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Teologia da História — Iª Série, aula 3

O modo de Deus agir com aqueles por quem Ele tem predileção * Exemplo do povo de
Israel e o nascimento da Igreja * Depois da destruição do Templo e a dispersão dos
judeus temos “um povo maldito a quem Deus está dando tudo; como ele não quer fazer o
que Deus pede, precipita-se nos piores erros, nos piores desastres e abominações”

Nas vésperas do aparecimento de Nosso Senhor, o grupo ortodoxo de Israel era gente
fiel que representava, mais ou menos, o que se poderia chamar os destroços do povo eleito a
esperar verdadeiramente o Messias, mas na sua maior parte, o povo eleito estava
completamente obliterado.
Vamos ver o que fez Nosso Senhor para salvar tudo o que pudesse dentro da nação
bem-amada, e o que fez para castigar o povo maldito.

* O modo de Deus agir com aqueles por quem Ele tem predileção
Dentro da construção apresentada por Bossuet, é muito bonito vermos Deus ter
produzido, pelos mesmos atos e ao mesmo tempo, uma porção de efeitos que estavam na sua
Sabedoria e Justiça produzir.
Ele puniu exemplarmente o povo maldito, e devia fazê-lo porque isto está na lógica da
predileção. Quando Deus prefere alguém a outrem, essa predileção é irremediável, é o fato
dominante da vida daquela pessoa, nação, povo, civilização, ou seja lá o que for, marca aquilo
a fogo e não se apaga nunca mais. Como resultado, caso corresponda, terá a plenitude das
bênçãos, caso não, quanto maior tenha sido a predileção, tanto maior será o castigo.
Por isto, as grandes predileções quando correspondidas dão prêmios espetaculares,
quando não, dão origem a castigos também espetaculares.

* Exemplo do povo de Israel, e o nascimento da Igreja


É o que vemos no povo de Israel.
Pela dispersão dos judeus, pela ruína do Templo, pelos fatos que cercaram tudo isto,
Deus mostrou um carinho pelos bons judeus, mas também uma severidade para com os maus
judeus, que é incrível.
Depois vemos Deus pegar esses bons judeus que ficaram e fazer deles o que diz São
Paulo: eles eram a oliveira boa e neles foi enxertada a oliveira selvagem que eram os gentios.
Fomos enxertados no que restava dos judeus, para daí nascer a Igreja Católica, Apostólica,
Romana, que é uma continuação do povo de Israel, e por isto é que viemos a ser os preferidos.

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De que maneira se deu isto?

* O povo judaico sabia que o Messias viria quando Israel já não tivesse poder
É preciso saber que Bossuet prova com plena clareza que a vinda do Messias era muito
mais evidente do que à primeira vista se poderia supor, pois Deus assim o fez, por amor ao
povo eleito.
Pelos comentários evangélicos e profecias tem-se a impressão de que quem as lesse
podia ter uma certa certeza da vinda do Salvador, mas não de que a clareza delas era tal que, de
fato, todos estavam vendo a vinda do Messias. Ademais, temos a impressão de que, por culpa
própria, eles não liam as profecias, e não as estudavam bem, e em última análise, não viam a
vinda do Salvador. Não é verdade.
Havia uma profecia que impressionou a todo o povo eleito enormemente, e mostrou a
eles, com uma certeza plena, que o tempo do Messias estava para vir. Por causa disto, quando
Nosso Senhor apareceu — Bossuet prova isto historicamente — todos O estavam esperando.

Bossuet, II, c. XXIII


Duas profecias indicavam aos judeus o tempo da vinda de Cristo: a de Jacó e a de
Daniel. As duas previam a ruína do reino de Judá, no tempo da vinda de Cristo. Mas Daniel
explicava que a destruição total do Templo devia ser a conseqüência da morte de Cristo, e Jacó
dizia claramente que, na decadência do reino de Judá, Cristo viria e ser a esperança dos povos;
quer dizer, seria o libertador, e levantaria um novo reino, composto não mais de um só povo,
mas de todos os povos do mundo. As palavras da profecia não podem ter outro sentido. Tal era
a tradição constante entre os judeus, e eles assim o entendiam.
Daí provinha a opinião, freqüente entre os antigos rabinos, e que ainda permanece no
Talmud (1), de que no tempo da vinda de Cristo os judeus já não teriam magistratura. Não havia
nada mais certo, para conhecer o momento da vinda do Messias, do que observar quando
cairiam nesse infeliz estado.
Com efeito, este começo de raciocínio estava bem formulado; e se eles não tivessem o
espírito ocupado por grandezas mundanas, que desejavam encontrar no Messias a fim de ter
parte no império que ele estabeleceria, não teriam podido desconhecê-lo. O fundamento era
certo. Foi assim que a tirania de Herodes e a mudança do governo dos judeus, ocorrida naquela
época, fez-lhes ver que chegara o momento da decadência indicada pela profecia. Não tinham
dúvida a respeito da vinda do Cristo, e que em breve começaria esse novo reino no qual
deveriam se reunir todos os povos.
Uma das coisas que eles notaram foi que o poder de vida e morte lhes foi tirado. Era
uma grande mudança, pois sempre o tinham conservado até então, qualquer que fosse a
dominação à qual estivesse submetidos.

1 ) Gem., Tr. Sanhed., c. 11.



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* Profecia de Jacó
(Gen. 49, 1-12):
Jacó chamou a todos seus filhos, e disse-lhes: «Juntai-vos, para que eu vos anuncie o que
vos acontecerá nos dias futuros:
Juntai-vos e ouvi, filhos de Jacó,
Ouvi Israel, vosso pai:

Ruben, meu primogênito,


tu, a minha fortaleza, e o principio de minha dor;
o primeiro nos dons, o maior no império.
Derramaste-te como água, não crescerás (...);

Simeão e Levi são irmãos,


instrumentos mortíferos de iniqüidade,
que a minha alma não tenha parte nos seus conselhos,
e que a minha glória não se una aos seus conluios,
porque no seu furor mataram o homem,
e na sua vontade (criminosa) derrubaram a muralha (2).
Maldito o seu furor porque (foi) violento;
e a sua indignação, porque (foi) inflexível.
Eu os dividirei em Jacó,
e os espalharei em Israel.

Judá, teus irmãos te louvarão;


a tua mão estará sobre as cervizes de teus inimigos;
os filhos de teu pai se prostrarão diante de ti.
Judá é um cachorro de leão;
correste, meu filho, para a presa;
deitaste-te para descansar como o leão,
e como a leoa, quem o despertará?
O cetro não será tirado de Judá,
nem o príncipe da sua descendência,
até que venha Aquele que deve ser enviado (3).
E Ele será a expectação das nações.
Ele atará à vinha o seu jumentinho,
e à videira, ó meu filho, a sua jumenta.
Lavará a sua túnica no vinho,
e a sua capa no sangue da uva.
2 ) Mataram os siquemitas e derrubaram as suas muralhas num aceso de furor.

3 ) Toda a tradição judaica e cristã reconhece nestas palavras de Jacó uma profecia messiânica.

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Os seus olhos são mais formosos que o vinho,


e os seus dentes mais brancos do que o leite”.

* Profecia de Daniel
Daniel, 9, 1-27
No primeiro ano de Dario, filho de Assuero, da estirpe dos Medos, que reinou no
império dos Caldeus, no primeiro ano de seu reinado, eu, Daniel, pela lição dos livros santos,
compreendi, segundo o número dos anos que o Senhor tinha falado ao profeta Jeremias, que a
desolação de Jerusalém devia durar setenta anos (4).
Voltei o meu rosto para o Senhor, meu Deus, para lhe rogar e suplicar com jejuns, saco e
cinzas.
Orei ao Senhor, meu Deus, fiz confissão das faltas, e disse:
— Digna-te ouvir-me, ó Senhor Deus grande e terrível, que guardas a tua aliança e a tua
misericórdia para com os que te amam e que observam os teus mandamentos. Nós pecamos,
cometemos a iniqüidade, procedemos impiamente, apostatamos e afastamo-nos dos teus
preceitos e das tuas leis. Não temos obedecido aos profetas, teus servos, que falaram em teu
nome aos nossos reis, aos nossos príncipes, aos nossos pais e a todo o povo do país. Tua é, ó
Senhor, a justiça; a nós porém não nos resta senão a confusão do nosso rosto, como sucede
hoje a todo o homem de Judá, e aos habitantes de Jerusalém, e a todo o Israel, aos que estão
perto e aos que estão longe em todos os países para onde Tu os lançaste, por causa das
iniqüidades que cometeram contra ti. Para nós, Senhor, a confusão do rosto, para os nossos
reis, para os nossos príncipes e para os nossos pais, que pecaram.
“Mas de ti, ó Senhor nosso Deus, é própria a misericórdia e a propiciação; porque nos
retiramos de ti e não ouvimos a voz do Senhor nosso Deus, para andarmos segundo a sua lei,
que nos prescreveu por meio dos seus servos, os profetas. E todos os de Israel violaram a tua
lei, e desviaram-se para não ouvirem a tua voz, e choveu sobre nós a maldição e a execração
que está escrita no livro de Moisés, servo de Deus, porque pecamos contra Deus. E cumpriu a
sentença que proferiu contra nós, e contra os nossos príncipes que nos julgaram, para fazer vir
4 ) Assim diz a profecia de Jeremias:
(Jer. 25, 1-11; 29, 10): “Palavra que foi dita a Jeremias acerca de todo o povo de Judá (...), a qual o
profeta Jeremias anunciou a todo o povo de Juda e a todos os habitantes de Jerusalém dizendo: «Desde o ano
treze de Josias, filho de Amon, rei de Judá, até ao dia de hoje, que é o ano vinte e três, foi -me dirigida a palavra
do Senhor, e eu vo-la anunciei, levantando-me de noite e falando-vos, e não ouvistes (...). De modo que Me
haveis provocado à ira com as obras das vossas mãos, para o vosso mal. Pelo que isto diz o Senhor dos
exércitos: Porque não ouvistes as minhas palavras, eis que enviarei e tomarei todos os povos do aquilão, diz o
Senhor, e o meu servo Nabucodonosor, rei da Babilônia; e os trarei contra esta terra, e contra os seus moradores,
e contra todas as nações que a cercam, e os matarei, e farei deles um objeto de espanto e de ludíbrio, e reduzirei
(as suas cidades) a solidões perduráveis. E farei cessar entre eles os gritos de júbilo e os gritos de alegria (...). E
toda esta terra se tornará um medonho deserto, e um objeto de espanto, e todas estas nações servirão o rei de
Babilônia durante setenta anos”.
“Quanto se começarem a cumprir os setenta anos (de vossa estada) em Babilônia, Eu vos visitarei, e
darei cumprimento à minha agradável promessa de vos fazer voltar a este lugar”.

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sobre nós esta calamidade grande, qual nunca se viu debaixo de todo o céu, como o que
aconteceu a Jerusalém.
“Todo este mal caiu sobre nós, segundo está escrito na lei de Moisés, e nós não
recorremos a ti, ó Senhor nosso Deus, de maneira a nos afastarmos das nossas iniqüidades e a
nos aplicarmos ao conhecimento da tua verdade. Assim, o Senhor vigiou sobre a malícia, e fez
cair sobre nós o castigo dela; o Senhor nosso Deus é justo em todas as obras que fez, porque
nós não ouvimos a sua voz.
“E agora, Senhor nosso Deus, que tiraste o teu povo da terra do Egito com mão
poderosa, e que adquiriste então um nome que dura até ao dia de hoje, (confessamos que)
temos pecado, que temos cometido a iniqüidade.
“Senhor, por toda a tua justiça, suplico-te que aplaques a tua ira e o teu furor contra a
cidade de Jerusalém e contra o teu santo monte; porque Jerusalém e o teu povo são hoje o
escárnio de todos os que nos cercam, por causa dos nossos pecados e das iniqüidades de nossos
pais.
“Atende, pois, agora, Deus nosso, à oração do teu servo, e às suas preces; e sobre o teu
santuário, que está deserto, faze brilhar a tua face, por amor de ti mesmo. Inclina, Deus meu, o
teu ouvido, e ouve; abre os teus olhos, e vê a nossa desolação, e a da cidade na qual se
invocava o teu nome; porque nós, prostrando-nos em terra diante da tua face, não fazemos estas
súplicas fundados em alguns merecimentos da nossa justiça, mas sim na multidão das tuas
misericórdias.
“Ouve, Senhor, aplaca-te, Senhor; atende-nos, e põe mãos à obra; não dilates mais, Deus
meu, por amor de ti mesmo, porque esta cidade e este teu povo têm a glória de se chamarem do
teu nome”.
E quando eu ainda falava, e orava, e confessava os meus pecados e os pecados do meu
povo de Israel, e quando prostrado apresentava as minhas súplicas na presença do meu Deus a
favor do santo monte do meu Deus; quando eu, digo, ainda não tinha bem acabado as palavras
da minha súplica, eis que Gabriel, aquele varão que eu tinha visto no principio da visão,
voando rapidamente, me tocou, no tempo do sacrifício da tarde; e instruiu-me, e falou-me e
disse:
— “Daniel, eu vim agora para te ensinar e para que tu entendas (os desígnio de Deus).
Desde o princípio das tuas preces foi dada esta ordem, e eu vim para ta descobrir, porque tu és
um varão de desejos; toma pois bem sentido no que vou dizer-te, e compreende a visão.
“Setenta semanas (de anos) foram decretadas sobre o teu povo, e sobre a tua cidade
santa, a fim de que as prevaricações se consumassem, e o pecado tenha o seu fim, e a
iniqüidade se apague, e a justiça eterna seja trazida, e as visões e profecias se cumpram, e o
Santo dos Santos seja ungido. Sabe pois isto, e adverte-o bem: Desde a saída da ordem para
Jerusalém ser reedificada, até ao Cristo chefe, passarão sete semanas e sessenta e duas
semanas; e serão reedificadas as praças e os muros nos tempos da angústia. E depois das
sessenta e duas semanas, será morto o Cristo, e o povo que o há de negar, não será mais seu. E
um povo com o seu capitão, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário; e o seu fim será
uma ruína total, e depois do fim da guerra, virá a desolação decretada. E (o Cristo) confirmará

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com muitos a sua aliança durante uma semana; e no meio da semana fará cessar a hóstia e o
sacrifício; e estará no templo a abominação da desolação; e a desolação durará até à
consumação e até ao fim.”

* Explicação de Bossuet, sobre a profecia de Daniel


Bossuet, II, c. IX.
Quando virá o Filho do Homem, o Cristo tão desejado? E como realizará a obra que Lhe
foi encomendada, quer dizer, a Redenção do gênero humano? Deus o descobriu
manifestamente a Daniel.
Enquanto ele estava ocupado durante o cativeiro de seu povo em Babilônia, na contagem
dos 70 anos durante os quais Deus os quis castigar; no meio das súplicas que ele fazia para
libertar seus irmãos, de repente foi elevado a mistérios mais altos.
Ele vê um outro número de anos, e outra libertação muito mais importante. Em lugar dos
setenta anos previstos por Jeremias, ele vê setenta semanas, que devem começar a ser contadas
a partir da ordem dada por Artaxerxes da Longa Mão (no ano 20º de seu reino) para a
reedificação da cidade de Jerusalém (5).
Fica assim marcado, em termos muito precisos, que se dará no fim dessas semanas, a
remissão dos pecados, o reino eterno da justiça, o total cumprimento das profecias, a unção do
Santo dos santos (6). O Messias deve entrar em cena e aparecer como condutor do povo, depois
de sessenta e nove semanas ( 7). Depois de sessenta e duas semanas (pois o profeta ainda o
repete) o Messias deve ser levado a morte (8); Ele deve morrer de morte violenta; é preciso que
seja imolado para que sejam realizados os mistérios.
Uma semana é assinalada entre todas as outras, é a última, a 70ª: nela o Messias será
imolado, nela a aliança será confirmada, e no meio dela a hóstia e os sacrifícios serão
abolidos (9), sem dúvida pela morte do Messias, pois esta mudança é indicada imediatamente
depois da morte do Messias. Depois da morte do Messias, e a abolição do sacrifício, só se vê
horror e confusão: vê-se a ruína da Cidade santa e do santuário; um povo e um capitão que
chegam para perder tudo; a abominação no templo; a última e irremediável desolação (10) do
povo ingrato para com seu Salvador.

5 ) Dan. 9, 23 ss.

6 ) Dan. 9, 24.

7 ) “Sete semanas e sessenta e duas semanas” (Dan. 9, 25).

8 ) Dan. 9, 25 e 26.

9 ) Dan. 9, 27.

10 ) Dan. 9, 26-27.

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Estas semanas, reduzidas a semanas de anos, segundo o costume da Escritura, fazem 490
anos, e nos levam exatamente desde o 20º ano de Artaxerxes, à última semana, à semana cheia
de mistérios, na qual Jesus Cristo imolado faz cessar, com sua morte, os sacrifícios da Lei, e
completa todas as figuras. (...).
Daniel nos descobre um novo mistério. O oráculo de Jacó nos ensinou que o reino de
Judá devia cessar na vinda do Messias; mas não nos dizia que Sua morte seria a causa da queda
do reino. Deus revelou este importante segredo a Daniel, e lhe declarou que a ruína dos judeus
seria a conseqüência da morte de Jesus Cristo e da sua negação. O próprios fatos servem de
comentário.

Essa é a primeira parte que é preciso notar: todos sabiam da vinda do Messias.
Ele conta aqui que os rabinos sabiam e o Talmud registrava — o que também a Bíblia
diz — de que a vinda do Messias se daria num tempo em que o povo de Israel não teria nem
poder, nem autoridade, nem magistratura na Judéia.
Ora, os Macabeus foram os últimos judeus verdadeiramente fiéis e chamaram os
romanos como aliados, mas para uma aliança que era um verdadeiro protetorado. Com efeito,
os romanos nomeiam rei a Herodes e acabou a história.
De maneira que, se por um lado, praticamente os Macabeus fizeram um bem — eles
estavam dentro da linha da Providência — por outro, o povo judaico perdeu a magistratura.
O Talmud registra, que os judeus teriam perdido o direito de vida e de morte, que era
aquilo a que mais especialmente se referiam as profecias. E é tão autêntico este fato, que
quando o Sinédrio quis matar a Nosso Senhor, não ousou fazê-lo por autoridade própria e teve
que pedir a Pilatos que mandasse matá-Lo. E, quando Pilatos, para se descartar dessa
responsabilidade, disse que eles mesmos julgassem, a resposta deles foi esta, que está em São
João, XVIII, 31: “Tu sabes que a nós não é permitido matar ninguém.” Exatamente porque o
tratado firmado com os romanos, tirava ao Sinédrio a antiga autoridade de executar as penas.
O Sinédrio, pela antiga constituição judaica, tinha sido o mais alto órgão de governo de
Israel, com poder deliberativo acima dos próprios reis. Ora, o Sinédrio estava numa tal
decadência que, no tempo de Nosso Senhor, não tinha mais poder efetivo nenhum, e sim
apenas uma função consultiva. Era uma reunião de doutores que os procônsules romanos e o
rei consultavam, mas sem poder nenhum. Por isto, quando depois de Nosso Senhor, o Sinédrio
também quis punir São Tiago com a morte, e prender São Pedro, não ousou fazê-lo
diretamente, e só por meio de Herodes. Sabemos que Herodes não era judeu, mas idumeu.
Logo, a coroa estava fora da nação de Israel.
Santo Estevão, de fato, foi morto pelos judeus. Mas não pela autoridade, e sim por uma
espécie de motim, organizado por uma seita judaica chamada dos zelotas. Quer dizer, houve a
mesma coisa, para matar a Santo Estevão os judeus tiveram que recorrer a um ato ilegal,
porque não tinham poder de vida e de morte sobre ninguém.
Esta noção de que quando perdessem o poder político ocorreria a vinda do Messias, era
tão firme, que todos estavam convencidos de terem chegado a este período.

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* Além dos judeus, também os pagãos conheciam essas profecias, e sabiam que se
cumpririam, como todas as outras do povo eleito
O boato de que o rei da Judéia, que deveria governar todo o mundo estava por vir,
espalhou-se por todas as nações do Oriente, porque elas estavam habituadas a ver as profecias
dos judeus se confirmarem, e sem propriamente acreditarem no caráter sobrenatural da Bíblia
como uma religião excluída das outras — pois estavam no clima próprio às religiões antigas
onde cada um daqueles povos acreditava que o outro também tinha uma religião verdadeira, e
que, por exemplo, a religião do povo “A” não excluía a do povo “B” — acreditavam terem os
judeus uma religião verdadeira.
Sabendo que a profecia dos judeus dava sempre certo, e que segundo ela deveria vir um
rei dos judeus, o resultado é que todo o Oriente se encheu desses boatos. Ele cita como
testemunho desses fatos Tácito e Suetónio, que narram estar, todo o Oriente, esperando o
grande rei dos judeus que viria.
Flávio Josefo, que veremos em breve, era um judeu culto de família sacerdotal, e embora
não tenha aderido a Nosso Senhor, também achava que deveria vir o rei de Israel.
De maneira que, a atmosfera estava carregada da convicção da vinda de Nosso Senhor.

Bossuet, II, c. XXIII


Devemos, pois, ter como certo, tanto pelos historiadores quanto pelo consenso dos
judeus, ou pelo estado do governo, que no tempo de Nosso Senhor, e sobretudo quando Ele
começou a exercer seu Ministério, eles tinham perdido inteiramente a autoridade temporal.
Eles não podiam ver esta perda sem se lembrar do antigo oráculo de Jacó, que lhes
predizia que, no tempo do Messias, não haveria mais, entre eles, nem poder, nem autoridade,
nem magistratura. Um de seus autores mais antigos chamou a atenção para o fato ( 11); e tem
razão em declarar que o cetro já não estava em Judá, nem a autoridade entre os chefes do povo,
pois o poder público lhes fora arrebatado, e o Sinédrio estava degradado, já que os membros
deste grande conselho deixaram de ser considerados como juízes, mas apenas como doutores.
Assim, segundo eles próprios, era chegado o tempo de aparecer Cristo.
Como eles viram esse sinal certo da chegada próxima do novo rei, cujo império deveria
estender-se a todos os povos, creram que ia aparecer. E a notícia espalhou-se nas redondezas; e
em todo o Oriente se persuadiram que não passaria muito tempo sem ver sair da Judéia aquele
que reinaria sobre toda a terra.
Tácito e Suetonio, [historiadores romanos, do século I], narram essa notícia como uma
opinião corrente, baseada num antigo oráculo que se encontrava nos livros sagrados dos judeus
(12). Flávio Josefo relata esta profecia nos mesmos termos, e afirma, como eles, que se
encontrava nos livros sagrados (13). A autoridade desses livros, cujas predições tinham-se

11 ) Tract. Voc. magna Gen., seu Comm. in Gen.

12 ) Suet., Vespas., n. 4; Tacit., Hist., v. 13.

13 ) Joseph, De Bell. Jud., VII, 12, al. VI, t., Hegesip., De Excid. Jer., V. 44.

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cumprido de modo tão manifesto em tantas ocasiões, era grande em todo o Oriente, e os
judeus, mais atentos que os outros na observação das conjunturas, que tinham sido escritas
principalmente para sua própria instrução, reconheceram o tempo do Messias, indicado por
Jacó, como o da própria decadência.
Assim, as reflexões que fizeram sobre seu estado eram certas; e sem errar a respeito do
tempo da vinda de Cristo, conheceram que deveria chegar quando, com efeito, chegou.
Mas, ó fraqueza do espírito humano, ó vaidade, fonte inevitável de cegueira!, a
humildade do Salvador escondeu a esses orgulhosos as verdadeiras grandezas que eles
deveriam procurar no Messias.
Eles queriam que fosse um rei da terra. Por isso, os aduladores de Herodes, empolgados
pela grandeza e magnificência desse príncipe que, por mais que tiranizasse o país não deixou
de enriquecer a Judéia, disseram que ele era o rei tão prometido ( 14). Assim nasceu a seita dos
herodianos, da qual tanto fala o Evangelho (15), os quais foram conhecidos pelos pagãos, pois
Perseo fala deles (16), e dizem que no tempo de Nero, o nascimento de Herodes era celebrado
pelos seus sequazes com a mesma solenidade que o sábado.

* Mas os judeus estavam dominados pelo desejo de gozar a vida, e esperavam um “messias”
que pactuasse com seus vícios
Entra aqui um problema central do qual temos falado tantas vezes: os judeus estavam
dominados pela idéia de que a vida foi dada ao homem para gozá-la. Por causa disto, tendo eles
perdido a magistratura, faziam o seguinte raciocínio: “O rei só nos virá quando a magistratura
for perdida. Ora, ele é rei. Logo, vai recuperar a magistratura, isto quer dizer que a finalidade
dele é restaurar a independência que tínhamos perdido. Conclusão, ele será um grande rei
temporal.”

14 ) Epiph., I, Haer., XX; Herodiam., I.

15 ) “Retirando-se os fariseus consultaram entre si como surpreenderiam [a Jesus] no que falasse. E


enviaram-lhe seus discípulos, juntamente com os herodianos, os quais disseram: «Mestre, nós sabemos que és
verdadeiro, e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, sem atender a ninguém, porque não fazes
acepção de pessoa. Dize-nos, pois, o teu parecer: É lícito dar o tributo a César, ou não? AF Porém Jesus,
conhecendo a sua malícia, disse: “Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo AF. E eles
apresentaram um dinheiro. E Jesus disse-lhe: «De quem é esta imagem e inscrição? AF. Eles responderam: «De
César AF. Então disse-lhes: «Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus AF. E tendo ouvido
isto, admiraram-se, e deixando-o, retiraram-se” (Mt 22, 15-22; Mc 12, 13-17).
“Entrou Jesus na sinagoga, e encontrava-se lá um homem que tinha uma das mãos seca. E
observavam-no a ver se curava em dia de sábado, para o acusarem. E (Jesus) disse ao homem que tinha a mão
seca: «Vem aqui para o meio AF. E disse-lhes: «É lícito em dia de sábado fazer bem ou mal? Salvar a vida ou
tirá-la? AF Eles, porém, calavam-se. E, olhando-os em roda com indignação, contristado da cegueira de seus
corações, disse ao homem: «Estende a tua mão AF. E ele a estendeu, e foi-lhe restabelecida a mão. Mas os
fariseus, retirando-se, entraram logo em conselho contra Ele com os herodianos, para ver como o haviam de
perder” (Mc 3, 1-6).

16 ) Pers. et vet. Schol. Sat. V, V, 180.



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Não consideravam os outros lados do problema: “A magistratura está perdida, mas por
outro lado é verdade que esta questão é secundária, pois na Terra há muito mais coisas para
fazer que não tratam da grandeza temporal do povo de Israel, mas sim de outras coisas, etc.”
A idéia era esta: “Está perdido o poder político e a magistratura, e ele restaurará esses
dois poderes que perdemos.”

* Nas vésperas da vinda de Nosso Senhor, apareceram verdadeiros e falsos profetas


Durante quinhentos anos, antes de Nosso Senhor, não apareciam profetas em Israel. Mas
nas vésperas de Sua vinda e da perda do poder político, o ambiente estava tão carregado, que
depois de uma seca de profecias de quinhentos anos, começaram a pulular verdadeiros e falsos
profetas.
São João Batista, o maior de todos os profetas, aparece exatamente nesse período e
junto com ele um enxame de falsos profetas que também anunciavam a vinda do Messias,
porém dominados pelo espírito da nação judaica, de felicidade terrena, conquista temporal,
cupidez dos bens da Terra e, por causa disso, faziam profecias que davam notas falsas do
verdadeiro Messias.

Bossuet, II, XXII


O aparecimento de falsos “cristos” e de falsos profetas parece ser um dos indícios mais
certos da última ruína; pois o destino ordinário dos que recusam prestar ouvidos à Verdade é de
ser arrastados à sua perda por profetas enganadores. Jesus Cristo não escondeu a seus apóstolos
que essa desgraça aconteceria com os judeus. “Elevar-se-á um grande número de falsos
profetas, que seduzirão muita gente” (17). E ainda: “Tomai cuidado com os falsos cristos e com
os falsos profetas”.
Ninguém diga que isto era algo fácil de adivinhar conhecendo o temperamento do povo;
antes pelo contrário, os judeus cansados desses sedutores, que em tantas ocasiões foram causa
de sua ruína, os tinham tão desacreditados que deixaram de lhes dar ouvidos. Mais de
quinhentos anos passaram-se sem que houvesse nenhum falso profeta em Israel.
Mas o Inferno, que os inspira, despertou-se com a vinda de Jesus Cristo; e Deus, que
acorrenta, tanto quanto quer, os espíritos enganadores, os soltou, a fim de enviar também, nesse
tempo, este suplício aos judeus e esta provação aos seus fiéis.
Jamais apareceram tantos falsos profetas como no tempo que se seguiu à morte de Nosso
Senhor. Sobretudo no tempo da guerra judaica, e sob o reinado de Nero, em que se iniciou,
Josefo enumera uma multidão desses impostores que atraiam o povo para o deserto com vãos
enganos e secretos de magia, prometendo-lhes uma próxima e miraculosa libertação (...).
A Judéia não foi a única província exposta a essas ilusões: foram habituais em todo o
império romano. Não há outra época da qual todos os historiadores façam relatos desses
impostores que se gloriam de predizer o porvir, e enganam as populações com suas artes. Um
Simão Mago, um Elymas, um Apolonio Tyneus, un número infinito de encantadores, citados

17 ) Os. 3, 4-5; Is. 59, 20-21; Zac. 11, 13/16-17; Rom. 11, 11; etc.

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nas histórias santas e profanas, surgiram nesse século, e o Inferno parecia fazer seus últimos
esforços para sustentar seu domínio vacilante. Por isso Jesus Cristo assinala que nesse tempo,
principalmente entre os judeus, haveria grande número de falsos profetas. (...).
Eu não digo que no fim dos tempos não deva acontecer alguma coisa semelhante ou
mais perigosa ainda, pois acabamos de ver que o que aconteceu em Jerusalém é uma clara
figura desses últimos tempos; mas é certo que Jesus Cristo nos fala desta sedução como um dos
efeitos sensíveis da cólera de Deus contra os judeus.

O povo inteiro estava esperando o Messias.

* O poder da falsa profecia


Para termos uma idéia do que era o poder da falsa profecia, basta dizer que um homem
inteligente e culto, que provou sê-lo pela História que escreveu, é Flávio Josefo, e todos
sabemos que História dele produz ainda elementos para o conhecimento da História Antiga. Ele
mesmo conta de si, que era de raça sacerdotal e tinha instrução sobre todas as antigas profecias,
etc. Entretanto, entendeu que o Messias era Herodes. Vejam onde ele colocou sua esperança!
Havia uma seita interpretando as Escrituras que chegou à conclusão que Herodes era o
Messias. Aquela seita dos herodianos que ouvimos falar no Evangelho — Bossuet diz que seus
adeptos acreditavam em Herodes como o Messias e queriam segui-lo como rei — notem que
não é como homem de Deus, mas como rei-salvador que irá resolver a questão.
Flávio Josefo acreditou nisso durante algum tempo. Depois se desenganou e passou a
acreditar em Vespasiano. Quer dizer, tudo pode ser o Messias, exceto o verdadeiro Messias.

* Aplicação a nossos dias: a salvação só está na vida mortificada, na austeridade, no amor


ao sofrimento e à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo
Vejam que a mesma coisa é aqui fora. Procuram a salvação em todos os lugares, menos
onde ela existe. Para católicos e não católicos ela é só uma: vida mortificada, austeridade, amor
ao sofrimento, Cruz de Nosso Senhor. Não há outra salvação.
Procura-se tudo: sociologia, economia, política, filosofia, guerras, diplomacia,
naturalmente concessões, tudo. Mas a salvação, não se procura.

* Falsos “messias” aceitos pelos judeus: zelotas, Simão Mago, Menandro


Houve outros que acharam que o Messias era São João Batista, e a dificuldade que
muitos de seus discípulos tinham para aderirem a Nosso Senhor, se deve a isto. Segundo
Bossuet, é porque ele era um santo espetacular, fazia grandes penitências, revelava uma grande
personalidade, e atraía. Enquanto Nosso Senhor, na sua simplicidade, na sua acessibilidade, na
sua “evolabilidade”, impressionava menos.

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O que me chamou mais atenção na narração de Bossuet foi ele dizer que esse prurido de
“messias” era tão forte, que mesmo depois de Nosso Senhor, aquilo que poderíamos chamar
“movimento messiânico”, não cessou e os falsos “messias” continuaram a surgir.
Os samaritanos aparecem, com dois “messias” próprios: um tal Dositeo e Simão Mago,
que disse também ser o “messias” dos samaritanos e teve um discípulo chamado Menandro,
que também foi seguido como “messias”.
Havia ainda os zelotas, os mais zelosos, que achavam ser a sua seita o “messias”.
Todos estes “messias” levavam o povo de Israel ao desastre, insuflando revoluções e
movimentos, fazendo com que viessem os romanos com uma repressão sangrenta, deixando-os
quietos até que surgisse mais um novo “messias”.
Os judeus obstinados, não ligavam.
Por fim eles desanimaram e durante algum tempo deixou de haver “messias”. Mas uma
ou duas décadas após a morte de Nosso Senhor, novamente eles voltam a aparecer, e o povo
chega a aceitar como “messias” um tal Agripa, filho de Herodes, que foi morto pelos romanos.
Por fim, veio um famoso Barchochebas.

Bossuet, II, c. XXII


[Depois da destruição de Jerusalém, quando] os judeus não tinham sido ainda totalmente
expulsos da Judéia, mas o amor que tinham por Jerusalém os levava a escolher uma morada
entre suas ruínas. Eis que apareceu mais um falso “Cristo” para acabar de perder esse povo.
Cinqüenta anos depois da tomada de Jerusalém, no próprio século da morte de Nosso
Senhor, o infame Barchochebas, um ladrão, um celerado, valendo-se de que seu nome
significava “filho da estrela”, dizia ser a “estrela de Jacó” predita no Livro dos Números ( 18) e
se apresentou como sendo o Cristo. Akibas, o rabino mais autorizado, e seguindo seu exemplo
todos aqueles que os judeus chamavam “sábios”, entraram nesse partido, sem que o impostor
desse nenhuma marca de sua missão, a não ser a palavra de Akibas de que o Messias não podia
demorar em aparecer.
Os judeus se revoltaram por todo o império romano, sob o comando de Barchochebas
que lhes prometia o império do mundo. Porém, o imperador Adriano matou 600.000, e tornou
mais pesado o jugo desses miseráveis; e foram expulsos para sempre da Judéia.

Quer dizer, uma série de falsos “messias” provam, e mostram — a argumentação de


Bossuet está muito bem feita — que todo o povo esperava e sabia que viria o Messias.
Nosso Senhor fez obras claríssimas, fez milagres, deu provas de todas as Suas virtudes e
mesmo assim isto não convenceu esta gente. Foram atrás dos meios falsos, das coisas erradas,
porque não queriam saber do lado sobrenatural da religião de Nosso Senhor, do sacrifício.

18 ) “Nascerá uma estrela de Jacó e levantar-se-á uma vara de Israel, e ferirá todos os capitães de
Moab e destruirá todos os filhos de Set, e a Iduméia será sua possessão. A herança de Seir passará para os seus
inimigos; mas Israel procederá valorosamente. De Jacó sairá um dominador que arruinará os restos da cidade”
(Num. 24, 17).

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Bossuet, II, c. XXI


[Os judeus têm um livro] que denominam Talmud, quer dizer doutrina, e que respeitam
tanto quanto a própria Escritura. É um aglomerado de tratados e de sentenças de seus antigos
mestres. As várias partes que compõem essa obra não são todas da mesma época, sendo os
últimos autores citados dos primeiros séculos da Igreja. Nela, entre uma infinitude de fábulas
impertinentes, que começaram a ser difundidas depois do tempo de Nosso Senhor, ainda se
encontram belos restos das antigas tradições do povo judeu, e as provas que deveriam
convencê-lo.
Em primeiro lugar, é certo, pelo testemunho dos judeus, que a vingança divina jamais se
manifestou de maneira tão terrível nem tão clara, quanto na última desolação.
É uma tradição corrente, atestada pelo Talmud, e confirmada por todos os rabinos, que
quarenta anos antes da ruína de Jerusalém — o que vem a ser mais ou menos no tempo da
morte de Nosso Senhor — não cessavam de ver no Templo manifestações estranhas. Todos os
dias apareciam novos prodígios, de maneira que um famoso rabino exclamou: “Ó templo, ó
templo, o que te comove? Porque tens medo de ti mesmo?”
O que há de mais digno de nota que o espantoso barulho que foi escutado pelos
sacerdotes no santuário, no dia de Pentecostes, e a voz clara que saindo do fundo do lugar
sagrado disse: “Saiamos daqui! Saiamos daqui!”? Os santos anjos protetores do templo
declararam irrefragavelmente que o abandonavam, porque Deus, que nele estabelecera sua
morada durante tantos séculos, o havia reprovado. Flávio Josefo e até Tácito contam esse
prodígio (19), que só foi percebido pelos sacerdotes.
Mas eis outro prodígio que se manifestou aos olhos de toda a população, e jamais
nenhum outro povo viu algo semelhante. “Quatro anos antes da guerra declarada, um
camponês, diz Josefo, começou a gritar: «Uma voz saiu do oriente, uma voz saiu do ocidente,
uma voz saiu do lado dos quatro ventos; voz contra Jerusalém e contra o Templo; voz contra
os recém-casados y contra as recém-casadas; voz contra todo o povo AF”. Desde então, dia e
noite, não cessou de gritar: “Ai, ai de Jerusalém!” E aumentava os gritos nos dias de festa.
Nenhuma outra palavra saía de sua boca; os que se lamentavam, os que o maldiziam, os que o
auxiliavam, jamais ouviram dele outra coisa que esta terrível palavra: “Ai de Jerusalém!”. Foi
aprisionado, interrogado, condenado à flagelação pelos magistrados, e a cada pergunta ou a
cada golpe respondia sem se queixar: “Ai de Jerusalém!” Solto como um louco, continuou
durante sete anos sem se cansar ou sem que sua voz enrouquecesse. Na época do último cerco
de Jerusalém, se encerrou na cidade e caminhava infatigavelmente em torno das muralhas
gritando a plenos pulmões: “Ai do templo, ai da cidade, ai do povo!” Finalmente exclamou:
“Ai de mim!”, e no mesmo instante foi atingido por um pedra jogada por uma catapulta. (...).
Este profeta dos desastres de Jerusalém chamava-se Jesus. Parece que o nome de Jesus,
nome de salvação e de paz, deveria tornar-se para os judeus que o desprezaram na pessoa do
Salvador, um funesto presságio; e como esses ingratos rejeitaram um Jesus que lhes anunciava
a graça, a misericórdia e a vida, Deus lhes enviava um outro Jesus que só lhes anunciava males
irremediáveis e o inevitável decreto de sua próxima ruína.
19 ) Josefo, De Bello Jud., VII, 12; VI, 5; Tácito, Hist., V, 13.

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* Depois da destruição do Templo e da dispersão dos judeus temos “um povo maldito a
quem Deus está dando tudo, entretanto como ele não quer fazer o que Deus pede,
precipita-se nos piores erros, nos piores desastres e abominações”
Quando os judeus estavam já dispersos, o Templo tinha caído, tudo estava acabado e já
estavam nos vários lugares do mundo, apareceu o problema: “Então, quem é o Messias?”
Tinham que resolver esta batata quente. Eles sabiam que era um castigo.
E aconteceu algo que nunca lhes acontecera no cativeiro: as linhagens, as famílias, as
tribos se confundiram, e portanto, já não podiam saber quem era o Messias, porque já não
sabiam qual era a raça de David, que apagou-se junto com a tribo sacerdotal de Levi, não
havendo nem sacerdócio nem rei.
Qual é o resultado? Eles têm que explicar isto para os seus próprios aderentes. Dizem
que até agora não haviam entendido e que o Messias viera há muito tempo e era o profeta
Ezequiel.
Vocês vêm um povo maldito a quem Deus está dando tudo mas uma coisa não quer
fazer, e por isto precipita-se nos piores erros, desastres e abominações.
Continua depois dizendo que a crença de que Ezequiel era o Messias não pegou.
Então, o Talmud contém a seguinte frase: “Todos os tempos da vinda do Messias estão
passados, malditos sejam os que calcularem a vinda do Messias”. Quer dizer, diante disto não
temos o que dizer. O dia não veio, calcular não pode, porque será maldito. Vêem que é a
expressão da obstinação.
Há um trecho do Talmud que Bossuet também menciona: “Virão dois «messias ». Um
virá na dor e outro na glória, para cumprir as profecias dolorosas e gloriosas que estão no
Antigo Testamento”. Mas Jesus Cristo não foi nenhum desses.
Eles acabaram por ver que algumas profecias dolorosas tinham também que ter uma
aplicação. Mas não foi em Jesus Cristo, porque Ele não é [o Messias]

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