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Lição no 5: Teorema da média.

Integral indefinido:
definição e propriedades fundamentais1
Antes de enunciarmos o teorema da média vamos construir um exemplo
onde procuramos ilustrar algumas das ideias por detrás deste resultado.
Consideremos uma variável X = X(t) que depende continuamente de
t num dado intervalo [a, b]. Para concretizar podemos supor que X(t) é a
temperatura (em ◦C) da sala S2 no instante t (em h). Durante o perı́odo
de tempo compreendido entre t = a e t = b efectuámos n observações da
temperatura da sala procedendo da seguinte forma: dividimos o intervalo
[a, b] em n sub-intervalos de igual amplitude ∆ = b−a
n ,

I1 = [a, a + ∆], · · · , Ij = [a + (j − 1)∆, a + j∆], · · · , In = [a + (n − 1)∆, a + n∆].

Para cada um destes sub-intervalos I j = [a + (j − 1)∆, a + j∆], tomámos o


ponto médio tj = a+(j −1)∆+ ∆2 e registámos a temperatura nesse instante:
Xj = X(tj ). Obtivemos assim n observações X 1 , X2 , . . . , Xn , que represen-
tamos como um gráfico de n colunas de amplitude ∆ e alturas X 1 , . . . , Xn .
X Área = ∆ Xj

Xj
X(t)
X3

X2
X1
Xn

t
a b
t1 t2 ∆ tj tn

A área de cada coluna de altura Xj é obviamente Xj · ∆. Soma das áreas


de todas as colunas dá-nos um valor aproximado da área abaixo do gráfico
de X, ou seja,
Xn Xn Z b
∆· Xj = Xj · ∆ ∼ X(t) dt.
i=1 i=1 a

b−a
Como ∆ = n obtemos
n Z b
b−a X
Xj , ∼ X(t) dt.
n a
j=1

Dividindo ambos os membros da igualdade anterior por b − a obtemos


n Z b
1X 1
Xj , ∼ X(t) dt.
n b−a a
j=1
1
Pedro Cristiano Silva, Instituto Superior de Agronomia, 2005

1
Ora o primeiro membro representa a média das n observações, que vamos
notar X n , ou seja,
Pn
X1 + X 2 + · · · + X n j=1 Xj
Xn = = .
n n
Portanto
b
1
Z
Xn ∼ X(t) dt.
b−a a
Como X(t) é uma função contı́nua podemos mostrar que
Z b
1
lim X n = Xmed = X(t) dt.
n→∞ b−a a
Por esta razão designamos Xmed o valor médio da variável X em [a, b] e que
corresponde à noção intuitiva de média quando passamos do caso discreto de
n observações para o caso de uma observação X(t) a depender continuamente
de t. O teorema da média, enunciado a seguir, vai garantir que existe pelo
menos um instante t0 em que a temperatura X(t0 ) foi igual ao valor médio
das temperaturas da sala S2 , Xmed . Note que no caso discreto este resultado
é falso, ou seja, a média de n observações não corresponde necessariamente
a nenhum dos valores observados.

Definição 1 Seja f : [a, b] → R uma função integrável. Chamamos valor


médio de f em [a, b] a
Z b
1
fmed = f (x)dx.
b−a a
Teorema 1 (Teorema da média) Se f : [a, b] → R é uma função contı́nua,
existe c ∈ [a, b] tal que f (c) = fmed , ou seja,
Z b
f (x)dx = f (c)(b − a).
a

y y

f (x) f (x)

f (c) f (c)

x x
a b a b
Possı́veis valores de c

Dem: Como f é contı́nua em [a, b] existem t 0 , t1 ∈ [a, b] tais que m =


min f = f (t0 ) e M = max f = f (t1 ) (teorema de Weierstrass). Como

m ≤ f (x) ≤ M, ∀ x ∈ [a, b]

2
temos
Z b Z b Z b
m(b − a) = m dx ≤ f (x) dx ≤ M dx = M (b − a).
a a a

b
1
Z
Dividindo por b − a e atendendo ao facto que f med = f (x)dx vem
b−a a

m ≤ fmed ≤ M.

Como f é contı́nua vai existir, pelo teorema de Bolzano, c ∈ [t 0 , t1 ] (ou,


c ∈ [t1 , t0 ]) tal que f (c) = fmed , ou seja,
b
1
Z
f (c) = f (x) dx. 
b−a a

Integral indefinido
Definição 2 Seja f : [a, b] → R uma função integrável. Chama-se integral
indefinido de f à função
Z x
F (x) = f (t) dt, x ∈ [a, b].
a

f (x)

x
a x b

Área = F (x)

Exemplos:
x
x
t2 x2
Z 
1. Se f (x) = x, x ∈ [0, 1], então F (x) = t dt = = .
0 2 0 2

3

x − 1, 1 ≤ x ≤ 2,
2. Seja f (x) = . Então
3, 2<x≤4
 Rx
Z x  1 (t − 1) dt, 1 ≤ x ≤ 2,
F (x) = f (t) dt =
1  R2 Rx
1 (t − 1) dt + 2 3 dt, 2 < x ≤ 4,
 h2 ix
t
 2
 − t , 1 ≤ x ≤ 2,
1

=
 t2 − t 2 + 3 t x , 2 < x ≤ 4,

 h i hi
2 1 2
 x2 1
 2 − x + 2, 1 ≤ x ≤ 2,
=
1 11
+ 3x − 6 = 3x − 2 , 2 < x ≤ 4.

2

y
f (x)

x
1 2 3
y x

11
2

F(x)

F (x)

1
2
x
1 2 3
x

No último exemplo pode-se constatar que o integral indefinido é uma


função contı́nua, embora f (x) não o seja. De facto, esta e outras pro-
priedades, muito importantes são verificadas pelo integral indefinido como
vamos ver agora.

Teorema
Rx 2 Seja f : [a, b] → R uma função integrável e seja F (x) =
a f (t) dt, x ∈ [a, b], o respectivo integral indefinido. Então são verificadas
as seguintes propriedades:

(i) O integral indefinido é uma função contı́nua em [a, b].

(ii) Se f (x) ≥ 0 [resp. f (x) ≤ 0] para todo o x então F (x) é uma função
crescente [resp. decrescente].

(iii) Se f (x) é uma função contı́nua em [a, b] então F (x) é uma função
derivável em [a, b] e tem-se F 0 (x) = f (x) para todo o x.

4
Observações:
1. A propriedade (iii) significa que F (x) é uma primitiva de f (x) sempre
que f (x) fôr uma função contı́nua. De facto, F (x) éR a única primitiva
a
de f (x) que se anula no ponto x = a (pois F (a) = a f (t) dt = 0).

2. É válida a seguinte propriedade mais forte que (iii): Se f (x) é uma


função contı́nua em x0 ∈ [a, b] então F (x) é uma função derivável em
x0 e tem-se F 0 (x0 ) = f (x0 ).

Dem: Vejamos (i): seja x0 ∈ [a, b] um ponto arbitrário. Temos que mostrar
que limx→x0 F (x) = F (x0 ), ou seja, que limx→x0 F (x) − F (x0 ) = 0. Vamos
mostrar que limx→x+ F (x) − F (x0 ) = 0. O caso limx→x− F (x) − F (x0 ) = 0
0 0
prova-se de maneira análoga. Ora, tem-se por definição de F (x) e pela
aditividade do integral as relações
Z x Z x0
F (x) − F (x0 ) = f (t) dt − f (t) dt
aZ x0 a
Z x  Z x0
= f (t) dt + f (t) dt − f (t) dt
a x0 a
Z x
= f (t) dt.
x0

Como f uma função integrável, é limitada, ou seja, existe M > 0 tal que
−M ≤ f (t) ≤ M para todo o t ∈ [a, b]. Em particular −M ≤ f (t) ≤ M
para todo o t ∈ [x0 , x]. Assim,
Z x Z x Z x
−M (x − x0 ) = (−M ) dt ≤ f (t) dt ≤ M dt = M (x − x0 ).
x0 x0 x0
Rx
Quando x → x0 , M (x − x0 ) → 0 o que implica que x0 f (t) dt → 0 como
querı́amos provar.
Vejamos (ii): sejam x1 , x2 ∈ [a, b] tais que x1 ≤ x2 . Temos que mostrar
que F (x1 ) ≤ F (x2 ). Ora, temos novamente pela aditividade do integral,
Z x2 Z x1 Z x2
F (x2 ) = f (t) dt = f (t) dt + f (t) dt.
a a x1
R x2
Como x2 ≥ x1 e f (t) ≥ 0 para todo o t, x1 f (t) dt ≥ 0. Portanto
Z x2 Z x1
F (x2 ) = f (t) dt ≥ f (t) dt = F (x1 ).
a a

Finalmente verifiquemos (iii): seja x 0 ∈ [a, b] um ponto arbitrário. Temos


que mostrar que ∃F 0 (x0 ) = f (x0 ), ou seja, que existe

F (x) − F (x0 )
lim = f (x0 ).
x→x0 x − x0

5
Rx
Vimos na demonstração do ponto (i) que F (x) − F (x 0 ) = x0 f (t) dt. Assim
Rx
F (x) − F (x0 ) x0 f (t) dt
lim = lim .
x→x0 x − x0 x→x0 x − x0
Z x
1
O valor f (t) dt corresponde ao valor médio de f (x) em [x 0 , x]
x − x 0 x0
(estamos a supor que x > x0 . O caso x < x0 é análogo). Como f é contı́nua
em [x0 , x] (uma vez que é uma função contı́nua em [a, b]), o teorema da
média garante que podemos encontrar c x ∈ [x0 , x] tal que
Z x
1
f (cx ) = f (t) dt.
x − x 0 x0

Quando x → x+ 0 , cx → x0 uma vez que x0 ≤ cx ≤ x. Como f é uma função


contı́nua, limx→x0 f (cx ) = f (limx→x0 cx ) = f (x0 ). 

Corolário 3 Seja f : I → R uma função contı́nua


Z x num intervalo aberto I.
Seja x0 ∈ I. Consideremos a função F (x) = f (t) dt. Então F (x) é uma
x0
função derivável em I e tem-se F 0 (x) = f (x) para todo o x em I, ou seja,
F (x) é a única primitiva de f (x) de I que se anula em x = x 0 .

Dem: Temos 2 casos: x ≥ x0 ou x < x0 . Suponhamos que x ≥ x0 . Como


o intervalo I é aberto, podemos encontrar em I um ponto x 1 > x0 tal que
x0 ≤ x ≤ x1 e podemos considerar que a restrição de F ao subintervalo
[x0 , x1 ] é o integral indefinido determinado pela restrição de f a [x 0 , x1 ], ou
seja, Zx
F (x) = f (t) dt, x ∈ [x0 , x1 ].
x0

Pela propriedade do integral indefinido concluı́mos que F 0 (x) = f (x) para


todo o x ∈ [x0 , x1 ].
Suponhamos agora que x < x0 . Como o intervalo I é aberto, podemos
encontrar em I um ponto x1 < x0 tal que x1 ≤ x ≤ x0 . Pela aditividade do
integral temos, para x ∈ [x1 , x0 ],
Z x
F (x) = f (t) dt
x0
Z x1 Z x
= f (t) dt + f (t) dt
x0 x1
Z x Z x0
= f (t) dt − f (t) dt = G(x) + K
x1 x1

com K uma constante. Pela propriedade do integral indefinido em [x 1 , x0 ]


sabemos que G0 (x) = f (x) para todo o x ∈ [x1 , x0 ]. Logo F 0 (x) = G0 (x) =
f (x) para todo o x ∈ [x1 , x0 ]. 

6
Exercı́cios resolvidos:
1. Considere f (x) = x2 + 2x, x ∈ [0, 3].
(a) Determine o valor médio de f (x).
(b) Determine c ∈ [0, 3] tal que f (c) = f med . Interprete geometrica-
mente o resultado.

 2, 0 ≤ x < 1,
2. Considere a função f (x) = 0, 1 ≤ x < 3,
−1, 3 ≤ x ≤ 4.

(a) Seja F (x) o integral indefinido de f (x). Determine uma expressão


analı́tica para F (x).
(b) Determine F 0 (x).
R x2 + π
3. Seja F (x) = 0 2 sin2 (t) dt, x ∈ R.

(a) Determine F ( π).
(b) Justifique que F é derivável em R e determine F 0 (x) para todo o
x ∈ R.

Resolução:
1. (a) Por definição temos
3 3
1 x3

1
Z
2 2
fmed = (x + 2x) dx = +x = 6.
3−0 0 3 3 0

(b) Queremos c ∈ [0, 3] tal que f (c) = fmed = 6, ou seja, c2 + 2c = 6.


Resolvendo
√ esta equação √do 2o grau obtemos as duas soluções
c = −1 − 7 ou c = −1 √ + 7. Como c ∈ [0, 3] a única solução do
problema é c = −1 + 7.
y y

15 15
Estas áreas
y = x2 + 2x são iguais y = x2 + 2x

fmed = 6 fmed = 6

√ x √ x
−1 + 7 3 −1 + 7 3

7
Rx
2. (a) Por definição temos F (x) = 0 f (t) dt, x ∈ [0, 4], ou seja,
 Rx

 0 2 dt, 0 ≤ x < 1,


 R
1 Rx
F (x) = 0 2 dt + 1 0 dt, 1≤x<3




 R1 R3 Rx
0 2 dt + 1 0 dt + 3 (−1) dt, 3 ≤ x ≤ 4,


 2x, 0 ≤ x < 1,



= 2 + 0, 1 ≤ x < 3,




2 + 0 + (−x + 3), 3 ≤ x ≤ 4.

Assim, 

 2x, 0 ≤ x < 1,



F (x) = 2, 1 ≤ x < 3,




−x + 5, 3 ≤ x ≤ 4.

(b) A função f (x) é contı́nua em cada um dos sub-intervalos [0, 1[,


]1, 3[ e ]3, 4] uma vez que é constante nesses intervalos. Pela
observação ao teorema 2, F (x) é derivável em todos os pontos
onde f (x) é contı́nua e tem-se F 0 (x) = f (x). Portanto F (x) é
derivável em cada um dos intervalos 2 [0, 1[, ]1, 3[ e ]3, 4]. Resta
analisar se F é derivável em x = 1 e x = 3. Tem-se,
f (x) − f (1) 2x − 2
Fe0 (1) = lim = = 2.
x→1− x−1 x−1
f (x) − f (1) 2−2
Fd0 (1) = lim = = 0.
x→1+ x−1 x−1
Como Fe0 (1) 6= Fd0 (1), não existe F 0 (1). Analogamente tem-se,
f (x) − f (3) 2−2
Fe0 (3) = lim = = 0.
x→3− x−1 x−3
f (x) − f (3) −x + 5 − 2
Fd0 (3) = lim = = −1.
x→3+ x−3 x−3
Como Fe0 (3) 6= Fd0 (3), também não existe F 0 (3). Em resumo,

 2, 0 ≤ x < 1,
F 0 (x) = 0, 1 < x < 3,
−1, 3 < x ≤ 4.

A situação descrita atrás pode ser facilmente constatada na seguinte


figura.
2
Recordemos que F (x) é derivável nos extremos x = 0 x = 3 pois existem Fd0 (0) =
f (0) = 2 e Fe0 (3) = f (3) = 1.

8
y y

F(x)
f (x)
2 2

x x
1 3 4 1 3 4

Pontos de descontinuidade de f (x) Nestes pontos F (x) não é derivável

3. (a) Tem-se


Z ( π)2 + π2 Z 3
2
π
2
F ( π) = sin t dt = sin2 t dt.
0 0

Usando a fórmula trignométrica n o 12 da tabela das primitivas,


1
sin2 x = (1 − 2 cos 2x),
2
obtemos
3 3
π π
1
Z Z
2 2
2
sin (t)dt = (1 − 2 cos 2t) dt
0 0 2
1h i3π 3
2
= t − sin 2t = π.
2 0 4

(b) Tomamos y = x2 + π2 . Podemos considerar F R(x) como uma função


y
composta, F (x) = G(y(x)) onde G(y) = 0 sin2 (t) dt, y ∈ R.
Pelas propriedades do integral indefinido, corolário R3, como a
y
função integranda sin2 t é contı́nua em I = R, G(y) = 0 sin2 (t) dt
é derivável em R e tem-se G0 (y) = sin2 (y) para todo o y ∈ R.
Ora, pelo teorema da derivada da função composta temos

F 0 (x) = (G ◦ y)0 (x) = G0 (y(x)) · y 0 (x)


 π   2 π 0  π
= sin2 x2 + · x + = 2x sin2 x2 + .
2 2 2

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Exercı́cios
1. Considere a função

 1 − x, 0 ≤ x < 1,
f (x) = 0, 1 ≤ x < 2,
 2
(2 − x) , 2 ≤ x ≤ 3.
Rx
(a) Determine uma expressão analı́tica para F (x) = 0 f (t) dt
(b) Indique o valor médio de f (x) em [0, 3] e determine o(s) ponto(s)
onde f (x) atinge esse valor.
Z x √ √
2. Seja f uma função contı́nua em [1, +∞[ tal que f (t) dt = e x ( x − 1).
1

(a) Determine, justificando, f (x).


Z 9
(b) Mostre sem calcular o integral que f (t) dt = 2e3 − e2 .
4
x
t log t
Z
3. Considere a função ϕ :]0, +∞[→ R definida por ϕ(x) = dt.
1 (1 + t2 )2
(a) Determine ϕ(2).
(b) Justifique que ϕ é derivável e calcule ϕ 0 (x), x > 0.
Z x2
1 − t, t<0

4. Considere a função F (x) = f (t) dt onde f (t) = 2 .
−1 (t+1)(t+2) , t ≥ 0.

(a) Determine F (1).


(b) Justifique que F é derivável em R e calcule F 0 (x).
Z k log x
2
5. Considere a função f (x) = e−t dt.
x2
Determine k de modo a que f 0 (1) = 0.
Rx
6. Seja f uma função contı́nua em R. Seja F (x) = 0 tf (t) dt, x ∈ R.
Prove que se f (x) < 0 em R, F (x) atinge um máximo (absoluto) em
x = 0.

10

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