→ Do golpe de 1964 ao “milagre brasileiro”. (Janaína Martins
Cordeiro, 2016)
Nasceu no bairro de Ipanema em 1962, na Igreja e Paróquia de Nossa Senhora
da Paz, uma “associação feminina” conservadora. (p.3) “No seio da Ipanema cosmopolita e transgressora, foi fundada a Campanha da Mulher pela Democracia, empenhada em reafirmar o lar como espaço preferencial da atuação feminina”. (p.4) - Dualidade, no mesmo local dos bares, da bossa nova, nasce um movimento extremamente religioso e conservador. O argumento da Janaina é que há uma seletividade em relação ao passado e predominância de uma memória afetiva. Uma memória que caracterize Ipanema não como antro da classe média conservadora e golpista, mas como um berço da arte e do avanço. (p. 4) O CAMDE militava contra as propostas reformistas e a participação política das massas, além der repercutirem o anticomunismo. (p. 5) O período de maior atividade é entre a fundação em 1962 e a edição do AI-2, em 1965. (p. 5) Perguntas: - Em que sentindo a CAMDE representou as expectativas geradas durante o golpe e os primeiros anos de regime? - Que expectativas eram estas? (p. 6) O ambiente que gerou a dormência e conformismo da sociedade, permitindo que a mesma desse seu aval ao golpe, foi a intenção de defender os valores conservadores (p. 7) No início da década de 60 surgiram várias entidades cívicas femininas. (p. 8) “objetivo de ‘alertar a opinião pública para a pressão que as famílias brasileiras estavam sofrendo e ao mesmo tempo revigorar princípios e ideais sempre defendidos no Brasil cristão e democrático’.” (p. 8) A CAMDE foi uma das primeiras dessas entidades cívicas femininas. (p. 8) Discurso de anticomunismo, definindo-se como organização apartidária e comprometida com a defesa da democracia. (p. 8) Liderança: mulheres brancas católicas da elite da zona sul carioca. (p. 8) Seu discurso era tocante porque se denominavam “mães” falando em nome da “mulher brasileira”. (p. 8) - E esse discurso era aderido porque vários setores da sociedade prezavam pelos valores morais que essas mulheres julgavam defender (pátria, igreja, família). Por causa disso esse movimento acabou se espalhando para diversos outros bairros. Três momentos principais da atuação da CAMDE: - Momento pré-golpe, entre junho de 1962 (quando foi fundada) e março de 64 (golpe); - Contexto do golpe, manifestações em apoio ao regime (Marchas da Família com Deus pela Liberdade). Tem mais, mas eu paro aqui. (p. 9) “as mulheres tiveram atuação importante em defesa do que consideravam o ‘aprofundamento da revolução’.” (p. 9) “a prática política da CAMDE esteve sempre relacionada ao que podemos denominar uma cultura política udenista”. (p. 9) - Basicamente, uma postura moralista, anticomunismo e ações e discursos semelhantes aos da UDN. Essa identificação com a cultura política udenista foi fundamental para os primeiros anos do movimento. (p. 10) A ideia da Marcha nasceu em SP, em reação ao discurso de Goulart no comício da Central do Brasil. (p. 10) O que tocou os grupos femininos foi a menção aos rosários, tratado como uma ofensa por essas mulheres. (p. 10) “dia 19 de março, convocadas pela UCF e por uma série de entidades físicas, cerca de 500 mil pessoas saíram às ruas da capital paulista. [...] representando ‘um pedido às Forças Armadas para que realizassem uma intervenção ‘moralizadora’ das instituições, afastando do país o perigo comunista” (p. 10 Pensa-se numa Marcha a ocorrer em 2 de abril na Guanabara, para estender as ações de SP para o RJ, no entanto, com o golpe estabelecido em março, o cunho dessa passeata muda. É agora então Marcha da Vitória, reunindo 800 mil pessoas para comemorar a intervenção militar. (p. 11) Instituído o golpe, o trabalho da CAMDE agora era em torno de legitimar o regime. (p. 11) Lutar pela candidatura de Castelo e batalhar pela cassação dos mandatos dos “deputados comunistas”. A CAMDE se importava mais do que tudo numa política anticomunista, mesmo que isso acabasse por abafar os caminhos para uma redemocratização. (p. 11-12) Como órgão apolítico e apartidário a CAMDE preferia os militares, por não representarem nenhum tipo de vertente partidária. (p. 12) “O entendimento era de que, se o governo Castelo Branco fosse interrompido em 1966, o processo de limpeza que os militares levavam a cabo também o seria”. (p. 13) “A edição do AI-2 marcava, portanto, o aprofundamento do consenso de 1964 em torno da consolidação e fortalecimento da ditadura. A posição da CAMDE é bastante representativa do apoio social que o governo teve nesse sentido”. (p. 13)
→ Ditadura militar: entre apoios e resistências. Vídeo – conversa
com historiadoras (Janaína Martins Cordeiro, 2020) Romper com a visão de que as mulheres de direita não tinham suas próprias organizações. Não podem ser resumidos à extensão de grupos masculinos ou manipuladas pelos homens. → O golpe de 1964: momentos decisivos (Carlos Fico, 2014)
tese: a atualidade do golpe de 64 está na aceitação de soluções autoritárias para
os problemas da sociedade, escolha de apoio ao golpe pelo medo de perder os privilégios Campanha de desestabilização, Ipes se articulou com várias organizações de apoio ao governo, inclusive CAMDE (p. 35[16]) Segundo o texto, conforme a crise política aumentou, os grupos de desestabilização foram sendo substituídos pelos grupos de conspiração, os quais dependeram indispensavelmente da ampla participação militar. Não se pode equiparar as ações dos grupos de classe média anticomunistas e anti-Goulart com os conspiradores propriamente golpistas. (p. 36[17]) - Grupos como a CAMDE por exemplo se encaixam nesse espectro de classe média anticomunista. A primeira marcha foi no dia 19/03 dia de São José, padroeiro da família. Começou às 16h da tarde na Praça da República. Faixas, “vermelho bom, só batom” Líder da CAMDE (Amélia Molina de Barros) discursa sobre o posicionamento de defesa mantido pelos presentes na Marcha contra o comunismo “brutal, ateu e antibrasileiro”. (p. 64[31]) Uma ofensa ao catolicismo tinha bastante poder de mobilização num país amplamente católico. (p. 64[31]) “Durante algum tempo, as marchas foram lembradas pelos militares como justificativa e base de legitimidade do golpe”. (p. 64[31] - Argumento de que os militares executaram suas ações pelo pedido das mulheres Carlos fico questiona que as manifestações da classe média são amplamente fundamentadas no medo de perder privilégios para os pequenos passos que as conquistas populares pareciam dar, e esse cenário foi essencial para deflagração do golpe. (p. 67-68[32-33])
→ 1964 A Conquista do Estado (René Armand Dreifuss, 1981)
A mobilização da classe média dava aparência de amplo apoio às Forças
Militares e apelo por uma intervenção militar. (p. 291[293]) O autor defende que os grupos femininos de pressão foram uma grande ferramenta do IPES. A atuação de donas-de-casa de classe média contra Jango foi muito importante. Além de mobilizar as pessoas contra o anticomunismo também eram alvo desse tipo de propaganda (p. 294[296]) Argumenta que num primeiro momento as associações femininas católicas foram as mais expressivas formas de ação cívica contra João Goulart. (p. 294[296]) A CAMDE era custeada, apoiada e orientada pelo Ipes. (p.294[296]) O mais proeminente de todos os grupos femininos. A importância do grupo era relacionada ao seu alinhamento com a imprensa, elites políticas e militares e seu papel na mobilização pública no momento pré-golpe (p. 296[298]). A ideia da criação da CAMDE partiu da crença de que as mulheres de classe média e alta eram “o mais facilmente interessado e mobilizado grupo de civis”. (p. 296[298]) Os esforços da CAMDE eram em alcançar as esposas cujos maridos participavam de organizações e cargos associados ao trabalhismo e aos sindicatos (p. 296[298]) Um ponto que ele parece levantar e que a Janaína parece discordar é que a CAMDE foi uma massa de manobra controlada principalmente pelo Ipes/IBAD.
→ Femininas e Formidáveis (Janaína Martins Cordeiro, 2008)
A sociedade criou uma memória de resistência sobre a ditadura como se o povo
sempre tivesse sido oposição, excluindo os grupos que deram respaldo. (p. 176[2]) O CAMDE se organizou sob duas frentes de ação: - Educar politicamente outras mulheres; - Organizar mobilizações para pressionar o governo. (p. 177-178[3-4]) Jun/1962 a mar/1964: polarização pela discussão das reformas de base, levando à radicalização dos movimentos sociais (principalmente de direita) (p.178[4]) Momento pós-golpe: manifestações de apoio. (p. 178[4]) Elementos estruturais dos discursos da CAMDE: - Anticomunismo excessivo; - Defesa de democracia fortalecida; - Sua autoproclamação de um grupo composto por “mães, esposas e donas-de- casa” preocupadas com suas famílias para legitimar suas atividades públicas. (p. 179 [5]) As pautas da militância são inseparáveis da identidade dos militantes, que eram em geral da elite carioca, católicas e donas-de-casa. (p. 179[5]) Para esses grupos a democracia e o anticomunismo eram uma fusão que pressupunha a defesa de autoritarismos. (p. 179[5]) A defesa da democracia estava intimamente ligada ao expurgo do comunismo, era o fator de união entre os diversos discursos da direita, não era sobre se impor contra o comunismo, mas temer a ameaça revolucionária (p. 180[6]) O tipo de feminilidade que essas mulheres invocavam (mães, esposas e donas- de-casa) as colocava na posição primordial de defender seus lares e suas famílias da instituição que ensejava destruir esses conceitos, o comunismo. (p. 181[7]) Reconhecendo seu lugar na sociedade, essas mulheres só agiram após o aval de seus maridos que permitiram que essas se engajassem na causa social de defender os pilares da nação brasileira (igreja, pátria e família). (p. 181[7]) Superestimação do IPES, como se ele tivesse o poder de controlar toda classe média. (p. 185[11]) Ao fazer esse tipo de associação presume-se que a defesa dos valores da elite brasileira não era motivo suficiente para movimentar esses grupos. (p. 186[12]) Existiam ligações entre a CAMDE e o IPES mas isso não pressupõe uma manipulação, apenas colabora com a visão que os setores conservadores perpetuam acerca da organização política feminina. (p. 187[13]) O local de “submissão” em que essas mulheres se colocavam deriva do contexto social da época, além do fato de que essa postura fazia parte das pautas que elas prezavam por defender. (p. 188[14]) “entender a participação política dessas mulheres como uma opção consciente de militância conservadora em defesa de valores e instituições a partir das quais suas vidas eram organizadas”. (p. 188[14]) Resumidamente, o papel dessas mulheres deriva do que elas prezavam em defender, que era a preservação das instituições conservadoras (pátria, igreja e família). Sua atuação não era manipulada e muito menos tinha uma militância infundamentada que negava sua cidadania, apenas entendiam que seu papel como mãe, esposa e dona-de-casa era inseparável (como instituído pela sociedade da época) de suas identidades. (p. 189[15]) É importante enxergar a militância de direita como uma opção e não como uma coerção, visto que a direita representava ideias muito comuns na época do golpe. (p. 190[16]) O comunismo era uma ameaça direta à vida dessas mulheres como elas conheciam, colocando em risco tudo que elas conheciam com base na educação que receberam. (p. 190[16]) O papel masculino é sim importante porque nos modelos de uma sociedade patriarcal ele é necessário para a organização feminina. Mas não é como se a CAMDE valesse menos por contar com esse aval, visto que se a sociedade não fosse organizada dessa forma essas mulheres não teriam pelo que lutar. Ou seja, o aval masculino é inseparável dos valores dessas mulheres, e sem a sociedade patriarcal eles não existiriam, mas o grupo foi organizado espontaneamente por mulheres para defender que essa estrutura patriarcal continuasse existindo. (p. 190[16]) Colocar a CAMDE nesse papel de apolítica favorece o discurso militar de “defensiva”, visto que um movimento apolítico que apoia uma intervenção não pode de forma alguma estar fazendo isso senão pela defesa da legalidade, visto que não sofre com tendências ideológicas. (p. 191[17]) A CAMDE vai a público defender valores e não instituições. (p.191[17]) Com o discurso levantado pelo extremo conservadorismo de direita, não faria sentido a construção de um movimento de mulheres independentes, para o golpe militar a participação feminina fica restrita à figura da mãe, esposa e dona-de-casa, exatamente o que essas mulheres se proclamavam. (p. 192[18]) A validação recebida pelo CAMDE dos segmentos sociais que apoiavam a intervenção demonstra como a direita golpista da época queria encaixar as mulheres nesse modelo a ser seguido. (194[20]) As mulheres se viam ‒ como mães ‒ também no papel de educar a juventude em processo de formação contra a tirania comunista. (p. 196-197[22-23]) O apoio ao AI-5 foi afirmado pela CAMDE justamente pelo medo que tinham de ver corrompida a juventude pela qual se consideravam responsáveis. (p. 197- 198[23-24])
→ Memória, história e mulheres de direita (Christiane Jalles de
Paula, 2009) A autora salienta que o conceito de democracia cristã difundido pelo catolicismo era uma espécie de terceira via. Nessa visão de democracia o anticomunismo e o antiliberalismo são importantes ferramentas de pensamento político. Isso pode explicar de forma mais explícita a ideia de um movimento apolítico, pois essas mulheres se viam representadas por essa “terceira via” que não era nem um lado nem outro.