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Laura Caelestis
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Sobre o Presente Trabalho
O título do lívro é um jogo de palavras entre meta, por causa de meta-meta, termo que
no Brasil é utilizado para designar orixás que, segundo as tradições religiosas afro-
brasileiras, apresentam duplicidade de gênero, geralmente Logunede e Oxumare, e o
prefixo da palavra metafísica que as vezes é usada no sentido de ‘relativo ao mundo
além físico’, além da matéria, do universo material.
Aos amigos: Rodrigo Ribeiro Frias (do Oduduwa Templo dos Orixás, Brasil),
Awo Orilana Esudina Ẹ ̀dẹ níyì (Luis Emilio Marin, EUA), Oturagansa
Abiodun Ifagbemi Osunremi (Oluwo Oturagansa/Osunremi Farinu, Nigéria),
Ifalomo Babatunde Oyabiyi Olosun (Falowo Babatunde Yemi, Nigéria),Ifadare
Ikusaanu Akanbi (Nigéria), Ajibola Osunfunke Efuntolase Yemisi (Nigéria),
Lukman Alade Fakeye (Nigéria), Omoriyeba Silifatuu Lasisi e Mopelola
Osunfunmike Oladejo (ambas Iyalode Osun Logunede Ibadan).
Por fim, mas não menos importante, à todos os seres humanos de disposição
fraternal, este livro é dedicado .
Como indica o idioma falado em sua liturgia Logunedé é um ser espiritual venerado
original ou principalmente pelos Ijexá, um subgrupo étnico Yorùbá, nação da África
Ocidental, na atual Nigéria, mas seu destino o fizera conhecido além do continente
africano, e hoje ele é verdadeiramente um orixá amado e adorado por pessoas de muitas
nacionalidades, heranças étnicas e origens culturais. Como diz um verso da poesia
laudatória (oriki), " Ologunede Oporolika", Logun naturalmente se propaga por toda
parte.
Introdução
Religiosidade
Yoruba
e Terminologias
Quem são os Orixás?
Os orixás são uma categoria de seres espirituais na cosmovisão Yoruba, na qual todos
seres vivos possuem partes espirituais, incluindo os humanos, outras espécies animais, e
plantes, e até mesmo fenomenos da natureza são considerados dotados de espírito.
Todos os espíritos são originários do Orun (o além morte e o pré nascimento) e tudo o
que existe na natureza (o Aye) é fruto do poder de criação dos orixás.
As religiosidades que centram nos orixás visam promover a interação cordial entre os
seres espirituais benevolentes que estão no orun e os seres humanos. Dentre os meios
pelos quais eles interagem, os mais conhecidos da literatura são os oraculos que através
de um padrão apresentado pelo lançamento de algum objeto remete à textos específicos
de um corpus literário, e esta remissão é resultado da manipulação da divindade que
presida o oráculo em particular. Há outros meios através dos quais os seres de uma e
outra dimensão interagem, como por mensagens apresentadas em de sonhos e transes,
que podem ser interpretadas por alguém experiente nessa tarefa, inclusive por meio
dos diversos oráculos conhecidos por eles.
A palavra Orixá é uma das muitas denominações tradicionalmente empregadas por
alguns dos diversos subgrupos étnicos Yoruba para designar seres espirituais
poderosos e benéficos ao ser humano. Algumas denominações para estes seres são, ou
eram, exclusivas de um destes subgrupos, tendo a partir de algum período se
popularizado entre os demais (Ilesanmi, 1991).
E quem são os Orixás? "Deuses" é uma tradução apropriada, mas um tanto simplista
pois não esclarece sobre as idéias que os Yoruba possuem sobre o divino, sobre o que
para eles é digno de adoração.
Muitas versões de mitos que visam explicar quem são os orixás e o que esta palavra
significa são conhecidas pelos Yoruba e foram publicadas na literatura.
Em Myths of Ife, de John Wyndham (1921:16), consta a história da primeira guerra a
acontecer no mundo, motivada pela posse de uma "bolsa de conhecimento e artes da
Sabedoria para o bem-estar e progresso do homem", dada por Aramfe (sic. Oramfe) a
Orisha, cobiçada por Oduwa, a disputa pela posse do objeto declara a preciosidade de
seu conteúdo, a Sabedoria dos conhecimentos e das artes é cobiçada pelos deuses.
Conhecido na diáspora brasileira é o mito que relata como Oya/Iansã usou seus ventos
para espalhar as folhas que eram propriedade exclusiva de Osanyin, um deus que detém
o conhecimento da botânica Yoruba, de modo com que todos os outros orixás
pudessem pegar uma ou mais folhas fazendo com fossem distribuídas entre todos os
orixás.
A noção da obtenção de conhecimento como o mais louvável ato e também a possessão
do mesmo como o que faz os homens procurarem os deuses também existe no mito
publicado por Frobenius sobre como Exu estabelecera o oráculo de Ifa ( Frobenius, The
Voice of Africa Vol. I, tradução de Rudolf Blind para o Inglês, 1913, pág. 229 ).
Olawole publica a seguinte versão etimológica: "No princípio, quando a Soberania
Celestial lançara na terra a sabedoria, aqueles seres espirituais que sucederam em adquirí-la (ri-
sa) são conhecidos como divindades ou deidades (O-RI-SA) até hoje." Nígbà tí Olórún da
̩ ̩
ógbón sí'lé ayé nígbà iwase, àw on ti o rì sà ni a npè ni òrìsà títí òní. (Art and
̩ ̩ ̩ ̩ ̩
Meta-des,
Brasil e
na Nigéria
Registros Literários do Culto à Logunedé na África
Material sobre o culto de Logunedé em terras Yoruba é relativamente escasso, a ponto
de algumas pessoas terem pensado que houvesse se extinguido no continente africano.
Segue uma lista de referências e materiais sobre Logun na Nigéria:
No ano de 1958 vem a público a colossal obra de Pierre Fatumbi Verger, Notes sur le
culte des Orisa et Vodun , em que consta um grande oriki de Logunede, e menções ao
orixá em oriki e louvores à Oxum.
Em 1981, Karin Barber p ublica num artigo, no Africa: Journal of the International
African Institute, Vol. 51, No. 3, entitulado How Man Makes God in West Africa: Yoruba
Attitudes Towards the "Orisa" , no qual Logun é descrito como o filho caçula de Oxum
segundo devotos na cidade de Okuku, e também descrito pela mais antiga devota de
Oxum nesta cidade como sendo uma “feroz versão masculina da própria Oxum ”, nas
palavras da devota "Lóógun-ède? Osun ni!" (Loogun-ede? Ele é Oxum!). O tema da
variação de gênero aparece, como no Brasil, embora de forma distinta. Nove anos mais
tarde Barber publica outro artigo no mesmo jornal supramencionado, entitulado
"Oríkì", Women and the Proliferation and Merging of "òrì ṣà" , desta vez dizendo que ele é
uma divindade fluvial. Em seu livro "I Could Speak Until Tomorrow: Oriki, Women,
and the Past in a Yoruba Town", há alguns oriki de Logunedé, em uma linha se lê
"Caçula da Mãe [Rio Osun] que incomoda todos os filhos da água", e as outras
fazem referências à características dele ligadas à caça, comparando com a de alguns
animais (p. 71).
Dois livros de Sikiru Salami (Prof. King) contem oriki (poesia laudatória) e orin
(cânticos) de Logun. Em um deles (Cânticos dos Orixás na África, 1991) consta apenas
oriki e orin do o orixá e no outro ( A Mitologia dos Orixás Africanos Volume I, 1990 )
consta um pequeno porém preciosíssimo parágrafo mencionando Logunedé no capítulo
dedicado a Oxum: "Outros referem-se à divindade Logunedé, ora como filho de Oxum,
ora como seu mensageiro, pois há grande ligação entre ambos. Algumas casas de culto
referem-se a Logunedé como complementação de Oxum o que aponta par a a
intensidade de sua ligação." Precioso pois o Prof. King é um homem Yoruba, nascido e
criado na Nigéria em solo Yoruba e , diferentemente por exemplo do caso de Ilesanmi,
ele é adepto da religião dos orixás (sacerdote de Xangô), e suas informações são
oriundas de sacerdotes de Oxum/Logun, e ele sendo iniciado tem acesso a informações
privilegiadas além de ser mais apto a interpretá-las corretamente do ponto de vista
religioso. Nestes mesmo livro e capítulo abundam referencias à Logun em orikis e orins
de Oxum onde ele é mencionado diretamente por seu nome Logunedé e também
Kekere-ode, jovem caçador.
Thomas Makanjuola Ilesanmi cita Logun em uma lista de divindades de origem Ijexá-
Yoruba, em seu artigo "The traditional theologians and the practice of orisa religion
in Yorubaland", no periódico Journal of Religion in Africa, XXI, 3, 1991.
Em 2000, Nei Lopes publica um livro inteiro dedicado ao orixá, mas praticamente todo
baseado em dados da diáspora e quase nenhum da África, com o título Logunedé: "santo
menino que velho respeita" .
O livro Yorùbá Theology & Tradition: The Worship (2008:110), por Ayo Salami, o cita
entre os orixás considerados revelações/encarnações de Ogun. As fontes dele são
principalmente oriundas da cidade de Ilobu.
Em Busca de Logunédé
Assim como demonstrou Darwin com relação aos seres vivos, no campo da religião
somente aqueles capazes de adaptarem-se são bem-sucedidos na tarefa de continuarem
serem benéficas ao ser humano em meio às evoluções intelectuais de seu pensamento,
numa espécie de darwinismo metafísico (por parte dos deuses), ou ideológico (por parte
dos seres humanos).
A flexibilidade possibilitou a sobrevivência de tradições religiosas tradicionais nativas
aos diversos subgrupos étnicos Yoruba especialmente em áreas onde é gr ande a
influência das religiões exclusivistas (como as fés abraâmicas).
Nina Rodrigues (RODRIGUES, RN. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010,
http://static.scielo.org/scielobooks/mmtct/pdf/rodrigues-9788579820106.pdf ,
acessado em 05/08/2016), à parte do viés eurocêntrico e racialista, é muito
esclarecedor em alguns pontos. O autor demonstra que no final do século XVII e início
do XIX, os adeptos da religiosidade Yoruba não só falavam e cantavam em idioma
Yoruba, mas entendiam a língua e a usavam no cotidiano, inclusive de forma escrita.
Verger constatou que não só os deuses como também os textos litúrgicos tradicionais
em idioma Yoruba haviam sido preservados na diáspora, muitos dos quais
correspondiam aos que eram utilizados na África na época de suas pesquisas.
Com base em todo o material supracitado podemos destacar quais são as concepções a
respeito de Logunédé tanto na diáspora quanto em solo africano: filho de Oxum,
representado por um artefato que retrata um arco unido a uma flecha confeccionado em
bronze. A utilização deste metal o distingue de outros orixás que também são
representados pelo mesmo artefato mas que são feitos com metais prateados (como
Oxóssi e Erinlé).
Sincretismo
O sincretismo entre os orixás e os santos católicos aconteceu em parte para que os
africanos na condição de escravizados pudessem, de forma
forma velada, continuarem
cultuando seus deuses, algo que eram impedidos de fazer de forma aberta. Mas junto
com essa necessidade, os Yoruba
Yoruba já possuíam uma mentalidade
mentalidad e propensa à assimilação
cultural e ao sincretismo religioso,
religioso, como Gregos antigos, e mesmo na África já ocorria
a associa ção entre deuses originários de nações distintas, bem como sua “importação” e
“exportação” entre as mesmas, como nos caso dos orixás e voduns.
No caso de Logunedé
L ogunedé o santo católico escolhido foi Santo Expedito, e as similaridades
entre ambos não deixam espaço para
par a duvidar do cuidado que seus
s eus devotos tiveram
tiveram em
escolher um santo que fosse similar ao orixá, uma escolha
escolha consciente capaz de realizar
a façanha de preservar o legado do orixá em meio à um cenário em que
qu e seu culto era
proibido.
Aprendendo sobre Santo Expedito
Exp edito acessamos particularidades de Logunedé que se
perderam em seu culto na diáspora. Nas tradições afro-brasileiras é quase regra
apresentá-lo ora como um deus infantil e indefeso.
indefeso. Neste caso, o santo com que fora
sincretizado é um referencial muito mais próximo do Ologun-ede original, invocado
pelos devotos de Oxum nos louvores
louvores dedicados a mesma para defendê-los
defendê -los.. Em oriki
Logun é louvado como ‘aquele que em maus dias nos salva’, ‘que nas batalhas
sangrentas andou vigorosamente para dentro da feira’, cujo nome é tão temível como
Xapanã/Sonponna, um nome cercado de tabu do deus que pune com as doenças
infecciosas e epidemias, Obaluaye.
Obaluaye.
Santo Expedito é conhecido no âmbito popular como o santo das causas justas e que
age com rapidez em casos
cas os urgentes, assim como Logun,
Logun, que é rápido como o vento e o
salvador que em maus dias protege os seus, a iconografia de Santo Expedito remete a
Logun enquanto um jovem guerreiro prodigioso pois retrata um jovem soldado
romano.
Os motivos e as causas das transformações da imagem de Logun no BrasilBr asil são
desconhecidas mas talvez tenha ocorrido algo já documentado no caso de outros orixás.
Num contexto onde cultos a deuses similares passam a coexistir pareceria confuso ou
mesmo desvantajoso para os devotos ter mais de um orixá apresentando características
e ocupando posições similares, algo que, como notaram alguns autores, acontece
mesmo em solo Yoruba. John David Yeadon Peel ( Religiou
Religiouss Encounter
Encounter and the Making
Making of
the Yoruba , 2003: 111-112) diz o seguinte: " Quando um culto mudava-se para uma
nova área, ele podia assumir atributos bastante novos
n ovos ou perder atributos
antigos pois o seu nicho já estava ocupado por um culto ali presente... (...)"... uma
migração trouxera Orixá Oko para uma pequena cidade Ekiti; mas como Ogun já
era o deus da agricultura, teve que centrar-se em cura e proteção. (...) ... quando
Xangô se moveu para o oeste do território Oyo para os reinos de Sabe e Ketu,
que já possuíam Ara como um deus homem do trovão, seu status de migrante foi
expressado por ser considerado como a esposa de Ara ."
II
Azul e Amarelo
As cores associadas a Logun-ede são o azul turquesa e o amarelo âmbar. Azul é uma
cor fria como a água e calma como o céu límpido. Amarelo por sua vez é quente como a
luz do sol e intenso como o brilho do bronze.
Elas remetem à água e aos metais dourados, ambos presentes em seus templos.
Bélico e Jubiloso
Ao mesmo tempo em que Logunédé aprecia a luta, a bravura e a agressividade ele é
esbelto, vaidoso, cuidadoso com sua aparência. A vaidade de Logun é a vaidade daquele
que conhece seu potencial e que realiza atos de heroísmo, que conhece seu valor e é
reconhecido pelo público. A beleza é aquela que combina harmonia e boa forma.
E nisto ele se parece com sua mãe Oxum, que assim como muitos outros orixás
famosos por sua beleza. E assim como sua mãe tivera sua imagem modificada na
diáspora onde passara de deusa que habita as respeitáveis e temíveis profundezas dos
rios a mulher superficial, e de mãe exemplar a alguém sem talento, capacidade e
interesse de ser mãe, a ponto de ser descrita em mitos da diáspora como alguém capaz
de abandonar seus filhos em vez de defendê-los ferozmente como nas histórias
africanas . Não só com Logun e Oxum, mas as transformações das representações e d o
entendimento acerca de vários orixás acabaram, em alguns casos, por descaracterizar a
forma como são retratados pelas tradições em solo Yoruba, eles foram destituídos de
certos valores africanos.
Mas o mito de Logun nos mostra um ethos que considera a agressividade algo a ser
canalizado para o bem da sociedade, para a defesa do bem-estar, e a beleza e os prazeres
como parte essencial da vida, e não sinônimos de fraqueza.
Como Logunedé, outros orixás têm essa capacidade de agir de forma “masculina” ou
“feminina”, inclusive Oxum, de quem Logunedé é uma hipóstase, conforme seu oriki
“Obinrin bi Okunrin ni Osun”, que significa “Oxum é uma mulher que pode agir como
homem”.
Meta-Morfoses
Com base no que compõe os oriki, orin, altares e indumentária de Logunedé, tomamos
conhecimento de diversos ícones que juntos compõe uma paisagem cósmica através da
qual podemos analisar muitos aspectos importantes da personalidade do orixá, e
melhor compreendê-lo.
Felizmente um dos orixás menos debatidos na literatura possui muitos oriki e orin
publicados e graças a isso temos neles uma correnteza de informações que ao ser
abordada é como água cristalina para refrescar, renovar e saciar os devotos do deus a
quem ele se refere, pois eles apresentam um retrato do orixá no qual seus filhos que
estão em lugares onde sua imagem é obscura podem contemplá-lo claramente, desde
que saibam interpretá-lo corretamente. Os autores que fizeram o grande trabalho de
coletá-los e publicá-los não se dedicaram à interpretá-los ou analisá-los profundamente,
e seu conteúdo muitas vezes não é obvio mas sim cifrado àqueles que não são familiares
com certos aspectos da cultura Yoruba.
Logun é elogiado em oriki por sua vaidade, orgulho e boa forma física, sua beleza é
tamanha que é notável em seu corpo, na sua voz e até em seus olhos. A aparência de
todas as coisas que compõe seus iconomorfismos é um verdadeiro deleite para os
sentidos. E o contemplar suas muitas manifestações tangíveis acessamos uma beleza
que nos arrebata e catapulta para além da realidade apreendida pela consciencia
cotidiana, matizado de fascinantes possibilidades extraordinárias, o deus guerreiro
domina a medicina tradicional e a caça, o que o posicionam num papel de destaque e
maestria na arena da transformação, da potencialização promovida pelas propriedades
das espécies contempladas pela zoobotanica Yoruba, por meio da qual o ser humano se
amplifica e transcende as barreiras típicas de sua espécie, realizando os desígnios de sua
consciência, seu ori.
Logunedé, um caçador-guerreiro ideal, divino, tem essa habilidade, e seus louvores
enfatizam isso: "Transforme-se no que quiser, para que eu possa vê-lo (Sikiru Salami,
1991:105-6); Meu pai, de corpo liso como o bambu, mostra a pele que desejar. Se mostrar pele
clara hoje, amanhã mostrará pele escura. (Idem, pág. 104).
O guerreiro-caçador, celebrado por diversas culturas, é um ser cuja contemplação
provoca solenidade, inquietação e reflexão profundos, pois nele estão presentes de
modo muito evidente e equilibrado elementos que nos mostram a interdependência
entre a vida e a morte. O caçador é alguém que mata, mas sempre numa condição
desejável da perspectiva humana, diferente do guerreiro que é ambígu o porque o
guerreiro que salva um povo é o que condena outro. Teoricamente, ou idealisticamente,
o guerreiro divino, ou sagrado, deve lutar contra os inimigos da humanidade (a doença,
a desarmonia, a injustiça), e nisso transcende o possível etnocentrismo do guerreiro
vulgar.
Pela ação do caçador e do guerreiro o Homem tem a oportunidade de reconhecer que
viver implica matar, que a vida se alimenta de morte, que aquele que é tido como mais
fraco não é desprezível, mas essencial, principalmente para a sobrevivência do que é
considerado mais forte, que existe uma interdependência entre tudo, que a morte
fatalmente nivela a todos os que vivem, e esta complexidade existe em nossa condição
de seres humanos, que somos fisicamente frágeis em comparação com algumas espécies
dotadas de chifres, presas, garras e massa corpórea, que conseguimos subjugar devido à
nossa inteligência. Logun-edé parece representar o potencial humano, muitas vezes
negligenciado e subbestimado, mas que sempre acaba surpreendendo as expectativas.
No caçador, apetite e curiosidade mostram-se em maior proporção que medo do
desconhecido ou da alteridade, e esta característica o impulsiona ao movimento
constante. E na direção do desconhecido ele corajosamente se precipita, exercitando a
esperteza necessária para ser vitorioso.
Ávido, ele pode ser percebido em todo aquele que vai atrás de sua sobrevivência,
mesmo que esta implique em fugir de alguma ameaça. Está no predador que persegue a
presa para alimentar-se e também na presa persegue sua sobrevivência ao escapar do
predador, ambas as ações implicam movimento, coragem e ousadia. A inércia que é a
antítese de toda a vida, é também a dele próprio.
Antropomorfismos
Para os Yoruba os seres dotados de corpos físicos são originalmente espíritos que já
existiam no orun, simbolizado pelo céu por tratar-se de um "lugar" fora do alcance dos
sentidos dos seres encarnados, ancorados no aye, e por ser mais sutil, como o vento e a
atmosfera que não podem ser capturados. Através do nascimento esses seres descem ao
mundo concreto, acessível, o mundo dos vivos, o Aye, a Terra, o Universo. Os orixás
não se revelam apenas em manifestações de carne e osso, humanas ou de outr as
espécies, mas também em epifanias. J. Y. Peel, em seu Religious Encounter and the Making
of the Yoruba (2003:98), cita um relato de um missionario que testemunhara um desses
eventos em que um orixá fora reconhecido por humanos, no caso uma formação
rochosa teria sido o meio pelo qual o orixá, um ser espiritual, tivera se manifestado, e o
gênero do mesmo fora considerado feminino devido à sua disposição maternal.
As descrições antropomorfas do deus, um ser espiritual dotado de capacidades supra -
humanas, comunicam as características de sua personalidade como seus temperamento
e predileções com bastante eficiência tornando-o acessível a qualquer pessoa. Por isto
essas representações e/manifestações antropomorfas são aqui definidas como as mais
básicas, e analisadas em primeiro lugar.
Segundo seu myhtos Logun viera do orun predestinado a tornar-se um exímio
guerreiro, status que ele alcançou e por ter utilizado essa capacidade em prol da
humanidade tornara-se venerável. Como a crença de que o espírito não só precede à
encarnação, mas também perdura após a morte do corpo carnal, ele conservara sua
posição após retornar ao orun, de onde continua a interferir e auxiliar aqueles que com
ele nutrem um relacionamento de cordialidade e respeito.
Filho d’Oxum, Infante Prodígio,
Oxum tem muitos filhos, pois é natural que seus excelência, beleza, inteligência e
fertilidade causem muitas uniões, sempre produtivas. Logunedé é um destes filhos. Ele
simboliza a excelência da criatividade desta deusa eternamente fecunda. Sua estação
perene é a jovialidade, que pode existir em todos os seres independente de suas idades.
Impetuosidade Divina, assim pode ser definido Logunédé.
No oriki publicado por Barber ele é descrito como filho caçula, e no publicado por
Verger ele é descrito como um bebê que é carregado e sustentado por sua mãe,
sugerindo dependência e indissociabilidade dele para com Oxum.
Em Dahomean Narrative: A Cross-cultural Analysis (Melville Jean, Frances S. Herskovits,
1998:24), os autores expõe tanto o entendimento do tema segundo os contadores de
história nativos quanto de seu próprio ponto de vista: " segundo os contadores de
história daomeanos informaram "isto revela como o caçula é mais astuto"; mas
nós temos aqui, na verdade, apenas um tema, uma expressão da crença oeste-
Africana muito difundida, que uma criança herda seus traços de seus pais, e
conforme os pais envelhecem ganham em experiência, a caçula é
presumivelmente a mais astuta. Este tema, nós descobrimos, ocorre em muitos
contos, onde ele pode ser o incidente dominante e portanto o centro da estrutura
da trama, (...) ou um tema subordinado ou complementar (...) ."
Ainda segundo a mesma fonte (pág. 25), a respeito desse elemento manifesto como uma
criança-divina, no contexto das narrativas onde figuram os deuses: " Além disso, este
mesmo tema é usado para definir o caráter de Legba, o filho mais jovem de
Mawu, a divindade-celeste; ou Bade, o mais jovem filho de Sogbo, o chefe do
panteão do Trovão; ou Aflekete, que ocupa uma posição análoga no no panteão
do Mar. Mas no caso dos deuses, dificilmente necessita de citação explicita, pois
é aceito como um tipo de denominador pouco comum em seu comportamento,
algo que uma audiência Daomeana pressupõe ."
Os mitos de Logunedé conhecidos no Brasil retratam-no como uma criança, alguns
deles como uma que é abandonada por sua mãe Oxum na floresta e lá é encontrado por
algum outro orixá que o adota e treina em uma de suas artes. Existe um mito
semelhante publicado por Tutuola e Fagunwa como literatura inspirada nas tradições
Yoruba, do infante Ajantala. A biografia do famoso guerreiro Aduloju, oriundo da
cidade de Ado, também apresenta semelhanças com essas narrativas de abandono de
uma criança considerada ameaçadora (Emmanuel Oladipo Ojo Ph.D, Aduloju of Ado:
A Nineteenth Century Ekiti Warlord, acessado em 30/07/2016,
http://iosrjournals.org/iosr-jhss/papers/Vol18-issue4/G01845866.pdf?id=8644) .
Na história conhecida no Brasil, o motivo do abandono por parte de Oxum ressalta o
caráter irascível e forte de outro orixá, Xangô, com quem Oxum vai morar após
conceber Logun-ede fruto de sua união com Oxossi. Nela evidencia-se o orgulho
patriarcal e viril de Xangô, que não comporta fruto de outro homem em seu domínio,
mas por outro lado sugere que a presença de Logun é potencialmente ameaçadora,
grande demais para ser permitida junto à Xangô pois sua grandeza eclipsaria a
proeminência dele.
Seja como for, essas crianças por algum motivo não se ajustam a algum limite cultural
tradicional, elas representam uma ameaça ao status quo ou até mesmo se rebelam
contra ele, o quebram, e a única forma de garantir a integridade deste sistema que é tão
importante para a maioria mas insuportável para estas crianças é abandoná-las no
espaço exterior ao mesmo, colocando em risco outra integridade, a da criança.
Eles parecem representar os medos das pessoas que já se estabilizaram na vida
mediante ao novo e ao incerto, representados por um ser jovem e em formação,
indefinido. Também são didáticos ao mostrar às crianças para quem ele é contado que
caso elas se comportem de maneira a causar problemas serão abandonadas e encontrar-
se-ão em situações desagradáveis.
O Jovem e Sábio
Na literatura sacra apresentada na obra de Salami consta o epíteto "Kekere ode"
traduzido como "jovem caçador". Segundo B. M. Ibitokun: "Um narrador comentando
sobre o valor marcial precoce de um jovem guerreiro da família de guerreiros cantaria
'Kekere ekun, bi ekun ni i she', significando um bebê leão já se comporta de maneira fiel
a sua estirpe." ("The Metaphysics of Heroism in African Literature: From Reactionary to
Revolutionary Ethos?", 1986:4 ). Ou seja, o nome kekere é geralmente adicionado a um
outro para denotar que a pessoa digna desse nome é prodigiosa mesmo sendo jovem.
Isto esclarece o epíteto "Kekere ode" de Logun-ede como sendo uma referência ao
excelente desempenho do orixá ao exercer atividades típicas dos caçadores desde muito
jovem. O fato de ser muito jovem e muito notável deve ser o motivo do que é dito
nestas duas linhas de seus oriki : " Caçula de Oxum, que irrita os outros filhos das
águas"; "Um orgulhoso fica descontente quando um outro está contente".
Logun-édé, o jovem extraordinário que tivera sua excelência reconhecida desde tenra
idade, conforme expresso em oriki como Kekere ode, Jovem caçador.
A ilustre Ialorixá Mãe Menininha do Gantois descreveu Logun como "Santo menino
que velho respeita". Uma frase que contrasta com o sistema gerontocrático no qual
quem tem mais idade e é mais experiente é consequentemente o mais sábio, deixa de
ser regra. Logun é o jovem caçador que se torna respeitável até mesmo pelos mais
velhos, devido à sua precocidade, ele encarna a senioridade do mundo espiritual que
pode, prodigiosa e surpreendentemente, superar àquela do mundo físico, como vemos
no caso do nascimento de gêmeos entre os Yoruba, que consideram o último a nascer
como o mais velho, o fato de ter esperado seu irmão nascer primeiro sendo interpretado
como um sinal de astúcia.
O mesmo ethos está presente nos mitos onde Legba, a prodigiosa criança caçula e
preferida de Mawu que desafia a ordem e a hierarquia mantidas pelos outros deuses,
recebe de sua mãe a função de tradutor e mensageiro/mediador.
Dentre os Yoruba Legba é denominado Exu, ou Elegbara, e é o mensageiro (Ojixé
orixá) e mediador (Onibode) divino.
Astuto, Legba/Exu é inteligentemente posicionado cosmicamente em áreas ambíguas
que exigem tato e esperteza, como nos mercados onde negociações e acordos que
devem beneficiar quem compra a ponto de criar um vínculo com o fornecedor e ao
mesmo tempo serem vantajosos a quem vende, e nas estradas que são destituídas de
supervisores que garantam o cumprimento de leis e regras de conduta muito rígidas e
definidas. Por isso Exu geralmente e potencialmente destrutivo em situações que
exigem constância, sensibilidade, caridade e doação pois estas evidenciam a
inconstância das intenções das pessoas, a dificuldade do que o ser humano pode ter em
nater-se fiél a algo mediante as novas oportunidades que surgem, onde ele se verá
muitas vezes tentado a fazer uma troca, a mudar de direção, como mediante a uma
encruzilhada, domínio de Exu. Da mesma forma que Logun, impetuoso de nascença,
fora inteligentemente posicionado cosmicamente nas batalhas.
Conforme seu mito, no orixá Logun-ede encontram-se realizadas de forma intensa e
vívida todas as esperanças que se pode ter ao contemplar e lidar com uma criança.
Como o mito acontece 'in illo tempore'', os seres míticos são livres das influências
naturais conhecidas por nós, como de linearidade temporal, presença e ação no espaço,
e são dotados de qualidades e capacidades sobre-humanas, Logun é simultâneamente o
bebê dependente, a criança arteira e o campeão. Oxum por sua vez epitomiza a
parentalidade ideal que supre o ser com o zêlo necessário para garantir seu sucesso
desde os estágios iniciais de seu desenvolvimento. Logunedé, sendo valoroso e
exemplar, atesta a excelência com que Oxum desempenha essa função.
Segundo Aminata Sow Fall, existem basicamente três tipos de herói-criança nos contos
populares africanos, são eles: "a criança modelo", "a criança impetuosa", e "a criança
malévola" (Aminata Sow Fall. “ The Child-Hero in African Folktales .” Em UNESCO
Courier 35, 1982:23-25,
http://unesdoc.unesco.org/images/0007/000747/074717eo.pdf, acessado em
06/08/2016). Com base nessa classificação Logunedé pode ser entendido como uma
criança impetuosa, mas seu mito demonstra que sua personalidade possui
características consideradas de valor para os Yoruba como coragem, justiça, vigor,
interesse em seus parentes (por ser indissociável de sua mãe Oxum), etc, sintetizando
características da criança modelo quanto da criança impetuosa.
Além de caçula, e muito próximo de sua mãe, simbolizando a interdependencia entre
ambos e elegendo-o como privilegiado, pois o caçula nasce quando os pais estão mais
experientes, sábios, e estabelecidos no mundo, Logunédé é uma criança problemática,
conhecida na literatura como enfant terrible.
Segundo Adeboye Babalola (The Role of Nigerian languages and literatures in fostering
national cultural identity. In The Humanities and National Development in Nigeria .
Agwonorobo Enaeme Eruvbetine, Nina Emma Mba, 1991. 146 - 160, p. 152) o enfant
terrible expressa uma característica do pensamento tradicional dos Yoruba, a crença na
predestinação. O ser que nasce com um talento parece comprovar que ele já vem ao
mundo com uma bagagem, com habilidades que presumivelmente foram adquiridas ou
concedidas a ele antes de nascer, já que não tivera tempo de aprendê-las em sua pouca
vivência no aye, algo que é expresso no mito de seu nascimento contado em Ibadan,
onde após Oxum consultar o oráculo de Ifa, lhe é revelado que seu filho veio do além já
na condição de guerreiro.
O Salvador Divino
Para seus devotos Logun é um imbatível aliado em todas as áreas de suas vidas. Em
seus oriki faz-se menção à algumas doenças, aludindo à sua capacidade de curá-las.
As doenças, como todos os males, geralmente originam-se de e provocam alguma
forma de desequilíbrio nos indivíduos aos quais afligem. Das que constam em seu oriki,
algumas tem a característica comum de causar aumento anormal e excessivo de certas
partes do corpo, como a papeira/caxumba e a orquite; outras são subjetivas e invisíveis
aos olhos como a loucura e a infelicidade. Declarando-o como capaz de curar os males
do corpo e os da alma, os visíveis e os invisíveis.
Na dinâmica da espiritualidade essas doenças podem traduzir-se como o desequilíbrio
resultante da ausência de um relacionamento entre o indivíduo afligido e o orixá capaz
de livrá-lo da aflição.
A característica destas doenças pode ser também, como veremos, uma alusão à formas
com que Logunede pune os malfeitores, e elas contrastam com características virtuosas
possuídas pelo próprio orixá, pois os orgãos afetados por elas são emblemáticos de
áreas da vida sob a égide do orixá.
A orquite, que afeta os testículos, biológicamente fontes de fertilidade e culturalmente
de potência. Debilitando no homem uma capacidade que o orixá é capaz de restaurar,
como conceder filhos à alguém estéril, elogiada em seu oriki. Os orgãos sexuais
constituem meios de interação íntima através da qual se pode obter e proporcionar
prazer, e é Logun ligado ao prazer por ser atraente e esteta. "Aquele que padece de
orquite dorme profundamente", dormir profundamente é a antítese da vitalidade
estimada pela cultura e natural das pessoas saudáveis.
O pescoço confere suporte e a mobilidade à cabeça, que por sua vez é afetada pela
loucura e encima o corpo, abrigando orgãos sensoriais que atuam como receptores e
transmissores de informação e a eficácia desse sistema intercambial define alguém
como louco ou lúcido .
Também é o pescoço um invólucro para garganta, o canal através do qual os alimentos
passam para nutrir e as medicinas para curar e amplificar as capacidades naturais do
corpo, fortalecê-lo, e Logun possui compromisso com a mantença da vida propiciando o
alimento através de suas atividades venatórias, haliêuticas e de coleta de vegetais
comestíveis, bem como com a proteção da ordem desejável na qual os seres humanos
não são alvos de morte prematura, por escassez de alimentos e recursos, doenças, e
ação de inimigos.
Assim sendo, a menção a estas doenças refere-se ao papel do orixá na vida dos homens
como um salvador, como declara seu oriki: " O salvador que em maus dias nos
protege".
A posição do orixá enquanto alguém em quem se pode depender é expressada também
quando seus oriki mencionam-no como marido de cinco pessoas, a poligamia no
contexto Yoruba simboliza o sucesso material, a atratividade, a amabilidade e a
capacidade conciliadora de um homem. Por ser um provedor, ele também é chamado de
baba, pai, senhor.
Por outro lado, a orquite provoca um aumento dos testículos, símbolos de virilidade e
fertilidade, e traz essa conotação ao oriki. E a sentença completa, “aquele que tem
orquite dorme profundamente”, parece proverbial, e provérbios são empregados em
oriki para enfatizar o que se está narrando, assim como a verdade contida na sabedoria
popular do provérbio é reconhecida por todos, do mesmo modo são as características
louvadas no oriki.
A referencia à papeira também pode ser considerada metafórica, há um provérbio que
associa o bócio/papeira à prosperidade, porque é preciso um grande número de
preciosas miçangas para circundar o pescoço de quem tem papeira.
Sua Indumentária
Sua indumentária integra a beleza apresentada quando ele é visto em forma humana, e
indicam a preocupação do orixá com o bem estar físico, mais uma similaridade com sua
mãe Oxum.
A vaidade de Logunédé naturalmente o posiciona no centro das atenções positivas pois
corresponde às expectativas de agradabilidade da sociedade.
Os oriki de Logun-ede elogiam-no pela beleza de seus olhos, seu corpo, sua voz, e suas
vestes. A boa forma física é um atributo importante de um guerreiro, e o orgulho uma
consequência natural da excelência e do heroísmo, a beleza multifária de Logunede
corresponde à nobreza de suas ações, que apesar de as vezes envolverem agressividade
e violência, tem sempre propósitos nobres (punir os maus, lutar pelo lado do bem, e
obter alimento.).
As Vestes
Além de mencionar as vestes refinadas com que ele se apresente, orikis de Logun dizem
que ele coloca uma pena de coruja em sua roupa, o que nos revela a dimensão mágico-
medicinal da indumentária, além da ornamental. A coruja é uma ave caçadora, e
associada ao conhecimento de mistérios devido a sua capacidade de enxergar no escuro.
Há um provérbio Yoruba que a elogia pela sua coragem, pois destemida voa em meio a
escuridão.
A Corôa
Diversos cânticos louvam o brilho da coroa de Logunedé.
A coroa de Logun é descrita como feita de conchas, um símbolo de dinheiro,
prosperidade e beleza. Seja em casos onde é descrita como sendo confeccionada com
conchas ou quando a menção é apenas sobre a coroa há uma constante, ela é descrita
como muito grande e muito brilhante. Deus fluvial coroado com brilho intenso, água
cristalina sob um lume que nunca se apaga, a coroa de Logun é um símbolo de sua
consciência plena e sempre desperta.
A coroa também é um distintivo de autoridade e liderança, assim como a coroa está
sobre a cabeça e extende sua estatura, posiciona quem a usa acima dos demais,
idealmente como um governante capaz de representar a coletividade daqueles a quem
representa.
O Ori de Logunede é evocado nos orins de exaltação e reconhecimento das qualidades
dos oris dos devotos, como se fosse um modelo a ser emulado.
O Penteado
Os grandes caçadores e guerreiros Yoruba distinguem-se pelo uso de um penteado
chamado aasho oluode, que consiste de manter o cabelo raspado com excessão de um
pedaço mantido no topo da cabeça moldado de modo a manter-se pendendo para o lado
e deixado crescer até determinado compriomento, utilizado para conter medicamentos
(oògùn, etc). É de uso exclusivo do líder da sociedade dos caçadores de cada cidade,
posto ocupado pelo mais valente, bem-sucedido e profícuo no ofício da medicina
tradicional (Bukola Adeyemi Oyeniyi. Dress and identity in Yorubaland, 1880-1980. 2012.
https://openaccess.leidenuniv.nl/bitstream/handle/1887/20143/03.pdf?sequence=7, acessado
em 15/08/2016 ). Logun posui todas essas qualidades, é o líder guerreiro dentre os
orixás, podendo ser visualisado como alguém que apresenta tal penteado, mesmo que
não seja descrito assim em seus oriki.
Seu Arsenal
"Ágil, ele já se levanta de manhã com o arco e as flechas pendurados no
pescoço"
Como caçador Logun provê a alimentação de seu povo, é bravo e forte e pode enfrentar
e vencer as ameaças, garantindo assim o bem estar a segurança dos seus.
Dentre as ferramentas que representam Logunédé as mais conhecidas são o arco e as
flechas e a espada. Analisaremos estas e mais algumas ferramentas típicas de um
exímio caçador. As ferramentas utilizadas na caça ativa e no combate representam o
dinamismo do orixá.
Ao imaginarmos um caçador e um guerreiro tendemos a visualizar um ser em
constante movimento, mas o exercício destas atividades também inclui passividade,
paciência, reflexão, e auto-controle, quietude e observação que um caçador precisa ter
para ser bem-sucedido, precedendo suas a ações e comemorações.
Além destes existem elementos essenciais à caça, ao combate, à sobreviência e ao
sucesso que são imperceptíveis aos cinco sentidos. A disposição, a coragem, a
resistência, a inteligência, são todos recursos internos e são realmente indispensáveis a
um caçador-guerreiro.
A Medicina
Recurso sutil e misterioso, a medicina tradicional assim como as armas potencializa os
recursos internos do Homem.
Como um frequentador assíduo da natureza o caçador exemplar conhecer e aprender as
propriedades medicinais de tudo o que ele tem acesso na mesma.
Sabe o que é nutritivo e o que é venenoso, o que é excitante e o que é calmante, o que
cura e o que mata, bem como as combinações possíveis de ingredientes para aumentar a
eficácia dos resultados de sua utilização para diversas finalidades como proteger e
potencializar a si e ao seu povo, e para combater inimigos e as doenças, da floresta ele
não traz somente a caça mas também a medicina.
E assim o caçador-provedor naturalmente torna-se um guerreiro-herói e um médico-
sábio.
As Armadilhas
A armadilha pode ser um dispositivo que o caçador prepara e posiciona camuflado em
um lugar, às vezes com uma isca, para capturar animais de todos os tipos. E o próprio
caçador age como uma armadilha, silencioso e desapercebido em algum lugar pelo
momento certo de agir. Assim sua agência é efetiva em muitos lugares
simultaneamente, onde ele planta as armadilhas, e onde ele está em pessoa. Sendo
representativas da capacidade sobre-humana que o orixá tem de estar em muitos
lugares ao mesmo tempo e de sua astúcia.
O Flagelo
O arco e a espada não são as únicas armas do caçador e do guerreiro. Os caçadores
utilizam um tipo de chicote para espantar moscas e esse utensílio, diferente das armas
como a espada e o arco, não é utilizado contra inimigos muito evidentes e assustadores
como animais ferozes e inimigos humanos. Ele espanta insetos, seres diminutos mas
que são igualmente perigosos pois muitos são transmissores de doenças letais, e
sempre estão presentes em situações insalubres onde há falta de higiene, de
movimento/vitalidade, dejetos e decomposição. Por isso ele é símbolo da capacidade de
afastar os inimigos mais sutis.
O Leque
Embora mais conhecido na literatura e na diáspora como instrumentos de orixás
femininos, o leque é usado por orixás independente de seu sexo. Além de Logun
também o usam Erinle (Thompson. In Tradition and Creativity in Tribal Art. Página 130 ),
e alguns egungun. Ele representa o poder de propiciação, renovação, alívio, e frescor.
O Arco
Atrás do arco o orixá que tem o olhar muito sagaz (Verger, 1999:224) calcula e
direciona sua ação para que ela seja sempre certeira. O arco capacita aquele que o
utiliza com impulso superior ao natural. Isso mostra que o arco pode ser entendido
como emblemático da inteligência aguçada e da força descomunal de Logun.
As Flechas
Como projéteis, representam a potente penetratividade do orixá, a grande força de sua ação, a
amplitude de sua influência, e sua assertividade. Símbolo de rapidez, alcance e precisão.
O Cutelo
O cutelo representa a capacidade de criar e abrir/ampliar caminhos, Logunede como o
explorador que desbrava o desconhecido é similar a um a lâmina cortante capaz de subjugar
obstáculos. Simbolo de agressividade e intensidade.
2. Zoomorfismos
Ampliando um pouco mais a representatividade das características do orixá e
aprofundando a noção do ser humano sobre as mesmas estão os símbolos não -humanos,
de outras espécies animais e de vegetais que possuem e apresentam estas características
de forma bastante evidente e potente.
As assunções animais, ao menos as que são notáveis o bastante para constar em seus
oriki, apesar de variadas limitam-se à exímios predadores. Juntos, esses animais
abrangem os abientes terrestre, aéreo e aquático e proclamam a extensão de seu poder.
São elas:
Caprinae.
"Altivo como um carneiro", representa sua altivez, típica de um exímio lutador que
bate de frente com vigor como um carneiro, destemido e potente.
Felídeos.
"Leopardo de pelo muito belo", "Desapercebido como um leopardo", "Aquele que caça
como um gato": representam sucesso em terra firme, sua beleza lustrosa e sua
discrição.
Rapinantes.
"O gavião pega o frango com suas penas", "Veloz como um falcão", " Ele encontra uma
pena de coruja e a prende em sua roupa ": representam suas rapidez, agilidade,
assertividade, infalibilidade e precisão de sua agência, bem como sua visão
encompassante e sua proeminência pois os rapinantes pousam no topo das árvores, sem
medo de serem expostos pois são os únicos predadores do ar. A coruja, por ser
predominantemente noturna, simboliza sua sabedoria e seus mistérios pois são capazes
de enxergar e agir até mesmo na escuridão, onde a maioria não é capaz de ver e onde
não são vistos pela maioria. Sua sabedoria e seus mistérios são típicos do caçador e do
guerreiro, pois as frequentes incursões e longas estadias de ambos tanto no er mo
quanto no território inimigo ou estrangeiro, respectivamente, fazem-nos profundos
conhecedores tanto do oikoumene quanto da terra ignota.
A coruja também alude ao seu favorecimento entre as Iyami (o coletivo de
possibilidades de desenvolvimento das mulheres como mães, provedoras, educadoras,
etc), pois as corujas simbolizam-nas enquanto mães exemplares que defendem
ferozmente seus ninhos quando identificam a presença de predadores, enquanto
misteriosos seres capazes de gerar outros seres, para as quais tanto o caçador quanto o
guerreiro são queridos pois o comércio é dominado por elas e o caçador fornece a car ne
de caça, rara, valiosa e lucrativa, e o guerreiro defende a vida, gerada e estimada pelas
mães.
Ofídeos.
"Meu pai se transformou em víbora (oka), se transformou também em jibóia (ere) para
caçar nos lugares pantanosos". A víbora, por ser peçonhenta representa sua capacidade
de empregar fármacos para matar e punir os maus. A píton, constritora que é
praticamente puro músculo, é sinônimo de sua força, e por ser capaz de caçar mesmo
embaixo dágua alude à capacidade de Logun ser bem sucedido até mesmo em situações
"escorregadias" onde há pouca firmeza, demonstrando sua adaptabilidade.
3. Fitomorfismos
Um dos símbolos da integração entre caçador e natureza é sua especialidade acerca das
propriedades das plantas. Ele é apto a apresentar novas espécies por ele descobertas em
suas expedições, algumas delas sendo cultiváveis pelos agricultores, enriquecendo a
dieta de seu povo.
Apesar disso não entraremos no mérito das propriedades das plantas associadas a
Logun, e nos ateremos às espécies vegetais que constam na literatura sacra dedicada à
ele como hieróglifos, símbolos sagrados emblemáticos de aspectos de sua
personalidade. São elas:
4. Naturomorfismos
Após as representações animais e vegetais, seguindo a ordem de complexidade
crescente, estão os símbolos que consistem fenômenos naturais e aspectos poderosos
da natureza. Estes, devido à amplitude de sua força, influência, impacto e importância
para todos os seres expandem ainda mais a compreensão humana para ser capaz de
vislumbrar um pouco mais da magnificência do orixá.
A água
Apesar de guerreiro Logun é essencialmente harmonizador, agradável, atraente,
propício, um "bom caráter" (Iwa pele, Iwa rere). Como sua mãe Oxum Logun também
a afinidade com a água.
Embora os orixás fluviais mais conhecidos sejam mulheres isso não quer dizer que os
rios sejam apoteose exclusiva das mesmas. Logunédé, Erinle, Ope (Barber. 1991:60),
são exemplos de homens associados a corpos d'água.
Substância fascinante, recurso natural indispensável. Quer seja doce e fresca como a
dos rios e das chuvas, ou salgada como no mar, ou mesmo morna como no âmnio, a
água é central para a vida e a vida é gerada em seu meio. Ela lubrifica a vinda e a
estadia da vida na terra, mata a sede, irriga a terra seca tornando-a fértil. É gentil, e
maleável na maioria de seus estados, mas poderosa. Arrefece os metais na forja dos
ferreiros, pacientemente sofistica as rochas sob as quais se forjam as lâminas e com as
quais elas são afiadas. Purifica e corrói, sempre renova a si e a tudo o que encontra.
Segundo um ditado Yoruba a água é descrita como: " Usamos água para banhar-mo-
nos, também a usamos para beber, ninguém faz inimizade com a água " (Taiwo
Makinde, Motherhood as a Source of Empowerment of Women in Yoruba Culture, Nordic
Journal of African Studies 13(2): 164-174, 2004 ), particulamente a água doce em estado
líquido, que é a manifestação física mais expressiva desse princípio metafísico de caráter
análogo ao das águas fluviais, estimado e elogiado por todos. Em Ile-Ife, John Wyndam
registrou o seguinte: " Estaria tudo bem se Oshun estivesse conosco," disse
Oduwa, ao que Obatala concordou (Wyndham, 1921:60 ), indicando que a
benevolência de Oxum é universal, sendo algo em que concordam até mesmo a dupla
Oduwa e Obatala que lideraram os partidos que protagonizaram a primeira guerra do
mundo segundo as tradições publicadas por Wyndham no mesmo livro, eles que foram
grandes oponentes e combatentes, em Oxum ficam em paz.
Não só Logun, mas todas as divindades afins à rios de modo geral (como Oxum, Otin,
Yewa, Erinle, Yemoja) não são diferentes das outras associadas ao fogo, ao vento, e etc,
no que diz respeito ao temperamento. Logunedé é um deus fluvial e é tanto um
provedor generoso quanto um guerreiro temível (como seu nome diz). Como seres
completos, todos os orixás são ambivalentes. Os deuses fluviais podem ser calmos,
benéficos ou turbulentos e letais, como a água em variadas circunstâncias.
De modo geral, a relação dos deuses com algum recurso, seja natural ou cultural, de
extrema importância ou indispensável, exemplifica e celebra uma relação de sucesso
entre o homem e o meio ambiente, essencial para uma boa vida. A associação de Oxum
com a água se dá por muitos fatores, o frescor da água dos rios é como seu
temperamento pacífico e frio que guia seu comportamento, a fluidez é emblemática do
progresso que ela promove e apoia, o rio em si é sinônimo da fertilidade que ela possui
e pode conferir a quem precise pois na gravidez a criança é gerada dentro do útero
cheio do líquido amniótico de modo análogo ao que vivem as criaturas aquáticas dentro
do mesmo, o diferente comportamento da água em diferentes partes do rio, sendo mais
estática em alguns locais e mais agitada em outros alude à sua dinamicidade e
capacidade de agir de diferentes maneiras de acordo com a necessidade.
A indispensabilidade deste recurso à existência da própria vida evidencia o
envolvimento dos deuses associados ao mesmo nos processos de criação e veiculação da
vida.
Na concepção Yoruba, a água pode ser “ako omi”, ou “obo omi”, /masculina/bravia ou
feminina/gentil. Logunede é “ako omi”, como os Antigos Egípcios que concebiam
diversos deuses da natureza como tendo manifestações masculinas e femininas (no caso
da Água, Nun e Nunet, por exemplo, ou Rapi e Mehet-Weret, etc). Logunede é uma
divindade da água cujo temperamento é composto de características consideradas
tipicamente masculinas em maior proporção, sua esfera de ação principal, a defesa,
como seu nome indica (Ologun, Guerreiro), é também uma atividade exercida na
maioria das vezes por homens, mas ele é uma hipóstase da Divindade da Água, mais
comumente associada ao feminino/agradável devido ao caráter benéfico da água na
vida humana (relacionada à saciedade, produtividade agrícola, renovação dos recursos
naturais, higiene, etc).
A Floresta
Assim como para o enérgico Logun as melhores atividades são aquelas nas quais ele
pode e deve usar força e intensidade sem ser desrutivo, cuja superação fortalecem-no e
capacitam-no a realizar-se de forma plena, como a caça, a guerra, e a resolução de
problemas, na natureza o que melhor o representa são justamente os terrenos onde os
caçadores e os guerreiros exercem suas atividades, onde imperam as leis naturais que
favorecem o mais adaptativo.
Se nós tendemos a compreender a caça como uma atividade depreciativa ao meio
ambiente e aos seres vivos, no nosso contexto em que ela é feita por esporte e sem a
conotação de utilidade, para o Yoruba tradicional é o oposto, um profundo amor pela
floresta é típico de um caçador, como atesta a seguinte expressão proveniente de um
Iremoje:"Ìgbé nì gboro ode/Para os caçadores, a floresta é como o centro da
̩ ̩ ̩
O Bronze
Mesmo sendo atraído pelo desconhecido e pouco familiar, é na cidade que o caçador
complementa sua vida ao fornecer ao mercado um item valorizado e de difícil obtenção
como a carne dos animais selvagens, e é também para a cidade que o guerreiro vai
quando retorna vitorioso de uma batalha para ser devidamente reconhecido, honrado e
recompensado por seu feito. Seu sucesso tanto na caça quanto na guerra torna-o
querido pelas Awon Iyami, as poderosas mulheres Yoruba, tanto social, quanto
financeira e esotericamente. Tradicionalmente são elas que dominam o comércio
Yoruba, onde lucram com a venda da valiosa mercadoria fornecida pelos caçadores, a
carne sendo um artigo de luxo em sociedades pré-industriais. Elas são também as mães
(biológicas e simbólicas) dos membros da sociedade, cujo território que o guerreiro
protege e defende. E Oxum, a mãe de Logun, além de ser antropomorficamente
representada como mãe, é também como uma Rainha, Aladekoju, e líder-representante
das mulheres, Iyalode. Assim ele é agraciado com o bronze, um material precioso na
Antiguidade Yoruba, insígnia de status, material sagrado para sua mãe Oxum, e para
Ogboni/Osugbo, a sociedade dos anciãos, importantíssima numa sociedade
gerontocrática como a Yoruba.
Idé é o nome Yoruba para o material de que são feitas as armas e munições de Logun.
Wenger (1983:232) traduz ide, o metal preferido por Oxum e Logun, como bronze. E
Bascom como latão (brass, em Inglês (Bascom, 1993:235).
Descrito num verso divinatório como o primogênito de Oxum (Bascom, idem), Logun
o é como seu caçula (Barber, 1993:71). No verso divinatório o bronze conota a força e a
durabilidade/longevidade típica dos filhos de uma precavida e laboriosa mãe que, como
Oxum na história, não exita em fazer sacrifício para que seus filhos gozem de
resistência.
Embora em contextos distintos e não constituindo uma narrativa onde Oxum é mãe
dos dois, eles são filhos de Oxum em seus respectivos contextos. E é curioso pois
Logun, caçador e guerreiro possui força, resistência e brilho (no sentido de
notoriedade). Filhos de uma mesma mãe, tanto Logun quanto o bronze de certa forma
representam uma só virtude, como herdeiros das mesmas qualidades a eles conferidas
pelo DNA mitocondrial de Oxum.
A própria Oxum é forte, resistente e notável, nem só de leques e braceletes de bronze
são compostos os altares de Oxum, espadas feita do mesmo material também são
presentes.
Além de espadas e arco e flecha, leques também estão presentes no templo de Logun
em Ibadan, podemos dizer que, por serem confeccionadas em bronze, um material
lustroso e chamativo ao olhar, suas armas possuem efeito ornamental. E isso nos
possibilita a contemplação da completude tanto de Oxum quanto de Logunedé, deuses
que sintetizam em si dualidades.
Seu uso também é uma insígnia de sucesso e riqueza pois era tradicionalmente
considerado precioso e muito caro, tendo entre os Yoruba o mesmo valor que o ouro
em outras culturas.
Logunédé, o Iluminador, o Iluminado
Aquele que desempenha atividades em prol da sociedade com excelência torna-se um
herói, aclamado pelos seus e temido pelo inimigo, e de seu sucesso surge o orgulho
genuíno que lustra a identidade de seu detentor como um bálsamo, declarando-a
refletora e promotora de valores universalmente reconhecidos, como as superfícies dos
corpos d’água, do bronze polido e da lua que refletem a luz, propagando -a. Embora fuja
do conhecimento etnoastronômico de qualquer povo o fato de que a lua na verdade não
possui luz própria e apenas reflete a luz do sol, incluí aqui o exemplo com licença
poética pois em seus oriki Logunédé é comparado com a lua cheia: " Ologun di osupa /
Ologun transformou-se em lua". A frase "transformou-se em lua", "di oshupa", é
metafóricamente utilizada pelos Yoruba para para dizer que uma pessoa é agradável e
amável (A. A. Joseph, A Feminist Analysis Of Song Texts In Okun Yoruba Marriage
Ceremony, International Journal of African & African American Studies Vol. IV, No. 1, Jan
2005, acessado em 30/07/2016,
http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.487.2124&rep=rep1&type=pdf .
A luminosidade lunar é "fria", a luz da Lua nunca é excessiva nem destrutiva, diferente
da luz proveniente do Sol e do fogo e para os Yoruba o frescor é sinônimo de
tranquilidade e paz, assim como a água doce fresca com a qual Logun também tem
afinidade. O fato da luminosidade lunar ser convidativa e aprazível ao olhar alude à
notabilidade de Logun que é agradável e não temível, apesar dele ser um guerreiro.
Sem relação tradicional, mas também curioso, é o fato da lua ser o satélite natural da
Terra, funcionando como um escudo, assim como o guerreiro protege e defende os
seus, e assim como a lua possui suas muitas fases Logun-ede possui suas muitas
representações, algumas das quais foram aqui apresentadas, mas assim como a Lua tem
sempre uma parte oculta, assim Ele possui algo que foge à luz, que é sempre misterioso
e inefável.
Além de todos os símbolos palpáveis e descritíveis que nos comunicam muito do orixá
Logunedé, de suas formas imagináveis, das cores, dos sabores e dos aromas de suas
oferendas favoritas, o orixá é um ser espiritual e manifesta-se também no qu e é sutil,
silêncioso, e desafiador à razão humana.
O Sombrio, o Misterioso
Para os Yoruba, o fato dos orixás terem um dia caminharado sobre a terra como seres
humanos não diminui sua divindade e não os reduz seres que não eram originalmente
divinos, assim como para os Cristãos a divindade de Jesus não é eliminada por ele ter
encarnado, ao contrário, em ambos os casos a experiência humana do deus só evidencia
ainda mais sua natureza transcendente.
Disse Paulo na Epístola aos Colossenses (1:15) do Evangelho Cristão, que Jesus é "a
imagem do Deus invisível", o mesmo pode ser dito sobre os orixás. Do ponto de vista
teológico os Yoruba admitem a possibilidade de que não só seus deuses, mas que até
mesmo os seres humanos possuem uma existência metafísica antes de encarnarem.
Assim sendo, em ultima instância, a vida de uma pessoa no aye é apenas uma parte da
existência dela, e os orixás também são pré-existentes a todas as suas manifestações no
mesmo. Os orixás são encarnações, ou manifestações mundanas de seres espirituais
poderosos.
Durante a possessão o deus vem interagir com o mundo dos encarnados e o processo
causa a expansão da capacidade sensorial do possuído para possibilitar a interação com
o orixá, e isso é expresso quando na maneira que os Yoruba descrevem tais
acontecimentos, como na frase "oríì mí wú/minha cabeça inchou" ( Barber. 1990 ), ou
seja "minha consciência se expandiu" (Robert farris Thompson. Flash of the Spirit:
African & Afro-American Art & Philosophy. 2010, página 9 ).
Essa realidade da religiosidade Yoruba possibilita que virtualmente qualquer pessoa
pode ter um contato muito vívido e transformador com o espiritual/divino, e não
somente o número de indivíduos como também a frequência com que esses eventos
acontecem são muito maiores do que nas religiosidades abraâmicas em que isso é
privilégio de uns poucos indivíduos (os profetas).
Para os Yoruba os seres espirituais revelam-se aos humanos constantemente. Em
sonhos, em transes, possessões, e na própria natureza através da inspiração oriunda da
interação e da contemplação dos fenômenos naturais com os quais os deuses são
relacionados.
A afirmação secular de que os seres espirituais são apenas a memória preservada de um
ancestral venerável não condiz com a forma com que os Yoruba interagem com os
mesmos. Não são apenas memórias, mas seres vivos, dotados de agência própria, que
podem inclusive subjugar a agência dos seres humanos, quando tomam posse dos
corpos dos mesmos. Os deuses são mais vivos que os seres encarnados.
Os Yoruba conhecem os deuses não só como personagens de relatos tradicionais, eles
os conhecem através do que é veículado pela tradição, mas também pela revelação
pessoal que os mesmos concedem à cada pessoa com a qual desejem relacionar-se.
No oriki de Logun publicado por Verger em "Notas..." constam as seguintes linhas:
"Nós o vemos e o apertamos em nossos braços apenas como uma sombra.",
"Sozinho Orunmila, nós o tocamos, mas ele não responde". ´um apelo para chamar
a atenção do deus para que ele responda, porque não é bom para a reputação de alguém
não responder ao que lhe diz respeito, como os feitos e reputações referidos no oriki.
Essa mesma apelação consta no Xango pipe (John Pemberton III. In Yoruba: Nine
Centuries of African Arte and Thought . 1989:159), pipe designa chamado e é o termo
usado para alguns orixás, corresponde ao oriki em função e forma.
Estas duas linhas são muito semelhantes à uma estrofe presente num Iremoje, um
lamento fúnebre proferido durante os funerais para caçadores profissionais Yoruba:
Nós não podemos mais ver sua face novamente; que pena!
Itan Lógunedè
“Oxum era esposa de Ifá. E Oxum gerara Logunede.
Um dia Ifá estava indo para uma floresta e ele chamara Oxum para acompanhá-lo, pelo
caminho Ifá disse a Oxum para esperar por ele em determinado lugar porque ele não queria que
Oxum adentrasse a floresta com ele.
Quando Ifá entrou na floresta (Igbo Awo, Floresta Sagrada/de Mistérios/atividades secretas
de participação exclusiva de membros de alguma sociedade), após muitas tentativas de encontrar
água tendo cavado o solo em diversos locais ele não pode encontrar uma fonte de água até que
alguém misterioso lhe sussurrou, “Onde está sua esposa?”
~*~
As seguintes frases são de outras partes da entrevista, mas consistem em mais
elementos da história de Logun, complementando a narrativa da Itan.
“Do mundo espiritual, Logunede fora enviado a este mundo como um forte guerreiro, e entre os
Orixás Logunedé foi aquele que lutou mais batalhas.”
“Logunede, seu nome significa: Ologun, o g uerreiro (chefe de guerra, general) ... Edè, que as
pessoas não levavam a sério, não consideravam seu potencial e que se ferozmente se revoltara
contra aqueles que o desacreditavam. Edè é como uma armadilha, em uma tradução literal. Ou
Edè pode se referir a algo dado, ou um favor feito, para armar uma situação surpresa, para o
bem ou para o mal.”
~*~
Fontes: Iyalode Omoriyeba Silifatu Lasisi e Iyalode Mopelola Osunfunmike Oladejo
(Iyalode é mais alto título, oye, feminino num dado contexto, no caso o culto à Oxum)
Data: 24/07/2016
Local: Ibadan
Tradução Yorubá-Inglês: Lukman Alade Fakeye
Tradução Inglês-Português: Laura Caelestis