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Miranda andava tendo uns sonhos estranhos...

Naquele período de “entressafras”, que já se estendia a pelo menos, duas estações, e


especialmente naquela semana em que sua TPM estava no meio do céu, ela decretou que
leria os clássicos da literatura mundial e resolveu começar pela estória de uns
tuberculosos filosóficos em Davos.
Davos!?!?!?! Aquele vilarejo do livro era a mesma cidade em que hoje se realiza o fórum
mundial da globalização!?!?, que, aliás, estava acontecendo naquele
momento!?!?!?!?!?!?!?!
Aquela‘coincidência’era um prato cheio prá Miranda, que adorava fatalidades,
sincronicidades etc, além de sua facilidade habitual para misturar ficção e
realidade...
Uma noite, ela estava lendo em seu quarto, acompanhada do Persa - um gato mais vira-
lata impossível. Mais ordinário impossível.
O gato era o seguinte: foi encontrado na rua quando era apenas uma bolinha preta peluda
–parecia um ouriço-caixeiro–onde não se distinguia a frente dos fundos.
Estávamos em plenas “águas de março fechando verão”, e numa enxurrada daquelas da
Barra Funda, lá vinha o(a) bolinha, rodando, dentro de uma caixa de sapatos quase
desmanchando...
Miranda fez o resgate, afinal, o que é que ela estava fazendo ali, justamente naquela
hora? ela, que nunca passava por ali, ela pensou... e levou o(a) bolinha preta pra
casa, num ato de extrema compaixão.
Secou-o(a) com o secador de cabelos, tentou dar um iogurte desnatado pra ele(a), um
carpaccio de salmão que ela achou que ele adoraria, dada sua natureza felina, enfim ...
nada. O(a) bolinha miava um miadinho baixinho e contínuo e tremia tanto, que ela
intuiu, com seu novo coração de mãe, que se ele(a) dormisse quentinho(a) com ela,
talvez relaxasse e foram ambos(as) pra cama dela–que naquele tempo, ainda não era uma
king size.
Na vigília que durou a noite toda, Miranda resolveu que “aquilo” se chamaria “Longa
jornada noite adentro”, tão escurinho ele(a) era, tão lindo(a) e tão triste! Além do
que, ela poderia chamá-lo(a) por a Longa jornada... ou o Longa jornada... assim que
desvendasse, no meio de todos aqueles pêlos, o mistério de seu sexo.
O tempo foi passando e Miranda descobriu que seu gato era um gato mesmo, mas, cada vez
que ela chamava: “Longa jornada noite adentrooo”, era como se não fosse com ele.
Jamais ele deu a ela a menor atenção. Jamais ele respondeu a um chamado desses. E como
um bom gato aquariano que era (isso era o que ela supunha) ele só ia até ela, quando
ele decidia (incrível a personalidade que os gatos têm).
Ela sacou que o nome era mesmo meio grande, pensou que deveria livrá-lo do
karma dessa estória - uma gente que passa horas junto, não se diverte, tem bons
uísques, muita droga, e a festa não deslancha nunca - e achou que só Noite lhe cairia
melhor...
Não. Ele também não topou, não deu a menor bola pra esse nome e passou inclusive a
evitá-la.
Ela foi se esmerando, tentou Mad Max, Black out, Félix, Zorro, Carvão, Grafite, Negão,
Gatão, João ... nada.
Um belo dia eles estavam dando suas voltas pelo bairro (o anônimo passeava com Miranda
como se fosse um cachorro!) quando algum passante inspirado mandou a seguinte pérola:
“será que a madame me dá o telefone do bichano da Pérsia?”
O anônimo parou na hora, voltou-se para o inspirado da pérola, veio em sua direção e
começou a se esfregar na perna do sujeito!?!?!?!?!
Ele tinha ficado tão feliz com a saudação, que esticou suas patinhas na altura do
joelho do inspirado, e ficou se espreguiçando, alongando suas garrinhas e espetando o
cara...
Bichano da Pérsia?!?!?!?!?!
Ela não acreditou que aquele nome horroroso tinha emplacado com seu gatão das trevas.
Pegou o animal, agradeceu a dica, desculpou-se pelos arranhões e voltou pra casa na
hora.
No caminho foi repetindo “Bichano da Pérsia”, “Bichano da Pérsia”, “Bichano da
Pérsia”, enquanto ele, no colo dela, se virou com a barriguinha pra cima, arreganhou
as patinhas e revirou os olhos de tanto prazer...
Mas não dava! Esse nome era inconcebível pra ela!
Bichano da Pérsia?!?!?!?!?!
Negociaram muito e deixaram por Persa, nome ao qual ele responde, sem crise, há mais ou
menos três anos, ponto em que estamos hoje.
No livro daquela noite–dos tuberculosos filosóficos -, cuja narrativa permitia a ela
devaneios oníricos, inéditos até então, o personagem estava na clínica para
tuberculosos em Davos, deitado numa espriguiçadeira maravilhosa, num de seus
milionésimos repousos do dia, enquanto pensava na americana moribunda que ocupara seu
quarto antes de sua chegada, no tempo que não passa quando não se vive plenamente e, de
repente ela, Miranda, era a americana obesa moribundis, na espriguiçadeira daquela
clínica para tuberculosos em Davos, com o palhaço Ronald Mc Donald, fantasiado de
Doutor Alegria - o Rei da globalização, chupando um Mc sunday feliz, cheio de Lindt
triturado. Miranda, tuberculosa e obesa, imóvel em sua espreguiçadeira fabulosa, louca
por aquele sorvete, por aquele chocolate, rogava ao Ronald McDonald que a deixasse dar
uma lambidinha nele, que tivesse piedade, que a fizesse feliz...
Mas o Doutor Alegria, que pareceu ser um pouco sádico, começou a dançar a dança dos
sapatinhos e chupava, com mais gana, o sorvete que não parava de brotar de dentro da
casquinha de biscoito. Depois, ele tirou o edredon de pêlo de mincks, que agasalhava
Miranda e derramou todo aquele sorvete, cheio de flocos de lindt, na barriga gorda e
branca dela. Conforme o sorvete ía derretendo, Miranda ria e batia palminhas como se
fosse uma foca elefante amestrada e, caminhos, empanados de chocolate, íam se formando,
nas direções de suas estrias, que Ronald ía atalhando, com sua língua escamosa, um por
um, até chegar ao caminho para a perdição...
A essa altura do campeonato, Miranda batia tantas palminhas e ria tanto, que sua
barriga produzia ondas enormes que íam do estômago para a boceta, da boceta para o
estômago, e o palhaço lá, lambendo com mais gana, com sua língua escamosa, o sorvete
que não parava de brotar bem da pontinha de seu clítoris, enquanto ele belisacava, com
as pontas de seus dedos, os mamilos rosados dela–mais clichê impossível!
Ela gozou–e enquanto gozava, ía se transformando numa Ice cream woman machine.
Nas ondas daquele orgasmo, Miranda acordou e, ainda batendo palminhas, confusa com o
sonho, identificou uma coisa peluda e preta entre suas pernas, na estensão de seu
corpo(!) ... Pensou que fosse um minck que tinha sobrado de seu edredon de Davos, claro
que não era, era impossível que fosse, essas coisas não são assim(!) ...
Então reconheceu o Persa!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Filho da puta!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
No meio das pernas dela esse tempo todo, lambendo sua boceta!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Com sua língua áspera!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A língua escamosa do Ronald McDonald era o Persa!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Então ela começou a se debater, desesperada (O exorcista) e gritar e chorar e...
acordou!
(...)
(de novo?!?)...
Quantas vezes é preciso acordar prá se ter certeza de que se está acordada?
(...)
Olhou prá si, apalpou-se–ela não era obesa, nem branca, nem americana e seus mamilos
não eram rosados!
Ufa!
Olhou ao redor e viu o Persa, deitado de lado (o gato dormia como uma pessoa! Ele tinha
uma séria questão a ser resolvida, com a identidade.), dormindo um sono profundo de
gato.
Ufa!!
Olhou para o livro, o hibisco que ela encontrou no para-brisa de seu carro, numa tarde
dessas, marcando a página.
Ufa!!!
Olhou para o relógio – 03:h47’.
Ufa!!!!
(...! ...)
Enfim, a realidade !
(...)
Que situação!!!!!!! O que é que tinha sido aquilo!?!?!?!?!?!?!?!?!
(...)
Olhou-se no espelho (quis o espelho daquele motel), sentiu-se um espantalho (naquele
momento era mesmo com o que ela se parecia) e resolveu que TPM tinha limite e a sua
tinha 12 minutos prá terminar!
Pulou fora de sua King size, encarou uma ducha bem fria, trocou-se e foi dançar no Love
Story, que naquele exato momento estava abrindo suas portas.

FIM

2003

Miranda Ricarda

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