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Revolução em Karl Marx e Antonio Gramsci: entre estratégias de classe e partido

Bruno Augusto da Costa

1. A estratégia marxista é viva. Ela não é fixa. Não é uma receita de bolo. Não
pode ser reproduzida em condições históricas diferentes. A estratégia é adequada
ao seu tempo e espaço. Ela está em um perpétuo devir. A estratégia observa
profundamente a sociedade e sua divisão em classes. O lugar das classes com
relação ao Estado, a economia, a moral, o trabalho, a cultura, as tradições, as
religiões, a filosofia e a ciência. Ao estrategista cabe compreender os elementos
materiais e metafísicos, corporais e espirituais, objetivos e subjetivos, práticos e
teóricos. Nenhum desses antônimos são rachados. Não há cisão entre eles. Eles
fazem parte do mesmo processo que é dialético, imanente, sistêmico e
complexo. Se existe um dogma que permeia a estratégia marxista, ele pode ser
resumido com a frase introdutória de O Manifesto Comunista, de Marx e Engels:
Trabalhadores do mundo, uni-vos!

2. Compreender a estratégia marxista é equivalente a captar dois processos que


envolvem a noção de totalidade. Primeiro a totalidade que há na realidade social
e segundo a totalidade das categorias e conceitos engendrados pelos pensadores
que buscam compreender as distintas conjunturas. É preciso decifrar como se dá
a luta de classes, quais as condições de vida do proletariado e qual o seu nível de
consciência. Construir a consciência proletária de si e para si. Sendo assim:
Como vai a propriedade privada? Os dominados tem acesso às benesses sociais?
Como vão os direitos dos trabalhadores? Qual o espaço real do proletariado em
relação ao poder político e econômico? Como se dá a luta de classes no seu
sentido ideológico? Como conquistar o poder e permanecer no poder? As crises
do capitalismo virão, mas como ir para além do momento revolucionário? Quais
as condições materiais e imateriais para a tomada do poder pelas classes
subalternas?

3. A finalidade da estratégia é a emancipação da humanidade. Ela objetiva


transformar o mundo capitalista por completo. Isso que quer dizer que a
estratégia visa em sua essência destruir as contradições sociais. A estratégia nega
a naturalidade dos antagonismos, ela não aceita que as condições do capitalismo

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sejam visualizadas como universais. O estrategista precisa possuir a capacidade
destruidora, tanto quanto a criadora. Ele tem de matar um mundo e engendrar
outro através da revolução. A revolução é a igualdade entre os gêneros, a
igualdade as raças, a igualdade entre os gêneros sexuais, a igualdade econômica,
a igualdade entre as nações do planeta.

4. A filosofia sobre a estratégia não deixa de ser também a reflexão a respeito das
derrotas socialistas. Os trabalhadores organizados não atingiram os grandes
objetivos revolucionários, embora em boa medida influenciaram a realidade
política do planeta. Desde a fundação do socialismo científico observamos que o
gênero do pensamento estratégico é o crítico. Isto é! Sua essência são os debates,
as polêmicas, as discussões e as divergências. O proletariado organizado
produziu uma vasta matéria estratégica não-dogmática, disputou interpretações e
polarizou consigo mesmo. Esta crítica não é apenas a crítica aos capitalistas, mas
soma-se aí a autocrítica. O estrategista precisa incluir em sua reflexão as teorias
e práticas dos opositores internos e externos, apenas assim ele desenvolve seu
criticismo.

5. A estratégia é nacional e internacional. O capitalismo é um sistema global que


afeta os países de diferentes formas. Os trabalhadores precisam, por isso,
compreender as condições da luta segundo o contexto político e econômico
interno e externo. As táticas devem ser elaboradas com a clareza do que é o
imperialismo, suas manifestações neocoloniais e a natureza do capitalismo que
os países em revolução devem superar para que a emancipação comece a ser
conquistada. A revolução só se dará enquanto substitui o sistema capitalista
global pelo sistema comunal global. As vistas disso, os trabalhadores
organizados devem firmar alianças com seus iguais dos outros países.

6. Os filósofos estrategistas contemporâneas estudados na minha dissertação não


acreditam na fórmula da ditadura do proletariado, não aceitam a versão no
stalinismo e entendem Estado totalitário como uma deturpação do marxismo
original. Eles apontam que devemos agir no Estado liberal, mas sempre
produzindo uma forma de superação desse Estado. Isso quer dizer promover
formas políticas e econômicas pautado pela autonomia das classes subalternas,

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autogestão do trabalho, posse compartilhada dos produtos, serviços e ideias que
são manifestação concreta dos modos de produção. Não basta conquistar o poder
político. É necessário fazer que esse poder político seja distribuído, pulverizado
entre os sujeitos.

7. Um dos problemas que os estrategistas marxistas devem enfrentar é a cisão da


luta de classes entre grupos individualistas. As lutas antirracistas, feministas, da
orientação sexual, decoloniais, etc. precisam ser orientadas para a universalidade
da libertação e igualdade entre todos. Do contrário, elas operam afirmando o
caráter da competição egoísta, que é habilmente contida e cooptada pelo
invólucro político do capitalismo, o parlamentarismo dos liberais. Os grupos
sociais dominados precisam ser integrados do ponto de vista dos marxistas. Isso
significa que a minha revolução pessoal, seja também parte da revolução dos
outros.

8. Através dos dados bibliográficos coletados podemos apontar a vitalidade das


estratégias marxistas, posto que esta cosmovisão persista e apresenta-se
capacitada a refletir a realidade contemporânea. Tomamos como referência a
temática do imperialismo e seus respectivos efeitos políticos e econômicos nos
diferentes países, as desigualdades do mundo do trabalho, da economia ou da
política e a busca desenfreada do capital organizado pelo lucro. O capitalismo
permanece obstinado, apesar do seu caráter autodestrutivo e insustentável para a
humanidade e o meio ambiente. Entendemos que a expansão do modelo
capitalista implica, em seu âmago, a destruição de outros modelos produtivos,
sendo impossível globalizar-se de forma equilibrada ou sem o uso da violência.

9. Marx descreveu o processo político e econômico tendo como princípio a


distinção entre dois tipos de propriedade privada. Uma que é baseada no
trabalho e outra na exploração do trabalho. Para o pensador, as contradições são
inerentes ao modelo de vida capitalista, de maneira que aos socialistas
competem revolucionarem esta realidade, emancipando a humanidade da
condição de exploração da imensa maioria por uma minoria detentora dos meios
de produção. Lênin compreendeu que o capitalismo atingiu uma fase
imperialista, identificando, por exemplo, a desigualdade entre os diferentes

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países. Na percepção de Rosa Luxemburgo, o Estado manifestava-se a partir do
interesse de classe dos capitalistas. E para Gramsci, somos capazes de conhecer
à medida que estamos inseridos em um processo cultural unificado pela história.
Em sua concepção de estratégia era necessário lutar contra as ideologias
dominantes, que visavam ocultar as contradições internas da sociedade. Buscou,
portanto, a unificação dos seres humanos enquanto subjetividade e experiência
de vida concreta. Nesse sentido, as estratégias foram elaboradas à medida que
elas criaram mecanismos de superação das relações políticas e econômicas
ditadas pelo capital organizado e buscaram combater estas múltiplas esferas de
influências.

10. Ao levar em consideração os pensadores presentes na pesquisa foi Mészáros,


com seu Para além do capital: rumo a uma teoria da transição (1995), que
produziu uma teoria de revolução sistematizada. Isto é, para que fosse possível
captar o aspecto tático dos demais filósofos que pesquisamos foi necessário
mobilizar uma miríade de referências que melhor aludem às teses de conquista
do poder pela classe trabalhadora. Ressaltamos que nos diagnósticos de vários
marxistas contemporâneos o século XXI apresenta-se, sobretudo, como uma fase
autocrítica. A tarefa que se impõe passa por reinventar o campo estratégico do
socialismo, tendo em vista os fracassos dos modelos aplicados no século XX e
que chegaram à exaustão com o fim da União Soviética em 1991. O abandono
das fórmulas associadas à ditatura do proletariado, concomitantemente, significa
redescobrir estrategistas como Gramsci e Rosa Luxemburgo, que não tiveram
suas concepções largamente experimentadas. Mészáros concluiu sobre os
desafios dos socialistas da contemporaneidade: “[...] somente um movimento
socialista de massas tem condições de enfrentar o grande desafio histórico que
nos espera no século decisivo à nossa frente.”. (MÉSZÁROS, 2011b, p. 33).

11. Gramsci apontou para a necessidade de uma reforma intelectual e moral que
elevasse a cultura dos grupos sociais subalternos, ou seja, a construção de uma
nova hegemonia. A reforma seria um meio de combinação dos elementos de
consenso da sociedade civil e o poder de coerção da sociedade política. Isto
significa a ampliação da organização dos trabalhadores, alargamento da
participação política da sociedade, educação das massas para as novas

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concepções de mundo e a criação de novos valores e comportamentos. Podemos
concluir que as ideias de Gramsci prosseguem viáveis e que a estratégia não é
mecânica, mas um ato consciente de transformação revolucionária da vida como
a conhecemos.

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