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Sumário
1.0 DEPENDÊNCIA QUÍMICA ...........................................................................................5
1.1 O dependente químico ..............................................................................................9
2.0 HISTÓRIA DAS DROGAS..........................................................................................12
2.1 Ayahuasca ................................................................................................................13
2.2 Cacto peiote .............................................................................................................15
2.3 Cocaína .....................................................................................................................16
2.4 Crack .........................................................................................................................17
2.5 Cogumelos................................................................................................................19
2.6 Maconha ...................................................................................................................19
2.7 Haxixe .......................................................................................................................21
2.8 Ecstasy ......................................................................................................................22
2.9 Heroína .....................................................................................................................23
2.10 LSD ...............................................................................................................................24
2.11 Ópio ...........................................................................................................................25
2.12 Cigarro.......................................................................................................................29
3.0 DROGAS LÍCITAS E COMO AGEM NO ORGANISMO .............................................31
3.1 Álcool ..............................................................................................................................32
3.1.1 O caminho da bebida no corpo ............................................................................35
3.1.2 Álcool e Sistema Nervoso Central .......................................................................37
3.2 Álcool e transtornos ..........................................................................................................43
3.2.1 Transtorno Amnésico Alcoólico ...........................................................................43
3.2.2 Síndrome de Wernicke-Korsakoff........................................................................43
3.2.3 Como o transtorno causado pelo consumo de álcool é diagnosticado? ........44
3.3 Cigarro ............................................................................................................................46
3.3.1 Como o cigarro age quimicamente no organismo? ..........................................47
3.3.2 O que causa dependência no cigarro? ...............................................................48
3.3.3 Quais são as doenças causadas pelo uso do cigarro e outros produtos
derivados de tabaco? ......................................................................................................49
3.3.4 Cigarro e saúde mental.........................................................................................50
3.4 Psicofármacos ...............................................................................................................52
3.4.1 Antidepressivos ......................................................................................................53
3.4.2 Ansiolíticos..............................................................................................................53
3.4.3 Efeitos colaterais a médio e longo prazo................................................................53
Antidepressivos................................................................................................................54
Ansiolíticos .......................................................................................................................55
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4.0 DEPENDÊNCIA QUÍMICA, AMIZADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO ........56
5.0 CONSEQUÊNCIAS E DIFICULDADES DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO ÂMBITO
FAMILIAR .................................................................................................................................63
5.1 Consequências da dependência de substâncias psicoativas na família ...............67
5.2 Emersão de sentimentos paradoxais nos familiares ................................................68
5.3 Adoecimento psíquico e físico.....................................................................................70
5.4 Interação social comprometida ...................................................................................71
5.5 Violência doméstica, física e psicológica ...................................................................72
5.6 Sintomas de codependência .......................................................................................73
5.7 As dificuldades enfrentadas pela família, durante o tratamento do dependente
químico .................................................................................................................................75
5.7.1 Falta de engajamento da família .........................................................................75
5.7.2 Necessidade de lidar com sentimentos emergentes durante a terapêutica ..77
5.7.3 Predomínio da visão do modelo moral ...............................................................78
5.7.4 Acesso à rede de atendimento à saúde .............................................................79
6.0 DEPENDÊNCIA QUÍMICA E TRATAMENTO ..............................................................82
6.1 O enquadre terapêutico ...............................................................................................83
6.1.1 Ambientes de tratamento......................................................................................83
6.1.2 Composição da equipe profissional ....................................................................86
6.2 Tipo de tratamento ........................................................................................................86
6.2.1 Componentes de um serviço de atendimento ...................................................88
6.3 Planejamento das ações ..............................................................................................88
6.3.1. Diagnóstico ............................................................................................................88
6.3.2 Implementação.......................................................................................................89
6.3.3 Monitoramento e avaliação ..................................................................................90
6.4 CAPS AD– Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas ................................93
6.5 Clínicas de reabilitação – internação .........................................................................94
7.0 PSICOLOGIA E TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS ..........................96
7.1 Teorias e técnicas comportamentais aplicadas à dependência química ..............98
7.2 Teoria do Aprendizado Social .....................................................................................98
7.2.1 Condicionamento clássico ....................................................................................99
7.2.2 Aprendizagem instrumental ................................................................................100
7.3 Teoria e técnica cognitiva aplicada à dependência química .................................102
7.4 Formulação da hipótese de Conceituação Cognitiva.............................................106
7.5 Estrutura das sessões de TC ....................................................................................109
7.6 Técnicas utilizadas pela Terapia Cognitiva .............................................................111
7.7 Prevenção da Recaída (PR)......................................................................................111
7.7.1 Expectativa positiva de resultado ......................................................................113
3
7.7.2 Efeito de violação da abstinência ......................................................................113
7.8 Técnicas da PR ...........................................................................................................114
7.9 Treinamento de Habilidades......................................................................................117
8.0 PROMOÇÃO E PREVENÇÃO NA DEPENDÊNCIA QUÍIMICA: UMA REALIDADE
DE ACORDO COM O NOVO PARADIGMA DA SAÚDE ................................................120
8.1 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas .126
8.2 Exercícios aeróbios para dependentes químicos em recuperação .....................130
REFERÊNCIA ........................................................................................................................134

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1.0 DEPENDÊNCIA QUÍMICA

A dependência química está classificada entre os transtornos psiquiátricos,


sendo considerada uma doença crônica que pode ser tratada e controlada
simultaneamente como doença e como problema social, (OMS, 2001). Por se
tratar de uma doença crônica leva a pessoa a uma progressiva mudança de
comportamento, gerando uma adaptação a doença, a fim de proteger o uso da
droga. Ainda na concepção da dependência química como doença, ela é
caracterizada como progressiva, incurável, mas tratável, apesar de problemas
significativos para o dependente. É uma doença de evolução própria, que pode
levar à insanidade, prisão, morte ou ao tratamento. O portador desse tipo de
distúrbio acaba por não conseguir conter o vício, afetando sua vida psíquica,
emocional, física e, consequentemente, a vida social.

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), as


substâncias causadoras de dependência são: álcool, tabaco, cocaína e
derivados como o crack e a pasta-base, maconha, alucinógenos, solventes e
inalantes, a exemplo da cola de sapateiro e acetona, estimulantes como
anfetaminas e cafeína, opioides, sedativos e hipnóticos (medicações como o
Diazepam). “As drogas que mais comumente causam dependência em nossa
sociedade são o álcool, tabaco, cocaína e seus derivados, que vem aumentando
de forma alarmante sua incidência nos últimos anos. Outra grande preocupação
é com o abuso de medicações sedativas, os famosos “tarjas preta", cujo uso
indiscriminado tem tornado muita gente dependente”, explica Mario.

A motivação pelo uso engloba diversos fatores – de simples curiosidade a


uma busca imediata de prazer ou alívio de sintomas, contudo, a maioria
desconhece ou desacredita no potencial dessas drogas em causar a
dependência.

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A dependência a uma droga é caracterizada pelo descontrole do indivíduo
no uso da substância, que aos poucos o desintegra da sociedade. Fatores
relacionados à própria droga, até uma predisposição genética e doenças
psiquiátricas pré-existentes, podem levar algumas pessoas a um quadro de
dependência. Com o objetivo de sentir novamente os sintomas de prazer, ou
ainda, para eliminar o mal-estar que se sente quando há a interrupção da droga,
o indivíduo tende a repetir o uso daquela substância. Os sintomas de desconforto
são designados “Síndrome da Abstinência”, que tendem a surgir a cada vez que
o indivíduo cessar o uso da droga. A “tolerância à droga” leva ao consumo de
doses cada vez maiores, no intuito de obter os mesmos sintomas promovidos
em doses que antes eram menores. Outro fator associado à dependência
química é a fissura, caracterizada pela vontade incontrolável de fazer o uso da
droga, a qualquer hora do dia ou noite.

Uma vez que se torna um dependente químico, será permanentemente um


dependente. Acontece que a doença apresenta caráter crônico, incurável e
progressivo. Assim, como não há cura para a dependência química, o indivíduo
irá necessitar de tratamento constante, independentemente de estar fazendo o
uso ou não da droga.

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O CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) é
um órgão que funciona no Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP
(Universidade Federal de São Paulo), como uma entidade sem fins lucrativos
objetivando ser útil à população quanto ao cuidado e pesquisas na questão das
drogas. Para cumprir sua função, organiza pesquisas e reuniões científicas
sobre o assunto, publica livros e levantamentos sobre o consumo de drogas
entre estudantes, meninos de rua, e outros. Mantém um banco de trabalhos
científicos brasileiros sobre a questão do abuso de drogas, publicando boletins
trimestralmente sobre o assunto. Alguns livros ou trabalhos publicados pelo
centro são: VI levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas
entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das redes pública privada de
Ensino nas 27 Capitais Brasileiras e Catálogo de Instituições que assistem
Crianças e Adolescentes em Situação de Rua nas 27 Capitais (GALDURÓZ et
al., 2004).

7
As drogas psicotrópicas (ansiolíticos e hipnóticos) também representam uma
categoria de compostos relevantes para a dependência, cujo abuso implica
muitos usuários. Os psicotrópicos são drogas que causam dependência
psicológica e ou física encontrados facilmente nas farmácias. Devido à
competição no mercado de trabalho e a correria do dia a dia, cada vez mais as
pessoas se encontram ansiosas, estressadas, deprimidas e buscando soluções
práticas nos consultórios médicos, por vezes recebendo receitas de
antidepressivos e calmantes para aliviar as tensões do mundo moderno e se
envolvendo em um ciclo de dependência. Ainda que a retirada desses tipos de
medicamentos seja mais fácil, estas pessoas correm o risco de se tornarem
dependentes. Entretanto, a procura por tratamento para esta questão não
corresponde à prevalência do problema na comunidade. Esta desproporção se
explica porque o estado de dependência causado pelas drogas psicotrópicas é
comparativamente menos dramático do que outras drogas e porque os sujeitos
afetados não se reconhecem como adictos, nem são facilmente reconhecidos
por seus familiares. Devemos acrescentar ainda a facilidade com que se obtêm
tais medicamentos e a possibilidade de manter a dependência sem interrupção
por muitos anos.

De acordo com o CEBRID, as drogas psicotrópicas, tanto as lícitas quanto


as ilícitas são aquelas que atuam sobre o nosso cérebro, alterando de alguma

8
maneira o nosso psiquismo (2005). As lícitas abrem portas para as ilícitas
porque, segundos levantamentos deste centro, estas são as mais consumidas e
têm o maior número de dependentes; se apenas 0,1% da população havia usado
crack nos 12 meses anteriores à pesquisa, 2,6% usaram maconha, 0,7%,
cocaína, e 49,8%, álcool. O álcool, portanto, tem um impacto muito maior sobre
a força de trabalho, a previdência social e a saúde pública pelos danos físicos e
psicossociais que causa.

Quanto à dependência química, esta não tem causa única, mas é produto
de uma série de fatores (físicos, emocionais, psíquicos e sociais) que atuam ao
mesmo tempo, sendo que às vezes, uns são mais predominantes em uma
pessoa específica do que em outras. A dependência química atinge o ser
humano nas suas três dimensões básicas (biológica, psíquica e social) e
atualmente é reconhecida como uma séria questão social, à medida que atinge
o mundo inteiro e todas as classes sociais.

1.1 O dependente químico

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“Antes de descobrir nas drogas a fonte ideal de alívio necessário à
sensação de desconforto que o persegue, o dependente químico pode ter
experimentado e frequentemente abusado de comida, televisão, sexo, trabalho,
perigo, jogo, esportes, religião, meditação etc. No caso dos dependentes
químicos, essas dependências foram insuficientes para manter sua necessidade
de alívio".
Os prejuízos neurológicos, cognitivos e relacionais causados pelas
substâncias são em sua maioria irreversíveis, progressivos e passam
despercebidos pelo indivíduo. Os danos físicos e sociais quando percebidos
impulsionam, ainda mais, o dependente químico a uma insaciável busca pelos
efeitos da droga (SILVA, 2000, p.14).
A necessidade de buscar constantemente a droga altera a vida do
dependente afetando as relações familiar, social e profissional, trazendo para o
indivíduo um intenso sofrimento físico e emocional. Assim, o tratamento da
dependência química envolve o indivíduo e toda sua rede social afetada (LEITE,
2000).

10
De acordo com Cunha (2006, p.35) os dependentes químicos apresentam
comportamentos com características próprias entre estas, se destacam:

• Onipotência: o indivíduo acredita estar sempre no controle;


• Megalomania: tendência exagerada a crer na possibilidade de realizar um intento
visualizando sempre o resultado;
• Manipulação: mentalidade de que tudo se faz pela realização de seus desejos,
principalmente pela obtenção e uso de substâncias psicoativas;
• Obsessão: atitudes insanas pelo desejo de consumir drogas;
• Compulsão: atitudes desconexas, incoerentes com a realidade provocadas pelo
desejo intenso e necessidade de continuar a consumir a substância;
• Ansiedade: necessidade constante da realização dos desejos;
• Apatia: Falta de empenho para a realização de objetivos e metas;
• Autossuficiência: mecanismo de defesa usado para afastar da consciência os
sentimentos de inadequação social gerando uma falsa sensação de domínio;
• Autopiedade: um tipo específico de manipulação que o dependente usa para
conseguir realizar algum propósito;
• Comportamentos antissociais: repertório comportamental gerado pela
instabilidade emocional que o indivíduo desenvolve sem estabelecer vínculos
tendo sua imagem marginalizada pelo meio social;

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• Paranoia: desconfiança e suspeita exagerada de pessoas ou objetos, de
maneira que qualquer manifestação comportamental de outras pessoas é tida
como intencional ou malévola.
É comum que aconteçam nas famílias com dependentes químicos brigas,
separações, uma vez que o usuário sob o efeito da droga, tem o pensamento
somente voltado ao uso e obtenção da droga, o que traz perdas significativas na
vida deste, como: perda do emprego, bens, prejuízos para a saúde e quebra de
relacionamento com a família. Por este motivo o apoio da família é fundamental
para a adesão do tratamento da dependência química por parte do usuário.

2.0 HISTÓRIA DAS DROGAS

A humanidade tem uma longa convivência com psicotrópicos - que há milênios


são empregados em diversas situações, de ritos indígenas a festas romanas.
Conheça a história das substâncias mais usadas no mundo.

Há cerca de 5 mil anos, uma tribo de pigmeus do centro da África saiu


para caçar. Alguns deles notaram o estranho comportamento de javalis que
comiam uma certa planta. Os animais ficavam mansos ou andavam
desorientados. Um pigmeu, então, resolveu provar aquele arbusto. Comeu e
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gostou. Recomendou para outros na tribo, que também adoraram a sensação de
entorpecimento. Logo, um curandeiro avisou: havia uma divindade dentro da
planta. E os nativos passaram a venerar o arbusto. Começaram a fazer rituais
que se espalharam por outras tribos. E são feitos até hoje. A árvore Tabernanthe
iboga, conhecida por iboga, é usada para fins lisérgicos em cerimônias com
adeptos no Gabão, Angola, Guiné e Camarões.

Há milênios o homem conhece plantas como a iboga, uma droga vegetal.


O historiador grego Heródoto anotou, em 450 a.C., que a Cannabis sativa, planta
da maconha, era queimada em saunas para dar barato em frequentadores. “O
banho de vapor dava um gozo tão intenso que arrancava gritos de alegria.” No
fim do século 19, muitos desses produtos viraram, em laboratórios, drogas
sintetizadas. Foram estudadas por cientistas e médicos, como Sigmund Freud.

Somente no século 20 é que começaram a surgir proibições globais ao


uso de entorpecentes. Primeiro, nos EUA, em 1948. Depois, em 1961, em mais
de 100 países (Brasil entre eles), após uma convenção da ONU. Segundo um
relatório publicado pela entidade em 2005, há cerca de 340 milhões de usuários
de drogas no planeta. Movimentam um mercado de 1,5 trilhão de dólares. “Ao
longo da história, as drogas tiveram usos múltiplos que alimentaram e
espelharam a alma humana”, diz o professor da USP Henrique Carneiro, autor
de Pequena Enciclopédia da História das Drogas e Bebidas. Elas deram origem
a religiões, percorreram o planeta com o comércio, provocaram guerras,
mudaram a cultura, música e moda. Acompanhe agora uma viagem pela história
das substâncias mais famosas.

2.1 Ayahuasca

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Índios da bacia Amazônica tomam esse chá alucinógeno há mais de 4 mil
anos – um hábito que chamou a atenção de portugueses e espanhóis assim que
eles desembarcaram por aqui, no século 16. Ao chegarem à Amazônia, padres
jesuítas escreveram sobre o chá da “poção diabólica” e as cerimônias que os
indígenas realizavam depois de consumir a ayahuasca. Durante todo esse
tempo, a bebida provavelmente teve a mesma receita: um cozido à base de
pedaços do cipó Banisteriopsis caapi.

O nome quem deu foram os índios quíchuas, do Peru. Ayahuasca quer


dizer “vinho dos espíritos” – segundo eles, o chá dá poderes telepáticos e
sobrenaturais. Mas os quíchuas são apenas um dos 70 povos na América Latina
que tomam o chá com frequência. Na maioria dos casos, o chá é visto como uma
divindade. Mas a ayahuasca também serve ao prazer: ao final dos rituais, muitos
índios transam com suas parceiras.

No século 20, a fama do chá correu o mundo. Escritores viajavam para a


América do Sul, enfrentavam o calor e a umidade e dormiam em aldeias para ter
experiências alucinógenas. Entre os pirados estavam o poeta beatnik William
Burroughs. Burroughs esteve no Brasil e na Colômbia, em 1953. Quando voltou
aos EUA escreveu o livro Cartas do Yagé (yagé é outro nome do chá, tomado
14
na periferia de Bogotá). “Uma onda de tontura me arrebatou. Brilhos azuis
passavam em frente de mim”, escreveu. Depois, recomendou a bebida ao amigo
Allen Ginsberg, que veio para a Amazônia em 1960. Hoje o chá é tão divulgado
na internet (mais de 400 mil sites) que existem até pacotes turísticos vendidos
por entidades clandestinas. A pessoa paga hotel, avião e visitas a tribos que
fazem o culto. O custo: entre 1 000 e 1 300 dólares.

2.2 Cacto peiote

Cerca de 10% das mais de 50 espécies de cacto têm propriedades


alucinógenas. A mais conhecida é a Lophophora williamsi, que brota em desertos
no sul dos EUA e norte do México. É usada em rituais há 3 mil anos e cerca de
50 comunidades indígenas a consideram sagrada. Os huichois, do norte do
México, chegam a fazer uma peregrinação anual de mais de 400 km para colhê-
la. Quando a encontram, fazem um ritual: em silêncio, agem como se estivessem
diante de um cervo, até lançarem uma flecha na planta. Quando voltam com o
peiote para a tribo, organizam rituais e celebrações sob efeito da droga.

Algumas tribos da região, no entanto, descobriram os poderes do peiote


somente no século 19. “Depois da Guerra Civil Americana, os índios comanches
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e os navajos viveram uma terrível crise com o extermínio dos seus búfalos e os
massacres que sofreram”, conta o pesquisador da USP Henrique Carneiro. Para
amenizar a fase difícil, “aderiram ao consumo religioso do peiote”. Numa das
cerimônias, chamada “dança fantasma”, os índios dançavam alucinados e
diziam se comunicar com os mortos.

O escritor inglês Aldous Huxley tomou a mescalina, substância do cacto.


Descreveu as viagens no livro As Portas da Percepção: “Foi como tirar férias
químicas do mundo real”. Mas nem só o underground era seduzido pela droga.
O físico inglês Francis Crick – que em 1953 descobriu a estrutura do DNA –
provou o peiote várias vezes e gostou. Em 1967, quando lançou o livro Of
Molecules and Men (“Sobre Moléculas e Homens”, sem tradução em português),
o cientista colocou na epígrafe a frase “Este é o poderoso conhecimento,
sorrimos com ele”, tirada do poema Peyote Poem, do escritor e doidão Michael
McClure.

2.3 Cocaína

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Quando chegaram à América, os espanhóis perceberam que os índios da
região tinham adoração pela folha da coca. Pragmáticos, passaram a distribuí-la
aos escravos para estimular o trabalho. Acontece que os brancos também
tomaram gosto pela coisa. E as folhas foram parar na Europa.

No Velho Continente, a planta era utilizada na fabricação de vinhos. Um


deles, o Mariani, criado em 1863, era o preferido do papa Leão 13, que deu até
medalha de honra ao produtor da bebida. Foi nessa mesma época que o químico
alemão Albert Niemann isolou o alcalóide cloridrato de cocaína. Como tantos
outros cientistas que você vai conhecer nesta reportagem, ele usou o corpo
como cobaia: aplicou a droga na veia e sentiu a força do efeito.

O psicanalista Sigmund Freud investigou o uso da droga. Achava que ela


serviria como remédio contra a depressão e embarcou na experiência: “O efeito
consiste em uma duradoura euforia. A pessoa adquire um grande vigor”. Até que
um dos pacientes, Ernst Fleischl, extrapolou e morreu de overdose. Freud, então,
abandonou a droga.

Era normal laboratórios fazerem propaganda sobre a cocaína. Dizia-se


que era “excelente contra o pessimismo e o cansaço” e, para mulheres, dava
“vitalidade e formosura”. Somente no começo do século 20 é que políticos
puritanos começaram a lutar pela proibição da droga, que praticamente sumiu
do país. Só voltaria no fim da década de 1970, quando a cocaína refinada na
Bolívia e Colômbia entrou nos EUA. E, mesmo proibida, não saiu mais.

2.4 Crack

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Feita pela mistura da pasta de cocaína com bicarbonato de sódio, leva em
segundos a um estado de euforia intenso que não dura mais do que 10 minutos.
Assim, quem usa quer sempre repetir a dose. O nome crack vem desse efeito
rápido, que surge como estalos para o usuário.

O consumo de crack explodiu no meio dos anos 80, como alternativa


barata à cocaína. Mas a droga aparecia também em festas de universitários e
até de políticos. Um desses casos ficou famoso. Em janeiro de 1990, o prefeito
de Washington, Marion Barry, foi preso numa operação do FBI quando estava
num quarto de hotel com uma antiga namorada, cooptada pelos policiais. Assim
que ele começou a usar crack, os agentes entraram no lugar e o prenderam.
Barry renunciou e ficou detido por 6 meses numa prisão federal.

Em São Paulo, o crack ainda hoje é a droga mais vendida em favelas e


entre os sem-teto. No Rio, demorou muito mais para circular. “A disseminação
do crack é fruto de ação do vendedor de cocaína no varejo, que produz as pedras
em casa. No Rio, a estrutura do tráfico não permitia essa esperteza”, afirma
Myltainho Severiano da Silva, autor de Se Liga! O Livro das Drogas. Quem
vendia crack era assassinado. Mas, em crise por causa de apreensões de drogas
pela polícia, os chefões do tráfico passaram a permitir a venda de crack no Rio
no fim da década de 1990.

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2.5 Cogumelos

Existem cerca de 30 mil tipos de cogumelos no mundo, mas só 70


provocam viagens. São os cogumelos alucinógenos, com alcalóides que,
quando ingeridos, dão barato. Um segredo, aliás, há tempos conhecido pelo
homem: 5 mil anos atrás o cogumelo Amanita muscaria já era colhido ao pé de
carvalhos no norte da Europa e na Sibéria. Quando não o encontravam, os
nativos da região bebiam até a urina de renas que comiam o cogumelo, para
assim conseguir o efeito entorpecente.

No Império Romano, o cogumelo utilizado era outro, o caesarea,


consumido com vinho em festas que terminavam em orgias. Outra espécie,
Claviceps pupurea, que nasce de parasitas do centeio, fez sucesso por acaso
em regiões da Itália durante a Idade Média. Em algumas aldeias, os pães eram
feitos com farinha do centeio onde o fungo crescera. Sob o efeito do cogumelo,
as pessoas dançavam sem parar em festas. Os sábios, que não sabiam que era
o pão que dava barato, diziam que a euforia era causada pela picada de uma
aranha. Deram a essa sensação o nome de “tarantismo” (de tarântula). Dessas
festas teria surgido uma dança famosa – a tarantela.

No hemisfério sul, a variedade mais comum é o psilocybe que nasce nas


fezes do gado. A mesma espécie aparece na América Central, onde arqueólogos
encontraram esculturas em forma de cogumelo misturadas com figuras
humanas. Datam de 500 a.C. e estão em El Salvador, Guatemala e México.

2.6 Maconha

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A Cannabis sativa, originária da Ásia Central, é consumida há mais de 10
mil anos. Os primeiros sinais de uso medicinal do cânhamo, outro nome da
planta, datam de 2300 a.C., na China, numa lista de fármacos chamada Pen
Ts’ao Ching – um estudo encomendado pelo imperador Chen Nong (a maconha
servia tanto para prisão de ventre como para problemas de menstruação). Na

Índia, por volta de 2000 a.C., a Cannabis era considerada sagrada.

A planta apareceu no Brasil com escravos africanos, que a usavam em


ritos religiosos. O sociólogo Gilberto Freyre anotou isso no clássico Casa Grande
& Senzala, de 1933: “Já fumei macumba, como é conhecida na Bahia. Produz a
impressão de quem volta cansado de um baile, mas com a música nos ouvidos”.
No Brasil, até 1905, podia-se comprar uma marca de cigarros chamada

Índios. Era maconha com tabaco. Na caixa, um aviso curioso: “Servem


para combater asma, insônia e catarros”.

No século 19, a erva foi receitada até para a rainha inglesa Vitória. Ela fez
um tratamento à base de maconha contra cólicas menstruais, indicado pelo
médico do palácio. Hoje, há uma cultura em torno da droga que se mantém com
20
revistas especializadas, sites e ongs defendendo seu uso. A maconha tem até
torneio anual, na Holanda: a Cannabis Cup, que avalia a qualidade da droga de
todos os continentes. O país, aliás, não permite o comércio livre da erva. A droga
pode ser vendida apenas nos coffee shops e o limite por pessoa é de 5 gramas
– suficiente para 5 cigarros.

2.7 Haxixe

A pasta formada pelas secreções de THC, princípio ativo da maconha, é


consumida há milênios na Ásia – na China, foram encontrados registros de seu
uso medicinal em 2500 a.C. Mas foi o comércio de especiarias que fez do haxixe
uma droga “global”. Acredita-se que por volta de 2 d.C. a substância seguiu para
o norte da África e Oriente Médio pelas mãos de comerciantes que iam ao

21
Oriente em busca de especiarias. Eles recebiam haxixe como cortesia nas
operações de compra e venda.

O nome, no entanto, vem do árabe – hashish significa “erva seca”. Ficou


conhecido assim quando Hassan bin Sabbab, líder de uma seita xiita da Pérsia
no século 11, reuniu seguidores numa fortaleza para matar soldados das
Cruzadas. Antes de entrar em ação, usavam a droga. Os homens de Hassan,
conhecido como Velho da Montanha, eram chamados de aschinchin – alguém
sob influência do haxixe. Daí derivou a palavra assassin, ou assassino.

A droga se espalhou pela Europa no século 18. O poeta francês Charles


Baudelaire e seus amigos escritores Alexandre Dumas e Victor Hugo se reuniam
para fumá-la. Baudelaire gostava tanto de haxixe que fazia parte de uma ordem,
a Club des Haschichiens. Nos encontros, além de usar haxixe, os participantes
tinham um estranho ritual: exaltar Hassan bin Sabbab. Todos vestiam roupas
árabes e um dos integrantes era eleito o Velho da Montanha.

2.8 Ecstasy

Em 1912, um químico que investigava moderadores de apetite para a


empresa alemã Merck desenvolveu uma droga de nome impronunciável:
metilenedioxianfentamenia, ou MMDA. Experimentou, sentiu uma leve euforia,
mas arquivou a descoberta. Na década de 1960, o cientista americano Alexander
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Shulguin procurava um remédio que estimulasse a libido. Encontrou os papéis
da pesquisa da Merk e incluiu o MMDA na lista de mais de 100 substâncias que
ele testou em tratamentos psiquiátricos. A que fez mais sucesso foi justamente
a MMDA, que ganhou a fama de “droga do amor”. Os pacientes diziam que ela
os ajudava a ser mais carinhosos – hoje, sabe-se que a droga estimula a
produção de serotonina no cérebro, responsável pela sensação de prazer.

Não surpreende, portanto, o nome que fez a substância famosa:


“ecstasy”, de êxtase mesmo. Em 20 anos, as pastilhas da droga estavam
circulando nas ruas. Eram combinadas com o som da música eletrônica em
festas chamadas raves, que atravessavam o dia e só terminavam à tarde. Em
1988, o êcstasy foi a febre no verão inglês, que acabou batizado de Summer of
Love, ou “verão do amor” , mesmo nome que os hippies deram ao ano de 1967,
quando eles se entupiram de LSD. A comparação não era exagerada: as duas
drogas estiveram por trás de boa parte da produção cultural jovem de suas
épocas.

2.9 Heroína

A substância foi descoberta em 1874, a partir de um aprimoramento na


fórmula da morfina. Os trabalhos de pesquisa nessa área já haviam levado, por
exemplo, à invenção da seringa, criada em 1853 por um cientista francês que
procurava maneiras de melhorar a aplicação da morfina. Batizado de heroína, o
novo remédio começou a ser vendido em 1898 para curar a tosse. A bula dizia:

23
“A dose mínima faz desaparecer qualquer tipo de tosse, inclusive tuberculose”.
O nome fazia referência às aparentes capacidades “heróicas” da droga, que
impressionou os farmacêuticos do laboratório da Bayer.

Logo descobriram também que, injetada, a heroína é uma droga de efeito


veloz, poderoso e que provoca dependência rapidamente. Viciados em crise de
abstinência têm alucinações, cólicas, vômitos e desmaios. Assim, a heroína teve
sua comercialização proibida em 1906, nos EUA. Em 1913, o fabricante alemão
parou de produzi-la, mas ela manteve intensa circulação ilegal na Europa e,
principalmente, na Ásia. A droga voltou a aparecer nos EUA somente no começo
dos anos 70, quando soldados servindo na Guerra do Vietnã começaram a
consumi-la com asiáticos. Estima-se que cerca de 10% dos veteranos voltaram
para casa viciados.

2.10 LSD

O químico alemão Albert Hofmann trabalhava no laboratório Sandoz, em


1938, investigando um medicamento para ativar a circulação. Testava a
24
ergotamina, princípio ativo do fungo do centeio, que ele sintetizou e chamou
dietilamida. Tomou uma dose pequena e sentiu um efeito sutil. Somente em 19
de abril de 1943 Hofmann resolveu testar uma dose maior. O químico, então com
37 anos, voltou para casa de bicicleta. Teve a primeira viagem de ácido de que
se tem notícia: “Vi figuras fantásticas de plasticidade e coloração”, contou.
Apresentou o LSD (iniciais em alemão de ácido lisérgico) a amigos médicos.
Hofmann hoje tem 100 anos e é um dos integrantes do comitê que escolhe o
Prêmio Nobel.

O americano Timothy Leary se encarregou de ser um dos embaixadores


do LSD pelo mundo. Doutor em psicologia clínica de Harvard, ministrava a droga
para seus pacientes e a recomendava a alunos do campus – até ser expulso
pela universidade, em 1963. Na época a cidade de São Francisco começava a
se tornar capital da cultura hippie. Uma das principais atrações eram shows de
rock para uma platéia encharcada de ácido fabricado em laboratórios
clandestinos. Os frequentadores pregavam o amor livre, a vida em comunidade
e veneravam religiões orientais. O lema deles você conhece: “paz e amor”.

Em 1967, o movimento era capaz de reunir até 100 mil pessoas num
parque. As farras lisérgicas muitas vezes acabavam em sexo coletivo. Não é à
toa que o ano tenha entrado para história como Summer of Love, o “verão do
amor”.

2.11 Ópio

25
O suco leitoso tirado da papoula branca é consumido há cerca de 5 mil
anos no sudoeste da Ásia, em ilhas do Mediterrâneo e no Oriente Médio. Fez
parte até da mitologia grega – era usado para venerar a deusa Demeter. A lenda
dizia que, após ter sua filha Proserpina raptada, Demeter passou a procurá-la.
Encontrou e comeu sementes de papoula, diminuindo a dor da perda. A imagem
da deusa, então, ficou ligada à papoula – e rituais em sua homenagem incluíram
o uso da droga. O nome ópio vem do grego opin, ou suco. A chegada da
civilização romana não diminuiu a sua popularidade, inclusive para fins
medicinais. “O ópio era a aspirina de seu tempo. No ano 312, havia na cidade de
Roma 793 estabelecimentos que o distribuíam”, afirma Antonio Escohotado, em
O Livro das Drogas.

Na época das navegações, a Inglaterra chegou a monopolizar a venda


mundial de ópio. Entre os principais importadores estava a China, apesar de o
produto ser proibido lá desde 1729. A luta contra o contrabando levou a um
conflito militar entre os dois países, que durou de 1839 a 1842 e ficou conhecido
como Guerra do Ópio. Os ingleses venceram e obrigaram a China a permitir o
comércio da droga. Ficaram também com o território de Hong Kong, que só foi
devolvido em 1997.

2.12 Álcool

26
Em algumas zonas da América do Sul, há milhares de anos que a cerveja
de milho conhecida como chicha é um componente essencial da alimentação. A
fermentação era um trabalho tradicionalmente feminino. Esta página de uma
crónica espanhola escrita no século XVI, no Peru, mostra um nobre a servir
chicha a um imperador inca, que ergue o copo para brindar ao deus do Sol

O álcool não é apenas uma bebida que altera a consciência: desde os


primórdios da civilização, tem sido um importante catalisador para a cultura
humana, incentivando o desenvolvimento da arte, da linguagem e da religião.

27
Grãos fermentados, suco de frutas e mel vêm sendo utilizados durante milhares
de anos para fazer álcool (álcool etílico ou etanol).

As bebidas fermentadas existem desde o despertar da civilização egípcia


e há evidência da primeira bebida alcoólica na China ao redor do ano 7000 a.C.
Na Índia, uma bebida alcoólica chamada Sura, destilada do arroz, era utilizada
entre os anos 3000 e 2000 a.C.

Os babilônios veneravam uma deusa do vinho no ano 2700 a.C. Na


Grécia, uma das primeiras bebidas alcoólicas que ganhou popularidade foi o
hidromel, uma bebida fermentada feita de mel e água. A literatura grega está
repleta de advertências contra beber em excesso.

Várias civilizações de índios americanos criaram bebidas alcoólicas nas


épocas pré-colombianas. Uma variedade de bebida fermentada da região dos
Andes, na América do Sul, foi criada com milho, uvas e maçãs e recebeu o nome
de “chicha”.

No século XVI, o álcool (chamado “aguardente”) foi amplamente utilizado


para propósitos medicinais. No início do século XVIII, o parlamento inglês
aprovou uma lei que promovia o uso de grãos para a destilação de aguardente.
A aguardente, que era barata, inundou o mercado e chegou ao seu auge em
meados do século XVIII. Na Grã-Bretanha, o consumo de gim chegou aos 70
milhões de litros, e o alcoolismo generalizou-se.

28
O século XIX trouxe uma mudança de atitude e a Campanha
antialcoolismo começou a promover o uso moderado do álcool, o que acabou se
convertendo numa campanha de proibição total.

Em 1920, os Estados Unidos aprovaram uma lei que proibia a fabricação,


venda, importação e exportação de bebidas alcoólicas. O comércio ilícito de
álcool disparou e em 1933, a proibição que pesava sobre o álcool foi cancelada.

Hoje, estima-se que 15 milhões de americanos sofrem de alcoolismo e


40% de todas as mortes de acidentes de trânsito nos EUA estão relacionados
ao álcool.

2.12 Cigarro

Há controvérsias sobre a origem do cigarro. Suas formas mais antigas foram


atestadas na América Central por volta do século IX na forma
de cachimbos feitos de bambu. Os maias e posteriormente os astecas,
fumavam várias drogas psicoativas durante rituais religiosos que eram
frequentemente retratados em cerâmicas e gravuras em seus
templos.[15] No Caribe, México e nas Américas Central e do Sul, o cigarro e
o charuto eram o método mais comum para se fumar até tempos recentes.

29
O cigarro produzido na América do Sul e América Central usava várias
plantas como embrulho. Quando o fumo foi levado para a Espanha o mesmo
passou a ser embrulhada com palhas de milho. O papel fino para embalagem foi
introduzido por volta do século XVII. O produto resultante era chamado
"papelate" e foi retratado em várias pinturas de Francisco de Goya como La
cometa, La Merienda en el Manzanares e El juego de la pelota a pala, obras
do século XVIII.

Por volta de 1830, o cigarro foi inserido na França, lá recebeu o


nome cigarette e a partir de 1845 começou a ser produzido em escala industrial
sob monopólio estatal.[17] Durante a Guerra da Crimeia (1853–1856) o uso do
cigarro foi popularizado entre as tropas francesas e britânicas, estas imitavam os
turcos que fumavam o tabaco em cachimbos. Em 1833, aparecem na Espanha
os primeiros pacotes que são chamados "cigarrillo" ou "cigarrito", termos que
vem da palavra "cigarro", assim chamados devido sua forma parecida com a de
uma cigarra. Introduzido por comerciantes do Brasil, continuou a sua expansão
até Portugal e, posteriormente, por toda a Europa.

A partir de meados do século XX, o uso do cigarro espalhou-se por todo o


mundo de maneira enérgica. Essa expansão deu-se, em grande parte, graças
ao desenvolvimento da publicidade e marketing. A distribuição gratuita de
tabaco para as tropas durante a Primeira Guerra Mundial ajudou a popularizar
ainda mais o consumo da droga.

Em tempos de guerras e crises econômicas o cigarro foi bastante valorizado.


Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, chegou-se a pagar

30
quatrocentos francos por um cigarro, já que eles eram racionados para os
soldados.

No Brasil, o tabaco foi introduzido possivelmente através da migração de


tribos. Os portugueses tomaram conhecimento da droga quando mantiveram
contato com os índios. A produção do tabaco teve grande importância na
economia brasileira no período colonial e o desenho de sua folha foi estampado
no brasão da República.

Em Portugal, 28% da população fuma, e dados mostram que doze mil


pessoas morrem anualmente devido ao consumo do cigarro. A estimativa
também indica o perfil do fumante português, entre 35 e 44 anos, e afirma que o
número deste tem diminuído nos últimos anos. Atualmente, Portugal é o país
da União Europeia com o menor número de fumantes.

3.0 DROGAS LÍCITAS E COMO AGEM NO ORGANISMO

As drogas lícitas são substâncias que podem ser produzidas,


comercializadas e consumidas sem problema algum. Apesar de trazerem
prejuízos aos órgãos do corpo são liberadas por lei e aceitas pela sociedade. É
considerada droga lícita qualquer substância que contenha álcool, nicotina,
cafeína, medicamentos sem prescrição médica, anorexígenos, anabolizantes e
outros.

Numa pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde notou-se


quão grande é o mercado das drogas permitidas, pois essas promovem maior
31
necessidade ao usuário e maior custo, já que são encontradas em todos os
bairros espalhados pelas cidades.
Sobre as consequências promovidas pelas drogas lícitas, pode-se relatar que,
ao depositar qualquer substância no organismo, criam-se nesse, necessidades
falsas, alterando todo o funcionamento físico e psíquico. Podemos citar: ataque
cardíaco, doenças respiratórias, enfisema, câncer, impotência sexual, alterações
na memória, perda do autocontrole, gota, rompimento das veias, danos no
fígado, rins e estômago, cirrose hepática, úlceras, gastrites, irritabilidade, dor de
cabeça, insônia, ansiedade, agitação e outros.
As drogas permitidas por lei são as mais consumidas e as que mais
resultam em fatalidades diárias, já que através das alterações realizadas no
organismo um indivíduo perde o controle e acaba por fazer coisas que no normal
não seriam feitas. Além disso, o organismo tende a ficar mais preguiçoso já que
as drogas lícitas relaxam o organismo de forma exagerada.

3.1 Álcool

O álcool vem sendo consumido cada vez mais pela população do mundo
todo, principalmente pelos jovens, que experimentam a bebida cada vez mais
cedo. E quanto mais cedo uma pessoa começa a beber, maior é a possibilidade
de se tornar dependente.

32
Quando ingerido o álcool provoca a sensação de segurança, o usuário se
sente desinibido, no primeiro momento, mas, se a quantidade ingerida passar do
limite seu comportamento torna-se descontrolado, podendo ter reações
agressivas ou depressivas, ficando descoordenado e sonolento. O consumo
frequente torna o usuário dependente da droga, o que pode prejudicá-lo
socialmente.

O dependente adulto pode desenvolver cirrose hepática, problemas


cardíacos e hipertensão. Na maioria dos casos, com a suspensão da bebida, é
possível a recuperação do fígado e das membranas dos neurônios mais frágeis,
que também são afetados.

A bebida alcoólica age de forma diferente em cada um e, após algumas


doses, sobe à cabeça, inevitavelmente. Os efeitos variam, podendo deixar a
pessoa mais desinibida, alegre, leve, corajosa ou, ainda, agressiva e depressiva.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe um


nível seguro para o consumo de bebidas alcoólicas. Nesse sentido, entende-se
que o uso traz riscos à saúde, especialmente se a pessoa beber mais de duas
doses por dia e não deixar de beber pelo menos dois dias na semana.

"O álcool é uma substância que tem efeito depressor no sistema nervoso
central. Em pequenas quantidades, deixa a pessoa mais desinibida e relaxada
33
e, conforme o número de doses ingeridas aumenta, a pessoa passa a apresentar
diminuição de reflexos, dificuldade de coordenação e alteração de funções
visuais", explica Arthur Guerra, coordenador do Núcleo de Álcool e Drogas do
Hospital Sírio-Libanês, presidente executivo do Centro de Informações sobre
Saúde e Álcool (CISA), além de psiquiatra e especialista em dependência
química.

Ele destaca ainda que, em altas concentrações na corrente sanguínea, o


álcool pode causar "blecautes" e até mesmo deixar a pessoa inconsciente. E que
os efeitos são influenciados por características individuais, como peso, altura,
gênero, metabolismo e vulnerabilidade genética.

Por atuar diretamente no cérebro, ligada a ações como reflexo e coordenação,


a combinação de álcool e volante é perigosa.

"Não há dose segura para o uso de álcool e direção. Diversas pesquisas


científicas demonstraram que, mesmo baixos, os níveis de álcool no sangue
podem prejudicar a habilidade do motorista para condução de um automóvel e
aumentar os riscos de acidente. Certas habilidades necessárias para operar
veículo motorizado já são prejudicadas a partir de níveis próximos de zero. A
partir do nível de 0,05g de álcool/l de sangue, há perda de reflexos e da
percepção visual e aumento do tempo de resposta", alerta o especialista.

Além disso, a linha entre o consumo recreativo e a dependência pode ser


tênue, uma vez que além da quantidade e frequência de uso, a condição de

34
saúde do indivíduo e fatores genéticos, psicossociais e ambientais também
influenciam.

"A dependência ocorre quando o consumo é compulsivo, ou seja, o


comportamento do indivíduo está voltado para o impulso de ingerir o álcool.
Segundo a classificação da OMS, a dependência é definida como um conjunto
de sintomas que se desenvolvem após o uso repetido de álcool", pontua Guerra.

Entre os sintomas que servem de alerta de quando o uso recreativo passa


a ser vício são: forte desejo de beber, dificuldade de controlar o consumo (não
conseguir parar de beber depois de ter começado), uso continuado apesar das
consequências negativas, maior prioridade dada ao uso da substância em
detrimento de outras atividades e obrigações, aumento da tolerância
(necessidade de doses maiores de álcool para atingir o mesmo efeito obtido
anteriormente com doses menores e por vezes sinais físicos) e sintomas como
sudorese, tremedeira e ansiedade quando não está bebendo.

O médico faz ainda um alerta final. "Deve-se lembrar que a dependência


de álcool ou de qualquer outra substância não é uma escolha, pois o uso
contínuo de substâncias psicoativas provoca modificações no funcionamento
cerebral."

3.1.1 O caminho da bebida no corpo

35
A primeira etapa da metabolização da bebida alcoólica no organismo é a
absorção, que ocorre através do estômago e intestinos grossos.

Estima-se que a absorção leva em média uma hora, dependendo de fatores


como a velocidade com que a bebida foi ingerida e se a pessoa consumiu algum
alimento.

A seguir, o álcool é distribuído através da corrente sanguínea para órgãos


como cérebro, fígado, coração, rins e músculos.

Cerca de 90 a 95% da bebida ingerida é metabolizada no fígado por


enzimas especiais, que dividem o etanol em outras substâncias, como o
acetaldeído e o ácido acético. Por fim, é eliminado através da urina, transpiração,
salivação e respiração

36
3.1.2 Álcool e Sistema Nervoso Central

37
Em pequenas quantidades, o álcool promove desinibição, mas com
o aumento desta concentração, o indivíduo passa a apresentar uma
diminuição da resposta aos estímulos, fala pastosa, dificuldade à
deambulação, entre outros.

O álcool atua como um depressor de muitas ações no Sistema


Nervoso Central (SNC) e seus efeitos sobre este são dose-dependentes
(veja quadro 1).

Em pequenas quantidades, o álcool promove desinibição, mas com


o aumento desta concentração, o indivíduo passa a apresentar uma
diminuição da resposta aos estímulos, fala pastosa, dificuldade à
deambulação, entre outros. Em concentrações muito altas, ou seja,
maiores do que 0.35 gramas/100 mililitros de álcool, o indivíduo pode ficar
comatoso ou até mesmo morrer. A Associação Médica Americana
considera como uma concentração alcoólica capaz de trazer prejuízos ao
indivíduo 0.04 gramas de álcool/100 mililitros de sangue. 1

Quadro 1 - Estágios da intoxicação pelo álcool

Concentração de álcool
no sangue (CAS) Estágio Sintomas clínicos
(g /100 ml de sangue)

38
0.01 - 0.05 Subclínico - Comportamento normal

- Euforia leve, sociabilidade, indivíduo torna-se


mais falante
- Aumento da autoconfiança desinibição,
diminuição da atenção, capacidade de
0.03 - 0.12 Euforia
julgamento e controle
Início do prejuízo sensório-motor
- Diminuição da habilidade de desenvolver
testes

- Instabilidade e prejuízo do julgamento e da


crítica
- Prejuízo da percepção, memória e
compreensão
- Diminuição da resposta sensitiva e retardo da
0.09 - 0.25 Excitação resposta reativa
- Diminuição da acuidade visual e visão
periférica
- Incoordenação sensitivo-motora, prejuízo do
equilíbrio
- Sonolência

- Desorientação, confusão mental e


adormecimento
- Estados emocionais exagerados
- Prejuízo da visão e da percepção da cor,
0.18 - 0.30 Confusão forma, mobilidade e dimensões
- Aumento da sensação de dor
- Incoordenação motora
- Piora da incoordenação motora, fala arrastada
- Apatia e letargia

- Inércia generalizada
- Prejuízo das funções motoras
- Diminuição importante da resposta aos
estímulos I
0.25 - 0.40 Estupor - Importante incoordenação motora
- Incapacidade de deambular ou coordenar os
movimentos
- Vômitos e incontinência
prejuízo da consciência, sonolência ou estupor

- Inconsciência
- Reflexos diminuídos ou abolidos
- Temperatura corporal abaixo do normal
0.35 - 0.50 Coma
- Incontinência
- Prejuízo da respiração e circulação sanguínea
- Possibilidade de morte

0.45 + Morte - Morte por bloqueio respiratório central

Efeitos do Álcool Sobre os Neurotransmissores

39
O etanol é uma substância depressora do SNC e afeta diversos
neurotransmissores no cérebro, entre eles, o ácido gama-aminobutírico (GABA)
e o glutamato.

GABA

O ácido Gama-amino-butírico é o principal neurotransmissor inibitório do


SNC. Existem dois tipos de receptores deste neurotransmissor: o GABA-alfa e o
GABA-beta, dos quais, apenas o GABA-alfa é estimulado pelo álcool. O
resultado é um efeito ainda mais inibitório no cérebro, levando ao relaxamento e
sedação do organismo. Diversas partes do cérebro são afetadas pelo efeito
sedativo do álcool, tais como aquelas responsáveis pelo movimento, memória,
julgamento e respiração.

Evidências científicas sugerem que o álcool inicialmente potencializa os


efeitos do GABA, aumentando os efeitos inibitórios, porém, com o passar do
tempo, o uso crônico do álcool reduz o número de receptores GABA por um
processo de ?down regulation? o que explicaria o efeito de tolerância ao álcool,
ou seja, o fato do indivíduos necessitarem de doses maiores de álcool para obter
3
os mesmos sintomas anteriormente obtidos com doses menores.
Os sintomas de abstinência podem ser explicados pela perda dos efeitos
inibitórios, combinado com a deficiência de receptores GABA.

A interação entre o etanol e o receptor para o GABA foi melhor


estabelecida a partir de estudos que demonstraram haver redução de sintomas
da síndrome de abstinência alcoólica pelo uso de substâncias que aumentam a
atividade do GABA, como os inibidores de sua recaptação e os
benzodiazepínicos, mostrando a possibilidade do sistema GABAérgico ter efeito
na fisiopatologia do alcoolismo humano.
40
Glutamato

O glutamato é o neurotransmissor excitatório mais importante do cérebro


humano, parecendo ter um papel crítico na memória e cognição.

O álcool também altera a ação sináptica do glutamato no cérebro,


reduzindo a neurotransmissão glutaminérgica excitatória.

Devido aos efeitos inibitórios sobre o glutamato, o consumo crônico do


álcool leva a um aumento dos receptores glutamatérgicos no hipocampo que é
uma área importante para a memória e envolvida em crises convulsivas.

Durante a abstinência alcoólica*, os receptores de glutamato, que estavam


habituados com a presença contínua do álcool, ficam hiperativos, podendo
3
desencadear de crises convulsivas à acidentes vasculares cerebrais.

*Síndrome de abstinência - Inicia-se horas após a interrupção ou diminuição


do consumo. Os tremores de extremidade e lábios são os mais comuns,
associados a náuseas, vômitos, sudorese, ansiedade e irritabilidade. Casos mais
graves evoluem para convulsões e estados confusionais, com desorientação
temporal e espacial, falsos reconhecimentos e alucinações auditivas, visuais e
táteis (delirium tremens).4

Outros neurotransmissores

O Álcool estimula diretamente a liberação de outros neurotransmissores


como a serotonina e endorfinas que parecem contribuir para os sintomas de
41
bem-estar presentes na intoxicação alcoólica. Mudanças em outros
neurotransmissores foram menos observadas.

Danos do Álcool ao Cérebro

Dificuldades em andar, visão borrada, fala arrastada, tempo de resposta


retardado e danos à memória. De maneira clara, o álcool afeta o cérebro. Uma
série de fatores podem influenciar o como e o quanto o álcool afeta o cérebro, a
saber:

• Quantidade e frequência de consumo de álcool;


• Idade de início e o tempo de consumo de álcool;
• Idade do indivíduo, nível de educação, gênero sexual, aspectos genéticos
e histórico familiar de alcoolismo;
• Risco existente de exposição pré-natal ao álcool; e
• Condições gerais de saúde do indivíduo.

42
3.2 Álcool e transtornos

3.2.1 Transtorno Amnésico Alcoólico

O uso de álcool pode produzir danos detectáveis à memória após apenas


algumas doses e à medida que o consumo aumenta, também aumentam os
danos ao cérebro. Altas quantidades de álcool, especialmente quando
consumidas de maneira rápida e com o estômago vazio, podem produzir um
“branco” ou um intervalo de tempo no qual o indivíduo intoxicado não consegue
recordar detalhes de eventos ou até mesmo eventos inteiros. Os estudos
sugerem que as mulheres são mais susceptíveis do que os homens para
vivenciar esses efeitos adversos sob mesmas doses de álcool. Essa ação parece
estar relacionada às diferenças orgânicas existentes entre homens e mulheres
no metabolismo dessa substância.

3.2.2 Síndrome de Wernicke-Korsakoff

Os danos causados pelo álcool no cérebro podem ser decorrentes tanto


de causas diretamente ligadas ao uso de álcool como de fatores indiretos, como
saúde geral debilitada ou doença hepática severa. A deficiência de tiamina, por
exemplo, pode ser um desses fatores. A tiamina, conhecida também com
vitamina B1, é um nutriente importante para todos os órgãos e tecidos, incluindo
o cérebro.
43
Mais de 80% dos alcoolistas apresentam deficiência desse nutriente. Uma
parcela dessas pessoas sofrerá consequências severas no cérebro tais como a
Síndrome de Wernicke-Korsakoff. Trata-se de uma doença caracterizada por
duas diferentes síndromes, uma de curta duração chamada Wernicke e outra
permanente e bastante debilitante chamada Korsakoff. Os sintomas da
Síndrome de Wernicke incluem confusão mental, paralisia dos nervos que
movem os olhos e dificuldades de coordenação motora. Aproximadamente 80 a
90% desses pacientes manifestam a Síndrome de Korsakoff, caracterizada por
perdas de memória anterógrada (eventos futuros) e de memória retrógrada
(eventos passados).

A boa notícia fica por conta do fato de a maioria dos alcoolistas que
apresentam problemas cognitivos apresentam ao menos alguma melhora nas
estruturas cerebrais a partir de 1 ano de abstinência do álcool.

3.2.3 Como o transtorno causado pelo consumo de álcool é diagnosticado?

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)


estabelece uma série de critérios para diagnosticar esse transtorno. Esses
critérios são os seguintes:

Padrão de problema do consumo de álcool que provoca uma deterioração


ou desconforto clinicamente significativo e que se manifesta em pelo menos dois
dos seguintes eventos dentro de um período de 12 meses:
44
• Consome-se álcool com frequência em grandes quantidades, ou por um
período maior do que o previsto.
• Existe um desejo persistente ou esforços frustrados para abandonar ou
controlar o consumo de álcool.
• Investe-se muito tempo nas atividades necessárias para obter álcool,
consumi-lo ou recuperar-se de seus efeitos.
• Anseio ou um poderoso desejo ou necessidade de consumir álcool.
• Consumo recorrente de álcool que leva ao descumprimento dos deveres
fundamentais no trabalho, na escola ou em casa.
• Consumo contínuo de álcool apesar de sofrer problemas sociais ou
interpessoais persistentes ou recorrentes, causados ou exacerbados
pelos efeitos do álcool.
• O consumo de álcool provoca o abandono ou a redução de importantes
atividades sociais, profissionais ou de lazer.
• Consumo recorrente de álcool em situações nas quais causa um risco
físico.
• Continua com o consumo de álcool apesar de saber que tem um
problema físico ou psicológico persistente ou recorrente, provavelmente
causado ou exacerbado pelo álcool.

Tolerância, definida por algum dos seguintes fatos:


• Necessidade de consumir quantidades cada vez maiores de álcool para
alcançar a intoxicação ou efeito desejado.
• Um efeito visivelmente reduzido após o consumo contínuo da mesma
quantidade de álcool.

Abstinência, manifestada por algum dos seguintes fatos:


• Presença da síndrome de abstinência característica do álcool.
• Consome-se álcool (ou alguma substância muito semelhante, como
uma benzodiazepina) para aliviar ou prevenir os sintomas de abstinência.

O transtorno causado pelo uso de álcool geralmente é associado aos


mesmos problemas causados pelo consumo de outras substâncias (por
exemplo, a cannabis, a cocaína, a heroína, as anfetaminas, os sedativos, os
hipnóticos ou os ansiolíticos). Os fatores de risco são os seguintes:

• Consumo constante. Beber de maneira regular ou ter um consumo


elevado de álcool de forma contínua pode causar dependência ou
qualquer outro problema relacionado com esta substância.
• Idade. As pessoas que consomem álcool em uma idade precoce em
doses altas correm mais risco de sofrer de um transtorno causado pelo
consumo de álcool.

45
• Antecedentes familiares. O risco de sofrer um transtorno causado pelo
consumo de álcool é maior em pessoas com parentes ou pais com
problemas de álcool.
• Depressão e problemas de saúde mental. Alguns transtornos mentais
como a depressão ou a ansiedade estão relacionados a problemas com
o álcool ou outros tipos de substâncias.
• Fatores sociais e culturais. As relações sociais, juntamente ao ambiente
e a cultura, podem aumentar o risco de sofrer um transtorno após o
consumo de álcool.
Por outro lado, também pode-se consumir álcool para aliviar os efeitos
indesejados de outras substâncias ou para substituí-las se não estiverem
disponíveis.

Como vemos, o consumo excessivo de álcool é problemático e pode se


tornar um transtorno se uma série de critérios for atendida. No entanto, esse
transtorno tem uma solução. Procurar um especialista é o mais
recomendado. Ele poderá explicar quais são os diferentes tipos de tratamentos
disponíveis e qual deles se adapta melhor às circunstâncias de cada pessoa.

3.3 Cigarro

Cigarro é um pequeno cilindro de folhas de tabaco de corte fino enroladas


numa mortalha que pode ser fumado. O cigarro é aceso numa das pontas,
iniciando uma combustão lenta cujo fumo pode ser inalado pela outra ponta. A
maior parte dos cigarros modernos produzidos em fábrica incluem um filtro numa
das pontas, e geralmente incluem tabaco reconstituído e outros aditivos.

46
Algumas pessoas inalam o fumo através de uma boquilha.[1] A
principal substância química psicoativa no tabaco é a nicotina, a qual é
extremamente viciante.

Geralmente, o termo "cigarro" refere-se ao cigarro de tabaco, embora


possa ser usado para designar produtos semelhantes, como cigarro
de cannabis. Um cigarro é diferente de um charuto ou cigarrilha, uma vez que,
ao contrário destes produtos, é constituído por tabaco processado enrolado em
papel, enquanto os charutos são constituídos inteiramente por folhas de tabaco
integrais.

3.3.1 Como o cigarro age quimicamente no organismo?

A fumaça do cigarro é inalada para os pulmões, distribuindo-se para o


sistema circulatório fazendo com que a nicotina chegue de sete a 19 segundos
ao cérebro. Além disso, o fluxo sanguíneo capilar pulmonar é rápido, e todo o
volume de sangue do corpo percorre os pulmões em um minuto. Dessa forma,
as substâncias inaladas pelos pulmões espalham-se pelo organismo com uma
velocidade quase igual à de substâncias introduzidas por uma injeção
intravenosa. A fumaça do charuto e cachimbo é absorvida pela mucosa oral.
Dessa forma, não há a necessidade de tragá-la, pois da cavidade oral a nicotina
atinge rapidamente o cérebro.

Nosso sistema nervoso possui células especiais chamadas


transportadoras, que levam substâncias como os hormônios e os
neurotransmissores para locais específicos no cérebro. Esses elementos têm o
poder de nos excitar ou relaxar e constituem as respostas naturais que damos
aos estímulos do meio ambiente.

Numa situação de perigo, por exemplo, as células transportadoras


carregam noradrenalina (a popular adrenalina) para o cérebro. Isso causa
irritação e estado de alerta. Nesse momento, todas as células do corpo
"despertam" e o organismo fica preparado para lutar ou fugir, conforme a
necessidade da situação. Mas onde entra o cigarro nessa história?

Bem, o tabaco é rico em uma substância chamada nicotina, que estimula


a produção de dopamina, um dos maiores mediadores químicos das células, que
atua nos centros de prazer do cérebro. Sem a nicotina, o cérebro do dependente

47
recebe menos dopamina. Para compensar, o organismo produz mais
noradrenalina. Por isso, quando alguém para de fumar, fica nervoso ou irritado.

3.3.2 O que causa dependência no cigarro?

A nicotina, que é encontrada em todos os derivados do tabaco (cigarro,


charuto, cachimbo, cigarro de palha, narguilé, entre outros) é a droga que causa
dependência. Essa substância é psicoativa, isto é, produz a sensação de prazer,
o que pode induzir ao abuso e à dependência. A dependência à nicotina é
incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de
Saúde - (CID).

Ao ser inalada produz alterações no Sistema Nervoso Central,


modificando assim o estado emocional e comportamental dos indivíduos, da
mesma forma como ocorre com a cocaína, heroína e álcool. Depois que a
nicotina atinge o cérebro, libera várias substâncias (neurotransmissores) que são
responsáveis por estimular a sensação de prazer explicando-se assim as boas
sensações que o fumante tem ao fumar.

Com a inalação contínua da nicotina, o cérebro se adapta e passa a


precisar de doses cada vez maiores para manter o nível de satisfação que tinha
no início. Esse efeito é chamado de tolerância à droga. Com o passar do tempo,
48
o fumante passa a ter necessidade de consumir cada vez mais cigarros. Com a
dependência, cresce também o risco de se contrair doenças crônicas não
transmissíveis, que podem levar à invalidez e à morte.

3.3.3 Quais são as doenças causadas pelo uso do cigarro e outros produtos
derivados de tabaco?

O tabagismo é uma doença (dependência de nicotina) que tem relação


com aproximadamente 50 enfermidades, dentre elas vários tipos de câncer
(pulmão, laringe, faringe, esôfago, estômago, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo
de útero, leucemia), doenças do aparelho respiratório (enfisema pulmonar,
bronquite crônica, asma, infecções respiratórias) e doenças cardiovasculares
(angina, infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial, aneurismas, acidente
vascular cerebral, tromboses). Há ainda outras doenças relacionadas ao
tabagismo: úlcera do aparelho digestivo; osteoporose; catarata; impotência
sexual no homem; infertilidade na mulher; menopausa precoce e complicações
na gravidez. Estima-se que, no Brasil, a cada ano, cerca de 157 mil pessoas
morram precocemente devido às doenças causadas pelo tabagismo. Os
fumantes adoecem com uma frequência duas vezes maior que os não fumantes.

49
Têm menor resistência física, menos fôlego e pior desempenho nos esportes e
na vida sexual do que os não fumantes. Além disso, envelhecem mais
rapidamente e ficam com os dentes amarelados, cabelos opacos, pele enrugada
e impregnada pelo odor do fumo.

3.3.4 Cigarro e saúde mental

Para Mariana Finco, psicóloga associada da Unimed Londrina, a guerra


contra o tabagismo se divide em três batalhas: a dependência da nicotina, que é
uma droga que estimula o sistema nervoso central, fazendo-o funcionar de
maneira acelerada; o hábito, ou seja, comportamentos do tipo fumar após
refeições, junto ao cafezinho, ambientes sociais, no carro, entre outros; e a
dependência emocional, isto é, o fato de os dependentes acreditarem que o
cigarro os acalma e é seu “companheiro”. “Todos esses são fatores que
atrapalham a pessoa deixar de fumar, é como se a vida fosse ficar chata sem o
cigarro, há crenças de que dificultam esse processo”, esclarece a especialista,
acrescentando que, geralmente, as pessoas começam a fumar de maneira
recreativa, sob a influência de amigos ou até mesmo dos pais que fumam e
acabam estimulando o hábito, mesmo que indiretamente. “O mais comum é que
a dependência se instale em uma fase imatura da vida, o jovem acredita que,
com o cigarro, vai ter maior facilidade de sociabilização, além de uma
oportunidade de mostrar que tem personalidade.”

50
Mariana também chama a atenção para os malefícios psicológicos
provocados pelo hábito de fumar. “É muito comum confundir prazer com alívio.
Existe uma crença de que fumar proporciona prazer e, na verdade, o cigarro
oferece alívio imediato. O prazer consiste em tudo aquilo que soma em nossas
vidas, como uma viagem, um jantar rodeado de boa companhia, momentos com
quem amamos. O cigarro não soma, apenas alivia a angústia e a necessidade
da nicotina que o corpo deseja”, explica a psicóloga, destacando que o
autoconhecimento é de suma importância para não aderir a esse hábito. “É
normal passarmos por dificuldades, estresse, ansiedade, mas devemos buscar
maneiras saudáveis de extravasar esses sentimentos negativos, por meio de
atividade física, uma boa leitura, boas conversas, vida social de qualidade.
Muitas pessoas têm dificuldade em lidar com o vazio e optam pelo cigarro,
escondendo-se de si”, complementa.

Além disso, o tabagismo traz diversos problemas físicos, tais como


doenças coronarianas, pulmonares obstrutivas crônicas e cerebrovasculares,
cânceres em geral, úlceras digestivas e infecções respiratórias variadas. Vale
salientar, também, o envelhecimento precoce da pele, a mudança da voz e os
gastos financeiros.

51
3.4 Psicofármacos

Segundo levantamentos nacionais promovidos por seguradoras de saúde


brasileiras realizados em 2017, o consumo de antidepressivos no Brasil cresceu
74% em seis anos. Em 2013, em levantamento realizado pelo IMS Health, foi
apontado que o brasileiro gasta R$ 1,8 bilhões com antidepressivos e
estabilizadores de humor.

O uso de psicofármacos é um dos muitos tabus atrelados aos


preconceitos que rodeiam os transtornos mentais. Existem divergências da
comunidade médica sobre doenças como depressão e ansiedade serem
causadas por um desequilíbrio químico cerebral. Entretanto, a prática do
tratamento com remédios é a mais utilizada atualmente. Muitas vezes surte bons
efeitos, porém cada vez mais seu uso é banalizado e utilizado em problemas
pontuais.

52
Para estabelecer qual medicação deve ser receitada, o médico leva em
consideração o possível diagnóstico. Casos de transtornos mentais são repletos
de peculiaridades em relação aos sintomas e levam mais tempo para um
diagnóstico preciso. Idade do paciente, seus problemas físicos (problemas
hepáticos ou vasculares) e a resposta ao uso de medicamentos anteriormente
também são levados em conta.

3.4.1 Antidepressivos

Segundo pesquisas, pacientes depressivos apresentam uma falha na


neurotransmissão por serotonina e noradrenalina. Desta forma, os
antidepressivos promovem através de mecanismos de bloqueio e recaptação o
aumento desses neurotransmissores no nosso cérebro. Basicamente os
antidepressivos se dividem em duas classes, os tricíclicos e medicamentos mais
modernos como IRSN, IRSS, IMAO.

3.4.2 Ansiolíticos

Os medicamentos da classe dos ansiolíticos são utilizados para


problemas que vão desde problemas do sono até crises convulsivas. Possuem
efeito sedativo (reduzindo a atividade, causando sonolência e induzindo à calma)
ou hipnótico (induzindo ao sono).

A maioria dos ansiolíticos atuam em um neurotransmissor denominado


GABA, atuando sob seus receptores e melhorando sua afinidade. Os ansiolíticos
se dividem entre benzodiazepínicos e barbitúricos. A diferença é que o segundo
aumenta a receptividade dos neurotransmissores de outras formas que não por
atuação no GABA.

3.4.3 Efeitos colaterais a médio e longo prazo

A possibilidade de efeitos colaterais é o que mais preocupa os médicos e


pacientes durante o tratamento com psicofármacos. Muitas vezes inibem os
pacientes de iniciarem o tratamento.

53
Antidepressivos

Os antidepressivos da classe dos tricíclicos, apesar de apresentarem


maior eficácia, também apresentam menor tolerância e maior número de
reações adversas. As reações mais comuns são: boca seca, retenção urinária,
queda de pressão, constipação intestinal, visão borrada, taquicardia, tonturas,
sudorese, sedação, ganho de peso e tremores.

As medicações antidepressivas mais modernas, apesar de apresentarem


melhor tolerância ainda possuem efeitos colaterais. Os mais comuns são:
cefaleia, ansiedade, náuseas, diminuição do apetite e do desejo sexual,
inquietude, insônia, nervosismo e tremores.

Segundo estudos realizados pela Universidade de Bolonha, o uso a longo


prazo de antidepressivos tem apresentado efeitos opostos ao objetivo inicial. Ou
seja, uma piora no quadro e maior vulnerabilidade do paciente.

54
Ansiolíticos

É importante ressaltar que os ansiolíticos, diferentemente dos


antidepressivos, atuam no sintoma e não em sua causa. Podemos comparar com
um remédio para a febre, ele regulariza a temperatura, mas não age no problema
que a causou.

Existem efeitos colaterais mais comuns dos pacientes que utilizam este
tipo de medicação. São eles: perda de memória, fadiga, sedação, sonolência,
incoordenação motora, diminuição da concentração, atenção e reflexos.

Os efeitos a longo prazo que mais preocupam os pacientes que se tratam


com ansiolíticos são uma possível dependência, crises de abstinência e efeito
rebote (retorno dos sintomas mesmo após o tratamento). Para evitar estes
problemas é necessário estabelecer um tempo de tratamento e retirar a
medicação de forma gradual.

É importante ressaltar que a medicação é apenas uma das ferramentas


que você possui para o seu tratamento. Ela apresenta uma série de
contraindicações e riscos, mas pode ser a melhor opção em alguns casos.
Procure associar o tratamento medicamentoso a psicoterapia e faça visitas
frequentes ao seu psiquiatra e outros profissionais da área atendidos pelo
seu plano de saúde, eles podem estabelecer o melhor tratamento e intervir em
situações de risco.

55
Por fim, vale a ressalva que o uso de medicamentos pode ser uma ótima
opção, mas o ideal é que esse tratamento seja combinado com o
acompanhamento psicológico. Pesquisas comprovam que a combinação de
ambos é o que gera maior resultado. A psicoterapia garante um cuidado geral e
contínuo para o paciente. A Vittude é parceira de inúmeros psicólogos
especialistas relacionados aos percalços envolvendo tal medicamento, que
atendem adultos, adolescentes e crianças.

4.0 DEPENDÊNCIA QUÍMICA, AMIZADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO

Existem muitos estudos sobre a influência dos amigos no uso/abuso de


substâncias, mas sem conclusões definitivas. Neste sentido, o presente trabalho
objetiva investigar a rede de amigos no início do uso de drogas e a rede atual de
adolescentes usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas
(CAPS-ad) de uma cidade do interior da Bahia, para verificar as mudanças na
constituição e características destas redes. Treze adolescentes com idade média
de 16,6 anos responderam a um questionário semiestruturado. Os dados foram
submetidos a análises descritivas, de frequência e de conteúdo. Os resultados
sugerem tendências para a compreensão de relações entre dependência
56
química e amizade relacionadas ao desenvolvimento humano. A amizade no
mundo das drogas diferenciou-se por atividades conjuntas de risco (roubo,
tráfico etc.). Os usuários de substâncias psicoativas relatam influência direta e
indireta de amigos no início e na manutenção do uso de drogas e o uso parece
diminuir o número de amigos até restringi-los ao ambiente familiar.

A dependência química é um tema contemporâneo e relevante devido ao


aumento do número de usuários, à diminuição da idade de início de uso e à
diversidade de drogas utilizadas nos últimos anos (Laranjeira, 2007; Soldera,
Dalgalarrondo & Filho, 2004; Tavares, Béria & Lima, 2001). Ademais, são muitos
os impactos deste uso, como, por exemplo, a violência doméstica (Ziberman &
Blume, 2005), acidentes, mortes no trânsito e criminalidade (Brasil, 2003; Brasil,
2009).

Koller, Morais e Cerqueira-Santos (2009) mencionam que o


desenvolvimento humano ocorre em função de um processo onde há uma
"interação recíproca da pessoa com seu contexto através do tempo, sendo uma
função das forças que emanam de múltiplos contextos e de suas relações"
(p.24). Esta afirmativa está consonância com a teoria ecológica de
Bronfrenbrenner (1996), que afirma que, para haver desenvolvimento saudável,
é importante vivenciar ambientes distintos, mediados pela relação de vínculos
apoiadores positivos, considerados os vínculos estabelecidos entre pessoas que
promovem uma convivência harmoniosa entre os ambientes frequentados. Estes
vínculos diminuem os conflitos cognitivos gerados pela convivência com a
57
diferença, exercendo, portanto, uma força positiva a favor do desenvolvimento.
Koller, Morais e Cerqueira-Santos (2009) apresentam também fatores de risco
ao desenvolvimento humano, que são aqueles que estão presentes no contexto
ecológico e aumentam a probabilidade de que a pessoa desenvolva problemas
físicos, psicológicos, comportamentais e sociais, como ocorre, por exemplo, no
caso da dependência química.

Neste aspecto, cabe ressaltar a adolescência como contexto, visto que é


justamente nesta fase que o jovem se encontra mais vulnerável ao expandir seu
círculo de relacionamentos para além dos limites familiares (Papalia & Olds,
2000; Senna & Dessen, 2012), e neste processo há um grande investimento e
esforço a favor da constituição de seu senso de identidade, em busca de
autonomia (Smetana, 2011; Pratta & Santos, 2006). Feeney (2007) afirma que,
para o desenvolvimento efetivo da autonomia, é importante que o indivíduo em
desenvolvimento se sinta seguro nas relações de apoio que o cercam, para que
se sinta à vontade ao explorar terrenos desconhecidos, tendo a certeza de que,
caso as novas experiências não sejam satisfatórias, haverá um lugar seguro ao
qual recorrer. Estabelece, assim, uma importante relação entre dependência e
independência, no que diz respeito aos relacionamentos humanos. A
dependência é, portanto, um

Processo clínico pelo qual os indivíduos estão aptos a se direcionar


para figuras de apego para aprender, explorar e descobrir quando
se sentem seguros e contentes e pelo qual os indivíduos estão
58
aptos a se mover em direção as figuras de afeto para conseguir
conforto, segurança quando ameaçados de alguma forma (Feeney,
2007, p.268).

Neste sentido, verifica-se o papel das relações no desenvolvimento,


sendo necessário um pouco de dependência no que tange a relacionamentos
interpessoais de qualidade, para o alcance da autonomia humana. Pereira e
Garcia (2007) afirmam que indivíduos oriundos de contextos culturais que
valorizam a família podem apresentar dificuldades na adaptação a ambientes
que valorizam a autonomia emocional frente à família, pois uma maior
dependência nas relações familiares poderia estar associada a uma menor
influência exercida pelos amigos. Isto poderia ser considerado, portanto, um
argumento a mais a favor da importância da dependência de certos vínculos para
se mostrar autônomo diante de outros, já que, ao diferenciar-se de seus amigos,
pela aproximação com a família, os indivíduos constituiriam sua identidade.
Neste caso, a dependência dos vínculos familiares promoveria a diferenciação
do grupo de amigos, partindo da dependência para a independência como foi
defendido por Feeney (2007).

A importância das relações para o desenvolvimento não é um tema


recente. Piaget (1932/1994) já afirmava que, para haver o desenvolvimento da
autonomia, as relações de cooperação entre iguais seriam fundamentais. A
59
restrição à interação e relação em níveis hierarquicamente distintos, como pode
ser o caso, por exemplo, das relações familiares, tende a dificultar a emergência
da autonomia e a favorecer a manutenção do indivíduo em um nível heterônomo
do desenvolvimento. Assim, uma fase de heteronomia seria fundamental para o
desenvolvimento da autonomia, que necessariamente deveria substituir
progressivamente a fase anterior. Seguindo esta mesma lógica, os estudos de
Guardia e Patrick (2008) afirmam que nas relações recíprocas (românticas e de
amizade), as pessoas têm mais potencial para troca mútua, o que favorece a
motivação para satisfação das necessidades psicológicas básicas, quer sejam a
autonomia, a pertença ou a competência.

Para os mesmos autores, na adolescência, os amigos e parceiros são


figuras centrais e a satisfação das necessidades neste contexto se torna vital
para o bem-estar e funcionamento da relação. Ademais, a satisfação das
necessidades fornece uma base para o desenvolvimento da orientação das
pessoas, que possibilitará o engajamento em atividades. Pelo convívio com os
outros, as pessoas desenvolvem razões para se envolver e manter seus
comportamentos. O comportamento pode, assim, ser regulado por motivação
intrínseca, onde, a partir de maior autonomia, o indivíduo age por interesse e por
prazer na atividade por si mesma, é regido por uma tendência geral de regular o
comportamento. Assim, maiores índices de motivação autônoma garantem mais
comportamentos positivos na interação, como aproximação do outro, pedir
esclarecimento e conduzir compreensão do parceiro.

60
Em geral, maior autonomia se traduziria em mais abertura e flexibilidade
nas relações e, portanto, de acordo com Bukowski, Simard, Dubois e Lopez
(2011), os adolescentes podem se colocar em risco caso não consigam traduzir
interações comportamentais em representações de amizade mais abertas e
flexíveis. Schat e Kelloway (2008) também apresentam o suporte social como
efeito moderador de bem-estar, satisfação e comprometimento, em uma revisão
ampla de estudos realizados, em especial, no ambiente empresarial.

Steinberg (2001) também afirma que a adolescência é uma fase onde o


indivíduo se encontra mais vulnerável para assumir riscos, pois, a atividade
cerebral dopaminérgica aumenta, o que favorece a busca por recompensas
imediatas.

Ainda, é marcante a dificuldade no controle cognitivo, o que desfavorece


a análise dos custos potenciais dos comportamentos de risco, dentre os quais
se encontra o uso abusivo de drogas, aumentando as chances de se engajar nos
mesmos. Tendo em vista que a dependência química impõe riscos ao
desenvolvimento humano, os relacionamentos podem se tornar fatores de
proteção, caso se tornem influências que melhorem e alterem respostas
pessoais a certos riscos de desadaptação ou adoecimento (Koller, Morais &
Cerqueira-Santos, 2009).

61
Edwards (2004) avaliou americanos em tratamento pelo abuso de
substâncias e encontrou que os fatores de proteção mais relevantes neste
processo foram: sentir-se cuidado, experiências espirituais, insight,
comprometer-se, empoderamento da autoestima, alívio da dor emocional,
remorso, reconexão com valores tradicionais, segurança e gratidão, dentre
outros. Todos eles eram relacionados ao apoio e suporte emocional. Ferreira e
Garcia (2008) também ressaltam a importância do apoio social de parentes e
amigos na adaptação de adolescentes com doenças crônicas. Estes dados
representam uma evidência a mais para a concepção de que os relacionamentos
interpessoais são fatores primordiais para intervenção diante da dependência
química, na medida em que se apresentam como fatores de proteção que
facilitam a adaptação dos indivíduos às circunstâncias adversas advindas do
abuso de substâncias.

Amparo, Galvão, Alves, Brasil e Koller (2008) inserem escola, amigos e


família entre as principais redes de proteção aos comportamentos de risco. Del
Prette e Del Prette (2008) discutem a importância do desenvolvimento de
habilidades sociais como a empatia na relação entre os adolescentes enquanto
fator de proteção a comportamentos disruptivos, a exemplo daqueles
relacionados à dependência química. Ainda, Dishion e Owen (2009) afirmam que
o uso de substâncias em jovens adultos pode ser considerado como um

62
resultado da influência de amigos e de processos de seleção destes amigos, e
ressaltam que trabalhos de prevenção deveriam considerar aspectos
subjacentes aos âmbitos inter e intrapessoal ao uso crônico, dependência e
abuso de substâncias psicoativas. Papalia e Olds (2000) ressaltam a
vulnerabilidade dos adolescentes à influência dos amigos, no contexto mais
específico da adolescência, onde o tema das relações de influência exercidas
entre os pares se torna evidente, incluindo tanto estimular o uso quanto mantê-
lo e, em alguns casos, ser suporte para parar de usar. Em conjunto, estes dados
refletem que a relação entre amizade e dependência química é bastante
complexa.

5.0 CONSEQUÊNCIAS E DIFICULDADES DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO


ÂMBITO FAMILIAR

A família é o primeiro e principal sistema afetado pela dependência


química de um de seus membros, o que acarreta consequências na saúde dos
familiares envolvidos, fragilização de suas relações e necessidade de
intervenções terapêuticas. As famílias vivenciam problemas legais, econômicos,
de interações sociais, violência e adoecimento físico e psíquico, o que as leva à
dificuldade de engajamento no processo terapêutico e de como lidar com os
sentimentos emergentes durante o tratamento. Conclusão: O profissional de
saúde necessita de capacitação para o acompanhamento familiar e revisão de
seus conceitos para instrumentalizar os familiares.
63
O relacionamento entre o uso das drogas e o homem acompanha a
história, independente da classe social, passando do consumo de substâncias
psicoativas em situações ritualísticas para a busca do “alívio imediato de
desconforto físico, psíquico ou de pressão social”.

A concepção de abuso e dependência química tem evoluído e sofrido


transformações gradativas, decorrentes dos avanços científicos.

Dados epidemiológicos nacionais apontam que o padrão de consumo de


algumas drogas vem aumentando na população brasileira, considerando-se as
especificidades das regiões do país, gênero, faixa etária, classe socioeconômica
e tipo de drogas. O aumento abusivo e a dependência química elevam o risco
de problemas sociais, de trabalho, familiares, físicos, legais e de segurança
pública, o que acentua a necessidade de atenção.

64
Visando a uma possível efetividade e eficácia do processo terapêutico
para o indivíduo que consome substâncias psicoativas, o profissional da área da
saúde precisa atentar ao cuidado, não só desse indivíduo, mas também de sua
família, possibilitando-lhe inclusive uma participação na terapia.

A família é um sistema aberto, cujos membros se relacionam, criam laços


emocionais e compartilham suas histórias e experiências. Nessa dinâmica
relacional, seus integrantes objetivam a uma estabilidade familiar e convivem
com os desafios constantes das mudanças próprias das transições presentes no
ciclo vital da família.

Ao se definir família, consideram-se as múltiplas funções reguladoras dos


papéis assumidos por seus membros, contradições de seus comportamentos,
afetos, tensões, conflitos presentes no ambiente e que, simultaneamente,
contribuem para que esse sistema se mantenha dinâmico e em constante
transformação, cumprindo seu papel social de gerador e transmissor de crenças,
valores e tradições culturais.

Assim, compreende-se que é no interior da família que ocorrem as


interações e os conflitos, os quais possibilitam a sua organização e
reorganização, influenciando diretamente na saúde de seus integrantes.

65
A família é o primeiro e principal sistema afetado quando um dos membros
familiares passa a fazer uso de drogas lícitas e/ou ilícitas, e tal comportamento
acarreta consequências para a saúde de todos os envolvidos e a fragilização da
relação deles.

Outro fator importante é a compreensão da família como cenário de risco


e/ou de proteção diante das complexidades do abuso de drogas. Nesse caso, a
família assume o papel de criadora de possibilidades de saúde para seus
membros8 e oferece um cenário para transformações ou resoluções de
problemas. No enfoque da família como cenário de risco para tal problemática,
os fatores de risco podem estar associados como, por exemplo, às relações
afetivas conflitantes entre seus membros, situações de violência física de pais
diante de seus filhos, entre outros.

Dessa forma, é de grande relevância pensar-se na importância da família


do dependente e do papel fundamental que ela exerce no processo de
recuperação da pessoa que faz uso de substâncias psicoativas. A literatura
aponta que, no processo de adoecimento do dependente químico, um dos
fatores, mas não o único, que o motiva ao uso de drogas e às possíveis recaídas
tem relação com a inabilidade da família em lidar com o comportamento de seu
familiar dependente, necessitando também ela de acolhimento e
acompanhamento.1 Os integrantes da família enfrentam situações de angústia,
conflitos, dúvidas, medos e outros sentimentos durante a terapêutica do seu ente

66
ou entes adoecidos, portanto requerem um espaço terapêutico para serem
ouvidos e ajudados

5.1 Consequências da dependência de substâncias psicoativas na família

A família de dependentes químicos vê as consequências do alcoolismo,


ou de qualquer outra droga, como problemáticas no âmbito dos relacionamentos
interpessoais e sociais, dificultando o estabelecimento e a manutenção dos laços
afetivos. Os familiares reconhecem a necessidade de o seu membro dependente
parar de usar drogas ilícitas ou lícitas quando surgem sintomas físicos que
afetam a realização de atividades de vida diária ou as instrumentais de vida do
cotidiano. Tais situações conflitantes possibilitam a emersão de sentimentos
paradoxais nos familiares e causam-lhes marcas físicas, sociais, morais, legais
e psicológicas intensas.

A família sofre o impacto que o uso de drogas causa em um de seus


membros, conforme esse reage durante o processo de uso. Segundo apontaram
os autores, a família passa por quatro estágios sob a influência das drogas que,
devido à singularidade e subjetividade de cada uma, podem não se apresentar
no mesmo processo em todas elas.

67
No 1º estágio, há predomínio do mecanismo de defesa da negação. A
família e o usuário vivenciam situações de tensão e conflitos, porém não
verbalizam os seus sentimentos e pensamentos em relação a tal problemática.

Durante o 2º estágio, a família desperta para o problema, preocupa-se


com tal questão, tenta controlar o uso da droga. Nesse momento, evita abordar
o assunto e mantém a ilusão de que as drogas não são as causadoras dos
problemas familiares.

No 3º estágio, os membros familiares assumem papéis rígidos, previsíveis


e realizam uma inversão de papéis. As famílias assumem responsabilidades de
atos que não são seus, impedindo que o dependente químico perceba os
problemas advindos do consumo de substâncias psicoativas (SPA).

Finalmente, o 4º estágio é caracterizado pelo desgaste emocional dos


familiares e podem surgir alterações comportamentais entre os seus integrantes.
A situação fica insustentável, ocorre um distanciamento entre os membros, o que
gera uma desestruturação familiar.

5.2 Emersão de sentimentos paradoxais nos familiares

68
A literatura apontou os sentimentos mais comuns que afloram no seio da
família, diante do usuário de SPA ou de situações vivenciadas. São eles: raiva,
vergonha, humilhação, ressentimento, impaciência, sofrimento emocional,
impotência, medo do futuro, solidão diante do resto da sociedade. Os familiares
também perceberam a necessidade de impor limites para o membro
dependente, porém houve conflito entre o conhecimento deles sobre a doença e
os seus próprios conceitos já internalizados. A família apontou o descrédito às
promessas de abstenção às drogas expostas pelo dependente e sentiram culpa
e vergonha pelo estado em que ele se encontra. Muitas vezes, tal sentimento
esteve relacionado à demora familiar em identificar e/ou admitir o problema, o
que retardou a procura de ajuda externa e profissional e colaborou para agravar
o desfecho do caso.

O medo foi um dos sentimentos mais evidenciados e marcantes na vida


familiar. Muitas vezes, associado à violência contra o outro ou contra si mesmo,
às situações de abandono, de cometer erros, de não ter uma vida própria, em
virtude da obsessiva preocupação com o membro dependente, bem como o
receio de que algo de ruim aconteça ao familiar doente.

Os sentimentos experienciados pela família são semelhantes, ou


praticamente iguais aos que o usuário de drogas sente. Portanto é preciso que,
no processo terapêutico, o profissional da saúde os identifique e perceba as
69
reações dos integrantes da família diante do usuário, auxiliando-a na percepção
e ressignificação de tais sentimentos.

É muito comum a família apresentar problemas econômicos derivados de


gastos efetuados pelo dependente químico, tais como dívidas em bares, alto
gasto com tratamento médico, inclusive com situações críticas, como falência de
empresas pertencentes à pessoa doente ou da família.

Os problemas legais vivenciados pela família envolveram agressões


físicas, psicológicas ou morais, divórcios entre pares e roubos, tanto no contexto
familiar como exterior a ele.

5.3 Adoecimento psíquico e físico

70
O tema do adoecimento psíquico e físico surgiu em alguns estudos.
Dificuldades na fala, na aprendizagem e na convivência social podem ocorrer em
filhos de dependentes químicos, ocasionados pela violência, principalmente a
doméstica.

Outras respostas físicas e emocionais identificadas foram: cefaleias,


alterações da pressão arterial e dos valores glicêmicos, alterações do sono,
humor deprimido, pensamentos suicidas, prostração, letargia, ansiedade,
distúrbios alimentares e diminuição ou interrupção do contato sexual.15 Estudo
apontou que 93,53% das mulheres companheiras de dependentes alcoólicos
apresentaram-se estressadas, e 67,70% delas se encontraram numa fase de
resistência, 12,90% na fase de exaustão e de alerta, e 6,45% de quase exaustão.

Geralmente, as mulheres de usuários de drogas são os primeiros


membros a sinalizar estresse no sistema familiar, devido a conflitos, intensas
brigas, baixa tolerância e adaptação social em função das consequências da
droga.

5.4 Interação social comprometida

A literatura salientou que a dependência química ocasiona problemas no


sistema familiar, tais como: desintegração das relações, separações entre o
71
membro que faz uso de drogas e seu companheiro (a) ou filhos/filhas e outros
entes. Pode, também, desencadear um isolamento social da família, para evitar
constrangimentos e sentimentos de vergonha, raiva e humilhação. Uma das
justificativas do isolamento e afastamento do familiar em relação ao dependente
químico foi o sentimento de perda de esperança de recuperação deste ou a
possibilidade de modificação das interações familiares e sociais.

Há evidências de que esse isolamento apareça também em alguns


membros familiares na tentativa de viver em um mundo à parte, para se proteger
de algo doloroso oriundo de fora do sistema familiar.

O isolamento familiar leva ao comprometimento da recuperação e da


manutenção da abstinência de drogas, além de dificultar a ação do profissional
envolvido no processo de prevenção, promoção e tratamento do problema.

A dependência química de um ou mais membros da família causa um


impacto importante nas relações afetivas interpessoais e sociais, dificulta a
aproximação e manutenção de laços de intimidade, de confiança, com reflexos
na interação do familiar com a sua rede social e com o dependente. Porém, é
muito importante que o profissional de saúde dirija o seu olhar para a família na
dimensão de sua resiliência, ou seja, para a capacidade da família de suportar
as crises, as adversidades e superá-las, buscando recuperar-se.

5.5 Violência doméstica, física e psicológica

Estudos apontaram que entre os tipos de violência presentes, a mais


recorrente foi a doméstica que atinge pais, cônjuges e filhos. Estes últimos

72
podem sofrer graves distúrbios em seu desenvolvimento, como dificuldades na
fala, na aprendizagem cognitiva e na convivência social.

As mães e esposas de dependentes químicos demonstram grande medo


de serem agredidas fisicamente por eles. Tais agressões são ocasionadas,
muitas vezes, quando o parceiro ou os filhos estão sob o efeito do álcool.

Com isso, evidenciou-se que o cotidiano demonstrado pelos familiares é


instável, permeado por diversos conflitos, ameaças, desqualificações, ciúmes,
violência física e psicológica.

Outro dado importante constata que crianças criadas em famílias onde


outros membros abusam ou são dependentes de álcool e de outras substâncias,
também apresentaram risco elevado para abuso físico e sexual.

As situações de violência, expressas nas agressões físicas e/ou


emocionais vivenciadas pelas crianças e adolescentes, são consideradas
estressores familiares, portanto, fatores de risco para que essa população
também passe a fazer uso de substâncias psicoativas.

5.6 Sintomas de codependência

Os problemas causados pela utilização de drogas, ilícitas ou lícitas,


afetam o cotidiano da família, o que lhe torna possível o surgimento de diversos
sintomas, sentimentos e atitudes, característicos da codependência tais como:
medo, desconfiança, culpa, excesso de cuidado/controle para com o outro,
descuido para consigo, mudanças no estilo de vida. Além desses, podem surgir:
sobrecarga física e emocional, baixa autoestima, sentimento de impotência,
fracasso, sensação de vazio, o que leva as famílias à necessidade de suporte
terapêutico.

73
O termo codependência pode ser entendido como a dependência
emocional de uma mãe com seus filhos e/ou filhas, da esposa em relação ao
esposo, de filhos/filhas com seus pais ou irmãos, que assumem uma atitude de
cuidador/ cuidadora obsessiva com o (a) outro (a), preocupam-se e tentam
controlar excessivamente o comportamento do outro, levando-o a esquecer-se
de si próprio.

Consideram-se o alcoolismo e a codependência como doenças, com


características de negação, obsessão, compulsão e perda de controle. Seus
comportamentos são socialmente aprendidos e afetam a saúde física e mental,
tanto das pessoas que consomem substâncias psicoativas como daqueles que
convivem cotidianamente com o dependente.

No Brasil, a influência da abordagem patológica ou de doença é muito


forte entre os profissionais da saúde e abrange o conceito de codependência.
Atualmente, esse termo é questionável, pois apresenta uma visão estigmatizada
tanto do comportamento do dependente como da família.

Há um predomínio de culpar o dependente como causador do sofrimento


dos familiares: busca-se identificar as vítimas (familiar ou dependente) e o
culpado (o dependente químico ou familiar), sustenta-se uma visão do “bem”
versus o “mal” e mantém-se a simbiose. A família se culpa pelos
74
comportamentos do dependente químico, que julga ser a família a causadora do
seu comportamento inadequado.

Atualmente, busca-se responsabilizar o dependente e a família


separadamente. Cada um se responsabiliza por si e trabalha com a ambivalência
familiar, ou seja, sentimentos coexistentes e conflitantes a respeito de algo,
caracterizados por posturas que oscilam da vulnerabilidade aos desafios e vice-
versa.

5.7 As dificuldades enfrentadas pela família, durante o tratamento do


dependente químico

A partir da literatura, foram identificadas quatro categorias temáticas


relacionadas às dificuldades enfrentadas pela família durante o
acompanhamento terapêutico do dependente químico: 1) falta de engajamento
da família; 2) necessidade de lidar com os sentimentos emergentes; 3)
predomínio da visão do modelo moral e 4) acesso à rede de atendimento à
saúde.

5.7.1 Falta de engajamento da família

A inserção familiar no processo terapêutico a corresponsabiliza, pois o


dependente químico necessita de ser assessorado, considerando-se as suas
dificuldades de relacionamento com os membros familiares e pessoas do

75
ambiente externo. Além disso, o apoio familiar favorece a adesão do usuário ao
tratamento e ao serviço de saúde.

Geralmente, a família compreende que somente o serviço de atendimento


à saúde mental é responsável pelo cuidado do dependente de álcool e de outras
drogas, além de depositar na equipe e no serviço a expectativa de cura. Tal
pensamento pode ser considerado um dos motivos do não engajamento da
família no processo terapêutico, bem como de sua resistência em compreender
que alguns de seus problemas podem ser fatores determinantes de risco para o
consumo de SPA do membro doente. Dessa maneira, é necessário oferecer
informações para a família, com melhor explicação sobre a situação e o
tratamento atual do alcoolista, bem como de dependentes de outras substâncias.

A interação da família no tratamento do dependente é um fator que


merece investimento, seja em relação ao atendimento individualizado,
principalmente com entes diretamente afetados pelo problema, seja através de
intervenções no âmbito comunitário para a integração social da família. O
envolvimento de famílias que compartilham do mesmo problema torna-se de
grande relevância para a terapêutica, por criar um espaço de trocas de vivências,
angústias e informações para a compreensão da dependência química.

Estudos demonstraram a relação entre tempo de permanência de um


paciente em tratamento com maior número de sessões frequentadas pelo
familiar. As mulheres, especialmente as mães, foram a presença mais constante
e em maioria, o que confirma que há uma questão de gênero no aspecto do

76
cuidar, ou seja, como em outras doenças, as mulheres são as mais envolvidas
com o dependente e o tratamento.

O engajamento de um familiar pode ser facilitado quando esse estiver


motivado para ajudar o membro dependente for bem acolhido por toda a equipe
de saúde, tornando-se importante a não identificação de culpados e evitando-se
atitudes de pré-julgamento.

Os profissionais de saúde precisam investir na informação aos familiares


(inclusive psicoeducativa), proporcionar condições de acesso das famílias ao
serviço através de suporte financeiro ou vale transporte e a certeza de que o seu
membro dependente químico será bem acolhido nos serviços de saúde, além de
ofertar apoio familiar, através de outros recursos.

Há uma forte tendência em considerar que todo o empenho da família está


relacionado à construção ou à reconstrução de relações.

5.7.2 Necessidade de lidar com sentimentos emergentes durante a terapêutica

77
A família precisa de um espaço em que possa compartilhar informações,
receios, segredos, cuidados específicos e preventivos da recaída, habilidades
pessoais do dependente químico na mudança de hábitos e rotinas. Para o
cuidador do alcoolista, tal tarefa é desgastante, humilhante, geradora de
frustrações, e desencadeia dificuldades emocionais, as quais podem surgir no
contexto geral de vida do dependente químico.

A família também vivencia sofrimentos nos momentos de recaída12, pois


sente-se limitada diante das dificuldades do outro, bem como quando o alcoolista
volta ao estágio de pré-contemplação (primeira fase de estágio de motivação
para a mudança, em que o indivíduo nega que a droga é o fator de risco ou
causador de sua dependência). Diante de tal fato, a família apresenta
sentimentos de descrença em relação ao tratamento e à manutenção da
abstinência pelo dependente químico, assim como é difícil para ele entender que
está doente e necessita manter-se abstinente.

Estudo com familiares de um CAPS-ad apontou que a “convivência entre


familiares e usuários é representada por um movimento de ir e vir, um continuum
de sofrimento, angústia, impotência e violência, no contexto do lar e/ou na rua”.

5.7.3 Predomínio da visão do modelo moral

A visão do modelo moral do uso de drogas ainda é predominante para os


familiares, o que dificulta, muitas vezes, o tratamento.

O modelo moral enfatiza que os dependentes químicos são responsáveis


tanto pelo surgimento do problema quanto por sua solução, pois parte-se do
entendimento de que o alcoolismo, por exemplo, resulta de uma falha moral dos
indivíduos. Assim, eles são culpados pelo desenvolvimento do uso/abuso e
dependência química e, portanto, falta-lhes força de vontade e/ou força moral na
iniciativa para a mudança.

Historicamente, houve o surgimento de vários modelos etiológicos para


explicar os motivos que levam o indivíduo a fazer uso da droga, bem como
manter o consumo até a evolução para a dependência química.

78
Um dos modelos explicativos para a compreensão do uso de drogas é
denominado de compensatório, o qual define que as pessoas não são
responsáveis pelos problemas, mas pelas soluções e precisam de motivação e
habilidades para a mudança do comportamento relacionado ao consumo de
substâncias psicoativas. Tal modelo pressupõe o uso de técnicas advindas da
teoria cognitivo-comportamental, e possibilita ao dependente químico aprender
habilidades sociais e de enfrentamento em relação às situações de risco que
podem levá-lo a consumir drogas.

Atualmente, o modelo do ecletismo reúne os fatores biológicos, sociais,


psicológicos e da própria substância psicoativa para explicar a gênese do seu
consumo, refletindo nas diversas estratégias e abordagens de tratamento. Dessa
maneira, não há uma abordagem terapêutica superior à outra e, desde que
sejam embasadas cientificamente, podem ser praticadas de maneira isolada ou
combinada, considerando-se a singularidade, subjetividade e limites do indivíduo
dependente químico.

5.7.4 Acesso à rede de atendimento à saúde

79
A possibilidade ou não de acesso aos serviços também foi muito
enfatizada, considerando-se que a eficácia e eficiência do tratamento dependem
da articulação de vários recursos que constituem a rede de apoio social.

Os familiares veem no serviço substitutivo como, por exemplo, o Centro


de Atenção Psicossocial-álcool e outras drogas (CAPSad), “uma nova
possibilidade de melhora e esperança no tratamento de seus parentes
dependentes”11:59, pois esses serviços ajudam a suportar as dificuldades
vivenciadas por tal problemática e favorecem a melhora no cotidiano de vida e
na saúde de seu membro adoecido. Tal serviço também possibilita aprimorar as
relações entre os membros da família e desta com a comunidade, mesmo que
sejam identificadas algumas fragilidades operacionais.

Entretanto, na análise da situação da rede de saúde de um município, a


literatura apontou precariedade de recursos públicos no atendimento ao
alcoolista, bem como o desconhecimento das famílias sobre as alternativas de
recursos existentes, tais como: grupos de mútua ajuda para famílias e filhos de
alcoolistas (como, por exemplo: Al-Anon e Alateen). Observou-se, também, a
dificuldade das pessoas em chegar a esses serviços para atendimento e
assistência.

80
Alguns familiares vivenciam a experiência de serem encaminhados para
outros serviços de saúde, considerados distantes da área de abrangência do
dispositivo de saúde mental (CAPSad).

No âmbito de participação política, as famílias têm o desejo de aumentar


o seu leque de possibilidades, mas são barrados pela falta de ampliação de
formas participativas, em virtude da infraestrutura ou gestão organizacional
deficitárias, incapazes de incluí-las nos momentos de atividades decisórias.

Compreendeu-se que a família não pode ser considerada um problema


ou fator complicador que necessita permanecer fora do processo terapêutico do
dependente químico. Ao contrário, é preciso considerá-la uma forte aliada ou o
principal apoio no processo de resgate dessa pessoa. Embora pareça
desprovida de recursos, é no núcleo familiar que se encontra grande parte da
solução para o problema.

Porém é importante ressaltar que cada família que vivencia as


consequências decorrentes do alcoolismo e de outras drogas compreende e
reage às situações conflituosas de acordo com seus valores, bem como utiliza
seus recursos próprios para lidar com essa situação.

81
6.0 DEPENDÊNCIA QUÍMICA E TRATAMENTO

O tratamento da dependência química é um assunto relativamente novo.


Não faz dois séculos, o beber excessivo do Reino Unido era punido com
exposição em praça pública e publicação dos nomes nos principais jornais da
cidade.1 Até meados do século XX, o termo dependência enfatizava mais as
complicações clínicas do consumo do que o comportamento em si. 2

Apenas a partir da segunda metade do século, o conceito de dependência


deixou ser considerado um desvio de caráter ou um conjunto de sinais e
sintomas físicos para ganhar características de transtorno mental. 3 Além disso,
ao entender o consumo de álcool e drogas como um padrão de comportamento
cuja gravidade varia ao longo de um continuum, influenciado por fatores
biológicos, psicológicos e sociais, surgiu a necessidade de organizar serviços
que atendessem aos usuários em seus diferentes estágios e considerassem
também sua reabilitação psicossocial e qualidade de vida.

Desse modo, serviços de atendimento foram sendo criados ou adaptados


para o tratamento dos diferentes estágios da dependência química:
ambulatórios, centros de convivência, internações breves e longas, hospitais-dia,
moradias assistidas, acompanhamento terapêutico, agentes multiplicadores,
dentre outros. Para ampliar ainda mais a malha de atendimento a esses
usuários, nasceu a necessidade de sensibilizar a rede primária de atendimento,
82
visando ao diagnóstico precoce e à motivação dos usuários para o
tratamento. Abordagens como a política de redução de danos surgiram com a
finalidade de prevenir consequências danosas à saúde do usuário, tais como as
doenças sexualmente transmissíveis e a AIDS, sem necessariamente interferir
na oferta ou na demanda.

O conhecimento das idiossincrasias do dependente e da variedade de


abordagens e modelos de tratamento disponíveis trouxe novos paradigmas para
a organização de serviços de atendimento. Não basta somente boa vontade,
idealismo e empenho da equipe: um serviço de atendimento deve conhecer a
fundo sua estrutura organizacional, determinar o perfil da população-alvo atual e
potencial e o contexto sociocultural que a circunda. É necessário, também,
planejar o futuro do serviço, monitorar a implementação e avaliar os resultados
de modo constante e sistemático.

6.1 O enquadre terapêutico

O ambiente de tratamento, a composição da equipe profissional e o tipo


de tratamento constituem o enquadre terapêutico, ou seja, a organização interna
do serviço. Esta estrutura (institucional, profissional e teórico-prática) determina
o modus operandi do programa de atendimento.

6.1.1 Ambientes de tratamento

83
Há incontáveis tipos de ambientes de tratamento, apesar de alguns serem
mais conhecidos e tradicionais (Quadro 1). Cada um deles possui vantagens e
desvantagens na prestação de auxílio ao dependente químico. Não há um
serviço melhor que o outro, mas sim pacientes mais indicados para cada serviço.
A compreensão e o entendimento das possibilidades e limitações de cada
ambiente de tratamento auxiliam o processo de adequação de um serviço às
necessidades da comunidade a qual presta assistência.

O momento do tratamento também influencia a escolha do


serviço. Usuários de álcool com sintomas agudos de abstinência podem
requerer um ambiente ambulatorial não-intensivo, intensivo, hospital-dia ou até
uma internação para desintoxicação. Três semanas depois, porém, os sintomas
de abstinência já não são mais o problema preponderante e abordagens menos
intensivas e comunitárias poderão ser instituídas. Dessa maneira, é preciso
reconhecer o serviço mais indicado para aquele momento e saber combiná-lo a
outros ambientes onde a sequência do tratamento se dará.

Em muitos países, os diversos ambientes de atendimento para


dependência química encontram-se divididos em modalidades distribuídas ao
longo de um continuam de cuidados. O Brasil, infelizmente, ainda não possui
uma legislação normatizadora dos níveis de atendimento, tampouco do papel de
cada profissional da saúde no tratamento das dependências químicas, apesar
de problemas acerca do tema já terem sido identificados por diversos estudos
nacionais. Tal carência dificulta o encaminhamento racional daqueles que

84
procuram auxílio especializado, sobrecarregando setores que deveriam se
responsabilizar por apenas uma parte do tratamento.

Ainda assim, faz parte da organização de um serviço determinar, mesmo


que grosseiramente, qual o seu ponto de inserção dentro da rede de tratamento
disponível em uma determinada região (Figura 1). Todo o serviço deve procurar
o seu lugar para apoiar, com mais eficácia, o paciente que o procura e se
conectar aos demais serviços disponíveis, para formar redes de apoio mútuo.
Isso reforça e amplia as estratégias de tratamento do serviço e possibilita o
encaminhamento daqueles que já concluíram o tratamento proposto, mas ainda
necessitam de outras abordagens.

85
6.1.2 Composição da equipe profissional

Há muitos profissionais diretamente envolvidos no tratamento da


dependência química. Cada ambiente (e a complexidade de sua organização)
requer um tipo de equipe. Um hospital-dia é um ambiente eminentemente
multidisciplinar, enquanto uma comunidade terapêutica pode funcionar com
apenas um profissional da saúde especializado, integrado a um grupo de ex-
usuários. Independentemente da complexidade de cada serviço, é importante
que os pacientes tenham acesso a todos os profissionais necessários. Mais uma
vez, além de conhecer seus limites e sua posição no nível de atendimento, um
serviço também deve estar integrado à totalidade da rede de atendimento, a fim
de potencializar ou suprir pontos não cobertos por seu tratamento.

6.2 Tipo de tratamento

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) & Comissão


Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) descrevem quatro
aspectos fundamentais para caracterizar um tipo de tratamento: caráter da
intervenção, estratégia terapêutica, metas terapêuticas e filosofia do
tratamento (Quadro 2).

86
A definição do tipo de tratamento de um serviço tem caráter estrutural e pode ser
identificado em qualquer serviço. Sua determinação permite avaliações mais

87
objetivas acerca dos resultados obtidos, confere seriedade aos procedimentos e
demonstra maturidade por parte da equipe de tratamento.

6.2.1 Componentes de um serviço de atendimento

Independentemente do enquadre terapêutico proposto, um serviço deve


propiciar ao paciente que o procura uma infraestrutura capaz de atender as suas
necessidades e remover barreiras que dificultem sua adesão à proposta
terapêutica. O National Institute on Drug Abuse (NIDA) considera que qualquer
serviço deve oferecer – dentro da própria instituição ou por meio de parcerias e
encaminhamentos –, ao menos, treze itens.

6.3 Planejamento das ações

Mesmo que o serviço estruturado não se dedique, a priori, a um perfil


estrito de pacientes, certamente a população que procura seu auxílio possui
particularidades. Além disso, o contexto social, o perfil da população atendida e
o tipo de substância se modificam com rapidez. Dessa forma, um serviço deve
estar atento a essas mudanças e adaptar sua estrutura com dinamismo, sempre
que necessário.

6.3.1. Diagnóstico

88
A organização de um serviço começa pela clarificação da estrutura
disponível (enquadre terapêutico) e das necessidades dos indivíduos que irão
procurá-la. Alguns questionamentos relacionados a essa fase são a prevalência
local do consumo de substâncias psicoativas, da via de administração e das
complicações clínicas e sociais relacionadas; o perfil sociodemográfico da
população atingida; o modelo que atenderia da melhor maneira tais
necessidades; a eficácia das tentativas de tratamento anteriores; a existência de
serviços de apoio na região; e o nível de capacitação e entrosamento da equipe.

Esses dados podem ser obtidos por meio de levantamentos


epidemiológicos oficiais, elaboração de bancos de dados do serviço, estudos de
seguimento com grupos de pacientes, estudos qualitativos com representantes-
chave da população local ou com pacientes do serviço, aplicação de escalas de
satisfação dos pacientes, entre outros.

6.3.2 Implementação

O passo seguinte consiste no planejamento das ações a partir das


potencialidades e limitações do serviço para atender às idiossincrasias desta

89
demanda. Tais ações devem visar ao alcance de objetivos e metas específicos,
hierarquizados, considerando a prioridade de cada um.18

A priorização das ações não deve ser elaborada exclusivamente por


critérios financeiros. O impacto social, a viabilidade e a aceitabilidade das
mudanças que elas trarão também precisam ser avaliados.17

O cumprimento destas ações, dentro da realidade (interna e externa) de


cada serviço, requer estratégias específicas, tais como ampliação ou
modificação do foco do atendimento; investimento em capacitação profissional
ou na ampliação da rede de apoio; melhora do ambiente de trabalho; e outros.
Além disso, os responsáveis pela execução e os recursos (humanos, logísticos
e financeiros) necessários para o sucesso do empreendimento devem ser bem
estabelecidos.

6.3.3 Monitoramento e avaliação

A avaliação é parte constituinte (e indissociável) da organização de um


serviço. Ela é a responsável pelo dinamismo que toda a proposta de tratamento
deve possuir. Sem a avaliação, o serviço estará à mercê das mudanças sociais
e da persistência de erros que o expõe constantemente ao desgaste e ao
anacronismo. Além disso, as mudanças resultantes das ações implementadas
constituem, por si só, uma nova realidade. Elas precisam ser entendidas por toda
a equipe, para que as adaptações possam favorecer a todos.

Uma boa avaliação permite ao serviço mensurar a qualidade e o impacto


das ações implementadas, identificando, por exemplo, grupos mais refratários e
estratégias malsucedidas e abrindo novas discussões na equipe a fim de

90
solucioná-los. Desse modo, todo esse processo deve ser monitorado e avaliado
constantemente para que os aprimoramentos ou modificações necessárias
sejam implementados antecipadamente, aproveitando as oportunidades e
evitando ameaças à viabilidade do serviço.

A avaliação de um serviço, baseada em critérios científicos, é um


procedimento complexo, que requer estudos sistematizados, com grupos-
controle para comparações e amostras randomizadas.19 Por isso, são difíceis de
serem implementadas em serviços que não contem com profissionais altamente
capacitados. No entanto, é sempre possível balizar a efetividade de um serviço,
considerando alguns indicadores, tais como adesão, melhora dos padrões de
consumo, do nível de emprego, dentre outros (Quadro 4).

91
Há alguns critérios que podem ser seguidos para valorizar a análise de
efetividade, por mais que se dê fora dos parâmetros estritamente científicos
(Quadro 5). Sobre isso, vale ressaltar a importância de determinar a adesão e
comparar os resultados do tratamento entre os que abandonaram e
permaneceram em tratamento. Por exemplo, um serviço pode demonstrar que
90% dos pacientes que concluíram seu tratamento estão abstinentes e
melhoraram significativamente seu desempenho social. No entanto, esses
representam apenas 5% do total de pacientes que iniciaram o tratamento. Isso
quer dizer que, no total, o serviço funcionou apenas para 4,5% dos dependentes
que o procuraram. Será preciso comparar os dados entre aqueles que
permaneceram e abandonaram para, por exemplo, identificar barreiras à adesão
e buscar novas estratégias motivadoras.

92
No Brasil, boa parte dos serviços é organizada única e exclusivamente a
partir do empenho e da experiência de seus profissionais. Isso origina serviços
com potencial de atendimento limitado e desvinculado das necessidades locais.

O conhecimento acerca da estrutura do serviço e das necessidades dos


pacientes (atuais e/ou potenciais) orienta, refina e otimiza a proposta terapêutica
em andamento. O processo de planejamento constitui a etapa dinâmica da
organização. Nesse momento, os diversos componentes são dispostos e
integrados de uma maneira sistematizada, fortalecendo potencialidades,
aprimorando deficiências e respondendo melhor à realidade externa que
circunda o projeto terapêutico.

Apesar de complexo, o processo de organização de serviços conta hoje


com manuais e diretrizes objetivos e de fácil acesso (on-line), que viabilizam sua
implementação dentro de equipes dispostas e motivadas para tal desafio.

6.4 CAPS AD– Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas

93
As Unidades de Acolhimento para pessoas com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas oferecem atenção
residencial de caráter transitório sendo parte da Rede de Atenção Psicossocial
com ações voltadas para o trabalho, a geração de renda, o esporte, o estudo, de
forma que possa construir um novo projeto de vida.

Oferece cuidados contínuos de saúde com o objetivo de oferecer


acolhimento voluntário e cuidados contínuos para pessoas com necessidades
decorrentes de uso de crack, álcool e outras drogas, de ambos os sexos,
acompanhadas nos CAPS, em situação de vulnerabilidade social e/ou familiar e
que demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório.
Encaminhados pelo CAPS de referência com relatório de encaminhamento e
plano terapêutico singular do CAPS de referência.

6.5 Clínicas de reabilitação – internação

Consiste, basicamente, num programa que associa isolamento total ou


parcial, medicamentos, atividades reconstrutoras de parâmetros morais e
sociais, apoio psicológico e psiquiátrico.

O caminho é multifuncional, onde várias especialidades atuam na busca


por melhorias, já que a ação da droga, atinge todo o organismo e assim precisa
ser tratado.

O tratamento pode ser voluntário e involuntário, sendo que a primeira


situação envolve a concordância do paciente, que resolve entrar para o
tratamento de livre e espontânea vontade, reconhecendo a necessidade de
apoio para se livrar do problema.

94
Em alguns casos, os efeitos das drogas são tão devastadores, que um
dos primeiros elementos perdidos é o discernimento de autocuidado, o que
impede o indivíduo de decidir os melhores caminhos para sua vida, e isto leva à
necessidade de internação compulsória, contra a vontade do usuário.

Além do isolamento social, o tratamento observa algumas etapas naturais


ao processo, a maioria ligada à abstinência, que é o primeiro inimigo a ser
vencido.

Existem clínicas especializadas em diversos níveis e para praticamente


todos os patamares socioeconômicos, a partir da classe média, com
investimentos de portes variados, mas que podem ser definidos numa faixa entre
os 5 e os 20 mil reais por um tratamento de 90 dias, com tudo mais ou menos
incluído no pacote.

Nada com menos de 90 dias possui alguma efetividade na maioria dos


casos e um tratamento com efeitos consideráveis e maiores taxas de sucesso,
costuma durar algo como 6 meses (180 dias) no processo de internação e
reconstrução da personalidade.

Neste período, estão envolvidas diversas etapas, com uns primeiros 90


dias de internação direta e exclusiva, onde o paciente não sai da clínica e passa
por diversas fases de ações e atividades de início da recuperação, visando a
total libertação da necessidade e vontade de consumo.

95
Depois deste período, outros 90 dias se dividem entre internação parcial,
onde o paciente começa, gradativamente, a passar o dia na clínica e retornar
para casa, à noite, para dormir, retornando à clínica novamente, todos os dias.

É caro, é dispendioso, é trabalhoso, é desafiador, é agressivo, é sofrido,


e nem sempre dá certo.

7.0 PSICOLOGIA E TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS

Pela teoria cognitiva, a dependência química resulta de uma interação


complexa entre cognições (pensamentos, crenças, ideias, esquemas, valores,
opiniões, expectativas e suposições); comportamentos; emoções;
relacionamentos familiares e sociais; influências culturais; e processos
biológicos e fisiológicos. A TC, obviamente, focaliza primordialmente os
processos cognitivos. Estes, por sua vez, interagem com os sistemas
emocionais, ambientais e fisiológicos, determinando se uma pessoa terá maior
ou menor probabilidade de ser dependente.

96
A prática clínica da TC prescinde da teoria. Assim, a TC pode ser
considerada a aplicação da teoria cognitiva de psicopatologia a um caso
individual. Ela relaciona os vários transtornos psiquiátricos a variáveis cognitivas
específicas e se fundamenta em diversos princípios formais e abrangentes. Na
teoria da TC, a natureza e a função do processamento de informação e de
atribuição de significados aos acontecimentos da realidade constituem a chave
para entender o comportamento mal adaptado.

A teoria comportamental da dependência química tem seu foco nas


teorias do aprendizado social (condicionamento clássico, aprendizagem
instrumental e modelagem), que será detalhado mais adiante. Entretanto,
cognições e comportamentos têm intima relação. A teoria cognitiva tem como
uma de suas premissas básicas o fato de que a cognição tem primazia sobre a
emoção e sobre o comportamento. Em outras palavras, para a teoria cognitiva,
mais importante que a situação real são as cognições associadas a elas. São as
avaliações atribuídas à situação específica que influenciam as emoções e os
comportamentos. Além disso, no processo terapêutico, as mudanças cognitivas
precedem as mudanças emocionais e comportamentais.

Embora haja significativas diferenças entre a teoria cognitiva e a teoria


comportamental, tem sido debatido, ultimamente, que a teoria cognitiva se
constitui como unificadora para a psicoterapia e para a psicopatologia. A TC
utiliza um conjunto de técnicas dentro do enquadre do modelo cognitivo da
psicopatologia, mas utiliza também técnicas derivadas dos modelos
comportamentais. Dada esta complexa relação, recomendamos que a Terapia
97
Cognitiva, a Terapia Comportamental e, principalmente, a combinação delas,
sejam aplicadas por profissionais devidamente treinados, com formação e que
dominem o conhecimento teórico. Já a Prevenção de Recaída e o Treinamento
de Habilidade não consistem formalmente num modelo de terapia. A PR e o TH
assentam-se nas teorias cognitivas e comportamentais e sua aplicação clínica
baseia-se em técnicas mais aprimoradas para o comportamento de uso de
drogas. Portanto, a PR e o TH são ideais para serem utilizados pelos psiquiatras
gerais, com treinamento adequado, sem a necessidade da formação nem das
supervisões recomendadas por Beck, no caso da TC e TCC.

7.1 Teorias e técnicas comportamentais aplicadas à dependência química

Vários estudos controlados, aleatórios, mostraram a eficácia da BT para


redução do uso de drogas e problemas associados. Ela pode ser aplicada em
diferentes locais (ambientes hospitalares, ambulatoriais e domiciliares) e em
diferentes modalidades (individual, grupal e familiar). A BT dispõe de diversas
técnicas, descritas a seguir, e ainda pode ser combinada com outras
modalidades de tratamento, como a Entrevista Motivacional. A BT se concentra
em estratégia para modificação e melhora do estado motivacional e explora
comportamentos associados ao uso de drogas, com vistas a mudar o estilo de
vida e os comportamentos de risco para uso de droga.

7.2 Teoria do Aprendizado Social

98
De acordo com Heather, 1997, o homem não é um ser totalmente racional.
Persistem, na espécie homo sapiens, processos instintivos. Este mecanismo
instintivo permite que as pessoas ajam pelos meios aos quais estão mais
acostumadas a fazê-lo. A teoria do Aprendizado Social estuda, de forma
sistemática, como os humanos aprendem a agir, pensar e sentir em
determinadas circunstâncias. Esse aprendizado se dá em diversos níveis, mas
destacaremos, aqui, os dois principais: condicionamento clássico e
aprendizagem instrumental.

7.2.1 Condicionamento clássico

Pavlov, 1904, conduziu um experimento em laboratório que demonstrou


que um estímulo neutro poderia ser transformado em estímulo condicionado pelo
aprendizado. Ao tocar um sino (estímulo neutro) e oferecer carne repetidas
vezes a um cão (estímulo não-condicionado), este salivava. Depois de certo
tempo, ao tocar o sino, mesmo na ausência da recompensa, o cão ainda
salivava. O barulho do sino passou a ser um estímulo condicionado ao alimento
e a salivação se tornou uma resposta condicionada ao barulho do sino. Este
modelo pode ser aplicado aos comportamentos humanos. Chidress et col.,
1993, mostrou a relação entre a exposição de pacientes a determinadas
situações, lugares, objetos e pessoas, com a reação deles a estes sinais e
afirmou que esse conhecimento poderia ser útil para melhorar a habilidade de
enfrentamento dos pacientes ao uso de drogas.

99
Observemos que o foco da teoria comportamental está nas situações de
alto risco e no comportamento de uso de droga. A teoria cognitiva tem seu foco
voltado às cognições que evocam a fissura e aos pensamentos e crenças que
facilitam o comportamento de busca e de uso da droga.

Baseando-se nesses princípios, o terapeuta comportamental faz um


mapeamento, junto com o paciente, sobre as situações, lugares, companhias
etc., que estão condicionados ao uso da droga. Ele ajuda o paciente a
reconhecer estes sinalizadores8 e a traçar novos comportamentos, visando
desfazer alguns estímulos que se condicionaram ao uso da droga.

7.2.2 Aprendizagem instrumental

100
Esta teoria decorre da existência de primórdios biológicos que atraem os
humanos para a busca de prazer imediato e evitação das situações que os
privem de satisfação ou imponham sofrimento. O maior expoente
do condicionamento operante foi Skinner. Ele demonstrou que reforços positivos
(satisfatórios) ou negativos (desprazer) influenciavam o comportamento. A BT
postula que a vida do dependente químico é desprovida das recompensas
cotidianas (contatos sociais, amigos, diversões). Além disso, os pacientes têm
dificuldades para lidar com afetos negativos, críticas ou frustrações.

Por outro lado, os próprios efeitos bioquímicos da droga provocam


sintomas desagradáveis e disfóricos na ausência dela. De acordo com a Teoria
da Aprendizagem Instrumental, a droga representa um reforço positivo
momentâneo para o paciente que não encontra recompensas em outros
comportamentos.

O terapeuta comportamental encoraja o paciente a encontrar prazer em


outras situações que não ofereçam riscos e ajuda no manejo da síndrome de
abstinência, com vistas a encontrar outras recompensas que não sejam pelo uso
da droga.

Atualmente, com os avanços das pesquisas neuroquímicas em


dependência química, esta técnica pode ser questionada por dois caminhos: 1)
Pesquisas recentes postulam a hipótese de que algumas pessoas apresentam
uma dificuldade biologicamente determinada para obter prazer em atividade
cotidianas e tendem a buscá-lo em atividades de risco como esportes radicais e
uso de drogas. Postulou-se que essas pessoas tinham "Deficiência do Sistema
de Recompensa Cerebral". Embora ainda não comprovada, esta teoria
invalidaria a técnica de busca por atividades prazerosas em coisas simples. 2)
Na busca por outras atividades recompensadoras, o paciente pode manter
algumas cognições distorcidas. Ele pode esperar que encontre em alguma
atividade livre de riscos o mesmo prazer, intenso e imediato, ocasionado no
momento de uso de droga. Entretanto, por questões óbvias, nenhum prazer se
equipara àquele ocasionado pela droga e o paciente pode se frustrar e passar a
não acreditar na terapia e no terapeuta. O terapeuta comportamental deve estar
atento a estas questões, para não gerar expectativas infundadas.

101
Outra técnica, utilizada com base na Teoria da Aprendizagem
Instrumental, são as abordagens psicossociais descrita por Budney e Higgins.
Eles incorporaram na terapia alguns reforços positivos – os Vouchers. Este
programa de tratamento necessita de três amostras semanais de urina para
screening de droga. Na ausência de droga ao exame, o paciente recebe um
sistema de Vouchers atribuindo pontos que podem ser trocados por objetos
consistentes com um estilo de vida sem drogas, como artigos desportivos e
bilhetes para espetáculos culturais e cinemas.

Em dois estudos clínicos controlados, Higgins e colaboradores, 1991 e


1993, observaram alta taxa de aceitação, retenção e abstinência nos pacientes
que seguiram o programa baseado em Vouchers, quando estes foram
comparados aos pacientes que receberam o tratamento padrão. Ao substituir
os Vouchers por outras formas de incentivos de menor valor, os desfechos não
apresentaram diferenças significativas se comparados ao sistema de Vouchers.

7.3 Teoria e técnica cognitiva aplicada à dependência química

A TC é uma abordagem estruturada ou semiestruturada, diretiva, ativa e


de prazo limitado. Ela se fundamenta na racionalidade teórica de que o afeto e
o comportamento de um indivíduo são, em grande parte, determinados pelo
modo como ele estrutura o mundo. Neste sentido, mais importante do que a
situação real, é a avaliação que o indivíduo faz a respeito dela. Uma mesma
situação pode, portanto, desencadear diferentes emoções (tristeza, raiva,
ansiedade etc.). Por exemplo, imaginemos um indivíduo que chega à garagem
do seu prédio e percebe que esqueceu as chaves do carro no apartamento. Ele
pode avaliar esta situação de várias maneiras. Exemplifiquemos duas: 1) ao
102
perceber que está sem as chaves, ele pode pensar que é uma pessoa "azarada"
e que seu dia começara ruim; a emoção que acompanha essa avaliação é
tristeza e desânimo. Com este sentimento, seu desempenho no trabalho tende
a ser baixo. 2) ele pode, ao contrário, pensar que, se subir ao apartamento para
pegar as chaves, vai se atrasar. A emoção que ocorre neste caso é ansiedade.
Ele chega ao trabalho tão ansioso que não consegue seguir a programação do
dia: seu desempenho também cai.

O objetivo da TC é reestruturar as cognições disfuncionais e dar


flexibilidade cognitiva no momento de avaliar situações específicas como a
exemplificada acima. A TC visa à resolução de problemas focais, objetivando,
em última análise, dotar o paciente de estratégias cognitivas para perceber e
responder ao real de forma funcional.

A TC contrasta com a BT por dar maior ênfase às experiências internas


(pensamentos, sentimentos, desejos). O terapeuta cognitivo fórmula as ideias e
crenças disfuncionais do paciente sobre si, sobre suas experiências e sobre seu
futuro em hipóteses e, então, testa a validade dessas hipóteses de uma forma
objetiva e sistemática.

Os pilares conceituais da prática de TC são os seguintes:

- Esquemas e Crenças Básicas

Os Esquemas são estruturas psíquicas que contêm avaliações


firmemente estabelecidas. O Esquema, se traduzido em palavras, forma
criações hipotéticas chamadas de Crenças Básicas. As Crenças Básicas,
quando disfuncionais, caracterizam-se por serem irracionais,

103
supergeneralizadas e rígidas. Levam a sofrimento psíquico e comportamentos
mal adaptados, além de impedirem a realização de metas.19,15 O Quadro
I mostra alguns exemplos de Esquemas Cognitivos disfuncionais e suas
respectivas Crenças Básicas.

Segundo Beck, as Crenças Básicas disfuncionais podem ser classificadas


em dois tipos: 1) Crenças de Desamparo e 2) Crenças de "Não ser querido".
O Quadro II exemplifica as crenças mais frequentes na clínica e as classifica
nestas duas categorias.

- Pensamentos automáticos

104
As Crenças Centrais Básicas são avaliações genéricas sobre si mesmo,
sobre o outro e sobre a relação com o mundo que o cerca. Na maioria das vezes,
tais crenças não são conhecidas e claras para o indivíduo (são inconsciente)
mas, sob determinadas circunstâncias, influenciam a percepção sobre as coisas
e é expressa como pensamento automático, específico a uma situação. Os
pensamentos automáticos derivam de um "erro" cognitivo e têm íntima relação
com as crenças. O Quadro III exemplifica alguns erros cognitivos e pensamentos
a eles associados.

- Estratégia compensatória

São comportamentos que visam aliviar ou anular os pensamentos


automáticos e emoções negativas. Por exemplo, imaginemos um paciente
músico, diante de uma situação na qual vai se apresentar publicamente. Ocorre-
lhe um pensamento: "Vou errar". Lembrando que o pensamento automático é

105
uma constatação inflexível, o paciente sente-se triste, com medo e ansioso. Ele,
então, faz uma suposição: "se eu beber, conseguirei ficar menos ansioso e
poderei me apresentar". Pede uma bebida alcoólica e bebê. O comportamento
de busca e ingestão do álcool é um exemplo de Estratégia Compensatória.

Poderíamos nos perguntar: por que esse conjunto de cognições ocorreu?


Uma explicação possível seria a seguinte: o fato de ser exposto a essa situação
ativou, neste paciente, um Esquema disfuncional que, em palavras, seria: "Sou
inadequado"; "Sou incapaz". A partir desta ativação, desencadeou-se todo o
processo cognitivo descrito.

O terapeuta cognitivo chega a hipóteses semelhantes à descrita acima ao


longo do processo terapêutico. Ele vai testando, reconstruindo suas hipóteses e
se aproximando da Estrutura Cognitiva do paciente. Essa construção da
hipótese cognitiva global é chamada de Conceituação Cognitiva, cujo conceito
segue abaixo.

- Conceituação Cognitiva

A Conceituação Cognitiva é uma hipótese sobre pensamentos,


suposições, emoções e crenças do paciente. Ela pode ser reformulada no
decorrer da terapia, à medida que novas informações e evidências vão se
reunindo.

7.4 Formulação da hipótese de Conceituação Cognitiva

106
Tentemos, através da análise da Figura I, entender como o terapeuta
cognitivo constrói a hipótese da Conceituação Cognitiva.

As experiências de vida precoce podem influenciar o desenvolvimento de


uma Crença Básica disfuncional. Imaginemos o seguinte exemplo: um paciente
com diagnóstico de Uso Nocivo do Álcool e Episódio Depressivo relata, em sua
história infantil, que o pai era extremamente crítico, desvalorizava o que ele fazia
e o comparava com o irmão mais velho o tempo todo. O paciente, no plano
inconsciente, começa a formular, através destas e outras experiências, uma
hipótese sobre si mesmo (seu auto eficácia, sua condição de ser querido etc.),
formando os Esquemas. Essa avaliação sobre si mesmo, em palavras, compõe
a Crença Básica. Por exemplo, constroem-se algumas crenças, tais como "não
sei fazer nada certo", "meu pai não gosta de mim", "não sou uma pessoa
querida". A partir da crença, o paciente faz algumas suposições. Por exemplo:
"não sou querido porque não faço nada certo, logo, se eu me esforçar muito, eu
conseguirei fazer algo bem feito e, se nunca errar, meu pai gostará de mim".
Essas suposições influenciarão, inevitavelmente, o seu comportamento. Diante
107
de situações específicas, essas crenças e suposições serão ativadas e ele
desenvolverá padrões comportamentais denominados de Estratégias
Compensatórias.1As Estratégias Compensatórias visam aliviar a aflitiva Crença
Básica. Diversas situações de vida podem ativar a mesma Crença Básica.
Entretanto, para cada situação, o comportamento pode variar. Observemos o
exemplo:

O paciente que apresentamos acima pode ser exposto a duas situações


distintas.

- Situação 1: após a aula, ele está deitado, sozinho, no seu quarto, refletindo
sobre seu desempenho acadêmico. Ocorre-lhe, então, um pensamento
automático: "sou o pior aluno". A este pensamento ele atribui um significado: "Eu
sou incapaz". A emoção que decorre dessa cognição é tristeza e uma sensação
vívida de fracasso. Então, ele decide parar de estudar. Observemos que, de
forma genérica, a situação ativou um Esquema de Incapacidade que fora
construído ao longo da vida do paciente, através de sua história infantil e
experiências precoces. O Esquema influencia a formulação de pensamentos que
sejam compatíveis com o seu conteúdo. Para um conteúdo de Incapacidade, o
pensamento é "sou o pior". Este, por sua vez, influencia a emoção, que mantém
coerência com o pensamento e Esquema. O paciente, então, sente-se triste e
seu comportamento é abandonar a escola. Observemos que o comportamento
"abandonar a escola" é uma Estratégia Compensatória de fuga para aliviar o
Esquema de Incapacidade.

- Situação 2: Ao estudar um texto sobre gramática, o paciente acha o conteúdo


difícil e percebe que precisa ler o texto outra vez e pensa: "vou perder a tarde
por culpa deste professor que me exigiu estudar gramática" e "eu não sou
inteligente o suficiente para aprender isso". A emoção evocada é irritação e
tristeza. Ele fecha o livro e vai beber. Neste exemplo, a situação ativou
Esquemas de Vulnerabilidade e Incapacidade. O comportamento de fechar o
livro e beber foi uma Estratégia Compensatória que o auxiliará a lidar com os
Esquemas ativados.

Observando a Figura II, notamos que, ao ter contato com a droga, o


paciente desenvolve um outro grupo de crenças relacionadas à situação "usar

108
droga". As crenças relacionadas à droga mantêm uma relação coerente com as
Crenças Básicas de caráter mais genérico. Assim, o modelo cognitivo postula
que a dependência é resultado da interação entre o contato inicial com a droga
e as cognições que se formarão por influência das Crenças Básicas. Não são,
portanto, todas as pessoas que, ao ter contato com a droga, desenvolverão
dependência.

As crenças relacionadas às drogas são de duas naturezas: 1) facilitadoras


e 2) de expectativas positivas. O paciente, ao avaliar sua situação de estudante
como muito árdua, começa a pensar que "merece" descontrair-se no bar durante
o período da tarde; que beber "melhora o estresse"; e que vai ser "agradável a
conversa com os amigos". Estas crenças são suficientes para eliciar
pensamentos automáticos como "vou beber" e desencadear a fissura. 17 Outras
crenças, agora na vigência da fissura, aparecem: são Crenças Facilitadoras. Por
exemplo, "não consigo suportar à vontade"; "só há um modo de melhorar essa
vontade: usar!". Esse conjunto de cognições impulsiona o paciente ao uso,
fechando um ciclo cognitivo para o uso continuado da droga.

7.5 Estrutura das sessões de TC


109
A TC é uma abordagem de forma estruturada, diretiva, focal e de prazo
limitado (12 a 24 sessões). Ela se baseia numa relação genuína entre paciente
e terapeuta, pautada pela empatia e colaboração mútua. A primeira sessão pode
ser estruturada como segue:

1. Estabelecer uma agenda explicitamente, por escrito, para a sessão;

2. Estabelecer o início de uma relação empática;

3. Identificar o foco principal da terapia;

4.Coletar informações (queixa atual, história do problema, antecedentes,


comorbidades);

5. Utilizar as informações e queixa para estabelecer uma meta compartilhada


com o paciente;

6. Educar o paciente sobre a metodologia utilizada na terapia;

7. Iniciar um raciocínio teórico visando à construção da Conceituação Cognitiva;

8. Estabelecer um contrato de parceria com a participação do paciente, incluindo


custos, a necessidade dos deveres entre as consultas e o sigilo.

As demais sessões podem ser estruturadas da seguinte maneira: 15,19


110
1. Construir uma agenda para a sessão, baseando-se nos acontecimentos da
semana, na demanda do paciente e no foco da terapia (breve atualização, por
exemplo sobre o uso de droga) e nas metas estabelecidas;

2. Fazer uma ponte com a sessão anterior;

3. Revisar a tarefa de casa;

6. Discutir os tópicos do roteiro estabelecido na agenda (item 1);

7. Estabelecer a nova tarefa de casa;

8. Fazer um resumo do que foi discutido na sessão e dar feedback.

7.6 Técnicas utilizadas pela Terapia Cognitiva

As técnicas utilizadas visam identificar, testar a realidade e corrigir as


conceituações cognitivas distorcidas. O paciente é instruído sobre seu problema
e sobre a terapia. A própria terapia é uma experiência de aprendizado para o
paciente. Durante o processo terapêutico, o paciente aprende as técnicas
utilizadas pelo terapeuta para que se torne o seu próprio terapeuta. São
utilizadas as seguintes técnicas: 1) Monitoramento dos pensamentos
automáticos negativos. Pode ser utilizado um diário no qual o paciente registra
seus pensamentos e as situações que o eliciaram; 2) Traçar as conexões entre
a cognição, o afeto e o comportamento; 3) Realizar uma reestruturação cognitiva
examinando os pensamentos automáticos disfuncionais e lidando com eles:
procurar evidências a favor e contra (teste de realidade); desafiá-los com
questões do tipo: "o que de pior vai acontecer?", "quais são meus recursos reais
para lidar com isso?"; avaliar a real importância dos pensamentos, procurando
não catastrofizar, distanciar-se deles, ou enfrentá-los; 4) Mapear as cognições
tendenciosas e procurar alternativas de avaliação mais orientadas na realidade,
adquirindo flexibilidade cognitiva; 5) Identificar e alterar as Crenças Básicas que
predispõem a fazer avaliações distorcidas de suas experiências; e, por fim, 6)
Lidar com imagens disfuncionais, eliciando-as e modificando-as.

7.7 Prevenção da Recaída (PR)


111
Marlatt descreve: "A Prevenção de Recaída é um programa de auto
manejo que visa melhorar o estágio de manutenção do Processo de Mudança
de Hábitos". A PR se contrapõe aos modelos de doença e moral, admitindo que
a dependência química é um mau hábito adquirido e passível de mudança, com
a participação do paciente. Para tanto, é necessário explorar de modo afícuo as
crenças e os comportamentos que facilitam a manutenção do hábito.
Observemos que, de acordo com o modelo da PR (Figura III), diante de uma
situação de alto risco, existem duas possibilidades: 1) resposta de enfrentamento
e 2) nenhuma resposta de enfrentamento. Na primeira possibilidade, a cada vez
que o paciente tem resposta adequada que o proteja do uso de droga, há
aumento do auto eficácia (avaliação positiva sobre sua própria capacidade de
atingir uma meta). Com isso, diminui a probabilidade de recaída. No caso
contrário, a falta de resposta de enfrentamento leva a uma diminuição do auto
eficácia que, associada a cognições disfuncionais sobre os efeitos da droga, leva
ao uso inicial e aumenta a probabilidade de recaída. As cognições disfuncionais
relacionadas ao comportamento de busca e uso de drogas podem ser:

112
7.7.1 Expectativa positiva de resultado

O usuário tem uma visão fragmentada do efeito da droga. Ora focaliza os


efeitos positivos do uso, ora os negativos. No momento do uso, o foco está nos
efeitos positivos. Algumas vezes, as expectativas positivas se manifestam como
sensações ou imagens positivas.

7.7.2 Efeito de violação da abstinência

Diante do lapso inicial (o primeiro uso), o paciente tem uma cognição


distorcida do tipo "perdido por um, perdido por mil", ou seja, "já que violei minha
abstinência e tive um lapso, então vou usar droga no mesmo padrão anterior à
abstinência". Essa cognição leva ao uso continuado e à recaída.

As principais situações de alto risco encontradas nos estudos empíricos


são:

1. Determinantes intrapessoais.

- Estados emocionais negativos;

- Estados físicos negativos;


113
- Estado emocionais positivos;

- Teste de controle pessoal;

- Desejos e tentações.

2. Determinantes interpessoais.

- Conflitos interpessoais;

- Pressão social;

- Estados emocionais positivos.

A PR diferencia lapso de recaída. Lapso é a violação inicial da abstinência. É


uma área de transição para a recaída, porém, não necessariamente o desfecho
precisa ser a recaída. A Recaída é definida como um retorno ao uso continuado
que nem sempre é igual ao padrão de uso anterior à abstinência.8

7.8 Técnicas da PR

Técnica 1: Identificação do estado de motivação

De acordo com Proshaska e DiClemente, a motivação do paciente segue


um espiral nos seguintes estágios:

1) Pré-contemplação: o paciente não reconhece que tem problemas


relacionados ao uso de substâncias psicoativas;

2) Contemplação: o paciente reconhece que tem um problema, porém,


não consegue mudar seu comportamento, nem seu estilo de vida para atingir,
como meta, a abstinência;

3) Ação: o paciente reconhece seu problema relacionado ao uso de


drogas psicoativas e se compromete a mudar seu comportamento através de
estratégias eficazes (mudança do estilo de vida, reconhecimento e
enfrentamento de situações de risco etc.);

114
4) Manutenção: o paciente, uma vez que conseguiu atingir a abstinência,
toma decisões no sentido de manter o novo comportamento.

O reconhecimento do estado de motivação do paciente é uma das


principais tarefas do profissional. Pode ser usado um quadro para balanço sobre
vantagens e desvantagens do uso de drogas, que ajudará o paciente a ter uma
visão global de riscos e benefícios e tomar uma decisão mais consistente. É uma
técnica excelente no processo de resolução da ambivalência em pacientes pré-
contemplativos.

Técnica 2: Identificação das situações de risco

O profissional deve ajudar o paciente a identificar as situações que


aumentariam as chances de uso ou de recaída; são chamadas de situação de
alto risco. Ambientes, companhias, disponibilidade de droga, acesso fácil e todos
os determinantes intrapessoais e interpessoais podem ser situações de risco. O
paciente pode evitar as situações que podem ser evitadas e traçar estratégias
eficazes de enfrentamento para as situações que não possam ser evitadas. O
profissional pode pedir para que o paciente faça uma agenda de suas atividades
em dias típicos e, a partir daí, identificar horários, dias da semana, locais,
pessoas, etc., que possam aumentar o risco de recaída.

Técnica 3: Mudança do estilo de vida

Marlatt salienta a importância da mudança do estilo de vida. Pesquisas


mostram que pessoas que continuam frequentando os mesmos locais, os
mesmos companheiros e mantendo as atitudes no período da abstinência têm
maiores chances de recair. A construção da agenda de dias típicos também pode
ser útil para identificar e mudar os comportamentos que se mantiveram, mesmo
após a cessação do uso da droga.

Técnica 4: Identificação do processo da recaída8

A recaída ocorre através de uma sucessão de cognições e


comportamentos, num processo que pode ter início em uma decisão que,
aparentemente, não tenha nenhuma relação com o uso da droga. Examinemos
o exemplo de um caso clínico: um paciente com diagnóstico de dependência do
115
álcool estava abstinente há seis meses. Em uma tarde, após um conflito
interpessoal com o chefe, resolveu voltar a casa caminhando por uma avenida
que frequentava quando usava álcool. Não tinha intenção de beber, apenas
caminhar para relaxar. Seguiu pela avenida que abrigava inúmeros bares. Em
um dos bares, antes frequentado por ele, um amigo o viu e o convidou a entrar.
Dentro do bar, decidiu tomar apenas uma dose de bebida destilada. Saindo do
primeiro bar, continuou caminhando, agora tomado por uma culpa imensa por
ter violado a abstinência. Entrou em outro bar e se intoxicou.

Técnica 5: Identificar as decisões aparentemente irrelevantes

No exemplo acima, o processo de recaída se iniciou com o conflito


interpessoal. O profissional precisa explorar esse conflito para identificar
possíveis dificuldades na habilidade de lidar com conflitos desta natureza. O
passo seguinte foi a decisão de ir caminhando pela avenida que tinha os bares
por ele frequentados antes da abstinência. O paciente tomou a decisão de forma
inconsciente. Ele não tinha a intenção de parar em nenhum dos bares. Esta
decisão de caráter inconsciente e sem relação aparente com o uso da droga,
Marlatt chamou de "decisão aparentemente irrelevante". É fundamental que no
processo da PR o profissional ajude o paciente a identificar essas situações. O
processo poderia ser interrompido no início, se o paciente identificasse a decisão
como um fator que poderia levar ao lapso e recaída.

Técnica 6: Fatores cognitivos associados à recaída

Ainda no exemplo anterior, o paciente incorreu em diversas cognições


disfuncionais. A primeira foi pensar que poderia entrar no bar e não beber.
Seguiu-se à violação da abstinência um pensamento "perdido por um, perdido
por mil". O profissional que aplica a PR deve estar atento para estes
pensamentos disfuncionais, ajudando o paciente a identificá-los e desafiá-los
com base na realidade.

Técnica 7: Confluência de situações de risco

A recaída, ou o uso inicial, se dá pela confluência de situações de alto


risco. Quanto maior o número de situações, maiores as chances de uso. No
nosso exemplo clínico, o paciente colecionou diversas situações de risco:
116
1) tinha pouca habilidade para lidar com conflitos interpessoais;

2) tomou uma decisão sem a consciência do risco que ela oferecia


(decisão aparentemente irrelevante);

3) não desafiou nem enfrentou qualquer pensamento disfuncional;

4) esteve em local de fácil acesso e grande disponibilidade de bebida;

5) tinha pouca habilidade de recusa. Esses pontos devem ser


exaustivamente explorados no tratamento com PR para que o paciente aprenda
a mapear e identificar situações de risco e enfrentá-las com recursos eficazes.

Observemos que a PR, diferente da TC, explora com mais afinco os


processos envolvidos no uso de droga. Ela não explora crenças de caráter mais
genérico. Entretanto, depois de atingida a abstinência, podem permanecer
cognições disfuncionais sobre avaliações de si mesmo, do mundo, das relações
pessoais, da visão do passado e do futuro. Se o profissional identificar alguma
destas disfunções cognitivas, cujos recursos da PR não permitem a exploração,
é fundamental que o paciente seja encaminhado a uma terapia. Caso contrário,
ele poderá continuar com alguns fatores mantenedores do uso de droga que
terão influência em recaídas futuras.

7.9 Treinamento de Habilidades

As bases teóricas do treinamento de Habilidades também se assentam


nas teorias comportamentais. O que diferencia o TH da BT é o maior enfoque
que o TH dá às dificuldades das habilidades para lidar com situações especificas.
117
Pesquisas mostram que a falta de habilidade para lidar com algumas situações
está associada ao maior consumo de drogas. As principais dificuldades de
habilidade se dão nas seguintes situações:

1) sentimentos negativos;

2) assertividade;

3) fazer críticas;

4) receber críticas;

5) comunicação;

6) recusar droga;

7) dizer não;

8) socialização;

9) frustrações;

10) adiar prazeres;

11) reconhecer e enfrentar situações de risco;

12) fissura;

13) realizar um planejamento.

118
As técnicas usadas no TH são verbais e dramatizações (role play). Em
cada sessão, o grupo elege uma das situações listadas e realiza um role play. O
grupo planeja uma cena na qual apareça uma ou mais das situações listadas.
Durante a representação, não é necessário ser fiel ao roteiro estabelecido. É
importante a improvisação, porque ela estimula a criatividade. É aconselhável
trocar de personagem, perguntando ao grupo quem daria uma resposta diferente
à situação encenada. Desta forma, o paciente adquire flexibilidade de respostas
e desenvolve novas habilidades. Para cada situação, uma lista de habilidades é
compilada e o profissional estimula o treino dessas habilidades durante o role
play. A seguir, selecionamos apenas alguns exemplos sobre a lista de
habilidades a serem treinadas para algumas situações:

1. Habilidade de comunicação verbal: 1) ouviu e observou antes de


falar? 2) fez questões abertas ou fechadas? 3) as colocações foram de forma
educada?37

2. Habilidade de comunicação não verbal: 1) qual foi a postura? 2)


houve contato visual? 3) qual a expressão facial? 4) qual o tom de voz utilizado?
5) como movimentou os pés, mãos, cabeça?

3. Assertividade: 1) pensou antes de falar? 2) foi objetivo e claro no que


disse? 3) assegurou-se de estar sendo ouvido? 4) reafirmou a posição se
percebeu que não estava sendo ouvido?37

4. Fazer críticas: 1) acalmou-se antes de falar? 2) colocou a crítica como


sendo uma opinião pessoal, não um fato absoluto? 3) criticou o comportamento
e não a pessoa? 4) o tom de voz esteve firme e não zangado? 5) mostrou-se
disposto a ouvir o outro? 6) foi claro na questão que criticou, sem deixar dúvidas
sobre qual é a crítica?

119
5. Receber críticas: 1) conseguiu ouvir sem se colocar na defensiva? 2)
conseguiu avaliar a crítica com clareza e selecionar os pontos pertinentes? 3)
conseguiu explorar a crítica com questões para se certificar de que ficou clara
qual é a crítica do outro?

6. Recusar bebida: 1) conseguiu dizer "não"? 2) ao negar, foi claro, firme,


sem hesitação? 3) fez contato visual? 4) sugeriu alternativas à bebida? 5) disse
à pessoa que não lhe ofereça bebida novamente? 6) evitou respostas vagas?

7. Dizer não: 1) fez revisão do que é prioritário? 2) decidiu-se de fato a


recusar? 3) deixou claro que entendeu o pedido, mesmo assim o recusará? 4)
foi firme, claro, breve e decidido? 5) como esteve a postura (comunicação não
verbal)? Ela foi coerente com a comunicação verbal?

Obviamente, não esgotamos aqui todas as habilidades desejadas para as


situações listadas, mas o objetivo é deixar claro quais situações devem ser
trabalhadas e que um conjunto de habilidades deve ser praticado. Lembramos
que, à semelhança da Prevenção da Recaída, o Treinamento de Habilidades
não exige formação e pode, com treinamento adequado, ser aplicada na clínica
pelo psiquiatra geral.

8.0 PROMOÇÃO E PREVENÇÃO NA DEPENDÊNCIA QUÍIMICA: UMA


REALIDADE DE ACORDO COM O NOVO PARADIGMA DA SAÚDE

120
A dependência química, como um grave problema de saúde pública,
necessita de atenção especial. Portanto, a área de saúde tem muito a realizar
no que diz respeito ao uso de drogas e à promoção de saúde (Gelbcke & Padilha,
2004). Assim, trabalhar essa questão na nossa realidade exige um conjunto de
ações específicas que envolvam melhorias tanto no tratamento em si, no caso
da dependência já instalada, quanto em termos de promoção e prevenção ao
uso de drogas, de acordo com o modelo biopsicossocial de saúde, o qual
apresenta uma concepção holística do ser humano.

Dentro desses parâmetros, considerando-se as características e os


fatores relacionados ao uso de drogas na atualidade, a condução de um
programa terapêutico para o indivíduo dependente exige uma avaliação
individual, uma vez que não existe um modelo que seja adequado para todos os
pacientes. Atualmente, diversos tipos de tratamento estão sendo implantados
para o trabalho com a dependência química, como por exemplo, o tratamento
médico, o comportamental, o psicoterápico, o psiquiátrico ou o da ajuda mútua.
Esses tipos de tratamentos implicam em intervenções terapêuticas específicas,
a saber: desintoxicação (considerado apenas o primeiro passo), farmacoterapia,
psicoterapias (individual, em grupo e com os familiares), terapias (ocupacional e
cognitivo-comportamental), além dos grupos de ajuda mútua (Macieira, 2000).

É necessário pontuar que o atendimento a dependentes químicos envolve


dois aspectos centrais: primeiro, a desintoxicação com a finalidade de retirada
da droga e seus efeitos, e segundo, a manutenção, ou seja, a reorganização da

121
vida do indivíduo sem o uso da droga (Macieira, 2000). Estudos apontam que,
ainda hoje, observam-se baixos índices de sucesso no tratamento da
drogadição, pois diversos fatores podem contribuir para a não adesão ao
tratamento, o abandono ou, até mesmo, para o uso de substâncias psicoativas
durante ele (Aguilar & Pillon, 2005).

Entretanto, segundo Ferreira e Luis (2004), é de suma importância


destacar que a realidade brasileira nunca teve uma política específica de saúde,
em nível nacional, a respeito da questão das drogas, o que começou a mudar a
partir de 1988 quando foram definidos os requisitos para a criação dos Centros
Regionais de Referência em Prevenção e Tratamento ao uso abusivo de drogas,
sejam estas lícitas ou ilícitas.

Com a Declaração de Caracas, em 1990, vinculou-se a atenção


psiquiátrica à atenção primária em saúde. Com a reforma psiquiátrica, foram
estabelecidas novas diretrizes para a assistência em saúde mental, definindo as
normas a serem seguidas para a implantação dos chamados Núcleos/ Centros
de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS). Assim, segundo Ferreira e Luis (2004),
em um primeiro momento, os casos de intoxicação/abstinência em relação ao
uso de drogas eram encaminhados para os mesmos, porém estes não atendiam
todas as necessidades dos usuários.

A partir de 2002, em função dessa realidade e do aumento significativo do


uso de substâncias psicoativas e de suas consequências associadas, o
Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Atenção Integrada ao
usuário de Álcool e outras Drogas, demonstrando uma vontade política
direcionada à criação de serviços específicos para usuários e dependentes
122
químicos, considerando-se as particularidades dessa problemática, o que não foi
e ainda não está sendo fácil para implantar e sustentar (Ferreira & Luis 2004).

Pode-se dizer, então, que a forma de encarar a dependência química, e


trabalhar com ela, sofreu alterações, principalmente no final do século XX,
buscando-se uma abordagem mais ampla e coerente do usuário ou do
dependente químico, uma vez que, até então, a dependência estava diretamente
relacionada à assistência psiquiátrica.

Atualmente, em função da expansão do consumo de substâncias


psicoativas e dos problemas a ele associados, muito se tem falado a respeito da
prevenção, estratégia considerada de suma importância para se trabalhar o
fenômeno da drogadição. Alguns autores (e.g., Marinho, 2005), entretanto,
pontuam que muitas vezes, a questão do consumo fica envolvida em
significações marginais que acabam gerando e reforçando preconceitos e
segregação em relação ao usuário, ao invés de propiciar uma sensibilização para
a mudança de comportamento.

Assim, a realidade vivenciada mostra a necessidade de se trabalhar em


um nível anterior, ou seja, na promoção da saúde visando, segundo Gelbcker e
Padilha (2004), a questão de estilos de vida e de educação para a saúde, a qual
pode ser encarada como uma estratégia política e educacional adotada por
muitos governos com o propósito de garantir a equidade. Segundo esses
autores, a promoção da saúde envolve aspectos como capacitar, educar, buscar
a paz, respeitar os direitos humanos, justiça social, equidade no atendimento.
Dessa maneira, promovendo a saúde pode-se reduzir o fenômeno das drogas
na nossa realidade, uma vez que promover a saúde é uma postura que está de
acordo com o novo modelo de saúde, o qual considera o indivíduo na sua
totalidade.

Refletindo sobre as características da promoção da saúde, pode-se dizer


que as estratégias utilizadas devem visar a transformação das situações de
desigualdade, além de instrumentalizar o indivíduo com informações, levando-o
a se sentir parte importante do contexto em que vive, dando condições e
capacitando-o para que ele tenha uma vida saudável. Esses elementos são
fundamentais para que ele tenha melhores condições de avaliar e discernir
aspectos relacionados à questão da droga, podendo evitar o seu uso.

123
Para que isso aconteça efetivamente, é necessário o envolvimento de
diversos grupos na sociedade, principalmente a família, uma vez que esta
apresenta um papel crucial no processo de desenvolvimento de seus membros,
constituindo-se como o primeiro agente educativo/preventivo. Por meio da
família a criança vai aprender condutas, hábitos, valores, observando as atitudes
dos pais frente à vida e aos problemas inerentes ao cotidiano (Carranza &
Pedrão, 2005).

Além disso, a família necessita ter condições básicas de sobrevivência


para garantir o desenvolvimento integral de seus membros. Isso tornaria possível
maximizar os fatores de proteção ao uso de drogas presentes na família e
minimizar a influência dos fatores de risco desse ambiente, permitindo ao
indivíduo desenvolver um rol de habilidades para lidar com situações de pressão,
de medo e de perda no seu cotidiano. É claro que o desenvolvimento dessas
habilidades não depende única e exclusivamente da família, porém ela tem um
papel preventivo relevante, bem como um papel significativo na adesão ao
tratamento quando existe uma dependência já diagnosticada.

Entretanto, vale ressaltar que muitas estratégias adotadas, em termos de


promoção e de prevenção em relação ao uso de drogas, apresentam uma
influência do método cartesiano. A proposta da promoção da saúde é ampla e
visa a integridade do indivíduo. Porém, muitos projetos educacionais na área de
saúde partem do pressuposto que se pode educar para a saúde, fato que levou
a veiculação do ideal de que a assimilação do saber instituído leva à aquisição
de novos comportamentos, tornando a educação normativa. Ou seja, alguém,
além do próprio indivíduo, conhece o que é melhor para ele e para todos que
estão ao seu redor. Isso corresponde a uma herança clara do método cartesiano
que ainda prevalece nas áreas de saúde e de educação desde o surgimento da
modernidade (Gazzinelli, Gazzinelli, Reis & Penna, 2005).

Para que essa visão se altere, e realmente ocorra a promoção da saúde,


há a necessidade de se romper com o padrão cientificista, buscando pensar a
educação para saúde em termos mais abrangentes, que considerem o indivíduo
em sua totalidade, o qual possui uma subjetividade, bem como valores e saberes
diferentes daqueles com os quais os profissionais de saúde e educação lidam.
Há, portanto, uma necessidade de aprendizagem dos dois lados (Gazzinelli,
Gazzinelli, Reis & Penna, 2005).
124
Assim, no caso da dependência química, é necessário considerar e
buscar entender qual o significado na mesma na vida de cada indivíduo, uma
vez que as histórias de vida são diferenciadas. Além disso, cada um possui
formas específicas de representar o processo de saúde e doença, o que implica
em olhar para a subjetividade inerente nessa situação, vislumbrando, também,
os sentimentos, desejos, as necessidades desse indivíduo, o qual necessita ser
encarado como um ser ativo no processo saúde/doença, exigência do novo
paradigma de saúde na atualidade.

Os conceitos de saúde e doença, bem como a questão do uso de


substâncias psicoativas, sofrem uma influência direta do contexto histórico,
cultural e social, o que pode ser verificado analisando-se os principais aspectos
da evolução do homem, desde a Antiguidade até hoje, uma vez que essas
questões sempre permearam a vida humana.

Entretanto, a partir do século XX, são constatadas transformações no que


diz respeito ao processo saúde/doença, sendo que o uso de substâncias
psicoativas assumiu proporções alarmantes, tornando-se um complexo
problema em termos de saúde pública, o qual exige a definição de intervenções
particulares. Porém, falar do uso de drogas não é falar apenas de uma questão
biológica, é falar de um indivíduo integral, para o qual as drogas possuem uma
representação específica.

Portanto, o tratamento da dependência química na atualidade, bem como


as intervenções visando a promoção da saúde e a prevenção do uso de drogas,
devem romper com o modelo cartesiano, apesar das dificuldades ainda
vivenciadas, e assumir que reduzir o fenômeno da drogadição em nossa
realidade é algo que depende da interação entre vários grupos, exigindo
mudanças substanciais na organização social, diminuindo drasticamente as
desigualdades presentes nesse contexto. Também são necessárias mudanças
na formação dos profissionais que lidam com essa questão, além de alterações
na forma de encarar o paciente ou o indivíduo que apresenta maior
vulnerabilidade em relação à droga, encarando os mesmos como seres ativos,
que possuem saberes e fazeres próprios, diretamente implicados no processo
saúde/doença.

125
8.1 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas
esportivas

A Organização Mundial de Saúde tem um Código Internacional de


Doenças para classificá-las. Dentro desta classificação, designou o código CID-
10 e preconiza que a dependência química é uma enfermidade incurável e
progressiva, apesar de poder ser estacionada pela abstinência OMS, (1994).
Segundo o CID. 10 dependência seria um conjunto de fenômenos psico-
fisiológicos que se desenvolvem depois de repetido consumo de uma substância
psicoativa. Tipicamente a dependência estaria associada a várias circunstâncias
como, por exemplo:

• O desejo poderoso de tomar a droga,

• A dificuldade de controlar o consumo,

• A utilização persistente apesar das suas consequências nefastas,

• A uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento de outras


atividades e obrigações,

• A um aumento da tolerância pela droga e por vezes e, finalmente,


associado a um estado de abstinência quando de sua privação.

126
De acordo com a capacidade tanto pode ser a yoga, treino para uma
maratona ou musculação, todas são atividades positivas para a recuperação da
dependência química. Encontrar um programa de condicionamento físico que
seja adequado à pessoa, sempre é de interesse no tratamento da adição.
Barbanti, E. J. (2006) desenvolveu uma pesquisa com objetivo de investigar a
mudança na qualidade de vida em 141 pacientes (DQ) (Álcool, Tabaco, Drogas
e Familiares) e depressivos (DP), que participaram de programas de exercícios
físicos. As atividades aeróbias do Grupo DQ foram: caminhada,
condicionamento físico, natação, e fitness Entre as não aeróbias constaram:
yoga, karatê, musculação e alongamento.

As alterações da qualidade de vida foram medidas pelas respostas do


questionário de qualidade de vida SF-36 no início das atividades (pré), após dois
(dois meses) e após (quatro meses) do início. Os resultados mostraram diferença
entre os grupos DQ e DP na fase inicial do tratamento, porém para os dois meses
e quatro meses, esses dois grupos não apresentaram diferenças. Através do
Teste de Kruskal-Wallis verificou-se que houve melhora nos aspectos da
qualidade de vida tais como: capacidade funcional, aspecto físico, dor, estado
geral, vitalidade, aspecto social, aspecto emocional e saúde mental; dos
indivíduos que realizaram atividades físicas após dois meses e após quatro
meses do início do tratamento. Folkins & Sime, (1981) após revisarem a literatura
referente ao treinamento para a saúde mental e aptidão física, colocam que os
exercícios regulares foram considerados como associados a um melhor afeto,
uma melhora nos padrões de sono, no desempenho ocupacional etc. Essas
vantagens devem ser compartilhadas com o paciente para que aumente a sua
motivação. É preciso que o indivíduo tenha o compromisso de se empenhar no
tempo para cuidar do seu corpo.

127
O tratamento médico da dependência química é complicado,
normalmente multidisciplinar e individualizado. Por se tratar de uma doença
crônica, os resultados do tratamento são semelhantes aos de outras doenças
crônicas, como por exemplo, a asma, hipertensão, diabetes e outras. Além da
conduta médica, outras devem ser adotadas, como a prática de exercícios
físicos, por exemplo. Mesmo sem um embasamento cientificamente estruturado,
o condicionamento físico do dependente químico sempre objetivou a eliminação
das toxinas, a busca de um melhor relacionamento social, o estímulo para o lazer
através das caminhadas e jogos, o resgate da autoestima, a melhoria das
condições musculoesqueléticas e cardiocirculatórias.

Portanto tornar-se, produtivo incluir como parte de um programa de


recuperação um planejamento com condicionamento físico que poderá alterar
significativamente alguns dos efeitos negativos das drogas no corpo.

A seguir serão apresentados alguns benefícios onde o exercício físico


pode ter um efeito positivo no indivíduo que se recupera da dependência
química.

Benefícios do exercício físico no tratamento da dependência física

1. Alivia e reduz o estresse.

O exercício tem demonstrado aliviar o estresse físico e psicológico.


Quando a tensão aumenta doem os músculos, as articulações e aumenta a
letargia. A dor física e a depressão podem se instalar e drenar os recursos
mentais e físicos. Quando o estresse é alto e quando se trata do caminho da
128
recuperação é de interesse poder livrar-se dele. No passado, as drogas ou álcool
poderiam servir como fuga destas sensações e forneciam uma falsa sensação
de conforto. O exercício é outra forma e muito mais saudável para liberar a
tensão física. Através do gasto de energia, pode-se realmente libertar o corpo e
a mente das barreiras fisiológicas e emocionais para a recuperação. Atividades
como correr, levantar pesos ou mesmo caminhar podem eliminar o estresse no
corpo. Ao combinar estes exercícios com técnicas de alongamento e respiração
adequadas, o corpo pode aliviar-se do estresse.

2. Libera endorfinas:

As endorfinas são um alívio natural para a dor no corpo. Quando estas


são liberadas de uma forma saudável, através dos exercícios, isso cria uma
sensação natural que pode não só reduzir a dor causada por deixar a droga, mas
também aumenta o humor no funcionamento do cérebro. Quem não gostaria de
se sentir bem e feliz todo dia?

2. Melhora o humor.

Aqueles que se exercitam regularmente relatam aumento dos


sentimentos de autoconfiança, otimismo, diminuição da depressão e ansiedade.
Isto tem a ver não só com o efeito da resposta do organismo durante o exercício,
mas também com sentimentos de realização, orgulho e autoestima ao ver o
corpo se transformar, chegar a certos padrões de referência e reparar essa
conexão corpo-mente. O exercício regular promove melhora no sono, maior
energia e sentimentos de bem-estar, tudo o que torna a vida muito mais
agradável e uma recuperação muito mais possível e suportável.

3. Aspecto social:

A aptidão física além de promover efeitos positivos para um adicto em


recuperação há também o aspecto social que deve ser abordado. A maioria das
experiências dos dependentes em recuperação é com dificuldades em ser
sociável, devido a sua socialização ser antes somente com a substância química,
com ou sem outras pessoas. Então a pessoa pode se perguntar, "Como faço
para interagir com outras pessoas enquanto estou sóbrio?" Ou talvez eles se
perguntem, "O que eu tenho em comum com alguém, agora que estou me
recuperando?" O ginásio, a sala de yoga ou um treino podem ser um ótimo lugar

129
para conhecer pessoas positivas, todos trabalhando para melhorar sua própria
saúde física. Além disso, o fato de o indivíduo estar em um ambiente positivo
torna-se muito comum que esse indivíduo interaja com os outros. O simples fato
de a pessoa estar em um local onde buscam um equilíbrio saudável para sua
saúde física e bem-estar mental, assim também é para a maioria das pessoas
que lá se encontram. Outros benefícios do exercício físico na recuperação da
dependência física são derivados das atividades aeróbias e não aeróbias.

8.2 Exercícios aeróbios para dependentes químicos em recuperação

Sabe-se que as endorfinas são eliminadas durante o exercício aeróbio. O


abuso de substâncias interfere na capacidade do organismo de produzir as
substâncias químicas que nos permitem sentir prazer, felicidade e satisfação.
Durante os exercícios aeróbios são liberadas endorfinas naturais ao sistema, o
corpo atinge sua capacidade de regular a química do seu próprio cérebro e o
humor de forma saudável e natural way. Se o exercício físico for praticado e se
ingerir alimentos com baixo teor de gorduras, o exercício aumenta a circulação
do sangue e o suprimento de oxigênio para o cérebro. Então o cérebro produz
bastante endorfina. Esta é a razão por que o exercício também fortalece o
sistema imunológico. Assim sendo, para se ter um sistema imunológico forte e
um corpo cheio de saúde, deve-se fazer exercício aeróbio regularmente, evitar
carnes, chocolate, gorduras, frituras e queijos. Procurar estar sempre alegre,
com espírito de gratidão, e não se esquecer de utilizar frutas em abundância.

No geral, afirmam Marlatt &Gordon (1993) os programas da prevenção de


recaída adotam exercícios da categoria geral de exercícios aeróbios, incluindo
atividades isorrítmicas repetitivas (caminhadas rápidas, correr, ciclismo, e

130
natação etc.). Diversas razões justificam a importância dos exercícios aeróbios
como uma atividade de estilo de vida muito recomendada.

O consumo de cocaína, maconha, tabaco e álcool, resultam em


alterações das principais vias nervosas. O aumento da exigência metabólica
resulta na adaptação destas diversas vias nervosas. Destacando-se como
principais benefícios: normalização dos níveis de áreas da atenção, memória e
controle motor. (Ferreira, 2006). Controle da ansiedade. Prevenção de várias
doenças. Aumento: dos níveis de Serotonina nas áreas de humor, da síntese e
liberação de endorfinas, da taxa basal; flexibilidade, do tônus muscular e da
agilidade. Diminuição: da depressão, compulsão, estresse e da gordura corporal.
As atividades aeróbicas mais indicadas são:

Caminhada/Bicicleta

São atividades aeróbias, principalmente quando praticadas por pessoas


sedentárias. Favorecem aos DQ na promoção da normalização dos níveis de
áreas da atenção, memória e controle motor, liberam endorfinas, melhoram o
humor assim como os demais benefícios já mencionados.

Condicionamento Físico

Ato ou efeito de condicionar o corpo, tornando-o apto para realização de


tarefas motoras específicas. O objetivo do condicionamento físico é melhorar a
aptidão física, proporciona aos DQ segurança durante o exercício e promove a

131
saúde; semelhante ao fitness, ou seja, desenvolvimento equilibrado de todas as
capacidades relacionadas à condição física características motoras tais como:
resistência, força, velocidade, flexibilidade e composição corporal (Barbanti,
2003).

Fitness

O conceito de fitness está ligado à saúde funcional, ou seja, envolvimento


confortável /produtível das atividades diárias. Os resultados relacionados à
saúde para os DQ são os mesmos do condicionamento físico, caminhada e
bicicleta.

Natação

É considerado um dos exercícios mais completos na atualidade.


Excelente para melhorar o condicionamento físico traz vários benefícios ao
organismo, como os citados na caminhada, bicicleta, fitness e condicionamento
físico. A Natação é utilizada pelos dependentes químicos em recuperação como
simples divertimento ou com finalidades terapêuticas. Importante como exercício
físico para: manutenção da saúde, meio de defesa contra afogamentos, em
operações de salvamento ou finalidade terapêutica.

Yoga

132
A Yoga é um estado da mente. Existem muitas linhas de Yoga, que são
maneiras de se atingir o mesmo fim, ou seja, a meditação.

É composta de exercícios de alongamento, exercícios respiratórios e


técnicas de meditação. Como a meditação é um estado calmo da mente, livre do
estresse e ansiedade é de grande ajuda para os dependentes químicos.

A prática de yoga pode complementar o tratamento da dependência


química convencional, ajudando a quebrar o ciclo de dependência de várias
maneiras positivas. De fato, um programa de 12 passos e a prática da ioga são
muito semelhantes, pois ambos enfatizam a verdade, meditação, render-se a um
poder superior e desenvolver o autoconhecimento. Porque yoga enfatiza a força
de vontade e de redução do estresse, os adictos podem aprender a recuperar o
controle sobre seus corpos e suas mentes para melhor enfrentar as “fissuras” ou
evitá-las completamente.

O Professor Associado de Psiquiatria e Ciências Comportamentais Roy


King, Ph.D., MD, da Stanford University estudou o impacto biológico da yoga
sobre o abuso de drogas. Ele observou a correlação entre a yoga e a sua
capacidade de inibir o aumento de dopamina que provoca o uso das drogas nos
DQ e às vezes o desejo de usar as substâncias psicoativas só de pensar nelas.
Além disso, ele descobriu que o padrão de respiração intensa nas formas de
yoga, como Kundalini, liberam o prazer natural da produção de endorfinas.

Além disso, aqueles que estão em recuperação são fortemente


encorajados a evitar as companhias de uso de substância, bem como situações
de ansiedade. Além da elaboração de força física, espiritualidade e
autoconhecimento, a yoga pode ajudar na dependência química a construir o
sangha, uma comunidade nova e saudável de amigos.

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REFERÊNCIA

- https://www.mundosemdrogas.org.br/drugfacts/alcohol/a-short-history.html
- https://super.abril.com.br/ciencia/drogas-5-mil-anos-de-viagem/
- https://www.hospitalsiriolibanes.org.br/imprensa/noticias/Paginas/Os-efeitos-da-
bebida-alco%C3%B3lica-no-c%C3%A9rebro.aspx
- https://cisa.org.br/index.php/sua-saude/informativos/artigo/item/46-alcool-e-sistema-
nervoso-central
- https://amenteemaravilhosa.com.br/transtorno-consumo-de-alcool/
- https://www.inca.gov.br/en/node/1472
- https://www.unimed.coop.br/viver-bem/saude-em-pauta/o-habito-de-fumar-e-seus-
maleficios-psicologicos-e-fisicos
- https://www.vittude.com/blog/antidepressivos/
- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
82202014000100003
- file:///C:/Users/Ana%20Paula/Downloads/15155-Texto%20do%20artigo-64520-1-10-
20130902.pdf
- http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-44462004000500015&script=sci_arttext
- http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-
44462004000500009&script=sci_arttext&tlng=pt
- http://www.scielo.br/pdf/ptp/v25n2/a08v25n2.pdf

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