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Toaz - Info Fichamento Clifford James A Experiencia Etnografica PR
Toaz - Info Fichamento Clifford James A Experiencia Etnografica PR
As ultimas décadas do século XX tem sido marcadas por uma forte tendência auto-reflexiva nas
ciências humanas, sobretudo na antropologia esse momento jaó foi caracterizado como
“reflexivo”, “hermenêutico”, “interpretativo”, “desconstrutivo”, ou ainda como um campo de
manifestação de uma “sensibilidade romântica”. A obra de Clifford parece desempenhar um
papel singular neste contexto histórico e epistemologico (p.07).
“No saber convencional, a etnografia desempenha um papel metodológico central *...+ Nos
limites do discurso disciplinar, a etnografia é entendida por certos autores como “a observação
e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade e visado a sua
reconstituição, tão fiel quanto possível a vida de cada um deles (Lévi-Strauss, 1973, p.14).
Alguns autores no entanto, pensam a etnografia como algo mais que uma “reconstituição tão
fiel quanto possível” da vida dos grupos estudados e problematizam o entendimento mesmo
do que seja a “prática etnográfica”. Este é o caso de Clifford Geertz, para quem “em
antropologia ou, de qualquer forma, em antropologia social, o que os praticantes fazem é
etnografia. E é justamente ao compreender o que é etnografia, ou mais exatamente o que é a
prática etnografica, que se pode começar a entender o que representa a antropologia como
forma de conhecimento”. Segundo esse autor, a etnografia é uma atividade eminentemente
interpretativa, uma descrição densa, voltada para a busca de estruturas de significação” (p.09).
James Clifford esquiva-se dos entendimentos disciplinares da etnografia, para propor entender
a diversidade mesma dos processos de construção de textos etnográficos, visualizando-os
como empreendimentos textuais situados em circunstancias históricas e culturais especificas.
Para Clifford os textos etnográficos fazem parte de “um sistema complexo de relações; eles
são pensados simultaneamente como condições e efeitos de uma rede de relações vividas por
etnógrafos, nativos e outros personagens situados no contexto de situações coloniais” (p.10).
“Entendida por James Clifford como uma “atividade hibrida”, a etnografia é vista
simultaneamente como “escrita, colecionamento, collage modernista, poder imperial e critica
subversiva”. Nesse sentido, a etnografia não recebe uma definição ostensiva, que termina por
naturalizá-la como método ou como uma espécie de literatura. Ela se configura na verdade
como um campo articulado pelas tensões, ambigüidades e indeterminações próprias do
sistema de relações do qual faz parte” (p.10).
“A etnografia está também misturada a experiência das relações de poder entre etnógrafos e
nativos em situações coloniais. [...] Não há, assim, fronteiras definidas entre etnografia,
enquanto escrita, e a experiência. Cliffod foca nessa indeterminação entre linguagem e
experiências etnográficas. [...] A experiência etnográfica é sempre textualizada, enquanto que
o texto etnográfico está sempre contaminado pela experiência. Em outras palavras, os temas
da etnografia estão simultaneamente no texto e fora do texto” (p.11).
“Ao assumir uma atitude irônica frente as formas de representação etnográfica, o efeito de
sua reflexão é desestabilizar a própria noção antropologica ou etnográfica de cultura, tal como
essa configurou ao longo do século XX. Em especial aquelas concepções em que a “cultura”
aparece como uma totalidade integrada no espaço e contínua no tempo, dotada de uma
identidade e fronteiras muito bem definidas, fundada em raízes e portadoras de autenticidade.
[...] Sua obra propõe uma estratégia de distanciamento irônico tanto em relação as
concepções objetivas (universalistas, iluministas), quanto em relação as concepções
subjetivistas (relativistas, românticas) da cultura” (p.12).
“A alegoria de Lafitau é menos familiar: seu ator transcreve, não cria. Seu relato é
apresentado não como um produto de observação de primeira Mao, mas como um produto
da escrita em um gabinete repleto de objetos. Diferentemente da foto de Malinowski, a
gravura não faz nenhuma referencia etnográfica, mas afirma uma presença – a da cena diante
das lentes; e sugere também outra presença – a do etnógrafo elaborando ativamente esse
fragmento da realidade trobriandesa [...] O modo predominante e moderno de autoridade no
trabalho de campo é assim expresso: “Você está lá... porque eu estava lá” (p.18).
“Os contornos de tal teoria são problemáticas *...+ o dilema atual está associado a
desintegração e a redistribuição do poder colonial nas décadas posteriores a 1950, e as
repercussões das teorias culturais radicais dos anos 60 e 70. Após a reversão do olhar europeu
em decorrência do movimento da negritude, após a crise de consciência da antropologia em
relação a seu status liberal no contexto da ordem imperialista, e agora que o Ocidente não
pode mais se apresentar como o único provedor do conhecimento antropológico sobre o
outro, tornou-se necessário imaginar um mundo de etnografia generalizada” (p.18-19).
O autor utilizou como foco a antropologia profissional e a etnografia a partir de 1950. A crise
da autoridade etnográfica ocorreu pelos anos de 1900 e 1960, durante o qual uma nova
concepção de pesquisa de campo se estabeleceu como norma para a antropologia americana
e européia o trabalho de campo emergiu como uma fonte privilegiada e legitimada de
dados sobre povos exóticos (p.20-21).
Ao fim do século XIX, nada garantia o status do etnógrafo como o melhor interprete da vida
nativa. Durante este período, uma forma particular de autoridade era criada, uma autoridade
cientificamente validade, ao mesmo tempo que baseada numa singular experiência pessoal.
Durante a década de 20, Malinowski desempenhou um papel central na legitimação do
pesquisador de campo, e devemos lembrar nesse sentido seus ataques a competência de seus
competidores no campo. [...] O que emergiu durante a primeira década do século XX com o
sucesso do pesquisador de campo profissional foi uma nova fusão da teoria com pesquisa
empírica, de análise cultural com descrição etnográfica (p.22-23).
“Antes do final do século XIX, o etnógrafo e o antropólogo, aquele que descrevia e traduzia os
costumes e aquele que era o construtor de teorias gerais sobre a humanidade, eram
personagens distintos. Malinowski nos dá a imagem do novo antropólogo: olhando, ouvido e
perguntando, registrando e interpretando a vida trobiandesa. O estatuto desta nova
autoridade está no primeiro capítulo dos Argonautas e a aguda justificação metodológica para
o novo modelo é encontrada no Andaman Islanders de Radcliffe-Brown, ambos os textos
fornecem argumentos explícitos para a autoridade especial do antropólogo-etnógrafo (p.26).
3º. A nova etnografia era marcada por uma acentuada ênfase no poder de observação. A
cultura era pensada como um conjunto de comportamentos, cerimônias e gestos
característicos passiveis de registro e explicação por um observador treinado [...] A
interpretação dependia da descrição (p.29).
6º. Os todos assim representados tendiam a ser sincrônicos, produtos de uma atividade de
pesquisa de curta duração. O pesquisador de campo, operando de modo intensivo, poderia, de
forma plausível, traçar o perfil do que se convencionou chamar de “presente etnográfico” (30).
7. Estas inovações serviram para validar uma etnografia eficiente, baseada na observação
participante cientifica. Seus efeitos combinados podem ser vistos claramente no que
pode ser considerado o tour de force da nova etnografia – Os Nuer de Evans-Pritchard
em 1940.
“Ao fazer proposições limitadas e sem fazer segredos das dificuldades de sua pesquisa, Evans
conseguiu apresentar seu estudo como uma demonstração da eficácia da teoria. Ele focaliza a
“estrutura” social e política dos nuer, analisada como um conjunto abstrato de relações entre
segmentos territoriais, linhagens, conjuntos etários e outros grupos fluidos [...] ele distingue
claramente, seu método daquilo que ele chama de documentação “fortuita”(malinowskiana).
Os nuer não é um extenso compendio de observações e textos em língua nativa ao estilo de
argonautas, Evans argumenta com rigor que os fatos só podem ser selecionados e articulados
a luz da teoria (p.31).
Certamente é difícil dizer muita coisa a respeito da “experiência”. Assim como “intuição”, ela é
algo que alguém tem ou não tem, e sua invocação frequentemente cheira a mistificação.
Todavia, pode-se resistir a tentação de transformar toda experiência significativa em
interpretação. Embora as duas estejam relacionadas não são idênticas. Faz sentido mante-las
separadas, quanto mais não seja porque apelos a experiência muitas vezes funcionam como
validações para a autoridade etnográfica (p.35).
Precisamente porque é difícil pinçá-la, a experiencia tem servido como uma eficaz garantia de
autoridade etnográfica. Há sem duvidas uma ambigüidade no termo, de um lado, evoca uma
presença participativa, e de outro, sugere um conhecimento cumulativo que vai se
aprofundando. Os sentidos se juntam para legitimar o sentimento ou a intuição real, ainda que
inexpremivel, do etnógrafo a respeito do “seu povo”. É importante notar, porem, que esse
mundo quando concebido como uma criação da experiência, é subjetivo, não dialógico ou
intersubjetivo. O etnógrafo acumula conhecimento pessoal sobre o campo (p.38).
O que está exposto no ato de se olhar a cultura como um conjunto de textos a serem
interpretados? Clifford Geertz, numa serie de estimulantes e sutis discussões, adaptou a teoria
de Ricouer ao trabalho de campo antropológico. A “textualização” é entendia como um pré-
requisito para a interpretação, a constituição das “expressões fixadas” de Dilthey. Trata-se do
processo através do qual o comportamento, a fala, as crenças, a tradição oral e o ritual não
escritos vem a ser marcados como um corpus, um conjunto potencialmente significativo,
separado de uma situação discursiva ou “performativa” imediata, onde este corpus
significativo assume uma relação mais ou menos estável com um contexto, e já conhecemos o
resultado final desse processo em muito do que é considerado como uma descrição
etnográfica densa (p.39).
Ricoeur propõe uma relação necessária entre o texto e o “mundo”, sendo que este ultimo não
pode ser apreendido diretamente; ele é sempre inferido a partir de suas partes, e as partes
devem ser separadas conceitual e perceptualmente do fluxo da experiência. Desse modo, a
textualização gera sentido através de um movimento circular que isola e depois contextualiza
um fato ou evento em sua realidade englobante. Um modo familiar de autoridade é gerado a
partir da afirmação de que se estão representando mundos diferentes e significativos. A
etnografia é a interpretação das culturas (p.40).
Segundo passo fundamental na análise de Ricoeur é seu estudo do processo pelo qual o
“discurso” se torna texto. Este autor argumenta que o discurso não pode ser interpretado do
modo aberto e potencialmente público como um texto é “lido”. Para entender o discurso,
“você tem de ter estado lá”, na presença do sujeito. Para o discurso se tornar texto, ele deve
ser transformado em algo “autônomo”, separado de uma locução especifica e de uma
intenção autoral. A interpretação não é uma interlocução. Ela não depende de estar na
presença de alguém que fala (p.40).
Se muito da escrita etnográfica é feita no campo, a real elaboração de uma etnografia é feita
em outro lugar. Os dados constituídos em condições discursivas, dialógicas, são apropriados
apenas através de formas textualizadas. Os eventos e os encontros da pesquisa se tornam
anotações de campo. As experiências tornam-se narrativas, ocorrências significativas ou
exemplos (p. 41).
Esta tradução da experiência da pesquisa num corpus textual separado de suas ocasiões
discursivas de produção tem importantes conseqüências para a autoridade etnográfica. Uma
explicação ou descrição de um costume por um informante não precisa ser construída de uma
forma que incluía a mensagem “fulano e fulano disseram isso”. Um ritual ou um evento
textualizado não estão mais intimamente ligados a produção daquele evento por atores
específicos. Em vez disso, estes textos se tornam evidencias de um contexto englobante, uma
realidade cultural. Além disso, como os autores e atores específicos são separados de suas
produções, um “autor” generalizado deve ser inventado, para dar conta do mundo ou do
contexto dentro do qual os textos são ficcionalmente recolocados. Este “autor generalizado”
aparece sob uma variedade de nomes: o ponto de vista nativo, os trobiandeses, os nuer, etc
(p.41).
10. Linguagem
Quem é na verdade o autor das anotações feitas no campo? (Os nativos ou antropólogos).
Pode-se afirmar que o controle nativo sobre o conhecimento adquirido no campo pode ser
considerável, e mesmo determinante. A escrita etnográfica atual está procurando novos meios
de representar adequadamente a autoridade dos informantes (p.48).
Critica a Malinowski ele é um complexo caso de transição. Suas etnografias refletem uma
coalescência ainda incompleta da moderna monografia. Se ele por um lado foi centralmente
responsável pela fusão da teoria e descrição na autoridade do pesquisador de campo
profissional, por outro lado ele incluiu material que não sustentava diretamente sua nítida
perspectiva de interpretação (p.48-49).
A recente teoria literária sugere que a eficácia de um texto em fazer sentido de uma forma
coerente depende menos das intenções pretendidas do autor do que da atividade criativa de
um leitor (p.57).
“A escrita etnográfica é alegórica tanto no nível de seu conteúdo (o que ela diz sobre as
culturas e suas histórias) quanto no de sua forma (as implicações de seu modo de
textualização)” (p. 63).
“Os textos etnográficos são inescapavelmente alegóricos, é uma aceitação séria desse fato
modifica as formas com que eles podem ser escritos e lidos” (p.65).
A alegoria normalmente denota uma prática na qual uma ficção narrativa continuamente se
refere a outro padrão de idéias ou eventos. Ela é uma representação que interpreta a si
mesma. Um reconhecimento da alegoria enfatiza o fato de que retratos realistas, na medida
em que são convincentes ou ricos, são metáforas extensas, padrões de associações que
apontam para significados adicionais coerentes. A alegoria destaca a natureza poética,
tradicional e cosmológica de tais processos de escrita (p.65-66).
Os relatos específicos contidos nas etnografias jamais podem ser limitados a um projeto de
descrição cientifica, na medida em que a tarefa principal do trabalho é tornar o
comportamento de um modo de vida diferente humanamente compreensível. [...] As alegorias
culturalistas e humanistas estão por trás das ficções controladas sobre diferença e similitude
que chamamos de relatos etnográficos. O que se mantem nesses textos é uma dupla atenção
a superfície descritiva e aos significados mais abstratos, comparativos e explanatórios (p.67).
O que se vê num relato etnográfico coerente, a construção figurada do outro, está conectado
em uma dupla estrutura continua, com a qual se entende. [...] A narrativa etnográfica de
diferenças especificas pressupõe e sempre se refere a um plano abstrato de similaridade (p.67-
68).
2.
Uma etnografia cientifica normalmente estabelece um privilegiado registro alegórico que ela
identifica como “teoria”, “interpretação” ou “explicação”. Mas uma vez que todos os níveis
significativos num texto, incluindo-se teorias e interpretacoes, são reconhecidos como
alegóricos, torna-se difícil privilegiar um deles, aquele que daria conta dos demais. Uma vez
que essa ancora é retirada, a encenação e a valoração de registros alegóricos múltiplos, ou
“vozes”, tornam-se uma importante área de preocupação para escritores de etnografias.
Recentemente, isso tem, por vezes, implicado atribuir ao discurso nativo um status semi-
independente no conjunto do texto, interrompendo o privilegiamento da monotonia da
representação “cientifica”. Muitas etnografias, distanciando-se de uma antropologia
totalizadora, procuram evocar múltiplas (embora não ilimitadas) alegorias (70-71). Cita Nisa.
2º. Essa Experiência modelada logo se torna uma história sobre a existência das “mulheres”;
O 2º. E 3º registro do livro são nitidamente distintos do primeiro. Sua estrutura é
dialógica, e por vezes cada uma delas parece existir principalmente em resposta a
outra. A vida de Nisa tem sua própria autonomia textual, como uma narrativa distinta
falada em tons característicos e criveis [...] Nisa conta sua vida, um processo
textualmente dramatizado no livro de Shostak (74-75).
Enquanto alter ego, provocadora e editora do discurso, Shostak faz uma série de
intervenções significativas. [...] A voz impar de Nisa emerge. Mas Shostak removeu
sistematicamente suas próprias intervenções, como também tirou vários marcadores
narrativos (p.75).
Shostak nitidamente pensou de forma cuidadosa sobre a estruturação de suas
transcrições, mas não se pode ter tudo – a performance com as suas divagações e
também uma história facilmente compreensível (p.75).
3º. Nisa narra um encontro intercultural no qual dois indivíduos colaboram para produzir um
especifico campo de verdade (p.71).
O 3º. Registro é o relato pessoal do trabalho de campo de Shostak. “Me ensina o que é
ser uma mulher !kung” era a pergunta que fazia a seus informantes. *...+ Nisa fala, ao
longo do texto, não como uma testemunha neutra, mas como uma pessoa que dá
tipos específicos de conselhos a alguém de uma idade especifica com questões e
desejos manifestos (p.76).
Em seu relato, Shostak descreve uma busca de conhecimento pessoal, de algo que vai
além do usual relato etnográfico. Ela espera que a intimidade com uma mulher !kung
venha, de alguma forma, ampliar ou aprofundar seu sentido de ser uma mulher
moderna ocidental. Sem tirar lições explicitas da experiência de Nisa, ela dramatiza
através de sua própria investigação o modo como uma vida narrada faz sentido, em
termos alegóricos, para um outro. A história de Nisa é revelada como uma produção
conjunta, o resultado de um encontro que não poder ser reescrito como uma
dicotomia sujeito-objeto. Algo mais do que explicar ou representar a vida e as palavras
do outro está acontecendo – algo mais incluso. O livro é parte de um novo interesse
em revalorizar aspectos subjetivos da pesquisa (p.76).
Nisa é assim manifestamente uma alegoria da compreensão cientifica, operando tanto no nível
da descrição cultural quando de uma busca pelas origens humanas. [...] Nisa é uma alegoria
feminista ocidental, parte da reinvenção da categoria geral mulher nos anos 70 e 80; e
também uma alegoria da etnografia, do contato e da compreensão (71-72).
Nisa é como muitas obras que retratam experiências humanas comuns, conflitos, alegrias,
trabalho e assim por diante. Mas o texto que Shostak produziu é original no sentido de que
recusa misturar seus três registros em uma contínua e completa “representação”. Eles
permanecem separados, em tensão dramática. Essa polivocalidade é apropriada ao
procedimento do livro [...] a diferença invade o texto; ela não mais pode ser representada; ela
deve ser encenada (p.72).
O trabalho de campo antropológico tem sido representado tanto como “laboratório” cientifico
quanto como um “rito de passagem” pessoal. As duas metáforas captam precisamente a
impossível tentativa da disciplina em fundir práticas objetivas e subjetivas. [...] a nova
tendência de nomear e citar os informantes de forma mais completa e introduzir elementos
pessoais no texto está alterando a estratégia discursiva da etnografia e seu modo de
autoridade. Muito de nosso conhecimento sobre outras culturas deve agora ser visto como
contingente, o resultado problemático do dialogo intersubjetivo, da tradução e da projeção.
Isto levanta problemas fundamentais para qualquer ciência que predominantemente se move
do particular para o geral, que pode fazer uso de verdades pessoais apenas como exemplo de
fenômenos típicos ou como exceções de padrões coletivos (78-79).
Uma vez que se reconhece, no processo etnográfico, sua plena complexidade de relações
dialógicas historicizadas, o que anteriormente pareciam ser relatos empíricos/interpretativos
de fatos culturais generalizados agora aparecem como apenas um nível da alegoria. Tais
relatos podem ser complexos e verdadeiros, e eles são, em principio, suscetíveis de refutação,
assumindo-se o acesso ao mesmo conjunto de fatos culturais. Mas como versões escritas
baseadas em trabalho de campo, esses relatos são, claramente, não mais a história, mas uma
história entre outras histórias (p.79).
3.
Pressupostos difusos sobre a etnografia como escrita teriam também de ser alterados, pois as
alegorias de salvamento estão implicadas na própria prática da textualização que é, em geral,
assumida como o centro da descrição cultural. Independente do que mais faz uma etnografia
ela traduz experiência em texto. Há vários modos de realizar essa tradução, modos que trazem
significativas conseqüências éticas e política (p.88).
Cita parábola, onde vai a campo rever se a sociedade continua aquela pesquisada por outro
etnohistoriador, e quando questiona sobre algo, o chefe pega o livro que esse cara escreveu
para responder.
Seja lá o que tenha sido concluído ou não no debate sobre a escrita “pastoral etnografica”, não
há duvida do que se tornou problemático: a nitida distinção das culturas do mundo entre
letradas e pre-letradas; a nocao de que a textualizacao etnográfica é um processo que encena
uma transição fundamental da experiência oral para a representação escrita; a suposicao de
que algo essencial se perde quando uma cultura se torna “etnográfica”; a estranhamente
ambivalente autoridade de uma prática que resgata como texto uma vida cultural que está se
tornando passado (p.92).
Minhas reflexões sobre a pastoral etnográfica sugerem que se deve resistir a esse “impulso”,
não pelo abandono da alegoria – um objetivo impossível de ser realizado -, mas por uma
disposição nossa para histórias diferentes (p.93).
1.
Se proproe a historicizar a afirmação de que o “eu” é culturalmente constituído, examinando
um momento por volta de 1900, quando esta idéia começou a assumir o sentido que tem hoje.
“Em meados do século XIX, dizer que o individuo estava envolvido pela cultura significava algo
bem diferente do que significa hoje. A “cultura” se referia a um único processo evolucionário.
[...] Na virado do século [...] uma nova concepção de cultural tornou-se possível. A palavra
começou a ser usada no plural, sugerindo um mundo com modos de vida separados, distintos
e igualmente significativos” (p.100-101).
“Minha comparação entre Mali e Conrad focaliza a difícil ascensão de ambos a expressão
profissional inovadora. O Coração das Trevas (1899) é a mais profunda reflexão de Conrad
sobre o difícil processo de se entregar a Inglaterra e ao inglês. [...] A experiência de Mali é
demarcada por duas obras Um diário no sentido estrito do texto (1967) e Argonautas do
Pacifico Ocidental (1922) [...] os dois textos são refrações parciais, experimentos científicos da
escrita [...] O diário {onde expõe toda sua raiva, depressão, vulnerabilidade} é um inventivo
texto polifônico. É um documento crucial para a história da antropologia, não porque revela a
realidade da experiência etnográfica, mas porque nos força a enfrentar as complexidades de
tais encontros e a tratar todos os relatos textuais baseados em trabalho de campo como
construções parciais” (p.106-107).
2.
Mali e Conrad eram poloneses,se conheciam, o primeiro era grande admirador do segundo, e
ambos desenvolviam ambiciosas carreiras como escritores na Inglaterra. [...] Embora a relação
entre ambos tenha sido breve, Mali frequentemente representava sua vida em termos
conradianos, e em seu diário ele parecia as vezes estar reescrevendo temas de O Coração das
Trevas (p.107).
“Tanto O Coracao das Trevas quanto o Diario parecem retratar a crise de uma identidade –
uma luta, nos confins de uma civilização ocidental, contra a ameacao de dissolução moral”
(p.108).
“Talvez a mais importante diferença textual seja que Conrad assume uma posição irônica com
respeito a verdade representacional, uma atitude apenas implícita na escrita de Malinowsi. O
autor de Argonautas se dedica a construir ficções culturais realistas, enquanto Conrad, embora
comprometido de forma semelhante com isso, representa a atividade como prática
contextualmente limitada a contar estórias” (p.109).
“Podemos sugerir o esboço de uma estrutura para as três línguas ativas das experiências
exóticas de Conrad e Mali. Entre o polonês, a língua materna, e o inglês, a língua da futura
carreira e casamento, uma terceira intervem, associada com o erotismo e com a violência [...]
Assim é possível distinguir em cada caso uma língua materna, uma língua do excesso e uma
língua de restrição (do casamento e da autoria) [...] Portanto, tanto Conrad no Congo quanto
Mali nas Ilhas Trobriand estavam imersos em situações subjetivas complexas e contraditórias,
articuladas nos níveis de linguagem, do desejo e da filiação cultural” (p.111-112).
3.
Tanto em Argonaista quanto no Diário vemos a crise do “eu” em algum dos mais distantes
pontos de navegação. Ambos os trabalhos retratam uma experiência de solidão, mas uma
experiência de solidão que é preenchida com outros povos e com outros sotaques e que não
permite um sentimento de centramento, de dialogo coerente, ou comunhão autentica”
(p.112).
A questão central do diário é que Mali é a “impossibilidade de ser sincero e portanto de ter um
centro ético. Mali sente a exigência de coerência pessoal. [...] A solução de Mali consiste em
construir duas ficções relacionadas – a de um eu e a de uma cultura. [...] Ele se permitia cair
no extremismo “eslavo”, suas revelações sobre si mesmo e sobre seu trabalho eram
exageradas e ambiguamente parodisticas” (p.113).
“Assim como o protagonista de Conrad, o etnógrafo luta constantemente para manter uma
essencial auto-suficiencia interior” (p.116).
“A cultura, uma ficção coletiva, é a base para a identidade e a liberdade individuais. O eu,
[autosuficiente] é um produto de trabalho, uma construção ideológica que é no entanto
essencial, o fundamento da ética. Mas, uma vez que a cultura se torna visível como objeto e
base, um sistema de significado entre outros, o eu etnográfico não pode mais se enraizar
numa identidade não mediada” (p.118).
4.
5.
“ Tem-se a tentação de propor que a compreensão etnográfica ‘e melhor entendia como uma
criação da escrita etnográfica do que como uma consistente qualidade da experiência
etnográfica. De qualquer modo, o que Mali realizava ao escrever era simultaneamente 1) a
invenção ficcional dos trobriandeses a partir de uma massa de notas de campo, documentos,
memórias, e assim por diante; e 2) a construção de um novo personagem publico, o
antropologo como pesquisador de campo” (p.123).
6.
“ Andre Breton sempre insistia em que o surrealismo não era um corpo de doutrinas ou uma
ideia definível, mas sim uma atividade. Este texto ‘e um exame da atividade etnografica
situada, como deve sempre ser, em circunstancias históricas e culturais especificas. Focalizarei
a etnografia e o surrealismo na Franca, entre as duas guerras mundiais” (p.132).
“Essa orientação em relação a ordem cultural não pode ser claramente definida. É mais
apropriadamente chamada de modernista do que de moderna, considerando como seu
problema a fragmentação e a justaposição de valores culturais” (p.132-133).
“Estou usando o termo surrealismo num sentido obviamente expandido, para circunscrever
uma estética que valoriza e fragmentos, coleções curiosas, inesperadas justaposições – que
funciona para provocar a manifestação de realidades extraordinárias com base nos domínios
do erótico, exótico, e do inconsciente (p.133). [...] o surrealismo etnográfico é uma construção
utópica, uma declaração tanto sobre as possibilidades passadas quanto futuras da análise
cultural” (p.134).
O Surreal etnográfico
“Para as vanguardas parisiense, a Africa fornecia uma reserva de outras formas e outras
crenças. Isto sugere um segundo elemento da atitude etnográfica surrealista, a crença de que
o outro, seja ele acessível através dos sonhos, dos feitiches ou da mentalidade primitiva de
Lévi-Bruhl, era um objeto crucial da pesquisa moderna [...] o surrealismo moderno e a
etnografia partiam de uma realidade profundamente questionada” (p.136).
“O termo etnografia, tal como o estou estudando aqui, é diferente evidentemente, da técnica
de pesquisa empírica de uma ciência humana que na França foi chamada de etnologia, na
Inglaterra de antropologia social, e na América de antropologia cultural. Estou me referindo a
uma predisposição cultual mais geral, que atravessa a antropologia moderna e que esta ciência
partilha com a arte e a escrita do século XX. O rotulo etnográfico sugere uma característica
atitude de observação participante entre os artefatos de uma realidade cultural tornada
estranha. Os surrealistas estavam intensamente interessados em mundos exóticos, entre os
quais incluíam uma certa Paris. Sua atitude, embora comparável aquela do pesquisador no
campo, que tenta tornar compreensível o não-familiar, tendia a trabalhar no sentido inverso,
fazendo o familiar se tornar estranho. O contraste é de fato gerado por um jogo contínuo
entre o familiar e o estranho, do qual a etnografia e o surrealismo era dois elementos. Esse
jogo é constitutivo da moderna situação cultural que estou tomando como base de meu
estudo” (p.136-137).
Mauss era um pesquisador. Ele treinou um seleto grupo. Suas aulas não eram uma
demonstração teórica. Elas enfatizavam, na sua forma divagadora, o fato etnográfico concreto;
Mauss tinha um olhar acurado para o detalhe significativo. Ainda que ele próprio nunca tenha
feito trabalho de campo, Maus era eficiente em levar seus alunos a fazerem pesquisa de
primeira mão (p.139-140). Mauss não escreveu livros, ele era bastante disperso em relação a
compromissos e lealdades.
Nos primeiros anos do Institut d’Ethnologie, os cursos de Mauss continuavam a ser o fórum
crucial para uma emergente etnografia. Este ensino era um curioso instrumento acadêmico,
não fundamentalmente distinto do surrealismo, e capaz de estimular os gostos tanto de
Metraux e Bataille (p.145).
Taxonomias
Documents era uma requintada revista editada por George Bataille na década de 20-30.
No Musée de l’Homme
“A história da etnografia francesa entre as duas grandes guerras mundiais pode ser narrada
como a história de dois muses. O velho Trocadéro e o novo Musée de l’Homme exerceram
importante influencia, tanto prática como ideológica, no curso da pesquisa e na compreensão
de seus resultados. [...] Se o Trocadéro dos anos 20, com seus objetos de arte mal classificados
e mal rotulados, correspondia a estética do surrealismo etnográfico, o Palais de Chaillot,
completamente moderno, encarnava o emergente paradigma acadêmico do humanismo
etnográfico. Os ganhos científicos representados pelo Musée eram consideráveis. Ele
proporcionava tanto facilidades técnicas necessárias quanto o igualmente necessário
delineamento de um campo de estudos – o humano -, em todas as suas manifestações físicas,
arqueológicas e etnográficas. O amadurecimento de um paradigma de pesquisa cria a
possibilidade de uma acumulação de conhecimento e consequentemente o fato do progresso
acadêmico. O que é menos reconhecido, ao menos nas ciências humanas, é que qualquer
consolidação de um paradigma depende da exclusão ou da subordinação ao status da “arte”
daqueles elementos da disciplina em transformação que questionam as credenciais da própria
disciplina, aquelas práticas de pesquisa que, tal como Documents, operam nos limites da
desordem” (p.155).
“Se a Missao Dakar-Djibouti trouxe uma quantidade considerável de “arte” para expor no
Trocadéro, seus objetos encontraram seu verdadeiro lar num museu bem diferente [...] O
Musée de l’Homme, um nome que apenas recentemente se tornou multiplamente irônico,
era, na metade da década de 30, um ideal admirável, de significação ao mesmo tempo
cientifica e política. A nova instituição combinava sob um só teto os laboratórios técnicos do
Musée d’Histoire Naturelle e o Institut d’Ethnologie. O museu compunha uma imagem liberal e
sintética do “homem”, uma visão concebida por Rivet, que articulava num poderoso conjunto
simbólico varias das tendências ideológicas que venho descrevendo” (p.158-159).
“Se o Collége era instável, e amadorístico, o Musée carregava todas as marcas de um saber
oficialmente sancionado, cientifico e monumental” (p.165).
Cultura/collage
Parei p. 166.
Lenhardt teria concordado com o missionario evangélico Lorimer Fison, que comentou
Codrigton: “Quando um europeu vive dois ou três anos entre os selvagens, ele está totalmente
convencido de que sabe tudo sobre eles; quando fica dez anos, ou quase, entre eles, se for um
homem observador, ele vai achar que sabe muito pouco e aí sim ele está começando a
aprender” (Codrigton, 1972: VII).
Diferentemente de vários outros missionários que chegaram a saber muita coisa sobre os
“selvagens”, Lenhardt era capaz de expressar sua longa experiência de campo com rigor
analítico e o modo sistemático de exposição associados a antropologia acadêmica (p. 227).
Lenhardt foi um missionário evangélico, seu trabalho era teoricamente sofisticado. Ele
introduziu pioneiramente modernas técnicas etnolinguisticas de tradução da Biblia e fez um
estudo comparativo cuidadoso da psicologia e da sociologia da conversão religiosa. [...] Em
suas aulas, o missionário de volta do campo praticava um método de escrupulosa análise
semântica do ritual e da linguagem cotidiana, guiando cuidadosamente os alunos através dos
complexos sentidos e interconexões situacionais de uma lingua que ele compreendia
profundamente (p. 228).
Mas se Lenhardt era apreciado (embora não compreendido) por seus contemporâneos, ele foi
quase totalmente esquecido por seus sucessores. Suas idéias pouco mais usuais sobre
fenomenologia religiosa efetivamente submergiram a onda estruturalista dos anos 50 e 60;
seus relatos etnográficos singulares e, de varias maneiras, exemplares, permanecem em
grande parte ignorados (p. 229).
O livro mais conhecido é Do Kamo, que foi traduzido para o ingles só depois de 42 anos! Ele é
um bom exemplo do ultimo estilo de Lenhardt de reflexão etnológica. [...] A experiência de
pesquisa de Lenhardt, a de um etnógrafo-missionário, foi sem duvida, não-ortodoxa, de um
ponto de vista acadêmico. [...] O exemplo incomum, embora longe de ser o único, de um
missionário seriamente comprometido com a etnografia pode lançar uma luz comparativa
sobre as práticas convencionais do trabalho de campo (p. 229-230).
Para avaliar a contribuição de Lenhardt será necessário tratar o trabalho de campo como um
trabalho coletivo, colocando assim em questão certos pressupostos sobre a escrita
etnográfica. Em particular, os conceitos de descrição, interpretação e autoria demonstram ser
inadequados para os processos em jogo (p.230).
Seu principal informante foi Mindia, que teve certa resistência inicial do informante “pelo fato
dos brancos serem burros”, os atrasos frustrantes, as questões-chave, e finalmente com sorte,
o estabelecimento de uma certa dose de confiança e interesse mutuo. Mindia colocou
problemas particulares como uma fonte de informação etnográfica, uma vez que suas relações
familiares eram fatos de importância política imediata.
Há, sem duvida, uma dimensão política em todo conhecimento da vida local adquirido por um
branco numa situação de dominação colonial. Desse modo, o registro de uma genealogia
requeria que se divulgassem os nomes e relações previamente ocultas aqueles que poderiam
fazer uso político deles.
A relação de Leenhardt com Mindia era claramente política, assim como abertamente
evangélica. Poucos pesquisadores em antropologia se lembrarão de terem sido acusados de se
preocuparem demais com as “almas” de seus informantes. Leenhardt, porém, ao fazer de
Mindia um informante etnográfico, tinha motivos ulteriores claros, indo além dos objetivos da
ciência ou da política. Ele estava interessado no homem em si, em sua moral interior (p.232).
A etnografia missionária é, sem dúvida, limitada pela natureza de seus informantes, tendendo
o missionario a se basear apenas nos membros de seu trabalho. Em larga medida, isto era
verdade no caso de Lenhardt, ainda que ele mantivesse relações próximas com os não-
convertidos, e, em grau menor, com grupos católicos. Felizmente, muitos de seus melhores
informantes estavam próximos dos antigos modos de vida (p.235).
Leenahrdt não tinha objeções a presenciar como observador os rituais tradicionais. Ele estava
longe de ser um missionário que tentava proibir ou acabar pela força com as práticas dos não-
convertidos. Ele no entanto exigia autoridade moral sobre os protestantes, aqueles que, em
teoria pelo menos, tinham feito uma ruptura básica com a tradição (p.237).
Esta concepção dinâmica do processo cultural se refletia no modo como Leenhardt elaborava
seus textos etnográficos. Tal como Boas e Malinowski, ele acreditava que um aspecto crucial
do trabalho de campo era a coleta de um vasto corpus de transcrições vernáculas. [...] As
relações de Leenhardt com seus melhores informantes ensinaram estes a transcrever e a
interpretar sua própria tradição (p.239).
Leenhardt considerava toda a sua obra cientifica como um elaborado exercício de tradução.
Seus primeiros três volumes foram feitos para o Institut d’Etnhologie de Paris, juntos,
pretendiam constituir “uma documentação inicial, bem classificada, para utilização no estudo
da mentalidade arcaica” (p.341).
Os textos de Leenhardt eram diferentes da maioria dos documentos vernáculos pelo fato de
que o etnógrafo não estava presente e ativamente envolvido no momento primeiro da
transcrição. Eles eram elaborados em particular por informantes usando uma língua nativa, na
qual eles haviam recentemente aprendido a ler e escrever. Leenhardt encorajava uma grande
variedade de pessoas a registrar em cadernos de exercícios escolares quaisquer lendas
tradicionais, discursos rituais ou canções que eles conhecessem bem. E depois o missionário
discutia seu conteúdo com os autores (p.242).
O contato de Leenhardt com Boesoou (melhor informante) incluía mais do que uma instrução
mutua que durou um quarto de século: um exemplo extremo de intercambio etnógrafo-
informante, certamente, mais valioso como tipo ideal. É condescendente e falso afirmar que
apenas o etnógrafo ganha conhecimento sobre os costumes a partir das colaborações do
trabalho de campo, ou que os textos e as interpretações assim constituídos são significativos
apenas para o autor da eventual etnografia (p.244).
A definição do papel do tradutor pelo missionário também é relevante para as relações
etnográficas, o tradutor registra um processo social e expressivo que ele iniciou e sobre o qual
tem bem pouco controle. O tradutor tenta capturar um momento do pensamento
intercultural. Ele age dentro do processo normal da língua de se reformar e renascer no
encontro com outras línguas (p.246).
Há, finalmente, uma dimensão política em conceber o texto etnográfico como um documento
mais aberto, mais processual e plural. [...] Não se sabe por que esta forma de produção não é
mais amplamente reconhecida como parte essencial do trabalho de campo. O caráter
colaborativo da tarefa da transcrição, uma tarefa que também requer tempo, apresenta certos
obstáculos, mas eles não são insuperáveis. Será que os etnógrafos podem se dar ao luxo de
deixar este tipo de trabalho, fundamental ao futuro desenvolvimento das literaturas indígenas,
a cargo dos missionários? Será que eles não devem encontrar formas de assegurar que pelo
menos alguns dos escritos produzidos no campo sejam acessíveis e úteis aqueles que são
frequentemente, na verdade seus co-autores (p. 247-248).