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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO

CÂMPUS SÃO PAULO PIRITUBA


LICENCIATURA EM LETRAS – PORTUGUÊS E INGLÊS

Ana Beatriz de Andrade Silva


Bruna de Melo Kubik
Gabriella Ferreira Borges
Julia Helena Carvalho da Silva

O QUARTO DE GIOVANNI

SÃO PAULO
2022
ESTRUTURA FORMAL DO ROMANCE

Com base no texto Operadores de leitura da narrativa, de Arnaldo Franco Junior, e o


roteiro de análise presente no livro Como analisar narrativas, da autora Cândida Vilares
Gancho, é possível perceber no romance O quarto de Giovanni os seguintes elementos:
1) Elementos da narrativa
a) Enredo
i) Conflito (s): O principal conflito da história é a questão da sexualidade de David e
as dificuldades que o mesmo encontra em aceitá-la. Como conflitos secundários,
pode-se citar a angústia de Hella (noiva de David) para assegurar sua feminilidade;
as questões de xenofobia e preconceitos acerca da questão socioeconômica.
b) Personagens
i) Quanto à caracterização: Percebe-se em O quarto de Giovanni a presença de
personagens redondos, que possuem profundidade psicológica, ambiguidade de
pensamentos e ações, não possuindo uma linearidade, ou seja, são imprevisíveis em
seus atos.
ii) Quanto à participação no enredo: temos David e Giovanni como protagonistas do
romance; a sociedade é vista como a antagonista, como veremos em mais detalhes
adiante; e os personagens secundários são Jacques, Guillaume e Hella.
c) Tempo
i) Na obra analisada, o tempo identificado foi o psicológico, uma vez que o narrador
vai e volta ao contar a história, mesclando seus pensamentos do presente com
acontecimentos passados, na ordem que entende ser necessária para nossa
compreensão da história.
d) Ambiente
i) Época: década de 50, pós-guerra;
ii) Localização geográfica: Paris e sul da França;
iii) Clima psicológico: uma sociedade conservadora e julgadora, que a todo tempo se
mostra elitista, machista e homofóbica.
e) Narrador
i) Temos na obra um narrador em primeira pessoa, mais especificamente um eu-
protagonista, trazendo uma perspectiva limitada e mais subjetiva.
2) Tema: Amor
3) Assunto: Auto aceitação dos personagens em relação a si mesmos.
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4) Mensagem: Mais que a sexualidade, como o próprio autor afirmou em uma entrevista, a
história nos mostra como o medo de ser julgado te deixa incapaz de amar alguém plena e
puramente. Ainda, como a sociedade tem grande poder de influência nas relações, sejam
elas fraternas ou românticas.

ANÁLISE CRÍTICA DO ROMANCE O QUARTO DE GIOVANNI

Escrito por James Baldwin, um homem negro e que se relacionava publicamente com
outros homens em sua época, trazendo para suas narrativas partes de suas vivências,
acrescentando um toque quase autobiográfico em suas obras, O quarto de Giovanni foi
publicado em 1956, uma época em que a homossexualidade ainda era considerada um crime
nos Estados Unidos, e mal vista pela sociedade.
David, fortemente influenciado por pensamentos e falas de seu pai quando criança, tais
como “a única coisa que eu quero é que o David seja um homem quando crescer” (p. 41), tem
nele uma forte necessidade de manter aparências e tentar reforçar sua masculinidade a todo o
custo. Mostrando não se importar em ferir os sentimentos de Giovanni, por exemplo, e se
envergonhando fortemente quando se vê em uma situação onde seria considerado “menos
homem”.
Baseado nessa necessidade de manter as aparências socialmente, em diversos momentos
durante a história podemos observar o conflito interno, e alívio, de David, principalmente
quando Hella, sua namorada, retorna para Paris, pois, para ele, agora poderia ser um homem de
verdade, com uma mulher de verdade e ter uma família legítima, satisfazendo, assim, seu pai e
sendo bem aceito pela sociedade, como podemos ver no trecho a seguir:

Dobrei a carta, a qual, só então me dei conta, eu estava esperando havia muitos
dias e noites, e o garçom foi me perguntar o que eu queria beber. Antes minha
intenção era pedir um aperitivo, mas agora, num clima grotesco de
comemoração, pedi um uísque com soda. [...] O que eu sentia era um certo
alívio. Ao que parecia, a necessidade de tomar uma decisão não cabia mais a
mim. (BALDWIN, 2018, p. 129).

E ainda quando ele afirma querer “estar do lado de dentro outra vez, onde havia luz e
segurança, onde minha virilidade não seria questionada, vendo minha mulher pôr meus filhos
na cama” (BALDWIN, 2018, p. 139).
Hella, por sua vez, também sofre pressões sobre o que seria bem aceito pela sociedade.
Em diversos momentos durante a narrativa, em conversas com David, ela comenta sobre o seu
papel de ter filhos, sujeitar-se a outro homem e, principalmente, de deixar seu cabelo crescer, a
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fim de reforçar sua feminilidade e convencer David a ficar com ela. Na sociedade e época em
que a obra foi escrita, cabelos longos eram uma das características que tornava uma mulher
mais feminina, delicada e “casável”. Vemos esse conflito em Hella claramente no trecho abaixo,
quando ela implora para que David fique com ela e esqueça o que havia acontecido entre o
protagonista e Giovanni.

David, por favor, me deixa ser mulher. Não me importa o que você fizer
comigo. Não me importa o preço que eu tiver que pagar. Deixo o cabelo
crescer, paro de fumar, jogo fora meus livros. [...] Me deixa ser mulher, fica
comigo, só isso. É o que eu quero. É só isso que eu quero. Nada mais tem
importância pra mim” (BALDWIN, 2018, p. 202).

Ao contrário dos dois personagens citados, Giovanni, por sua vez, não sente a
necessidade de David e Hella de ser validado socialmente, sendo bem resolvido em diversos
aspectos, incluindo sua sexualidade. Apesar disso, torna-se dependente emocionalmente de
David, chegando a chorar na frente dele, implorando para que David não fosse embora, e tenta
a todo custo ofender David e desprezar a existência de Hella.
Por toda a narrativa é possível perceber certa ambiguidade no comportamento dos
personagens, que, em público, praticam atos considerados heteronormativos, enquanto no
ambiente privado têm práticas homoafetivas. O próprio quarto de Giovanni explicita essa
ambiguidade em David, pois estar nele “equivale a sair de modo transitório do seu armário
sexual/afetivo” (MENEZES, 2018, p.217), algo que ele não se permite aos olhos públicos.
Outra crítica sociológica que podemos extrair da obra é em relação a sociedade retratada.
Quando, ao final, descobrimos sobre o crime que foi cometido por Giovanni, toda a população
da cidade aceita sem questionar que o responsável pelo assassinato foi o barman, agindo como
se desde o começo já soubessem que o homem causaria problemas por ser estrangeiro e pobre.
Nesse momento, Giovanni é visto como bárbaro e desumano, e Guillaume torna-se um herói,
respeitado, que morreu de maneira trágica e covarde. Por pertencer a uma classe social mais
alta, ser empresário e carregar um sobrenome importante, o fato de em vários momentos da
obra ter sido uma pessoa desprezível é completamente ignorado.
Podemos concluir que a sociedade se apresenta na obra como uma antagonista. Não
apenas ela torna herói um personagem desprezível, como ainda condena os protagonistas a
viverem em miséria emocional, e um conflito interno em relação a si próprios. Ainda, o romance
inteiro apresenta um tom confessional, como se David estivesse tentando se redimir de seus
pecados, e se arrepender de suas ações e tudo o que ocorreu naquele quarto.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALDWIN, James. O quarto de Giovanni. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

BONNICI, Thomas. Teorias estruturalistas e pós-estruturalistas. In: BONNICI, Thomas;


ZOLIN, Lúcia Osana. Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas.
Maringá: Eduem, 2009, p. 131-157.

CÂNDIDO, Antônio. Crítica e sociologia. In: ______. Literatura e sociedade. Rio de


Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2014.

GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Editora Ática, 2002.

JUNIOR, Arnaldo Franco. Operadores de leitura da narrativa. In: BONNICI, Thomas;


ZOLIN, Lúcia Osana. Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas.
Maringá: Eduem, 2009, p. 33-58.

MENEZES, Hélio. James Baldwin e os desafios da (des)classificação. In: BALDWIN, James.


O quarto de Giovanni. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

SILVA, Marisa Corrêa. Crítica Sociológica. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana.
Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2009,
p. 177-188.

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