricas numa dimensão global, sobre suas próprias sociedades e de outras, seja por
terem o domínio sobre as tecnologias da informação e comunicação, seja por estabelecerem as
categorias pelas quais a história é pensada em todo lado; a nível nacional, o risco é o da elitização de
profissionais de história com recursos particulares e individuais para superar tais desafios.
Evidências desse quadro podem ser encontradas a partir de simples pesquisas nos motores de busca,
como a realizada pelos autores do livro Digital History. A guide to gathering, preserving and
presenting history on the web (2006), que durante a escrita do livro constataram que o Yahoo
apresentava 1352 sites de “história britânica” contra apenas 7 de Uganda.4 Entretanto, outra forma de
vislumbrar as assimetrias que vão se constituindo é conferir o mapa elaborado pelo centerNet, uma

3
Levy, Cibercultura.
4
Cohen and Rosenzweig, Digital History. P. 23.
rede internacional de centros de Humanidades digitais que lista 196 centros ao redor do mundo,
sendo 88 na América do Norte, a maioria nos EUA, 75 na Europa, 10 na Oceania e os restantes 12
espalhados pelo resto do mundo. Portugal e Brasil contam cada um com um único centro, de criação
recente e estrutura modesta. A maioria dos centros europeus foi também constituída nos últimos
cinco anos, diferentemente dos EUA onde muitos já existem há mais de uma década.5
“O roubo da história”, título do livro do antropólogo Jack Goody, “refere-se à apropriação da
história pelo Ocidente”. Isto é, ao modo como o passado foi e é “conceitualizado e apresentado de
acordo com o que aconteceu na escala provincial da Europa, particularmente na da Europa ocidental,
e então imposto ao resto do mundo”.6 Um novo “roubo da história” a partir da Digital History, caso
ocorra (se é que já não está a ocorrer), não será mais eurocêntrico, porém anglocêntrico, como o
próprio conceito. Esta preeminência do inglês, a “língua da internet”, coloca ainda uma outra questão
que diz respeito ao bilinguismo no ambiente acadêmico, uma realidade que se impõe rapidamente em
vários países da Europa, cujas universidades oferecem uma variedade de cursos em inglês, inclusive
nos mais resistentes e apegados ao idioma nacional, e que agrava o risco para o qual chamei atenção
acima, de uma maior elitização entre historiadores.

Digital History
Digital History é uma designação que engloba práticas e produtos bastante variados e seus
objetos costumam ser tratados a partir de uma e/ou outra das seguintes perspectivas: como uma
forma de História Pública; ou como parte do grande campo transdisciplinar que tem sido chamado
Digital Humanities. São termos recentes no léxico acadêmico e não há consenso, entre os que se
declaram praticantes, que permita uma definição fixa dos seus significados. Há concordância,
entretanto, de que algumas das práticas que hoje são classificadas sob estes rótulos já existiam
anteriormente, ou existem em países onde ainda não se pensa nas relações entre as humanidades em
geral, ou a história em particular, e a informática, as mídias digitais e a internet, sob os vieses destes
conceitos.

5
Cf. http://dhcenternet.org/
6
Na versão mais extensa do original: “The ‘theft of history’ of the title refers to the take-over of history by the west. That
is, the past is conceptualized and presented according to what happened on the provincial scale of Europe, often western
Europe, and then imposed upon the rest of the world. That continent makes many claims to having invented a range of
value-laden institutions such as ‘democracy’, mercantile ‘capitalism’, freedom, individualism. However, these
institutions are found over a much more widespread range of human societies. I argue that the same is true of certain
emotions such as love (or romantic love) which have often been seen as having appeared in Europe alone in the twelfth
century, and as being intrinsic to the modernization of the west (the urban family, for example)”.Goody, The Theft of
History, p.1.
Em Portugal e no Brasil, alguns temas começam a ser debatidos e vêm ganhando visibilidade
pelo trabalho de jovens pesquisadores, que dedicam suas pesquisas de mestrado e doutorado à
reflexão sobre tópicos variados relacionados à Digital History7, e por análises desenvolvidas por
historiadores mais experientes a respeito de assuntos correlatos8. Não obstante, a inexistência ou
incipiência de centros ou linhas de pesquisa, grupos de trabalho organizados e redes de colaboração
condicionam o modo pelo qual a Digital History existe, é pensada, e se desenvolve nos respectivos
contextos acadêmicos.
De acordo com Willian G. Thomas III, o termo digital history nasceu com a fundação do
Virginia Center for Digital History, entre 1997-1998, sendo em seguida disseminado em outras
atividades acadêmicas como seminários e projetos de pesquisa.9 Seu uso tem consequências para a
prática e para o próprio conceito de história, do mesmo modo que o de outros conceitos muito
presentes no léxico da historiografia atual, ainda que não tão novos, como os de “história pública”,
“consciência histórica” e “cultura histórica”. Trata-se, como bem observa Anita Lucchesi, de um
problema que diz respeito à uma história da historiografia no “tempo presente”10. A autora, aliás, dá
uma importante contribuição aos estudos sobre a Digital History ao abordar, da perspectiva de uma
análise dos conceitos, semelhanças, diferenças e conexões entre a Digital History, tal como praticada
nos Estados Unidos, e a Storiografia Digitale, praticada na Itália.
Vale lembrar, nesse sentido, a importância de considerarmos o nome pelo qual o objeto é
designado, seguindo os passos de Reinhart Koselleck, pois o aparecimento de neologismos ou a
formulação de novos conceitos são elementos-chave para a compreensão de determinadas dinâmicas
e contextos históricos, na medida em que as expressões linguísticas fundamentam e condicionam
interpretações e ações sobre a realidade.
Se há falta de consenso a respeito do que é a Digital History, assim como sobre as Digital
Humanities, é importante, pelo menos, considerar a opinião de alguns experts. Em debate promovido
pelo Journal of American Studies, durante alguns meses de 2008, Willian G. Thomas III propôs a
seguinte definição como um primeiro passo neste sentido:
Digital History é uma abordagem para analisar e representar o passado que trabalha com as novas
tecnologias de comunicação do computador, da Internet, e sistemas de software. De um lado, digital

7
Ver, entre outros, Lucchesi, “Digital History e Storiografia Digitale: Estudo Comparado sobre a Escrita da História no
Tempo Presente (2001-2011).”; Aguiar, “Cultura Digital e Fazer Histórico: Estudo dos Usos e Apropriações das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação no Ofício do Historiador.”; Dantas, “O Passado em Bits – Memórias
e Histórias na Internet.”
8
Por exemplo: Alves, “From ‘Humanities and Computing’ to ‘Digital Humanities’”; Alves, “Guest Editor’s
Introduction”; Boschi, O Historiador, os Arquivos e as Novas Tecnologias; Tavares, “História e Informática.”;
Figueiredo, “História e Informática: O Uso do Computador.”; Maynard, Escritos sobre História e Internet.
9
JAH - Journal of American History, “The Promise of Digital History.”
10
Lucchesi, “Digital History e Storiografia Digitale: Estudo Comparado sobre a Escrita da História no Tempo Presente
(2001-2011).”
history é uma arena aberta à produção e comunicação acadêmica, abrangendo o desenvolvimento de
novos materiais didáticos e conjuntos de dados. De outro, é uma abordagem metodológica enquadrada
pelo poder hipertextual dessas tecnologias para fazer, definir, inquirir, e observar associações no
registro do passado humano. Fazer digital history, então, significa criar um quadro, uma ontologia,
através da tecnologia, para que as pessoas a experimentem, leiam, e acompanhem uma
discussão/argumento sobre um problema histórico.11

Willian Turkel, por sua vez, sublinha que a Digital History “faz uso de fontes digitais” e que
isso impacta o trabalho dos historiadores, pois estas fontes:
• Podem ser criadas e alteradas com relativamente pouco esforço ou despesa
• Podem ser duplicadas com custo marginal de quase zero e compartilhadas por qualquer número de
pessoas
• Podem ser transmitidas quase que à velocidade da luz
• Podem ser armazenadas em escala “nano”
• Podem servir como entradas para qualquer processo que possa ser especificado por algoritmo
• Permitem mais facilmente separar a forma do conteúdo
• Permitem que os historiadores ganhem os tão conhecidos benefícios de trabalhar em rede
• O uso de fontes digitais, em outras palavras, muda completamente o panorama dos custos da infor-
mação e de negócios que os historiadores têm tradicionalmente enfrentado12

Sobre a questão das fontes, Daniel Cohen lembra um artigo de Roy Rosenzweig, um dos
pioneiros da Digital History, que analisa dois “futuros possíveis”: a escassez ou a abundância das
fontes. “Escassez, na medida em que os materiais digitais são muito frágeis e podem desaparecer
com um simples toque no delete ou por uma pane magnética, e abundância pois o armazenamento
digital torna virtualmente possível salvar e tornar globalmente acessível, pela rede, toda e qualquer
expressão humana.”13
No mesmo debate, vale a pena ainda registrar um comentário destoante. Trata-se da opinião
de Michael Frisch, que se diz “cético sobre o valor de ‘digital history’ como um termo”, pois, de
acordo com o seu argumento, digital history

11
Tradução minha do original: “Digital history is an approach to examining and representing the past that works with the
new communication technologies of the computer, the Internet network, and software systems. On one level, digital
history is an open arena of scholarly production and communication, encompassing the development of new course
materials and scholarly data collections. On another, it is a methodological approach framed by the hypertextual power of
these technologies to make, define, query, and annotate associations in the human record of the past. To do digital
history, then, is to create a framework, an ontology, through the technology for people to experience, read, and follow an
argument about a historical problem.” (JAH - Journal of American History, “The Promise of Digital History.”)
12
Tradução minha do original: “Digital history makes use of sources in digital form. Digital sources: • Can be created
and altered with relatively little effort or expense; • Can be duplicated with near-zero marginal cost and shared by any
number of people; • Can be transmitted near or at the speed of light; • Can be stored in nanoscale volumes; • Can serve as
the inputs to any process that can be specified algorithmically; • Allow form to be more easily separated from contente; •
Allow historians to gain the well-known benefits of working in a networked mode; The use of digital sources, in other
words, completely changes the landscape of information and transaction costs that historians have traditionally faced.
(Ibid.)
13
Idem: “scarcity, since digital materials are so fragile and can disappear at the touch of a delete key or magnetic blip, or
abundance, since digital storage makes it possible to save and make globally available via the network virtually all
human expression.” (Ibid.)
ou acabará significando coisas demais ou muito pouco e logo será tão incontornável (em vinte anos,
estará algum profissional trabalhando em história sem envolver isso sobre o que estamos falando?)
que não será capaz de designar nada que seja suficientemente específico para uma disciplina,
workshop, ou blog. História Quantitativa, por exemplo, veio e se foi, como rubrica – em parte porque
foi vencedora, e muitos historiadores lidam rotineiramente e efetivamente com dados quantitativos
quando querem ou precisam de um modo fluido e compreensivamente inquisitivo.
Sendo assim, eu estou principalmente interessado em como, porquê, e, especialmente, em que
consequências importantes resultam do fato de que historiadores estejam fazendo história de novas
formas, que eles possam começar a refletir para onde esses caminhos conduzem e como eles vão
transformar não apenas o que os profissionais fazem e o modo como o fazem – mas também o que
eles produzem e o que isso significa para a compreensão do passado.14

Poderíamos continuar ainda com muitas outras perspectivas sobre a Digital History,
incluindo opiniões de outros historiadores “digitais”, de outros países e continentes, mas penso que
as intervenções citadas permitem vislumbrar o que tem sido discutido. A lista de problemas
colocados pelas TICs aos historiadores é infinita e aumenta a cada dia, de modo que não vamos
aprofundar o assunto. Discussões estão presentes em periódicos e blogs, e uma boa síntese é dada
pelo capítulo “La transformation des sciences historiques. La part du numérique”15 do livro
Disciplines Académiques en Transformation: entre innovation et resistánces, que se coaduna com o
tipo de problematização do objeto que é aqui abordado: o das transformações da disciplina e da
necessidade de formar futuros profissionais cientes destas transformações e aptos a lidar com elas.
Vink e Natale, autores do texto, abordam o problema em seis aspectos: “fontes utilizadas”; a
“redescoberta das dimensões materiais e sociais da produção histórica”; dos “antecedentes da
Humanities Computing à difusão da informática”; a “revolução informática no trabalho dos
historiadores”; “transformações da pesquisa de informações”; o “paradoxo do Google: a
‘invisibilização’”; “mediação das relações sociais: a relação entre pesquisadores e profissionais da
informação”; uma “pesquisa mais transversal”; a “renovação da figura do amador”; “filiação
profissional e as formas inalteradas de promoção na carreira”; “modos de crítica das fontes na era da
informática”; e o “deslocamento [de foco] dos “produtos” para os “processos””.
Tendo a concordar com a opinião de Frisch, de que o termo digital history provavelmente não
fará sentido daqui a alguns anos. Entretanto, penso que sua utilização no momento é útil, tanto para
chamar a atenção no ambiente acadêmico e profissional para as transformações que se efetuam na

14
Idem: I’m skeptical of the lasting value of “digital history” as a term—it either will end up meaning too much or too
little and pretty soon will be so inescapable (in twenty years, will anyone do professional work in history without invol-
ving what we’re talking about?) as to provide little purchase on anything specific enough for a course, workshop, or blog.
Quantitative history, for example, has come and gone, as a defining rubric—in part because it has won, and many histori-
ans routinely and effectively deal with quantitative data when they want to or need to in a fluid and responsive inquiry-
driven way./ So I’m mostly interested in how, why, and especially to what consequential effect it matters that historians
are doing history in new ways, that they can begin imagining where those ways lead and how they will transform not
only what practitioners do and how—but what they produce and what it means for understanding the past. (Ibid.)
15
Vink and Natale, “La transformation des sciences historiques. La part du numérique.”
disciplina e ao redor, como para circunscrever um objeto que urge ser pensado, discutido, e incluído
entre os conteúdos do ensino-aprendizagem, pois que afeta o futuro profissional de muitos. Se nos
Estados Unidos, onde o tema tem sido amplamente discutido, um relatório de 2013 proclamava que a
“disciplina histórica estava falhando em promover práticas modernas de pesquisa”16, o que se dirá
então de países onde a maioria dos departamentos de história ou não considera o tema como um
problema “departamental”, ou tratam o assunto como algo que pode ser contornado por iniciativas
individuais de professores interessados?

Sugestões para um debate


Não se trata de apresentar aqui um programa pronto ou uma pauta fechada de temas a serem
discutidos, até porque cada curso, departamento ou programa de pós-graduação apresenta condições
específicas e terá de enfrentar diferentes obstáculos. Alguns, certamente, já o fazem. Não obstante, é
possível levantar alguns tópicos a partir da bibliografia sobre o assunto e buscar informações sobre
outras experiências a fim de identificar boas práticas ou modelos que possam ser adaptados a outros
contextos.
O primeiro ponto diz respeito ao levantamento das infraestruturas e identificação dos recursos
humanos disponíveis ou passíveis de serem mobilizados. Dizer que o debate deve envolver os
departamentos de história como um todo, não quer dizer que para enfrentar os desafios urgentes
referidos acima, os professores tenham que adquirir uma série de novas competências que lhes são
completamente estranhas de um dia para o outro. A falta total ou a escassez de infraestruturas e
recursos humanos podem, em muitos casos, ser compensadas por um maior diálogo e cooperação
com outros departamentos ou centros de pesquisa das universidades, pelo recurso à programas de
financiamento de projetos, apoios para contratação de bolsistas, técnicos, etc. Trata-se, então, em
muitos casos, de uma questão de gestão, criatividade e vontade, e também de contornar dificuldades
burocráticas que com frequência atravancam iniciativas transdisciplinares, interdepartamentais e
interinstitucionais. O importante, contudo, é que os departamentos de história estejam preparados
para atender a uma demanda por parte dos alunos que só tende a aumentar na medida em que eles se
tornam mais informados e conscientes das transformações que atingem a profissão, as quais, vale
sublinhar, não dizem respeito unicamente à digital history, ainda que esta seja provavelmente aquela
que mais implica investimentos materiais e pessoais.

16
Townsend, “Report Claims History Discipline Failing in Modern Research Practices.”
O segundo ponto, complementar ao anterior, é que muito daquilo que é preciso refletir junto
aos estudantes em relação à digital history não exige conhecimentos técnicos, mas sim experiência e
competência profissional em aspectos teóricos e metodológicos. Formar historiadores críticos e
capazes de refletir sobre a própria prática sempre foi o objetivo dos cursos de história. Grande parte
das questões colocadas pelo uso da internet, - por exemplo em relação à pesquisa de documentos
digitalizados -, não altera os procedimentos básicos de crítica das fontes e problematização dos
arquivos, como a interrogação sobre os critérios de seleção de documentos, origem, etc. Mais ainda,
uma boa parte do problema pode ser colocado como sendo de caráter ético: como formar
profissionais capazes de praticar uma “história responsável”, nos termos de Antoon De Baets, e não
uma “história negligente” ou “irresponsável” no contexto atual?17 Ou, de uma outra perspectiva, que
“virtudes epistêmicas” serão necessárias aos historiadores do presente e do futuro?18
Isso conduz ao terceiro ponto, o qual diz respeito a dois problemas correlatos. Primeiro, o do
investimento na empregabilidade dos futuros historiadores. Esse problema foi enfrentado, primeiro
nos EUA e depois no Reino Unido, pela criação de cursos de Public History que visam formar
profissionais aptos a se inserir em outros mercados de trabalho que não a academia ou instituições
escolares, tais como a indústria de entretenimento, museus, turismo, etc.19 O debate sobre a aquisição
de competências técnicas a fim de ampliar as opções de atuação profissional dos historiadores não
deve ignorar esta questão. O segundo problema é o da concorrência com profissionais de outras áreas
ou amadores no que diz respeito às representações do passado. É certo que os historiadores nunca
tiveram o monopólio das narrativas ou representações do passado, mas, por outro lado, nunca
tiveram tanta concorrência. Preparar futuros historiadores para o uso de outras mídias, que não as
convencionalmente usadas, significa equipá-los com ferramentas que permitam explorar
criativamente diferentes formas de apresentação do conhecimento histórico, e também avaliar
criticamente produções e recursos disponíveis.
O ensino de códigos de programação já é uma realidade para crianças muito pequenas no
ensino básico nos EUA e em escolas de elite no Brasil. Compreender a lógica da programação torna-
se, com medidas como essa, um dos elementos básicos da literacia digital. Ainda assim, arrisco
discordar da emblemática frase de Le Roy Ladurie, que em 1968, no apogeu do deslumbramento
com a história quantitativa, vaticinou: “L’historien de demain sera programmeur ou ne sera plus”.
Hoje, softwares de uso cotidiano fazem o trabalho do ideal do historiador-programador dos anos 60 e
70. Ainda que considere importante que enquanto potenciais usuários das novas tecnologias os

17
De Baets, “Uma Teoria do Abuso da História.”
18
Paul, “Performing History.”
19
Sobre os argumentos que conduziram a esta inflexão no panorama dos cursos universitários de história nos EUA ver
Grafton and Grossman, “No More Plan B: A Very Modest Proposal for Graduate Programs in History.”
historiadores estejam aptos a tirar o maior partido possível dos softwares disponíveis, para o que é
necessário noções técnicas básicas, penso que o historiador do presente e do futuro estaria melhor
representado pela figura do designer. É que mais que a lógica de programação, a lógica por trás do
funcionamento dos motores de busca (leia-se Google) e as interfaces com o usuário (as quais
sugerem rotas de navegação tal como os “protocolos de leitura” contidos nos textos e inscritos em
seus suportes), que hoje se impõe como determinantes na produção e comunicação do conhecimento.

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