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ACERCA DO INFINITO,

DO UNIVERSO
E DOS MUNDOS

Giordano Bruno

7.aEdição

Introdução de
VICTOR MATOS E SÁ

Tradução, Notas e Bibliografia d e


AURA MONTENEGRO

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN


Titulo da obra, no original:
DE L'INFINITO, UNIVERSO E MONDI
A tradução foi feita a partir da comparação dos textos
dos DIALOGHI METAFISICI, edições revisas e anotadas
por Giovanni Gentile, Bari, Gius. Laterza, 1907, 1925,
e também da 3." edição, didgida por Giovanni Aquileccbia,
Firenze, G. C. Sansoni, 1958.

Reservados todos os direitos


de harmonia com a lei.
Edição da
FUNDAÇAO CALOUSTE GULBENKIAN.
Av. de Berna I Lisboa
2016
ISBN 978-972-3 1-0003-7
INTRODUÇAO A GIORDANO BRUNO

1. A importância histórico-filosófica da problemática do


Infinito seria motivo suficiente (se outros não houvesse) para
publicar em língua portuguesa o diálogo Acerca do Infinito,
do Universo e dos Mundos de Giordano Bmno.
Com efeito, não é por acaso que HeinJSoeth- ao erguer
tÚJ problema da.! relações entre o finito e o infimto um tÚJs «.reis
grandes temas da metafísica ocidental» - inclui, como momento
sii!Jiifoativo tÚJ seu desenvolvimento, a concePfão bruniana de
«11m univer.ro infinito, obra tÚJ infinito poder divino» (1).
Ao acolher o presente diálogo no seu plano de edições a
F1111da;ão Calou.rte Gulbenkian cumpriu, pois (e uma vez
mais), a stta função objectiva de mediathra mltlfrai dos grandes
«ciá.rsico.n> da filosofia de toths os tempos.
E certo que Giordano Bruno não se limitou a expor a sua
concepção tÚJ Infinito neste diálogo~ ou no seu equivalente
latino, o poema De immenso et innumerabilibus et infigu-
rabilibus ... (1) - já que também em La cena de le ceneri
considera um 1111iverso infimto actuai como consequétJcia natural
tÚJ poder divino infinito e criathr (no qual <<Vontade e intelecto,
potência e acto, estão indiferenciatÚJS>>), poder a que chamou
ainda «o Absoluto» e «o Uno» e que, em De la causa, prin-

(1) Heinz HEIMSOETH, «Los seis grandes temas de la Meta-


fisica Occideotalll, 2 ed., Madrid, 1946, pp. 89-126, esp. 110-112
(sobre G. Bruno).
(1) Cf. Felice Tocco, Le opere /atine di Giordano Brwzo, upo11e
e ermfrontale &on /e italiane, Fircnze, 1889, pp. 211-326.

[v]
cipio e uno é analisado, metaflsicamente, em termos de «causa
transcendente e princípio imanente>>, de <<matéria e forma», de
<potência e acto». Aliás, importaria ainda ter em conta De
gli eroici furori, onde Brllflo dá expressão afectiva e intelectual
às repercussões éticas do conceito de uma natureza infinita,
«celebrando a resposta entusiástica do homem à divindade, na
natureza e nele próprio» e ojerecendo-11os, assim, o «correspon-
dente suijectivo» de o que, no diálogo De !'infinito, consti_tui
<<Jim hino à glória do Jlfliverso oijectivO>> (3).
Qualquer destas obras- e en1 especial o De la causa
-poderia, pois, documentar em nossa língua aspectos rele-
vantes da concepção bruniana do Infinito.
O facto de ter proposto para p11blicação, de entre elas,
o presente diálogo, não envolve, todavia, qualquer preferência
pelo modo como nele é discutida a concepção de Giordano Bmno (').

(•) Cf. John Charles NELSON, R.tnaimnue Theory of Love.


The conlexl of Gicrdano Bruno's «Eroici furori», N. York, 1958,
p. 239. Para a confirmação (através do. exame directo dos textos
de Bruno) das várias afinidades doutrinárias entre as obras em
causa, vitk pp. 239-244. V. tb. n. infra.
(') Para a exposição dessa concepção nos «dialoghi italiani>)
de Bruno - em especial na Cena tklle &eneri, no De la causa e no
De /'infinito- uitk A. CoRSANO, II pemiero di GiordaM Bruno nel
suo svolgimen/o slorico, Firenze, 1940, pp. 105-184. Para os ante-
cedentes histórico-teológicos da problemática de De /'infinito, as
diiiéuldades internas da concepção bruniana da mediação lógica
entre infinito e finito, etc., ver esp. pp. 159-184.
Para uma análise mais recente do desenvolvimento do
pensamento de Bruno em torno deste problema, com refe-
rência especial ao De la causa e a De /'infinito, ver tb. Sidney
GREENBERG, The lnfinile in Giordano Brmro, with a translation
of his dialogue Concerning lhe cause, Principie and One, N. York, 1950,
pp. 8-18 e/ pauim. Ver ainda P.-H. MrcHEL, La Cosmologie de
Giordano Bruno, Paris, 1962, cap. VI, L'Univers Infini- sobre
as teorias físicas e astronómicas que subjazem ao problema filo-

[VIl
GIOR_DA~
NO BRVNO
S\(_olano.

De I· infinito vniuerfo
et e!Jv.londi.
All illNHrifsimfl Signw tl1
Mauuifsiero.

~Scampatoin Veneoa.
~ono. M. D. LXXXIIII.

Portada da 1.• edição dos diálogos D1 I' Infinito, Uni11triO e Mondi

(VII]
Obedece apenas aQ propósito de cotJcretizar um anfÍJ!,O projecto
do falecido Mestre conimbricense Doutor Joaquim de Carvalho
- a clfio estímulo se deve esta tradllfilO (há anos inédita) da
Dr.rs Aura Montenegro e à qual prestou atenciosa e escrt~pulosa
cooperaçiio, como revisor, o Prof Giacinto Manuppella.

2. Para além da proposta de publicaçilo de uma obra


assim traduzida e revista (graças a responsabilidades e méritos
alheios), cabe-me ainda apresentar ao psíblico português o seu
autor, Filippo Bruno, natural de No/a- terra que o filósofo
imortalizou ao associá-la à sua obra e à sua nolana filosofia (6 ),
depois de já tff recebido, por sua vez, o nome de Giordano,
com o qual entrou, em Nápoles, para a ordem dominicana (1 ).
Com tal nome e tal eplteto entrou, também, nessa errante
e agitada vida (') que o levaria à fogueira de Campo dei Fiori,

sólico do infinito, enquanto este se define ao nlvel da potência


e do acto divinos (pp. 169-171), em relação à alma humana (171-2),
à sua explicatio na estrutura actual do universo (172-4), para chegar
- através dos problemas postos pelo testemunho dos sentidos
(174-5), do horizonte como «ilusão de finitude» (175-7), da relação
do loeus com o espaço infinito (177-80) e deste com a infinitute dos
corpos materiais finitos (180-2)- à exaltação ético-transcendental
das perfeições do universo infinito (182-6).
(&) Vitk D. BERTI, La Vita di Gwrdano da No/a, Torino, 1868.
Doe. 1, p. 341: da No/a é, com efeito, o sobrenome «que se encontra
em quase todas as obras italianas e latinas» de Bruno.
(') lbid. (Doe. VII).
( 7) AP. fontes para o estudo da vida de Bruno continuam
a ser as obras de Domenico Berti e de Vincenzo Spampanato
(11itk n. 8 itifra)- que as «retomou, interpretou e rectificou em
vários pontos» - e delas são tributárias as exposições recentes e
abreviadas da..~ principais fases dessa vida: da infància em Nola
e da juventude em Nápoles até à partida do convento (1548-1576);
das viagens e aventuras através da Europa (1576-1591) e ao regresso
do filósofo a Itália, seguido em breve da prisão, dos processos de

[VIII]
depois de preJrJ e processado em Veneza e de, a despeito da sua
{tão controvertida) retractação, ser extraditado para Roma (8 ),
onde a um longo e tormentoso encarceramento e à i11sistência dos
juizes- «obstinada» e <<intolerante» para m1s ( 9 ), <<ampla»,
«probante->> e clarificadora, para outros ( 10) - se seguiu o julga-
mento final, pelo tribunal do Santo Ofício, que o condenou à
morte como «frade apóstata» e <<herético impenitmt~>, «pertinaz
e obstinado» (11).
Tão trágico fim deu, sem dtívida, muito do seu smtido à
vida que assim interrompeu. Em muito pesou, também, (como
veremos em breve) no destino do prnsamento que a tomara
«herética».

Veneza e Roma, até à sua condenação e morte (1600). Cf. Paul-


-Henri MxcHEL, La Cosmologú de Giordano Bruno, Paris, 1962,
pp. 4-13. Ver tb. E . NAMER, Giordano Bruno ou !'U11ivtrs lnji11i
&Otm11t fondement de la philosopbit modune, cap. I, pp. 11-30. Para
os. documentos biográficos ( op. &it., pp. 179-80) e para os prin-
cipais pontos de referência biográfica (181-3).
(') Para os acontecimentos relacionados com o fatal regresso
de B. a Itália, em 1591, t~ide V . SPAMP.\NATO, Vila di Giorda11o
Bruno, &011 doNUIIenti edili ed intdiJi, Messina, 1921, p. 456 ss. Ver
tb. Doctmunli de/la tJila Jj Giordano Bnmo, a cura di Vicenzo SPA~l­
PANATO, Firenze, 1933, p. 69 ss. Para a discussão das circuns-
tâncias t~ide G. Grassi BERTAZZI, Giorda110 Brr1110. II stto spirito
e i moi Jempi, 1\úl.ano-Palermo-Napoli, 1911, pp. 807-815. Comp.
Luigi CrcUTTINr, Giordano Bruno, Milano, 1958, pp. 33-9.
(') Cf. Guido de RuGGIERO, Storia de/la Filosofia, Parte Terza,
«Rinascimento, Riforma e Contrariforma», vol. II, S.& ed., Bari, 1950,
pp. 123-4: para quem essa insistência obstinada dos juízes e o
empenho destes em evitarem a B. o e:rtremo suplício se destinava
apenas a tirar vantagem da sua conversão. Ver tb. G . BERTAZZI,
Giordano Bruno ... , p. 816.
(1°) Cf. Edoardo FENU, Giortlano Brt111o, Morcelliana, Brescia,
1938, p. 178.
(11) Cf. V. SPAMPANATO, Vila di G. BrUIIo ... , Doe. &mani,
doe. VI, p. 780 e doe. IX, p. 785.

[IX]
3. E11tretanto, nao será ousado stt.rtentar que a jilo.trJjia
de Giordano Br11110 constitui, a par da de Francisco Suárez,
uma das respostas passiveis à hera11ça polé!nica e exegética e
à situação histórico-mltura/ que fez de ambos (nascidos, aliás,
no n;esmo ano de 1548) «os dois únicos grandes filósofos da
época modema anteriores a Baco11 e a Descartes» (IZ).
Nao será certamente desta opinião quem pretenda ver no
sistema metafísico de Suárez um ntero «sincretismo oport1111ista»
e u'n «ecletismo» carregado de elementos inconciliáveis (13) e na

(U) Cf. J. MARIAS, «Suárez en la perspectiva de la razón


histórica»- in EnJa_yoJ tk Teoria, Madrid, 3. ed., 1966, p. 203.
Ver tb. pp. 204-5 e 207-8, para as diferenças de atitude dos dois
filósofos perante a Escolástica e a tradição teológica.
Para o enquadramento de Suárez na escolástica espanhola
de antes e depois de Trento (e, mais especialmente, na escolástica
jesuíta) - perante os problemas de uma metafísica «epistemolO-
gicamente autónoma» e, como tal, «moderna» - e como ponto
culminante na quarta das cinco gerações de grandes teólogos
espanhóis, t~ide J. FERRA TER MoRA, «Suárez y la Filosofia Moderna>>
- in Cuulionu DiJputadaJ, Madrid, 1955, pp. 160-62.
Para o enquadramento de Bruno no pensamento italiano da
t.a metade do séc. XVI e no horizonte religioso dos seus primeiros
estudos, t~itk A. CollSANO, II penliero di Giordano BriUIO nel 1110 Jt!olgi-
mtnlo Jlorico, G. C. Sansoni Editore, Fireaze, 194(), pp. 1-31 e
32-53, respectivamente.
( 11)a. Ismael QuiLES, S. J., «lnflujo dei Elemento Psico-
lógico en ciertos juicios acerca de los meritos de Suárez» (in AclaJ
dei IV Cenlmario tkl Nacimienlo tk FranciJÇo Suárez (1548-1948),
Madrid, I, p. 151 ss.)- ver esp. p. 165 ss., sobre «Elcecticismo
y falta de unidad dei sistema», onde são criticadas (quanto aos
aspectos histórico e doutrinário) as acusações de P. Garin contra
Suárez (169 ss). Para a defesa da unidade e coerência internas
do sistema de Suárez t~itk pp. 172 ss (esp. 174, n. 23- com biblio-
grafia complementar). Comp. Maurício de IRIARTE, S. ]., «El
Hombre Suárez y el Hombre en Suárez>> ( AclaJ.. . , I, pp. 121-4),
que tb. defende, na linha de M. Grabmann - e contra a visão de

[X]
filosofia de Bruno uma não menor jàlta de unidade e coerência
internas (como adiante ficará documentado).
Contlldo, não seria ocioso investigar-se até que ponto estas
dtJaS filosofias se terão tornado dialecticammte complementares
- não só à luz do contexto histórico que as viu surgir (e em
que começou a operar-se a descmtralização das unidades tradi-
cionais de pensamento e de convivência, ao 11fvel do regnum,
do sacerdotium e do stud.ium), como ainda através do processo
q1~ as mediou até nós, no duplo plano das respectit,as inflttincias

um Suárez «eclético flutuante» - a perspectiva do seu «ecletismo


integrador» através das polaridades da sua vida intelectual.
É-me grato associar a esta visão unitarista do «Doutor Exímio»
os juizos de dois Mestres Conimbricenses: o de Joaquim de
CARVALHO, para quem a estrutura da mentalidade de Suárez é
«sistemática, polémica, obstinada no fim a atingir, no íntimo talvez
mais ambiciosa de vencer eliminando que de convencer dialogando»
(cf. «Em torno às Dirpulacionu Metaphysicae» - in A clar ... , I, p . 70);
e o de Arnaldo MIRANDA BARBOSA, para quem a nota distintiva do
génio de Suárez, tal como dos de «S. Tomás ou Leibniz, é o seu
equilíbrio superador: não a descoberta de novas aporias, mas o
engenhoso desfecho de aparentes oposições» (cf. «A inditJid~~t~fãO
nas Disputas Metafisicas de Suárez»- in Aclar. .. , I, p. 342).
E é ainda dentro de uma perspectiva sistemática do pensa-
mento e da obra de Suárez que é possível a analogia com a estru-
tura monumental do pensamento e da obra de Nicolai HARTMANN,
talvez «o último dos grandes escolásticos», já que nele se reen-
contram «a exigência de clareza, a arte das distinções e das divi-
sões; o sentido da construção; a necessidade das hierarquias precisas
levada até à mania burocrática das classificações; o mesmo fervor
pelas análises conceptuais», além da <<limpidez suareziaoa de uma
lingua que se traduziria sem esforço no latim do séc. XVD>, dos
«intermináveis preliminares que definem o slalus quauiionis» e da
«preocupação, ainda suar~ das fases históricas que marcaram
a evolução, no devir do pensamento, de uma mesma questão intem-
poral». Cf. Staoislas ~RETON, L' Etre Spiritml. Ruhtrches niT 14
pbilotophil tÚ Nico/4i Harlmann, Lyon-Paris, 1962, pp. 9-10).

(XI)
doutrillfírias e dos condicionamentos extra-filosóficos que as favo-
receram 011 entravaram .
.1lfas para empreender Uflla tal ordem de investigações não
se poderia ficar à s11perjície da história e dos textos: nem hesi-
tando-se (mesmo em IIO!lle de piedosos escrrípulos) perante os
meros desacordos externos 11a forma como a mesma época as
consagro11, nem dando tais investigações por infirmadas ou confir-
madas a cada discordância 011 afinidade descobertas ao nível das
pessoas ou do seu condicionamento histórico-cultural.
Nesta medida, o simples facto de o jemíta Suárez ter
recebido o títrdo de «Theologus eximius et pius» da mesma
pessoa, o Papa Pa11/o V (14) qm, qrtando ai11da Cardeal Borghese
(e com o jesuíta Belarmino, mire 011/ros) consignou a sente1rça
de morte do dominicano Bruno, a lít11lo de <<apóslattl'>> e <<herético
impenitente» - não poderia constituir impedimento para se
investigar o q11e há de comum e diferente não- só 110 motivação
religiosa (e até política) da filosofia de cada um deles, como na.s
formas dialécticas (de ambiguidade · f.'ll de exclus® mútua)
por ql(e essa motivação foi assumida.

(1') Cf. Joaquín lRIARTE, S. I., «La proyeccióa sobre Europa


de una gran :Metafisica - o - Suárez en la Filosof"ta de los dias
dei Barroco»- in FraMisço S/farez. El hombre. La obra. El
inftujo, ed. Raz6n y Fe, Madrid, 1948, p. 239, n. 8. Comp. p. 157.
Outra consagração epitética obteve-a Suárez de um protes-
tante, o filósofo Heereboord (1614-1659), a quem deve o titulo
de omnium nielaphyskorum papa alqtH prinçeps- pelo qual é reco-
nhecida às suas Disp. Mtl. a prioridade sobre outras obras menores
que não passariam de excerptos da de Suirez (cf. Clare C. RIEDL,
«Suarez and the Organization of Learning» - in ]mlit ThitJJ:ers
of lhe &naissançe, essays presented to John F. McCormkk, S. J.,
.. .ed. by Gerard SMITH, S. J., Milwaukee, Wiscoasin, 1939, p. 3,
ns. 8 e 9 (onde se traça a origem do epíteto e se documenta a sua
ocorrência textual).

[XII]
Do mesmo modo, a descoberta áas afinidades eslruiiiTaÍ.f
entre certas caracltrlsticas rmascenlistas de Br1111o e Suárez (1 6 )
011 das diferenças no modo de se definirem (pessoal e mllllral-

menle) ptraJJie as ideias de furor e de mania - .ringulariza-


doras e inspiradoras da acçàQ e do pensamento (1•)- não jmti-

pa) Se a «realização católica das novas possibilidades abertas


pelo Renascimento» foi também uma das exigências da Contra-
-Reforma (e da Companhia de Jesus, que já no seu fundador teve
a «suscitação e documentação» do <<advento do homem moderno
e da consciência de si mesmo» e do «espírito de liberdade e respon-
sabilidade pessoal»), preservando, no plano pedagógico, o «sentido
clássico da vida» e dando sentido religioso «à atitude renascentista
de alegria pagã e vital» O. L. ARANGUREN, CatolifiJmo .J Protes-
lanlilmo &omo formas tk exiJien&ia, 2 ed., Madrid, 1957, pp. 144-5)
-não admira que na estrutura espiritual do jesuíta Suárez estejam
também presentes, como características renascentistas, a ucen-
tuação do pensamento independente e da convicção pessoal, o IWn
jurare in verba magiltri, o predominio do próprio critério racional».
(Ludwig PPANDL, aptd F . CER.ECE:DA, S. J., «Formas renacientes
en la producción cientifica suareciana» - in Frandrro Suárez. El
hombre. La obra .. . , p . 135 e n. 25). Ver tb. n. 16 infra.
Quanto a Bruno, 11ide G. GENTILE, GifJrtlano Bruno e i/ pen.riero
tkl Rinas&immlo, Firenze, 1923, pasrím. E para a integração do
nolano nas perspectivas renacentistas em que se debateram e
revalorizaram os conceitos de «antiguidade», «modernidade» e
<<autoridade», ver tb. G . GENTILE, Sttdi wl Rinascimmto, Firenze,
1923, p . 123 ss. Ver tb. os. 16 e 37 infra.
(I•) Para urna integração de Suárez no «Humanismo Barroco»
- à luz das versões espanholas da «convicção da necessidade da
lo ucura universal» enquanto poder inspirador do homem- t~itk
Eleúterio ELORDUY, S. J., «El Humanismo Suareciano», in Franduo
Suárez. El hombre. La obra ... , pp. 58-61. Para o confronto
entre o «barroco concentrado» de Suárez e o «barroco des-
bordante» de Vásquez, 11itk pp. 61-4.
Para os fundamentos eróticos do entusiasmo bruniano - à luz
das fonnas literárias renascentistas de que são tributários os Eroiri

[XIII]
ficariam, por si só, as diferenças entre as respectivas concepções
de autonomia da reflexão filosófica ou o horizonte espiritual
em que se constitui, para Suárev a sua teologia da liberdade e,
para Br.rtno, a sua libertas philosophandi (1').
E assim, em nenhuma destas ordms de exemplos se cumpriria
a investigação proposta das duas filosofias - cqja complen~enta­
ridade dialéctica só se tornará visível tendo-se em conta a sua
polarização religiosa pelo horizonte das Reformas protestante
e católica e pelas tensões políticas e jurldicas entre os poderes
espirit11al e temporal, 11as ambíguas fronteiras da justificação
teológica da <<heresia» e da denwcia politica do <<atelsmo» (IS).
Quanto ao processo que mediou, até nós, as filosofias de
Bruno e de Suárev importaria investigá-lo, por sua vev à luz
do «espírito de nacionalidade» que se acent110u, a partir do
sü. XVI, não só 11os domínios do regnum e do sacerdotium
co1no no do próprio studium.

Furori- 11itk J. C. NELSON, !Unaiúance Theory of LotJe ... , ui. ât.


n. 3 111pra, pp. 15-162 e 163-233.
(1') Pa.ra a concepção suareziana da a~~tonomia da filosofia
como disciplina sistemática 11itk X. ZuBIRI, Naturaleza. Hütoria.
Dior, 2 ed, Madrid, 1951, p. 132. Comp. P. DuRÃo ALVES,
«0 Doutor Exímio : Carácter Fundamental da sua Obra» - in
Rt11. Portuguua Je FiloJojia, IV, 1948, 4, pp. 341-8. Comp. tb:
Juan TuSQUETS, «Métaphysique et critériologie chez Francisco
Suárez»: 2. «Le concept suarésien de la métaphysique chrétienne»
- in Appor11 Hi.rpanifjiiU a la Philo1ophit Chrltitnnt tk I'Ouitimt,
Louvain-Paris, 1962, pp. 92-4.
Quanto a Bruno 11itk R. B. SuTTON, «The phrase Libertai
Philofophmuii»- in Journal of lhe HiJtory of ltkaJ, XIV, 1953,
pp. 310-16, esp. 311-2; E. CASSIRER, «Libertà e necessità nella Filo-
sofia della Rinascenza>>- in lndit~itiNo e Co1mo tui/a Filo.rofia tkl
RinaJ&imento, trad. ital. F. Federici, 2 ed., 1950, pp. 119-22, 194-5
(cf. esp. p. 157). Ver tb. n. 82 infra e contexto respectivo.
(11) Vitk, infra, ns. 101, 104, 105 e contextos respectivos.

[XIV]
Com efeito, se não será exagero afirmar-se que as divisões
políticas existentes até então não tinham afectlllh a mzidade
cientifica e religiosa -pois qwlquer que fosse o carácter nacional
vislvel nos estudiosos divididos entre as formas de Nominalismo
e Realismo, ele act11011 apenas como um estimulo e_ não como
11!11 obstáculo -já com a descentralizaçliu das ordens do saber,
do crer e do agir (e das respectivas áreas de infltilncia) a sit11afão
altero11-se signijicativa1nente ( 19).
E embora não sya ainda no tempo de Bmno e de Sllárez
q«e a unidade th studium fica comprometida ao nível dos se11s
veludos lingiiÍsticos, o mesmo não acontece nos limites da sua
exislê11cia sócio-mlt~~ral nos Colégios_ e Universidades- s«jeilos
às <<Cortinas ideológicas» ergllidas entre a protestante Inglaterra,
a calvinisla Genebra, a luterana Vitemberga, a católica
Praga, etc. (111).
E certo que Giordano Bruno, «Ião fogoso e audaz no
idear, quanto instável e errante no proceder», não dtixou de
as atravessar, forçado, e~nbora, <<a abandonar st1cessivamenle
as Universidades de Touloii-Se, de Paris e de Oxford» e deixando
atrás de si <<qHaSe sempre, senão sempre, o rumor do desacordo
e da irritaçà(}}> (11).
Francisco Sllárez, no entanto, obteria uma mais impessoal
travessia das fronteiras ideológicas. Para além da continuidade

(1°) Seja-me permitido remeter para a minha dissertação


O Amso à Filosofia Platónica, I, Coimbra, 1963, p. 39, n. 22 (em
que o problema da wúd2de do saber importa, ai, à compreensão
do condicionamento histórico-filosófico da nossa herança platónica).
( 10)a. Frances A. YATES, Giortlano Bntn~~ tDU/tht Herme/Í(
TradiJion, London, 1964, p. 338.
(11) Cf. Joaquim de CARVALHO, (<Francisco Sanches versus
Giordano Bruno?», ex curso in Franâs«J SQ1Uhts- Opera Philosophica,
Coimbra, 1955, pp. LXI, LXV e LXVI. Ver tb. Delfim SANTos,
A&t1111litlaM Je Giortlano Bnmq, sep. de Estudos Italianos em Portugal,
n. 0 9, Lisboa, 1949, pp. 4-5.

[XV)
peninsular das cátedras marezianas e da sobrevivência doutri-
nária que obteve (a despeito das vicissitudes histórúas da Compa-
nhia de jesus), através de sms eplgonos e criticas (22), é sobretudo
nos primeiros tempos da Filosofia Moderna europeia que
podemos vê-lo triunfar, desde as feiras de livros às aulas e às
mentes de metafl.ricos e teólogos - incluindo luteranos e calvi-
nistas ( 28) -por caminhos de divida erudita e de fecundação

(..) Sobre a fundação das cátedras de Suárez em Salamanca,


Alcalá, V alladolid. Burgos, Zaragoza e Cervera. c acerca das linhas
de difusão suarezianas, tanto ao nlvel institucional como doutri-
nário, vide ]oaqufn IRIARTE, S. ].. «La proyección sobre Europa
de una gran Metafisica, o Suárez en la Filosorta de los dias dei
Barroco»- in FrançiJço Sudrez. El hombre. La obra. El influjo.
ed. ril. mpra, pp. 255-7 e esp. 260-1; 263, ns. 64 e 65.
(S") Cf. ]. IRIARTE, «La proyección sobre Europa de una
gran metafisica .. . ». op. #1. supra, pp. 235-254. Comp. todavia,
R. W. MEYER, Leibniz and the SetJenteenth-Century Revolution.
trad. do alemão J. P. Stern, Cambridge. 1952. pp. 67-8 e n. 135
- quanto à qualidade da influência pedagógica e filosófica de
Suárez. Sobre a repercussão europeia das Dispulalionu. após a
sua publicação em 1597, e a influência de Suárez dentro da sua
ordem. nos círculos católicos e no mundo protestante. ver tb.
Clare C. RIEDL, «Suarez and the Organization of Leaming» - in
]emil Thinl:ers of Jht Renaiuanu ... , pp. 2-5 e notas. Do «destino
estranho» do contra-reformista Suárez - cujo pensamento «é incor-
porado na própria especulação filosófica e teológica dos adversá-
rioslt- fez-se tb. éco, entre nós, Delfim SANTOS (cf. «Objecto da
Metafisica em SuárCZJt - in AçJas... , I, p. 3~).
Quanto ao papel do «trabalho metafisico» de Suárez e da
tradição hispano-portuguesa - como base do ensino e da siste-
matização da metafisica - na primeira fase da Filosofia Moderna,
vide J. FERRATBR MoRA, «Suárez y la Filosof'la Moderna>>- ia
Cuesliones Dis.putaáa.r. pp. 164-5, 166-7 e 168. Ver esp. referências
a Descartes e ao cartesianismo (169), a Spinoza (157 e 160) e a
Leibniz (171-7). Sobre a possibilidade de Spinoza ter lido Suárez
f!ÍIÚ Joaquim de CARVALHO, Introdução à trad. port. da ÉJiça
de Spinoza. Coimbra. 1950. I, p. LXXXVIII (referência de Spinoza,

[XVI)
doutrinária que, já então, se cruzaram (refractados por dife-
rentes exigências noéticas) com as linhas de irradiação do pmsa-
fJUnto de Br1111o- mediador, como Suárez, de tradições Antigas,
Medievais (Greco-latinas e .4rabes) e Renascentistas, embora
à luz de s11postos metafísicos e de perspectivas cosmológicas
difermtes.
Ainda em j~mção do referido «espfrito de nacionalidade>>
(e das estrufllras objectivas e inter-subjectivas que ele simboliza)
se poderia tentar compreender a presença que Suárez conquistou,

em carta a L. :Meyer, aos ruenlioru Peripatelici- com muita proba-


bilidade de neles estar incluido Suárez); v. tb. J. MARÉCHAL,
Prüis d' H isloire de la Philosophie Moderne, Louvain, 1933, I, pp. 112-3
(Spinoza conheceria Suárez através do manual anti-cartesiano de
Revius, Suare:;: repurgalus, 1644). Para as relações entre a filosofia
de Suárez e as de Descartes, Spinoza e Leibniz, ver ainda Clara C.
RIEDL, op. cit., p. 5, ns. 16, 17 e 18 respectivamente. Para a história
da penetração progressiva das Disp. Mtt. no seio das Universi-
dades alemãs do séc. xvu e para as dependências da metafisica de
Leibniz quanto à ontologia de Suárez, vide P. MESNARD, «Comment
Leibniz se trouva placé dans le sillage de Suárez»- in Sudrez.
Modernitl traáitionntlle de sa philosophie (1548-1948), ARCHIVES DE
PHILOSOPHIE, XVIII, 1949, pp. 5-128. Ver todavia R . W : i\fEYER
(op. çit., p. 189, n . 146) para restriÇões à pretensão (de K . Eschweiler) .
de que Suárez foi «o maior professor» de Leibniz.
Sobre a bipartição da metafisica (por influência suareziana)
em pars generalis (categorias do Ser) e pars sptcialis (diversas reali-
zações do Ser, desde o Universo criado a Deus) pelo sucessor de
Melanchthon em Vitemberga, Jacob Martini- bipartição que
«iria passar, através do ensino das escolas, até Wolff, Baumgarten,
Meier e Kant, cuja dialéctica transcendental mantém ainda, de
certo modo, o programa reservado à pars sptcialis pelos suarezianos
alemães»- ,;de P. MESNARD, op. &ii., p . 23. Ver tb. Takatura
ANoo, ((Thl: tradition of the concept of Metaphysics» - in il!ela-
physics : A mtiça/ !IINtJ of its meaning, The Hague, 1963, PP· 32-9.
Ver ainda J. MARIAS, ((El destino histórico de la filosofia
de Suárez», op. çjt. n. 12 supra, pp. 219-223.

[XVII]
mtre nós, não só mediante as suas lirõe.r como lente de Prima,
em Coimbra (sob a dtJminOfão politica de Filipe I II de Espanha),
mas ainda através das edifões da ma obra e dos estudos dedicadtJs
ao seu pensamento teológico, metafisico e polltico-j~~rldico (~«),
para culminar na sua consagração institucional com a fundação
da «Sociedade Internacional de Francisco Suáret>>(15) e através
da reforma dtJs nossos curricula universitários, dentro dtJs q~~ai.r
obteve as condirões para a ma sobrevivência erudita e até para
a defesa da s11a viglncia cultural.
O triunfo dtJ «uplrito de nacio11alidade>>, ao nlvel do
studium, iria desempenhar ta!IJbém, na reabilitarão tardia do
pensamento de Bruno, um papel tão importante como o papel
que tiveram (na condenafíiO dtJ filósofo e nas deformOfões e
lendas tecidas após a '.fllll morte) as vicissitudes polltico-religwsas
em que decorreu a ma agitada existência.
Com efeito, se no plano lingulstico a unidade dtJ studium
sobreviveu enq~~a~~to o francês concorreu com o latim como llngua
uniuersal, o certo é que, por meadtJs do séc. XVIII a cisão da
1111idade de pensamento COIIJefOU a tornar-se mais evidente, seguindo,
na Inglaterra, Alemanha, Itália, França e PenlnSIIIa Ibbica,
direcrões em que as diferenças de ordem lingul.rtica e religWsa
«cristalizaram em sistemas filosóficos especializados, dificilmente
transponlveis para alén1 fronteiras» (!t).

(U) Cr. M . A. Ramos da MorrA CAPITÃO, «Bibliografia


portuguesa de Suárez» - in Filosofia, 4, 1955, pp. 56-61: onde,
sem ser exaustiva, a A. reúne preciosas indicações bibliográficas
sobre a Biografia, as Edifões portuguesas e os Estllllos da obra de
Suárez.
(») Sobre a constiuição, em Coimbra., da «Sociedade Inter-
nacional Francisco Suárez», "itk «Fundación de la Sociedad Fran-
cisco Suárez» - in Actas tlel IV Ctnlenario tkl NascimieniD tk
Francif(O. Stlárez (1548-1948}, Madrid, II, pp. 425-445.
(S 1) Seja-me permitido, uma vez mais, remeter para a minha
tese O Acuso à Filosofia Platónica, I, Coimbra, 1963, pp. 68-9, n. 16.

[XVIII]
E embora as tentativas de reaçção contra a compartimen-
tação da filosofia europeia não tenham impedido a divisão dos
filósofos em universalistas, cosmopolitistas e nacionalistas,
foi no entanto este facto - sobretuda na Alemanha e na Itália,
absorvidas num esforço de rellllifoação politica que só oco"eu
«àepois de quase um século de agitação no domlnio do nacionalismo
cultural» - que polarizou a reabilitação histórico-filosófica de
Giordano Br11110, centrada, em Itália, pela figura de Btrtrando
Spaventa ( 1 7).
Não deixa também de str significativo (à luz da linha
hemuntutica que tenho vindo a esboçar) o facto de Spaventa,
no seu combate às <<lkutrina.s despóticas e teocráticas» (opostas
à nascente liberdade italiana), ftr revertido contra os Jesultas
(durante a ma polémica com a recém-fundada Civiltà Cattolica)
as doutrinas de Belarmino, Suárez e Mariana, a propósito do
conflito entre <<a soberania do povo» e a «nronarqtáa abso-
luta» (18).
E seria ainda sob o horizonte politico-religioso desta luta
pela causa nacional que importaria compreender o Jacto de a
cotuagração de Gwrdano Br11no, após a 1111ifoafão da Itália,
ter reamulido -na fogueira do entusiasmo em q~~e foi tr!Jiida,
à ma memória, t:;.-,a estát~~a sobre o local onde a fogueira do
martlm o .mplic:iara - a secular hostilidade ao poder ponti-
jldo q~~e, por .rua vez, renovou contra o no/ano, através de

(I') Cf. M. GRILLI, «The Nationality of Philosophy and


Bertrando Spaventa>>- in ]ot11'11al of lhe HisltJry of ltlear, II, 3, 1941,
p. 342. Para a situação da Itália e a posição de B. Spaveri.ta,
p. 346 ss.
(11 ) Cf. Giovanni GHNTILE, BerJriZflliq SjJ4tlltlla, Firenze, 1920,
cap. III, Po/tmjça çoi Gemiti, p. 47 ss, esp. 50-3 e 56-60. Para a
reposição critica da forma como Spaventa concebeu a 4<polltica
dos jesuítas» ,;"' Guido de RuGGIERO, Slbri4 tlella Filorofoz. m,
vol. U, Bari, 1950, pp. 227-231.

[XIX]
LeiW XIII, não só a amsação (sancionada por Clemente VIII)
de <<heresia obstinada» co!Jio a sua Vffsão filosófica em lermos de
«materialismo degenerado» ( 29 ).

4. Qualificar, pela s11a polivaléncia, o génio de Bruno


pouco nos diz, porém, do modo como essa polivalência foi
assumida.
Com efeito, será preciso referi-la ao seu poder de conjugar,
na vida, o homem de pér.samenlo e o homem de acção e, na
dordrina, as dimensões do artista e do filósofo- e ler em conta
a intensidade e a versatilidade com que o fez -para se com-
preender como não foi tar~fa fácil, nem para os contemporâneos
nem para os vindouros, o discernimento (e muito n1enos a visiW
11nitária- de intenção ou de perspectiva) das múltiplas facetas
por que esse poder se exprimiu: ora no frade impaciente . e
rebelde perante os imperativos externos da disciplina ou dos
estudos e os limites interniJs da s;ta vr;cação de regular,· ora no
político atento às oportunidades da acção e ávido de unidade
temporal, entre as divisões dos poderes; ara no omado comedió-
grafo, desmascarador e satirizador de superstições e hiprocrisias
(religiosas e mundanas); ora no filósofo inspirado e polémico,
sensível ao conflito das heranças e das vigências culturais e todo
mtregue, com heróico furor, à vertigem de uma convergência
doutrinária nos abismos abertos à razão discursiva e às intui-
ções do espírito.
Assim se compreenderá, também, como essa polivalência
se reflectiu, já em vida, ora no interesse (nem sempre hostil)
que Papas e monarcas dedicaram a a/g11mas de sttas obras,
ora na desconfiança e no escândalo que rodearam seus actos e
lições ou na admiração e na protecção ( qt~ase nunca desinteres-

(S•) Cf. E. MARTIN, Gioràano Brtmo, mysJiç atui marJyr,


London, 1921, p. 54.

rxx J
sadas) que os seus projectos e doutrinas despertaram entre as
<<mais altas esferas da socüdade» mropeia (3°).
Do mesmo modo não surpreenderá que, com a morte do
filósofo (e sob o peso das cirmnstâncias em que decorreu) o seu
nome (mesmo quantÚJ voluntàriamente omitido) simbolizasse
valores antagónicos, tal como a s11a obra (mesmo quando foi
ignorada) suscitasse interpretações parciais ou partidárias quanto
à unidade e ao alcance das dimensões metafísicas, científicas,
ético-políticas, religiosas e artísticas pelas quais .re desdobrou.
Ao peso da sua condenação se deverá, certamente, o silEncio
quase total dos contemporâneos ( 31 ), quaisquer que fossem as
suas razões - «alguns por medo, outros por remorso» ( 32) -e as
formas externas de que se revestiram: e que vão desde as versões
pietÚJsamente <<atenuadas» do suplício (e não mmos empenhadas
em justificá-lo), à remoção do 110me de Frei Giordano «dos
registos da Ordem de S. Domingos» e da.r UniPersidades e
Academias em que tinha ensinado ( 33).
Silenciaram também o facto da sua morte, com unânime
cumplicidade, não .ró «OS escritores da história profana» - que
não deixaram, porém, de relatar as condmações de outros heré-
ticos «daquele fim de século» - como ainda «os da hist6ria
eclesiástica» ( 34) e até os que, em vida, o protegeram, lhe ·deram
hospitalidade e partilharam da sua amizade ( 85 ).

(10) Cf. P.-H. MrCHEL, La Cosmologie de Giordano Bruno,


Paris, 1962, p . 1.
(•1) As excepções contam-se apenas entre os «editores de
algumas das suas últimas obras» ou alguns dos estudantes que
haviam escutado seus cursos universitários (cf. G. Grassi BERTAZZI,
GümiaM BrtmQ. II JIIIJ spirito e i JIIIJi lempi, Milano-Palermo-Napoli,
1911, p. 829, ns. 3 e 4.
(11) Cf. BERTAzzr,op. ât. supra, p. 816 e n. 1. Comp., p. 227, n. 1.
( 11 ) Ibid., p. 817, ns. 1, 2 e 3.
(") lbid., p. 827, ns. 4 e 5.
( 11 ) lbid., p. 828.

[XXI]
Ao prestigio do seu nome, o séc. XVII- para alb11
dos q11e persistiram em omiti-lo, como Galileu, ou tp~e, como
Descartes, não passaram de tlmidas alusões (38) - não lhe
reservou senão a notoriedade da lenda. Para ela contribuiu o
famoso jesuíta MaritJ Mersenne ao incluir Bruno (nos prole-
gómenos às Quaestiones in Genesim) entre os representantes
das novas. filosofias de <<ateus, mágicos, deístas e gente dessa
espécie» (81) e ao descrevê-lo como <<Un des plus méchans hommnes
que la ferre porta jamais», acusando-o ainda de «n'at10ir inventé
une no1111elle ja;on de philosopher qu'aftn de combattre sourdement
la religion chrétienne>> (88).

(S•) Cf. P.-H. MicHEL, lot. til. n. 30 supra. Quanto a estes


autores (e aos que adoptaram o espfrito da «nova ci~cia») as dife-
renças existentes entre os primlpios e mltotlos desta e os da cosmo-
logia de Bruno podem também ter pesado, como «escrúpulo
legitimo» (a par do- medo) no «silêncio prudente» que cobriu
o nome do nolano (op. til., pp. 319-20).
Para a relação dos autores que falaram de, ou escreveram
sobre, Bruno durante o séc. XVIII, t1Íik BERTAZZI, op. til. supra,
pp. 830-2. Ver tb. A. Guzzo «11 brunianismo nel'600 e; nd'700»
- in Giortlano Brtiii(J, Torino, 1960, pp. 271-2.
( 11) Cf. F. A. YATES, Giortlano Brtiii(J tiiUlthe Herm1tü Trttdilúm,
London, 1964, pp. 444-5. Comp. P.-H. MrcHEL, op. til. supra,
pp. 2 e 31, n. 14. Importa notar todavia que as investigações
sobre a magia e a alquünia - antes de terem sido reivindicadas,
no plano filosófico, em nome do poder criador e da autonomia.
da àignitu homitU, por Pico della Mirandola, Giordaao Bruno e
Campanella ,ou nos limites da «magia natural» de C. Agrippa e
das teorizações de Cardano e Paracdso- tiveram em Frei Rogério
Bacon o seu primeiro defensor cristão contra os ataques da teologia,
ao invocar, para a magia «benéfica», «o direito de cidadania no
reino da sapibrda tristh, como já noutro lugar sublinhei (cf. O Att~so
à Fi/ol()foz Plat6nüa, I, p. 72, n. 21).
(U) M. MERSBNNE, L'lmpiltl tks Dlist1r, Paris, 1624, I,
PP· 229-30.

[XXII]
E se a lenáa do Brunq «aleN>> e «abominável» se propaga,
ainda no séc. XVII, conJ Pierre Bayle e atravessa o .rét. XVIII
com as retdifões do Dictionnaire Historique et Critique (38)
- a despeito dos que, já então, <<reivindicaram, com amor e
strieáade, a fama do filósofa>> (tG) -ao entrar, porém, no
séc. XIX foi obrigada a mler terreno perante a nova lenda
(não menos apaixonada e indommentaáa) de 11m Brrmo «mártin>,
processado e queimado pelds s/IIJS omaáas iátias <<àterta dos
mlllllios inumeráveis ou sobre o movimento da terra». No entanto,
foi ta111bém no sit. XIX que os esforfOS de reabilitafàiJ critica
de Giordano Brunq (iniciados, em fins do sét11lo anterior, com
Jacobi e Tiedntann) se impuzeram finalmente, pois «a par e
acima de dilas lendas, em que 11ma ganha 11m níbito desenvol-
tJimenlo e a o11tra se ob.rtina a sobrtviver, entra em jogo a história
que, a po~~to e po~~to, acabará por mplantar uma e outra» (ti).
Neste processo de reabilittZfàiJ podem destacar-se, porém,
dois perlodos fllllliamentais ( 0 ) tll}a áislribllifão cronológica só
partia/mente é co"elatiua da Sllll s~~&essão mlltlral.
O primeiro foi marcado, sobrettldo, pelo interesse dos
esfllliiosos em restittlirem ao plano dommental e critico os pro-
blemas da existência e da reputtZfàiJ de BrtmO (em face das
tradifões que lhe negavam a existlnda 011 o mplkio na fogt~tira
ou o acmavam de ateísmo), empreendendo, nesse mesmo plano,
o exame da ma posifão na história da filosofia, tanto à luz
dos premrsoru como dos que viriam a receber a Sllll
inj/11êntia.

(-')' a. P.-H. MICHEL, op. til. stpra, p. 2.


('') a. BEllTAZZI, op. çil.mpra, pp. 832-5.
(A) a. P.-H. MICHEL, op. çil. mpra, PP· 3-4; BEllTAZZI,
op. nl. mpra, pp. 835-850.
(«<) a. Sidney GllEENBERG, Tbt lfljitúte m GÜ!rila!«J BNIIIf) .. .,
N. York, 1950, pp. 3-7.

[XXIII)
E é assim que, ao nlvel M mquadrammto biográfico M
no/ano, se consagram as obras de 11m Christian Bartho/mess ("),
de um Dommico Berti (") e de um I. Frith(•"), que tivtram o
seJJ coroamento, já no nosso séc11lo, l!a obra de Spampanato (").
Por Ollfro latk, no plano M estabelecimento critico e editorial
das obras latinas e italianas de Bruno, os esforços incipientes
de um Adolfo lf~'agner e de 11111 P. de Lagarde, quanto às obras
em língua vernácula ('7 ), tiveram o seu i:oroanJento (já no âmbito
cultural do segundo período) nas bem conhecidas Opere italiane
editadas e anotadas por Gentile - enq~~tznto a edição das obras
latinas, dirigida por Francesco Fiorentina ( 4o8) .rupero11 .finalmente
a incompleta edição de Gfrorer (•8 ), e Felice Tocco (já também
no novo ân1bito cultural M acesso a Br11no) as ex~s e confrontou
com as obras em vernáculo, a par da sua actividade de intérprete
da filosofia nolana (60).

(U) C. BARTHOLMESS, Jordano Brtmo, Paris, 1847 vol. I


- sobre a vida e a época do nolano.
(") Vitk op. cit. n. 5 supra. Ver tb. DocWIIenli inlornD a
Giordano Br111r0, Roma, 1880.
(• 5 ) I. FRITH, Life Dj Br111r0, London, 1887.
( 41) Vide op. cit. n. "8 supra.
( 17 ) Opere di GiDrdano BNIII(J, ora per la prima .Polia racço/te
e publica/e da A. WAGNER, Leipzig, 1830, 2 vols. V. tb. P. LAGARDE,
LA opere ilaliane di G. Br11tr0, Gottingen, 1888, 2 vols.
(U) Jordani Bruni Nolani, Opere /atine conscripta, ed. F. Flo-
RENTINO, F. Tocco, H . VITELLI, V. 1"--BRIANI e C. M. TALLAtuGO
(1879-1891), 3 vols., 8 partes, Napoli e Firenze (Nova ed. fac.,
Stuttgart, 1961.)
(U) A. F. GFRóRER, ]. Brtmi Srripla q110e latinae confuil omnia,
Stuttgart, 1834-6.
( 50 ) F. Tocco, LA opere /atine di GiDrdano Brtmo tsj>Dsle 1
conjrDnlale con k italiane, Firenze, 1889. Ver tb. LA opere inedile di
GiDrdano Brtmo, Napoli, 1891; e «Le fonti piu recenti della filosofia
dei Bruno»- in Renditonli tklla &ale Amulemia tki Linui, I, Ser. V
(1892), pp. 503-581, 585-622, etc.

[XXIV)
No plano da repo.rifãO de Bruno na história da filo.rofta,
a Bartholme.r.r .re deve, antes de mais, a recon.rtitui;ÕIJ (já
empreendida no séc. XVIII) das linhas de deturpafãO da
filosofia e da pessoa do no/ano - desde a acmafão de atel.rmo
por Bayle ( envolventkJ não .ró Bru11o como Spinoza) até à
reabilitadora carta de Jacobi a Mendel.r.rohn, sobre a filo.rofta
de Spinoza (51) e de cuja importância Schelling ainda .refaz
eco no seu diálogo Bruno (&2). A Bartholme.r.r se deve ainda a
integrafão de Giordano Bruno na linha de Pitágoras, Platão,
Plotino e Prado, Raimtmth Lu/lo e Copérnico- além da .rua

( 51 ) C. BARTHOLMESS, ]ortlt.mo BN~M, Paris, 1847, vol. II,


p. 251 ss.
Quanto a JAcOBI, •iti1 «Lettres a Mr. Moses Mendelssohn sur
la doctrine de Spinoza» - in Ottm'tl Philorophiques tk F.-H. jaUJbi,
trad., introd., notes de J .-J. Anstett, Paris, 1946, esp. pp. 80-82.
Jacobi não só se referiu às principais ideias de De /'inftnilo como
incluiu (no 1.0 Apêndice da 2.• ed. das Cartas) um extracto do
De la taura com o fim de expor na sua obra, mediante uma aproxi-
mação de Bruno e Spinoza, «algo como a Suma da filosofia do
'Ev x~Xl niiv,.. Segundo Jacobi, «drios filósofos célebres, Gassendi,
Descartes e também o nosso Leibniz, utilizaram este homem
obscuro e dele derivaram partes importantes de suas teorias•.
Para o referido Apêndice t~itk op. til., pp. 213-233.
( 11) F. W. J. ScHELLING, BN~M ou tlu Printipt Diflin ti NaiiiTII
tks Chorer, trad. C. Husson, Paris, 1845, esp. pp. 255-8 (notas
à dissertação do personagem Alexandre- p. 208). Sobre a posição
de Bruno no desenvolvimento da filosofia de Schelling, ,iJe S. Drago
dei BocA, La Filorofiatii St!HIIing, Firenze, 1943, cap. V, «l.'Assoluto
come unità di infinito e finito, tramite le ldeo, pp. 77-83 (esp. 79-80);
cap. XXIX, «L'Uomo come traltiTa tralllrll1U'1i, pp. 369-86.
Quanto a HEGBL, também se deteve sobre o pensamento
de Bruno - cf. úthlrts on lhe Hislury of Phihrophy, trads. E. S.
Haldane and F. H. Simpson, 1892-1895, fi, pp. 119-137. Ver
tb. A. Guzzo, «<I ritomo dei Bruno» - in Gim'tkmo BrtiiUJ, Torino,
1960, p. 272.

(XXV)
reposifãO como prec11rsor de Spinoza (61) - paralela, aliás, da
integrarão qne Moritz Carriere desentJOive ao sublinhar a impor-
tância histórico-filosófica da concePfão bruniana da «lranscm-
dlnda e imanência de Dem» e ao silllar Descartes, Leibniz,
Kant e Hegel na linha de influillcia da filosofia de BrtiiiiJ,
chegando a considerá-lo <<.ruperior a Spinoza na Slltl doutrina
da infinidade da substância e adn1a de Leibniz na 1114 exposifão
da teoria das mónaám> (66). A este período se podem ailula
articular a obra de Clemens- pondo em evidência as relafões
entre Bruno e Nicolat1 de C ma(")- e a de Brt11111hojer, reitJin-
dicador da 11111ndividlncia de Bnmo, cuia distância no tempo
1Jào justificaria, porén;, a omissão do seu «CO!Jceito da unidade

(A) C. BARTHOLIIIESS, op. âl. supra, II, pp. 251-316.


(") M. CARRI:!RE, Du phibuop/Jisçhe Weltansçh0111111g tkr
RejOf'lflalionst,eil in ihren Betiehllllgtll :(JII' Gtglfl1llart, Stuttgart und
Tübingen, 1847 (2 ed. 1887), pp. 365-494. Comp. I. FRITH, lift
of Bf'IIII(J, London, 1887, p. IX.
Quanto à presença das teses panteístas de Bruno na filosofia
de Spinoza (v. g. -ideias sobre a eternidade e unidade da substância
divina; sobre a identidade de potbtcia e acto na divindade, etc.),
f7itk W. DILTHEY, L'analisi Jeii'Uomo t la intlli:;:.k»u tklla Nalllf'a,
tkl RJnasçimmto a/ StÇ(J/o XVIII, trad. G. Sanna, ed. La Nuova
Italia, Venecia, 1927, t. II, pp. 92, 106, 110. Spinoza es~. porém,
longe «do vitalismo de Bruno» (p. 107). Ver tb. P. SIWEE, S. J.,
SpintJ:;:.a 11 /e panthlilfllt rtliDntx, Paris, 1950, pp. 26-8: sobre o
interesse de S. pelo sistema religioso de B. (esp. p. 28: para o
problema das fontes em que S. terá bebido as ideias de B.). Ver
tb. pp. 257-62, para o probl. da identidade de Matéria e Pensa-
mento, em Deus, ser infinitamente perfeito. Comp. n. 64 illfra.
Quanto à inBu~cia de Bruno sobre Leibniz - que leu o
De /'infinito- •iM L. STEIN, Lei/mi:;: 111111 Spilltlta, cap. VI, «Entste-
hungsgeschichte der <Monadenlehre», p. 198 ss. Leibniz olo teria
derivado de Bruno o termo mdnatle mas do jovem Van Helmont
(1696).
(M) F. J. CLEKENs, Giortlmto Brt1110 111111 NiçtJ/mu tHHr CIISII,
Bonn, 1847, passim.

[XXVI]
tio 1111iverso, tia trenfa numa vitla em toths os planetas e
tia itleia ele conexão entre os processos tio esplrito t do
corpo» (").
A integrarão tia filosofia de Bruno nas ii11has 11oitkas
e éticas de 1J114 foi lltediathra, encontrou também os seus estll-
diosos no segtmtlo ptrloth tia re~~alorizaçliiJ trílka tkJ fti6sofo.
Com efeito, bastará re&ortiar as obras de um SaratnP ( 67 ), de
um Cassirer (61 ), ele um Monthijo (P) ou ele tllll Corsa11o (80)
-entre as muitas que, na copiosa Bibliografia de Saivestrini,

('-) H. BllUNNHOFEil, GitmJano BrtiiWS Weltansthtm~~~~g ll1lli


Vwlkttrgrús IIIIS tJm Qt~tllm t/4rgestellt, Leipzig, 1882, pp. 151-4 e 169.
('1) J. SARAUW, Der Einflus Plotins auf Giordano Bnmos
D~tli Eroin Fllnlri, Leipzig, 1916, passim.
{'1) E. CASSIIll!ll, /NiirJiduo e Cosmo tu/la Filosofia áel Rinas-
çimtnlo, tnd. ital. {da ed. de Leipzig, 1927) F. Federici, Firenzc,
2 ed., 1950, esp. pp. 79 e 115, para a dependência de Bruno em
relaçio a Nicolau de Cusa; PP·. 215-6 e 294, quanto aos elementos
neoplatónicos.
1
(' ) R. MoNDOLFO, E/ Infinito til e/ Pensamienlo áe la Anti-
giJdaJ C/Jsita, tnd. (ed. ital. 1934) F. G. Rios, D. Aires, 1952-
sobre os mlnimos metafisicas ou mónaáes de Bruno como «herdeiro
e renovador dos pitagóricos e precursor de Leibniz» {p. 251, n. 1;
comp. 247, n. 11); a dívida de B. para com os atomistas (381,
n. 32); Fllon e B. (493); Plotino .e B. (496-7; 503); N. Cusa e B.
(511-3; 522-3); Epicuro e B. (528-9), etc. Ver tb. do mesmo A.,
La Comprmsión áel Slljelo Humano en la C11ltura AntigiiQ, B. Aires,
1955. Para uma perspectiva de Bruno à luz das primeiras formu-
lações greco-tomanas da criatividade do espírito e do progresso
infinito da humanidade, ver esp. pp. 193 (neoplatónicos), 548
(Dem6crito), 563-4 (Aristóteles), 591-2 (Vitrúvio), 596 c 601
(Séneca). Ver ainda deste A., «La Idea dei Progreso Humano en
Giordano Bruno»- in Figuras e /áeas tk la Filosofia dei Rmaâ-
mimto, B. Aires, 1954, pp. 257-264.
0
{- ) A. Co!lSANO, II pmsiero di G. Br11110 ... , eá. ât. n. 4 srpra.
Comp. E. NAWER, Giortlano Brrmo, eá. çil. n. 7 mpra ( Sllb fine)
pp. 7-10.

[XXVII]
se nem sempre merecem estar presentes, nela têm, pelo menos,
o se11 l11gar 1t11mérico (U).
Este novo perlodo- embora dependa, como o primeiro,
das aproximações text~~ais e da nat~~reza das interpretações
que decidem das influências 011 das filiações do11trinárias de
Br1111o - distingm-se dele, porém, graças a dois factos: a exis-
tência de 11111a doc11mentação mais abundante para melhor ftmdar
(e aferir) as interpretações propostas e as influências reivindi-
cadas; e a orientação dos estlldiosos para os problemas e princ.l-
pios frmdamentais da filosofia nolana, do ponto de vista da
possibilidade da Slla sistematização.
Ora se há um a11tor onde as perspectivas desse seglllllio
período se abrem, com toda a s11a evidência problemática, a partir
das perspectivas desenvolvidas no primeiro, é, sem tbívida,
Bertrando Spavmta- considerado, aliás, devido atJs se11.r estmios
sobre Br1111o, o verdadeiro iniciador, em Itália, do «estmio sério
da história da filosofia» (d).
Por 11111 lado, com efeito, é dentro da s11a prettnSão de
«tkmonstrar qm a filosofia moderna, de Descartes a Hegel,
não é senão a continuação da filosofia italiana do séctdo XVI» (11)
que Spaventa sit11a a contribllição de Br11110: ora aproximanáo
«o amor do eterno e do divino de G. Brt1110» do amor Dei
intellectualis de Spinoza e os conceito.t spinozano e bnmiano
de infinito ("), ora iflllestigando «.te (e até onde) Br11110, atJ

(-') v. SALVESTlliNI, BiJJ/iogrtzfta di Gior"- B,_ (1582-


-1950). seconda edizione postuma a cura di Luigi Firpo, Firenze.
1958. (1.• ed•• Bih/itwafoz t#lú t1}Wrf Iii Gillr"- B,_, Pisa. 1926).
<-) Cf. Giovanni GENTILE. B"trtiNID SjNIMII4. Fuenze. 1920,
p. 67. Para a csposiçio dos SifUi de Spaventa sobre Bruno, •*
PP· 68-7-4.
(•) lbúl., pp. 6-4-S.
(M) lbii., pp. 68 e 70 respectivamente. Neste último ponto
Spaventa defende Bruno, contra H. Ritter, da acuaaçio de ter

[XXVIII]
moderar, com o conceito de entendimento, o cepticismo do Cmano,
tinha contribuído para mudar a posiçàfJ do intelecto em relação
à verdade e preparar a posição caracterlstica da filosofia llloderna,
inaug~~rada por Descartes e compreendida e expressa claramente
por Kant» (U).
Por outro lado, contlllio, para ir além do Br1111o precursor
de Spinoza e ver nele os <<germes do idealismo crítico transcen-
dental e absol11to» da filosofia alemã de fins do séc. XVIII
e dos primeiros decénios do XIX, é obrigado a reconhecer como
<<a parte mais difícil em tal empreendimento» eslava em «demons-
trar a 1111idade orgânica da filosofia do no/ano» já que esta <<a
um leitor pouco cuidadoso, pode aparecer como uma continua
mudança de fll1tdamentos e de principias» (mera <<imagem da
vida errante do filósofo de país em pais») e até porque a despeito
de tal 1111idade existir, ser <preciso encontrá-la» e recons-
trui-la (81).
E assim nos abre Spaventa às interpretações e discii.Isões
dos f1111damentos da filosofia nolana em face do problema da
JUa inconsistência e contradição internas-já assinaladas, aliás,
no período anterior, por um Bartholmess, na esteira de Brucker ('7 ).
Com efeito, este problema dividiu os estudiosos entre a defesa
da <<Jmidade de desenvolvimento» da filosofia de Br1111o - lese

«confundido, seguindo o Cusano, o infinito com o indetermi-


nado». Ver tb. Felice ALDERISio, «Un articolo inedito di B. Spaventa
circa l'unità organica della filosofia di Bruno e circa l'attinenza di
questa con la filosofia di Spinoza>> (in Giornale Crili&o tklla Filosofia
Italiana, 45, n. 0 2, 1966, pp. 218-225): texto inédito em que Spaventa
se opõe aos juizos de Ritter (1791-1869) acerca dos filósofos italianos
quinhentistas (cf. p. 219). Para o texto inédito- pp. 222-5.
(") G. GENTJLE, op. til. mpra, pp. 68-9.
(") F. ALDERISIO, «Un articolo inedito .. . », p . 220. Comp.
p. 218.
(.,) Cf. C. BARTHOLWESS, ]ortlano BrtiiiiJ, Paris, 1847, II,
p. 202.

[XXIX)
smtentaáa, entre outros, por Toçço (") e partilhada, 11() essen-
dal, por Troilo (10) e Mondolfo (70) - e a reçma duSilllllklaJe,
en1 twme álls oi?jeç;ões de Gentik (' 1), já partilhadas, em prin-
çipio, por Maç Intyre (71) e 0/sçhJ:i (").
E çerto qm a disparidmle das interpretll{Ões do pntslllllento
de Bmno, n~sta d11pla perspeçtipa, deço"e, em parte, do papel
desempe11hado - na eki;ão do çentro problemático qm mmlllida
os restantes problemas da .t1111 filosofia -pelas diferentes
çonçep;ões filosójiças dos próprios intérpretes e pelo akanre
dado às relações entre o filósofo e a respeçtiva silllllfilo histórka.
Alas não é menos verdade qt~e a polivallnda do esforço
integrador do 11olano será também responsállel pela dijiçtddade
de se <<isolarem» as infllllnâas derisivas (de entre as qm se lhe
foram ofereundo çomo fonte de informaçi/Q e de inspiração)
e de çaptarmos, por outro lado, o próprio borizonte ( subjeçlitJO
e objeçlivo) em qm as asmmiu (H).
Qtte essa difoultlade não çonstitrti, porém, um impedimento
derisivo, nem as tentativas para superá-la envolvem um risro

(01) Ville n. 50 s11pra.


(.,.) Ermínio TaoxLo, La ftwsofta di Glrmiano BriOUJ, Torino,
1907.
(
70
) R. MoNDOLFO, «La filosofia di Giordano Bruno e la
interpretazione di Felice Tocco» - in La CulttiTa Fiwsoftea, V, 1911,
pp. 450-482.
('l) G. GENTILE, II Pmsiero ]ta/iaM tk/ Rinaseimmlo, Firenze,
1940, pp. 259-330.
( 12) J. I\-1Ac INTYRE, Giortlano Bruno, London, 1903, p. VIII.
( 71) L. 0LSCHKI, Gesebiebte tkr ne11Sprarblieben 111issmsebtrj1Jiebm
LiltraiiiT, Halle, 1927, vol. III, pp. 1-67; e «Giordano Bruno»,
io Deu/sebe Vierteljahrsehrift jiiT Literal~~rt~~issmsebajl 111111 Geislesges-
ebitble, II, 1924, pp. 1-78.
( 7•) Cf. E. NAMER, Lu aspeels tk Dieu timrs la phiwsophie tk
Giortltmo BNIIUJ, Paris, 1926, p. 1411 passim. Comp. Luigi CtcUTTINI,
Giortlano Brrmo, Milano, 1958, pp. 1-18.

[XXX]
intítil, provam-no os renovados estutbJs da filosofia de Gioráano
Brtmo.
E tanto os estudiosos que não abdita111 da crítica norn1ativa
(e medem a filosofia nok:rna em jllflçilo de 111n prévio sisten1a
de crenças e de sol11fões), como os que a interrogam a partir da
sitt1afào histórica em q11e se originou e lentam compreendi-la
(com maior 011 111enor in1parcialiáade) à luz da complexa
clivagem ths planos politico, ético, religioso e cientifico (76) -o qtle
proçt~Tam, no fmtth, é uma j11stijicação de Brtmo <<lta perspectiva
th jlltllf'o» em qtte a sua filosofia se inscreveu e, conJ isso,
a auto-justifoação histórico-filosófica deles próprios.
ConJ efeito, o que os move (explicita ou implicitamente)
até à filosofia nolana, é a procttra não só das antecipações 011
conftrnJações das respectivas ideias e crenças (ou dos erros qr1e
as adiariam e desviaria1n), mas ainda th conáicionanullto
inicial th processo em que sejogou o sentido da metafisica oddental
e, com ele, a possibiliáaáe de a própria história humana vir
a converter-se (desde a Stkl inserção cósmica aos seus desm-
volvimmtos sócio-crtltllf'ais) em problema metafísico autó-
nomo (78).

( 76) a. G. G. BERHZZI, GiorJano Brt/110. II SilO spirilo t i


n10i lt~~~pi, ed. cit. mpra, pp. 9-34, esp. 32-3.
( 71) Vide l\únlio CIARDO, GiQrtlano Bruno Ira I' U111anuimo
e lo Sloricismo, I, Bologna, 1960, Parle Terza, p. 127 ss., esp. 155-163
e 164-176.
Esse mesmo problema me obrigou (ao tentar fundamentar,
metodologicamente, o acesso à filosofia platónica) a interrogar,
desde as suas origens, o processo de historicização da verdade que,
ao nivel da sua emc;rgência actual, interpõe, entre nós e a filosofia
platónica, as suas categorias hermenêuticas próprias (de cujos
limites importava tomar consciência). Nessa interrogação, G. Bruno
foi também visado, embora a título subsidiário e através da perspec-
tivação de R. Mondolfo (cf. V. MATOS, O Aturo à Filosofia Plalónüa,
I, p. 73, n. 23).

[XXXI)
E i então que ganha111 sentido (assim persputivadas) as
«concordâncias entre certas intrlições de Bruno» e «certos resul-
tados ou hipóteses justificáveis da ciência actual»; e a tal ponto
que a visão de uma natureza operando <<a partir do centro»
-como um <psiquismo que se procura» e enriquece, prospectiva-
mente, desde o impetus da sua «energia radial»- se pode
documentar, paralelamente, em certas afirmações de Le Phéno-
mene Humain de um Teilhard de Chardin e en1 certas passa-
gens do De la causa de Giordano Brllflo (1 7).
E seria ainda nessa mesma perspectiva que os problemas
cosmológicos e metafísicas postos pela concepção brllfliana do
Infinito - se.gundo o princípio da coincidência (no horizonte da
eternidade e divindade do Todo) entre a infinidade potencial e a
infinidade real, e da correspondência entre a infinidade das deter-
minações divinas (complicatio) e a infinidade manifestada
através da existência natural (explicatio), na dupla ordem dos
«coexistentes» e dos «sucessivos» - poderiam reencontrar novos
sentidos, à luz das suas formulações contemporâneas (7 8 ) e a
despeito do <peso» finitista da ontologia heideggeriana ( 711 ).

( 77 ) Cf. P.-H. MlCHEL, La Co.rmologie de G. Bnmo, p. 326 ss,


esp. 331-3.
( 78 ) Ver, v. g., L' lnftni el /e Riel (Dix-huitieme Semaine de
S.ynthese, Exposés et Discussions), Paris, 1955, esp. «L'Infini
dans la Philosophie Contemporaine», pp. 51-62.
(7•) Aliás, se é possível considerar a ontologia heideggeriana
como uma «ontologia obstruída» (cf. Paul RosTENNE, «L'ontologie
entravée de Heidegger>>- in &11ue de Milaphy.rique el de Mora/e,
11.e Année, n. 0 1, 1966, pp. 74-99); se o Heidegger de Sein uná
Zeil só nos oferece uma compreensão «intrinsecamente finita» do
Ser - um Ser que, através das obras posteriores de H., não passa
de «emergência finita>>, pois só de modo finito se torna presente
nos entes e nada mais é que 4<0 processo pelo qual entes finitos
emergem da ocultação» (cf. W. J. RICHARDSON, S. J., Heidegger.
Tbrough Phenomenology lo Thoughl, The Hague, 1963, pp. 85-105,

[XXXII)
Reencontro que não deixaria de ser fecllfldo a partir dtu cuntro-
vérsias que romperam, no plano metodológico, a co!lexão entre a
metafísica e uma ontologia a tal ponto formalizada, que a oposifão
entre a coflcepfão finitista e a concepríio de um infinito poten-
cial (tornada, assim, vulnerável aos ataques da prin~eira)
acabou por dificultar a reposifãO metafísica do infinito
actual (80).
E não deixaria também de ser fecllflda uma reperspectivarão
da filosofia brunia11a no âmbito problemático da metafísica de
Whitehead: contemporâneo de perspectivas físicas e mqtemáticas
às q~~ais conferiu noPo estatuto ontológico ao i11tegrá-las numa
teoria do ser que indtti um «processo infinito convergent~
inferior» capaz de dar conta da unidade do real que, como estru-
tura itnanente de De11s e alma (com indivídr1os enJ continuidade
real e dotados de <<imortalidade objectiva»), inclui «matéria e
energia, passividade e actividade, lugar e tmiverso, corpo e vida»
apenas como estados da s11a espontaneidade e criatividade de
Acto puro ('1).

5. Q~~alquer que sya, porém, ao nível dos «resultados»


objectivos, a fecundidade de tais reperspectivações, estas não
deixam de impor-se, ainda, quando os estudiosos se centram no
exame da vida e da morte de Bnmo.

273-9. 446 e 640) - o certo é que pode ficar em aberto a questão


do Ser que, «ele mesmo», é ainda, segundo H., oculta e inesgotável
Plenitude, o Simples, o Todo, o Unico, o Uno, exigindo, por isso,
a fidelidade de um diálogo «sem fim» ( ibitl., p. 640, os. 50 e 51).
(") Vide J. A. BERNARDETrE, Infinity. An euay in melaphysiu,
Oxford Univ. Press., 1964, passim.
( 11) Vide]. D. GARCIA BAccA, «A. N. Whitebead óla meta-
fisica del ser actual»- in Nunt Granties Filósofos Conlemportimos
y stu Temas, Caracas, 1947, vol. II, pp. 208-9, 240, 261 s, 272-3
e 280 ss.

[XXXIII]
Com ifeito, o que os 111ove até à coltsiderarão das circlllu-
táncias da arosarào e da condenafão do filósofo e à Jismssão
da legiti111idade de an1bas - 110 horizoJrle das relarões mire a
fé e a filosofia - é aimla a jnstifoa;ão {posititJa ou negatitla)
da pessoa de Br1111o, 114 perspectitla (metafísica e histórica)
do desli11o qt~e ass11mirt e provocou: pois con1 ele se jogon (e joga
ailrda) a vocação da pessoa h11n1ana nas frotrleiras da ma IIOCtZfào

Autógrafo de G. Bruno datado de 1587

filosófica í tanto teórka c01110 prática - desde os prilldpúu


objec/Ítlos às SII4S metliafões inter-subjectivas). E, sobretllllo,
rtma voc4fão filosófica fJNe ao ser amearaJa (pela illlininda da
morte) t14 própria raiz das slltls tJepe,rJincias ontológicas ( espi-
ritllllis e tlitais), teve qr~e optar, não menos radicalmente, entre
o reconhecimmto dessas depentilncias ao tiÍI/e/ beter6nomo das
verdades da fi (mediadas pela a11toritiaáe da Palan-a Jmna
na interpret4filO e. no magistério da Igreja) e a S/14 juslifollfiltJ

(XXXIV]
( imanmte 011 transcendente) no estrito plano da autonomia da
razãtJ humana-plano a que a morte daria, porénl, uma irónica e
paradoxal intkpendltrcia ontológica: a da própria tJatureza
imortal do intelecto (emanação da divindade na sua ifJianlncia
1111iversal) para além tkis sujeitos singulares que o reivindican1
nas formas atidmtais e m11táveis do eJ/Jaço e do tempo
infinitos.
É, pois, Ullla justifttaçàfJ da esslitcia da pessoa h11mat1a
- nos limites polémicos e radicais da relação entre rtma razão
e uma fé que a iluminam tJa.r .ruas mediações oijettivas e inter-
srtijectiva.r, espirituais e materiais- o que todos prot~~ramo.r,
no fundo, através da jmtifttação (positiva ou negativa) da
pessoa tk Brt1110.
E assim, à luz da própria morte, é ele qrtem põe à prova,
com a 111ir.ràfJ da .rua vida, algo da IIOSJa VOCtZfãO filosófica
(teórica e pràtitamttJie as.mmida) ,· e, com a sua vocação filo-
sófoa, algo tkJ smtido (imanmte e transcendente, histórico e
espiritual) da nossa própria existlnria.
A esta luz mmpriria examinar então as diftre/Jte.r versões
que os esfllliiosos nos propõenJ das relações, enJ Br1111o, mire a
rll!(.ão e a fé, a ji/Qsofta e a teologia,· mire os fllllda!lltnfo.r teóricos
da libertas plúlosophandi e os fundamentos práticos da auto-
riáat:ú religiosa,· e11tre os dogmas católicos e as verdades da fé
protestante, por um lado, 1, por outro, mtre o papel sócio-
-politito da religião (protestante 011 católica) e a nJis.rão do
filósofo conJo catalisador dos planos de rejor11Ja geral da cris-
tandade, elt. (d).

{as) ViM V. P1céou·~ Slori4 til/la FilosDfta 114/iana, Paravia


Ed., 192-4, pp. 176-8; comp. B. SoLANr, La Fi/oJDfta Ji GiDrtianD
Brot~~J, Firenze, 1930, cap. V, p. 71 ss; esp. cap. VI, pp. 93-102.
Ver tb. E. FENu, GiDrtlanD Bruno, .Morcelliana. 1938, PP· 167-180;
A. CoRSANO, II pensiertl Ji G. Bruno nel suo nt~lgi111miD siDrinJ, Firenze,
1940, cap, vn. PP· 265-30-4; R. MONDOLPO, ~La liberdad filosófica

[XXXV)
Posto isto, restaria mostrar ainda como na própria justi-
ficação do processo c da condenarão de Brrmo está em jogo a
jrtstiftcaçiio (11a perspectiva do f11t11ro) da arttoridade espiritJif11
e temporal de seus juizes e do Corpus Ecclesiae (Mysticum)
que os consagra como representantes visíveis da unidade hierárquica
da fé e con1o intérpretes virtuosos da mística verdade q~te os
inspira e lhes assiste.
Por Slla vez, o próprio exame do processo permitirá lançar
a/g11n1a h1z sobre os pontos controversos (a qrte acabei de aludir)
relativos à natureza da acusação, ao condicionamento histórico .
do jrtlgamento e ao se11tido da missão filosófico-religiosa de Bruno,
qt~e o julga111ento pôs à prova.

6. Ora o q11e, antes de mais, nos revela o exame da


coJJtrovérsia en1 tomo da condenação de Giordano Bruno i o
simples facto de a posse da mesma documentação não impedir
os estmliosos de a examinarem à luz de princípios antagónicos
e de tirarem dela as lições 111ais divergentes.
Com efeito, Angelo Mercati, ao publicar, en1 1942, uma
1/0Va e importante fonte (se atendermos à escassez das que~ ati
então, existiam) para o estudo do julgammto de Bruno (83), não

y la relación entre religión y filosofia» - in Figuras e ldeas de la


Filosofía áe/ &naçimienlo, B ..Aires, 1954, pp. 65-83; L. CICUTTINI,
GiortÚzno Br1111o, Milano, 1958, pp. 243-275; M. CIARDO, Gioráano
Br11110, Ira I' Umamsimo e lo Slori&ismo, 1, Bologna, 1960, pp. 227 ·271;
A. Guzzo, GiortÚzno Bruno, Torino, 1960, pp. 259-269; A. D.
lMERTI, lnlroá~~&Jioll à trad. e ed. de The Expulsion of Jht Tri1111tphant
Beasl, New Jersey, 1964, esp. Til, «The Heretical Premises of
Lo Spauio, their religious, social and politicai implications» (29-46)
e IV, «The Heretic and hi~ trial» (46-65); E. N.ut:ER, Gioráano
Bruno ... , Paris, 1966, pp. 17-30.
( 13 ) A. MERCATI, II Sommari& dei Prousso di GiortÚzno Bruno,
çon appenáiu ái Doçnmenli sulreresia e /'inquisitione a Moáma nel
suo/o XVI (Stttdi e Testi, vol. 101), Città dei Vaticano, 1942- em

[XXXVI]
.ro lo1711Ju possível, pela primeira vez, uma delimittZfào mais
prerisa iÚJ âmbito das aCIIStZfÕe.t dirigidas pela l111Juisifào contra
Br11111J e das provas em que se basetWam (u), como ainda, grtZ{as
à sec;ão final, em que o tJOiano expõe os pri11dpios da .fila filosofia
e se defende contra a/gr1mas das acmarões, nos oferece um prerioso
elemento de confronto com o conte/Ít:/tJ das .filaS obras.
Todavia, o próprio Mons. Mercati toma já uma posi;ão
perante o novo IÚJmmento q11e i bem reveladora IÚJs planos
e das perspectivas postas em Call.fa pela condenação do
filósofo.
Com efeito, se por um lado atribui a uma espécie de "'"o
«cllnica>> IÚJs jtdzes a maneira como viram a final intransigência
de Br1111o -que, segundo _i\.fercati, derivou apenas «de uma
perlllrbtZfão de e.rpirito e talt'ez mesmo de uma altera;ão
psiquica>>- por outro lado, não deixa de legitimar a sentenra
pronrmciada pela lnquisifão romana, ao recmar-se a julgar «os
mitoiÚJs processuais, prisionais e penitenciários de uma época
em qm na culpa ou .delito se via jmtamente, e no sentido cristão
também, o pecado perante Dem e a lgrya e, nas penas, 11ào
só o castigo, mas um salutar e benifoo meio de repartZfão e de
deva;ão sobrenatural» (8').

cuja lnlrotÚifão o A. nos informa sobre a origem e o significado do


documento. Uma vez que o relato original do julgamento foi
possivelmente destruido no séc. XIX, é óbvia a importância desta
fonte- compilada em 1597 para uso dos Inquisitores Romanos
e encontrada por ~lercati nos arquivos pessoais de Pio IX - e que
o próprio Spampanato não conheceu.
(") Estas provas incluem o testemunho de Giovanni Moce-
nigo e os primeiros sete depoimentos do próprio Bruno (todos
publicados por Spampanato) a que o Sommario acrescenta o teste-
munho dos companheiros de prisão do nolano e, pelo menos, mais
nove depoimentos do próprio filósofo.
(ai) A. MERCATI, II Sommario ... , p. 37.

[XXXVII]
Nesta medida, o facto de Mercali redllzir, por 11m lado,
ao mero plano <patológico» 11111a atitmfe que tambi111 podia
eq11ivaler a un1 <<.robre.rsalto de energia» e le.rlummhar até <<llfJJ
supremo e llkido esforço do furor heróico» que Bru110 documento11,
aliás, com a .fila obra e Ioda a Slltl vida(88 ), não só reduz a
diferença de atitmles entre o ft16sojo e os juizes a um mero
desqjrnlamenlo dt ordem pslquica- prolongando, neste ponto, as
srtpérflrtas di.rcmsõe.r oitocentistas em torno da sinceridade dos
arrepmdin;enlos e relractarões de Br1111o (87 ) - como nos impede,
sobretrtdo, de ver essa diferença de atitudes 110 linha dos aconle-
cin;enlos políticos e das posições ftlosófoas e religiosas que então
as extremaram, vendo-as, assim (e aos sms protagonistas) 11a
perspectiva histórica e no plano teológiço que, por outro lado,
Mercati reçonhete estarem ent10/vidos na questão da legitimidade
da sentença.
Acontece porém que esta ti/lima não é menos controversa,
n;e.rmo se pre.rândirmos da preletrsamente net1/ra corroboração
das peças de acmarão do Sommario pelos erros de Bruno, tal
con;o foram den1111dados na famosa carta de Gaspar Schopp(B')

( 11 ) a. P.-H. .MICHEL, La (0111/0iogie de Güm/411() Brllll(),


p. 13 (n. 10) e pp. 15-18. Para a interpretação das experiências
místico-eróticas dos Eroiei jiii"'O"i à luz das suas prováveis raízes
herméticas, cabalísticas e mágicas, Pitie F. A. YATES, Girmúmo
Br11110 a1lll tiH H~N~ttlit TraJition, London, 1964, esp. pp. 275-87.
(•~ a. E . FENU, Giortlmlo Bt'tiiiO, Morcelliana, 1938, p. 174.
(..) a. L. CICVTTINI, GiortÚIIIO Bt'tiiiO, 1\filano, 1958, pp. 45
c 46 (o. 2): onde o A. é obrigado (para legitimar os erros que
Schopp atribui a Bruno) a fazer assentar a «autenticidade e genui-
nidade» do seu testemunho - e «nlo obstante algumas inexacti-
dões reveladas por Spampanato» -no facto de Schopp ser «hostil
aos jesuítas»: facto que não impede o igualmente aoti-jesuíta
BERTAZZI de denunciar como «erros e calúnias» as indicações de
Schopp acerca dos erros de Bruno (cf. G. Br11110. II nltJ spirilo ... ,
p. 380). Não é, pois, assim confinada à fragilidade destas compro-

[XXXVIII]
-lestemtmha da morte de Br1111o e q1te, além diJso, <<poderá
ler OIIIJÍeW ler a Setllença»: çonjeçlura em que se é lentado a
açredilar, daáa a perda tkJ proçesso original e, çom ele, das
oito proposições heréliças qtte o jesuíta Roberto Belar111Í110 ( çonJ
a ço/aboração de Tragagliolo) extraíra, em 1599, das obras
de Br11no para qm este as abjrtrasse.
Qllltlllo a tais proposifõe.t heréfiças podemos, pe/Q menos,
ter alg11ma indiçação delas através tkJ restiii/O da re.rposta de
Br11110 às çensuras qm assim dirigianJ ao se11 pensamento e à
s1111 pessoa (111) - e qm, çomo o próprio Merçafi sttbli1ÚM, mal
et1110lvem qtteslões estritammle jilosófoas 011 cienlífoas (110), para

vações externas e ao jogo das boas (e más) intenções que a questão


pode esclarecer-se.
Para a carta de Schopp (ou Scioppius) 11iáe SPAMPA.'õATO,
Vila ái G. Brtlll() ...• pp. 798-805. Para a sua lista dos erros de
Bruno, 11iáe ~IERCATI, // Sommario ...• p. 9.
(•') Cf. A. 1\IEacATI, II Sommario .• .• pp. 113-9.
(") Aliás Bruno de modo algum foi um cientista segundo
os modelos e os métodos de certificação e verificação inspirados
no renascimento cientifico - pois «se o colocarmos entre Copérnico
c G2lileu, os seus contributos pata a ciência parecem bem pequeno~>
(L. CxcumNI, G. Bruno, cap. n. pp. 62-131)- e as suas concepções
infinitistas inserem-se mais no plano metafisico e nas linhas tradi-
cionais da especulação cosmológica do que nos dados da astromonia
e na sua mediação matemática (P.-H . .MxcHEL. La ços111Diogie tle
G. Brtlll(), pp. 27-30. 32-43 e 165-8. Ver tb. A. R. HALL. Tbt
Sçi#lllifo Rnollllitm (1500-1800). Tbe FDn~~aliDn of lhe Sçimtifit
AllitttJe. London-N. York-Toronto. 1954. p. 104). Todavia.
isso não impediu Bruno de transpor para a realidade física a lin-
guagem 1112temática de Copérnico - generalizando a sua hipótese
heliocêntrica ao nível da especulação filosófica sobre o infinito
- a partir de uma intuição «tão profunda e tão vasta que permitiu
a Kepler e a G2lileu orientar suas investigações e seus telescópio!'
e fomeccu a Newton o enquadramento indispensável ao principio
da inércia. i. e.. um universo infinito sem centro nem direcção
privilegiada» (E. NAMEa. Giortlano Brtlll() ...• pp. 33-47. esp. p. 42).

[XXXIX]
s11 conçentrarem em pgntos de ordem teológiça- Trimlade,
Divindaáe, Incarnação, alma.r ths homens e ths animais, o infeT111J,
o julgamento dos pecaths, ele. - ou em pontos de ordem disci-
plinar- breviário, abstinências, livros proibidos, contactos com
pessoa.r e países heréticos, ele. (11).
Aliás, 11ào i difícil de conçeber o espírito com qm Belarmino
se centrara nesses pontos. Ba.rtará consultar-se o prefácio th
De controversüs - obra cr!}a edição revista aparecera, em
Veneza, três anos antes de o cardeal jeslllta se oapar das
«heresias» de Br11110 (12) -para encontrarmos não s6 a pr11o-
cupação ( caracterlstica das sllaJ obras) «Com estritas questões
de teologia revelada>>, ma.r ainda a convicção de qm <(f)S heréticos
seiiJ contemporâneos se ocupam th 9. 0 e th 10.o artigos (th
Credo dos Apóstolos), i. e., com os qm se referem à Santa
lgrya Cat6/ica, à co1111111hão ths santos e ao perdão ths pecath.r>>
- qmslões pragmàticamenle ditadas pelas «exigências th seu
tempo ou, como ele pr6prill diz, pelo programa de Satã» e qm,
por isso, lhe não deram militas oport1111idades para se ocupar de
filosofia (113).
O sentith religioso da pena aplicada ao no/ano decorreria,
pois, th facto de ter sido julgath por qmstões de fi.

Ver tb. M. CtAR.DO, G. BrtiiiD. Ira rumtiiUsimo t lo Sloriçismo. r.


Bologna, 1960. cap. r. <<Dalla scoperta di Copemico al problema
di Bruno», pp. 7-18: onde Bruno é situado .à luz de uma hnttJria
tia flska - enquanto «recorrência circular entre as intuições fisico-
-matemáticas totais da realidade e as intuições metafisicas» - em
função do paralelismo entre as «intuições das leis fisicas funda-
mentais e unitárias do universo» e as «intuições da tllllllf'tta. do
poito e da signifoaftÜJ ( .•• ) do espirito humano ou do homem no
âmbito da realidade total».
(el) A. MER.CATI, // SommarkJ ... , pp. 12-13, comp. p. 5.
(") Cf. J. O. RmoL, «Bellarmine and the dignity of man»
- in ]mtil Thifll:ers of lhe Rmaisstm&t...• p. 202.
(N) lbid.. pp. 204-5 e 209.

(XL]
Por sua t~ez, a dassifoafãO dos <<artigos de fé» (do que se
deve e do qm não se deve çrer) radicava, como acabámos de ver,
na necessiáaáe de predsões dogmáticas perante os erros e obscuri-
áaáes áa fé e na nemsiáaáe de defender a autoridade áa Igreja
contra o <programa de Satã>>.

7. Ora acontece que as implicafÕes de um tal contexto


- simrtltâneamente polémico e apologética, teológico e jurldico -
não deixam de afectar o significado religioso da actiSafão de
Brllll() e, nesta medida, o do próprio proces}o e até da pena q11e
lhe foi infligida.
Com efeito, os actiSadores de Bruno, como teólo,gos qtte eram
do movimento Contra-Refortnador, encontraram-se prisioneiros
da própria silllllfão espiritwl de <<defesa, controvérsia, filia» e,
ne.rta medida, condenados (sem ser por culpa própria) a «viver
o crislitlllismo parcialmente>> (94). E isto porque a tendência a
insistir mais 110 aspecto erróneo da «heresia» do que 110 seu
aspecto de realidade separada, dissidente (de ruptura de conrll-
nidade), tal .-omo a correlativa trecessidade de fazer dela sobretrtdo
11m objecto de condenação, de severa e «conceptllalmente mdll-
recida» visão do outro, em vez de ttma realidade referida à
ortodoxia eclesial ( enqwnto «comtmiáaáe e comunhão católica»,
i. e., universal)- acabaram por conduzir a u111a teologia do
anti-herético e por reduzi-/a a uma ocnpafão privada, «des/e
ou daquele teólogo» (11S).
E porqm assim aconteceu, esta teologia atrti-herética
etWolveu dilaS ordens de factos que não são indifermtes ao contexto
da nossa dis(IISsão.
Por 11m lado, a própria ortodoxia, ao entrar na luta

(") Cf. J. L. ARANGUREN, C atomismo y Protestanti1111o çomo


FDNIIas t/4 Existmtia, 2 ed., Madrid, 1957, p. 165.
(") lbiá., pp. 158-9 e 164.

[XLI)
contra a heresia, foou prisilmeira tio plano e111 que o adtJersário
se sittmu: daí o <<esplrilo inquisitorial, a intolerâ~, a inexora-
bilidade religiosa, o desiqllilíbrio das a/mar» que o catolisicmo
(sobre/tido 11a sua expressão Ibérica) herdot1 da Contra-
-Riforma (88).
Por o11tro lado, a adopção polén1ka <<da posição contrária
à do hertje>> sobrepôs, no ca/6/ico, à contemplação da (e na)
verdade animada pelo Esplrito Santo, a defesa das <<Obras»
e da «instituição», i. e., das antíteses tio jidels1no e interüJrismo
protestantes (91).
Em ai!Jbos os casos é óbvio o perigo de «Se cair nu111a
t·oncepção demasiado jurídica da fi>>, com a assimilação da
autoridade de magistério da lgrya à .fila autoridade juris-
dicional e a redllfàO tios problemas da fé aos da obediência
011 desobediência em face das <<decisões>> tiogn1áticas da Igrya
q1111nto à interpretação da Palavra de Derl.f (•).
Não adn1ira ttrlão que a Contra-Riforma se tenha tornado
a catalisadora do e~~Jpobrecimento da concePfão tio Corpus
Ecclesiae Mysticum, precisamente no momento em que a
concepção polltico-jrtrldica da Cristanáode põe em crise a Slltt
con1preen.rão religiosa.
Co111 iftito, a Cristandade, mais tio que 11111 termo geográ-
foo- que os geógrafos renascentistas não reconherian1, formal-
mente, conJo uma área distinta(~')- signiftcava a 1111iámie de
(") /biJ., pp. 159 ss, esp. 161. Ver tb. de ARANGUII.EN,
«El porvenir dd Catolicismo Espaàol» - in La j~~M~Iuá Europta
y otror msayos. Barcelo112, 1961. pp. 71 ss, esp. 72-8.
('") Cf. J. L. ARANGUREN, CatoluiSIIIo y ProltsiiZitlismo ....
pp. 161-2.
(••) Cf. Philippe ROQUEPLO, o. p .• «Une foi normalement
difficile?>>- in Sçimçe el Foi, Paris, 1962, pp. 35-67, esp. 44-8.
(") Cf. Fnpklin Le Van BAUME!l, «The Conception of
Christendom in Reoaissance England»- in ]011T1141 of 11H History
of /Jus, vol. VI, n. 0 2. 1945, p. 136.

[XLII)
povos do Corpus Christianum o que, na perspectiva da 1111idade
religiosa, constitula o corpus mysticum arsintilado a uma Igreja
vislvel supra-nacional clfios men1bros seriam as dijere11tes nações
em graus diversos de integração hierárquica (100).
Ora se a Reforma protestante recot1hece11, ainda, a 1111idade
religiosa do Corpus Christianum como f..f!TeJa visível ( indràtJdo
os católicos), anulou, porént, a arsimilação da Igr~ia vislvel à
«Igreja monárquica», com tmidade hierárqtnca ce11trada 11a auto-
ridade pontiflcia, consagradora, através da translatio impero,
do paterr.alismo imperial e da stta missão de <<defmder os illte-
resses espirituais e de consolidar a 1111idade europeia».
A repercussão deste Jacto nos problunas postos, já desde
o séc. XIII, pela concepção da respublica christiana - como
<<eorpo político» inclusivo ou exclusivo das relafões entre a 1midade
política e a 1111idade religiosa - é bem co11hecida: Janto 110 plaiJO
histórico, com ar reacfões das diferentes 111011arguias (francesa,
inglesa, espanhola) ao roir dos sonhos intptriais de Carlos V
e ao privilégio pontifício do poder indir:ecto sobre o do11tínio
temporal; como, no plano doutrinário, com o reconhecimento,
segundo o direito Internacional, de 11ma sociedade cristã 1:0 inte-
rior da societas gentium e, sobretudo, 110 pla11o político-ecle-
siástico (da causa Christi et Ecclesiae), com a teorização
dos jesuítar espanhóis sobre o primado do Pot~tlfoe, sobre a
natureza do seu poder indirecto enqllllllto conseq~tê!lcia do poder
espirilllal 110 temporal, etc. - teorização en1 qtte, entre outros,
Be/armi/1() e Suárez tiveram papel reinante e qrte, tJesle último,
não deixo11 de repercutir-se, até, na fornta do habitus meta-
physicae (1°1).

(1") /bit/., pp. 134-5, 141-3 e 147.


(lel) a. Juan TUSQUETS, «François Suárez: sa Métaphysique
et sa Critériologi~ - in Apporls Hispaniques à la Philosophie Chré-
liemu Je I'Orr/iknl, par J. Carreras Artau et J. Tusquets Terrats,
Louvain-Paris, 1962, pp. 84-5.

[XLIII]
Em tO!tciJISào: a orimtaçào anti-herética da Igreja cató-
lica acabou por projectá-la nun;a dltpla ordem de co1zseqtdncias.
Por ""' lado, tomou-a prisii)JJeira do pla110 polltico-jurldico en;
que a rttptura da Cristandade a colocou e etn que o «espírito de
tzaciOJzalidade» (ao pretender orrancar-lbe os antigos privilégios
da direqão espiritual do poder temporal) a obrigou a adoptar
- sobretudo através da política de con;promisso e de remíncia
da Companhia de Jesus - a <<aStúcia con;o sacrifício» pela
ca11sa supren1a, e a servir-se, assim, de un; «maqttiauelismo
ad maiorem Dei gloriam» (1 02). Por outro lado, a própria
1111ilateralidade qrte a ~lémka anti-herética impôs à compreensão
teológica q!le leve dela mesma, mqttalzlo comrmidade eclesial
- c de Ctfja vida sobrenatural como «cor~ de Cristo De11s
110 qttal vivemos, JJos n;ovemos e somos» a própria teologia é
apenas a expressão p11etllnatológica e teantrópica e tzmzca o jniz
a11tócrata e teocrático (103)- tornou-se vislvel (perante a ilnpos-
sibilidade histórica de um <<retorno ao regime da Cristandade»)
11a debilitação da dillle!ISào religiosa da ideia de Corpus Ecclesiae
mysticwn. Com efeito, ela foi paradoxalme11te conftri!Jalia por
Sllárez, ao aplicar ao corpo politico a ideia de corpo
nústico,já que, se1n o en;pobrecimmto da «stta dimensão fzmda-
mental de comunidade no sen>, 11ào seria passive/ redllzi-la
«a simples comun~dade de fim e de ajuda miÍiua em ordem à
s1ta consec11fàO» (104).

8. Em face de tudo isto - e reafa11do a discJISsão do


signifoado religioso do processo e da condenação de Bruno (e dos

(102) Cf. Enrico CASTELLI, «:'.Iachiavélisme et Christianisme»


- in Lu Prlsrpposl.t á'um Thlologie áe /' Hisloire, Paris, 1954, pp. 174-
-183, esp. 175.
(1 08) Cf. J. L. AR.ANGUR.EN, Calolirismo y Prolesltllllismo ... ,
p. 164.
(1"') lbiá., pp. 162-3.

[XLIV]
problemas implicados na Sllajust~ficação positiva ot111egativa) -
não será ocioso pergrmtar até que ponto a red11ção bruniana do
valor da religião ao plano prático (a par da sua tentatit•a
inicial, no processo de Veneza, de unta externa acon1odação
obediencial à autoridade da Igreja) deverá entender-se à l"z da
ênfase posta pela ortodoxia anti-herética 11a defesa das «obrar>>
e das <<instihlições>> e numá éoncepção demasiado j11rídica da fé.
Do mesmo modo, as ideias (e as iniciativas) do no/ano com
vista à toluçào do problenta das relações entre o poder temporal
e o espiritlllll não deixam de ganhar todo o sm relevo r.o contexto
anti-herétko em que foou aprisionada a politica eduiástica c de
qm o próprio Suárez se faz eco qllllndo co11sidera que «os políticos»
(da li11ha de Maquiavel) «se cr!111 que, por direito, lhes é lícito
dar preceitos co11trários à religião ... , são herejes, 011 certammte
aferiS, o qt'~ é mais verosímil» (lus).
Importa, com efeito, não esquecer que 11ma das peças da

(1 416) Cf. G. F. de La MoRA, «Maquiavelo visto por los


tratadistas políticos espaõoles de la contrarreforma» - in Arbor,
Xlll, 1949, p. 445, n. 78 (para o texto latino do Dt ltgib1u). Ver
tb. pp. 424, 432. Para o A., o facto de Suárez considerar os polí-
ticos mais como altlls do que como htrtju impede que se confunda
«o antimaquiavclismo com a luta anti-bcrética» e se faça dele «apenas
um processo inquisitorial», fonte de «intolerância e fanática hosti-
lidade» (pp. 445-6). A hesitação, no texto em causa, entre hn-tjt
e ateu é, todavia, significativa. Veja-se, aliás, a refutação da tese
de La :Mora - quanto à reacção violenta dos autores peninsulares
dos sécs. XVI e xvu contra Maquiavel- por D. W. BLEZNICK,
«Spanisb Reaction to Macbiavelli in the Sixteenth and Seventeenth
Centuries»- in jot~rnal of tht Hislory of /Jeas, XIX, 1958, n.0 4,
pp. 542-50: onde não só se prova que o antimaquiavelismo não foi
unânime entre eles como marcou alguns dos seus opositores mais
acérrimos. Comp. Vergílio TABORDA, Jl!atpliat~tl t Anlimaquiavtl,
Coimbra, 1939, II parte, «Antimaquiavelísmo peninsular», pp. 51 ss,
esp. 56-63.

[XLV 1
a&tiSilfào tk Bnmo visaria os seus conta&tos Ç()IJJ pessoas e paises
• ' - m...
hereltços ' partt'bus L--- '
.~.D~CrCtlcoru.m (10.) •
Caberia então considerar (uma Vt'!{ tp~e Br11110 foi sobre-
tmio julgaJo por questões tk fé) atí que ponto o terá sido em
nome tk questões em que o a.rpeçto disdplinar, se não se sobre-
p1111ha ao teol6giço, estaria, porém, (em qua/tpler dos rasos)
politkamente contaminado- e ati tp~e po11to essa contalllillllfào
afectaria, então, o vínculo entre a 11/Íssào polltko-religiosa tk Brtmo
{ qtlanto às relafões entre os potkres espiritual e temporal)
e a s11a VOCttfào ftlosófoa.
Ora Giordano Br11110, ali111 tk ler sido, politicamente,
anti-espan!MI (a par tk anti-reformista) - ja&to bem visivel
na ((IJJensagem politica do Spacdo», ao exprimir a «amizade
da França à Inglaterra perante o perigo tia rta&fào católica,
representado pela Espanha, que amea;1111a tanto o rei françés,
rercaJo pela Liga Católica ( tk insligttfào espanhola), çomo a
rainha ingksa, t'Oflslantemente amettfada por <<intrigas PapaiS>>
tk insligttfào espanhola>> (107) - terá obetkciáo ainda a um impe-
raliPo polimo ao regressar, em 1591, a Itália e à Ve»t'!{a em
q11e inidaria o seu caminho para a morte.
O fa&to tk este regresso ler qm ver tom a ti/lima orientafão
tk Brt~~Jo <para uma reforn;a interna tk tato/idsmO» e para uma
intm~en;ão a&tiva nos acontedmentos tia ípora foi já recoilherido
por Corsano e Firpo (1°1) e posteriormente rort'oboraJo por
Gimso e Yate.r( 181 ).

(1") Vitü n. 91 supra.


(U') Cf. F. A. YATES, GútrtÚIIuJ BruntJ llllli lhe H6NIItlk TraJi-
IÍIIn, p. 287 e n. 3 - para a opoaiçio de Bruno, no SjNUtÜJ, ao
dominio espanhol em Nápoles, onde reinava a Cobiça «com o
pretexto de manter a religiio,. (Dia/. ilal., pp. 719-20).
(1••) A. CoR.SANO, Ii pmsierfJ di G. Bnlllll.. •• p. 267 ss;
L. FtRPO, Ii pr«tsso. di GútrtlmltJ Bn11111, Napoli, 1949, p. 10 ss.
(1") L. Grosso, «Giordano Bruno eapiltiiUJ dei re di Navarra»,

[XLVI)
Cotlhemior, depoi.r do trágico 111assacre de S. Bartolon;eu (110)
e através da experiência adq11irida nas várias cortes e chancelarias
da época, do acolhimento dispensado à <<política de tolerância e de
distensão religiosa»- desde Henrique III e Rodoifo II «cont
todos os Habsb~~rgos 1111teriore.r a Femando II e a Fer11a11Óo III»,
a Vetuza e à Polónia-e ape11as hostilizada pela Espanha(lll),
Giordano Bruno escolheria Veneza <<etÍIJio teatro de futuras
iniciaiÍI!as politicas» não só por aí se viver 11111 <<Cato/icisnto qrte
ent matéria politica se inspirava de um a:ttecipado liberalismo» (111),
como pelas esperanfas que então se depositava no papel a demn-
penhar por He11riqtte de Nat1arra - con1 direito ao lrotro de
Frllllfa ap6s a SJta 11itória sobre a Liga Católica (que a Espanha
tinha apoiaáo) - 11uma riforma geral da Cristandade: tor-
nando-se detentor, com ttma provável (e esperada) conversão
ao catolicisnJo, dos poderes e.rpiritrtal e temporal, político e
religioso.
Se, para Bnmo, esta sol11fào cesaropapista tlào passava
de «.fatalidade da época», ela poderia favorecer, no ent1111to
- e melhor que os <<intolerantes predicame11tos calvinistas» ou
os «inqttisitoriais espanhóir» - a difmão da política de tole-
rân&ia religiosa e de «Convivência pacífica» entre protestantes e
ca/6licos, e até da S111Z própria nolana fi,!Gsofia: capaz, a seus
olhos, de desempenhar, 11es~a difmão, 11111a tão importante ac;ão
catalisadora qt1t chegou a admitir (embora em cirmnstâncias

N!ltiN ~. vol. 468, 1956, pp. 355-362; F. A. YATES, op. di.


!llpra, p. 339. Ambos ·remetem, aliás, para Corsano e Firpo.
(11 1 ) Do qual se fez eco no De la çaura, dial. I (Dili/. ilal.,
p. 223) ao aludir ao Ganguinosa» Sena. A quinm das Guemas
de Religião esteve, aliás, na origem (como é sabido) da sua partida
de França para Inglaterra, em 1584.
(lu) a. L. Gwsso, «Giordano Bruno çapiiiiM dd re di
Navarrv, p. 356.
(lU) lbiJ., pp. 360-1.

[XLVII]
<SJom.m_~qyJ,1b11t·4s
z~ C5~ 'l-J. esP
j ps~ 'I~ j~

·
'-~.l est- 1UIJ. Y
Jr . . . ~ . . J. esl-..
J{\~ 11 s"b Jole h{!~

Autógrafo de G. Bruno datado de 1588

[XLVIII)
apologéticas) a possibilidade de obter, para ela, o apoio de
Clemente VIII (113).
Que esta oposifãO declarada entre os projectos reformadores
que enquadraram, politicamente, a missão religiosa da filosofia
de Bmno, e a orienlafãO da política eclesiástica (tal como ficou
atrás esbofada), lerá pesado. nos acontecimentos entre o processo
de Veneza e a condenafãO de Bruno, em Roma, é pois uma
hipótese que 1Jào rep11gna aceitar em face de qttmJto foo!l dito.
Por SilO vez, o endurecimento da atittlde de Bruno e a sua
intransigência na última fase tio processo de Roma não lerão
sido alheios à sua consciência da impossibilidade de uma solução
que «significasse a continlltlfãO ou a intensificafÕIJ da obra
desenvolvida por toda a sua vida» - obra que não envolvia
<<a n1era defesa arrogatJte da absoluta liberdade especulativa
nJas também uma indomável vocafãO para a actividade
reformadora, não só mediante a illlnJi111JfãO doutrinal mas
ainda pela elevação da dignidade ético-religiosa de totios os
homens» ( 114).

9. Co1n isto entramos, também, no tiomínio das «razões


históricas» que, seg1111tio Mercati, tornariam anacrónica qualquer
pretensão de julgar, desde o séc. XX, o pensanJento jurldico
e o processo penal da InqttiSÍfão romana tio séc. XVI, i. e.,
d'altti tempi.
Todavia, o mesmo anacronismo parece penetrar as razões
teológico-disciplinares pelas quais Bruno, alénJ de culpado, foi
considerado pecador («quando nella colpa . .. »,escreve Mercati} :
com efeito, o anacro11ismo parece estar nas razões (d'altri tempi)
segtmtio os quais os juízes definiram, afinal, tanto a natt~reza

(W) lbitl., pp. 357 e 360. Ver tb. F. A. Y ATES, op. nl. stpra,
pp. 340-3 e 345-6.
(114) Cf. A. CoRS.ANO, II jHnsitro di G. Bruno .... p. 304.

[XLIX]
<<herética» das acmações como o sentido redentor da pena apli-
cada - embora no mesmo /ex/o a identificação de delito a
pecado e de pena de 111or/e a «reparação e eleva;ão sobrenalt~ral»
seja sinónima de julgar <<}mlamente e no sentido tristão» essa
situação d'altri tempi (Illi).
Sem drívida que o «momento histórico» em caUJa pode ser
invocado apenas para jmtificar «O modo seg1111do o qual a
Igreja interveio no caso de Brnno», reivindicando-se, ao mes1110
ttmpo, para a própria Igr~;a,,«o direito de intervir (. .. ) em
todos os casos semelhantes de qualquer época» (lll). Alas não se
estará, uma vez mais, incorrendo nr1ma excessiva assimilação
da autoridade de magistério da Igreja à .ma autoridade
jurisdicional?
Ora menns que 11ma dificuldade teórica -posta pela na/li-
reza das relações entre a Igreja impereclvel «que recebeu as
promessas de eternidade» e a Igreja visível (e vulnerável) que
visa assegurar, ao lo11go da história profana, a unidade da fé
na «comrmhão eclesial» (de crença, de culto e de vida social)
alravis de sem magistério, sacerdócio e governo espirit~~al ( 117 )
- a justificação aclllal da legitimidade da condenação de Bnmo
(ou de qualquer «~"aso semelhante>>) envolve uma <<difouldaáe
prática»: a que deriva da encarnação da atttoridade de magis-
tério na própria sociedade histórica pela qual a Igreja aparece
como tJm <<our~~po sociológi,·o» ao qt!al Deus, no entanto, conjio11
«o essencial, a própria orientação do destino do 1111iverso, a grande
empresa da humanidade» e que, por isso, se não mede apenas à
luz de nma «infalibilidade e sm1tidade em que se cri», mas III)

(lu) Vitk n. 85 supra e contexto respectivo.


(~ 11 )Cf. L. CicUTTINl, GiortlanD B1"UUII, p. 46.
(ll 7} Seja-me permitido remeter ainda para o § 4 do oap. IV
da minha dissertação O AttsiD à Fikuofia Platónita: «Polarização
actual da tlüttnlio animi: o poJo religioso», pp. 119 ss, esp. 121, n. 42.

[L)
nlvel da Slla catolicidade, i. e., da Slla <umiversalidaáe no tempo
( a&hlaiidade) e no esptZfO ( et11menismo)» (118).
Ao problema da natureza e dos limites de atribuição
( históma e sotereológica) do <<direito de intervenção» a fJIIe nos
referimos, a Igreja poderá responder, mJ espaço e mJ tempo
históricos, com o testemunho da Slla catolicidade e não apenas
com · o principio da Slla a~~toridaáe jurisdicional.
Perante esta, o não-crente de <<boa vontade» poderá sempre
opor esta qmstão de princípio: se a formulação e difmão de
opiniões filosóficas e religiosas suposta-ou efectivamente contrá-
rias à ortodoxia (quer esta seja religiosa 011 laica) constitui uma
base suficiente para se processar, julgar, condenar e exet11tar
um filósofo.

10. Antes de confiar o leitor (que tenha perseverado até


aqui) ao convívio com a presente obra de Bruno não queria
deixar de tirar, desta longa controvérsia em torno da vida e
morte do filósofo, uma última lição.
Lição que nunca será demais repetir apesar de tão óbvia
e significativa: sob as controvérsias em torno da pessoa e da
filosofia de Bf'llll() - desde as que se iniciaram na órbita do
Concílio de Trento e se reacenderam nas cinzas de Campo dei
Fiori, às fJIIe, sob o horror de mais recentes e metodkamente
devastadoras cremações ( 011 com a mJstalgia das antigas) des-
pertam, todavia, à luz ecuménica do 2.° Concílio do Vaticano
- estiveram e estão ainda (H/ cama dimensões pessoais e histó-
ricas da mJssa vocação de eternidade e formas antagónicas (ou
dialecti&amente complementares) de a ass11mir teórka-e pràti-
camente.

(W) a. Ph. ROQUEPLO, o. p., «Une foi normalemcnt difficile ?»


- in Srimçe el Foi, Paris, 1962, pp. 49-50.

[LI]
E isto por1J114 o horizonte hi.rtórko em qm .re opera, all/11-
ralmmte, o áifldl a&ordtJ dtJ.r esplrito.r, i também IIIJ116Ú e111
qm .re joga (entre o.r polo.r pollti&o e religio.ro) a no.r.ra «áápla
Ji.rriplinaY; tia 61Uarntlfão e tia tran.rcmáênda. E com ela .re
jogam, aimla, os meio.r de conhecer a nalllreza dtJ.r conjlito.r e de
assegurar, para allm tia pax timoris, e.r.ra pax amoris IJI'e é,
.robrefllth, forfa con.rriente e proce.r.ro ínçe.r.rante de reconriiÍtlfào
tias opo.rífões criadoras e tias áifermfas nece.r.rárias (ll').

Oxford, Agosto-Setembro, 19~7


Coimbra, Páscoa, 1968

Victor Matos e Sá

cru) Cf. Robert Bosc, Soeiologla t# la P~ Barcelona. 1967,


eap. caps. XI (pp. 253-275), XII (277-285) e Concluslo: «Religión
y politica internacional», pp. 287-297.

[LII]
ADVERTENCIA

Com esta advertlnda pretmtiemos, fmulamentalmente,


com1111kar aos Leitores a nossa incerteza sobre se conseguimos
ser sempre exa&la, objectiva, na transmissão do pensamento de
Giordano Bnmo.
Preompo11-nos, na realidade - directriz que se nos afigurou
imperativa - , não apenas traduzi-lo literalmente, mas tam-
bém <proc~~rar o espirita na letra>>,· e este desiderato é por vezes
tão diflril, dada a Ç(Jmplexidade da «letra>>, que algumas inter-
rogtZfões persistentes, enigmáticas, s6 poderiam ser dissolvidas
em mbtil diálogo com o seu autor.
Bnmo foi um pensador original, e r1m esmtor varonil,
dotado duma)ersonalidade rica, multifacética, plena de contras-
tantes valênrias: poético e positivo, espiritual e agressivo,
demolidor e construti110, arguto e ousado, simultâneamente
humilde, orgulhoso e firme, mesmo perante a sentença da sua
condenafão, ao prevenir os juizes inquiridores: Maiori forsan cum
timore sententiam in me fertis, quam ego accipiam (Cfr. M.
D 'Addio, R pensiero politico di Gaspar Scioppfo e il machiavellismo del
Seicento. Milano, Dott. A. Giuffre Ed., 1962, p. 26-30).
Os seus esmtos projectam, linearmente, a sua singular
caracterologia. Proclamando-se «académico de nenhuma aca-
demia» (esperialmente em oposição à Accademia della Crusca,
e aos seus adeptos, os <<Sacrílegos pedantes»), a sua linguagem
ei11ada de latinismos, provinrianismos, barbarismos, neologismos,
vocábulos de significado adulterado, descurada na sintaxe e eslm-
ltll'"a gramatical, constitui uma forma de expressão coloquial de

[Lili]
çartkter anárqrmo, inll.fÍtado, de Çllflho polémjço fortemente st~ges­
IÍrlo, e çomo i 6bvio, IIIIIÍto difld/ de traáuzir.
l.tto não nos desmoralizou, todavia, e durante vinte anos
retomámos os textos, e fizemos várias revisões, passo a passo,
11ma delas em 1950, ao cursarmos a Universidade para Estran-
geiros, de Perú.ria, outra em 1954, no regresso do fi()SSO inter-
nato na Universidade Católica de Milão, e a IÍitima, recentemente.
Mas numerosos pontos obscllf'Os, aparentemente irre.ro-
IIÍtJeis, se mantinham: assim, apraz-nos repeti-lo, muito se foa
devendo ao aiiXIIio do Ex.fTII) Prof. Doutor Giadnto Manuppella,
ao seu amigo e espontâneo interesse, sempre atento, sol/dto e
infatigável, para que neste trabalho se observasse o máximo de
fidelidade ao pensamento do filósofo. Por tudo isto, e ainda
pelt.z sua prestimosa çolaboração na recolha bibliográfoa, lhe
queremos exprimir a nossa mais sinçera e indelével gratidão.
Esta é extensiva a todas as pessoas que nos esç/areçeram çom
o seu saber, ou de qualquer modo, fadlitaram a nossa tarefa.
Presente em todo o mtmdo culto, mediante tradufões
directas da sua notável bibliografia, Giordano Br11110 apareçe
finalmente, entre nós, através dlim dos sem mais famosos diálogos:
Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos.

Coimbra, Dezembro de 1967

A . Montenegro

[ LIV]
AO ILUSTRfSSIMO

SENHOR DE MAUVISSI~RE

IMPRESSO EM VENEZA
ANO MDLXXXIV
EPíSTOLA PREAMBULAR

PARA O ILUSTRÍSSIMO

SENHOR 1\-UCHEL DE CASTELNAU (1)

Senhor de Mauvissiere, Concressault e Joinville, Cava-


leiro da Ordem do Rei Cristianíssimo, Conselheiro do
seu Conselho privado, Capitão de cinquenta homens
de armas, e Embaixador junto da Serenissima Rainha
de Inglaterra.

Se eu, ilustríssimo Cavaleiro, manejasse o arado,


apascentasse um rebanho, cultivasse uma horta, remen-
dasse um fato, ninguém faria caso de mim, raros me
observariam, poucos me censurariam, e fàcilmente poderia
agradar a todos. Mas, por eu ser delineador do campo
da natureza, atento ao alimento da alma, ansioso da
cultura do espírito e estudioso da actividade do inte-
lecto, eis que me ameaça quem se sente visado, me
assalta quem se vê observado, me morde quçm é atin-
gido, me devora quem se sente descoberto. E não é só
um, não são poucos, são muitos, são quase todos.
Se quiserdes saber porque isto acontece, digo-vos que
a · razão é que tudo me desagrada, que detesto o vulgo,
a multidão não me contenta, e só uma coisa me fascina:
aquela, em virtude da qual me sinto livre em sujeição,

fll
contente em pena, rico na indigência e vivo na morte;
em virtude da qual não invejo aqueles que são servos
na liberdade, que sentem pena no prazer, são pobres
na riqueza e mortos em vida, pois que têm no próprio
corpo a cadeia que os acorrenta, no espfrito o inferno
que os oprime, na alma o error que os adoenta, na mente
o letargo que os mata, não havendo magnanimidade
que os redima, nem longaoimidade que os eleve, nem
esplendor que os abrilhante, nem ciência que os avive.
Dai, sucede que não arredo o pé do árduo caminho,
por cansado; nem retiro as mãos da obra que se me
apresenta, por indolente; nem qual desesperado, viro
as costas ao inimigo que se me opõe, nem como deslum-
brado, desvio os olhos do divino objecto: no entanto,
sinto-me geralmente reputado um sofista, que mais
procura parecer subtil do que ser verídico; um ambicioso,
que mais se esforça por suscitar nova e falsa seita do
que por consolidar a antiga e verdadeira; um trapaceiro
que procura o resplendor da glória impingindo as trevas
dos erros; um espírito inquieto que subverte os edifícios
da boa disciplina, tomando-se maquinador de perver-
sidade. Oxalá, Senhor, que os santos numes afastem
de mim todos aqueles que injustamente me odeiam;
oxalá que me seja sempre propicio o meu Deus; oxalá
que me sejam favoráveis todos os governantes do nosso
mundo; oxalá que os astros me tratem tal como à semente
em relação ao campo, e ao campo em relação à semente,
de maneira que apareça no mundo algum fruto litil e
glorioso do meu labor, acordando o espfrito e abrindo
o sentimento àqueles que não têm luz de intelecto;
pois, em verdade, eu não me entrego a fantasias, e se
erro, julgo não errar intencionalmente; falando e escre-
vendo, não disputo por amoc da vitória em si mesma
(pois que todas as reputações e vitórias considero inimigas
de Deus, abjectas e sem sombra de honra, se não assen-
tarem na verdade), mas por amor da verdadeira sapiencia
e fervor da verdadeira especulação me afadigo, me
apoquento, me atormento. · É isto que irão comprovar
os argumentos da demonstração, baseados em racioclnios
válidos que procedem de um juizo recto, informado por
imagens não falsas, que, como verdadeiras embaixadoras,
se desprendem das coisas da natureza e se tomam presentes
àqueles que as procuram, patentes àqueles que as miram,
claras para todo aquele que as aprende, certas para todo
aquele que as compreende. Apresento-vos agora a minha
especulação acerca do infinito, do IIIIÍIIerso e dos mllllllos
i1111meránis.

ARGUMENTO DO PRIMEIRO DIÁLOGO

Haveis; pois, no primeiro diálogo:


Primeiro, a inconstância dos sentidos demonstra
que eles não são principio de certeza e não a estremam
senão por certa comparação e conferência de um objecto
sensivel a outro, e duma sensação a outra; dai se conclui
que a verdade é relativa nos diversos sujeitos.
Segundo, começa-se a demonstrar a infinidade
do universo, e apresenta-se o primeiro argumento,
tirado do facto de não saberem onde termina o mundo
aqueles que mediante a fantasia lhe querem fabricar
muralhas.
Terceiro, o segundo argumento depreende-se do
facto de ser inconveniente afirmar que o mundo é finitc;>,
e que o ·é em si próprio, pois que isto se ajusta Unica-

13}
mente ao ilimitado. Depois, tira-se o terceiro argumento
da inconveniência e impossibilidade de imaginar o mundo
como existindo em nenhum lugar, pois, de qualquer
modo dai se depreenderia a sua inexistência, atendendo
que todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas que sejam,
corpórea ou incorpôreamente, significam lugar.
O quarto argumento tira-se de uma demonstração
ou questão muito instante que fazem os epicuristas:

Nimirum si iam finitum constiruatur


Omne quod est spacium, si quis procurrat ad oras
Ultimus extremas iaciatque volatile telum,
Invalidis utrum contortum viribus ire
Quo fuerit missum mavis longeque volare,
An prohibere aliquid censes obstareque posse?

~am sive t:st aliquid quod prohibeat officiatque,


Quominu' quo missum est veniat finique locet se,
Sive foras fertur, non est ea fini' profecto (1).

Quinto, a definição de lugar que dava Aristóteles


não convém ao primeiro, o maior e mais comum dos
lugares; nem vale tomar a superfície próxima e imediata
ao conteúdo, e outras inconsistências que fazem do
lugar coisa matemática e não física; admito que entre
a superfície do continente e do conteúdo, que nela se
move, sempre é necessário espaço interposto, ao qual
convém mais ser lugar; e se quisermos tomar do espaço
apenas a sua superfície, é preciso que se vá procurar
no infinito, um lugar finito.
Sexto , não se pode fugir ao vácuo considerando
o mundo finito, se o vácuo é aquilo em que nada existe.
Sétimo, como o espaço em que está este mundo,
seria o vácuo se este mundo ai se não encontrasse, assim,

[4)
onde não está este mundo, entende-se que é o vácuo.
Fora do mundo, pois, este espaço é indistinto daquele;
logo, a potência que tem este, tem aquele; logo, tem
o acto, porque nenhuma potência é eterna sem acto,
e por isso eternamente tem o acto unido, mais, ela própria
é acto, dado que no eterno não são diferentes o ser
e o poder ser.
Oitavo, nenhum dos sentidos nega o infinito,
pois não o podemos negar, visto que não compreendemos
o infinito com os sentidos, mas como os sentidos são
por de compreendidos, e a razão vem confirmá-lo,
somos obrigados a admiti-lo. De resto. se considerarmos
bem, os próprios sentidos o põem infinito, porque sempre
vemos uma coisa compreendida noutra, e nunca perce-
bemos nem com os sentidos externos, nem com os
sentidos internos, uma coisa não compreendida nout_ra,
ou semdhantemente:

Ante oculos etenim rem res finire videtur:


Aer dissepit colleis atque aera montes,
Terra mare et contra mare terras terminat omneis :
Omne quidem vero nibil est quod finiat extra.

Usque adeo passim patet ingens copia rebus,


Finibus exemptis, in cunctas undiquc parteis 0).

Pelo que vemos, portanto, devemos afumar o infinito,


visto que nenhuma coisa nos ocorre que não termine
noutra. e nenhuma consta que termine em si própria.
Nono, não se pode negar o espaço infinito senão
com as palavras, como fazem os teimosos, tendo consi-
derado que o resto do espaço onde não há mundo e
que se chama vácuo, e se imagina mesmo como o nada,

[ 5]
não se pode entender sem uma capacidade de conter
não menor do que esta que já contém.
Décimo, assim como é bom que exista este mundo,
é igualmente bom que exista cada um de infinitos outros.
Décimo primeiro, a bondade deste mundo não
é comunicável a outro mundo que possa existir, como
o meu ser não é comunicável ao ser deste, ou daquele.
Décimo segundo, nem a razão nem os sentidos
consentem que, como se admite um indivíduo infinito,
extremamente simples e concentrado, não se deva admitir
um indivíduo corpóreo e explicito.
Décimo terceiro, este espaço do mundo, que
nos parece tão grande, não é parte nem é todo em relação
ao infinito, não podendo ser sujeito duma operação
infinita, em face da qual é um não ser aquilo que a
nossa insuficiência pode abranger. E responde-se a certa
objecção, que nós não pomos o infinito em virtude da
dignidade do espaço, mas sim da dignidade das naturezas;
pois, a razão que justifica a existência disto, justifica
a de tudo aquilo que possa existir, cuja potência não é
actuada pelo ser deste, como a potência do ser de Elpino
não é actuada pelo acto do ser de Fracastório.
Décimo quarto, se a potência infinita activa
realiza o ser corpóreo e dimensível, este deve neces-
sàriamente ser infinito; doutro modo deprecia-se a
natureza e a dignidade de quem pode fazer, e de quem
pode ser feito.
Décimo quinto, este universo, tal como é con-
cebido vulgarmente, não se pode dizer que compreende
a perfeição de todas as coisas, senão como eu compreendo
a perfeição de todos os meus membros, e cada globo
tudo aquilo que está nele; por outras palavras, é rico
todo aquele a quem não falta nada daquilo que tem.

[6]
Décimo sexto, de toda a maneira, o eficiente
infinito seria deficiente sem o efeito, e não podemos
perceber que apenas tal efeito seja ele próprio. Acresce
que por isto, se assim for ou se é, nada se tira do que
deve existir naquilo que é verdadeinmente efeito,
enquanto os teólogos falam de acção ad extra e transi-
tória, além da imanente; pelo que é forçoso que seja
infinita, tanto uma como a outra.
Décimo sétimo, asseverando ser o mundo ilimi-
tado, segundo o nosso ponto de vista, acalma-se o
intelecto; da maneira contrária, surgem crescentes dificul-
dades e inconvenientes. Replica-se também o que se
disse no segundo e no terceiro.
Décimo oitavo, se o mundo é esférico, terá
figura e limite, e o limite que está para além desta figura
e deste termo (ainda que te agrade chamar-lhe «nada»),
terá também figura, de maneira que o seu côncavo
esteja junto a este convexo, pois que, onde começa
aqude teu «nada», é pelo menos uma concavidade indis-
tinta da superflcie convexa deste mundo.
Décimo nono, acrescenta-se alguma coisa ao que
se disse no segundo.
Vigésimo, esclarece-se o que se disse no décimo.
Na segunda parte deste diálogo, o que ficou demons-
trado quanto à potência passiva do universo, demons-
tra-se para a potência activa do eficiente, com várias
razões: a primeira., conclui-se do facto da divina potência
não dever ficar ociosa, tanto mais pondo o efeito fora
da própria substância (se é que se admite existir alguma
coisa fora desta); e do facto de não ser menos ociosa
c;. {pvida produzindo efeito finito, do que não produzindo
naéla. A segunda, tira-se da prática, pois no caso con-
trário, suprime-se a razão da bondade e grandeza divina,

[7]
e disso não deriva inconveniente algum contra qualquer
lei e substância da Teologia. A terceira é convertfvel
na décima segunda da primeira parte, apresentando-se a
diferença entre o todo infinito,. e o totalmente infinito.
A quarta mostra que, não por não querer mas por não
poder, a omnipotência é censurada por ter feito o mundo
finito, e por ser um agente infinito dum sujeito finito.
A quinta induz que, se não faz o mundo infinito, é porque
o não pode fazer, e se não tem poder para o fazer infinito,
não pode ter vigor para o conservar no infinito; e que,
se é finito segundo uma razão, vem a ser finito segundo
todas as razões, pois que nele cada modo é coisa, e toda
a coisa e modo são uma e a mesma coisa. A sexta é
convertível na décima da primeira parte; apresenta-se
a causa pela qual os teólogos defendem o contrário,
não sem uma razão plausível, e a da amizade entre estes
doutos e os doutos 6lósofos.
A sétima propõe a razão que distingue a potência
activa das diversas acções, e resolve este argumento.
Além disso, demonstra-se a potência intensiva e extensi-
vamente infinita com uma elevação que a comunidade
de teólogos jamais atingira. Pela oitava demonstra-se
que o movimento dos mundos infinitos não é originado
por motor extrínseco, mas pela própria alma, e como
por tudo isto, existe um motor infinito. Pela nona
demonstra-se como o movimento intensivamente infinito
se verifica em cada um dos mundos. Ao que se deve
acrescentar que do facto de um móvel simultâneamente
se mover, e ser movido, resulta que pode ser visto
em cada ponto do circulo que faz em volta do próprio
centro; outra vez explicarei esta objecção, quando for
licito desenvolver a doutrina.

[8]
ARGUMENTO DO SEGUNDO DIALoGO

O segundo diálogo segue as mesmas conclusões.


Em primeiro lugar, apresentam-se nele quatro razões,
baseando-se a primeira no facto de todos os atributos
da divindade serem como cada um; a segunda., de que
a nossa imaginação não deve poder estender-se mais do
que a acção divina; a terceira, da identidade entre o
intelecto e a acção divina, que não entende o infinito
menos do que o finito; a quarta, que, se a qualidade
corpórea, isto é, a qualidade que nos é sensível, tem
potência infinita activa, o que não acontecerá com a
que existe em toda a potência activa e passiva absoluta?
Segundo, demonstra-se que uma coisa corpórea não
pode ser limitada por uma coisa incorpórea, mas pelo
vácuo, ou pelo pleno; de qualquer modo, fora do mundo
existe o espaço que, afinal, não é mais do que matéria
e a própria potência passiva, onde a não ociosa e não
fnvida potência activa se deve transformar em acto.
Demonstra-se também a inconsistência do argumento de
Aristóteles, acerca da impossibilidade de coexistência das
dimensões.
Terceiro, ensina-se a diferença que existe entre o
mundo e o universo, pois, quem diz o universo infinito
e .uno, necessàriamente faz distinção entre estes dois
nomes.
Quarto, apresentam-se as razões contrárias, pelas
quais se julga o universo finito: ai, Elpino refere todas
as sentenças de Aristóteles, e Filóteo vai examinando-as.
Algumas são tiradas da ·natureza dos corpos simples,
outras da natureza dos corpos compostos; demonstra-se
a inconsistência de seis argumentos deduzidos da definição
dos movimentos, que não podem ser perpétuos, e de

[9]
outras propostçoes semelhantes, sem base, como se
verifica pelos nossos racioclnios. Estes, mais natural-
mente farão ver a razão das espécies e termo do movi-
mento, e, consoante a ocasião e o lugar, mostram um
conhecimento mais real acerca do impulso grave e leve,
porque, por elas demonstramos como o corpo infinito
não é grave nem leve, e como o corpo finito pode ou
não receber tais espécies. Dai se torna ainda mais evidente
a inconsistência dos argumentos de Aristótdes, que, argu-
mentando contra aqudes que consideram o mundo
infinito, pressupõe o meio e a circunferência, pretendendo
que a terra tenha o centro no finito, ou no infinito.
Em conclusão, não existe argumento grande ou
pequeno que tenha induzido este filósofo a destruir a
infinidade do mundo, tanto no primeiro livro Do çéu
e 1111111áo { 4 ) como no terceiro Da au.radlafilo flsiça {6),
acerca do qual não se discorre mais do que o suficiente.

ARGUMENTO DO TERCEIRO DIÁLOGO

No terceiro diálogo nega-se, em primeiro lugar,


a vil fantasia da figura, das esferas e dos diversos céus,
e afirma-se ser único o céu, que é um espaço geral que
abarca os inúmeros mundos, se bem que não neguemos
serem muitos, antes, infinitos os céus, tomando esta
palavra noutra acepção; pois, como esta terra tem o
seu céu, que é a sua região, em que se ,move e que
percorre, assim cada uma de todas as outras inumeráveis
terras. Declara-se como foi que se imaginaram tais,
e tantos céus, e de tal modo figurados, a ponto de terem
duas superficies externas e uma cavidade interna; e outras
receitas e medicamentos que provocam náuseas e horror

[ 10]
aos próprios que as ordenam e executam, e aos míseros
que as ingerem.
Segundo, adverte-se que o movimento geral e o
dos ditos excêntricos, e quantos se possam referir a tal
firmamento, são todcs fantásticos; que, realmente, depen-
dem dum movimento que a terra faz com o seu centro,
pela ecllptica, e outras quatro espécies de movimentos
que executa em tomo do centro da própria massa.
Donde se conclui que o movimento próprio de cada
estrela se toma da espécie que:-, subjectivamente, nela
se pode verificar, como móvel que se move por si próprio,
no campo do espaço. Esta consideração faz-nos com-
preender que todas as razões acerca do móvel, e do movi-
mento infinito, são vãs, e fundadas sobre a ignorância
acerca do movimento deste nosso globo. Terceiro,
afirma-se que não há estrela que se não mova como
esta e as outras, que, por nos serem vizinhas, nos fazem
conhecer sensivelmente as diferenças locais dos seus
movimentos, mas que de um modo se movem os sóis,
que são corpos em que predomina o fogo, e de outro
modo as terras, em que a água predomina; finalmente,
patenteia-se donde provém a luz que difundem os astros,
dos quais alguns brilham por si próprios, outros por
influência alheia. Quarto, de que maneira corpos extre-
mamente distantes do sol podem igualmente, como os
que estão mais próximo, participar do calor, repro-
vando-se a sentença atribuída a Epicuro, que pretende que
um sol seja bastante no universo infinito; apresenta-se
a verdadeira diferença entre os astros que cintilam e os
que não cintilam. Quinto, examina-se a sentença de
Nicolau de Cusa (') acerca da matéria e possibilidade dos
mundos serem habitados, e da razão da luz. Sexto,
se bem que existam corpos por si luminosos e quentes,

[ 11]
nem por isso o sol brilha ao sol, a terra brilha à terra,
e a água à própria água; mas sempre a luz provém do
astro oposto, como vemcs sensivelmente todo o mar
re"splandecente, quando nos encontramos em lugares
eminentes, como nos montes; e, estando nós no mar
ou no próprio campo, não os vemos resplandecer senão
quando, a pouca distância, a luz do sol ou da lua se
lhes opõe.
Sétimo, discorre-se acerca da inconsistência das
quintas-essências, e declara-se que todos os corpos
sensíveis não são diferentes, e não são constituldos por
outros primeiros princípios que não sejam estes; e que
não se movem doutro modo, tanto em linha recta,
quanto em círculo. Tudo se tratará com razões mais
acomodadas ao senso comum, enquanto Fracastório
se acomoda ao engenho de Búrquio; e toma-se evidente
que não há aqui acidente que não se pressuponha lá,
como não há coisa que lá se veja daqui, que, se beii1
considerarmos, não se veja aqui, de lá; consequentemente,
a bela ordem e hierarquia da natureza é um gentil sonho,
e um gracejo de velhas tontas.
O i ta v o, que, embora seja verdadeira a distinção
dos elementos, não existe de modo algum essa ordem
sensivel e inteligível dos elementos, como vulgarmente
se supõe; e segundo o próprio Aristóteles, os quatro
elementos são na mesma proporção partes ou membros
deste globo, se não pretendermos afirmar que a água
os excede; pelo que, justamente chamam aos astros, ora
água, ora fogo, tanto os verdadeiros filósofos natura-
listas, como os divinos profetas e poetas, que não
contam fábulas nem falam por metáforas, deixando aos
pretensos filósofos o contar fábulas e ninharias. Assim
se compreende serem os mundos estes corpos hetero-

[ 12 J
géneos, estes animais, estes grandes globos, em que a
terra não é mais grave do que os outros elementos, e em
que todas as partículas se movem mudando de lugar e
disposição, do mesmo modo que o sangue, e outros
humores, espíritos e partículas que em nós, e noutros
pequenos animais fluem, refluem, influem e efluem.
A este propósito se aduz uma comparação pela qual se
verifica que a terra, pelo impulso para o centro da sua
massa, não se acha mais pesada do que outro corpo
simples que a esta composição concorra; que a terra,
por si, não é grave, nem sobe nem desce; e que é a
água que faz a união, densidade, espessura e gravidade.
Nono, da inconsistência da famosa ordem dos
elementos infere-se a razão dos corpos sensíveis com-
postos, que, como tantos animais e mundos, estão no
espaçoso campo que é o ar, o céu, ou o vácuo, onde
estão todos os mundos que não contêm menos animais
e habitantes que este mundo possa conter, atendendo-
que não têm menor eficiência nem outra natureza.
Décimo, depois que se viu como costumam disputar
os pertinazmente facciosos e ignorantes, de intenção
perversa, torna-se manifesto por que modo, pela maior
parte das vezes, costumam concluir as disputas; se bem
que alguns sejam tão circunspectos que, sem se alterarem
nada, com um sorrisinho de escárnio, uma risota, certa
malignidade modesta, naquilo que não querem provar
com razões, que nem eles mesmos entenderiam, preten-
dem, com estes artifícios de desdenhos corteses, não
só encobrir a própria ignorância, que é evidente em
to-das as suas m~estações, mas também lançá-la sobre
o seu antagonista, pois que não vêm disputar para
encontrar ou procurar a verdade, mas para alcançar a
vitória, parecendo mais sábios e estrénuos defensores

[ 13]
da opinião contrária. E, assim, devem ser evitados por
quem não tiver uma boa couraça dt' paciência.

ARGUMENTO DO QUARTO DÚLOGO

No diálogo seguinte, primeiro, repete-se o que


outras vezes se disse, como são infinitos os mundos,
como cada um deles se move, e como é formado.
Segundo. pelo mesmo modo como no segundo diálogo
se desfizeram os raciodnios que opinam contra a massa
infinita ou grandeza do universo, depois que no pri-
meiro, com muitas razões, se determinou o efeito imenso
do imenso vigor e potência, no presente, como no.
terceiro diálogo, afirma-se a multidão infinita de mundos
e destroem-se as muitas razões de Aristóteles contra
aquela, se bem que significados diferentes tenha a palavra
<<mundo» em Aristóteles, Demócrito, Epicuro e outros.
Quanto ao movimento natural e violento, e relativos
raciocínios por ele expendidos, Aristóteles entende que
uma terra se deveria mover para a outra. Ao dissolver
estas persuasões, primeiro, enunciam-se fundamentos
de não pouca importância para descobrir os verdadeiros
principias da filosofia natural; segundo, declara-se que,
embora a SJ.lperfície duma terra fosse contigua à outra,
não aconteceria que as partes duma se pudessem mover
para a outra, isto é, as partes heterogéneas ou disseme-
lhantes, não os átomos e os corpcs simples; o que leva
a examinar melhor a natureza do grave e do leve.
Terceiro, por que motivo estes grandes corpos tenham
sido colocados pela natureza a tanta distância, e não
estejam mais perto uns dos outros, de maneira que se
pudesse passar dum para o outro; c por fim, quem

[ 14]
profundamente observar, vê a razão porque não devem
existir mundos na circunfermcia do éter, ou próximo
do vácuo, onde não existe potência, eficiência e acto,
pois que desse lado não poderiam receber vida e luz.
Quarco, como a distância local pode ou não mudar
a natureza do corpo, e porque é que acontece que posta
uma pedra equidistante de duas terras, ou ficará imóvel
ou detennin.ará mover-se para uma, de preferência à
outra. Quinto, como erra Aristóteles no que entende
por impulso de gravidade ou leveza dum corpo para
outro, embora distantes; e donde procede o desejo das
coisas se quererem conservar no estado presente, apesar
de ignóbil; desejo que é causa de fuga e perseguição.
Sexto, que o movimento rectilineo não convém, nem
pode ser natural na terra, ou noutros corpos principais,
mas nas partes destes corpos que para eles se movem
dos vários e diferentes locais do espaço, sempre que não
estejam muito afastados. Sétimo, os cometas permitem
provar que não é verdade que o grave, conquanto
longínquo, receba impulso ou movimento para o seu
continente; razão esta que corre, não pelos verdadeiros
princípios físicos, mas pelas hipóteses filosóficas de
Aristóteles, que forma e estrutura os cometas com
partes que são vapores e exalações da terra. Oitavo,
a propósito dum outro argumento, demonstra-se como
os corpos simples, que são da mesma espécie noutros
mundos inumeráveis, se movem da mesma maneira;
e como a diversidade do número implica diversidade
de lugares, dado que cada parte tem o seu centro e
refere-se ao meio comum do todo, que não deve ser
procurado no universo. No no, determina-se que os
corpos, e as suas partes, não têm uma posição sob ou
sobre determinada, porquanto es&e lugar é aqui ou acolá.

[ 15]
Décimo, como o movimento é infinito, e como o
móvel tende no infinito a inumeráveis composições;
e que, nem por isso, deriva uma gravidade ou leveza
com velocidade infinita; e que o movimento das partes
próximas não pode ser infinito, enquanto elas conservam
o próprio ser; e que o impulso das partes para o seu
continente, não pode dar-se senão dentro da região
daquele.

ARGUMENTO DO QUINTO DIALOGO

No prindpio do quinto diálogo, apresenta-se uma


personagem dotada de mais feliz engenho, que, embora
nutrida em doutrina contrária, por ter capacidade de.
julgar sobre o que viu e ouviu, pode estabelecer a dife-
rença entre uma e outra opinião, fàcilmente se corrigindo
e remediando. Revela-se quem são os que, mal com-
preendendo Aristóteles, e sendo de baixo engenho,
o louvam como um milagre da natureza. Por isso
devíamos ter dó de tais individuos e fugir à sua disputa,
pois que, com eles, apenas perdemos o nosso tempo.
Aqui Albertino, novo interlocutor, apresenta doze argu-
mentos em que se encerra toda a convicção contrária
à pluralidade e multidão dos mundos. O primeiro
parte da ideia que fora do mundo não há lugar, nem
tempo, nem vácuo; nem corpo simples nem composto;
o segundo, da unidade do motor; o terceiro, dos lugares
dos corpos móveis; o quarto, da distância dos hori-
zontes ao centro; o quinto, da contiguidade de mais
mundos orbiculares; o sexto, dos espaços triangulares
que causam com o seu contacto; o sétimo, do infinito
em acto, que não existe, e dum determinado número

[ 16]
que não é mais lógico do que o outro: desta l2Zio
podemos não só legitimamente, mas com grande vanta-
gem, inferir que o número não deve ser limitado, JDas
infinito. Oitavo, da limitação das coisas natwais, c da
potência passiva das coisas, que não corresponde à
eficácia divina c à pot~cia activa. Há aqui a considerar
que é sobremaneira inconveniente que o primeiro c
altíssimo seja scmclhantc a um que tem capacidade de
tocar harpa, c por defeito da harpa, não toca; ou seja,
um que pode fazer c não faz, pois aquilo que pode
fazer, não pode ser feito por ele. O que est2bclece
uma contradição mais que aberta, que não pode ser
desconhecida, excepto pelos que não conhecem nada.
O nono, da bondade civil, que consiste na conversação.
O décimo, pretende concluir que, pela contiguidade
dum mundo com outro, o movimento de um impede
o movimento do outro; décimo primeiro, que, se
este mundo é completo e perfeito, não há necessidade
que se lhe junte, ou juntem, outro, ou outros.
Estas são as dúvidas e os motivos, cuja solução
encerra tanta doutrina, que basta para descobrir os
.fntimos e radicais erros da filosofia vulgar, e a impor-
tância e oportunidade da nossa. Eis aqui a razão porque
não devemos temer que coisa alguma se desvie, que
nenhuma particula se disperse ou verdadeiramente se
inutilize, ou se espalhe no vácuo, que a desmembre
no aniquilamento. Eis a razão do revezar-se das mutações,
pelas quais não há mal de que se não possa sair, nem bem
em que se não incorra, enquanto pdo espaço infinito,
devido à perpétua mutação, toda a substância permanece
una, e a mesma. Se estivermos atentos a isto, nenhum
acidente estranho nos afastará por dor ou temor, nem
nenhuma fortuna nos distrairá por prazer ou esperança,

[ 171
pelo que conseguiremos a verdadeira via para a verda-
deira moralidade, seremos magnânimos, desprezando
aquilo que só pensamentos pueris apreciam; tornar-nos-
emos certamente maiores do que os deuses que o Vulgo
cego adora, porque seremos os sinceros contempladores
da história da natureza, que está escrita em nós mesmos,
e metódicos executores das leis divinas, que estão escul-
pidas no centro do nosso coração. Saberemos que não
é diferente voar daqui ao céu, ou do céu aqui, não é
diferente subir daqui lá, ou de lá aqui, nem diferente
descer de um ao outro limite; nós não estamos mais
circunferehciais a eles do que eles a nós; eles não estão
mais ao centro em relação a nós do que nós em relação
a eles, nem doutro modo pisamos a estrela, e estamos
mais compreendidos no céu do que eles estão.
Eis-nos, pois, isentos de inveja, eis-nos livres da vã ·
ânsia e do estulto cuidado de almejar, como se estivesse
ao longe, aquele bem que possuímos junto e à volta
de nós. Eis-nos tão livres do grande receio que eles
caiam em cima de nós, como esperançados de oúrmos
sobre eles, porque o mesmo ar infinito que sustém
este globo, sustém aqueles; assim este animal, livre,
movimenta-se pelo seu espaço e ocupa a sua região,
como cada um dos outros nos deles. Considerado e
compreendido tudo isto, oh, quantas coisas mais não
nos será permitido meditar e compreender I Daí, por
meio desta ciência, obteremos certamente o bem, que
pelas outras em vão se procura.
Esta é aquela filosofia que acorda os sentidos,
satisfaz o espírito, nobilita o intelecto, e reduz o homem
à verdadeira felicidade que pode ter como homem, e que
é relativa à sua natureza, porque o liberta do desvelado
cuidado dos prazeres e cego sentimento das dores,

[ 18 1
fazendo-o disfrutar a existência no presente, e temer
menos, ao esperar o futuro; porque a providência,
ou fado, ou sorte, que dispõe das vicissitudes do nosso
ser particular, não quer nem permite que saibamos de
um, mais do que ignoramos do outro, tornando-nos
duvidosos e perplexos à primeira vista, e ao primeiro
contacto. Mas, enquanto consideramos mais profun-
damente o ser, e a substância daquilo em que somos
imutáveis, ficaremos sabendo que não existe a morte,
não só para nós, mas também para qualquer substância;
entretanto, nada diminui substancialmente, mas tudo,
deslizando pelo espaço infinito, muda de aparêncià.
E visto estarmos todos sujeitos a um óptimo eficiente,
não devfamos crer, julgar e esperar outra coisa, senão
que, como tudo vem do bom, assim tudo é bom, por
bom, e para bom; do bem, por bem, e para bem. O con-
trário disto afigura-se Unicamente a quem percebe o
estado presente, como a beleza do ediflcio não se revela
ao que olha uma parte miníma dele, como uma pedra,
um bocado de cal, uma meia parede, mas principalmente
ao que pode ver o conjunto, e que tem capacidade
para fazer comparações entre as partes. Não temamos
que tudo o que está acumulado neste mundo, pela
veemência de qualquer espírito errante, ou pela ira de
qualquer Júpiter fulminador, se derrame fora deste
túmulo ou cúpula do céu, ou como em pó se sacuda
e se disperse fora deste manto estrelado, e que a natureza
possa vir a ser destrufda na sua substância, da mesma
maneira que se desfaz o ar que se nos afigura encerrado
na concavidade de uma bolha; pois conhecemos um
mundo em que uma coisa sucede sempre a outra coisa,
sem que exista uma força última, profunda, I" la qual,
como da mio do artffice, irreparàvelmente se converta

[ 19]
em nada. Não existem termos, limites, margens, mura-
lhas que nos defraudem e roubem a infinita cópia das
coisas. Dai, ser fecunda a terra e o seu mar; dai ser
perpétua a chama do sol, subministrando eternamente
alimento aos fogos vorazes, e humores aos mares empo-
brecidos, porque do infinito nasce sempre nova cópia
de ·matéria. De maneira que, melhor compreenderam
Demócrito e Epicuro, pretendendo que se renove e
reintegre infinitamente, do que aqueles que se esforçam
por salvar a eterna constância do universo, a fim de
que o mesmo número suceda sempre ao mesmo número,
e as mesmas partes da matéria sempre se transformem
nas mesmas partes. Agora, senhores astrólogos, com
a ajuda dos físicos vossos imitadores, providenciai pelos
vossos círculos que descrevem as fantasiadas nove esferas
móveis, nas quais encarcerais o vosso cérebro, de modo
que me pareceis como tantos papagaios engaiolados,
enquanto vos vejo saltitar para aqui, e para acolá, cabrio-
lando e dando voltas entre aqueles. Sabemos que um
tão grande imperador não tem cadeira tão mesquinha,
tão mlsero sólio. tão angusto tribunal, uma corte tão
pouco numerosa, um simulacro tão pequeno e fraco,
que possa ser dado à luz por um fantasma, destroçado
por um sonho, restabelecido por uma mania, disperso
por uma quimera, diminuído por uma desventura, arreba-
tado por um crime, restituido por um pensamento;
que, com um sopro se encha, e com um sorvo se esvazie.
Mas é um grandioso retrato, admirável imagem, excelsa
figura, altíssimo vestígio, representante infinito do infi-
nito representado, e espectáculo conveniente à excelência
e eminência de quem não pode ser percebido, abarcado,
aprendido. Assim se enaltece a excelência de Deus,
se manifesta a grandeza do seu império: não se glorifica

[ 20]
num, mas em inumeráveis sóis; não numa terra, num
mundo, mas num milhão, antes, em infinitos. De sorte
que nlo é vã a faculdade do intelecto, que sempre
quer e pode juntar espaço a espaço, massa a massa,
unidade a unidade, número a número, por meio da
ci~cia que nos solta das cadeias dum angustlssimo
império, para nos promover à liberdade dum império
augustfssimo, que nos tira da pressuposta pobreza e
angústia, para nos dar as inumeráveis riquezas de tanto
espaço, de tão digno campo, de tantos mundos cultos,
evitando que o circulo do horizonte, falso à vista na
terra, e fingido pela fantasia no éter espaçoso, encarcere
o nosso espírito sob a guarda dum Plutão, e a mercê
dum Júpiter. Sejamos livres da tutela dum tão rico
possessor, e ao mesmo tempo parco, sórdido, e avaro
doador, e do sustento de tão fecunda e generosa, mas
depois tão mesquinha e m.Jsera natureza.
Muitos outros são os dignos e honrados frutos que
se recolhem destas árvores, outras as messes preciosas
e apeteclveis que se podem recolher desta semente
esparzida, e que não vamos lembrar, para não espicaçar
mais a cega inveja dos nossos adversários, mas deixemo-
lhes entender pelo seu próprio juizo, àqueles que podem
compreender e julgar. Por eles próprios fàcilmente
poderão, sobre estes alicerces, çonsttuir o ediffcio inteiro
da nossa filosofia, cujos membros reduziremos à tão
almejada perfeição, se assim agradar a quem nos governa
e move, e se não for interrompida a empresa iniciada,
a fim de que, o que está semeado nos diálogos Açerça
tia Cama, elo PrindpitJ e tia Uniáaáe ('),para alguns rebente,
para outros cresça, para outros amadureça, e mercê
duma rara ceifa enriqueça outros, e os satisfaça tanto
quanto possfvel; enquanto, depois de o ter mondado

[ 21]
das ervilhacas e do joio, e de outras ervas daninhas,
poderemos encher o celeiro dos engenhos cultos do
melhor trigo que possa produzir o terreno da nossa
cultura.
Entretanto, embora eu tenha a certeza de que não
há necessidade de o recomendar, não deixarei, contudo,
por fazer parte da minha obrigação, de procurar que
vos seja verdadeiramente recomendado aquele que não
retivestes entre as vossas relações como um homem
de quem tendes necessidade, mas como pessoa que
tem necessidade de vós, por tantas e tais razões que
vedes; ccnsiderando que, por terdes junto de vós tantos
que vos servem, não sois diferente dos plebeus, tesou-
reiros e mercadores, mas por terdes alguém digno de
ser engrandecido, defendido e ajudado, sois, como
sempre o demonstrastes e fostes, semelhante aos prín-
cipes magnânimos, heróis e deuses, que criaram pessoas
como vós para a defesa dos seus amigos. E agora.
permito-me lembrar-vos o que sei que não é preciso
recordar-vos: que não podeis, afinal, ser tão estimado
pelo mundo, e gratificado por Deus, por serdes amado
c respeitado pelos príncipes da terra, por maiores que
sejam, quanto por amar, defender c conservar um
daqueles. Porque não há coisa que vos possam fazer,
os que vos são superiores pela fortuna, muitos dos quais
excedeis em virtude, que venha a durar mais do que
as vossas paredes e tapeçarias; mas vós podeis fazer a
outrem coisa que mereça ser escrita no livro da eterni-
dade, quer seja no que se vê na terra, quer no que nós
pensamos que existe no céu: atendendo que, quanto
recebeis dos outros é testemunho da virtude deles, mas
o muito que fazeis a outrem, é sinal e expresso indício
da vossa virtude. Adeus (').

[22]
NOTAS DA TllA.DUTOllA.

(1) Embaindor do rei Henrique lU, de França. que se


interessou por Giordano Bruno durante a sua estadia em Paris
(1579-1583). O mesmo rei, em virtude dos tumultos políticos,
que surgiram na cidade, facilitou a ida do filósofo para Inglaterra,
concedendo-lhe cartas de apresentação para o seu embaixador,
em cuja casa ficara por «gentil-homem» desde meados de 1583
a 1585. Foi neste pcriodo que deu à estampa na cidade de Londres,
os Diálogos MelaflsittJs, e os Diálogos Morais, embora o texto traga
a iridicação da cidade de V cncza.
(') LucllÉcio, De Rlnun Natwa, T. I, Liv. 1, 968-973;
9n-979.
Em virtude de, aio só a gr.úia, mas até as lições desta versão
citada por Bruno, nio serem aceites pela critica moderna, trans-
crevemos as expressões mais alteradas, c, para completo esclare-
cimento, a tradução francesa (cfr. T. I, Liv. I, Textc établi et
traduit par A. Emout. Paris, «Les Bdles Lettres», 1948).
Leia-se: Praelerea por niminmt; id t1alidis por ilrflalüiis; probeat
ejjidalfJI" por prohibeat offtrialqt~~,· fi(Jn esl a fine proftthllll por non
IS/ Iii jini' projetlo.
Trad., p. 64-65: «D'autrc part, supposons maintenant limité
tout I'espace cxistant; si qudqu'un dans son élan s'avançait jusqu'au
bout de son cxtrême bord, tt que de là il fit voler un trait dans
I'espace; ce trait balancé avcc grande vigueur, preferes-tu qu'il s'en
aille vers son but et s'envole au loin, ou est-tu d'avis qu'il peut y
avoir un obstacle pour interrompre sa coursc?» ... «Car soit qu'un
obstacle cxtérieur empê~e le trait d'atteindre son but et de s'y
loger, soit qu'il puissc poursuivre sa coursc,le point dont il s'élance
n'est pas le terme de l'univers».
(') LucRÉcio, Ob. til., T. I, Liv. I, 998-1001; 1006-1007.
(Vid. nota anterior).
Leia-se: Poslremo ante otulos res rem. .. por ante otulor etenim
rem res.• . ,· áisst~epit ttJ!Iis por áissepit ttJ!kis ,· omnis por omneis ,· partis
por par11is.
Trad., p. 66: e<En.6n les objets que nous avons sous les
yeux se limitent les uns les autres~ l'air sert· de bome aux collines

[23]
et les montagnes à l'air; la terre. déümite la mer et la met a son
tour délimite toutes les terres; mais au deli du tout ii n'y a rien
pour le terminer» .. .. . . . . ...... ...... . .. ..... ...... .. .. . .. .. .. ..... ............ .
«tant ii est vrai que partout s'ouvre aux choses un espace immense
aempt de limites, et se prolongeant dans toutes les dirc:ctionP.
(') Em italiano, no texto. Cfr. De Caelo, in Arislotelis Opera
Omnia Grae&e 11 Latine (Vol. II, p. 367-431). Parisüs, A. Firmin-
-Didot. O fascículo De MUNJo que nas antigas traduções latinas
aparece ligado a De Caelo, não é, segundo a critica filosófica,
da autoria de Aristóteles, pelas infl.u~ncias que revela de doutrinas
·estoicas. Oh. çil., (Vol. III, p. 627-642), Aristotelú De MUNJo
ati Alexanán1111.
( 5) Idem. Cfr. Aristotelis Natura/is AJUndtalionis Libri VIII.
Oh. ât., Vol. II, p. 248-366.
(') Também chamado Nicolau de Cryftz ou Krebs
(1401-1464), nasceu em Cusa (Cues), e doutorou-se em Dirdto
Canónico no Estudo de Pádua, ascendendo a Cardeal da Igreja
em 1448, e a Bispo de Brixen (no Tirol do Sul), em 1450. Várias
vezes citado nestes diálogos.
Predecessor de G. Bruno, nas tentativas de abarcar racional,.
mente o infinito, estabeleceu, através das suas especulações influen-
ciadas pelo platonismo e neo-platonismo, escolástiéa e nominalismo,
a transição filosófica da época medieval para a renascentista, e desta,
para a moderna. Propõe, como vias de acesso ao conhecimento:
os sentidos, a razão, e o intelecto. A contemplação intuitiva
encontra em Deus a Uniátuk suprema, em que se realiza a Coi1uiámtia
oppositor11111. Obras básicas: De Joçta ignoranlia, 1440; e De paçe
foki, 1453.
(1) De la Ca11sa, Prinâpio e Uno, o segundo dos diálogos
componentes da trilogia dos Dialoghi Metaftsiçi. Os outros dois
são: La Cena áe /e Ceneri, o primeiro, e De I' Infinito, Uni11erso 1
Monái, que encerra toda a estrutura das suas concepções cosmo-
lógicas e metafisicas. Embora aparecendo pela ordem indicada,
foram todos publicados em 1584.
( 1) Seguem-se três sonetos, que não traduzimos, em virtude
de em nada enriquecerem o texto, no plano filosófico, e de, além
da sua discutfvel originalidade, já terem sido com algumas varian-
tes, insertos pelo autor noutras das suas obras. Apresentam-se a
titulo meramente documental.

[ 24]
Mio passar solitario, a quelle parti,
A quai drizzaste già l'aito pensiero,
Poggia infinito, poi che fia mestiero
A l'oggetto agguagliar !'industrie e l'arti.
Rinasci là; là su vogli' ailevarti
Gli tuoi vaghi pulcini, ornai ch'il fiero
Destin av'ispedito il corso intiero
Contra l'impresa, onde solea ritrarti.
Vanne da me, che piú nobil ricetto
Bramo ti godi; e arrai per guida un dio,
Che da chi nulla vede e cieco detto.
II ciei ti scampi, e ti sia sempre pio
Ogni nume di questo ampio architetto;
E non tornar a me, se non sei mio.

Uscito de priggione angusta e nera,


Ove tant'anni error stretto m'avinse,
Qua lascio la catena, che mi cinse
La man di mia nemica invid'e fera.
Presentarmi a la notte fosca sera
Oltre non mi potrà, perché chi vinse
II gran Piton, e dei suo sangue tinse
L'acqui dei mar, ha spinta mia Megera.
A te mi volgo c assorgo, alma mia voce:
Ti ringraz.io, mio sol, mia diva luce;
Ti eonsacro il mio cor, eccelsa mano,
Che m'avocaste da quel graffio atrocc,
Ch'a meglior stanze a me ti festi duce,
Ch'il cor attrito mi rendeste sano.

E chi nu tmpenna, e chi mi scalda il core?


Chi non mi fa temer fortuna o morte?
Chi le catene ruppe e quelle porte,
Onde rari son sciolti ed escon fore?
L'etadi, gli anni, i mesi, i giorni e l'ore,
Figlie ed armi dei tempo, e quella corte
A cui né ferro, né diamante e forte,
Assicurato m'han dai suo furore.
Quindi l'ali sicure a l'aria porgo;
Né temo intoppo di cristallo o vetro,
Ma fendo i cieli e a !'infinito m'ergo.
E mentre dai mio globo a gli aitri sorgo,
E per l'eterio campo oltrc penetro :
Quel ch'altri lungi vede, lascio ai tergo.

[ 25]
DIALOGO PRIMEIRO

INTERLOCUTORES

ELPINO, FILÓTEO, FRACASTÓRIO, BúRQUIO ( 1 )

ELP. Como é possível que o universo seja infinito?


FIL. Como é possível que o universo seja finito?
ELP. Julgam que se pode demonstrar essa infini-
dade?
FIL. Julgam que se pode demonstrar essa finidade?
ELP. De que extensão falas?
FIL. E tu de que limites falas?
FRA. Ati rem, aJ rem, si iuvat,· demasiado tempo
nos mantiveste na dúvida.
Búa. Apresenta já alguma argumentação, Filóteo,
pois vou-me divertir imenso ,ao escutar essa fábula ou
fantasia.
FRA. ModesiÍIIS, Búrquio: que dirás, se por fim a
verdade te convencer?
Búa. Ainda que isso seja verdade, não quero
cr~-lo; porque não é possivd que esse infinito possa
ser compreendido pda minha cabeça, nem digerido
pelo meu estômago; embo~ na verdade, eu desejasse
que fosse como diz Filóteo, pois que, se por má sorte

[ 27]
me acontecesse cair fora deste mundo, encontraria sempre
outras terras.
ELP. Decerto, Filóteo, se nós quisermos fazer dos
sentidos juiz, ou dar-lhes a primazia que lhes cabe,
pelo facto de todo o conhecimento provir deles, con-
cluiremos, talvez, que não é fácil encontrar o meio
para chegar ao que tu dizes, de preferência ao contrário.
Agora, se quiseres, começa por fazer-me compreender
alguma coisa.
FIL. Não existe sentido que veja o infinito, nem
sentido a que se possa pedir esta conclusão, porque o
infinito não pode ser objecto dos sentidos; por isso,
quem procurar conhecê-lo por essa ~ é como quem
quisesse ver com os olhos a substância e a essência;
e quem a negasse por não ser sensível, ou visível, viria
a negar a própria substância e o ser. Por conseguinte,
deve haver cautela em recorrer ao testemunho dos
sentidos, que só admitimos em relação a coisas sensíveis,
e ainda com certa dúvida, se não concorrerem, juntamente
com a razão, para o juizo. Ao intelecto compete julgar
e dar razão das coisas a&stadas no tempo e no espaço.
Quanto a isto, é bastante elucidativo e testemunho sufi-
ciente, o facto de os sentidos não terem força para nos
contradizer, e ainda mais, evidenciando e confessando
e sua debilidade e insuficiência na aparência de fi.nitude
causada pelos limites do seu horizonte; e até nisto se
vê a sua inconstância. Ora, como temos por experiência
que eles nos enganam, com respeito à superflcie deste
globo em que nos encontramos, muito mais deveríamos
suspeitar deles, no que respeita ao termo que nos fazem
compreender na concavidade estrelada (S).
ELP. Diz-me entio: para que nos servem os
sentidos?

[ 28]
FIL. Somente para excitar a razão; para, em parte,
tomar conhecimento, indicar e testemunhar, não para
testemunhar tudo; não servem para julgar, nem conde-
nar. Porque, nunca, por mais perfeitos que sejam, são
isentos de alguma perturbação. Por conseguinte, a ver-
dade em mínima parte brota desse débil prindpio,
que são os sentid'.>S, mas não reside neles.
ELP. Onde está, então?
FIL. No. objecto sensível, como num espelho;
na razão, sob o aspecto de nrgumentação e discurso;
no intelecto, sob o aspecto de principio ou conclusão;
na mente, como forma própria e viva.
ELP. Vamos, procede com os teus argumentos.
FIL. Assim farei. Se o mundo é finito, e fora do
mundo está o nada, pergunto-te: onde está o mundo?
Onde está o universo? Responde Aristóteles: está em
si próprio. O convexo do primeiro céu é lugar universal;
e ele, como primeiro continente, não está noutro conti-
nente, porque o lugar não é senão superflcie e extremi-
dade de um corpo continente; daf, o que não tem corpo
continente, não tem lugar. Ora, que queres tu dizer
com isto, Aristóteles, que «O lugar está em si próprio?»
Que queres tu concluir com essa «coisa existente fora
do mundo?» Se dizes que está ai o nada: o céu, o mundo,
não estarão certamente em part~ alguma ...
FRA. Nlll/ibi ergo erit mmulm. 01llflt ent ~~ nihik.
FIL. O mundo será algo que não se encontra em
parte alguma. Se dizes (pois tenho a certeza que queres
afirmar a existência de qualquer coisa, para fugir ao
vácuo e ao nada) que fora do mundo há um ente inte-
lectual e divino, Deus, que vem a ser lugar de todas
as coisas, tu mesmo ver-te-ás muito atrapalhado para
fazeres compreender como uma coisa incorpórea, inteli-

[ 29]
gívd e sem dimensões, possa ser lugar de coisas extensas.
Se dizes que as compreende como uma forma, pelo
mesmo modo que a alma compreende o corpo, não
respondes à questão do estar fora, nem à pergunta do
que se encontra para além e fora do universo. E se te
queres justificar com dizer que onde está o nada, e onde
não está coisa alguma, tão-pouco não existe lugar nem
para além, nem fora, não me satisfarás com isso; porque
são palavras e desculpas que não se podem realmente
pensar. Pois é absolutamente impossfvd que, com
qualquer juízo ou fantasia (mesmo que outros jufzos
e outras fantasias surgissem), me possas levar a afirmar,
com real intenção, que se encontra tal superficie, tal
limite, tal extremidade, para além da qual nem existe.
corpo nem vácuo; mesmo que ali estivesse Deus, pois
não é tarefa da divindade encher o vazio, nem por
consequência pode de modo algum, sendo incorpórea,
delimitar o corpóreo, porque tudo o que se diz terminar,
ou é forma exterior, ou é corpo continente, e de qualquer
modo que o quisesses afirmar, serias julgado menos-
prezador da dignidade da natureza divina e universal.
BúR. Na verdade, creio que seria necessário dizer-
-lhe que se uma pessoa estendesse a mão para além
daquele convexo, ela não estaria num lugar, nem em
parte alguma, e por consequência não existiria.
FIL. Acrescento, também, que não há engenho
que não perceba ser uma ~licita contradiçio e5t2
a.tidnação peripatética. AristóteleS definiu o lugar {8)
- .
nao como corpo cont1nente, - ~
nao como certo espaço, mas
como uma superficie do corpo continente; acontecendo
que o pritneiro, principal e máximo lugar, é aqude ao
qual menos convém- ou por nada convém- tal defi-
niçio. Trata-se da superficie convexa do primeiro nióvd

[ 301
que é superfície de um corpo, e de tal corpo, que somente
contém e não é contido. Ota, pata que essa superficie
seja lugar, não se exige que seja de corpo contido, mas
sim de corpo continente. Se é superficie de corpo
continente e não está junto, e continuada no corpo
contido, é um lugar sem lugar, atendendo que o primeiro
céu não pode ser lugar, senão pela sua superflcie côncava
que toca a convexa do segundo. Eis como aquela
definição é vã, confusa e destruidora de si própria.
A tal confusão se chega pelo inconveniente de se pre-
tender que fora do céu esteja o nada.
ELP. Dirão os peripatéticos que o primeiro céu é
corpo continente pela superflcie côncava, e não pela
convexa, e por ela é lugar.
FRA. E eu acrescento que se encontra, pois, super-
fície de corpo continente, que não é lugar.
FIL. Em suma, indo directamente ao assunto,
parece-me ridículo dizer-se que fora do céu está o nada,
que o céu está em si próprio, localizado por acidente,
e é lugar por acidente, ides/ com respeito às suas partes.
E seja como for que se interprete o seu <<por addente>>,
não se pode fugir a que se faça de um, dois; porque
sempre é uma coisa o continente, e outta o conteúdo,
e. tanto assim é, que pata ele próprio o continente é
incorpóreo, e o conteúdo é corpc o continente é imóvel,
o conteúdo móvel; o continente matemático, o conteúdo
flsico. Ota, seja essa superfície o que se quiser, nunca
me cansarei de perguntar: o que é que está para além
dela? Se se responde que está o nada, então direi ser
o vácuo, o inane, e um tal vácuo, um tal inane que não
tem limite nem qualquer termo ulterior, tendo porém
limite e fim no lado de cá. É mais difícil imaginar isto
que pensar ser o universo infinito e imenso, porque

[ 31 ]
não podemos fugir ao vácuo se quisermos admitir o
universo finito. Vejamos agora, se é possível que exista
o tal espaço em que nada está. Neste espaço infinito
encontra-se este universo (por acaso, ou por necessidade,
ou providência, por enquanto não nos interessa). Per-
gunto se este espaço, que contém o mundo, tem maior
faculdade de conter um mundo do que outro espaço
qualquer, existente mais além.
FRA. Decerto, parece-me que não, porque onde
está o nada, não há diferenças; onde não há diferenças,
não há faculdades diferentes; e talvez não exista faculdade
alguma onde não existe nenhuma coisa.
ELP. Nem tão-pouco falta de faculdade. E, das
duas, de preferência aquela do que esta.
FIL. Dizes bem. Eu digo que, como o vácuo e
inane (que necessàriamente resulta desta afirmação peri-
patética) não tem faculdade alguma para receber, muito
menos a deve ter para repelir o mundo. Mas, destas
duas faculdades, uma vêmo-la em acto, a outra não a
podemos ver, de facto, senão com os olhos da razão.
Como neste espaço, igual à grandeza do mundo (que
os platónicos chamam matéria), está este mundo, assim
um outro pode estar naquele espaço e em inumeráveis
espaços para além deste, iguais a este.
FRA. Com certeza, podemos julgar com mais segu-
rança conforme o que vemos e conhecemos, do que
contràriamente àquilo que vemos e conhecemos. E pois
que, a nosso ver e segundo a nossa experiência, o universo
não se acaba nem termina no vácuo e inane, e posto
que não há disso conhecimento, logicamente deveríamos
concluir que assim é, porque, quando todas as razões
estivessem de acordo, nós vedamos que a experiência
é contrária ao vácuo, e não ao pleno. Falando assim,

[ 32]
ficaremos sempre desculpados; mas falando doutro
modo, não fugiremos com facilidade a mil acusações e
inconvenientes. Continua, Filóteo.
FIL. Portanto, do lado do espaço infinito, sabemos
com certeza que há a faculdade de recebe% o corpo,
e nada mais. De qualquer modo, bastar-me-á consider.u
que não lhe repugna recebê-lo, ao menos por esta razão:
onde está o nada, nada existe mais além que impeça
e constitua limite. Resta agora ver se é de admitir que
todo o espaço seja pleno ou não. E aqui, se co~ide­
rarmos tanto o que este pode ser, como o que pode
fazer, sempre havemos de ver que não é lógico, mas
necessário, que seja pleno. E, para evid~ciá-lo, per-
gunt~te se é bom que este mundo exista.
BLP. Muito bom.
FIL. Logo é bom que este espaço, igual à dimensão
do mundo (a que quero chamar vácuo, semelhante e
indistinto do espaço que tu dirias ser o nada, para além
da convexidade do primeiro céu) seja do mesmo modo
pleno.
ELP. Pois é.
FIL. Além disso, pergunto: acreditas que, assim
como neste espaço se encontra esta máquina chamada
mundo, a mesma teria podido ou poderia estar noutro
espaço deste inane?
ELP. Direi que sim, se bem que não veja como
no nada, no vácuo, se possam estabelecer diferenças.
FRA. Eu estou certo que vês, mas não o ousas afir-
mar, porque já te apercebeste onde- nós te queremos levar.
ELP. Afirma-lo seguramente; pois que é neces-
sário dizer e compreender que este mundo está num
espaço, que seria indistinto daquele .que está para além
do vosso primeiro móvel, se o mundo não existisse.
FRA. Continua.
FIL. Portanto, assim como este espaço pode, tem
podido, e é necessàriamente perfeito pela continência
deste corpo universal, como dizes, assim todo o outro
espa~o pode, e tem podido ser perfeito.
ELP. Concordo; e com isto? Pode existir e pode
estar. Existe, portanto? Está?
FIL. Levar-te-ci, se estiveres disposto a confessá-lo
francamente, a dizer que pode existir, que deve existir,
e que existe. Porque, como seria mal que este ·espaço
não fosse pleno, isto é, que este mundo não existisse,
não o seria menos, se todo o espaço não fosse pleno,
em virtude da sua igualdade; e por consequência,
o universo será de dimensão infinita, e os mundos
inumeráveis.
ELP. Qual a razão porque devem ser tantos, e não
basta um?
FIL. Porque, se é mau que este mundo não exista,
ou que este pleno não se encontre, sê-lo-á com respeito
a este espaço, ou a outro igual a este?
ELP. Digo que é mal com respeito ao que está
neste espaço, pois de igual modo poderia estar noutro
igual a este.
FIL. Se bem considerarmos, vem a ser o mesmo:
porque a bondade do ser corpóreo que existe neste
espaço, como poderia existir noutro equivalente, é pro-
porcional à bondade própria e à perfeição que podem
existir em tanto e tal espaço, quanto é este, ou outro
igual a este, e não àquelas que podem existir em outros
e inúmeros espaços semelhantes a este. Tanto mais
que, se há razão para que exista um bem finito, um
perfeito terminado, há também razão para que exista
um bem infinito, porquanto, onde o bem finito existe

[ 34]
por conveniência e razão, o infinito existe por absoluta
necessidade.
ELP. O bem infinito certamente existe, mas é
incorpóreo.
FIL. Nisto estamos de acordo, quanto ao infinito
incorpóreo. Mas o que obsta a que o bem não seja
de admitir como ente corpóreo infinito? Ou que nos
impede ·de pensar que o infinito, implicito no simplicis-
simo e único primeiro principio, se explana neste seu
simulacro infinito e ilimitado, capaz de conter inume-
ráveis mundos, em vez de se exprimir em tão estreitos
limites que pareça vitupério o não pensar que este corpo,
que se nos apresenta como grandioso e vasto, em relação
à divina presença não seja senão uril ponto, um nada?
ELP. Como a grandeza de Deus de modo algum
consiste na dimensão corpórea (escuso dizer que o
mundo nada lhe acrescenta), não devemos pensar que
a grandeza do seu simulacro consiste na maior ou menor
grandeza de dimensões.
FIL. Falaste muito bem, mas não respondeste ao
ponto essencial do meu argumento, porque eu não
exijo o espaço infinito, pois a natureza não tem espaço
infinito pelo valor da dimensão e da massa corpórea,
mas pelo valor das naturezas e espécies corpóreas;
porque a excelência infinita se apresenta incompa-
ràvelmente melhor em inumeráveis indivíduos do que
em finitos numeráveis. Por isso, é necessário que seja
infinito o simulacro dum vulto divino inacessivd, no
qual, como membros infinitos, se encontrem mundos
inumeráveis como são os outros. Assim, como inume-
ráveis .graus de perfeição devem explicar a excelência
divina incorpórea, por modo corpóreo, devem existir
inumeráveis individuos, que são estes grandes animais

[ 351
(um dos quais é esta tena, mãe generosa que nos deu
à luz, nos alimenta e qualquer dia retomará) e, para os
conter~ é necessário um espaço infinito. É igualmente
bom que existam, e bem podem existir, inumeráveis
mundos semelhantes a este, da mesma maneira que
este tem podido existir, pode existir, e é bom que exista.
ELP. Diremos que este mundo finito, com estes
astros finitos, compreende a perfeição de todas as coisas.
FIL. Podes dizê-lo, mas não prová-lo: porque o
mundo, que está neste espaço finito, compreende a
perfeição de todas as coisas finitas que estão no mesmo
espaço, mas não das infinitas que existir possam noutros
espaços inumeráveis.
FRA. Por favor, paremos aqui, e não façamos como
os sofistas que disputam para vencer, e, enquanto pro-
curam alcançar o triunfo, vedam a si próprios, e aos
outros, a compreensão da verdade. Ora, creio que não
existe alguém tão teimoso e pérfido, que, acerca da
questão do espaço que pode infinitamente compreender,
e acerca da questão da bondade individual e numeral
dos mundos infinitos que possam ser compreendidos,
exactamente como este único que conhecemos, queira
deslealmente negar que cada um deles tenha justa razão
para existir, pois que o espaço infinito tem infinita
potência, e nela se louva o acto infinito da existência;
pelo que não se julga deficiente o eficiente infinito, cuja
potência não é vã. Portanto, Elpino, contenta-te com
escutares outras razões, se ocorrerem a Filóteo.
ELP. A falar verdade, vejo bem que dizer o mundo
ilimitado, como tu dizes o universo~ não traz incon-
veniente algum, e até vem libertar-nos de inúmeras
angústias em que estamos envolvidos, ao afirmarmos
o contrário. Bem sei que muitas vezes, com os peripa-

[ 36]
téticos, nos acontece ter que dizer coisas que não têm
fundamento algum sob o nosso ponto de vista; como,
depois de termos negado o vácuo, tanto fora como
dentro do universo, pretendêssemos, todavia, responder
à questão, onde está o universo, e afirmar que está
nas suas partes, por recear afirmar que não está em lugar
algum; como dizer: nullibi, nusquam. Mas é evidente
que .de tal modo é forçoso dizer que as partes se encon-
tram num lugar qualquer, e o universo não existe em
lugar e espaço algum; o que, como se vê, não tem funda-
mento racional, mas significa expressamente uma fuga
pertinaz para não confessar a verdade, admitindo o
mundo e o universo infinitos, ou o espaço infinito;
posições estas, que conduzem a dupla confusão quem
as sustentar. Daf, eu afirmar que, se o todo é um corpo,
e corpo esférico, por consequência figurado e limitado,
é necessário que seja limitado no espaço infinito; e temos
de conceder que é verdadeiramente o vácuo, se quisermos
dizer que af está o nada; e se de facto existe o vácuo,
deve poder conter mundos, nada menos do que esta
parte onde vemos ficar este mundo; se não existe, deve
ser o pleno, e consequentemente o universo é infinito.
E não é conclusão menos estulta a de afirmar estar o
mundo alüubi, dizendo que fora dde está o nada, e que
ai está nas suas partes, da que se alguém dissesse que
Elpino está alüubi, porque a sua mão está no seu braço,
os olhos no rosto, o pé na perna, a cabeça no busto.
Mas para chegar à conclusão e não me portar como um
sofista, firmando o pé na dificuldade aparente, e gastando
o tempo em palavreado, afirmo o que não posso negar:
isto é, que no espaço infinito poderiam existir infinitos
mundos semdhantes a este, ou que este universo podia
estender a sua capacidade de compreensão a muitos

[ 37]
corpos como estes, denominados astros; e ainda, que
(semelhantes ou dissemelhantes que estes mundos sejam)
a existência não se ajustaria mais a um do que a outro,
porque a existência deste não tem menor razão que a
existência daqude, e também não a tem menor o ser
de muitos que o ser de cada um, e a existência de infi-
nitos que a de muitos. Por isso, como a extinção e o
não ser deste mundo, seriam um mal, assim não seria
bom o não ser de outros inumeráveis.
FRA. Explicaste-te muito bem, e mostraste com-
preender bem os raciocínios e não ser sofista, porque
aceitas o que se não pode negar.
ELP. Todavia, gostava de ouvir o que resta acerca
das razões de principio e causa eterna eficiente: se com
esta se harmoniza um efeito de tal modo infinito, e se
de facto existe tal efeito.
FIL. Era isso que eu devia acrescentar. Porque,
depois de ter dito que o universo deve ser infinito,
pela capacidade e faculdade do espaço infinito, e pela
possibilidade e conveniência da existência de inume-
ráveis mundos como este, resta agora prová-lo pelas
circunstâncias do eficiente, que de tal modo o deve
ter produzido, ou mais rigorosamente, o produzem
sempre assim, e pelas condições do nosso modo de
interpretar. Podemos mais fàcilmente argumentar que
o espaço .infinito é semelhante a este que vemos, do
que argumentar que seja como o não vemos, nem por
exemplo, nem por comparação, nem por proporção,
nem tão-pouco por qualquer imaginação que por fim
não se destrua a si própria. Ora, para começar: porque
queremos ou podemos pensar que .a potência divina
seja ociosa? Porque ptctendemos afirmar que a bondade
divina, que se pode comunicar às coisas infinitas e difundir

[ 38]
infinitamente, prefira ser escassa e quase reduzida a um
nada, visto que toda a coisa finita é nada, em relação
ao infinito? Porque pretender que o centro da divindade,
que infinitamente se pode amplificar numa esfera infinita
(se assim se pode dizer), prefira ficar estéril, como fnvido,
a tomar-se comunicável, pai fecundo, gracioso e belo?
Prefira comunicar-se de forma diminuta, ou, para melhor
dizer, não se comunicar, do que fazê-lo segundo a razão
do seu ser e da sua gloriosa potência? Porque frustrar
a capacidade infinita, defraudar a possibilidade dos
mundos infinitos que possam existir, prejudicar a exce-
lência da divina imagem, que devia antes resplandecer
num espelho ilimitado, segundo o seu modo de ser
infinito e imenso? Porque afirmar uma coisa que, a ser
admitida, tantos inconvenientes arrasta consigo, e sem
de modo algum favoreeer leis, religião, crença ou mora-
lidade, destrói tantos prindpios de filosofia? E como
queres tu que Deus seja limitado quanto à potência,
quanto à operação e ao efeito (que nele são a mesma
coisa), e como termo do convexo duma esfera, e não
- se assim se pode dizer- como termo sem termo,
de coisa ilimitada? Termo, digo, sem termos, por ser
a infinidade dum diferente da infinidade do outro, pois
que Deus é todo o infinito impllcita e totalmente,
enquanto o universo está todo em tudo (se de qualquer
modo se pode afirmar a totalidade onde não existe parte
nem fim), expllcitamente, e não totalmente. Portanto, um
configura-se como termo, outro como terminado, · não já
pela diferença que existe entre finito e infinito, mas pela
razão que um é infinito e o outro pende para a finidade,
devido a existir completo e totalmente em tudo aquilo
que, embora seja todo infinito, não é, porém, totalmente
infinito, pois que isso repugna à infinidade dimensional.

[ 39]
ELP. Eu desejava compreender isto melhor. Por
isso, peço-te o favor de esclarecer mais o que dizes
existir todo, e totalmente em tudo, e todo, em todo
o infinito e totalmente infinito.
FIL. Digo que o universo é «todo infinito» porque
não tem limite, tenno ou superfície, mas não digo que
é «totalmente infinito», porque cada parte que dele
possamos tomar é finita, sendo também finito cada um
dos mundos inumeráveis que contém. Digo que Deus é
«todo infinito», porque exclui de si qualquer termo,
e cada um dos seus atributos é uno e infinito; ê digo
Deus «totalmente infinito», porque está inteiramente
em todo o mundo, e em cada uma das suas partes, infinita
e totalmente; ao contrário da infinidade do universo,
que existe totalmente no todo, e não nas partes (se se
podem chamar <<partes~, referindo-se ao infinito) que
nele podemos compreender.
ELP. Estou a entender. Continua.
FIL. Logo, por todas as razões segundo as quais
se diz ser conveniente, bom e necessário este mundo,
entendido como finito, se deve também afirmar serem
convenientes e bons todos os outros inumeráveis, a que,
pela mesma razão, a omnipotência concede a exist~cia;
e sem os quais da- por não querer ou por não poder-,
viria a ser criticada por deixar um vácuo, ou se não
queres dizer vácuo, um espaço infinito; pelo que, não
só seria subtraída a infinita perfeição ao ente, mas também
a infinita majestade actual ao eficiente, nas coisas feitas
se são feitas, ou dependentes se são eternas. Que razão
nos convence que um agente, podendo fazer um bom
infinito, o faça finito? E se o faz finito, porque devemos
acreditar que o pode fazer infinito, sendo nele a mesma
coisa, o poder e o fazer? Porque, se é imutável, não

[ 40]
há contingência nem na operação nem na eficácia, mas
de determinada e certa eficácia depende imutàvelmente
determinado e certo efeito; daí não poder ser outra coisa
senão aquilo que é, nem poder ser aquilo que não é;
nem pode ser senão aquilo que pode, não pode querer
outra coisa senão aquilo que quer, e necessàriamente
não pode fazer outra coisa senão aquilo que faz; pois
é próprio somente das coisas transitórias ter a potência
distinta do acto.
FRA. Decerto, não é sujeito de possibilidade cu de
potência o que nunca existiu, não existe nem nunca
existirá; e, na verdade, se o primeiro eficiente não pode
querer outra coisa senão o que quer, também não pode
fazer coisa diferente da que faz. Não vejo, pois, como
alguns entendem o que afirmam acerca da potência
activa infinita, a que não corresponde potência passiva
infinita, pretendendo que Deus, que no infinito e imenso
pode fazer inumeráveis, faça apenas um e finito, tendo
a sua acção o atributo de necessidade, pois procede
de tal vontade que, por ser imutabillssima, antes, a própria
imutabilidade, é ainda a própria necessidade; logo, são
a mesma coisa liberdade, vontade, necessidade, e ainda
o fazer, querer, poder e ser.
FIL. Tu concordaste e disseste muito bem. Por-
tanto, é necessário afirmar de duas, uma: ou que o
eficiente, podendo dele depender o efeito infinito, é reco-
nhecido como causa e principio dum universo imenso,
que contém mundos inumeráveis, não surgindo daqui
qualquer inconveniente, antes, tudo a propósito e segundo
a ciência, as leis e a fé; ou que, dependendo dele um
universo finito, com estes mundos (que são os astros)
de número limitado, lhe seja atribuída uma potên-
cia activa finita e limitada, como é finito e limitado

[ 41 ]
o acto; pois que, tal é o acto, tal é a vontade e a
potência.
FRA. Completando, eu formulo um par de silo-
gismos: - O primeiro eficiente, se quisesse fazer coisa
diferente da que quer fazer, poderia fazer coisa diferente
da que faz; mas não . pode querer fazer senão aquilo
que quer fazer; logo, não pode fazer senão o que faz.
Portanto, quem disser o efeito finito põe a operação
e a potência finita. Ainda (que vem a ser o mesmo):
o primeiro eficiente não pode fazer senão o que quer
fazer; não quer fazer senão o que faz; logo, não pode
fazer senão o que faz. Por conseguinte, quem nega o
efeito infinito nega a potência infinita.
FIL. Estes silogismos, se não são simples, são
demonstrativos. É, todavia, louvável, que alguns dignos
teólogos não os· admitam; porque, considerando justa-
mente, sabem que os povos rudes e ignorantes vêm,
com esta necessidade, a não poder conceber como podem
existir a eleição, a dignidade e os méritos de justiça;
por isso, confiados ou desesperados, com respeito a
certo destino, são necessàriamente capazes de grandes
crimes. Como às vezes certos corruptores de leis, crenças
e religião, querendo parecer sábios, corromperam · tantos
povos,. tomandCH>s mais bárbaros e criminosos do que
eram, desprezando o bem fazer, peritos em todos os
vicios e velhacarias, por causa das conclusões que tiram
de tais premissas. Por isso, a afirmação contrária não
é para os sábios tão escandalosa e detractora da grandeza
e excelência divina, quanto a verdade é perniciosa à civil
conversação e contrária ao fim das leis; não por ser a ver-
dade, mas por ser mal compreendida, tanto por aqueles
que malignamente a manejam, como por aqueles que não
são capazes de a compreender, sem prejuízo dos costumes.

[ 42]
FRA. f: verdade. Jamais se encontrou filósofo,
sábio ou homem de bem que, sob qualquer pretexto,
quisesse tirar de tal proposição a necessidade dos actos
humanos, destruindo o livre arbítrio. Como, entre
outros, Platão e Aristóteles, que, pelo facto de consi-
derarem em Deus a necessidade e imutabilidade, não
deixaram de considerar a liberdade moral e a nossa
faculdade de deliberar, pois que sabem e podem com-
preender bem como esta necessidade e esta liberdade
são compatíveis. Contudo, alguns dos verdadeiros padres
e pastores de povos, suprimem talvez esta conclusão,
ou outra semelhante, p~ não favorecerem os _criminosos
e mistificadores, inimigos da civilização e do progresso
geral, a tirarem conclusões perigosas, abusando da simpli-
cidade e ignorância daqueles que compreendem a verdade
com dificuldade, e têm uma grande disposição para se
inclinarem ao mal. E fàcilmente nos perdoarão por
usarmos proposições verdadeiras, de que não preten-
demos inferir senão a verdade da natureza, e a excelência
do seu autor, e que não apr~sentamos ao vulgo, mas
só aos sábios que podem aproximar-se da compreensão
dos nossos discursos. Infere-se deste principio que os
teólogos, tão sábios como religiosos, jamais prejudicaram
a liberdade dos filósofos, e os verdadeiros, esclarecidos
e polidos filósofos, sempre favoreceram as religiões;
pois que, tanto uns como outros, sabem que a fé se
requer para a educação dos povos rudes, que devem
ser governados, e demonstração se requer para os ilumi-
nados, que se sabem governar a si próprios e aos outros.
ELP. Já se disse bastante acerca deste argumento.
Volta de novo ao assunto.
FIL. Para concluirmos aquilo que pretendemos,
digo que, se no primeiro eficiente existe potência infinita.

[ 43]
existe também operação, da qual depende o universo
de grandeza. infinita e um número infinito de mundos.
ELP. O que disseste é bastante persuasivo, se é
que não contém mesmo a verdade. Todavia, eu afir-
marei ser verdadeiro o que agora me parece apenas
muito verosfmil, se me puderes esclarecer a respeito
de um importantíssimo argumento, segundo o qual
Aristóteles ficou reduzido a negar a potência divina
intensiva, se bem que a concedesse extensivamente.
A razão da sua negação era que, sendo em Deus potência
e acto a mesma coisa, e podendo assim mover infinita-
mente, moveria infinitamente com vigor infinito; se isto
fosse verdade, seria o céu movido num instante, pois
que, se o motor mais - forte move mais velozmente,
o fortíssimo move velodssimamente, e o infinitamente
forte, instantâneamente. A razão da afirmação era que
Deus move regular e eternamente o primeiro móvel,
segundo a razão e a medida com que o move. Vês,
portanto, por que motivo lhe atribui infinidade extensiva
e intensiva, mas não infinidade absoluta. Daf, pretendo
concluir que, assim como a sua potência infinitamente
motriz é contrafda no acto do movimento, segundo
velocidade finita, assim a mesma potência que faz o
imenso e os inumeráveis, é limitada pela sua vontade
ao finito e aos numeráveis. Quase o mesmo pretendem
alguns teólogos, que, além de concederem a infinidade
extensiva, que perpetua sucessivamente o movimento
do universo, requerem também a infinidade intensiva,
com que pode fazer mundos inumeráveis, mover mundos
inumeráveis, movendo simultâneamente num instante
cada um deles, e todos eles; todavia, assim moderou
com a sua vontade a quantidade da multidão de mundos
inumeráveis, como a qualidade do movimento inten-

[ 44]
s1ssuno. Dai, como este movimento, não obstante pro-
ceder de potência infinita, é conhecido como finito,
assim fàcilmente se pode crer determinado o número
de corpos mundanos.
FIL. Na verdade, o argumento tem mais persuasão
e aparência que qualquer outro possa ter, e a sua essência
evidencia-se suficientemente, dizendo que se pretende
que a vontade divina é reguladora, modificadora e limi-
tadora da divina potência. Surgem dai inúmeros incon-
venientes, pelo menos segundo a filosofia; ponho de
parte os princípios teologais que, todavia, não admitirão
que seja mais a divina potr ncia que a divina vontade,
ou bondade, e, em geral, que um atributo se ajuste à
divindade com mais razão do que qualquer outro.
ELP. Então, porque falam dessa maneira, se não
interpretam assim?
FIL. Por carência de termos e de resoluções eficazes.
ELP. Pois tu, que tens princípios pessoais pelos
quais afirmas um, isto é, que a potência divina é infinita
intensiva e extensivamente, e que o acto não é distinto da
potência, e por isso o universo é infinito e os mundos inu-
meriveis; e não negas o outro, que de facto cada um dos
astros ou céus, como te aprouver chamar, é movido no
tempo e não no instante, demonstra com que termos e com
que resoluções salvas a tua convicção, ou excluis as outras
que, em conclusão, julgam o contrário do que tu julgas.
FIL. Para a solução do que procuras resolver,
deves primeiro considerar que, se o universo é infinito
e imóvel, não há necessidade de procurar o seu motor.
Segundo, que sendo infinitos os mundos nele contidos,
tais como as terras, os fogos e outras espécies de corpos
chamados astros, todos se movem pelo princípio interno
que é a própria alma, como noutro lugar provámos (•);

[ 4-5 ]
por isso é escusado andar a investigar o seu motor extrín-
seco. Terceiro, que estes corpos mundanos se movem
na região etérea e não estão pendurados ou pregados
a qualquer corpo, assim como esta ~ que sendo um
ddes, não está fixa em parte alguma; a qual demons-
trámos girar à volta do próprio centro e em tomo do sol,
movida pelo instinto animal interno. Enunciadas tais adver-
tências, segundo os nossos prindpios, não somos obri-
gados a demonstrar o movimento activo, nem o passivo
duma eficiência infinita, intensiva, pois que são infinitos
o móvel e o motor, e a alma movente e o corpo movido
concorrem num sujeito finito, isto é, em cada um dos ditos
astros mundanos. Tanto assim, que o primeiro principio
não é o que move; mas, quieto e imóvd, proporciona o
movimento a infinitos e inumeráveis mundos, grandes e
pequenos animais postos naamplíssimaregiãodouniverso,
tendo cada um ddes, segundo a condição da própria efi-
ciência, a razão da mobilidade, mudança e outros acidentes.
ELP. A tua posição ideológica é muito forte,
mas nem por isso derrubas o ediflcio das opiniões con-
trárias, que têm ·por famoso e como pressuposto que
o óptimo máximo move tudo. Tu dizes que propor-
ciona o poder mover-se a tudo o que se move, e, contudo,
o movimento sucede segundo a eficiência do motor
próximo. Em verdade, o que tu dizes parece-me prefe-
rivd à opinião comum, por ser mais lógico; todavia
- pelo que costumas afirmar acerca da alma do mundo
e da essência divina que está toda em tudo, enche tudo, e
é mais intrínseca às coisas do que a própria essência delas,
pois que é a essência das essências, vida das vidas, alma
das almas -. parece-me que tanto podemos dizer que
de move tudo, como dá a todas as coisas a possibilidade
de se moverem. Por isso permanece a dúvida já expressa.

[46]
FIL. Neste assunto posso convencer-te fàcilmente.
Digo-te, pois, que nas coisas há a contemplar, se assim
o queres, dois prindpios activos do movimento: um,
finito, segundo a razio do sujeito finito; este move no
tempo. O outro, infinito, segundo a razio da alma do
mundo, ou seja da divindade, que é como alma da alma,
que está toda em tudo, e faz que a alma exista toda em
tudo; e este move no instante. Portanto, a terra tem
dois movimentos. Assim, todos os corpos que se movem
têm dois prindpios de movimento, sendo o principio
infinito o que simultâneamente move e moveu; por
essa razio, o corpo móvd não é menos estabillssimo
que mobillssimo. Como se verificà na presente figura
(Fig. 1), que representa a terra, que é movida no instante,
porquanto tem motor de eficiên-
A cia infinita. Ela, movendo-se
com o centro de A para E,
I e voltando de E para A, reali-
zando-se isto num instante, está
simultâneamente em A e E, e
em todos os lugares intermé-
dios; por isso partiu e chegou
simultâneamente; acontecendo
sempre assim, advém que está
K sempre estabillssima. Idêntica-
mente, quanto ao seu movi-
mento à volta do centro, em
E que I é o seu oriente, V o
FIG. 1
meio-dia, o ocidente K, e meia-
-noite O. Cada um destes pontos circula em virtude
de impulso infinito; e cada um deles partiu e voltou
simultâneamente; por conseguinte, está sempre fixo,
está onde estava. De forma que, em conclusão, serem

[ 47]
estes corpos movidos por eficiência .infinita é o mesmo
que não serem movidos; porque num instante, mover
e não mover, é uma e a mesma coisa. Permanece,
portanto, o outro principio activo do movimento, que
deriva da eficiência intrlnseca, e por conseguinte existe
no tempo, numa certa sucessão; e este movimento
é distinto da quietude. Eis, pois, como podemos dizer
que Deus move o todo, eis como devemos entender que
dá a possibilidade de se mover a tudo o que se move.
ELP. Agora, que tão alta e eficazmente me tiraste
desta dificuldade, eu cedo completamente ao teu juízo,
e espero de futuro receber sempre de ti semelhantes
soluções; porque, se bem que até agora em poucas coisas
te tivesse interrogado e experimentado, aprendi e concebi.
todavia, bastantes coisas, e espero ainda mais proveito,
porque, apesar de não ver plenamente o teu ânimo,
vejo pelo raio que difunde, que dentro encerra um sol,
ou uma fonte de luz ainda maior. E de hoje em diante,
não com a esperança de superar a tua capacidade, mas
com a mira de oferecer ocasião às tuas ducidações,
voltarei a apresentar-te dúvidas, se te dignares fazer-te
encontrar neste lugar, à mesma hora, tantos dias quantos
bastarem para ouvir e compreender o suficiente para
acalmar o espírito.
FIL. Assim farei.
FRA. Serás bem-vindo, e seremos todos ouvintes
muito atentos.
BúR. E eu, embora pouco entenda, se não com-
preender os sentimentos, escutarei as palavras: se não
escutar as palavras, ouvirei a voz. Adeus!

FIM DO DIALOGO PRIMEIRO

[ 48]
NOTAS DA TRADUTORA

1
( ) Filóteo (ou Teófilo) identifica-se com o próprio G. Bruno.
Fracastorio é o nome latino de Girolamo Fracastoro. de Verona
(1483?-1553), poeta e autor dum livro de astronomia. a Hom«mlrita,
estudado por Bruno, que o cita em De lmmmso, Liv. IV, Cap. IX,
p. 51, Opera Latine Conseripla, Vol. I (II). Elpino e Búrquio
são duas personagens criadas pelo filósofo. O primeiro faz de
aluno, e o segundo representa o eruditismo tradicionalista de
Oxford, imbuído de preconceitos aristotélicos.
(t) Esta doutrina rerhonta a Pannénides de Eleia (540/39-
515? A. C.). cuja metafisica do Ser, e possibilidades do seu
conhecimento, bastante original, e dificilmente interpretável, foi
exposta num poema dividido em três partes. Nele se acentua a
distinção entre a Via Ja Verdade ou racional, restringida a um
certo número de eleitos, entre os quais os filósofos, e a Via das
Opini6!s ou Aparlntiar, comum aos seres mortais que vivem no
mundo da ilusão. Pertencem a este mundo da ilusão, e da apa-
rência, os fenómenos da natureza, e as explicações cosmológicas,
que não constituem expressão da verdade, mas opinião dos homens.
A Via da Aparintia não é totalmente falsa, mas espécie de etapa
intermédia entre a Via do Ser e a do Não-Ser.
(') Physüa, Liv. IV. Cfr. PhpÍIJIIt (T. I, Liv. I-IV, 1-5,
p. 122-135, em que se trata do •Lugar-), Texte établi et traduit
par H. Carteron. Paris, •Les Belles Lettrest, 1952.
(') Cfr. La Cena Je /e Ceneri, •Didogo Terzo•, discurso
de TEO., p. 109. Idem, •Dialogo Quinto•, p. 146-147, in Dia-
loghi lta/iani, 3.• edizione a cura di G. Aquilecchia. Vid. Biblio-
grafia.

[ 49]
DIALOGO SEGUNDO

FIL. Embora o primeiro principio seja simplicís-


simo, contudo, se fosse finito segundo um atributo, seria
finito segundo todos os outros atributos; por outras
palavras, se fosse, segundo certa !2Zio intrínseca, finito,
e infinito segundo outra, necessàriamente se compreen-
deria haver nele composição. Se, portanto, ele é operador
do universo, é certamente operador infinito, que com-
porta o efeito infinito; digo efeito, porquanto tudo
depende dele. Além disso, assim como a nossa imagi-
nação tem a possibilidade de proceder infinitamente,
congeminando sempre uma grandeza dimensional para
além de outra, e um número após outro, segundo uma
dada _sucessão, e em potência, como se diz, do mesmo
modo se deve entender que Deus compreende em
acto a dimensão infinita e o número infinito. Dai,
segue-se a possibilidade, conveniência e oportunidade
de assim ser, pois, como a potência activa é infinita,
o sujeito de tal potência é por necessária consequência
infinito; porque, como demonstrámos doutras vezes,
o poder fazer comporta o poder ser feito, o «dimensio-
nador» comporta o «dimensivel», o «dimensionaote»
o cdimensionado» (1). Acresce que, como realmente se
encontram corpos dimensionados finitos, assim o pri-
meiro intelecto compreende o corpo e a dimensão.

[51 ]
Se o compreende, não o compreende menos como
infinito; se o compreende como infinito, e o corpo
assim deve ser compreendido, necessàriamente existe
tal espécie inteligível, que, por ser produzida por tal
intelecto qual é o divino, é reallssima, e tão real que
o seu ser é mais necessário do que aquele que está actual-
mente diante dos nossos olhos sensíveis. Logo, se se
considerar bem, acontece que, como existe verdadeira-
mente um indivíduo simplicíssimo, assim existe -um
amplissimo dimensível infinito, que está naquele, e em
que ele está, pelo modo como está em tudo, e tudo
está nele. Depois, se pela qualidade corpórea vemos
que um corpo tem potência para se aumentar infinita-
mente, como o fogo, que, como qualquer pessoa reco-
nhece, se amplificaria infinitamente, se dele se aproxi-
masse matéria e alimento, qual é a razão que pretende
que o fogo, que pode ser infinito, e por consequência
feito infinito, não possa, em acto, encontrar-se infinito?
Não sei, na verdade, como se possa imaginar que exista
na matéria qualquer coisa em potência passiva, que não
esteja em potência activa no eficiente, e por conse-
quência em acto, antes, que seja o próprio acto. Dizer
que o infinito existe em potência e em certa sucessão,
e não em acto, implica necessàriamente que a potência
activa o possa realizar em acto sucessivo e não em acto
concluido, porque o infinito não pode ser terminado;
resultaria ainda que a causa primeira não teria potência
activa simples, absoluta e única, mas sim uma potblcia
activa a que corresponderia a possibilidade infinita suces-
siva, e outra a que corresponderia a possibilidade indis-
tinta do acto. Concedo que, sendo o mundo limitado,
e não havendo processo de imaginar como uma coisa
corpórea acabe circunferencialmente numa coisa incor-

[52]
pórea, este mundo teria em potência a faculdade de
se dissipar e anular, pois, pelo que sabemos, todos os
corpos são dissolúveis. Nem haveria razão para não
admitir que às vezes o inane ütfinito, se bem que se
não possa compreender como tendo potência activa,
possa absorver este mundo como um nada. Concedo
que o lugar, espaço, e inane, tenha semelhança com
a matéria, se não é mesmo a própria matéria; como
às vezes parecem pretender, e talvez não seja sem causa,
Platão e todos aqueles que definem o lugar como sendo
um certo espaço. Ora, se a matéria tem a sua potência,
que não deve ser vã, pois que tal potência é da natureza
e procede da natureza originária, é necessário que o
lugar, o espaço, o inane, tenha tal potência.
Como já se disse, nenhum dos que afirmaram ser
o mundo finito, soube, depois de ter afirmado o termo,
congeminar como ele é, e, além disso, alguns dos que
negam o vácuo e o inane com proposições e palavras
vêm depois a admiti-lo, necessàriamente, na prática.
Se é vácuo e inane, é com certeza capaz de receber,
o que de modo algum se pode negar, atendendo que,
pela mesma razão porque se julga impossível que no
espaço onde está este mundo, se ache ao mesmo tempo
contido outro mundo, se deve afirmar &. possibilidade
de ser contido no espaço fora deste mundo, ou naquele
nada, se assim pretende Aristóteles designar o que não quer
chamar vácuo. Se de disse nio poderem existir simultâ-
neamente dois corpos, pela impossibilidade de coexistência
das dimensões de um, e de outro corpo, resta, pois, no
âmbito deste raciocínio, que, onde não estão as dimensões
dum, possam estar as dimensões doutro. Se há esta facul-
dade, o espaço é de certo modo matéria, e se é matéria
tem po~ncia; se tem potência, porquê negar-lhe o acto?

[53]
ELP. Muito bem. Mas, por favor, procede doutro
modo; faz-me compreender que diferença há entre o
mundo e o universo.
FIL. A diferença está muito divulgada fora da
escola peripatética. Os estóicos fazem distinção entre
o mundo e o universo, porque o mUn.do é tudo o que
é pleno, e consta de matéria sólida; universo é não só
o mundo, mas também o vácuo, o inane, e o espaço
fora daquele: por isso dizem o mundo finito, mas o
universo infinito.
Epicuro chama igualmente ao todo, e universo,
uma mistura de corpos e inane; diz nisso consistir a
natureza do mundo, que é infinito, na capacidade do
inane e do vácuo, e também na multidio de corpos que
nele existem. Nós não chamamos vácuo ao que é simples-
mente o nada, mas a tudo o que não seja corpo que
resista sensivelmente, sempre que tenha dimensão. Visto
que, geralmente, não se concebe um corpo e uma coisa
senão com a propriedade da resist~cia, dai dizerem que,
como não é carne o que não é vulnerável, assim não é
corpo o que não resiste. Deste modo dizemos existir
um infinito, isto é, uma região etérea imensa, na qual
existem inumeráveis e infinitos corpos como a terra,
a lua e o sol, a que nós chamamos mundos compostos
de pleno e vácuo; porque este espírito, nte ar, este
éter, não está sõmente à volta destes corpos, mais ainda,
penetra dentro deles, e está .fnsito em todas as coisas.
Afirmamos ainda o vácuo segundo a mesma razio que
nos faria afirmar, respondendo à questão: onde estão
o éter infinito e os mundos? - estarem num espaço
infinito, em certo ambiente em que tudo existe e se
compreende, e nem se poderia compreender como exis-
tindo noutra parte. Neste ponto, Aristóteles tomando

[54]
confusamente o vácuo segundo estas duas significações,
e uma terceira que imaginou e nem sequer sabe deno-
minar ou definir, vai-se debatendo para se libertar do
vácuo, e pensa destruir por completo, com os mesmos
argumentos, todas as opiniões acerca dele. Contudo,
não toca nelas mais do que, se por alguém ter supri-
mido o nome a qualquer coisa, julgasse ter suprimido
a coisa, porque destrói o vácuo, se acaso o destrói,
por uma r.a.zão que talvez nunca fosse apresentada por
ninguém; pois que os antigos, e nós, tomamos o vácuo
por aquilo em que pode existir o corpo e que pode
conter qualquer coisa, e em que estão os átomos e os
corpos, e sõmente ele define o vácuo como sendo o
~ em que nada está, e nada pode estar.
Daf, tomando o vácuo segundo um nome e signi-
ficação que ninguém lhe deu, fez castelos no ar, destruindo
o seu vácuo, e não o de todos os outros que falaram
de vácuo, e se têm servido deste nome: vácuo. Este
sonsta não procede doutro modo com respeito a outros
assuntos, tais como movimento, infinito, matéria, forma,
demonstração, ente, edificando sempre sobre a fé da
sua própria definição e nome, tomado segundo nova
significação. De maneüa que, todo aquele que não é
tompletamente desprovido de juizo, pode fàcilmente
compreender quanto este homem é superficial na consi-
deração da natureza das coisas, e quanto é aferrado às
suas hipóteses, nem admitidas nem dignas de ser admi-
tidas, ainda mais ocas na sua filosofia natural do que
se possa imaginar na matemática. E vês que se gloriou
e comprazeu tanto com esta vacuidade, que, a propósito
da consideração das coisas naturais ambicionou tanto
ser julgado raciocinador, ou como queiram dizer, lógico,
que, à guisa de impropério, chama Jlskos (I) aos que

[55]
têm sido mais solícitos acerca da natureza, realidade e
verdade. Ora, para voltarmos ao nosso assunto, aten-
dendo que no seu livro Do vácuo (3), nem directa nem
indirectamente diz coisas que possam dignamente militar
contra a nossa opinião, deixamo-lo assim ficar, reme-
tendo-o para uma ocasião mais oportuna. Portanto,
Elpino, se quiseres, alinha e ordena as razões pelas
quais os nossos adversários não admitem o corpo infinito,
e depois as outras, pelas quais não podem compreender
a existência de mundos inumeráveis.
ELP. Assim farei. Referirei por ordem as sentenças
de Aristóteles, e tu dirás o que te ocorrer acerca delas.
«Deve-se considerar, diz ele('), se se encontra corpo infinito,
como dizem alguns antigos filósofos, ou se isto é imposslvel;
em seg11ida, ver se existe um ou mais mundos. A resoiUfãO
destas questões é in1portantlssinia, porque uma e outra parte
da contradição são de tal valor, que constituem princípio de
duas espécies de filosofar muito diversas e contrárias: vemos,
por exemplo, que o primeiro erro dos que admitiram as parles
i11dividuais, fechou de tal sorte o caminho, que eles vêm a errar
e111 gra11de parle da malemátifa. Esclarecemos, portanto,
u1n argumetJIO de grande valor para as dificuldades passadas,
presmtes e futuras, porque, conq11anto slja pequena a trans-
gressão q1te se faça no princípio, t•em a fazer-se dez mil vezes
111aior com a continuação, à semelhaiJÇa do erro que se comete
no princípio de qualqr1er caminho, e que tanto mais vai autlle/1-
tando quanto 111ais se _procede, afastando-se do pri11clpio, de
IIJatJeira que 110 fim acaba por chegar-se a rtm lermo COIIIrário
ao que era proposto. E a razão disto é que os princípio_s
são pequeni!IOS enJ grandeza e mornJes en1 eficácia,· esta é a
razão da determiiJaÇÕO desta diÍIIida».
FIL. Tudo o que ele diz é imprescindível, e tão
digno de ser dito pelos outros ·como por ele; porque.

r s6 1
assim como ele crê que a má compreensão deste prin-
cipio levou os adversários a grandes erros, em contra-
partida, nós cremos e vemos nltidamente que, pelo
principio contrário a este, ele perverteu toda a conside-
ração natural.
ELP. Acrescenta: (6) <<E necessário vertJ/os se é possível
que exista UIJ/ corpo sin1ples de grandeza infinita; o que, e!JJ
primeiro lugar, se deve demonstrar romo impossível 110 primeiro
corpo, que se move cirmlarmente, depois 11os o11tros, porqtte,
sendo cada corpo simples 011 composto, o q11e é cotnposto seg11e
a disposição do que é simples. Se, portanto, os corpos si111ples
11ão são infinitos nem em nútnero, nm1 m1 gralldeza, 1/eces-
sàriamente não poderá existir tal corpo composto».
FIL. Promete muito bem; porque, se ele provar
que o corpo chamado continente e primeiro, é conti-
nente, primeiro e finito, será também supérfluo e vão
prová-lo, depois, acerca dos corpos contidos.
ELP. Agora prova que o corpo redondo não é
infinito. «Se o corpo redondo é i!ifinito, as litJhas q11e parlem
do meio serão infinitas, e a distâ11cia dum setnidiân1etro ao
outro (os qllllis, quanto mais se afastam do centro, mais distÓJicia
adquirem) será infinita, porque, pela adição das linhas segrmdo
a longitude, é necessário qtle resulte a maior distâJ1cia; portanto,
se as linhas são infinitas, a distância será la111Vém infinita.
Ora, é imposslllel qm o móvel possa perco"er uma distância
infinita: e no movimento circular é necessário que rtma li11ha
semidiametral do móvel venha ao lttgar de 11m e o11tro semidiâ-
melro» (6).
FIL. Essa razão é boa, mas não vem a propósito
contra o conceito dos adversários. Pois que nunca se
encontrou alguém tão rude, e de tão mesquinho engenho,
que tenha posto o mundo infinito e de grandeza infinita,
fazendo-a móvel. Ele próprio mostra ter-se esquecido

[57 J
do que refere na sua Físi&a ( 7 ), que, aqueles que admi-
tinun um ente e um principio infinito, o consideraram
também imóvel; e nem de, nem outro por ele, poderá
alguma vez mencionar algum filósofo, ou homem vulgar,
que tenha afirmado ser a grandeza infinita móvel. Mas
este, como sofista. que é, toma uma parte da sua argu-
mentação da conclusão do adversário, supondo o próprio
principio que o universo é móvel, mais, que se move,
e que é de configuração esférica. Vê se entre tantas
razões que este mendigo apresentou, encontramos uma
que argumente contra a ideia daqueles que afirmam
existir um infinito, imóvel, infigurado, espaçosfssimo
continente de inumeráveis móveis, que são os mundos,
a que uns chamam astros, outros esferas; atenta um
pouco, se nestas e noutras razões, apresenta pressupostos
admitidos por alguém.
ELP. Decerto, todas as seis razões são fundadas
sobre aquele pressuposto, isto é, que o adversário afirme
que o universo é infinito, e admita que esse infinito
seja móvel; o que é na verdade uma estupidez, mais,
uma irracionalidade, se é que não queremos fazer con-
correr em uma identidade, o infinito movimento e a
infinita quietude, como ontem me certificaste a pro-
pósito dos mundos particulares.
FIL. Não quero dizer isto a propósito do universo,
pois, por nenhuma razão lhe deve ser atribuído o movi-
mento, que não pode, nem deve ajustar-se, nem deve
requerer-se ao infinito; e nunca, como se disse, se encon-
trou quem o imaginasse.
Mas este filósofo, como quem tem falta de terreno.
edifica no ar tais castelos.
ELP. Desejaria, na verdade, um argumento que
combatesse o que dizes, porque as outtas cinco razões

[58]
que este filósofo apresenta, todas percorrem os mesmos
caminhos e vão com os mesmos pés. Por isso, parece-me
supérfluo expô-las; ora, depois de ter apresentado as
que se referem ao movimento circular do mundo, procede
aduzindo as que se fundam no movimento recto, e diz
também(') «Ser impos.rltlel tp14 qtlll/tpler e-oisa seja móvel de
movimento infinito em áireqàQ ao meio, para baixo, e ainda ·
titJ meio para ama»,· e prova-o, primeiro, com os movi-
mentos próprios de tais corpos, e isto, tanto referindo-se
aos corpos extremos quanto aos intermediários.
((o IIIOtlimenlo para ama, e o movimento para baixo»,
diz ele, ((SàQ e-ontrários, e o hlgar de 11111 é e-ontrário ao l11gar do
ollfro. Ainda, se 11111 tltJs çontrários é JimitatitJ, é necessário tJIIe o
011tro o seja também, e tal Ç()IIIO eles o intermédio, q11e participa
da limilafàiJ de 11111 e de olllro: pqt"(jlle, não de qr~alqlln" ponto,
1IIIZS de çerfa parte, I neçessário qm saia aquele q11e deve passar

para além titJ meio, pois tp14 há 11111 termo çerto onde comefaiiJ,
e 011/ro onde ae-abam os limites titJ meio. Semh, portanto,
determinado o meio, é n«essário tp14 sejam Jimitaáos os extremos;
se os extremos são /imitatitJs, I necessário tJIIe o meio seja definitltJ
e çerto ,· e se os hlgares são Jimitaáos, é necessário qrte o seja111
também os çorpos ai Ç()kJçadtJs, pqt"tp14 titJIIfro motitJ o movimento
será infinito. Q11a11to à gratlidaJe e l#lleta, o Ç()rpo qm vai
para dma pode ç!Jegar a estar em tal hlgar, porqm nenb11ma
tllllilnáa nahlral é 11ã. Portanto, não exislináo espa[o no
11lllllllo illjinilo, não lxistt lllgar, nem çorpo infinito. Também
tp1411lo ao peJ(J, nàiJ lxistem gr1111e nem /nJe infinitos, portanto
não lxiste çorpo injinilo; titJ mes1110 1IIOtitJ tJIIe é neçessário,
se o çorpo gr11111 é inJinilo, IJIII a Slla gratlidaJe seja infinita.
E a isto não se pode f"lir, Jlor'JII', se qtlisesses afirmar qm
o Ç()rpo infinito tem grlllliáade infinita, Sllf'giria111 três ifiÇ()tl-
llmimtes. Pri•eiro, seriam a llltS/114 Ç()isa a gralliáade e a
/nJtta tio çorpo fmi/o 011 injinilo ,· Jlor'JII', ao çorpo finito gr1111e,

[59 1
cottquanto seja excedido pelo corpo infinito, eu farei tantas
subtrac;ões e aái;ões até cottsegllir a mesma quantiáade de
gravidade e leveza. Seg1111iW, que a gravidade da grandeza
fotita poderia ser maior que a da infinita, pois, pela razão
que pode ser igual a ela, pode aitula ser mperior, se lhe acres-
centares quanto te agradar t/Q corpo grave, 011 subtraíres a este,
011 lhe acrescentares algo de corpo leve.

Terceiro, que seriam iguais a gravidade da grandeza finita


e da infittita; e como a gravidade enJ relação à gravidade, tenJ
a mesma propor;ão que a velocidade em relação à vtlocidade,
resultaria qtte a mesnJa velocidade e lentidão se poderiam encott-
trar nunJ corpo finito, ou infinito. Qrtarto, que a velocidade
do corpo fi11ito poderia ser nJaior que a t/Q infinito. Quinto,
qtte poderia ser igual; 011 ainda, como o grave excede o grave,
assim a velocidade excede a velocidade : havendtJ gravidade
infinita, será necessário que, etn qualquer espa;o, se nJova enJ
IJJenos tempo que a gravidade finita; ou então não se mova,
pois qtte a velocidade e lentid&J resultam da grandeza dtJ corpo.
Daí, não havendo propor;ão entre o finito e o infinito, será
por fim necessário qtte o grave infinito não se mova; porque,
se se move, não se move tão velozmente, que não haja gravidade
finita que 110 mesmo tempo, e pelo mesmo espaço, avance com
a mesma velocidadl)>.
FIL. É impossível encontrar outro, que, sob o
título de filósofo, imaginasse hipóteses mais vãs, e engen-
drasse posições tão estultas e contraditórias, a fim de
dar lugar a tanta leviandade quanta se vê nos raciocínios
deste.
Ora, no que diz respeito ao que afirmou acerca dos
lugares próprios dos corpos, e do limite em cima, em
baixo, e entre, gostaria de saber contra que posição
argumenta ele. Porque todos os que afirmam o corpo
e a grandeza infinita não consideram nela meios nem

[ 60]
extremos. Pois, quem afirma o inane, o vácuo, o éter
infinito, não lhe atribui gravidade, nem levc'Za, nem
movimento, nem região superior, nem inferior, nem
média: e, colocando em tal espaço infinitos corpos
como esta terra, aquela e aqueloutra terra, este sol,
aquele, e ainda outro, todos fazem os seus circuitos
dentro deste espaço infinito, por espaços finitos e limi-
tados, ou então à volta dos próprios centros. Assim,
nós que estamos na terra, dizemos que ela está no meio,
e todos os filósofos antigos e modernos, sejam de que
seita forem, di-la-ão também no meio, sem faltarem
aos seus princípios; como dizemos à vista do maior
horizonte desta região etérea, que está à nossa volta,
limitada por um círculo equidistante, em relação ao
qual nós estamos como que no centro. Como os que
estão na lua acreditam ter à sua volta esta terra, o sol,
e todas as outras estrelas que estão em volta do meio,
e do termo dos semidiâmetros do próprio horizonte,
assim a terra não é mais centro do que qualquer outro
corpo mundano, e certos e determinados pólos não o
são mais, em relação à terra, do que a terra é um certo
e determinado pólo em relação a qualquer ponto do
éter,e espaço mundano, e idênticamente, com respeito
a todos os outros corpos, que, por vistas diferentes,
todos são ao mesmo tempo ·centros, pontos da circun-
ferência, pólos, zénites, e outras coisas mais. Portanto,
a terra não está de maneira absoluta no meio do universo,
mas só em relação a esta nossa região.
Logo, este contendor procede por petição de prin-
cípio e pressuposição daquilo que deve provar. Isto é,
toma por prindpio o eqUivalente ao oposto da posição
contrária, pressupondo o meio, o extremo, contra aqueles
que, afirmando o mundo infinito, necessàriamente negam

[ 61 J
ao mesmo tempo este meio e extremo; e, por conse-
quência, o movimento para ~ para o supremo lugar,
e para baixo, ou .ínfimo. Viram os antigos, e vemos
nós ainda, que alguma coisa vem para a terra, onde
estamos, e alguma coisa parece sair da terra, ou do
lugar onde estamos. Atendendo a isso, se dissermos
ou quisermos dizer que o movimento de tais coisas
é para ~ e para baixo, compreende-se em certa regiio,
e sob certos pontos de vista; de sorte que, se qualquer
coisa se afasta de nós dirigindo-se para a lua, assim
como nós dizemos que ela sobe, os que estio na lua
e são nossos anticéfalos ('), dizem que desce. Logo,
os movimentos que existem no universo não ~ dife-
rença alguma de posição sob, sobre, aqui ou lá, com
respeito ao universo infinito, mas sim aos mundos
finitos que nde existem, quer tomados segundo as
amplitudes de inumeráveis horizontes mundanos, quer
segundo o número de inumetáveis astros: daf, a mesma
coisa, segundo o mesmo movimento e em relação aos
diversos lugares, ainda se diz andar para cima ou para
baixo. Portanto, os corpos . limitados não ~ movi-
mento infinito, mas finito e limitado, no imbito dos
próprios limites. Mas no ilimitado e infinito, não existe
movimento finito nem infinito, e não M difctenças de
lugar nem de tempo.
Quanto ao argumento acerca da gravidade, e leveza,
ditemos que é um dos mais belos frutos que poderia
produzir a árvore da estulta ignodncia. Porque a guvi-
dade, como demonstraremos no lugar em que a conside-
rarmos, não se encontm em corpo algum inteiro, e natu-
ralmente disposto e colocado, não existindo, portanto,
diferenças que devam distinguir a nattm=za dos lugares
e a razio do movimento.

[ 62]
Além disso, demonsttaremos que vem a ser consi-
derada a mesma coisa, grave e leve, segundo o mesmo
impulso e movimento em telação a diversos meios;
como também em telação a diversos meios, se diz estar
a mesma coisa sobte, ou sob, mover-se pata cima, ou
para baixo. Digo isto com respeito a corpos particulares,
e mundos particulares, dos quais nenhum ~ gtave nem
leve, e cujas partes afastando--se e destacando-se, se
chamam leves, e voltando aos mesmos, gtaves; como
as partículas da terra ou das coisas terrestres se dizem
subir, em telação à circunferência do éter, e descer,
em relação ao seu todo. Mas quanto ao universo, e corpo
infinito, acaso alguma vez se encontrou quem falasse
em gmve, ou leve? Ou ainda, quem pusesse tais prin-
dpios ou delirasse de tal maneira, que possa levar-nos
a concluir que o infinito ~ gtave ou leve? Que deva
subir, ou elevar-se, ou apoiar-se? Nós demonstraremos
como nenhum dos infinitos corpos que existem, ~ gtave,
ou leve. Porque estas qualidades pertencem às partes,
potquanto, tendem pata o seu todo e lugar de conser-
vação, e não dizem respeito ao universo, mas aos próprios
mundos continentes e inteiros; como na ten:a, querendo
as partes de fogo libertar-se esubirparaosol,leva.msempre
consigo alguma porção de terra e de ~ua, a que estão
juntas, e que sendo multiplicadas em cimá, ou no alto, com
impulso próprio e naturalissimo, voltam ao seu lugar.
Daf, com mais razão se conclui que não é possível
que os grandes corpos sejam gtaves ou leves, sendo
o universo infinito, não havendo, portanto, razão de
afastamento ou aproximação da circunferência ou do
centro; por conseguinte, a Terra não é mais gtave
no seu lugar do que o Sol no se\1, Saturno no dde,
e a Estrela Polar no dela.

r631
Poderemos, todavia, dizer que, como são as partes
da terra que retomam à terra, pela própria guvidade
- queremos assim designar o impulso das partes para
o todo, e do que está longe para o próprio lugar - , tais
são as partes dos outros corpos, como podem ser infinitas
outras terras, infinitos outros sóis ou fogos, de seme-
lhante condição, ou de semelhante natureza. Todos
se movem dos lugares cfrcuhferenciais para o próprio
continente, como para o centro; resultaria daf, que
existiriam infinitos corpos graves, de acordo com o
número, mas não virá, contudo, a existir guvidade
infinita, como num sujeito, e intensivamente, mas como
em inumeráveis sujeitos, e extensivamente. É isto que
resulta da nossa opinião, e da de todos os antigos, e contra
isto não arranjou argumento algum aquele contendor.
O que ele disse acerca da impossibilidade do infinito
gra ye é tão claro, e verdadeiro, que é vergonhoso men-
cioná-lo, e de modo algum contribui para conlirmar a
própria filosofia, destruindo a dos outros; mas são tudo
argumentos e palavras lançadas ao vento.
ELP. A sua leviandade, nas razões aludidas, é mais
que evidente, de maneira que toda a arte persuasiva não
chegaria para desculpá-la. Agora ouve as razões que
acrescenta, para concluir universalmente, que não existe
corpo infinito. «Ora», diz ele (10), <<.rendo evit:lmte tpte não
existe corpo infinito, para os que olham as coisas partintlares,
resta ver se nn geral isto é possível. Porque alguém poderia
afir~nar qr1e, assim como o numdo está disposto à nossa volta,
11ào é impossíz,el que existam n;ais cé11s. Mas antes que cheguemos
a isto, falemos en; geral do infinito. E, pois, necessário q11e
todo o corpo ort seja infinito ( 11), e Ioth de partes semelhantes
011 de partes dissemelha11tes, constanth estas de espécies finitas
ort de espécies infi11itas. Não é possivel que conste de espécies

r64 1
infinitas se ljllisermos presmpor o fJ118 disse1110s, isto I, fJ1Ie
existem mais m1111Jos semelhantes a este, porfj114, &omo este
mlllllio está disposto à nossa 110/ta, assim estaria disposto à
volta de 011/ros, existindo 011/ros &ém. Pois, .re .rão limitados
os movimentos primários em torno do meio, I ne&emirio fJ1Ie
sejam limitados os movimentos .re&~~~~áário.r; portanto, &omo já
distinguimos &inço espé&ie.r Je &orpos, .rendo dois simplesmente
graves 011 leves, Joi.r meJio&remente graves 011 leves, e um nem
grave nem leve, mas rápido em torno Jo &entro, assim deve
ser no.r 011/ro.r mrmtlos. Não é, pois, possível fJ11e &onste Je espé&ies
infinitas, nem é também posslvel qm &onste Je e.rpé&ies finitas».
E, em primeiro lugar, prova que não consta de espécies
finitas dissemelhantes, por quatro razões, sendo a primeira
que «&ada uma Jestas partes infinitas I água ou fogo, t por
consetjllénda coisa grave ou leve. Isto foi JemonstraJo &omo
impos.rivel, qN4IIdo se vir1 que ~1ão existem graviJaáe nem leveza
infinitas».
FIL. Nós dissemos o bastante quando respondemos
a isso.
ELP. Eu sei. Acrescenta a segunda razão, dizendo ( 11)
que «i neçessário fJ11e &ada uma Jestas espécies .reja infinita,
e, por consetjllln&ia, deve ser infinito o lugar Je &ada uma:
re!llltará, Jaí, infinito o movimento Je &ada uma, o tpte i impos-
slvel. Não é possível qrte um çorpo que Jesce Jeslize pelo infinito
abaixo, o que é eviJente, pelo tjlle se verifica em toJos o.r movi-
1/JetJto.r e transmutações. Como na gerafãO não se proÇIIf'a
fazer o que não poJe ser feito, assim no movimento espada/,
nãÓ se procura o lugar onJe nunça se poJe &hegar; e o tjlle 11ào
poJe estar no Egipto, é in1possfvel que se movà para o Egipto,
porque a nalllreza naJa opera em vão. E impossível, pois,
qm uma çoi.sa se mova para um lugar onJe não possa &hegar».
FIL. A isto respondeu-se o bastante; e dizemos
que existem terras infinitas, sóis infinitos, e éter infinito,

[ 65]
ou, segundo a afirmação de Demócrito e Epicuro, que
existem o pleno e o vácuo infinitos, um fnsito no outro,
e que existem diversas espécies finitas, umas compreen-
didas nas outras, e umas ordenadas com respeito às
outras. Todas estas espécies diversas, devem ser consi-
deradas como concorrentes na formação dum universo
inteiramente infinito, e ainda como infinitas partes do
infinito, porquanto uma terra infinita provém em acto
de infinitas terras semdhantes a esta, não como uma
só entidade continua, mas como uma unidade consti-
tu1da pela inumerávd multidão daquelas.
Igual raciocínio se aplica às outras espécies de corpos,
sejam quatro, ou duas, ou três, ou quantas forem (não
determino agora), sendo elas como que partes (se é que
se possa falar em partes) do infinito, é necessário que
sejam infinitas, conforme a massa que resulta de tal
multidão. Logo, não é necessário que o grave vá pelo
infinito abaixo. Mas como este grave v:ii para o seu
próximo e conatural corpo, assim aquele para o seu,
e aqudoutro para o dele. Esta terra tem as partes que
lhe pertencem, aqueloutra terra as dela. Assim, aquele
sol tem as partes que dele se difundem e procuram
voltar a ele; e da mesma maneira outros corpos recolhem
naturalmente as suas partes. Por consegUinte, como
os limites e as distâncias duns corpos a outros, são
finitos, assim são finitos os movimentos; e cerno ninguém
parte da Grécia para ir ao infinito, mas à Itália ou ao
Egipto, assim, quando se ~ove parte da terra, ou do
sol, não procura o infinito, mas ·um finito, um limite.
Todavia, sendo o universo infinito e todos os seus
corpos transmutáveis, todos, por consequência, difundem
sempre parte de si, e sempre em si recolhem, mandam
para fora algo do próprio, e recebem o que é alheio.

[ 66]
Não me parece absurdo e inconveniente, antes pelo
contrário, possfvd e natural, que sucedam transmutações
finitas a um sujeito; e que partículas da terra vagueiem
pela região etérea e deslizem pelo espaço imenso, ora
para um corpo, ora para outro, da mesma forma que
à nossa volta vemos as mesmas partículas mudar de
lugar, de forma e disposição, embora ficando junto de
nós. De maneira que, se esta terra é eterna e perpétua,
não é tal pda consistência das suas próprias partes e
dos seus próprios indivíduos, mas pda vicissitude dos
que difunde, e dos que ·lhes sucedem no lugar daqudes;
de modo que, ficando com a mesma alma, e inteligência,
o corpo vai-se mudando sempre, e renov-ando, pouco
a pouco. O mesmo se verifica também nos animais,
que não se mantem doutro modo, senão com os alimentos
que recebem e os dejectos que expdem. Quem bem
considerar, concluirá que em jovens não temos a mesma
carne que em meninos, e em velhos não temos a mesma
como quando éramos . jovens; porque, estando em con-
tinua transmutação, acontece que, continuamente fluem
em nós novos átomos e partem de nós os recolhidos
de outras vezes. Como em volta do esperma, juntando-se
átomos a átomos, pda virtude da alma e do intelecto
geral (mediante a fábrica a que, como matéria concorrem),
se vem a formar e a crescer o corpo, quando o influxo
dos átomos é maior que o defluxo; depois, o mesmo
corpo tem certa consistência quando o defluxo é igual
ao influxo, e vai em decllnio sendo o defluxo maior
que o influxo.
Não digo defluxo e influxo absolutamente, mas o
defluxo do conveniente e nativo, e o influxo do alheio
e inconveniente, que não pode ser vencido pdo defluxo,
devido a um principio de debilitamento, que é tão

[67]
constante no vital como no não vital. Portanto, para
chegar ao ponto da questão, digo que, por tal vicissitude
não é inconveniente, mas muito lógico afirmar que as
partes e os átomos tenham curso e movimento infinito
pelas infinitas vicissitudes e transmutações, tanto de
formas quanto de lugares. Inconveniente seria se, em
relação ao limite preestabelecido de transmutação local
ou de alteração, se encontrasse coisa que tendesse para
o infinito, o que não poderia ser, atendendo que, nunca
uma coisa é movida dum lugar que se não encontre
logo noutro, não é espoliada duma disposição sem ser
investida noutra, nem deixa um ser sem ter tomado
outro; o que resulta necessàriamente da alteração, que
nccessàriamente resulta da mutação local. De maneira
que o sujeito próximo, e formado, não pode mover-se
senão finitamente, porque com facilidade toma outra
forma, se muda de lugar.
O sujeito primeiro e apto a receber forma move-se
infinitamente, segundo o espaço e o número de configu-
rações; enquanto as partes da matéria se introduzem, ou
saem deste para aquele e aqueloutro lugar, parte e todo.
ELP. Compreendo muito bem. Acrescenta (13) por
terceira razão, que, <<Se dissesse o infi11ilo tÚ.t(ontlnuo e dividido
em partes, devendo existir illfinitor fogos pariÍ(II/arer e indivi-
dllaÍs, e podendo ser (ada um finito, a(Oitteuria que o fogo
resrlltante de todos devia ser infinito».
FIL. Estamos de acordo; e para concluir isso,
ele não precisava de impugnar um facto de que não
resulta inconveniente algum. Porque, se o corpo vem
separado ou divido em partes localmente distintas,
pesando uma cem, outra mil, outra dez, resultará que
o todo pesa mil cento e dez. Mas acontecerá isto com
vários pesos distintos, e não segundo um peso contínuo.

[ 68]
Ora. nós e os antigos, não temos por inconveniente
que em partes distintas se encontre um peso infinito;
porque delas logicamente resulta um peso, ou aritmética
ou geometricamente, que, verdadeira e naturalmente,
não faz um peso, como não faz uma massa infinita,
mas faz massas e pesos inúmeros e finitos.
Porque o dizer, pensar, e ser, não são a mesma,
mas coisas muito diferentes; daqui não se conclui que
existe um corpo infinito duma espécie, mas uma espécie
de corpo, em infinitos finitos; não existe, pois, um peso
infinito, mas infinitos pesos finitos, atendendo que esta
infinidade não é como dum todo continuo, mas consti-
tuída por partes, que existem num infinito continuo,
que é o espaço, lugar e amplidão, capaz de as conter
todas. Não é, pois, inconveniente que existam infinitos
graves distintos, que não constituem um grave, como
infinitas águas não fazem uma água infinita, infinitas
partes da terra não fazem uma terra infinita; de maneira
que existem em número infinitos corpos, que não
constituem fisicamente um corpo de grandeza infinita.
O que é muito diferente, como por semelhança se verifica
na tracção dum navio que pode ser arrastado por dez
pessoas juntas, e não será nunca puxado por milhares
e milhares delas, separadamente, uma por cada vez.
ELP. Com essas e outras afirmações resolveste
mil vezes o que se põe na quarta razão, que diz (U),
que «Se se tonsiáerar o torpo tomo infinito, é netessário entendê-lo
injillito segsmJo loJas as dimensões. Por tonse!Jiinte, não pode
em parte alguma existir toisa fora dele,· portanto, não é possfvel
qm n11111 torpo infinito existam vários torpos di.rsemelhante.r,
sendo &ada 11111 infinito».
Fn.. Tudo isso é verdadeiro e não nos contradiz,
pois que temos tantas vezes afirmado que existem num

[ 69 J
infinito vários corpos dissemelhantes finitos, e já expli-
cámos como. Seria, talvez, como se alguém afirmasse
existirem vários corpos contínuos juntamente, obser-
vando, por exemplo, uma lama, em que sempre e em todas
as partes a água é continua à água, e a terra à terra:
dai, pela participação insensivel das partes minimas
de terra, e das partes minimas de água, que entram
no conjunto, não se afirmará que são distintas, nem
continuas, mas sim um todo continuo que não é água
nem terra, mas lama.
Assim, pode idênticamente agradar a qualquer outro
dizer que a água não é propriamente continuada pela
água, e a terra pela terra, mas a água pela terra e a terra
pela água; da mesma maneira pode vir um terceiro
que, contradizendo estas duas asserções, afirme ser a
lama continuada pela lama. E por estas razões pode
o universo infinito ser tomado por um todo continuo,
em que o éter interposto entre tão grandes corpos
não os separa mais do que na lama o ar interposto entre
as partes de água, e de terra, só diferindo pela pequenez,
inferioridade, e insensibilidade das partes q\le estão na
lama, e a grandeza, superioridade e sensibilidade das
pr....rtes que estão no universo: do mesmo modo, os
contrários e os diversos móveis concorrem na consti-
tuição de um todo continuo imóvel, em que os contrá-
rios participam na constituição de uma unidade, perten-
cem a uma ordem, e finalmente são uma unidade. Incon-
veniente certo e impossível seria admitir dois infinitos,
um distinto do outro, pois não haveria processo de
imaginar onde acabava um e começava o outro, de
tal maneira que ambos venham a limitar-se reciproca-
mente. E, além disso, é difidlimo encontrar dois corpos
finitos num extremo, e infinitos noutro.

[70 1
ELP. Apresenta mais duas razões (1.6) para provar
qu~ por esse lado, não existe o infinito. «A primeira é
tp14 seria netessário tp14 Ç(Jfltlie.r.re àqtlele 11ma destas e.rpédes
Je movimento /()ça/: tp14 seria gravidade, 011 leveza infinita,
ou infinita drndafàb ,· e lemos Jemonslrado Ç()mo llláo isto é
impos.rlvel».
FIL. E nós já esclarecemos quanto são vãos estes
discursos e razões; e que o infinito não se move no
todo; que não é grave nem leve, tanto ele como qualquer
outro corpo, no seu lugar natural; nem tão pouco as
partes separadas, quando estiverem afastadas para além
de certos graus, do próprio lugar. Portanto, o corpo
infinito, na nossa opinião, não é móvel nem em potência
nem em acto; não é grave ou leve em potência ou em
acto; está bem longe a possibilidade de existir gravidade
ou leveza infinita, segundo os nossos princípios e os
de outros, contra os quais este edifica tão lindos castelos I
ELP. Por isto a segunda razão é também vã,
porque em vão perg\Ulta «.re o infinito se move na/lira/
011 lliokntamenk» a quem nunca disse que ele se movia,
tanto em potência, como em acto. Depois, prova que
não existe corpo infinito, pelas razões deduzidas do
movimento em geral, depois de ter procedido por razões
deduzidas do movimento comum. Em suma, afirma
que o corpo infinito não pode exercer acção no corpo
finito, nem tão pouco recebê-la daquele; e apresenta
três proposições. Primeira, que «< infinito llàtJ é injlmn-
daJo pelo finito»: porque todo o movimento, e por conse-
quência toda a paixão (1'), existe no tempo, e se assim é,
poderá acontecer que um corpo de menor grandeza
tenha uma paixão proporcional àquela; porém, assim
como há proporção entre o paciente finito e o agente
finito, haverá do mesmo modo entre o paciente finito

[ 71]
e o agente infinito. Isto pode ser verificado se pusermos
por corpo infinito A, por corpo finito B; e pois que
todo o movimento existe no tempo, seja o tempo G,
no qual A ou move ou é movido. Tomemos depois
um corpo de menor grandeza, B, e seja a linha D agente,
cumprindo-se à volta dum outro corpo, H, no mesmo
tempo G. Daqui verificar-se-á que há proporção de D,
agente menor, a B agente maior, assim como há pro-
por~ão do paciente finito H à parte finita A, e seja
ela AZ. Ora, quando mudarmos a proporção do pri-
meiro agente, ao terceiro paciente, como há proporção
do segundo agente ao quarto paciente, isto é, quando
houver proporção de D a H, como há proporção de B
à Z, B será verdadeiramente, no mesmo tempo G, agente
perfeito em coisa finita e coisa infinita, isto é, em AZ,
parte do infinito, e em A, infinito. Isto é impossível: por-
tanto, o corpo infinito não pode ser agente nem paciente,
porque dois pacientes iguais sofrem igualmente do mesmo
agente, no mesmo tempo; o paciente menor sofre do
mesmo agente em tempo menor, e o paciente maior,
em tempo maior. Além disso, quando existem agentes
diversos em tempo igual, e se efectua a sua acção, virá
a existir proporção de agente para agente, como existe
proporção de paciente para paciente. Ainda, todo o
agente actua sobre o paciente em tempo finito (falo do
agente que conclui a sua acção, e não daquele cujo
movimento é contínuo, como só o movimento de trans-
lação pode ~r), porque é impossível que exista acção
finita em tempo infinito. Eis, portanto, esclarecido em
primeiro lugar, como o finito não pode exercer no
infinito acção que tenha fim.

[ 72]
G Tempo

A paciente infinito B agente finito maior


A (parte do infinito) Z
H paciente finito D agente finito menor

Segundo, demonstra-se do mesmo modo que (1 7)


«o infinito não pode ser agente de coisa finita». Seja o agente
infinito A, e o pacõente finito B, e suponhamos que A,
infinito, é agente em B, finito, no tempo G. Depois,
seja o corpo finito D, agente na parte de B, isto é, BZ,
no mesmo tempo G. Certamente haverá proporção do
paciente BZ a todo o B paciente, como há proporção
do agente D ao outro agente finito, H; e .mudando-se
também a proporção de D agente, a BZ paciente, assim
como a proporção de H agente a todo o B.
Por consequên~ B será movido por H, no mesmo
tempo em que BZ é movido por D, isto é, no tempo G,
em que B é movido pelo agente infinito A, o que é
impossível. Tal impossibilidade resulta do que temos
dito, isto é, que, se coisa infinita opera em tempo finito,
é necessário que a acção não exista no tempo, porque
entre o finito e o infinito não existe correlação. Logo,
pondo nós dois agentes diversos que exerçam a mesma
acção, no mesmo paciente, necessàriamente a acção
deles realizar-se-á, em dois tempos diversos, e haverá
proporção de tempo para tempo, como de agente para
agente. Mas, se pusermos dois agentes, um infinito e
outro finito, que exerçam a mesma ·acção num mesmo
paciente, afirmar-se-á, necessàriamente, uma de duas:
ou que a acção do infinito é num instante, ou que a
acção do agente finito é no tempo infinito. Ambos os
casos são impossíveis.

I 73 l
G Tempo

A agente infinito
H agente finito B paciente finito
D agente finito B (parte do paciente finito) Z

Terceiro, declara-se como o «corpo infinito não pode


agir sobre o corpo inji11ito» (18 ). Porque, como se disse na
AuscullafilO física (1 9), é impossível que a acção ou paixão
fique incompleta. Estando, portanto, detnonstrado que
nunca a acção dum infinito sobre um infinito pode ser
levada a cabo, poder-se-á concluir que entre eles não
pode existir acção. Ponhamos dois infinitos, e seja um,
B, que é paciente de A em tempo finito, G, porque
a acção finita é necessàriamente em tempo finito. Supo-
nhamos depois que a parte do paciente BD sofre a
acção de A; é evidente que a paixão deste vem a ser
em tempo menor que o tempo G, e seja esta a parte
representada por Z. Haverá proporção do tempo Z
ao tempo G, assim como há proporção de BD, parte
do paciente infinito, à parte maior do infinito, isto
é, a B, e seja esta parte representada por BDH, que é
paciente de A, no tempo infinito G; no mesmo tempo,
já foi paciente daquele, todo o infinito B; o que é falso,
pois é impossível existirem dois pacientes, um infinito
e o outro finito, que sofram o mesmo agente, pela mesma
acção, no mesmo tempo, sendo o eficiente finito, ou
como tínhamos suposto, infinito.

Tempo finito
G z
A Agente infinito
Paciente infinito
B D H

[74]
FIL. Pretendo que tudo o que disse Aristóteles,
seja bem dito, quando for bem aplicado e concluir a
propósito; mas como temos visto, nenhum filósofo
falou de infinito de forma a suscitar tantos inconve-
nientes. Todavia, não para responder ao que diz, visto
não estar em contradição connosco, mas só para apreciar
a importância das suas sentenças, examinemos o seu
modo de raciocinar. Na sua argumentação procede,
primeiro, por fundamentos que não são naturais, quando
quer tomar esta e aquela parte do infinito, porquanto
o infinito não pode ter partes; nem podemos afirmar
que tal parte é infinita, pois isto implicaria uma contra-
dição: que no infinito existe parte maior, parte menor,
e partes, que têm maior e menor proporção em relação
àquele; porque não te apro:ximas mais do infinito proce-
dendo de cem em cem, que de três em três, porque
o número infinito consta tanto de infinitos três, como
de infinitos cem. A dimensão infinita não tem menos
infinitos pés que infinitas milhas; por isso, quando
qúeremos significar as partes da · dimensão infinita, não
dizemos cem milhas, mil parasangas (20); porque estas
podem ser designadas como partes do finito, e de facto
são -apenas partes do finito, em relação ao qual tem
proporção, não devendo ser consideradas partes daquilo
em relação ao qual não têm proporção. Assim, mil anos
não são parte da eternidade, porque não têm proporção
em relação ao todo, mas são partes de alguma medida de
tempo, como de dez mil anos, de cem mil séculos.
ELP. Agora faz-me compreender: quais julgas serem
as partes da duração infinita?
FIL. · As partes proporcionais da duração têm
proporção na duração e t~po, mas não na duração
infinita e no tempo infinitos, porque nele o tempo

[ 75 J
máximo, isto é, a maior parte proporcional da duração
vem a ser equivalente à mínima, atendendo que não são
mais os infinitos séculos que as infinitas horas. Isto é,
na infinita duração, que é a eternidade, não são mais
as horas que os séculos, de maneira que toda a coisa
que se afirmar como parte do infinito, porquanto é parte
do infinito, é tão infinita na infinita duração como na
massa infinita. Por esta doutrina podes con~iderar quanto
Aristóteles é circunspecto nas suas hipóteses, ao tomar
as partes finitas do infinito, e quanta seja a força das
razões de alguns teólogos, quando querem inferir da
eternidade do tempo o inconveniente de tantos infinitos,
uns maiores que os outros, quantas podem ser as espécies
de números. Por esta doutrina, acrescento, tens processo
de sair de inúmeros labirintos.
ELP. Especialmente daquele que vem agora a
propósito dos passos infinitos e das infinitas milhas,
que viriam a formar na imensidade do universo um
infinito menor, e outro maior. Ora continua.
FIL. Segundo, Aristóteles não procede demons-
trativamente nas suas deduções. Porque do pressuposto
que o universo é infinito, e que nele (não digo dele,
porque uma coisa é dizer partes no infinito, outra,
partes do infinito) existem infinitas partes, tendo todas
acções e paixões, e por consequência transmutações
entre si, quer inferir: ou que o infinito exerça acção
no finito, ou sofra do finito, ou que o infinito exerça
acção no infinito, e este sofra e seja transformado por
aquele. Nós dizemos que esta conclusão não vale fisica-
mente, se bem que logicamente seja verdadeira, visto
que, embora calculando pela razão, encontramos infinitas
partes que são activas, e infinitas que são passivas, sendo
estas tomadas como um contrário, e aquelas como-outro

[ 76]
contrário; na natureza - por estas partes estarem desu-
nidas, separadas, e divididas por limites particulares,
como vimos - elas não nos forçam nem inclinam a
afirmar que o infinito seja agente, ou paciente, mas que
inúmeras partes finitas têm acção e paixão no infinito.
Concede-se, não que o infinito seja móvel e alterável,
mas que nele existam infinitos móveis, alteráveis; não
que o finito sofra do infinito, nem o infinito do finito,
nem o infinito do infinito, segundo a infinidade física
e natural, mas pela que procede duma agregação lógica
e racional, que soma todos os graves num grave, se
bem que todos os gaves não sejam um grave. Pois,
sendo o infinito completamente imóvel, inalterável,
incorruptível, nele podem existir, e existem, movimentos
e inúmeras e infinitas alterações, perfeitas e completas.
Acresce ao que disse, que, dado que existam dois corpos
que sendo infinitos dum lado, venham a terminar, do
outro lado, um no outro, contudo não resultará o que
Aristóteles pensa que resulta necessàriamente: isto é,
que a acção e paixão seriam infinitas; pois que, se destes
dois corpos um é agente no outro, não será agente
segundo toda a sua dimensão e grandeza, porque não
está-vizinho, próximo, junto e continuo ao outro, segundo
toda ela, e todas as partes dela. Suponhamos, pois, que
existem dois corpos infinitos A e B, contínuos ou juntos
simultâneamente na linha da superfície FG ,- por certo,
não virão a operar um no outro segundo toda a sua
eficiência, porque não estão próximos um do outro em
todas as partes, visto que a contiguidade não pode existir
senão num certo limite finito. E aínda acrescento mais,
que, embora suponhamQs ser aquela superfície ou linha
infinita, não se seguirá, por isso, que os corpos nela
contíguos causem entre si acção e paixão infinitas, porque

[ 77 J
não são intensivas, mas extensas, como as partes são
extensas. Daí, resulta que em parte alguma o infinito
opera segundo toda a sua eficiência, mas de modo exten-
sivo, parte por parte, distinta e separadamente.

10 F M
A 20 N
B
30 o
40 G p

Por exemplo, as partes de dois corpos contrários


que se podem alterar, estão próximas, como A e 1,
B e 2, C e 3, D e, 4, e assim sucessivamente, até ao
infinito; nisso nunca se poderá verificar acção intensi-
vamente infinita, porque as partes daqueles dois corpos
não se podem alterar para além de certa e determinada
distância; por isso, M e 10, N e 20, O e 30, P e 40,
não têm possibilidade de se alterarem. Eis como, postos
dois corpos infinitos, não resultará acção infinita. Ainda
mais, mesmo supondo e admitindo que estes dois corpos
infinitos possam intensivamente ·exercer acção um no
outro, e referir-se um ao outro segundo toda a sua
eficiência, não se concluirá dai qualquer efeito de acção
ou paixão entre eles, porque tão forte é o que repele
e resiste, como o que impele e insiste. Daí não haver
qualquer alteração. Eis, pois, como de dois infinitos
contrários e opostos, ou resulta alteração finita, ou nada
resulta, de facto.
ELP. Ora, que dirias à hipótese dum corpo contrário
finito, e outro infinito, como se a terra fosse um corpo
frio, o céu fosse o fogo, e todos os astros, fogos, e o
céu imenso e os astros inumeráveis? Julgas que resultaria

[ 781
o que Aristóteles deduz, que o finito seria absorvido
pelo infinito? (11)
FIL. Com certeza que não, como se pode inferir
daquilo que dissemos. Porque, sendo a efici~cia corpórea
dilatada pela dimensão de corpo infinito, não viria a
ser eficiente contra o finito, com vigor e efici~cia infinita,
mas com o que pode difundir das partes 6oitas e a&s-
tadas segundo certa distância; pois que é impossfvel que
opere segundo todas as partes, mas sõmente segundo
as próximas. Como se verifica na precedente demons-
tração, em que pressupomos serem A e B dois corpos
infinitos que não estão aptos a transformar-se . um no
outro, senão pelas partes que estão nas distâncias
entre 10, 20, 30, 40 e M, N, O, P,· e, portanto, nada
concorre para fazer maior e mais vigorosa a acção,
embora o corpo B corra e cresça infinitamente, e o
corpo A permaneça 6oito. Eis como, de dois contrários
opostos, resulta sempre acção finita e alteração finita,
tanto supondo um deles infinito, e o outro finito, como
supondo um e outro infinitos.
ELP. Deixaste-me muito satisfeito, de maneira que
me parece supérfluo apresentar aquelas outras razões
grosseiras, com que pretende demonstrar que fora do
céu não existe corpo infinito; como aquela que afirma (D) :
«<odo o çorpo IJ1Ie está n11m l11gar, é senslvel,· mas fora do çé11
fiÍilJ existe çorpo senslvel; portanto, ai nilo existe l11gar». Ou
assim: «<odo o çorpo sens/tlel está n11m l11gar ,· fora do çlll
fiÍilJ há l11gar ,· logo, ai nilo existe çorpo. Aimla mais, nem
se'Jtl6 existe fora, poriJIIe fora signifoa espérie de l11gar sens/tlel,
diferente, fiÍilJ çorpo espiriltlal e inteliglvel, pois algt~lm poderia
afirmar: se é sens/tlel, I finitO>>.
FIL. Eu creio e entendo que para além, e além
daquele limite .imaginário do céu, existe uma região

[ 79]
etérea, e corpos mundanos, astros, terras, s6is, todos
absolutamente sensíveis por si, e para aqueles que ai
estão dentro ou perto, se bem que não nos sejam sensíveis
pelo seu afastamento e distância. Entretanto, considera
que fundamento tem ele, para que, pelo facto de não
existirem corpos sensíveis além da circunferência imagi-
nária, pretenda que não exista corpo algum; por isso
ele se negou a aceitar outro corpo, a não ser a oitava
esfera, para além da qual os astrólogos do seu tempo
não admitiram a existência de outro céu. E porque
referiram sempre o movimento aparente do mundo em
tomo da terra, a um primeiro móvel acima de todos
os outros, estabeleceram tais fundamentos que têm
andado infinitamente acrescentando esfera a esfera, e têm
encontrado outras sem estrelas, e por consequência,
sem corpos sensíveis. E se já as fantasias e hipóteses
astrológicas condenam esta sentença, muito mais conde-
nada é por aqueles que melhor compreendem terem os
corpos, que se dizem pertencer ao oitavo céu, tanta
distinção entre si, por estarem a maior ou menor distância
da superfície da terra, como os outros sete, porque a
razão da sua equidistância depende só da falsíssima
hipótese da .fixidez da terra; contra o que brada toda a
natureza, clama toda a razão, e sentencia todo o intelecto
recto e bem informado. Seja como for, disse-se contra
todas as razões, que o universo termina onde .finda a
experiência dos nossos sentidos; porque a sensibilidade
é a causa da inferência que os corpos existem, mas a
sua negação, que pode derivar de uma insuficiência da
potência sensitiva, e não do objecto sens.fvel, nem por
leve suposição é suficiente para que os corpos não
existam. Porque, se a verdade dependesse de semelhante
sensibilidade, os corpos Seriam tais, que pareceriam

[ 80]
muito próximos, e aderentes uns aos outros. Mas nós
julgamos que tal estrela, que parece menor no firmamento
e se diz de quarta e quinta grandeza, será muito maior do
que outra que se classifique de segunda ou de primeira;
em cujo juizo se engana o sentido, que não está apto
a conhecer a razão da distância maior; e nós, que por
isto dobamos conhecido o movimento da terra, sabemos
que aqudes mundos não têm tal equidistância deste,
e não estão, portanto, como que colocados num outro
céu.
ELP. Queres di2er que não estão como que colados
numa mesma cúpula: coisa tão indigna que só as crianças
a podem imaginar, talvez pensando que, se não estivessem
pegados com boa cola. ou pregados com tenacfssimos
pregos, à lâmina ou tribuna cdeste, cairiam em cima
de nós, como o granizo do ar vizinho. Queres dizer que
aquelas tantas outras tenas, e tantos outros espaçosissimos
corpos têm as suas qiões e as suas distâncias no campo
etéreo, como esta terca, que, com a sua revolução provoca
esta aparência, isto é, que todos simultâneamente, como
que encadeados, girem à volta dela. Queres dizer que
não se necessita de aceitar corpo espiritual fora da oitava
ou -nona esfera, mas que este mesmo ar, como está em
volta da terra, da lua, do sol, e os contém, assim se
vai amplificando no inJinito para conter outros infinitos
astros e grandes animais; e este ar vem a ser lugar
comum e universal, um seio infinitamente espaçoso,
que envolve o universo infinito do mesmo modo que
este espaço, que nos é sensívd por -tantas e tão nume-
rosas lâmpadas. Aaeditas que não é o ar e este corpo
continente que se move circularmente, ou que arrebata
os astros, como a ~ a lua e outros, mas que eles
se movem nos seus espaços, pela sua própria alma,

[ 81]
tendo todos movimentos próprios, que se efectuam
além do movimento do mundo, que se nos patenteiam
pelo movimento da terra, e outros ainda, que parecem
comuns a todos os astros, como se estivessem pegados
a um corpo móvel; e esta aparência é provocada pelas
diversas espécies de movimentos deste astro, em que
estamos, cujo movimento nos é insensível. Julgas, por
conseguinte, que o ar e as partes espalhadas pela região
etérea não têm movimento senão de redução. e ampli-
ficação, necessário para o percurso destes corpos sólidos
através do espaço, enquanto uns giram em tomo dos
outros, porquanto é mister que este corpo espiritual
encha tudo.
FIL. É verdade. Acrescento, também, que este
infinito e imenso é um animal, se bem que não tenha
figura determinada e sentido que se refira a coisas exte-
riores; porque tem em si toda a alma, compreende todo
o animado, e é todo ele. Além disso, não resulta daqui
inconveniente algum, como dos dois infinitos; porque,
sendo o mundo corpo animado, tem em si infinita
eficiência motriz, e é sujeito infinito de mobilidade,
pelo modo como dissemos, nas suas partes: porque o
todo continuo é imóvel, tanto de movimento circular,
que é em tomo do meio, quanto de movimento recto,
que parte do meio, ou vai para o meio; não possuindo
este nem meio nem extremo. Afirmamos~ ainda, que
o movimento de grave, e de leve, não só não convém
ao corpo infinito, mas também a corpo inteiro e perfeito
que nele exista, nem a parte de qualquer destes, que
esteja no seu lugar, e goze a sua natural disposição.
E tomo a dizer que nada é grave ou leve absoluta, mas
relativamente: isto é, em relação ao lugar para o qual
as partes disseminadas e dispersas se retiram e agregam.

[ 82]
E bastl por hoje ter considerado isto, quanto à massa
infin.itl do universo; amanhã esperar-te-ci para o que
quiseres ouvir acerca dos infinitos mundos que existem
ode.
ELP. Eu, se bem que por esta doutrina me julgue
estar convencido da ou~ voltarei, todavia, na esperança
de ouvir outras coisas especiais e dignas.
FRA. E eu virei somente por ouvinte.
BúR. E eu tlmbém; como, pouco a pouco, e cada
vez mais me venho aproximando do teu pensamento,
assim pouco a pouco chegarei a julgar verosímil, e talvez
mesmo verdadeiro, o que dizes.

FIM DO DIÁLOGO SEGUNDO

NOTAS DA TRADUTOllA

(1) Adoptaram-se estes termos no intuito de manter, na


medida do possível, a fidelidadç aos conceitos italianos: «dimen-
sionativo», «dimensionabile», «dimensionante», «dimensionato».
(') Ou ftsM/ogos, designações adoptadas por Aristóteles para
se referir aos primeiros filósofos gregos, isto ~. aos pensadores
da escola de Mileto, no sentido de «Filósofos da Natureza».
(') P/J:7Jiça, Liv. IV, em que Aristóteles trata do «Vácuo».
Cfr. PIJ:7sique, ed. cit. (T. I, Liv. I-IV, 6-9, p . 135-147).
(') D~ Catlo, Liv. I, 5. Cfr. Du Citl (Liv. I, 5; 271b,
1-16), Tate ~tabli et traduit par P. Moraux. Paris, «Lcs Belles
Lettres», 1965. & citações que se seguem, desta mesma obra,
sio, ora tradução livre, ora literal. A refutação dos argumentos
de Aristóteles, contra a infinidade do mundo, será ainda retomada,
e entio com mais rigor, em Dt bnmmso (Liv. II, Cap. II, p. 252-257).
Vid. Optra Latiltt Ctmm-ip~. Vol. I (I). Cfr. Bibliografia.

[ 83]
(~) De Caeio, Liv. I, 5 (271b, 19-26).
(') Ob. ât., Liv. I, 5 (271b, 28-33; 272a, 1-7).
(') Liv. VIII. Cfr. etl. ât. (T. II,LiY. V-VIII, 3-6, p. 107-125).
( 8)
Argumentos parcialmente traduzidos, ou resumidos,
de todo um capítulo de De Caeio. LiY. I, 6.
(•) A traduzir anlireft, neologismo criado por Bruno, por
analogia com anlipoái, e que também çarece em De lm111enso:
<<Anticephi dicent Lunares lata deorsllllllt (Opera Latim Constripla,
Vol. I (I), p. 261).
(1°) De Caeio, Liv. I, 7 (274a. 19-34; 274b, 1-8). ar. De
lmmenso (Liv. II, Cap. IV, p. 267-271). ia Opera LatiM Constripla,
Vol. I (I).
(11) Falta o segundo termo na formulação da alternativa,
lacuna essa verificada em tod<ls os tc:ztos italianos consultados.
Em De l111menso, loc. cit., p. 269, o argumento esti completo,
de acordo com o texto de De Caeio: «Corpus omne aut immensurn
aut determinatum. Si est immensum, ·aut est ex inter se similibus,
aut ab invicem dissimilibus partibus. Si ex dissimilibus, aut est
ex certis definitisque specie, vel ex infinitis».
(H) De Caeio, Liv. I, 7 (274b. 9-18).
(li) Ob. âl., Li v. I, 7 (274b, 18-22).
(lt) Ainda Ob. çiJ., Liv. I, 7; idem.
( 16) E citações a seguir, De C•'-• Liv. I, 7 (215a-275b).
(lt) Entenda-se no sentido etimológico de sofrimento,
transformação, derivando de ptusio, -Mis, palavra por sua vez
relacionada com o verbo patior = so&er. O conceito assume,
todavia, significações muito latas aa lústória do pensamento
e da cultura, aparecendo sobretudo em Aristóteles com conteúdo
metafísico. Ele considera a actuaçio e a determinaçio, como
implicando a ideia de patklr, ou seja. propriamente, a integraçio
do acto na potência.
( Ob. til., Liv. I, 7 (275&. 14-24).
17
)

( Continua a expor, ou a .,..&asear. as doutrinas de


18
)
De Caeio, Liv. I, 7 (275a.24- 275b.4).
(1•) Vid. nota (6) Epistola Prc:emho.alar, fim do Argumento
do Segundo Diálogo, p. 10.

[ 841
ro) Medida itinerária da Pérsia, equivalente a 30 utádior,
isto é, a cerca de 6000 metros. Dado que a unidade utádio variava
nas diversas regiões da Grécia, não é fácil estabelecer uma corres-
pondência rigorosa entre estas duas medidas. Assim, por exemplo,
o tslááio olímpico correspondia a 192,27 metros, o alexandrino
a cerca de 185, e o ateniense a 177,6 metros.
( 11) Physiça, td. âl., Liv. III, 5 (204b, 10-19).
('2) Dt Catlo, Liv. I, 7 (275b, 5-11). Cfr . . De lmmmro
(Liv. II, Cap. VIII, p. 285), in Optra Latint Consçripla, Vol. I (I).

[ 85 J
DIÁLOGO TERCEIRO

FIL. f:, pois, um só o céu, o espaço imenso, o seio,


o continente universal, a região etérea em que tudo
corre e se move. Af se vêem senslvelment~ inumeráveis
estrelas, astros, globos, sóis e terras, podendo-se com
razão conjecturar que são infinitos. O universo imenso
e infinito é o composto que resulta de tal espaço e de
tantos corpos nele compreendidos.
ELP. A ponto que não existem esferas de superfície
côncava e convexa, nem os céus móveis; mas tudo é
um campo, tudo é um receptáculo geral.
FIL. Exactamente.
ELP. O que levou a imaginar os diversos céus,
foram os diversos movimentos astrais, pois que se via
um céu cheio de estrelas girar em volta da terra, sem
que nenhuma delas se afastasse da outra, mas, mantendo
sempre a mesma distância e relação, e ao mesmo tempo
urna ordem certa, voltarem-se em tomo da terra à maneira
duma roda em que se pregassem inumeráveis espelhos,
e que girasse em tomo do próprio eixo. Tem-se por
evidente, devido ao sentido da vista, que aqueles corpos
luminosos não possuem movimento próprio, pelo qual
se possam deslocar no ar, como as aves, mas o da revo-
lução dos céus em que estão fixos, feito pela energia
divina de qualquer inteligência.
FIL. Assim se crê geralmente; mas esta fantasia
- quando for compreendido o movimento deste mundo

[ 87]
em que estamos, que sem estar fixo em qualquer esfera
se movimenta no espaçoso campo geral, por um prin-
cipio intrínseco, por natureza e alma próprias, girando
em volta do Sol, e voltando-se em torno do próprio
centro - será aniquilada, e abrir-se-á a porta para a
inteligência dos verdadeiros princfpios das coisas natu-
rais, e a largos passos poderemos percorrer os caminhos
da verdade, que, escondida sob o véu de tão sórdidas
e boçais fantasias tem estado até ao presente oculta
pela injúria do tempo, e pelas vicissitudes das coisas,
depois que ao dia dos antigos sábios sucedeu a noite
cerrada dos temerários sofistas.

Não está parado, gira


O que no céu. e sob o céu se mira.
Para cima ou para baixo. tudo se move
Em tempo longo ou breve.
Seja pesado ou leve.
E tudo vai talvez. com o mesmo passo.
Para o mesmo lugar.
E tudo corre. corre até chegar.
Tanto remexe a água em ebulição.
Que uma mesma parte
Se move para cima. ou para baixo.
E a mesma agitação
A tudo impõe o mesmo fado. desta arte.

ELP. Com certeza, não há dúvida alguma de que


a fantasia dos estreliferos e flamfferos (1), dos eixos,
dos céus móveis, do serviço dos epiciclos, e de muitas
outras quimeras, não é ocasionada por outro principio,
senão por se supor, como de facto parece, que esta
terra está no meio e centro do universo, e que estando só,
imóvel e fixa, tudo se move à sua volta.

[ 88]
FIL. O mesmo parece aos que estão na lua ou
noutros astros, que existem neste mesmo espaço, e que
são terras ou sóis.
ELP. Supondo, por agora, que a terra com o seu
movimento causa esta aparência do movimento diurno
e do mundo, e com as várias feições de tal movimento
provoca todos os outros movimentos, que se vê ajus-
tarem-se igualmente a inumeráveis estrelas, nós conti-
nuaríamos a dizer que a Lua (que é outra terra) se move
por si própria ao ar, em torno do Sol. Da mesma forma
Vénus, Mercúrio, e os outros astros, que são também
outras terras, realizam os seus percursos em tomo do
mesmo pai de vida.
FIL. Assim é.
ELP. Movimentos próprios de cada um são os
que se observam além deste movimento, dito do mundo,
e próprios das chamadas estrelas fixas (devendo-se ·referir
um e outro à terra); e tais movimentos são mais que
os diferentes corpos, de maneira que é impossível
ver-se dois astros juntarem-se numa mesma ordem
e medida de movimento, se se admitir movimento em
todos aqueles que não mostram variação alguma pela
grande distância a que estão de nós.
EmboJ;a eles façam os seus giros em tomo do fogo
solar, e rodem em volta dos próprios centros, ~
participação do calor vital, as diferenças da sua aproxi-
mação ou do seu afastamento não podem ser apercebidas
por nós.
FIL. Assim é.
ELP. Existem, pois, so1s inumeráveis e infinitas
terras, que giram à volta daqueles sóis, como estes sete
giram em tomo deste sol que aos é vizinho.
FIL. Assim é.

[ 89]
ELP. Portanto, como é que em torno de outros
lumes que são sóis, não vemos moverem-se outros lumes
que sejam terras, e além disso, nos que vemos não
podemos compreender movimento algum, ficando sempre
todos os corpos mundanos (excepto os cometas) na
mesma disposição e distância?
FIL. A razão é que nós vemos os sóis que são
os maiores, antes grandíssimos corpos, mas não vemos
as terras, que, por serem corpos muito menores, são
invisíveis; nem é absurdo que existam ainda outras
terras que se movam em tomo deste sol, e que não
apercebemos, ou por maior distância, ou por menor
grandeza, ou por não terem muita superfície de água,
ou por não terem a dita su,perficie voltada para nós,
e oposta ao sol, por meio da qual, como num espelho
cristalino que recebe os raios solares, se tomam visíveis.
Dai, não é maravilha, nem contra a natureza, que muitas
vezes ouçamos dizer que o sol está eclipsado, sem que
entre ele e a nossa vista se viesse interpor a lua.
Além dos visfveis, podem ainda existir inumeráveis
lumes aquosos (isto é, terras em que a água toma parte)
que giram em tomo do sol; mas os diferentes momentos
do seu rodar não são perceptíveis, devido à grande
distância; dai, naquele lentíssimo movimento que existe
nos mundos visíveis, sobre, ou para além de Saturno,
não se notam variações de movimento de uns e de outros,
nem tão pouco ordem no movimento de todos em
tomo do meio, quer consideremos a terra meio, quer o sol.
ELP. Como querias tu que todos, conquanto distan-
tissimos do meio, isto é, do sol, pudessem participar
razoàvelmente do calor vital daquele?
FIL. Por isto, que, quanto mais afastados estão,
maior circulo fazem; quanto maior circulo fazem, tanto

[ 90]
mais lentamente se movem à volta do sol; quanto mais
vagarosamente se movem, tanto mais resistem aos quentes
e abrasadores raios daqude.
ELP. Pretendias, então, que aqudes corpos, se bem
que estejam tão distantes do sol, possam, contudo, receber
tanto calor quanto lhes baste, porque, girando com mais
vdocidade em tomo -do próprio centro, e com mais
lentidão à volta do sol, poderiam não só participar
de tanto calor, mas ainda de mais, se necessário fosse:
visto que, pdo movimento mais rápido em torno do
próprio centro, a mesma parte do convexo da terra
que não foi suficientemente aquecida, mais depressa se
toma a restaurar, e pelo movimento mais lento em torno
do meio ardente, por estar mais submetida à acção
daqu~e. vem a receber com mais vigor os raios chame-
jantes?
FIL. Assim é.
ELP. Queres, portanto,. que os astros que estão
para além de Saturno, se são verdadeiramente imóveis
como parecem, venham a ser os inumeráveis sóis ou
fogos que nos são mais ou menos sensíveis, em tomo
dos quais giram as terras próximas, que não são perceptí-
veis por nós?
FIL. Assim se deveria dizer, atendendo que todas
as terras são dignas de ter a mesma razão, e a mesma
todos os sóis.
ELP. Julgas, por isso, que todos aqudes sejam sóis?
FIL. Não; porque não sei se todos, ou a maior
parte, são imóveis, ou se alguns ddes giram em tomo
dos outros, pois, não há quem o tenha observado e
não é fácil de observar; como não se apercebe fàcilmente
o movimento e o progresso duma coisa longínqua,
que a uma grande distância com dificuldade se vê ter

[ 91]
mudado de lugar, tal como acontece na observação dos
navios no alto mar.
Mas, seja como for, sendo o universo infinito,
é alfim necessário que existam mais sóis; pois que é
impossivd que o calor e a luz de um particular se possa
difundir pelo imenso, como imaginou Epicuro, se é
verdade o que outros lhe atribuem.
Por isso se requer, também, que existam sóis inume-
ráveis, sendo muitos ddes visíveis sob a espécie de
pequenos corpos; mas pode ser, às vezes, que um astro
que nos parece pequenino, seja muito maior do que
outro que nos pareça máximo.
ELP. Tudo isso se deve, pelo menos, julgar possível
e conveniente.
FIL. Em tomo daqudes podem girar terras de
maior ou menor massa que esta.
ELP. Como poderei conhecer a diferença? Ou
antes, como distinguirei os fogos, das terras?
FIL. Por isto, que os fogos são fixos e as terras
móveis, os fogos cintilam e as terras não; sendo o segundo
sinal mais sensfvd do que o primeiro.
ELP. Dizem que a cintilação aparente procede do
afastamento de nós.
FIL. Se assim fosse, o sol não cintilaria mais do
que os outros, e os astros menores, que estão mais
afastados, cintilariam mais do que os maiores, que estão
mais próximos.
ELP. Julgas que os mundos igneos são também
habitados, como os aquosos?
FIL. Nada mais, nada menos.
ELP. Mas que animais podem viver no fogo?
FIL. Não julgues que des são corpos constituídos
por partes semdhantes; porque não seriam mundos,

[ 92]
mas massas vazias, vãs e estéreis. Contudo, é natural
e conveniente que haja diversidade nas suas partes,
como nesta, e noutras terras, há diversidade nos próprios
membros; se bem que estes sejam sensíveis como águas
iluminadas, e aqueles como chamas luminosas.
ELP. Julgas que, quanto à consistência e solidez,
a matéria próxima do sol seja também a que é matéria
próxima da terra? (Porque sei que não duvidas ser uma
a matéria prim.eira de tudo o que existe).
FIL. É exacto. Assim o entendeu Timeu, o con-
firmou Platão, todos os verdadeiros filósofos o souberam,
mas poucos o explicaram, não se encontrando nenhum,
no nosso tempo, que o tenha compreendido; pelo con-
trário, de mil modos lhe vão dificultando a compreensão.
O que adveio por desgaste de hábito e defeito de prin-
clpios.
· ELP. Embora não tivesse talvez atingido esta
maneira de ver, aproximou-se dela a Dottla lgnoránâa
do Cusano, quando, falando das condições da terra,
afirma o seguinte: (I)
«Não tlneis j11/gar qne, por çama da s11a obmtridade e
çor negra, possa1110s argumetllar q11e o çorpo lerrmo seja 11il,
e mais ign6bi/ tio fJ1# os or1Jros ,· portp#, se nós Jossemos habi-
tantes tio sol, lliio 11lamos a dariáade fJ1# nele llemos, desta
região fJ1# lhe é armnfuenâal. Além de fJI#, ao presente,
se bem o observarmos, desçobriremos qllt Jem j1111Jo tio setl
meio qiiiiSe 11111a terra, 011 tal11ez çomo qne 11111 çorpo l»ímitio
e nebrtloso, tionJe, çomo drtm drçg/o . armnfuendal, áij1111de
a luz ç/ara e radiante. Dai, tanJo ele çonJo a terra, 11Im a
su rompostos tios mesmos ekmmtos».
FIL. Até aqui falou divinamente; mas prossegue,
apresentando o que de acrescenta.

[ 931
ELP. Pdo que acrescenta, dá-se a entender que
esta terra é um outro sol, e que todos os astros são da
mesma maneira sóis. Diz assim:
«Se algllém fosse para além da região do fogo, pareçer-lhe-ia
esta terra, por meio do fogo, uma ltkida estrela na drtt~~~ferlnda
da s11a região,· da mesma maneira que a nós, porque estamos
na eirtt111ferência da região do sol, este nos pareçe lumino.rlssimo,
e a l11a não pareçe igualmente luminosa, talvez porque nós
estamos nas partes intermédias quanto à .t11a drçlllljerlnçia,
ou, çomo ele disse, nas partes çentrais, isto é, na região húmida
e aq110sa desta; e, portanto, se bem que lenha a .t11a luz própria,
nada disto nos pareçe, pois o que vemos na mperfkie IZIJIIOSa,
é devido à reflexão da luz solan>.
FIL. Conheceu e viu muito, este senhor, que é
verdadeiramente um dos particularlssimos engenhos que
têm respirado estes ares; mas, quanto à apreensão da
verdade, fez tal como quem nada em ondas tempestuosas,
ora arremessado para cima, ora para baixo; porque
não via a luz continua, aberta e clar.t, não nadando com
regularidade e tranquilidade, mas interruptamente, e com
certos intervalos. A ruão disto, é, que ele não se libertou
de todos os falsos princípios da doutrina comum de
que estava imbuido, e de que tinha partido; de maneira
que, talvez não por mero acaso, lhe vem muito a propó-
sito o titulo posto ao seu livro, Da Dollla lgnorâtuia
ou Da Ignorante Doutrina.
ELP. Qual foi o principio que devia afastar, e não
afastou?
FIL. Que o elemento do fogo, como o ar, choca
com o movimento do céu; e que o fogo é um corpo
subtillssimo, o que é manifesto ser contra a realidade
e verdade, como já vimos a propósito de outros assuntos,

[ 941
e em outros discursos pertinentes, nos quais se conclui
ser tão necessária a existência dum princípio material
sólido e consistente do corpo quente como do corpo
frio; e que a região etérea não pode ser de fogo~ nem
fogo, mas aquecida e acesa por um corpo próximo,
sólido e espesso, como é o sol ('f).
Quando se pode falar natuntlmente duma coisa,
não é mister recorrer a fantasias matemáticas. Vemos
que todás as partes que a terra tem não são luminosas
por si próprias; vemos que algumas podem brilhar por
influência estranha, como a sua água, o seu ar vaporoso,
que recolhem o calor e luz do sol, podendo difundi-los
pelas regiões circunstantes. Portanto, é necessário que
exista um corpo primeiro, ao qual convenha ser, por
ele próprio, simultâneamente quente e luminoso; e tal
não pode ser, se não for constante, espesso e denso;
porque o corpo raro e ténue não pode ser sujeito de
luz nem de calor, como doutra vez demonstrámos.
É necessário, pois, que os dois fundamentos das duas
primeiras qualidades contrárias, activas, sejam semelhan-
temente constantes; e que o sol, segundo as partes
que nele são luminosas e quentes, seja como uma pedra,
ou um metal solidissimo incandescente; não digo metal
liquescente, como o chumbo, o bronze, o ouro, a prata,
mas metal infusfvel, não propriamente o ferro incan-
descente, mas o ferro que é já o próprio fogo; e que,
como este astro em que estamos é por si frio e escuro,
não participando de luz e calor senão quando é aquecido
pelo sol, assim aquele é por si próprio quente e luminoso,
não participando do frio e opacidade senão quando é
arrefecido pelos corpos circunstantes, tendo em si partes
de água, como a terra tem partes de fogo. E como
neste corpo frigidissimo, o primeiro frio e opaco, existem

[ 95]
animais que vivem pelo calor e luz do sol, assim naquele
quentíssimo e luminoso existem aqueles que vegetam
pela refrigeração dos corpos frios circunstantes; e assim
como este corpo é, por participação, quente nas suas
partes dissemelhantes, também aquele é frio nas suas,
por participação.
ELP. Agora que dizes da lua?
FIL. Digo que o sol não brilha ao sol, a terra
à terra, nenhum corpo brilha em si, mas todo o corpo
luminoso brilha no espaço à sua volta. Contudo, embora
a terra seja um corpo luminoso pela incidência dos
raios solares, na superfície cristalina, a sua luz não nos
é sensíYel, nem aos que se encontram em tal superfície,
mas aos que estão em oposição a ela. Como, além disso,
posto que de noite toda a superfície do mar seja ilumi-
nada pelo esplendor da lua, contudo, para os que estão
no mar, isso só se observa com respeito a um certo
espaço que está em oposição, contra a lua; e se a esses
fosse possível erguer-se mais e mais, no ar, sobre o
mar, viria a dimensão da luz a crescer sempre mais
e mais, descortinando-se mais espaço do campo lumi-
noso.
Daqui se pode fàcilmente concluir que, aos que
estão nos astros luminosos, ou iluminados, não é sens1vel
a luz do seu astro, mas a dos circunstantes; assim como
num mesmo lugar comum, um lugar particular toma
luz dum lugar particular diverso.
ELP. Queres dizer que, aos que vivem no sol,
não faz dia o sol, mas outra estrela circunstante?
FIL. Assim é. Não o compreendes?
ELP. Quem não o cotnpreenderia? Antes, segundo
esta maneira de ver, v~ho:.a compreender bastantes
outras coisas. ··· ·

[ 96]
Existem, pois, duas espécies de corpos luminosos:
os fgneos, que são primàriamente luminosos; e os aquosos
ou cristalinos, que são secundàriamente luminosos.
FIL. Assim é.
ELP. Então a razão da luz não se deve referir a
outro principio?
Fn. Como pode ser de outro modo, se nós não
conhecemos outro fundamento da luz? Para que quere-
mos apoiar-nos em vãs fantasias, quando a própria
experiência nos ensina?
ELP. É verdade que não devemos pensar que a
luz daqueles corpos lhes advém por certo acidente
circunstante, como a podridão das lenhas, as escamas e
os grumos viscosos dos peixes, ou os dorsos fragilissimos
dos ratos do monte e dos pirilampos, acerca da razão
de cujo lume outra vez raciocinaremos .
. FIL. Como te aprouver.
ELP. Enganam-se, também, os que dizem serem
os corpos luminosos circunstantes certas quintas-essên-
cias (4), certas divinas substâncias corpóreas, de natureza
contrária a estas que estão junto de nós, e junto das
quais nós estamos, como se enganariam os que dissessem
o mesmo duma candeia, ou dum cristal luzente visto
de longe.
FIL. Com certeza.
FRA. Na verdade, 1sso é conforme aos sentidos,
à razão e ao intelecto.
BúR. Não já ao meu, que julga simplesmente a
vossa maneira de ver uma doce sofistiquice.
FIL. Responde-lhe tu, Fracastório; porque eu e
Elpino, que temos falado muito, estamos agora para ouvir.
FRA. Meu doce Búrquio, eu prefiro pôr-te no
lugar de Aristóteles, e fictr no lugar dum homem simples

[ 97 J
e rústico, que confessa nada saber, que pressupõe nada
ter percebido do que Filóteo diz e entende. e do que
pensa Aristóteles, e todo o mundo ainda. Acredito na
multidão, creio em nome da fama e majestade da autori-
dade peripa~ca, admiro juntamente com uma inúmera
multidão a divindade deste génio da natureza ('), e por
isso venho junto de ti para ser informado da verdade,
e libertar-me da persuasão daquele que tu chamu sofista.
Agora pergunto-te: porque dizes tu que há diferença
gdndfssima, ou grande, ou qualquer que seja, entre
aqueles corpos celestes e estes que estio perto de nós?
BúR. Aqueles são divinos, estes silo uns mate-
rialões.
FRA. Como me farás ver e acreditar que aqueles
são mais divinos?
BúR. Porque aqueles são impassiveis, inalteráveis,
incormptiveis e eternos, estes, ao contrário; aqueles,
móveis de movimento circula.r e perfeitissimo, estes,
de movimento recto.
FRA. Quereria saber se, depois de bem considerares,
jurarias não ser este corpo único (que tu entendes como
sendo três ou quatro corpos, e não entendes como
membros do mesmo composto), móvel como os outros
astros móveis, dado que o movimento deles não nos
é sensfvd, porque estamos afastados para além duma certa
distAncia; e este, se existe, não nos pode ser sensivel,
porque, como notaram os verdadeiros contempladores
da natureza, antigos e modernos, e como os sentidos
no-lo manifestam de mil .maneiras, pela experi~cia,
não nos podemos aperceber do movimento senão por
certa comparação, e relação, a qualquer coisa fixa; da
mesma forma que um, que não saiba que a água corre,
e que não veja as margens, encontrando-se no meio

[ 98]
da água, dentro dum navio que deslize, não tetá a noção
do movimento dele. Pela dita razão poderia entrar
em dúvida e permanecer incerto com respeito a
esta quietude e fixidez; e posso também supor que,
estando eu no so~ na lua, e noutras estrelas, sem-
pre me pareceria estar no centro do mundo, imóvel,
em tomo do qual giraria tudo o que está à volta,
girando tal como o corpo continente em que me
encontro, em tomo do próprio centro. Eis porque
não estou certo da diferença entre o móvel e o
estável.
Quanto ao que dizes do movimento recto, com
certeza não vemos este corpo mover-se em linha recta,
como tio-pouco não vemos os outros. A terra, se se
move, move-se circularmente como os outros astros,
tal como afumam Platão, Hegésias (') e todos os sábios,
devendo aceitá-lo Aristóteles, e todos os outros. E o
que nós vemos subir e descer da terra, não é todo o
globo, mas certas partículas dele, que não se afastam
para além da região que é calculada entre as partes
e membros deste globo; em que, como num animal,
há o defluxo e influxo das partes, certa vicissitude, certa
transformação e renovação. E se tudo se passa da
mesma maneir.l nos outros astros, não se requer, todavia,
que nos seja do mesmo modo sensível, porque estas
elevações e exalações de vapores, esta sequência de
ventos, chuvas, neves, trovões, esterilidades, fertilidades,
inundações, nascimento, morte, se existem nos outros
astros, também não nos são sensíveis. Mas aqueles
sõmente nos são sensíveis pelo continuo esplendor,
que da sua superflcie de fogo, de água, ou de nuvens,
enviam pelo grande espaço. Como este astro é igualmente
sensível àqueles que estio nos outros, pelo esplendor

[ 99]
que difunde da superfície dos mares (e às vezes pelo
aspecto afectado por corpos nublados, pela mesma razão
que na lua as partes opacas parecem menos opacas),
não se mudando a sua superfície senão em enormes
intervalos de idades e séculos, em cujo decurso os
mares se mudam em continentes, os continentes em
mares. Estes corpos e aqueles são, pois, sensíveis pela
luz que difundem. A luz que desta terra se propaga
aos outros astros, não é mais nem menos perpétua
e inalterável que a de astros semelhantes: e assim como
não nos é sensfvel o movimento recto, e a alteração
dessas parrlculas, a eles não é sensível qualquer outro
movimento e alteração que se possa encontrar neste
corpo; e assim como da lua desta terra, que é uma
outra lua, se vêem diversas partes, umas mais, outras
menos luminosas, assim, tamJJém da terra daquela lua,
que é uma outra terra, se vêem diversas partes pela
variedade e dissemelhança de espaços da sua suoerffcie.
E como, se a lua estivesse mais afastada, faltando o
diâmetro das partes opacas, as partes luminosas iriam
unir-se e apertar-se, tomando o aspecto dum corpo
mais pequeno, e todo luminoso, assim pareceria a terra,
se estivesse mais distanciada da lua.
Dai podermos imaginar que as estrelas inumqáveis
são outras tantas luas, outros tantos globos terrestres,
outros tantos mundos semelhantes a este; em tomo
dos quais esta terra parece girar, como aqueles parecem
voltar-se e girar em tomo desta ~rra.
Porquê, pretendermos afirmar que há diferença
entre estes e aqueles corpos, se os vemos tão seme-
lhan1lts? :Porquê, querermos negar a semelhança, se
não ··1a.Í~arazão nem sentido que nos induza a duvi-
dar debciSos di ',

[ 100]
BúR. Assim, tens por provado que aqueles corpos
não diferem deste?
FRA. E muito bem; porque o que de lá se pode
ver neste, vê-se naqueles, daqui; o que naqueles se vê
de cá, neste vê-se de lá; por outras palavras: tanto este
como aqueles são corpos pequenos, em parte luminosos
pela menor distância a que este e aqueles estão; este,
e aqueles, totalmente luminosos, mas mais pequenos,
em virtude da maior distância a que estão.
Búa. Onde está então aquela boa ordem, aquela
bela hierarquia da natureza, pela qual se sobe do corpo
mais denso e espesso que é a te~ ao menos espesso
que é a água, ao subtil que é o vapor, ao mais subtil
que é o ar puro, ao subtillssimo que é o fogo, ao divino
que é o corpo celeste? Do escuro ao menos escuro,
ao claro, ao mais claro, ao clarlssimo? Do tenebroso
ao lucidfssimo, do alterável e corruptível ao isento de
qualquer alteração ou corrupção? Do gravíssimo ao
grave, deste ao leve, do leve ao levíssimo, deste, àquele
que não é gr.a.ve nem leve? Do móvel para o meio,
do meio para o móvel, e finalmente, ao móvel em tomo
do meio?
FRA. Queres saber onde está essa ordem? - Onde
estão os sonhos, as fantasias, as quimeras, as loucuras.
Porque, quanto ao movimento, tudo o que se move
naturalmente tem translação c:ircu.lÜ, ou em tomo do
seu meio, ou em volta dum alheio; digo circular, não
já considerando o drculo e a translação circular, simples
e geometricamente, mas segundo a regra pela qual
vemos os corpos naturais mudarem-se de lugar, fisica-
mente. O movimento recto não é próprio nem natural
de corpo algum principal, porque só se verifica nas
partes, que são quase dejectos que emanam dos corpos

[ 101]
mundanos, ou então de qualquer modo se dirigem às
esferas conaturais e continentes. Assim vemos as águas,
que em forma de vapor rarefeito pelo calor, sobem,
e condensadas pelo frio numa forma própria, voltam
para baixo, pelo processo que havemos de explicar no
lugar oportuno, quando considerarmos o movimento.
Quanto à disposição dos quatro corpos, a que chamam
terra, água, ar, fogo, gostaria de saber que natureza,
que arte, que sentido a faz, a verifica, a demonstra.
BúR. Negas então à famosa distinção dos elementos?
FRA. Não nego a distinção, porque deixo cada
um distinguir como lhe aprouver, as coisas naturais;
mas nego esta ordem, esta disposição; isto é, que a
terra seja circundada e contida pela igua, a água pelo ar,
o ar pelo fogo, e o fogo pelo céu. Porque afirmo ser
um, apenas, o continente e recepticulo de todos os
corpos, e grandes estruturas, que vemos como que
disseminados e dispersos neste campo ampUssimo: onde
cada um de tais corpos, astros, mundos, lumes eternos,
é composto do que se chama terra, água, ar, fogo ('7).
Se na substância da sua composição predomina o fogo,
o corpo chama-se sol, e é luminoso por si próprio;
se predomina a água, o corpo chama-se globo terrestre,
lua, ou coisa que o valha, e brilha por influência alheia,
como já se disse. Nestes astros ou mundos, como
lhes queiram chamar, compreendem-se do mesmo modo
ordenadas estas partes dissemelhantes, segundo várias
e diversas feições de pedras, lagoas, rios, fontes, mares,
areias, metais, cavernas, montes, planfcies, e outras tais
espécies de corpos compostos, de sftios e figuras, que
são nos animais as partes heterogéneas, segundo as
várias compleições de ossos, de intestinos, de veias,
de artérias, de carnes, de nervos; de pulmões, de membros

[ 102]
de uma e outra figura, apresentando os seus montes e
vales, os seus recessos, as suas águas, os seus espfritos,
os seus fogos, com acidentes proporcionais a todas as
impressões meteóricas, isto é, os catattos, as erisipelas,
os cálculos, as vertigens, as febres, e outras inúmeras
disposições e hábitos que correspondem às neblinas,
chuvas, neves, canículas, abrasamentos, aos raios, tro-
voadas, terramotos, ventos, e às violentas tempestades
de mar. Portanto, se a terra e outros mundos são
animais diversos dos animais vulgarmente tidos como
tais, são com certeza animais por uma razão maior,
e mais importante. Contudo, como poderá provar
Aristóteles, ou outro qualquer, que o ar está mais em
volta da terra do que dentro da terra, se não existe parte
alguma desta em que aquele não tenha lugar e não
penetre, talvez, pelo modo como os antigos quiseram
considerar o vácuo, por abranger tudo por fora e pene-
trar dentro do pleno? Como podes imaginar que a terra
tenha espessura. densidade e consistência, sem a água
que junte e una as partes? Como podes compreender
que a terra é mais grave para o meio, sem que acredites
que as suas partes são af mais espessas e densas, cuja
espessura é impossível sem água, que só tem poder
para aglutinar parte a parte? Quem não vê que por
toda a parte da terra se erguem sobre a água ilhas e
montes, e não só sobre a água, mas no ar vaporoso e
tempestuoso encerrado entre os altos montes, e contado
entre os membros da terra, para formar um corpo perfei-
tamente esférico; dai, não é evidente que as águas não
estão menos dentro das vísceras daquela, que os humores
e o sangue dentro das nossas? Quem não sabe que
nas profundas cavernas e concavidades da terra estão
os principais ajuntamentos de água? E se dizes que

[ 103]
está húmida sobre as praias, respondo, que não são
estas as partes superiores da terra, porque tudo o que
está entre os montes altíssimos se compreende na sua
concavidade. Vê-se, semelhantemente, nas gotas empoei-
radas, pendendo, e consistentes sobre o plano; porque
a alma Intima que compreende todas as coisas, e está
em todas elas, faz em primeiro esta operação: unir
quanto pode as partes, segundo a capacidade do sujeito.
E não é porque a água esteja ou possa estar naturalmente,
sobre, ou em volta da terra, mais que o húmido da nossa
substância esteja sobre, ou em volta do nosso corpo.
Concordo, que, de todos os pontos da praia e
lugares onde se encontram os grandes ajuntamentos
de água, se vê que eles são mais elevados no meio.
E, decerto, se as partes da terra se pudessem assim unir,
fá-lo-iam semelhantemçnte, como é evidente pela forma
esférica que assumem, quando aglutinadas pela água:
porque toda a união e espessura das partes, que se encon-
tram no ar, procede da água. Existindo, pois, a água,
nas vlsceras da terra, e não havendo parte alguma dela,
que faça a espessura e união das partes, que não contenha
mais partes de água que de terra (porque onde há o
espessamento, são máximos a composição e o domlnio
de tal sujeito, que tem a virtude das partes coerentes),
haverá alguém que não prefira afirmar que a água
é a base da terra, e não a terra da água? Que aquela
se funda nesta, e não esta naquela? E escusa de notar
que a altura da água sobre a superficie da terra que
habitamos, e dita mar, não pode ser, e não é tanta, que
se compare com a massa desta esfera, não estando verda-
deiramente à sua volta, como crêem os insensatos, mas
dentro dela. Como, forçado pela verdade, ou pela
costumada afirmação dos antigos filósofos, Aristóteles

[ 104]
confessou no livro primeiro da sua Meteora ( 1), quando
reconheceu que as duas regiões ínfimas do ar turbulento
e inquieto estão interceptadas e compreendidas nos
altos montes, e são como que partes e membros daquela;
e esta é circundada e compreendida pelo ar sempre
tranquilo, sereno e claro, com as estrelas à vista; pelo
que, baixando os olhos, vêem-se todos os ventos, nuvens,
névoas e tempestades, fluxos e refluxos, que procedem
da vida e respiração deste grande animal e nume, a que
chamamos Terra, que foi designada por Ceres, repre-
sentada por Isis, intitulada Prosérpina e Diana, a mesma
que no céu se chama Lucina; entendendo-se que esta
não é de natureza diferente daquela. Pouco falta para
este bom Homero(') dizer, quando não dorme, que a
água tem lugar natural sobre, ou à volta da terra, onde
não se encontram ventos, nem chuvas, nem névoas.
E, se tivesse considerado e reparado melhor, teria
ainda visto que o meio deste corpo (se é aí o centro
de gravidade) é mais lugar de água, que de terra; porque
as partes da terra não são graves, sem que entre muita
água na composição delas, sem a qual não recebem
do peso, e do próprio impulso, a capacidade de descer
do ar e encontrar a esfera do próprio continente. Por-
tanto, que juízo recto, que verdade natural distingue
e ordena estas partes, na forma em que é concebida pelo
vulgo cego e ignóbil, aprovada por aqueles que falam
sem ponderar, predicada por quem muito diz, e pouco
pensa? Quem acreditará, ainda, não ter fundamento
de verdade (mas se é criada por um homem sem autori-
dade, é coisa que faz rir; se é referida por pessoa consi-
derada, e conhecida como ilustre, é coisa para ser contada
por mistério ou parábola, e interpretada por metáfora;
se é apresentada por um homem que tem mais senso

[ 105]
e intelecto que autoridade, enumerada entre os paradoxos
ocultos) a sentença de Platão tirada de Timeu (1°), de
Pitágoras e outros, que declara nós habitarmos no
côncavo e escuro da terra, e termos para os animais,
que existem sobre à terra, a mesma relação que os peixes
têm para nós; porque, assim como estes vivem num
húmido mais espesso e denso do que o nosso, também
nós vivemos num ar mais carregado do que aqueles
que estão numa região mais pura e tranquila; e assim
como o oceano é água, com respeito ao ar impuro,
será assim o nosso ar enevoado, em relação àquele outro,
verdadeiramente puro? (11).
De tal maneira de ver, e dizer, o que pretendo
concluir é o seguinte: que o mar, as fontes, os rios,
os montes, as pedras, e o ar neles contidos, e neles com-
preendidos até à região que dizem intermédia, não são
senão partes e membros dissemelhantes dum mesmo
corpo, duma mesma massa, bastante proporcionais às
partes e membros que nós vulgarmente conhecemos
por compostos animais, e cujo termo, convexidade e
superfície última são limitadas pelas margens extremas
dos montes, e pelo ar tempestuoso; de sorte que, o
oceano e os rios pennanecem nas profundidades da
terra, como o fígado, considerado fonte do sangue, e as
veias, ramificadas, estão contidas e estendidas pelas par-
tes mínimas.
BÚR. Então a terra, que está no meio, não é corpo
mais grave? Não é depois seguida pela água, que a
circun~ com respeito à gravidade, que é por sua vez
mais grave que o ar?
PRA. Se julgas o grave pela maior facilidade que
tem de penetrar nas partes, e introduzir-se no meio,
ou no centro, direi que entre todos os chamado.> elemen-

[ 106 J
tos, o ar é o mais grave e o mais leve. Porque, assim
como cada parte da terra, se se lhe dá espaço, desce
até ao meio, assim as partes do ar correrão mais ràpida-
mente para o meio, que parte de qualquer outro corpo;
porque ao ar compete ser o primeiro a suceder ao espaço,
e a obstar ao vácuo, enchendo-o. Já não preenchem tão
ràpidamente o lugar as partes da terra, que ordinà-
riamente não se movem, senão penetrando-lhes o ar;
porque, para fazer que o ar penetre, não é necessário
terra, água, ou fogo, nem mesmo nenhum destes o
antecipa ou vence por serem mais prontos, aptos, e expe-
ditos em encher os ângulos do corpo continente. Além
disso, se a terra que é corpo sólido, sair, será o ar a ocupar
o seu lugar; mas a terra não está apta a ocupar o lugar
do ar que sai. Consequentemente, sendo próprio do
ar o mover-se, e penetrar em todos os sitios e recessos,
não há corpo mais leve que o ar, nem corpo mais pesado
que o ar.
BúR. Que dizes agora da água?
FRA. Da água já disse, e repito, que ela é mais
grave que a terra, porque vemos com mais eficiência
o humor descer e penetrar na terra, até ao meio, que
a terr;~. penetrar na água; além disso, a terra, tomada
sem composição de água, flutuará na água, e ficará
sem capacidade de penetrar nela, não descendo, se não
for primeiro embebida em água, e condensada numa
massa e num corpo espesso, por meio de cuja espessura
e densidade adquire o poder de penetrar dentro e debaixo
da água. Esta, pelo contrário, nunca descerá por mérito
da terra, mas porque se agrega. condensa e redobra
o número das suas partes, para embeber e amassar a
terra; por isso, vemos que um vaso cheio de cinza,
verdadeiramente seca, leva bastante mais água que um

[ 1071
outro vaso igual, sem nada. Portanto, a terra como
terra está em cima, e sobrenada a água.
BúR. Explica-te melhor.
PRA. Torno a dizer que, se se extraísse toda a
água da terra, de maneira que ficasse pura terra, o resul-
tante seria necessàriamente um corpo incongruente, raro,
dissolvido e fácil de dispersar pelo ar, ainda sob a forma
de inúmeros corpos descontínuos; porque o que faz
o continuo, é o ar, e o que faz pela coerência o continuo,
é a água, seja qual for o composto, coerente e sólido,
que ora é um, ora é o outro, ora é o composto de um
e outro.
Daí, se a gravidade não procede de outra coisa,
senão da coerência e espessura das partes, e as da terra
não têm coerência senão pela água - cujas partes se
unem por si, como as do ar, e a qual tem mais eficiência
que qualquer outra coisa, se acaso não houver uma
força singular, que faça que as partes de outros corpos
se unam-, acontecerá que a água, em relação a outros·
corpos que por ela se tomam graves, e pela qual outros
adquirem o ser pesado, é em primeiro lugar, grave.
Por isso, os que disseram que a terra tem por base a
água, não deviam ser considerados loucos, mas muito
mais sábios (ls).
BúR. O que nós dizemos, é que a terra se deve
sempre considerar no meio, como tantas personagens
doutfssimas concluiram.
PRA. E~ os loucos confirmam.
BúR. Que dizes dos loucos?
FRA. Digo que esta afirmação não é confirmada
nem pelos sentidos nem pela razão.
BúR. Não vemos que os mares têm fluxo e refluxo,
e os rios fazem o seu curso sobre a superflcie da terra?

[ 108]
PRA. Não vemos as nascentes, que são o principio
dos rios e fazem as lagoas e os mares, brotar das vfsceras
da terra, e não de fora das entranhas da terra, se acaso
compreendeste o que ainda há pouco disse, várias vezes?
BúR. Vemos a água descer do ar, antes que as
fontes se formem pela água.
PRA. Sabemos que a água - se desce dum ar
diferente do que é parte, e que pertence aos membros
da terra - está primeiro, original, principal e totalmente
na terra; depois está no ar, derivativa, secundária, e parti-
cularmente.
BúR. Sei que te baseias nisto, que a verdadeira
superfície extrema do convexo da terra não se mede
a partir da face do mar, mas do at" igual aos montes
altfssimos.
PRA. Assim afirmou e confirmou o vosso príncipe
Aristóteles.
BúR. Este nosso príncipe é sem comparação mais
célebre, grave, e seguido que o vosso, que ainda não
se viu, nem é conhecido. Por isso, por muito que vos
agrade o vosso, a mim não me desagrada o meu.
FRA. Se bein que vos deixe morrer de fome e frio,
vos alimente de vento, e mande descalço e nú.
FIL. Por favor, não percam tempo com esses
argumentos inúteis e vãos.
PRA. Assim faremos. Búrquio, que dizes a isso
que acabas de ouvir?
BúR. Digo que, seja o que for, finalmente é neces-
sário ver o que esti no meio desta massa, deste teu astro,
deste teu animal. Porque, se lá estiver a terra pura, o
modo com que estes ordenaram os d~entos não é vão.
FRA. J:i disse e demonstrei que é mais razoável
estar lá o ar ou a água do que a terra, que, aliás, não

[ 109]
estaria ai sem ser composta com mais partes de água
que venham, por fim, a ser-lhe fundamento; porque
vemos as partículas de água penetrar com mais força
na terra, que as partículas desta, naquela. É, pois, mais
verosimil, antes, necessário, que nas vfsceras da terra
esteja água, do que nas visceras da água esteja terra.
BúR. Que dizes da água que sobrenada e corre
sobre a terra?
FRA. Não há quem não veja que isso é por bene-
ficio e obra da mesma água, que, tendo conglomerado
e fixado a terra, conjugando as suas partes, impede que
ela própria seja absorvida, em demasia, pois doutro
modo penetraria até o profundo da substância, como
vemos ainda por experiência universal.
É necessário, pois, que no meio da terra exista a
água, para que esse meio tenha firmeza, o que se não
deve atribuir de preferência à terra, mas à água; porque
é esta que une e conjuga as partes daquela, e por conse-
quência mais depressa opera a densidade da terra, que;
pelo contrário, a terra cause a coerência das partes da
água, e as faça densas. Se não queres, pois, que no
meio esteja um composto de terra e água, é mais vero-
símil e conforme com a razão, e experiência, que esteja
a água de preferência à terra. E se houver um corpo
espesso, há mais razão que nele predomine a água que
a terra, porque a água é que faz a espessut2 das partes
da terra; a qual se dissolve pelo calor (não &lo da espes-
sura que t.xiste no primeiro fogo, e que é dissolúvel
pelo seu contrário), e que, quanto mais grave e espessa é,
tanto mais participa da água. Dai, julgarmos que as
coisas espessfssimas que existem junto de nós, não só
têm maior participação de á~ mas são a própria
igua em substância, como se verifica na redução dos

[ 110]
corpos mais graves e espessos, que são os metais tiques-
cíveis. E, na verdade, em todo o corpo sólido que tem
partes coerentes existe a água, que junta e une as partes
da natureza, começando pelas mfnimas; de maneira que
a terra, desunida da água, não é senão átomos vagos
e dispersos. Contudo, as partes da água são mais consis-
tentes sem terra, porque as partes da terra de modo
algum se podem conglomerar sem a água. Pois, se o
lugar intermédio se destina ao que para ele corre com
maior impulso, e mais velocidade, em primeiro lugar
convém a<_> ar, que enche tudo; em segundo lugar à
água, em terceiro à terra. Se se destina ao primeiro
grave, ao mais denso e espesso, primeiramente, convém
à água; em segundo lugar ao ar, em terceiro à terra.
Se tomarmos a terra juntamente com a água, primeira-
mente convém à terra; em segundo lugar à água, em
terceiro ao ar. Tanto que, por vários e diferentes motivos,
o meio ajusta-se a vários, em primeiro lugar; segundo
a verdade e a natureza, um elemento não existe sem
outro, e não existe membro da terra, isto é, deste grande
animal, onde não existam todos os quatro, ou pelo
menos três deles.
BúR. Chega depressa à conclusão.
PRA. O que quero concluir, é o seguinte: que a
famosa e vulgar ordem dos elementos e corpos munda-
nos é um sonho e uma vaníssima fantasia, pois nem
por natureza se verifica, nem por razão se prova e argu-
menta, nem deve por conveniência, nem pode por
potência, existir de tal maneira. Resta saber, então,
que existe um campo infinito e espaço continente que
abarca e penetra tudo. Nele existem infinitos corpos
semelhantes a este, não estando qualquer deles mais
no centro do universo que o outro, pois que este é

r 111 1
infinito, portanto, sem centro e sem margens; se bem
que estas coisas se ajustem a cada um destes mundos,
que nele existem, pelo modo que doutras vezes disse,
e especialmente quando demonstrámos que existem certos
meios circunscritos e definidos, que são os sóis, os
fogos, em tomo dos quais giram todos os planetas,
as terras, as águas, tal .qual como vemos estes sete planetas
errantes andarem em tomo deste, que nos é vizinho;
e ainda quando demonstrámos, também, que cada um
destes astros, ou destes mundos, voltando-se em tomo
do próprio centro, produz a aparência dum mundo
sólido e continuo, que arrebata quantos astros se vêem
e possam ex1st1r, girando em tomo dele como centro
do universo. De sorte que, não existe um só mundo,
uma só terra, só um sol; mas são tantos os mundos
quantas as lâmpadas luminosas que vemos à nossa volta,
as quais não estão mais num céu, lugar, e receptáculo,
do que este mundo em que nós estamos está num
receptáculo, lugar e céu. E assim, o céu, o ar imenso
e infinito, embora seja parte do universo infinito, não
é contudo mundo, nem parte de mundos, mas ambiente,
refúgio e campo em que eles existem, se movem, vivem
e vegetam, e põem em efeito os actos das suas vicissitudes,
produzem, alimentam, realimentam, e mantêm os seus
habitantes e animais; e por certas disposições e ordens
regem a natureza superior, mudando a figura dum ente
em inúmeros sujeitos. Portanto, cada um destes mundos
é um meio, para o qual cada uma das suas partes concorre,
e onde assenta toda a coisa congénita; como as partes
deste astro, mesmo de certa distância, e de cada lado
e região circunstante, se relacionam com o seu continente.
Daf, não havendú parte, que, emanando dum grande
corpo, não reflua de novo nele, acontece que ele é eterno,

[ 112]
se bem que seja dissolúvel: cmbom essa infalivel ctcmi-
dadc venha, decerto, se não me engano, duma providência
extrlnscc:a, não duma suficiência int.rlnscca c própria.
Mas isto far-to-ei compreender noutras oportunidades,
com mzõcs mais particulares.
BÚR. Com que então, os outros mundos são habi-
tados como este?
FRA. Se nio são ~ nem melhor, não o sio
menos, nem pior; porque é impossível que uma inteli-
gência, apenas mzoávcl, possa imaginar que inumeráveis
mundos que se mostram tão ou mais magnfficos que
este, sejam privados de habitantes scmclhantes ou melho-
res; os quais são sóis, ou o sol difunde neles os mios
divinfssimos c fecundos, que tanto tomam feliz o próprio
sujeito c fonte, como tomam afortunados os circunja-
ccntes que participam de tal eficiência que se difunde.
Sio, pois, infinitos os principais c inumeráveis
membros do universo, com o mesmo aspecto, supcrflcic,
prerrogativa, eficiência c efeito.
Búa.. Não pensas que exista alguma diferença
entre uns c outros?
F.RA. Já ouviste, mais duma vez, que são por si
luminosos c quentes, aqueles cm cuja composição predo-
mina o fogo; os outros, que são frios c escuros, c cm
cuja composição predomina a água, resplandecem por
participação alheia.
Desta diversidade e oposição, dependem a ordem,
a simetria, a compleição, a pu, a concórdia, a composição,
a vida. De tal sorte, os mundos são compostos por
contrários, vivendo c vegetando alguns contrários, como
as terras c as águas, pelos outros contrários, como os
sóis c os fogos. Creio que assim o entendem, aquele
sábio que disse &zcr Deus a pu nos contrários sublimes,

[ 1131
e aqude outro que afirmou ser o todo consistente por
litígio de concordes, e por amor de litigantes (U).
BúR. Assim, tu pões o mundo de cabeça para baixo.
FRA. Parece-te que faria mal, um que quisesse
inverter um mundo virado às avessas?
BúR. Queres tomar vãs tantas canseiras, estudos,
suores, acerca de «físicas auscultações», de «céus e de
mundos» (16), em que têm alambicado o cérebro tão
grande número de comentadores, parafraseadores, glosa-
dores, compendiadores, sumistas, escoliastas, translada-
dores, divulgadores, teoristas? Em que puseram as
suas bases, e lançaram os seus fundamentos, os dou-
tores profundos, subtis, áureos, magnos, inexpugná-
veis, irrefragáveis, angélicas, seráfi.cos, querúbicos e
divinos? (15).
FRA. AáM os tritura-pedras ou quebra-seixos, os
comúpetos, os escoucinhadores. AJde os visionários,
paládios, olímpicos, firmamenticios, celestes do empfreo,
altissonantes.
BúR. Deveremos, a teu pedido, mandá-los todos
para uma latrina? Não há dúvida que o mundo será
bem governado, se tirarem e desprezarem as especulações
de tantos e tio dignos filósofos I
FRA. Não é justo que tiremos a alface aos burros,
e pretendamos que o gosto ddes seja igual ao nosso.
A variedade de engenhos e intelectos não é menor que
a de espíritos e estômagos.
BúR. Queres que Platão seja um ignorante, Aris-
tóteles um burro, e sejam insensatos, estúpidos e fanáticos,
aqueles que os seguiram?
FRA. Meu filho, não digo que estes sejam os
potros, e aqudes os asnos, estes os monos, e aqueles os
chimpanzés, como queres que eu diga; antes, como

[ 114]
disse de principio, julgo-os heróis da terra, mas não
posso, todavia, acreditar ndes sem motivo, nem admitir-
-lhes aquelas proposições, cujas contraditórias, como
deves ter compreendido, se não és de facto cego e surdo,
são tão expressamente verdadeiras.
BúR. Agora, quem nos servirá de juiz?
FRA. Todo o juízo recto e alacre, toda a pessoa
discreta, que não se obstine quando se achar convencida
e impotente para defender as razões daqudes, e resistir
às nossas.
BúR. · Quando eu não o souber defender, será por
falta. da minha insuficiência, não da sua doutrina; quando
tu, combatendo-os, souberes tirar conclusões, não será
pela verdade da doutrina, mas pelas tuas sofisticas
importunices .
. FRA. Eu, se me reconhecesse ignorante das causas,
abster-me-ia de dar sentenças. Se eu fosse tão afeiçoado
a essas coisas, como tu, julgar-me-ia douto por fé, e não
por ciência.
BúR. Se tu te conhecesses melhor, saberias que
és um asno, presunçoso, sofista, perturbador das boas
letras, carrasco dos engenhos, amador de novidades,
inimigo da verdade, suspeito de heresia.
FIL. Este cavalheiro mostrou até agora ter pouca
doutrina; agora, quer-nos dar a conhecer que tem pouca
discrição, e não é dotado de polidez.
ELP. Tem boa voz, e disputa com mais galhardia
que um frade franciscano (1~. Meu caro Bútquio, louvo
muito a firmeza da tua fé. Disseste ao principio que,
ainda que isto fosse verdade, não o querias crer.
BúR. Sim, prefiro ignorar em companhia de muitos
ilustres e doutos, que saber com poucos sofistas, tais
como esses amigos.

[ 1151
FRA. Muito mal sabes fazer a diferença entre
doutos e sofistas, se quisermos acreditar no que dizes.
Não são ilustres e doutos, os que ignoram, os que sabem,
não são sofistas.
Búa. Eu sei que compreendes o que eu quer<?
dizer.
ELP. Seria bastante se pudessemos compreender
o que dizes, porque tu mesmo, terás grande fadiga para
compreenderes o que queres dizer.
Búa. Andem, andem, mais doutos que Aristóteles;
embora, embora, mais divinos que Platão, mais profun-
dos que Averróis (17), mais judiciosos que um tão grande
número de filósofos e teólogos, de tantas idades, e de
tantas nações, que os têm comentado, admi!:ado e posto
no céu. Andem vocês, que não sei quem são, nem donde
vieram; e querem presumir de opor-se à corrente de
tão grandes doutores I
FRA. Seria esta a melhor de todas as razões que
apresentaste, se fosse uma razão.
Búa. Tu serias mais douto que Aristóteles, se não
fosses uma besta, um desgraçado, um mendigo, um
miserável, alimentado a broa, morto de fome, gerado
por um alfaiate, nascido duma lavadeira, neto dum Oúco
remendão, filho de Momo, postilhão de putas, irmão
de Lázaro que faz as ferraduras aos burros. Fica-te
com cem mil diabos, tu, que não és muito melhor do
que ele.
ELP. Por favor, magn.Uico Senhor, não se inco-
mode mais a vir encontrar-se connosco, e espere que
nós o procuremos.
FRA. Querer com mais razões mostrar a verdade
a tais indivíduos, é como se, com várias espécies de
sabão e lexivia, mais vezes se lavasse a cabeça ao burro;

[ 116]
pelo que se não aproveitaria mais, lavando um cento
que uma vez, ou duma maneira ou de mil, porque é o
mesmo lavar ou não ter lavado.
FIL. E aquda cabeça será ainda tida por mais
sórdida no fim da lavagem, do que no principio e
antes, porque, com ajuntar-se mais, e mais água, e perfu-
mes, se vbn a remover cada vez mais os vapores daquela
cabe~ sentindo-se o mau cheiro que não se sentiria
doutro modo, e que será tanto mais fastidioso, quanto
mais aromáticos forem os llquidos com que foi excitado.
Já dissemos hoje bastante: alegro-me muito com a
capacidade de Frac:astório, e com o teu maduro jufzo,
Elpino. Ora, pois que já falámos acerca do ser, do
número e qualidade dos mundos infinitos, é bom que
vejamos, amanhã, se há razões contrárias, e quais são
elas.
ELP. Assim seja.
PRA. Adeus.

FIM DO DIÁLOGO TERCEIRO

NorAS DA TuDUTOaA

(1) A tn.duzit jiut~~tifm. voábulo usado neste caso, na


acepçlo etimológica. isto ~ os «portadores de dwnu:&.
(I') Vad. nota (-) da Epfstola Preambular, Argumento do
Terceiro D.iálogo, p. 24. c&. D• la DtKÜ [por.., (II. 12: Lea
Conditiona de la Terre. p. 154-163). Traduction de L Moulinicr.
Paris, F. Alcan, 1930.

[ 1171
ca) Bruno foi influenciado, nesta doutrina. por Bernardino
de Telésio (1508-1588), natural de Coscnza, fundador da Academia
Telesiana ou Cosentina, cm Nápoles. Anti-aristotélico, aderiu
à herança platónica, ao estoicismo, c especialmente ao naturalismo
renascentista. Defensor do empirismo na física, admitiu como
princlpios de mutação e de difere~ciação, o calor c o frio, a expansão
c a contracção, ou seja, de modo geral, o movimento c o repouso.
Cfr. D, lmmenso, Cap. IV (v. 8), p. 23; Cap. VIII, p. 45-46;
Cap. XIV, p. 200, in Opera Lalitu Consçripta, Vol. I (II).
(') De acordo com as concepções cosmológicas e meta-
fisicas, ligadas à flsica de Aristóteles, e ao sistema geodntrico
de Ptolomeu, a substância dos corpos celestes, que COIUtituem
o mundo supra-lunar, é uma «quinta-essência», elemento mais
antigo do que os outros quatro (terra, ar, água e fogo), divino,
incorruptivel, imponderável e eterno.
(I) Fracastório refere-se a Aristóteles, e ao culto de que
fora objecto, na_ era da Escolástica.
(') Hegésias (Séc. m, A. C.), um dos mais notáveis repre-
sentantes da escola cirenaica. adoptou, segundo Diógcnes Laércio,
os mesmos prindpios de Aristipo, isto é, o pr~er e a h. Desta-
cou-se essencialmente pela sua teoria moral, que preconiza a
indiferença perante os acontecimentos, a libertação da sua tonalidade
afectiva, como atitude básica da auto-suficiência do sábio.
(_7) Influência das doutrinas de Anaxágoras (499-428 A. C.),
natural de Clazómenas (Ásia Menor). Segundo aquelas, nada se
cria e nada se destrói, operando-se as transformações apenas por
mudança e separação. Os corpos não diferem na substância que
os consti~ e as suas propriedades especificas resultam da mistura
e combinação dum número infinito de elementos, ou gérmens.
Todos esses elementos estavam misturados e confundidos num
caos primitivo, e foi o espírito, a inteligência (vo~) que, como
principio de animação, e de ordem universal, agitando tudo, em
torvelinho, individualizou as coisas.
(8) Cfr. M61~NtJkJ~ Libri Q~~atuor, in Aris'-IUis Op.ra
Omnia Grlllt# '' l...alitte (Vol. m, p. 552-626). Parisüs, F~
Didot et Socüs, 1921.
(') Aludo ao IJtmlu HOIIUNU, mas interprete-ee aqui. em
sentido depreciativo. Vid. Artt Pollita, 359, de Horácio: «Enio

r us 1
po~o deixar de indignar-me todas as vezes que dormita o bom
Homero». (l•tiigtÜ/r qtU1111loque bonm tlormilal Homerm).
(1°) Não está verdadeiramente esclarecida a sua identidade.
Talvez a hipótese mais correcta seja a ,que aponta a principal
personagem do diálogo de Platão, Timeu, como a mais antiga,
e provàvelmente ficticia ou identificável com Herrn6crates. A exis-
tência dum filósofo pitagórico Timeu de Locros (Itália), posterior
a Platão, e a quem se atribui a obra De anima mNIIIli, é muito
duvidosa.
(11 ) Sobre esta doutrina, cfr. De lmmenro, Liv. IV, Cap. XI,
p. 58, in Opera Latim CDttreripta, Vol. I (II).
(IS) Referência a Tales de Mileto (640/39-546/45 A. C.),
considerado o «pai da filosofia grega}). Astrónomo, matemático
e legislador, lançou os fundamentos históricos da especulação
filosófica, ao tentar investigar a origem e a natureza das coisas.
Tales respondera a esta interrogação propondo a água, ou antes,
o húmido, do qual as coisas são alterações, condensações ou dila-
tações. Este não era apenas o substrato, mas o principio de vitali-
dade de todo o ser vivo.
(13) Refere-se, sem dúvida, a Heraclito de :tfeso (535-475
A. C.) que, elegendo o fogo para principio de todas as coisas,
transformável em terra e água, ao condensar-se, e de novo em
água e fogo ao ratificar-se, o considerou simultâneamente a razão
do Universo. No fogo, na força activa e criadora da substincia
primeira, se resolvem os opostos numa harmonia: tudo nasce
c se conserva pela luta, pelo «pai de todas as coisas», pela oposição
dos contrários, que é, em última instância, a harmonia do antagó-
nico. A unidade dos contrários é a unidade de todas as coisas;
tudo flui, e se muda constantemente. O perpétuo fluir, o eterno
devir, são a expressão da unidade última da razão, do fogo, que
é o representante da just:iça e da lei suprema.
(1•) Evoca de novo obras de Aristóteles, ji citadas no texto.
Vid. notas (4) e (5), p. 24.
(11) Referência sarcástica aos Doutores da Igreja, a seguir
indicados, famosos pelos seus comentários às obras de Aristóteles,
e pelo seu magistério. DtKior fllllliatisrimtn, Egídio Colonna ou
Egídio Romano (1247-1316), ermitão de Santo Agostinho; DtKior
ntbtili.t, Duns Scoto (12~1308) n. em Muton (Roxburgh), fran-

[ 1191
ciscano; Dodor tmilltr.talis, Sio Alberto Magno, ou o Grande
(1206-1280) n. em Lauingen (Suábia), dominicano; Do&tor irrtfra-
gabilis, Alexandre de Hales (1185-1245) n. em Hales Owen
(Shropshire), franciscano; Doçlor angtlinu e Dodor ço1111111111ÍS,
S. Tomás de Aquino (1225-1274) o. em Castelo de Roccasecca
(Aquino-Nápoles), domirúano; Do#or straphiau, Sio Boaventura
(1221-1274) n. em Begnorea (Viterbo), franciscano.
(1') <<Frate di zoccoli», fratk tÚ la~~~anços, isto é, franciscano
sequaz de Duns Scoto ( Doçlor mbtilis).
(1') Averróis {1126-1198), natu1'al de Córdova. foi discípulo
de Abentofail. Juiz em Sevilha. e em Córdova. morreu deportado
em Marrocos, vítima de acusação de heresia. em virtude de ter
pretendido conciliar a filosofia com o dogma. Sendo o mais
eminente dos iilósofos árabes, foi o mais célebre comentador e
parafraseador de Aristóteles, e através dos seus trabalhos que
este último exerceu uma tio profunda influencia na Escolástica.
As obras de A verróis têm sido virias vezes editadas, e ainda em
data recente, após a edição latina de 1472.

[ 1201
DIALOGO QUARTO

FIL. Não são, pois, infinitos os mundos, segundo


se imaginaram no conjunto desta terra circundada ~or
tantas esferas, umas contendo um astro, outras astros
inumeráveis: visto que o espaço é de tal ordem que
nele se podem deslocar muitíssimos astros, e cada um
deles é de tal maneira que por si próprio, e por um
principio intrínseco, se pode mover para comunicar
com coisas convenientes, sendo suficiente, capaz e digno
de ser considerado como um mundo; não existe nenhum
que não tenha um principio eficaz e modo de continuar,
e conservar, a perpétua geração e a vida de inúmeros
e excelentes indivíduos. Sabendo-se que a aparência
do .movimento universal é causada pelo verdadeiro
movimento diurno da terra (que aliás também se encontra
em astros semelhantes), não há razão que nos obrigue
a supor a equidistância de tais estrelas, que o vulgo
julga como que pregadas e fixas numa oitava esfera,
e não haverá raciocínio que nos iniba de afirmar que,
das distâncias daqueles astros inumeráveis, derivem as
inumeráveis diferenças que observamos nos compri-
mentos dos semidiâmetros. Convencer-nos-emos de que
no universo não há céus e esferas concêntricas umas às
outras, sendo sempre contida a menor pela maior, como
por exemplo, as túnicas na cebola, mas que o calor

[ 121]
e o frio, difundidos no campo etéreo pelos corpos que
especialmente têm essas propriedades, vêm a moderar-se
reciprocamente e em diversos graus, fazendo-se principio
próximo de todas as formas e espécies de entes.
ELP. Eia, por favor, cheguemos depressa à reso-
lução das razões dos contrários, e principalmente às
de Aristóteles, que são as mais celebradas e mais famosas,
julgadas pela multidão estulta como perfeitas demons-
trações. E para que se não julgue que deixo alguma
coisa para trás, referirei todas as razões e sentenças
deste pobre sofista, e tu considerá-las-ás uma por uma.
FIL. Assim seja.
ELP. Deve-se ver, diz ele no primeiro livro do
seu Cétt e .<lftmdo (1), se fora deste mundo existe outro.
FIL. Acerca de tal questão, sabes que nós e ele
diferentemente tomamos a palavra «mundo»; porque
nós juntamos mundo a mundo, como astro a astro,
neste amplissimo espaço etéreo, como é natural que
tenham entendido todos aqueles sábios que conside-
raram os mundos inumeráveis e infinitos.. Ele toma o
nome «mundo» por um agregado destes elementos,
e dos imaginários cétis dispostos até o convexo do pri-
meiro móvel, que, sendo perfeitamente redondo, tudo
volta com rapidfssimo movimento, e girando ele próprio
em tomo do centro em que estamos. Seria um vão e
pueril entretenimento se quisessemos considerar, razão
por razão, tal fantasia, mas será bem resolver as suas
razões na parte que S!jam contrárias à nossa maneira
de ver, pondo de lado as que não nos contradizem.
FRA. Que diríamos aos que nos acusassem de
disputarmos sobre o equívoco?
FIL. Diremos duas coisas: que o defeito advém
de ele ter tomado o conceito «lllundo» segundo signifi-

[ 122]
cação imprópria, formando-se um fantástico universo
corpóreo; e que as nossas respostas não valem menos,
supondo o significado de «tnundo» segundo a imaginação
dos nossos adversirios, que segundo a verdade. Porque,
onde se imaginam os pontos da circunferência última
deste mundo, cujo meio é esta terra, se podem figurar
os pontos doutras terras inumeráveis, que estão para
além daquela circunferência imaginária; acontecendo que
realmente ai existam, embora não segundo a condição
imaginada por estes, que, seja como for, não tira nem
acrescenta um ponto ao argumento que se refere à
quantidade do universo e número ·dos mundos.
FRA. Dizes bem; continua, Elpino.
ELP. «Todo o corpo>>, diz Aristóteles (2), «ort se move,
ou permanece parado. E este movimento ort permanê11çja,
ou é natural, ou é forçado. Allm disso, todo o corpo, onde
não permanece por violência, mas naturalmente, foa imótJel,
não por violência, mas por natureza; e permanece naturalmente
onde não se move por violênçja ,· de sorte que trllio o tpe para
çjma é movido violentamente, move-se naturalmente para baixo,
e ao contrário. Datjlli se infere tpe não existem mais mrmdos,
se considerarmos tpe, se a terra, fJUe está fora deste miiiU!o,
se move violentamente para o meio dele, a terra que está neste
mumio, mover-se-ti naltlralmente para o meio datjuele; e se o
seu movimento do meio deste miiiU!o, para o meio tlatjuele,
I violento, será natural o seu movimento do meio tlatjuele 11111111io,
para este. A cama disto i, fJUe, se existem mais terras, i forpso
dizer tjlle a potência dmna é sem1lhante à potêntia da outra;
como, também, a potência datpele fogo será semelhante à potência
deste.
Dolllro lllfNio, as partes datjuele miiiU!o seríio s6 1111 nome
seme/hantu às partes tkste, mas não fi() ser; por (()nstfjllblda,
atpele m1111do não será tal, mas challlar-se-á mlllltio, (()1110 este.

[ 123]
Ainda, toths os corpos que são duma natureza, e duma espécie,
têm um movimento; porque Ioth o corpo se move naturalmente,
de qualquer maneira. Se ai existem terras como esta, sendo
da mesma espécie desta, decerto terão o mesmo motlimenlo;
inver.ramente, .te o movimento é o mesmo, o.r elemenlo.r são os
mesmos. Sendo a.tsim, a terra daquele munth mover-se-á
necessàriamente para a terra deste, o fogo daquele, para o
fogo deste. Dai resulta, também, que a terra se move tão
naturalmente para cima, como para baixo, e o fogo tanto
para baixo, como para cima. Ora, senth tais coisas imposslveis,
deve haver só 11111a terra, 11111 centro, um meio, 11m horizonte,
um mundo».
FIL. Nós contra isso argumentamos que, pelo
modo com que a nossa terra gira em tomo desta região,
e ocupa esta parte no espaço infinito universal, assim
os outros astros ocupam as suas partes, e giram em
tomo das suas regiões, no campo imenso, em que, como
esta terra consta dos seus membros, tem as suas alte-
rações, fluxo e refluxo nas suas partes (como vemos
acontecer nos animais, humores e partes, que estão em
contínua alteração e movimento), assim os outros astros
constam de membros semelhantemente afectados. E assim
como este, movendo-se naturalmente segundo toda a
máquina, não tem movimento senão semelhante ao
circular, pelo qual gira em tomo do próprio centro.
e desliza em volta do sol, assim necessàriamente aqueles
outros corpos que são da mesma natureza.
E da mesma maneira com que as partes isoladas
daqueles, encontrando-se por . quaisquer acidentes afas-
tadas do seu lugar (falamos das que não podem ser
consideradas partes principais, ou membros), af voltam
naturalmente, com impulso próprio, assim as partes
da terra e da água, que pela acção do sol e da terra,

[ 124]
sob a foona de eula.ções e vapores, se tinham afastado
para os membros e regiões superiores deste corpo,
ai regressam, depois de readquirirem a forma própria.
Além disso aquelas partes, como estas, não se afastam
do seu continente para além de certo termo, como se
tomará evidente quando virmos que a matéria dos cometas
não pertence a este globo. E finalmente, se bem que
as partes dum animal sejam da mesma espécie que
as partes dum outro animal, todavia, porque pertencem
a diversos indivíduos, nunca as partes duns (falo das
principais e longínquas) se indioam para o lugar das
partes ,dos outros: como a minha mão nunca se adaptará
ao teu braço, a mi.nha cabeça ao teu busto. Postos tais
fundamentos, a.6rmamos existir semelhança entre todos
estes astros, entre todos os mundos, e terem a mesma
razão esta e as outras terras. Isso não implica que
onde está este mundo, devam estar todos os outros,
onde esta está situada, devam estar situadas as outras;
mas pode-se bem inferir que, assim como está no seu
lugar, todas as outras estejam nos delas; como não é
natural que esta se mova para o lugar doutras, não
é natural que outras se movam para o lugar desta:
como esta é diferente daquelas em matéria, e outras
circunstâncias individuais, aquelas são diferentes desta.
Assim, as partes deste fogo movem-se para este fogo,
como as partes daquele, para aquele; as partes desta
tetta. para esta toda, e as partes daquela tem, para
aquela toda. Assim, as partes daquela terra que chama-
mos lua, com as suas águas, mover-se-iam para esta
violentamente, e contra a natureza, como as partes desta
se moveriam para aquela. Aquela gira naturalmente no
seu lugar, e alcança a sua região, que ali está; esta, está
natwalmente aqui, na sua região; assim se referem as

[ 1251
suas partes, àquela t~ como as desta, a esta, e assim
também com respeito às partes daquelas águas e daqueles
fogos. A parte inferior desta terra não é qualquer ponto
da região etérea, fora e para além dela (como acontece
às partes saídas fora da própria esfera, se é que acontece),
mas está no centro da sua massa, ou rotundidade, ou
gravidade. Assim, a parte inferior daquela outra terra
não é um lugar fora dela, mas é o seu próprio meio,
o seu próprio centro. A parte superior desta terra é
tudo o que existe na sua circunferência. e fora da sua
circunferência; porém, as partes daquela movem-se tão
violentamente para além da sua circunferência, e reco-
lhem-se tão naturalmente para o seu centro, como as
partes desta, que violentamente se afastam, e natural-
mente voltam ao próprio meio. Eis como se há-de
entender a verdadeira semelhança entre estas e aquelas
terras.
ELP. Dizes muito bem, pois, como é inconveniente
e impossfvd que um destes animais se mova, e fique
onde está outro, e não tenha subsistência própria indi-
vidual com o seu próprio lugar e circunstâncias, assim
é muito inconveniente que as partes deste tenham
inclinação e movimento actual para o lugar das partes
daquele.
FIL. Entendes rectamente o que se refere às partes
que são verdadeiramente partes. Porque, no que diz
respeito aos primeiros corpos indivisíveis, com os quais
originàriamente se compõe o todo, é de crer que tenham
pelo espaço imenso certas vicissitudes, pdas quais afluem
nalgumas partes, e emanam doutras.
E se estes, por providência divina, não constituem
segundo o acto novos corpos, dissolvendo os antigos,
ao menos têm essa faculdade. Porque, na verdade. os

[ 126]
corpos mundanos são dissolúveis; mas pode acontecer
que, por eficiência intrínseca ou extrínseca, os n-esmos
persistam eternamente, por terem tanto e tal influxo
de átomos, quanto têm de defluxo, permanecendo os
mesmos em número, como nós, que de maneira idêntica,
dia a dia, hora a hora, momento a momento, nos reno-
vamos na substância corpórea, pela contracção e dila-
tação que fazemos de todas as partes do corpo.
ELP. Outra vez falaremos acerca disso. Quanto
ao presente, muito me apraz o que notaste, que, como
se compreenderia subir cada uma das outras terras violen-
tamente para esta, se se movesse para este lugar, esta
subiria violentamente, se para qualquer daquc-las se
movesse. Portanto, se andando de qualquer parte desta
terra para a circunferência ou última superfície, e para
o horizonte hemisfériw do éter, se procede para cima,
assim de qualquer parte da superfície de outras terras
para esta se procede por ascensão, visto que esta terra
é circunferencial àquelas, como aquelas o são a esta.
Concordo que, embora aquelas terras sejam da
mesma natureza que esta, isso não implica que se refiram
ao mesmo centro: porque o centro de qualquer outra
terra não é centro desta, e a sua circunferência não
é circunferência desta, como a minha alma não é a tua,
a minha gravidade e a das minhas partes não são o teu
corpo e a tua gravidade, apesar de todos estes corpos,
gravidades e almas se chamarem univocamente, e serem
da mesma espécie.
FIL. Bem, mas nem por isso queria que imaginasses,
que, se as partes daquela terra se aproximassem desta
terra, não fosse possível que tivessem da mesma maneira
impulso para este continente, como se as partes desta
se aproximassem daquela; se bem que, ordinàriamente,

[ 127]
não vejamos acontecer tal aos animais e divmos indivf.
duos das espécies destes corpos, senão quando um é
alimentado, e aumenta pelo outro, e um se ta.nsforma
no outro.
ELP. Está bem; mas que dirias se toda aquela
esfera estivesse tão próxima desta, quanto estão afastadas
dela as suas partes, que têm propriedade de voltar ao
seu continente?
FIL. Posto que as partes principais da terra cheguem
fora da circunferência desta, circundada, como se diz,
pelo ar puro e terso, admito que tais partes possam
naturalmente voltar daquele lugar, para o seu; mas
já não toda uma esfera dlversa, nem descerem natural-
mente as suas partes, mas, pelo contrário, subirem
violentamente; como as partes desta não desceriam
naturalmente para aquela, mas subiriam violentamente.
Porque em todos os mundos, o exttfnsecb da sua
circunferência é a parte superior, e o centro intrfnscrco
é a parte inferior, não se tinmdo de fora, mas de dentro
daqueles, a razão do meio para o qual as suas partes
naturalmente tendem: é isso que ignoram os que, imagi-
nando um certo limite, c definindo o universo de forma vã,
consideraram ser o mesmo o meio e centro do mundo,
e o desta terra, sendo o contrário demonsta.do, conhe-
cido e aprovado pelos matemáticos dos nossos tempos,
que descobriram que o centro eh terra não é equidistante
da imaginária circunferência do mundo.
Nem falo aqui nos outros mais sábios, que, tendQ
compreendido o movimento da terra, não só por razões
próprias à sua arte, mas e/iam por qualquer razão natural,
chegaram à conclusão que, acerca do mundo e universÓ,
que com o sentido da vista podemos alcançar, mais
logicamente c sem incorrer cm inconvenientes, e para

[ 128]
elaborar uma teoria mais acomodada e jus~ aplicável
ao movimento .regular dos ditos astros, errantes em
tomo do meio, devemos reconhecer que a term esú
tão afastada do meio quanto o sol. Dai, fàcilmente,
com os seus próprios prindpios t!m processo de desco-
brir, pouco a pouco, a inconsist!ncia do que se diz
acerca da gravidade deste cotpo, da diferença entre
este lugar e os outros, da equidistância dos mundos
inumeráveis, que deste vemos para além dos dito~
planetas, e do movimento rapidfssimo de todos aqueles
em to~o deste único, quando se devia falar da revolução
deste único, em relação àqueles todos; podendo ainda
surgir dúvidas com respeito a outros solenfssimos incon-
venientes, de que esú imbufda a filosofia vulgar. Para
voltar ao nosso ponto de partida, tomo a dizer que nem
um astro no seu todo; nem parte dele, estariam aptos
a mover-se para o meio dum outro, embora estivesse
muito perto deste, de tal maneira que o espaço, ou ponto
da circunf~cia daquele, se tocasse com o ponto ou
espaço da circunferência deste.
ELP. O contrário disto dispôs a prudente na~
porque se isso acontecesse, um cotpo contrário destruiria
o outro; o frio e o húmido aniquilar-se-iam com o
quente e o seco: ao passo que, dispostos a certa e conve-
niente dist:incia, um vive e vegeta por influência do outro.
Mais, um corpo semelhante impediria ao outro a
comunicaçio e participação com o conveniente, que
dá ao dissemelhante, e do dis~te recebe; como
nos demonstram, às vezes, danos não medfocres, que
causam à nossa fragilidade as interposições duma outra
terra, que chamamos lua, entre esta e o sol. Ora, que
seria se ela estivesse mais perto da terpa, e nos privasse
por mais tempo daquele calor, e luz vit2l?

[ 129]
FIL. Dizes bem. Continua agora a argumentação
de Aristóteles.
ELP. Apresenta depois uma objecção fictícia, dizendo
que um corpo não se move para outro, porque, quanto
mais afastado estiver por distância local, tanto mais
diversa é a sua natureza. E contra isto, afirma ele que
a maior e menor distância não basta para fazer que a
natureza seja diversa.
FIL. Isso, entendido como se deve entender, é vera-
císsimo. Mas nós temos outra maneira de objectar,
e apresentamos outra razão, pela qual uma terra não
se move para outra, próxima ou afastada que esteja.
ELP. Já a tenho ouvido. Mas também me parece
verdade o que é de crer que quisessem dizer os antigos,
que um corpo, quanto maior é o afastamento, menor
capacidade adquire (chamaram-lhe propriedade e natu-
reza, como usualmente se exprimiam), porque as partes
a que está sujeito muito ar, têm menos potência Pata
dividir o meio, e vir para baixo.
FIL. É certo e assaz verificado nas partes da. terra,
que, de certo termo do seu recanto afastado, costumam
voltar ao seu continente, apressando-se tanto mais,
quanto mais se aproximam. Mas nós falamos agora das
partes duma outra terra.
ELP. Ora, sendo uma terra semelhante a outra
terra, uma parte à outra parte, que pensas tu que acon-
teceria se fossem próximas? Não haveria igual potência,
tanto nas partes duma terra como da outra, para se
aproximarem, e, portanto, subirem ou descerem?
FIL. Posto um inconveniente (se é inconveniente),
o que é que nos impede de pormos um outro, conse-
quente? Mas, deixando isto, digo que as partes, tendo
igual razão e distância de diversas terras, ou perma-

[ 130 J
necem, ou, determinando um lugar para onde ir, dir-se-á
que descem em relação a ele, e que sobem com respeito
ao outro de que se afastam.
ELP. Todavia, quem sabe se as partes dum corpo
principal se movem para um outro corpo principal,
embora semelhante em espécie? Porque, parece-me que
as partes e os membros dum homem não podem quadrar
e convir a outro homem.
FIL. Primária e principalmente, é verdade, mas
acessória e secundàriamente, acontece o contrário. Porque
nós temos visto, por experiência, que a came doutro
se pode prender ao lugar onde estava o nariz deste;
e estamos convencidos de que fàcilmente podemos
substituir a orelha dum, pela orelha doutro.
ELP. Essa cirurgia não deve ser vulgar (1).
FIL. Talvez não.
ELP. Volto agora a perguntar: se acontecesse que
uma pedra estivesse no meio do ar, num ponto equidis-
tante de duas terras, porque devemos julgar que perma-
neceria fixa? E porque determinaria ir de preferência
para um, do que para outro continente?
FIL. Digo que, não tendo a pedra pela sua forma
mais relação com um do que com outro, e tendo um
e outro igual relação à pedra, e sendo igual a sua influência
naquela, aconteceria que, devido à incerteza e igual
razão, em relação a dois termos opostos, permaneceria,
não podendo resolver-se a andar de preferência para um
do que para o outro, visto que este não atrai mais do
que aquele, e ela não tem mais impulso para um do
que para o outro. Mas se um deles lhe é mais congénete
e natural, ou mais semelhante e apto a conservá-la,
determinar-se-i a ir para ele, pelo caminho mais curto.
Porque o principal principio motor não é a própria

[ 131 1
esfera, e o próprio continente, mas o desejo de conser-
var-se: vemos a chama serpentear rente à terra, inclinar-se
e dirigir-se para baixo, a fim de andar para o lugar rmis
próximo em que possa alimentar-se e aumentar, aban-
donando a direcção do sol, para o qual não subiria
sern correr risco de enfraquecer pelo caminho.
ELP. Que dizes ao que Aristóteles acrescenta, que
as partes e os corpos congéneres, conquanto estejam
distantes, se movem também para o seu todo e seu
semelhante?
FIL. Quem não vê que é contra a razão e os
sentidos, depois do que já dissemos? Decerto, as partes
fora do próprio globo mover-se-ão para o semelhante
próximo, ainda que ele não seja o seu continente primá-
rio e principal; às vezes. para outro que o conserve e
alimente, se bem que não semelhante em espécie, porque
o principio intrínseco impulsivo não procede da relaçio
que ele tem com um determinado lugar, determinado
ponto e esfera própria, mas do impulso natural de
procurar onde mais prontamente e melhor se possa
manter e conservar no ser presente; que, conquanto
ignóbil, todas as coisas naturalmente o desejam. Como
especialmente mais desejam viver, e mais temem a morte,
os homens que não têm luz de verdadeúa filosofia,
e não compreendem outro ser ai~ do presente, pensando
que não pode suceder nada que já nio lhes pertença.
Porque não chegaram a compa;ender que o principio
vital não consiste nos acidentes, que resultam da compo-
sição, mas na substância individual e indissolóvel, a qual,
não havendo perturbação, nio tem o desejo de se con-
servar, nem o temor de se dissipar; isto ~ próprio dos
compostos, como compostos, isto é, por uma razio
s~ca. acidental, e de compleição. Porque, nem a

[ 1321
substância espiritual que une, nem a material que é
unida, podem estar sujeitas a qualquer alteração ou
paixão, não procurando, por consequência, conservar-se;
por isso, não quadra a tais substâncias movimento algum,
mas aos compostos. Compreender-se-á tal doutrina,
quando se souber que ser grave, ou leve, não pertence
a mundos, nem a partes deles, porque estas diferenças
não existem naturalmente, mas positiva e relativa-
mente.
E, além disso, pelo que outras vezes temos conside-
rado, isto é, que o universo não tem limites, nem extre-
mos, tÍl.as é imenso e infinito, resulta que os co.rpos
principais não podem determinar-se a mover-se recta-
mente, com respeito a qualquer meio, ou extremo,
porque têm a mesma e igual relação a todos os 'cantos,
fora da sua circunferência; por isso, não têm outro
movimento recto que o das próprias partes, não em
relação a outro meio e centro, que não seja o do próprio
conjunto inteiro, continente e perfeito. Mas considerarei
isto oportunamente, no devido lugar. Voltando ao que
se disse, acrescento: este filósofo não poderá, segundo
os seus próprios princípios, verificar que um corpo,
conquanto afastado, possa regressar ao seu continente
ou semelhante, se ele considera os cometas como sendo
de matéria terrestre que subiu, sob a forma de exalação,
à flamejante região do fogo, sc;ndo as suas partes inaptas
pua descer; mas, arrebatadas pelo vigor do primeiro
móvel, giram em tomo da terra, embora não sejam
de quinta-essência, mas corpos terrestres, gravíssimos,
espessos e densos. Como claramente se demonstra pela
sua aparição, em tão longos intervalos de tempo, e pela
resistência ao grave e vigoroso incêndio d.o fogo: persis-
tindo, às vezes, mais dum mês a arder, como se viu no

[ 133]
nosso tempo, durante quarenta e cinco dias conse-
cutivos (•).
Ora, se pela distância não se destrói o atributo da
gravidade, por que razão tal corpo não só não desce,
como não está firme, mas gira em tomo da terra? Se ele
disser que não gira por ~e próprio, mas por ser arreba-
tado, insistirei dizendo que da mesma forma é arrebatado
cada um dos seus céus e astros (que ele não admite
serem graves, nem leves, nem de matéria semelhante).
Concedo que o movimento destes astros lhe pareça
próprio, porque não é conforme ao diurno, nem ao
dos outros astros.
A razão é óptima para os convencer pelos seus
próprios prindpios. Porque nós falaremos da verdadeira
natureza dos cometas, examinando-a especificamente,
e demonstrando que tais inflamações não prov~m da
esfera do fogo, porque viriam de todas as partes acesas,
atendendo que são contidas, segundo toda a circunfe-
~cia ou superflde da sua massa, no ar friccionado pelo
calor, como eles dizem, ou pela esfera de fogo; mas
vemos sempre que a inflamação é duma parte: conclui-
remos que os ditos cometas são espécies de astros, como
bem disseram e entenderam os antigos, e tais astros que,
aproximando-se e afastando-se deste, por razões de
atracção e repulsão, primeiro parece que crescem, como
se se inflamusem, depois diminuem, como se se extin-
guissem, não se movendo em tomo da terra; mas o
seu movimento está para além do diurno, próprio da
terra, que, girando com o próprio dorso, torna orientes
e ocidentes todos aqueles lumes que estão fora da sua
circunf~da. E não é possfvel que aquele corpo
terrestre, tão grande, possa ser arrebatado e mantido
suspenso, contra sua natureza, por um corpo tão liquido,

[ 134]
aéreo e subtil, que não resiste a seja o que for, e cujo
movimento, se fosse efectivo, seria somente conforme
ao do primeiro móvel, pelo qual é arrastado, e não
imitaria o movimento dos planetas; dai, tanto é consi-
derado da natureza de Mercúrio, como da Lua, de
Saturno ou dos outros. Mas falar-se-á acerca disto
noutra ocasião oportuna. Por agora, basta ter-se dito
o sWiciente por argumento, contra este, que não quer
que da proximidade e afastamento se infira a maior
ou menor faculdade de movimento, que de chama
próprio e natural, contra a verdade; a qual não permite
que se · possa chamar próprio e natural a um sujeito
numa tal disposição que nunca lhe possa convir: por
isso, se as partes para além de certa distância, nunca se
movem para o continente, não se deve dizer que tal
movimento lhes seja natural.
ELP. Quem bem considera, bem sabe que os
prindpios deste são todos contrários aos reais princlpios
da natureza. Ele replica (6) em seguida que, «Se o mwi-
mento dos çorpos simples lhes i nahlral, aç011teçerá qm os
çorpos simples, qm existem em muitos mlllllios, e são da meSIIIIl
espétie, mover-se-ão para o mesmo meio, oupara o mesmo extremO».
FIL. Isso é o que ele nunca poderá provar, isto é,
que se devem mover para o mesmo lugar particular e
individual. Porque, se do facto dos cotpos serem da
mesma espécie, se infere que lhes convém lugar da
mesma espécie, e meio da mesma espécie, que é o próprio
centro, não se deve nem pode inferir que exijam o
mesmo número de lugares.
ELP. Ele algumas vezes pressentiu esta resposta,
e apesar de todo o seu vão . esforço, sai-se com esta:
querer provar que a diferença numérica não é causa
da diversidade de lugares.

[ 135]
FIL. Geralmente, vemos que é tudo ao contrário.
Mas, diz 1~ como o prova?
ELP. Ele diz que, se a diversidade numérica dos
corpos devesse ser a causa da diversidade de lugares,
seria necessário que cada uma das partes desta terra,
diversas em número e gravidade, tivesse no mesmo
mundo o próprio meio. O que é impossível e incon-
gruente, visto que, seria tal o número de meios, quantas
as partes individuais da terra.
FIL. Agora considera como é misero este raciocínio.
Considera se, só por isso, podes afastar-te da opinião
contrária, ou de preferência confirmares-te naquela.
Quem duvida que não é incongruente afirmar ser um
o meio de toda a massa, e do corpo e animal inteiro,
ao qual se referem e acolhem, e pelo qual se unem
e tem base todas as partes; e dado que podem, ao mesmo
tempo, existir positivamente inúmeros meios, segundo
a inúmera multidio de partes, podemos, pois, procurar
em cada uma, ou tomar, ou supor o meio? No homem
há simplesmente um meio, que se diz coraçio; ht depois
muitos outros meios, conforme a multidio de partes,
das quais o coraçio tem o seu meio, os pulmões o seu,
o flgado, a cabeça, o braço, a mio, o pé, este osso,
esta veia, esta articulaçio, e estas partículas que cons-
tituem tais membros, tendo lugar particular e determinado,
tanto no primeiro e geral, que é todo o individuo, como
no próximo e particular, que é todo este, ou todo aquele
membro do indivíduo.
ELP. Repara que se pode interpretar que ele nio
quer apenas dizer qut cada parte tem o seu meio; mas
que tem um meio para o qual se move.
Fn.. No fim tudo vai dar ao mesmo: no animal,
nio se exige que todas as partes vlo para o meio, e centro,

[ 136]
porque isso é impossível e impróprio; mas que se refiram
a ele, pela união das partes e constituição do todo. Porque
a vida, e a consistência das coisas isoladas, só se verifica
na devida união das partes, as quais sempre se admite
possuirem aquele mesmo tenno, que se toma por meio
e centro. Todavia, na constituição do todo completo,
as partes referem-se a um só meio; na constituição de
cada membro, as partículas de cada referem-se ao meio
particular de cada um, a nm de que o flgado tome consis-
tência pela união das suas partes, e assim os pulmões,
a cabeça, as orelhas, os olhos, e outros. Eis como,
não só' não é inconveniente, mas é naturalissimo que
existam muitos meios, segundo a razão de muitas partes,
e partículas de partes, se lhe apraz; porque destes, cada
um é constituído, subsistente e consistente, pela consis-
tência, subsistência e constituição dos outros.
Com certeza que o intelecto se revolta, à consideração
de tais inépcias, que este filósofo apresenta.
ELP. Isto se deve sofrer devido à reputação que
de alcançou, mais por não ter sido compreendido, do
que por outra coisa. Mas, por favor, considera um
pouco quanto este cavalheiro se compraz com este
argumento ruim.
Olha como, quase triunfando, prossegue nestes
termos (8) : «.Se o argmnte não potler &onlraàif(,.tr estas pa/allras
e raf(.Ões, existe ne&essàriamente só Nm meio e Nm horif(.fJIIIe».
FIL. Disse muito bem. Continua.
ELP. Depois, prova que os movimentos simples
são finitos .e estabelecidos; porque a afirmação que é
um o mundo, e que os movimentos simples têm lugar
próprio, era baseada nisto. Diz assim:('') cToáo o mwe/ se
111011e t!Nm &erto termo, para Nm &erto ter1110 ,· e há se111pre
diferença espe&ljiça entre o termo Jonáe, e o ter1110 para ontk,

[ 137]
sendo toda a mmltlllfa finita; tais são tioen;a e siUÍ//4, peqt~enez
e gramieza, atpti e lá,· portpte o q11e está para se t'llrar não
tende para •qmiltpter coisa, mas para a satíáe. O m011immto
da terra e tio fogo 11ào são, port1111to, no infinito, mas em ter/os
ternros diversos daqueles lugares áonJe se m011em; porqm
o 111011Ímento para tima não é movimento para baixo, e estes
tiois lr'l,ares são os horizontes tios movimentos. Eis toiiiO i
deftnitio o movimento recto. O movimento tircular não é menos
definido: portpte, i111io de ter/o a certo termo, de contrário a
co11frário, i sempre iltJII61e, se qllisermos considerar a dillersidaM
tio 1110vimento, IJtle reside no diâmetro do drclllo ,· Ç(}m efeito,
o movimt~Jio de todo o drmlo não tem tontrário (porljtle não
termina no11tro ponto, senão naquele onde tome;ou}, mas lltZS
pariu da re110/u;ão, q11antlo esta i tomada dum extre1110 tio
diâmetro ao outro opost(J».
Fn. Isto, que o movimento é estabelecido e é
finito, segundo tais razões, não há quem o negue ou
duvide; mas é falso que exista, simplesmente, estabele-
cido para cima, e estabelecido para baixo, como noutras
vezes dissemos, e provámos. Porque toda a coisa se
move, aqui ou lá, indiferentemente, onde for o lugar
da sua conservação. E afirmamos {supondo ainda os
princípios de Aristóteles, e outros semelhantes) que,
se debaixo da terra estivesse outro corpo, as partes da
terra permaneceriam af 6rmemente, e dai naturalmente
subiriam. E não negará Aristóteles que, se as partes
do fogo estivessem em cima da sua esfera {como, por
exemplo, onde consideram o céu ou cúpula de Mercúrio),
desceriam naturalmente. Vês, pois, quio naturalmente
determinam o sobre e o sob, o grave e o leve, depois
de teres considerado que todos os corpos, onde quer
que estejam e se movam, retam e procuram, tanto
quanto possfvel, o lugar da sua conservaçio.

[ 138]
Todavia, conquanto seja verdade que todas .as
coisas se movem para os seus meios, dos seus, e para
os seus termos, e todo o movimento, ou circular ou
recto, é encaminhado de oposto para oposto, daqui
não se conclui que o universo seja de grandeza finita,
nem que o mundo seja só um; e não se destrói o argu-
mento de que o movimento de qualquer acto particular
seja simplesmente infinito, de forma que o espírito
- ou como lhe queiram chamar-, que faz, ou contribui
para esta composição, união e vivificação, pode existir
· e existirá sempre em outras e várias infinitas. Pode
ser que todo o movimento seja finito (falando do presente
movimento, não absoluta e simplesmente de cada um
em particular, mas no todo), e que existam infinitos
mundos: pois que, como cada um dos infinitos mundos
é finito, e tem região finita, assim se ajustam a cada
um deles, determinados termos do seu movimento,
e das suas partes.
ELP. Dizes bem; e com isto, sem que se suscite
inconveniente algum contra nós, nem coisa que seja
a favor do que ele quer provar, recorda-se aquele «argu-
mento» que ele acrescenta para demonstrar (') <<q116 llilo
existe o m0t1imento infinito, porfjlle a terra e o fogo, fJIIIllltO
mais se aproximam da sua esfera, tanto mais velozmente se
1110t1em; e, por isso, se o movimento fosse no infinito, a 11elodáatle,
lneza e graitiáaáe 11iriam a existir no inftnilo».
FxL. Bom proveito lhe faça.
FRA. Sim. Mas isso parece-me o jogo das baga-
telas: porque, se os átomos têm movimento infinito
pela sucessão local, que fazem de tempos a tempos,
ora sendo emanados deste, ora influindo naquele, ora
juntando-se a esta, ora àquela composição, ora concor-
rendo nesta, ora naquela configuração, pelo imenso

[139]
espaço do universo, por certo v1rao a ter movimento
local infinito, a deslizar pelo espaço infinito, e a concorrer
a infinitas alterações. O que não implica que tenhan.
infinita gravidade, leveza, ou velocidade.
FIL. Deixemos de parte o movimento dos elementos
e das partes primeiras, e consideremos apenas o das
partes próximas e atribufdas a determinada espécie de
ente, isto é, de substância: como as partes da terra,
que também são terra. Destas, com verdade se diz que,
naqueles mundos em que existem, nas regiões em que
giram, e na forma que obtêm, não se movem senão dum
certo, a um certo termo.
E daqui não se tira esta conclusão: portanto,
o universo é finito, e é um mundo, de preferência a
esta outra: portanto, os macacos nascem sem cauda,
portanto, os mochos vêem de noite sem óculos, portanto,
os morcegos fazem lã. Mais, compreendendo estas
partes, nunca se poderá tirar tal conclusão: o universo
é infinito, existem terras infinitas; poderá, pois, uma
parte da terra mover-se continuamente no infinito,
e deve haver, para uma terra infinitamente distante,
impulso infinito e gravidade infinita. E isto, por duas
razões: uma, que não se pode dar este tdnsito, porque,
constando o universo de corpos e princlpios contrários,
tal parte não poderia deslizar tanto pela região etérea,
que não viesse a ser vencida pelo contrário, e chegar
a tal ponto que aquela terra não se movesse mais;
porque essa substância já não .é terra, tendo, por vitória
do contrário, mudado de compleição e aspecto.
Com respeito à outra, geralmente vemos ser impos-
sfvel que da distância infinita possa haver ímpeto de
gravidade e leveza, como dizem, se considerarmos que
tal impulso das partes não pode existir senio na região

[ 140]
do próprio continente; que, se estivessem fora daquela,
não se moveriam ai mais do que os humores fluídos
(que nos animais se movem das partes externas, para as
internas, das superiores às inferiores, subindo e descendo,
movendo-se desta para aquela parte, e daquela para esta,
segundo as diferentes condições) que, postos fora do
próprio continente, ainda que contíguos àquele, perdem
tal força e natural impulso. Portanto, tal relação vale
para o espaço de tão particular região, medido pelo
semidiâmetro, do centro à sua circunferência: à volta
desta, existe a mfnima gravidade, e à volta daquela,
a máxiina; vindo a ser maior ou menor, no meio, segundo
os graus de proximidade em tomo dum, ou da outra.
Isso se vê na seguinte demonstração, em queA, significa
o centro da região, onde, comummente falando, a pedra
não é grave nem leve; B, indica a circunferência da
região, onde não será igualmente grave nem leve, perma-
cendo quieta (em que aparece ainda a coincidência do
máximo e mfnimo, que é demonstrada no fim do livro (1)
Do Prindpio, CaJISII e Unidade); 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
exprimem a diferença de espaços intermédios.

B 9 nem grave, nem leve.


8 mínimo grave, levíssimo.
7 muito menos grave, muito mais leve.
6 menos grave, mais leve.
5 grave, leve.
4 mais grave, menos leve.
3 muito mais grave, muito menos leve.
2 gravissimo, minimo leve.
A 1 nem grave, nem leve.

Vês, agora, como é impossível que uma terra deva


mover-se para outn~, acrescentando que as partes de

[141 J
cada uma, postas fora da circunferên~ não têm tal
impulso.
ELP. Julgas que esta circunferência é definida?
FIL. Sim, quanto à máxima gravidade que possa
existir na parte máxima; ou se te agrada (porque todo
o globo não é grave nem leve), em toda a terra. Mas,
quanto às diferenças médias de graves e leves, digo que
se devem tomar tantos valores, quantas possam ser as
massas das Yárias partes que estão compreendidas entre
o máximo e o núnimo grave.
ELP. Deve-se compreender esta hierarquia com
discernimento, pelo que vejo.
Fn.. Cada um que tem engenho pod~ por si,
compreender como. Quanto às referidas razões de
Aristóteles, bastante se disse.
Vejamos agora se, nas seguintes, apresenta qualquer
coisa de novo.
ELP. Por favor, tem paciência, mas falemos nisso
depois, porque sou esperado por Albertino, que está
disposto a vir aqui ter connosco, amanhi. Creio que
poderás ouvir dele as mais galhardas razões que por
opinião contrária se possam apresentar, por ser assaz
prAtico na filosoiia comum.
FIL. Façam como quiserem.

FIM DO DIÁLOGO QUARTO

NOTAS DA TllADVTOilA

(1) Vid. nota (4) da Epistola Preambular, p. 24.


(I) O. argumentos que se seguem, continuam a ser cm
parte ttaduçlo, resumo ou paráfrase, de Dt Ct~tlo. Dai resulta

[ 1421
que as citações são por vezes dificilmente identificáveis e localizá~cis
no texto. ar. Ob. tit., Liv. 1, 8 (276a, 22-32; 276b, 1-21).
(') Alusão a operações de cirurgia plástica tentadas com
êxito, por especialistas italianos, já nos séculos xv e xvr. Tomou-se
principalmente célebre, na aplicaçio da técnica, o cirurgião bolonhês
Gasparo Tagliacozzi (1546-1599).
(•) Bruno tinha certamente conhecimento da descoberta
dum cometa, feita pelo astrónomo Tícon, em Maio de 1582,
evocando o fenómeno neste passo.
(") De CMÚJ, Liv. I, 8 (276b, 29-32).
( 1) Ob. çi/., Liv. J, 8 (277a, 9-12).
(7) Ob. çil., Liv. I, 8 (277a, 12-26). ar. De Immnuo,
Liv. VI, Cap. XXII, p. 238-241, in Opera LAtitu Constripta,
Vol. I (II).
( 1) Ob. çit., Liv. I, 8 (277a, 27-33).
(I) O título correcto da obra é, tal como fora publicado
em italiano «De la Causa. Principio e Uno», e foi assim que Bruno
o citou no fim da Epistola Preambular, p. 21, e no Diálogo
Quinto, p. 164. Esta variante deve ter aido um lapso, ou uma
imprecislo, como outras que se observam ao longo dos diilogos.

r t43 1
DIALOGO QUINTO

ALBERTINO, novo interlocutor (1)

ALB. ·Gostaria de saber que fantasma, que monstro


inaudito, que homem heteróclito, que cérebro exttaor-
diná rio é este; que novas traz ele de novo ao mundo,
ou então, quais são as coisas obsoletas e velhas que se
vêm renovar, que raizes amputadas querem rebentar
nesta nossa idade.
ELP. São raízes amputadas que despontam, são
coisas antigas que voltam, são verdades ocultas que se
descobrem: é uma nova luz que, após longa noite,
S\U'ge no horizonte e hemisfério do nosso conhecimento,
avizinhando-se, pouco a pouco, do meridiano da nossa
inteligência.
ALB. Se eu não conhecesse Elpino, bem sei o
que diria.
ELP. Diz o que quiseres; se tiveres engenho como
eu julgo tê-lo, concordarás com ele, como eu concordo.
Se o tens melhor, concordarás mais depressa e melhor,
como julgo que será. Visto que, aqueles para quem
são diflceis a filosofia vulgar e a ciência ordinária, sendo
ainda discípulos e mal versados nela (ainda que tal
não se julguem, como em geral acontece), não será
fácil convertê-los ao nosso parecer; porque neles pode

[ 1451
mais a fé universal, triunfando neles especialmente a
fama dos autores que lhes t~ andado pelas mãos; por
isso admiram a reputação dos expositores e comentadores
deles. Mas os outros, para quem a dita filosofia é clara,
os que chegaram àquele termo em que já se não neces-
sita de expender o resto da vida a compreender o que
os outros dizem, mas se tem luz própria, e no intelecto
o verdadeiro agente, tal como os Argos, penetram c:m
todos os recantos, podendo-a contemplar nua por m.il
portas, com os olhos dos diversos conhecimentos;
poderão, aproximando-se mais, distinguir o que se crê,
e se tem por aprovado e verdadeiro - por terem olhado
de longe, por força do costume e sentido geral- daquilo
que verdadeiramente é, e deve ter-se por certo, como
constando da verdade e substância das coisas.
Dificilmente poderão aprovar esta filosofia os que
não têm a boa felicidade do engenho natural, ou não
são suficientemente espertos nas várias disciplinas, não
tendo tanto poder no acto rc:Bexo do intelecto, que saibam
distinguir o que é fundado na fé do que é estabelecido
pela evidência dos verdadeiros princlpios; porque há
coisas que vulgarmente se têm por principio que, depois
de bem consideradas, resultam conclusões impossíveis
e absurdas. Não falando nos engenhos sórdidos e merce-
nários que, pouco ou nada soUcitos acerca da verdade,
se contentam em saber aquilo que em geral se tem
por saber, pouco amigos da verdadeira sapiência, mas
ávidos da sua fama e reputação; desejosos de parecer,
mas pouco cuidadosos em sê-lo. En6m, dificilmente
poderá escolher entre as diversas opiniões, e às vezes
afirmações contraditórias, quem não tiver um juizo
sólido e recto, acerca delas. Dificilmente terá capacidade
para julgar, quem não tem a possibilidade de fazer

[ 1461
comparações entre umas e outras, estas e aquelas, e com
grande dificuldade poderá comparar coisas diversas,
quem não compreende a diferença que as distingue.
Assaz árduo é compreender em que diferem umas coisas
das outras, estando ocultos o ser e a subsd.ncia de cada
uma delas; isto nunca poderá ser evidente, se não for
claro pelas suas causas e prindpios, em que têm funda-
mento. Só depois de haverdes observado com os olhos
do intelecto, e considerado com recto juizo os funda-
mentos, princlpios e causas, em que se basearam estas
diversas e contrárias filosofias; conhecidas e contra-
pesadaS com a balança intelectual a natureza, substância,
e propriedade de cada uma; vista a diferença que existe
entre umas e outras; feita a comparação entre estas e
aquelas, e depois de julgardes rectamente, podereis
pronunciar-vos sem a mfnima hesitação, escolhendo
segundo a verdade.
AL:a. Ser solicito contra opiniões vãs e estultas,
é próprio de vãos e estultos, disse o príncipe Aristóteles.
ELP. Muito bem dito. Mas se reparares bem, esta
sentença e conselho vem a utilizar-se contra as suas
próprias opiniões, quando forem abertamente estultas
e vãs. Quem quiser julgar correctamente, como já disse,
deve despojar-se do hábito de acreditar; deve julgar
possível tanto uma como a outra contraditória, e sacudir
de si aquele hábito de crer, em que está embebido
desde a nascença: tanto a que nos apresenta a conver-
sação geral, como a outra, pela qual renascemos mediante
a Filosofia, morrendo para o vulgo entre os estudiosos
considerados sábios por uma geração, e numa determi-
nada época. Quero dizer, quando sucede haver contro-
vérsias entre estes e outros julgados sábios por outras
gerações e noutras épocas, se · quisermos julgar recta·

[ 147]
mente, devemos recordar o que disse o próprio Aristó-
teles, que, talvez pelo facto de nós só consider:armos
poucas coisas, emitimos às vezes ju1zos com demasiada
precipitação; e além disso que, por vezes, a opinião por
força de hábito se assenhoreia de tal modo do nosso
consentimento, que coisas impossfveis nos parecem
necessárias; e outras coisas que são veradssimas e neces-
sárias, nos parecem imposslveis. E se isto acontece nas
coisas que por si são evidentes, que será nas dúbias,
que dependem de prindpios bem postos, e firmes funda-
mentos?
ALB. É opinião do comentador Averróis, e de
muitos outros, que não se pode saber o que Aristóteles
ignorou.
ELP. Ele, e essa multidão, tinham um engenho tão
mesquinho, e estavam mergulhados em tão espessas
trevas, que o mais alto e eminente que viam, era Aristó-
teles. Contudo, se estes e outros, quando largam tais
sentenças, quisessem falar com mais rigor, deveriam
dizer ser Aristóteles um Deus, na sua opinião; e isso,
não tanto para sublimar Aristóteles como para justificar
a própria inépcia; sendo a sua opinião como a da macaca,
que julga os seus filhos as mais belas criaturas do mundo,
e o seu macacão a mais gentil criatura da terra.
ALB. Partllrient montes ...
ELP. Verás que não é o rato que nasce.
ALB. Muitos atiraram setas e maquinaram contra
Aristóteles; mas ruíram as fórtalezas, embotaram-se as
frechas, quebraram-se-lhes os arcos.
ELP. Que acontece se uma estultlcia combate contra
outra? Uma será poderosa contra todas, mas nem por
isso deixa de ser estultkia; e não poderá, no ·fim, ser
descoberta e vencida pela verdade?

[ 1481
ALB. Digo que é impossfvel contradizer Aristóteles,
demonstrativamente.
ELP. Essa afirmação é demasiado precipitada.
ALB. Eu não falo senão depois de ter visto bem,
e considerado ainda melhor, o que Aristóteles diz.
E não só não encontro nele qualquer erro, como em
tudo o que disse, reconheço o sinal da divindade; e creio
que nenhum outro se poderá aperceber daquilo que eu
não cheguei a conhecer.
ELP. Com que então, medes o estômago e o
cérebro. dos outros pelo teu, e julgas não ser possivel
para os outros, o que é impossível para ti. Existem
no mundo alguns tão desafortunados e infelizes, que,
além de serem privados de todos os bens, têm, por
decreto do destino, tal fúria infernal por eterna compa-
nheira, que voluntàriamente lhes ofusca a vista com o
negro véu da corrosiva inveja, para não verem a sua
nudez, pobreza e miséria, e os ornamentos, riquezas e
felicidade dos outros: preferem entisicar em torpe e
soberba penúria, e jazer sepultos sob o estrume da
pertinaz ignorância, que serem vistos orientados para
a nova disciplina, parecendo-lhes confessar terem sido
até então ignorantes, e terem um ignorante por guia.
ALB. Queres então, tJerbi grafia, que me faça disd-
pulo deste, eu que sou doutor, aprovado por mil acade-
mias, e que tenho exercido pública profissão de filosofia
nas primeiras academias do mundo, renegando Aristóteles,
para aprender a filosofia de tal gente?
ELP. Eu cl por mim, não como doutor, mas como
indouto, queria ser ensinado; não como aquele que
deveria ser, mas como aquele que não sou, desejava
aprender, por isso aceitarei por mestre não só este, mas
qualquer outro que os deuses me tenham ordenado por

[ 149]
mestre, pois que eles lhe fazem compreender aquilo que
eu não entendo.
ALB. Queres, então, fazer-me voltar a menino?
ELP. Antes pelo contrário.
ALB. Muito obrigado pela tua cortesia, pois que
pretendes melhorar-me, e enaltecer-me, com fazer-me
ouvinte deste desgraçado, que todos sabem quanto é
odiado na academia, como é adversário das doutrinas
comuns, louvado por poucos, aprovado por nenhum,
e perseguido por todos.
ELP. Não me interessa se é perseguido por todos,
mas sim se é louvado por poucos, que são óptimos e
heróis. Ele é adversário das doutrinas comuns, não por
serem doutrinas, ou serem comuns, mas falsas; é odiado
pela academia, porque onde há divergências, não há
amor; é atribulado, porque a multidão é contrária a
quem não está com ela; e quem se põe no alto, faz-se
alvo de muitos. Para te descrever o seu carácter, no que
diz respeito à maneira de tratar coisas especulativas,
digo-te que não tem tanta curiosidade de ensinar, como
de compreender; e que ele ouvirá melhor nova, e sentirá
maior prazer quando se aperceber que o queres ensinar
(conquanto tenha esperanças no resultado) do que se
lhe dissesses que querias ser ensinado por ele; porque
o seu desejo consiste mais em aprender, do que em
ensinar, julgando-se mais apto para aquilo, do que para
isto. Mas ei-lo justamente com F.mcastório.
ALB. Sejas muito bem vindo, Filóteo.
FIL. E tu passa muito bem.
ALB. Feno e palha no bosque a ruminar
Com o boi. o cavalo, o carneiro, o chibo e o jumento I
Mas eis que melhor vida agora intento,
E catec:úmeno me venho tomar (1).

[ 1501
FRA. Sejas bem vindo.
ALB. De tal modo julguei, até ao presente, as
vossas posições, que as achei indignas de serem ouvidas,
e menos ainda de resposta.
FIL. Também eu assim julgava nos meus primeiros
anos, até uma certa altura, quando me ocupava de
Aristóteles. Ora, depois que vi e considerei mais coisas,
podendo com mais maduro critério julgá-las, poderá
ser que e~ tenha desaprendido e perdido o juizo. Como
isto é uma enfermidade que ninguém sente menos do
que o próprio doente, eu, movido por uma suspeita,
e levado da doutrina à ignodncia, estou muito contente
por ter topado com tal médico que todos julgam compe-
tente para me libertar de tal mania.

ALB. Não o podendo fazer a natureza, eu também não posso,


Se o mal tiver penetrado até ao osso(').

FRA. Por favor, senhor, tome-lhe primeiro o pulso


e veja a urina; porque, depois, se não pudermos efectuar
a cura, ao menos teremos as bases para mantermos o
diagnóstico.
ALB. A forma de tomar o pulso é ver como poderás
desembaraçar-te, e sair de alguns argumentos que te
farei agora ouvir, e que concluem necessàriamente pela
impossibilidade de mais mundos; menos ainda, que os
mundos sejam infinitos.
FIL. Não te ficarei pouco grato quando me tiveres
ensinado isso; e mesmo que o teu intento não surta
efeito, eu ficar-te-ci devedor, pelo facto de me vires
confirmar no meu parecer. Porque, na verdade, de tal
maneira te estimo, que por ti me poderei aperceber de
toda a força da opinião contrária; ao mesmo tempo,

[ 151 1
tu que és tão perito nas ciências ordinárias, poderás
fàcilmente notar o vigor dos seus edifícios e funda-
mentos, pela diferença que têm dos nossos prindpios.
Ora, para que não haja inte(rupção de raciodnios, e cada
um possa, à vontade, explicar tudo, faz o favor de apre-
sentar todas as razões que julgas fundamentais, e mais
firmes, e que parecem concluir demonstrativamente.
ALB. Assim farei. Começarei, portanto, por aquda
que não admite existir lugar, nem tempo, fora deste
mundo, porque se afirmou a existência dum primeiro
céu e primeiro corpo, que esti muito longe de nós,
e é primeiro móvel; dai, termos o costume de chamar
céu ao que é sumo horizonte do mundo, onde estão todas
as coisas imóveis, fixas e quietas, que são as intdigências
motrizes dos céus. Ainda, dividindo o mundo em corpo
celeste e dementar, este faz-se limitado e contido, o outro
limitante e continente; e a ordem do universo é tal,
que, subindo do corpo mais denso ao mais subtil, o que
esti sobre o convexo do fogo, e em que estão fixos o
sol, a lua e as outras estrelas, é uma quinta-essência,
à qual não convém seguir pelo infinito, porque lhe
seria impossivd chegar ao primeiro móvd, nem que
se repita o que acontece com os outros elementos, tanto
por estes virem a ser circunferenciais, como também
porque um corpo incorruptivd e divino viria a ser
contido e compreendido pelos corruptíveis, o que é
inconveniente: porque ao divino convém a razão de
forma e acto, por consequência de «comp!"eetldente>>,
((configurante», «terminante>>('), e não o modo de matéria
terminada, compreendida e figurada. Continuo argumen-
tando com Aristóteles (6) : «.te fora deste tlu existe algum
çorpo, ou será çorpo. simples ou será çorpo tomposto, 1 fjlllllquer
que seja o IIIOÓO 1111 qt14 o afirmas, pergt~~~to se eú ai está çomo

[ 1521
em lugar natural, ou vi6/enta e adáentalmente. Demonstrámos
que não existe lá corpo simples, porque não é posslvel que o
corpo esférico mude de lugar,· porque, eomo é impossivel que
mude o &entro, não é posslvel que mude de sitio, visto que
s6 por vi611n&ia pode existir fora áiJ próprio sitio,· e não pode
haver nele violênria, tanto activa, como passivamente. Do mesn1o
moáiJ, não é posslvel que exista fora áiJ céu corpo simples,
com m011imento recto: seja grave ou leve, não poderá existir
ai naturalmente, pois que os lugares destes eorpos simples
si/D diferentes dos lugares que dizem fora áiJ mundo. Nem
poderá.t afirmar que lá esteja por acidente, porque signifoaria
que outros corpos esti/D lá por natureza. Ora, estatulo provado
que não existem eorpos simples, além daqueles que tomam
parte na eomposifiiD deste mundo, e que si/D m6veis segundo
trls espleies de movimento local, cotuequentemente, não existe
fora áiJ mundo 011/ro çorpo simples. Se assim é, também é
imposslvel que exista ai çomposto algum, pois que este deriva
daqueles, e neles se resolve.
Assim, é evidente qt~e não existem 111uitos m1111dos, porq11e
o cé11 é tlni&o, completo e perfeito, nàiJ existináiJ nem podenáiJ
existir 011tro semelhante a ele. Dai se infere que fora deste
mrpo não pode existir l11gar pleno 011 vá&110, nem tempo. Não
existe /11gar: porque, se este for pleno, &onterá corpo simples
011 composto, e nós tlnhamos dito que fora áiJ céu não existe
eorpo simples nem composto. Se for vá&mJ, então, segundo a
razàiJ do vá&110 (que se define como esptZfO em q11e pode estar
corpo) poderia lá existir; e nós demonstrámos que fora do
&éll não pode existir eorpo. Não existe tempo: porque o tempo
é ntímero de movimento, e o movimento é próprio de rorpo;
logo, onde não há &orpo, não há movimento, nem ntímero,
nem medida de movimento,· onde não existir esta, não existe
tempo. Como provámos que fora áiJ mmulo não existe çorpo,
está para nós demonstrado não existir movimento, nem tempo.

[ 153]
Se assim é, não existe lá &oisa temporal, nem mhel, e por
há 11m mi/IIJo,>.
conseqtlln&ia só
Segundo, a unidade do mundo infere-se principal-
mente da unidade do motor; é coisa assente que o
movimento circular é verdadeir.unente um, uniforme,
sem principio e fim. Se é um, é um efeito que só pode
dever a sua existência a uma causa. Se é um o primeiro
céu sob o qual existem todos os inferiores, que tendem
para uma mesma ordem, é necessário que o governante
e motor seja único. Sendo este imaterial, não é multipli-
cável em número, pela matéria. Se é um o motor, e dum
só motor não provém senão um movimento, e um
movimento (quer complexo quer incomplexo) não existe
senão num móvel simples ou composto, resta que o
universo móvel é um. Portanto, não existem mais mundos.
Terceiro, principalmente dos lugares dos corpos
móveis se conclui que o mundo é só um. São três as
espécies de corpos móveis: grave em geral, leve em
geral, e neutro; isto é, terra e água, ar e fogo, e céu.
Assim, os lugares dos móveis são três: ínfimo e central,
para onde vai o corpo gravíssimo; supremo, o que
está mais distante daquele; e médio, entre o ínfimo e o
supremo. O primeiro é grave, o segundo nem é grave
nem leve, o terceiro é leve. O primeiro pertence ao
centro, o segundo à circunferência, o terceiro ao espaço
que está entre esta ·e aquele. Existe, pois, um lugar
inferior, para o qual se movem todos os graves, em
qualquer mundo que estejam; e um superior, para o
qual tendem todos os leves, de qualquer mundo que
sejam; existe, portanto, um lugar em que se move o
céu, qualquer que seja o mundo a que pertença. Ora,
se existe um só lugar, existe um só mundo, não existem
mais mundos.

[ 154]
Quarto, admitamos que existem ma1s centros, para
os quais se movem os graves de diversos mundos,
existem mais limites superiores, para os quais se move
o leve; e que estes lugares de diversos mundos não
difiram em espécie, mas somente em número. Aconte-
ceria, então, que entre um meio e o outro, haveria mais
distância que entre um meio e o seu limite superior.
Mas os meios são da mesma espécie, e o meio e o hori-
zonte são contrários. Assim, haveria maior distância
local entre os que são da mesma espécie, do que entre
os que .são contrários. Isto é contra a natureza de tais
opostos; porque, quando se diz que os primeiros con-
trários estão màximamente afastados, entende-se este
máximo por distância local, que deve existir nos contrá-
rios sensíveis. Vês, pois, o que resulta da hipótese
de existirem mais mundos; portanto, tal hipótese é não
só falsa, mas também impossível.
Quinto, se acaso existissem mais mundos, semelhantes
em espécie, deveriam ser, ou iguais, ou (tudo vem a
ser o mesmo, pelo que se refere ao argumento) propor-
cionais em quantidade; se assim é, não poderão existir
mais do que sete mundos
contíguos a este, porque,
sem haver interpenetração
de corpos, não podem exis-
tir mais do que seis esferas
contíguas a uma, como,
sem intercepção de linhas,
não podem tocar um
outro mais do que seis
círculos iguais (Fig. 2).
Fxc. 2 Sendo assim, acontecerá
que vários horizontes esta-

[ 155]
rão em tantos pontos (nos quais seis mundos exteriores
tocam este nosso mundo, ou outro) à volta dum só cen-
tro. Mas, visto que a eficiência dos dois primeiros con-
trários deve ser igual, e deste modo de pôr a questão
resultaria desigualdade, os elementos superiores viriam a
ser mais poderosos do que os inferiores, farias aqueles
vitoriosos sobre estes, aniquilando, por conseguinte, esta
esfera central.
Sexto, não se tocando os clrculos dos mundos senão
num ponto, é forçoso que fique espaço entre o convexo
do circulo de uma esfera, e outra; e neste espaço, ou
existe qualquer coisa que o encha, ou nada. Se lá existir
qualquer coisa, com certeza não pode ser da natureza
dum elemento distante do convexo da circunferência,
porque, como se vê, tal espaço é triangular, limitado
por três arcos que são partes da circunferência dos três
mundos, vindo, por isso, o meio a ser mais distante das
partes mais próximas dos ângulos, e afastadfssimo
daqueles, como claramente se verifica. É necessário,
pois, imaginar novos elementos e um novo mundo,
diferentes em natureza destes elementos e mundo, para
encher aquele espaço. Ou então é necessário admitir
o vácuo, o que supomos impossível.
Sétimo, se existissem mais mundos, ou eram finitos
ou infinitos; se fossem infinitos, encontrar-se-ia o infinito
em acto, o que por várias razões se julga impossfvel.
Se fossem finitos, seria necessário que fossem em número
determinado. Sobre isto, será preciso investigar porque
são tantos, e nio são mais, nem menos; porque nio
existe nem sequer mais um; que importaria um ou
outro a mais; se são pares ou ímpares; porquê essa
diferen~ ou porque é que toda aquela matéria distribuída
em vários mundos não se encontra englobada num só

[ 156]
mundo, sendo que a unidade é melhor que a multidão,
em paridade de condições; porque é que a matéria,
que está dividida em quatro, seis ou dez terras, não
constitui antes um grande globo, perfeito e único.
Como, portanto, entre o possivel e o impossível, se
encontra o número finito de preferência ao infinito,
assim, entre o conveniente e o inconveniente, é mais
lógica e conforme à natureza a unidade do que a multidão
ou pluralidade.
Sétimo, {41) vemos que em todas as coisas a natureza
actua sem superfluidades, porque, como não é falha
em coisas necessárias, também não abunda em coisas
supérfluas. Podendo realizar tudo nas obras deste mundo,
não há ainda razão para se pretender imaginar que existam
outros.
Oitavo, se existissem infinitos mundos, ou mais do
que um, existiriam essencialmente por isto, que Deus
pôde fazê-los, ou então que podem depender de Deus.
Mas, conquanto isto seja veraclssimo, não se segue
todavia, que existam, porque, além da potência activa
de Deus, exige-se a potência passiva das coisas. Pois
da absoluta potência divina não depende aquele tanto
que se pode fazer na natureza, visto que nem toda a
potência activa se converte em passiva, mas só a que
tem paciente proporcional, isto é, um sujeito tal que
possa receber todo o acto do eficiente; de tal sorte,
à primeira causa não corresponderia coisa alguma
causada. Pelo que pertence à natureza do mundo,
portanto, não pode existir mais do que um, embora
Deus possa fazer mais do que um.
Nono, desarrazoada coisa é a pluralidade dos mundos,
porque não existiria neles a gentileza civil, que consiste

[ 157]
no civil consórcio; e não teriam procedido bem os
deuses criadores dos diversos mundos, se não propor-
cionassem aos cidadãos daqueles relações reciprocas.
Décimo, com a pluralidade dos mundos pertur-
bar-se-ia o trabalho de cada motor ou deus; porque,
sendo inevitável que as esferas se toquem num ponto,
aconteceria que um não se poderia mover contra o
outro, e seria difícil que o mundo fosse governado
pelos deuses, por meio do movimento.
Décimo primeiro, de um não pode provir plurali-
dade de indivíduos, a não ser pelo acto através do
qual a natureza se multiplica por divisão da matéria;
e este acto é o da geração: isto disse Aristóteles com
todos os peripatéticos. Nem se multiplicam os indivi:
duos duma espécie senão pelo acto da geração. Mas
aqueles que afirmam existirem mais mundos da mesma
matéria, forma e espécie, não afirmam que um se converta
no outro, nem se gere do outro.
Décimo segundo, o que é perfeito não comporta
adições; se, portanto, este mundo é perfeito, não necessita
que outro se lhe acrescente.
O mundo é perfeito, primeiro, como espécie de
continuo que não tem termo noutra espécie de continuo
porque o ponto, matemàticamente indivisível, gera uma
linha, que é uma espécie de continuo; a linha uma super-
fície, que é a segunda espécie de continuo, e a superflcie
um corpo, que é a terceira espécie de continuo. O corpo
não emigra nem se transforma noutra espécie de con-
tinuo, mas se é parte do universo, é limitado por outro
corpo; se é universo, é perfeito, não sendo limitado
senão por si próprio. Portanto o mundo, o universo,
é um, se deve ser perfeito.

[ 1581
Estas são as doze razões que, por agora, me limito
a apresentar; se me satisfizeres nelas, considerar-me-ei
satisfeito em todas.
FIL. É necessário, meu Albertino, que um indi-
viduo que se propõe defender uma conclusão, se não
é doido de todo, tenha examinado as razões contrárias;
como estúpido seria um soldado, que se propusesse
defender uma cidadela, ser .:1 ter considerado as circuns-
tâncias e os lugares, em que ela pode ser assaltada.
As razões que tu apresentas (admitindo que o
sejam), são assaz comuns, e já repetidas por muitos.
A todas se responderá da melhor maneira só com ter
considerado, por um lado, os fundamentos delas, pelo
outro, o modo da nossa asserção. Ambos serão claros
pela ordem que vou seguir na resposta, que consistirá
em breves palavras: porque, se for necessário dizer e
explicar outras coisas, remetê-las-ei ao pensamento de
Elpino, que repetirá o que já me ouviu dizer.
ALB. Permite-me, primeiro, que me convença que
isso pode ser de algum proveito, e não sem satisfação
para um que deseja saber; porque, com certeza, não
me aborrecerá ouvir-te: primeiro, e depois a ele.
FIL. Aos homens sábios e juduciosos, entre os
quais te incluo, basta só mostrar o ponto que está em
causa, pois, por eles próprios podem fazer ideia dos
meios pelos quais se desce a uma e outra posição, con-
trária ou contraditória. Ora, quanto à primeira dávida,
dizemos que toda aquela construção d~ posto que
não existem aquelas distinções de orbes e de céus, e que
os astros neste imenso espaço etéreo se movem por
principio intrínseco, em tomo do próprio centro, e em
tomo de qualquer outro meio. Não é um primeiro
móvel que tealmente arrebata tantos corpos, em tomo

[ 159]
deste meio, mas é só este nosso globo, que causa a
aparência de tal movimento. E as razões disto, di-las-á
Elpino.
ALB. Ouvi-las-ei com todo o gosto.
FrL. Quando ouvires e compreenderes que aquela
maneira de ver é contra a natureza, e isto segundo toda
a razão, . sentido e verificação natural, já não a6.rmarás
existir um limite, um termo do corpo e do movimento
do universo, e que não passa duma vã fantasia julgar
que existe esse primeiro móvd, esse céu supremo e
continente, em vez dum espaço geral em que subsistem
outros mundos, do mesmo modo que este globo terrestre
neste espaço, onde está circundado por este ar, sem
que esteja pregado e fixo em qualquer o,utto corpo,
e tenha outra base que o próprio centro. E se virmos
que este mundo, por não mostrar acidentes diferentes
dos que apresentam os astros circunstantes, não se pode
provar ser de outra condição ou natureza, não se deve
julgar que ele está no meio do universo, mais do que
qualquer um daqudes, e que antes pareça ser de rodeado
por aqudes, do que aqudes por de; de maneim que,
reconhecendo-se tal igualdade natural, se infere a falta
de base dessa ideia dos céus móveis, a eficiência da
alma motriz e natureza interna, impulsionadoras destes
globos, a igualdade do amplo espaço do universo,
a irracionalidade dos limites, e configuração externa
daqude.
ALB. Coisas que, na verdade, não repugnam à
natureza, e podem ser mais convenientes, mas são de
dificflima prova, e requerem um enorme engenho para
se desenvencilhar das razões e da opinião contrária.
FIL. Logo que seja encontrada a ponta do no,
fàcilmente se desenredará toda a meada. Porque a

[ 160]
dificuldade procede dum modo e dum pressuposto que se
afastam da realidade: isto é, a gravidade da terra, a sua
imobilidade, a posição do primeiro móvel e de outros
sete, oito, nove ou mais, nos quais os astros estão coloca-
dos, gravados, chapados, pregados, atados, colados, escul-
pidos ou pintados, e não estando num mesmo espaço,
juntamente com este astro, que denominamos terra,
que hás-de ouvir não ser de região, de forma, de natureza
mais ou menos elementar que todos os outros, nem
menos móvel por principio intrínseco, do que cada um
daqueles . outros divinamente animados.
ALB. Decerto, logo que este pensamento me entre
na cabeça, fàcilmente se seguirão todos os outros que
tu me propuseres: simultâneamente, tirarás as rafzes
duma filosQfia, e plantarás as da outra.
FIL. Assim, desprezarás por razões, em vez de
adoptares a opinião comum, que vulgarmente afirma
que um sumo horizonte, altíssimo e nobillssimo, limita
as substâncias divinas, imóveis e motoras destas esferas
.fictícias; mas, pelo menos, confessarás que é também
crlvd que, assim como esta terra é um animal móvel,
e capaz de rodopiar por principio intrlnseco, o sejam
igualmente todos os outros astros, em vez de serem móveis
segundo o movimento arrastante dum corpo, que não
tem tenacidade, nem consistência alguma, ainda mais
raro e subtil do que este ar em que respiramos. Julgarás
que esta maneira de ver não passa de mera fantasia,
que não se pode demonstrar pelos sentidos; e que a
nossa é conforme a um juizo recto, a uma razão bem
fundamentada. Afirmarás não ser mais verosimil
que as imaginadas esferas de superfície côncava e con-
vexa se movam conduzindo consigo estrelas, do que
verdadeiramente, e conforme ao nosso intelecto e natural

[ 161 1
conveniência, sem temer de cair para (") baixo, ou subir
para o alto (visto que no espaço imenso não há dife-
rença entre : em cima, em baixo, direito, esquerdo,
adiante e atrás), façam os seus circuitos em tomo umas
das outras, pela razão da sua vida e consistência, segundo
hás-de ouvir, em ocasião oportuna. Verás, como fora
desta imaginada circunferência do céu pode existir
corpo simples ou composto, móvd de movimento
recto; porque, como de movimento recto se movem
as partes deste globo, assim, nem mais nem menos,
se podem mover as partes dos outros; porque este não
é feito e composto de coisa diferente dos outros, que
se movem à volta deste, e de outros, nem parece que
este rode em torno dos outros, menos do que os outros
em torno deste.
ALB. Agora, mais do que nunca, percebo que um
pequeníssimo erro, ao principio, causa uma diferença
máxima, e desvio erróneo no fim; um só e simples
inconveniente multiplica-se pouco a pouco, ramifi-
cando-se em infinitos outros, como uma pequena raiz
em grandes troncos e ramos inumeráveis. Por minha
vida, Filóteo, anseio bastante que o que me propões
me seja provado por ti, e patenteado como verdadeiro,
conforme eu o julgo digno e verosfmil.
FrL. Farei quanto me permitir a oportunidade do
tempo, remetendo ao teu juizo muitas coisas que até
agora, não por incapacidade, mas por inadvertência,
te têm sido ocultas.
ALn. Diz tudo em resumo, e como conclusão,
pois sei que antes de teres partilhado desta opinião,
pudeste examinar muito bem a força do contrário; pois
estou convencido de que a ti, não menos do que a mim,
estão abertos os segredos da filosofia comum. Continua.

[ 1621
FIL. Não se deve, pois, procurar se fora do céu
há vácuo, lugar, ou tempo: porque um é o lugar geral,
um p espaço imenso, que livremente podemos designar
por vácuo, no qual existem inumeráveis e infinitos
globos, como existe este, em que nós vivemos e vege-
tamos. Dizemos que tal espaço é infinito, porque não
há razão, conveniência, possibilidade, sentido ou natu-
reza, que deva fazê-lo finito: nele existem infinitos
mundos semelhantes a este, e não diferentes deste
em género, porque não há razão positiva ou razão
negativa na natureza, isto é, tanto potência activa como
passiva, pela qual, como existem neste espaço em volta
de nós, não existam igualmente em todo o outro espaço,
que não é de natureza diferente e dissemelhante deste.
ALB. Se o que disseste anteriormente é verdadeiro
(como não é até agora, menos verosfmil do que o seu
contrário), isto é necessário.
FIL. Pois, fora da circunferência imaginada e con-
vexo do mundo, existe o tempo: porque há ai a medida
e razão do movimento, porque ai existem semelhantes
corpos móveis. Isto é em parte suposto, e em parte
proposto, acerca do que afirmaste como primeira razão
da unidade do mundo.
Quanto ao que afirmaste em segundo lugar, eu
concordo que há, na verdade, um motor primeiro e
principal; mas não primeiro e principal, de tal modo
que, por uma certa hierarquia, pelo segundo, terceiro
e outros, se possa, numerando, descer daquele ao médio
e último, visto que tais motores não existem, nem podem
existir; porque, onde há multidão infinita, não há grau
nem ordem numérica, se bem que exista grau, e ordem,
segundo a razão e dignidade, ou de diversas espécies
e géneros, ou de diversos graus no mesmo género e

[ 163]
na mesma espécie. Existem, pois, infinitos motores,
assim como existem infinitas almas destas i.nfulltas esferas,
que, por serem formas e actos intrínsecos, existindo um
primeiro principio em relação a todas elas, do qual todas
dependem, existe um primeiro motor que dá a faculdade
do movimento aos esp.fritos, às almas, aos deuses, numes
e motores, e mobilidade à matéria, ao corpo, ao animado,
à natureza inferior, ao móvel. Existem, portanto, infi-
nitos móveis e motores, reduzindo-se todos a um prin-
cipio passivo e a um principio activo, como todo o
número se reduz à unidade; o número infinito e a unidade
coincidem, e o sumo agente que tem o poder de fazer
tudo, coincide com o que é possível ser feito, como se
demonstrou no fim do livro Aterta da CltiiSa, tio Prindpio
e da Unidmk. Portanto, sob o ponto de vista do número
e multidão, há móvel infinito e motor infinito, mas na
unidade e singularidade, há um motor infinito imóvel,
um universo infinito imóvel; e esta grandeza, e número
infinito, e aquela infinita unidade e simplicidade, coin-
cidem num principio simplicíssimo e individual, verda-
deiro, ente. Assim, não existe um primeiro móvel,
sucedendo-lhe por certa ordem o segundo, até ao último
ou ao infinito, mas todos os móveis estão igualmente
próximos e afastados em relação ao primeiro, e ao
primeiro e universal motor. Como, logicamente falando,
todas as espécies têm igual relação ao mesmo género,
todos os indivíduos à mesma espécie, assim, dum motor
universal infinito, existe um movimento universal infinito,
num espaço infinito, dele dependendo infulitos móveis
e infinitos motores, sendo cada um deles finito em massa
e em poder.
Quanto ao terceiro argumento, digo que não existe
no campo etéreo qualquer ponto determinado, pata o

r t64J
qual, como para um meio, se movam as coisas graves,
e do qual, como para a circunferência, se afastem as
coisas leves, porque, no universo, não existem meio
nem circunferência; mas, se assim o preferes, em tudo
existe um meio, e cada ponto se pode tomar como
parte de qualquer circunferência, com respeito a qualquer
outro meio, ou centro. Ora, em nossa opinião, diz-se
respectivamente grave o que se move da circunferência
deste globo para o meio, e leve o que, ao contrário,
se move para o sitio oposto; mas veremos que nada
é grave, que ao mesmo tempo não seja leve, porque
todas as partes da terra mudam sucessivamente de sítio,
lugar e temperamento; porquanto, durante um longo
curso de séculos, não há parte central que se não torne
circunferencial, nem parte circunferencial que se não
faça do centro, ou se aproxime dele. Veremos que
gravidade e leveza não são, senão, impulso das partes
dos corpos para o próprio continente ou conservante,
onde quer que ele esteja; não são, contudo, as diferenças
de situação que atraem a si tais partes, nem que as
repelem, mas é o desejo de conservar-se que impele
todas as coisas como princípio intrínseco, e, se não
houver qualquer obstáculo, as conduz onde melhor
fujam ao contrário, e se juntem ao conveniente. Assim,
do mesmo modo, da circunferência da lua e doutros
mundos semelhantes a este, em espécie ou em género,
vão unir-se as partes ao meio do globo, como por força
de gravidade, deslocando-se para a circunferência as
partes de menor densidade, como por força de leveza.
E não é porque fujam à circunferência ou se agarrem
à circunferência, pois, se assim fosse, quanto mais se
aproximassem dela, com mais velocidade e rapidez para
ai correriam, e quanto ma1s se afastassem, com mais

[ 165 J
ímpeto se lançariam para o sítio oposto. Acontece,
porém, tudo ao contrário: atendendo que, se se movessem
para além da região terrestre. ficariam suspensas no ar
e não subiriam, nem desceriam, até que, adquirindo
gravidade maior, por adição de partes ou por conden-
sação pelo frio, atravessassem por meio dela o ar sobposto,
e regressassem ao seu continente, onde dissolvidas e
atenuadas pelo calor, se dispersariam em átomos.
ALB. Oh, quanto me agradará tudo isso, quando
mais plenamente me tiveres feito ver a semelhança dos
outros astros com este globo terrestre I
FIL. Isso fàcilmente te poderá repetir Elpino,
como o ouviu de mim. E far-te-á ouvir com mais clareza
como nenhum corpo é grave ou leve, com respeito à
região do universo, mas só as partes, em relação ao
seu todo, continente próprio ou conservante. Porque,
aqueles (8), pelo desejo de se conservarem no ser presente,
movem-se ao longo de todos os pontos da sua trajectória,
condensam-se como fazem os mares e as gotas, e desa-
gregam-se como todos os Uquidos, à face do sol ou
doutros fogos; pois que todo o movimento natural,
que provém de principio intrínseco, só tende a fugir ao
desconveniente e contrário, e seguir o amigo e conve-
niente. Contudo, nada se move do seu lugar senão
expulso pelo contrário; nada é grave nem leve, no seu
lugar; mas a terra, a pairar no ar, enquanto se esforça
para atingir o seu lugar, é grave, e sente-se grave. Assim,
a água suspensa no ar é grave, mas não é grave no próprio
lugar; para as coisas que estão submersas, toda a maSsa de
água não é grave, ao passo que no ar, fora da superflcie da
terra, um pequenino vaso cheio de água torna-se grave.
A cabeça não é grave em relação ao próprio busto,
mas será grave a cabeça dum outro, se nos for sobreposta,

[ 166]
e a .razão é de não estar no seu lugar natural. Se, por
conseguinte, gravidade e leveza são impulso para o lugar
continente, e fuga do contrário, nada, conquanto se
encontre no seu estado natural, é grave ou leve; e nada
tem gravidade ou leveza, muito longe do próprio conti-
nente e muito afastado do contrário, enquanto não
sentir a atracção dum, e a repulsão do outro; mas, se,
sentindo a repulsão dum, desespera, e fica perplexo e
irresoluto com respeito ao contrário, vem a ser vencido
por ele.
ALB. · Prometeste, e, em grande parte, provas com
factos grandes coisas.
FIL. Para não recitar duas vezes o mesmo, confio
a Elpino o dizer-te o restante.
ALB. Parece-me que compreendo.tudo, porque uma
dúvida excita a outra, uma verdade demonstra outra:
eu começo a perceber mais do que me é possível explicar,
e muitas das coisas que até agora tinha por certas, começo
a achá-las duvidosas. Por isso, pouco a pouco, vou-me
sentindo disposto a concordar contigo.
FIL. Quando me tiveres plenamente entendido,
plenamente me consentirás. Mas, por enquanto, retém
isto, ou pelo menos não estejas firme na opinião con-
trária, como demonstraste que estavas, antes de termos
começado a discussão; porque, pouco a pouco, e por
diversas oportunidades, explicaremos completamente tudo
o que poder vir a propósito, e que depende de mais
princípios e causas, pois que, como um erro se acrescenta
a outro, também a uma verdade descoberta sucede
outra.
Acerca do quarto argumento, dizemos que, con-
quanto existam tantos centros quantos são os indivíduos,
globos, esferas e mundos, não resulta daf que as partes

[ 167]
de cada um se refiram a outro centro, sem ser ao próprio,
nem que se afastem para outra circunferência, sem ser
a da própria região. Assim, as partes desta terra não
visam outro centro, nem vão unir-se a outro globo
senão a este, como os humores e partes dos animais
têm fluxo e refluxo no próprio sujeito, e não pertencem
a outro, distinto em número.
Quanto ao que apresentas por inconveniente, isto é,
que o meio que se ajusta em espécie a outro meio virá
a ser mais distante daquele do que o centro e a circun-
ferência, que são naturalmente contrários, e por isso
devem ser afastados ao máximo, respondo: primeiro,
que os contrários não devem estar afastados ao m;Sximo,
mas apenas tanto, que um possa ter acção no outro,
e possa sofrer a acção do outro, como vemos o sol
estar disposto próximo de nós, com respeito às suas
terras, que estão à volta dele; visto que a ordem da
natureza estabeleceu que um contclrio subsista, viva e se
alimente pelo outro, enquanto um é afectado, alterado,
vencido, e se converte no outro.
Além disso, discutimos há pouco com Elpino,
acerca da disposição dos quatro elementos, que concorrem
como partes à composição de cada globo, estando cada
uma delas fnsita na outra, e misturada com a outra;
não são distintas e diversas, como conteúdo e continente,
porque onde estiver terra, há água. ar e fogo, clara ou
latentemente; e que a distinção que fazemos dos globos,
sendo uns fogos, como o sol, outros águas, como a lua
e a terra, não procede do facto de constarem dum simples
elemento, mas do elemento que predomina em tal com-
posição.
É ainda falsissimo que os contrários estejam afas-
tados ao mbimo, porque em todas as coisas eles vêm

[ 168]
naturalmente juntos e unidos, não consistindo o universo,
tanto pelas partes principais como pelas outras secun-
dárias, senão em tal conjunção e união; pois, não existe
pedaço de terra que não tenha em si unidfssima a água,
sem a qual não há densidade, união de átomos, e solidez.
Mais, acaso existe algum corpo terrestre tão espesso
que não tenha os seus poros insensíveis, sem os quais
não seriam tais corpos divisíveis e penetráveis pelo
fogo, ou pelo seu calor, que é também coisa sensível,
que parte de tal substância? Onde está parte deste teu
corpo frio e seco, que . não tenha junto este outro teu
corpo quente c húmido? Em conclusão, não é natural,
mas lógica, esta distinção de elementos, e se o sol está
na sua região, afastado da região da terra, não é menos
verdade que o ar, a terra e a água .não estão mais afas-
tados dele que deste globo terrestre, porque aquele
é corpo composto como este, se bem que, dos quatro
ditos elementos, um predomine naquele, outro neste.
Além disso, se quisermos que a natureza seja coerente
com esta lógica, que pretende que entre os contrários
deve existir a máxima distância, será necessário que
entre o teu fogo, que é leve, e a terra que é grave, seja
interposto o teu céu, que não é grave nem leve. Ou,
se queres limitar-te a dizer que apenas admites esta
ordem nos chamados elementos, será também neces-
sário que os ordenes doutro modo. Quero dizer que
compete à água estar no centro e lugar do gravíssimo,
se o fogo está na circunferência e lugar do levíssimo,
na região elementar; porque a água, que é fria e húmida,
contrária ao fogo pelas duas qualidades, deve estar
afastada ao máximo do elemento frio e seco, c o ar,
que tu dizes quente e húmido, deveria estar afastadfssimo
da terra fria e seca. Vês quanto esta proposição peripa-

[ 1691
tética é inconstante, quer examinada segundo a verdade
da natureza, quer medida pelos próprios princlpios e
fundamentos?
ALB. Vejo, e muito claramente.
FIL. Vês, ainda, não é contra a razão a nossa
filosofia que reduz a um principio, refere a um fim, e faz
coincidir simultâneamente os contrários, de maneira
que é o mesmo o sujeito primeiro dum e doutro; por
esta coincidência julgamos, por fim, que divinamente
foi considerado, e dito, que os contrários existem nos
contrários; de maneira que-, não é diflcil chegar-se a
saber isto, que toda a coisa .está em cada coisa: o que
Aristóteles e outros sofistas não puderam compreender.
ALB. De bom grado te escuto. Sei que tantas
coisas, e tão diversas conclusões, não se podem provar
simultâneamente, e numa oportunidade; mas, como me
descobriste serem inconvenientes as coisas que eu julgava
necessárias, se tornam suspeitas todas as outras, que,
pda mesma e semelhante razão, julgo necessárias. Por
isso, com atenção e silêncio me preparo para escutar
os vossos fundamentos, princlpios e discursos.
ELP. Verás que não é de ouro o século que
Aristóteles trouxe à Filosofia. Por enquanto, resolvam-se
as dúvidas que tu propuseste.
ALB. Eu não tenho muita curiosidade por elas,
porque desejo compreender a doutrina de prindpios,
por meio dos quais estas e outras dúvidas se resolvem
iiiXIa pela vossa filosofia.
FIL. Acerca disso, raciocinaremos depois. Quanto
ao quinto argumento, deves considerar que, se nós
imaginarmos muitos e infinitos mundos, segundo aquela
razio de composição, que vocês costumam imaginar
quase que -além dum composto de quatro elementos

[ 170]
segundo a ordem vulgarmente aceite, e outros oito,
nove ou dez céus que os contenham, feitos duma outra
matéria, e de diversa natureza, e que, com rápido movi-
mento circular giram em tomo dele; e além de tal mundo
assim ordenado e esférico - , compreendemos outros
e outros, semelhantemente esféricos e igualmente móveis;
então, deveríamos dar uma explicação, e imaginar de
que mod1) um seria continuado ou contfguo ao outro,
e andaríamos assim fantasiando, em quantos pontos
circunferenciais possa ser tocado pela circunferência
dos mundos circunstantes: verias então que, conquanto
existissem mais horizontes à volta dum mundo, não seriam
contudo dum mundo, mas este um teria para este meio
a mesma relação que cada um para o seu; porque têm
a influência no ponto onde, e em torno do qual rodam
e se voltam. Assim corno, se vários animais fossem
juntamente recolhidos, e estivessem contfguos uns aos
outros, nem por isso aconteceria que os membros dum
pudessem pertencer aos membros do · outro, de sorte
que a cada um deles pudessem pertencer mais cabeças
ou bustos. Mas nós, graças aos deuses, estamos livres
do enfado de mendigar tais desculpas, porque, em lugar
de tantos céus e tantos móveis, rápidos e lentos, rectos
e obliquos, orientais e ocidentais sobre o eixo do mundo,
e o eixo do zodfaco, com tanta ou quanta, com muita
ou pouca declinação, temos um só céu, um só espaço,
pelo qual este astro em que estamos, e todos os outros,
fazem os próprios giros e percursos. Estes são os infinitos
mundos, isto é, os astros inumeráveis; aquele é o espaço
infinito, isto é, o céu que contém e é percorrido por
eles. Acabou-se com a fantasia da geral rotação de
todos em tomo deste meio, em virtude do que clara-
mente conhecemos acerca da rotação deste, que, girando

[ 171]
sobre o próprio centro, se mostra à vista dos lumes
circunstantes, em vinte e quatro horas. Isso destrói
completamente a tal ideia da atitude das esferas móveis,
que arrastam em tomo da nossa região os astros nelas
fixos, permanecendo atribuído a cada corpo celeste
só o movimento próprio, que se chama epiclclico, com
as suas diferenças dos outros astros móveis; enquanto
se deslocam, assim como este, em tomo do próprio
centro e em volta do demento do fogo, impulsionados
pela própria alma, e não por outro motor, durante
longos séculos, se não eternamente.
Eis quais são os mundos, e qual é o céu. O céu
é tal como o vemos em volta deste globo, que não é
menos do que os outros, um astro luminoso e excelente.
Os mundos são como se nos mostram, distintos, com
uma face luminosa e resplandecente, e separados uns
dos outros por determinados intervalos; dai, em parte
. alguma um está mais próximo doutro, do que a lua
possa estar desta terra, e deste sol, estas terras: para
que um contrário não destrua, mas alimente o outro,
e um semelhante dê espaço ao outro, e não o estorve.
Assim, de razão em razão, medida a medida, tempos
a tempos, este frigidlssimo globo, ora deste, ora daqude
lado, desta ou daquela face, se aquece ao sol, e com
certa vicissitude, ora influi ora recebe a influência da
terra próxima, que chamamos lua, aproximando-se ou
afastando-se do sol, alternadamente: por isso é chamada
por Timeu, e outros Pitagóricos, antfctone ( 1) terra.
Ora, estes são os mundos, todos habitados e cultivados
pelos viventes que lhes são próprios, além de serem
os principais e mais divinos viventes do universo. Cada
um ddes é composto de quatro dementos, nada menos
do que este em que nos encontramos, se bem que nuns

[ 172]
predomine uma qualidade activa, noutros, outra; dai,
uns serem visíveis por causa da á~ outros pelo fogo.
Além dos tais quatro elementos que entram na compo-
sição deles, existe uma região etérea imensa, como
dissemos, na qual tudo se move, vive e vegeta; este
é o éter que contém e penetra todas as coisas, e que,
enquanto se encontra na composição (isto é, enquanto
faz parte do composto) é comummente denominado ar,
que é este vapor à volta da água, e dentro do continente
terrestre, encerrado entre os montes altíssimos, capaz
de formar espessas nuvens, e Austros e Aquilões tempes-
tuosos.
Enquanto é puro, não faz parte de éomposto, mas
é lugar e continente, através do qual o composto se
move e desliza, denominando-se éter, como o próprio
nome diz (1°). Se bem que este seja, afinal, o mesmo
que aquele que se movimenta dentro das vísceras da
terra, todavia, tem outro nome; aoàlogamente, chama-se
ar ao que nos circunda, mas, como de certo modo faz
parte de nós, encontrando-se nos pulmões, nas artérias
e outras cavidades e poros, e concorrendo assim para
a nossa composição, se chama espírito. O mesmo se
concretiza em vapor, em tomo do corpo frio, rarefa-
zendo-se em volta do astro quentíssimo, como em chama,
que não é perceptível senão junto a corpo espesso,
que venha aceso pelo intenso calor dela. De sorte que
o éter, quanto a si próprio e à sua natureza, não possui
qualidade determinada, mas todas recebe, dadas pelos
corpos vizinhos, levando-as no seu movimento até ao
limite extremo da eficácia de tais principios activos.
Ora, eis demonstrado como são os mundos, e como
é o céu, podendo resolver-se, assim, não só a presente
dúvida, mas inúmeras outras, e ao mesmo tempo, ter

[ 173 J
o ponto de partida para muitas conclusões flsicas verda-
deiras. E se até agora alguma proposição te parecer
suposta, e não provada, deixo-a por enquanto à tua
discrição, que, se for isenta de prevenções, antes que
a descubra como veradssima, julgá-Ia-á muito mais
provávd do que a contrária.
ALB. Diz-me, Teó6lo, que eu escuto.
FIL. Assim, temos também resolvido o sexto
argumento, que, pelo contacto dos mundos num ponto,
pergunta, o que é que se poderá encontrar naqudes
espaços triangulares, que não seja da natureza do céu,
nem dos dementos. Porque nós temos um céu em
que os mundos têm os seus espaços, regiões e distâncias
que lhes competem, e que se difunde por tudo, penetra
em tudo, e é continente, contíguo e contínuo a tudo,
não deixando vácuo algum; a não ser que, como sitio
e lugar em que tudo se move, e espaço em que tudo
desliza, te agradasse chamar-lhe vácuo, como muitos
lhe chamaram: ou ainda, primeiro sujeito posto nesse
vácuo, para que se não possa considerar localizado em
parte alguma, se por razão, e por natureza e subsistência
te agradasse pessoal e logicamente, pô-lo como coisa
distinta do ente e do corpo. De sorte que, nada se
conclui existir senão em lugar finito ou infinito, corpórea
ou incorpôreamente, ou no todo, ou nas partes: e o
lugar, enfim, não é senão espaço, que por sua vez não
é senão o vácuo; que, se o quisermos conceber como
coisa autónoma, dizemos ser o campo etéreo que contém
os mundos, se quisermos concebê-lo como coisa coexis-
tente, dizemos ser o espaço em que estão o campo
etéreo e os mundos, e que se não podC'1D compreender
como existindo noutra parte. Eis porque não temos
necessidade de imaginar novos ·dementos e mundos,

[ 174]
ao contrário daqueles que, por uma causa mfnima,
começaram a evocar céus móveis, matérias divinas,
partes mais raras e densas de natureza celeste, quintas-
-essências, e outras fantasias e designações desprovidas
de qualquer substância e verdade.
Ao sétimo argumento, respondemos ser um o
universo infinito, como um continuo e composto de
regiões e mundos etéreos; serem infinitos os mundos,
cuja existência se deve admitir em diversas regiões
daquele, pela mesma razão que a deste em que nós
habitamos, a deste espaço e região se entende, e existe;
como nestes dias passados raciocinei com Elpino, apro-
vando e confirmando o que disseram Demócrito, Epicuco,
e muitos outros que contemplaram a natureza com olhos
mais abertos, não se fazendo surdos às vozes instantes
dela.
Desine quapropter, novitate exterritus ipsa.
Expuere ex animo racionem: sed magis acri
Iudicio perpende, et si cibi vera videtur,
Dedc manus; aut si falsa est, accingere contra.
Quaerit enim racionem animus, cum aununa loci ait
Infinita foris haec extra moenia nlUndi;
Quid ait ibi porro, quo prospiccre usque velit mens,
Atque animi tractus liber quo pervolet ipse.
Principio nobis in cunctas undique partes,
Et latere ex utroque, infra supraque per omne,
Nulla est finis, uci docui, res ipsaque per se
Vociferatur, et elucet natura profundi (11).

Clama contra o oitavo argumento, que pretende


que a natureza se encerre num compêndio, pois, se
bem que o observemos em cada um dos mundos, grandes
e pequenos, contudo, não se verifica em todos; porque
os olhos dos nossos sentidos, como não vêem o fim,

[ 175]
são vencidos pelo imenso espaço que se apresenta, sendo
confundidos e superados pelo número de estrelas, que
cada vez mais se vai multiplicando; de maneira que
deixa perplexos os sentidos, e obriga a razão a acres-
centar sempre espaço a espaço, região a região, mundo
a mundo.
Nullo iam pacto verisimile esse putandumst.
Undique cum vorsum spacium vacet infinitum,
Seminaque innumero numero, summaque profunda
Multimodis volitent aetemo percita motu,
Hunc unum terrarum orbem, caelumque creatum.

Quare etiam atque etiam tales fateare necesse est,


Esse alios alibi congressus materiei:
Qualis hic est avido complexu quem tenet aether (U).

Murmura contra o nono argumento, o qual supõe,


e não prova, que à potência infinita activa não corres-
ponda potência infinita passiva, e a matéria infinita não
possa ser sujeito e fazer-se campo o espaço infinito,
e por consequência, não possa proporcionar-se o acto
e a acção ao agente, e o agente comunicar tudo ao acto,
sem que tudo possa ser comunicado (não se poderia
imaginar mais aberta contradição). É, portanto, assaz
bem dito:
Praeterea cum materies est multa parata,
Cum locus est praesto, nec res nec causa momtur
UJJ.a. geri debent nimirum et confieri res.
Nunc ex seminibus si tanta est copia quantam
Enumerare actas animantum non queat omnis,
Visque eadem et natura manet, quac semina rerum
Coniicere in loca quaeque queat, simili ratione
Atque huc sunt coniecta: necesse 'st confiteare
Esse alios aliis terrarum in pu:tibus orbes,
Et varias hominum genteis, et seda femrum (U).

[ 176]
Respondemos ao outro argumento que este bom
e civil comércio entre os diversos mundos não é mais
necessário do que todos os homens serem um homem,
todos os animais um animal. Escusado será dizer que:,
por experiência, vemos ser para bem dos seres animados
deste mundo, que a natureza tenha, por mares e montes,
feito distintas as gerações, e que, tendo por humano
artificio surgido o convívio, não se ganhou mais do
que se perdeu; visto que, pelo contacto, mais depressa
se redobram os vícios do que se aumentam as virtudes.
Bem se lamenta o Trágico:

Bene dissepti foedera mundi


Traxit in unum Thessala pinus
Iussitque pati verbera pontum,
Partemque metus fieri nostri
:Mare sepostum (16 ).

Ao décimo, responde-se como ao quinto, no sentido


que cada um dos mundos obtém o seu espaço no campo
etéreo, de maneira que um não se toque nem choque
com o outro; mas rodam, e são situados com distâncias
tais, que um oposto não se destrua, mas se fomente pelo
outro.
Ao décimo primeiro, o qual pretende que a natureza
multiplicada por união e divisão da matéria, não se põe
em acto senão por via da geração, enquanto um individuo
como pai, produz outro como filho, objectamos que
isto não é universalmente verdadeiro: porque, de uma
massa se produzem, por obra da eficiência do sol, muito&
e diversos organismos, com várias formas e inúmeras
figuras; Admito que, se se desse a destruição e renovação
de qualquer mundo, a produção de animais, tanto perfeitos

[ 177]
como imperfeitos, seria no principio efectuada sem acto
de geração, pela força e eliciencia da natureza.
Ao d«imo segundo e áltimo, o qual afirma que,
sendo este ou um outro mundo perfeitos, não ~ nec.esúrio
existirem outros mundos, digo que, com c:erte%a nio
se exigem (tais mundos) para a perfeição e subsistencia
daquele; mas para a própria subsistencia e perfeição do
universo, ~ necessário que sejam infinitos. Da perfeição
deste, ou daqueles, nio resulta que aqueles, ou este,
sejam menos perfeitos: porque tanto este, como aqueles,
.e aqueles como este, constam das suas partes, e sio,
pelos seus membros, inteiros.
ALB. Não haverá, 6 Filóteo, voz de plebe, indi-
gnação do vulgo, murmúrio de tolos, desprezo de
sátrapas, estultfcia de insensatos, estolidez de «Joões-
-ningu~, informação de mentirosos, querela de mali-
gnos e detracção de invejosos, que me defraudem da
tua nobre presença, e me furtem à tua divina conver-
sação. Persevera, meu Filóteo, persevera; nio percas
o ânimo nem retrocedas, pelo facto de, com muitas
ma.qu.in:ações e artimanhas, o grave e grande senado da
estulta ignorância ameaçar, e tentar destruir a tua divina
empresa e alto labor. E podes ter a certeza que, ao fim,
todos verão o que eu vejo, e conhecerão que ~ tão fácil
a cada um louvar-te, como a todos é diflcil ensinar-te.
Todos, se não forem absolutamente perversos, de boa
consciência formularão de ti opinião favorável, dado
que, pelo doméstico magistério da alma, cada um chega
a ser instruido, porque os bens do intelecto nio se
alcançam por outro lado senão pela nossa própria
mente. E porque na alma de todos, há uma certa santi-
dade natural, que, assente no alto tribunal do intelecto,
exercita o juizo do bem e do mal, da luz e da treva, acon-

[ 178]
tecerá que, das próprias cogitações de cada um, se levan-
tem em teu favor fidelfssimas e fntegtu testemunhas
e defensores. De forma que, se não se fizerem teus
amigos, querendo por preguiça ment21 perseverar como
teus obstinados adversários, e sofistas conscienciosos,
em defesa da turw. ignodncia, sentido em si próprios
o canasco e algoz que fará a tua vingança, e que, quanto
mais for oculto no profundo do pensamento, tanto
mais os atormentará. ~ o verme infernal, arrebatado ·
da coma hirsuta das Euménides, vendo bald2dos os
próprios planos contta ti, despeitado, virar-se4 contta
a mão ou o peito do seu infquo autor, e dar-lhe-4 t2l
morte, qual merece quem esparge o estfgio veneno,
onde morderam os aguçados dentes de t2l serpente.
Continua a dar-nos a conhecer o que é verdadeiramente
o céu, o que são os planetas, e todos os astros; como
os infinitos mundos são distintos uns dos outros; como
não é impossfvel, mas necessário, um espaço infinito;
como um tal efeito infinito se ajusta a uma causa infinita;
qual é a verdadeúa substância, mathia, acto e eficiente
do todo; como é formada pelos mesmos prindpios
e elementos, toda a coisa sensível e composta. Demonstta
categoricamente a noção do universo infinito; ftSga as
superflcies côncavas e convexas que limitam, dentro e
fm:a, tantos elementos e céus; ridicula.riza as diversas
esferas móveis e estrelas fixas; rompe, e deita abaixo,
com o trovão e turbilhão de vivas razões, estas, que
o vulgo cego considera as adamantinas mtualhas do
primeiro móvel e último convexo; destrona-se a ideia
de esta term ser única e, propriamente, centro do universo;
desterm daquela quinta-essblcia a ignóbil fé. Dá-nos
a demonstração da igual composição deste nosso astro
e mundo, à de quantos astros e mundos possamos ver;

[ 179]
com as suas sucessões ordeoadas, cada um dos infinitos,
grandes e espaçosos mundos denta ininterrupt2mente
os outros infinitos menores; aniquila os motores extrfn-
secos juntamente com as margens destes céus; abre-nos
a porta pela qual vemos a semelhança deste astro e dos
outros; mostri. ser, tal como a deste, a consistência dos
outros mundos no éter. Torna evidente que o movimento
de todos provém da alma interior, a 6m de, com a luz
de tal contemplação, procedermos com mais seguros
passos no conhecimento da natureza.
FIL. Que quer dizer Elpino, que o doutor Búrquio
nem agora nem nunca nos consentiu?
ELP. É próprio dum engenho não entorpecido
passar do ver e ouvir pouco, a poder considerar e
compreender muito.
ALB. Se bem que até agora não me tenha sido
dado ver todo o corpo do luminoso planeta, posso
perceber, pelos raios que difunde através das estreitas
fendas da janela fechada do meu intelecto, que este não
é o esplendor de artificiosa e sofistica lâmpada, nem
da lua, ou de outra estrela menor. Por isso me preparo
para melhor compreensão no futuro.
FIL. Gratíssima me será a tua companhia.
ELP. Agora vamos jantar.

FIM DOS ONCO DIÁLOGOS

ACERCA DO INFINITO.
DO UNIVERSO E DOS MUNDOS

[ 180 J
NOTAS DA TRADUTORA

(1) A identificação de Albertino com determinada perso-


nagem histórica tem sido discutida pelos críticos da filosofia,
constituindo assunto de dificil resposta. Bcrti e Kuhlenbeck
opinam tratar-se do doutor Alberico Gentile, que Bruno citara
no DepoiwttniD tk V me-ta: «... e não encontrando nem aqui (referia-se
a Mogúncia), nem em Vispúria, lugar pouco afastado daí, acolhi-
mento a meu modo, dirigi-me a Vitemberga, na Saxónia, onde
encontrei duas facções, uma de filósofos, que eram calvinistas,
c outra de teólogos, que eram luteranos, e nesta. um doutor que
se chamava Alberigo Gentile, das Marcas, que tinha conhecido
em Inglaterra (Oxford), professor de leis, que me favoreceu,
e me introduziu a dar uma liçlo sobre o Organon de Aristóteles,
que dei com outras lições de filosofia, durante dois anos». Cfr.
Ermínio Troilo-Giordano BnmD (Profili). Milão, Bietti, 1940. P. 15.
(2) Estância dum soneto satirico,' de autor desconhecido.
(3) Citação de Ludovico Ariosto, com alterações nos dois
versos. ar. Orlmu/Q Fllrio1t1, Vol. m, Canto XXIV, 3 (v. 7-8):
«Ma tosto far come vorrei nol posso I Che'l male e penetrato
itúin'all'osso».
(~) A traduzir: «comprendente», «figurante», «terminante»,
isto é, aquele que compreende, que confere figura, e termo.
( 6) De Caeltl, Liv. I, 9 (278b, 21-35; 279a, 1-18).
( 6) Bruno repete, por lapso, a enumeraçlo do SllimD argu-
mento, pelo que se refere sempre a DD-tl argumentos (em vez de
Tre-te), apresentados por Albertino, tal como noutras citações.
Cfr. Epístola Preambular, Arg~~mmiD átJ quinltJ diálogo, p. 16, e ainda
p. 178.
(') Preferimos a variante injiiW (para) à de infinito (infinito)
que aparece em alguns textos c não faz sentido.
(-) Refere-se aos astros.
(') Termo introduzido por Filolau (Séc. v, A. C.) para
nomear o décimo e último dos corpos celestes, que formavam
o sistema do mundo, que arquitectará. Esses corpos eram dez,
um número sagrado para os pitagóricos. A Antiterra movia-se
no plano do Equador, em 24 horas, permanecendo sempre invisível,

[ 181]
visto interpor-se. entre ela e a Terra. o fogo central. Cfr. De C«lo,
ed. cit., Liv. n. 13 (293a, 24).
(10) Bruno tira do Cráti/4, 410 B, a ddiniçio de «éter»:
segundo Platio, o termo d&l)p provém de 6civ - correr, e ele( =
sempre. Sobre o assunto vid. De CM/o, Liv. I, 3 (270b, 20-25).
(ll) LucRÉciO, De R.ertml Na111ra, T. I, Liv. II, 1040-1051
(Vid. nota (S) da Epfstola Preambular, p. 23).
Leia-se: fa/Sillll esl por falsa esl; tmimi ia&hls por tmimi lradtu;
&IIIIÇ/4S ll1llliqw }JIII'IÜ por N11#la IIIUÜqtle }JIII'IIS ,· < IUJ»'II > stpltr(jllt
por illfra IUJ»'fN/111·
Trad., p. 109: «Cesse donc, pour la seule raison que la
nouveauté t'efftaye. de rejeter moo systeme de ton esprit; mais
aiguise d'autant plus ton jugement, pese les choses, et, si la doctrine
te semble vraie, avoue-toi vaincu; si ce n'est que mensonge, ceins
tes armes pour la combattre. L' esprit en effet cherche à comprendre
étant donné que I' espace s'étend infini au delà des limites de notre
monde. ce qui se trouve dans cette immensité ou l'intelligence
peut à sa volonté plonger ses regards, ou la pensée s'envole d'un
essor libre et spontané. En premier lieu pour nous nulle part, dans
aucun acns, du côté droit comme du gauche. en haut, en bas,
par tout l'univers, il n'est pas de limite: comme je l'ai montré,
comme la chose le crie d'elle-m~me, comme il ressort en toute
clarté de la nature m&ne du vide».
(U) LucllÉCJ:o, Ob. nl., T. I, Liv. II, 1052-1056; 1064-1066.
Leia-se: lllri si111iú por Hrisimile ,· spalitml por sfJtNi-,· ta/ii
por laks; 11111/eriai por 111aúriei.
Trad., p. 109-110: «Des lon, on ne saurait tenir pour nulle-
ment vraisemblable. quand de toutes parta s'ouvre }'espace libre
et sana limites, quand des semences innombrables en nombre,
infinies au total, voltigent de mille manieres, animées d'un mouve-
ment étemd, que seuls notre terre et notre ciel aient été c:rééP .. .... .
«Aussi je le répCte encore. il te faut avouer qu'il )Ta ailleurs d'autres
groupements de matiere analogues à ce qu'est notre monde,
que dans une étreinte jaloll!IC l'éther tient enlacb.
(U) LucRÉCio, Ob. &ii., idem. idem. 1067-1076.
Leia-se: NllfiÇ el por lllllf& ex; Uis <q~~~> uá1111 <•t> por
VÚiple eaMIII 11; fJ'IM <IJIII> por IJIIIIIIJIII 1' IU&U# ISI por MUS# 'si;
orbis por orbes; gmlis por gmltis ,· kll&la por st&la.

[ 182)
Trad .• p. 110: «Du reste. quand la matiere est prête en abon-
dance. quand le lieu est à portée. que nulle chose. nullc raison
ne s•y oppose. il est évident que les choses doivcnt prendre forme
et. arriver à leur terme. Et si mainrenant les éléments sont en
tdle quantité que toute la vie des êtres vivants ne suffirait pas
pour les dénombrer; si la même force. la même nature subsistent
pour pouvoir rassembler en tous lieux ces éléments dans le même
ordre qu•ils ont été rassemblés sur notre monde. il te faut avouer
qu•it y a dans d•autres régions de t•espace d•autres terres que la
nôtre. et des races d•hommes différentes. et d•autres especes
sauvages».
(1•) SÉNECA. Medea. 33:;..339 (Cfr. Tragldüs. T. I. Te:xte
établi et traduit par L. Herrmann. Paris. «Les Belles Lettres». 1961).
Leia-se: dimzep:i por dissepti,· seposillmt por seposllmt.
Trad •• p. 148: «Mais les lois si sages de l"Univers et la
judicieuse séparation de ses rivages furent détruits par le rappro-
chement dii au vaisseau fait de pin thessalien: ii contraignit la
mer à subir ses coups <de rames> et à dévenir une de nos craintes
de par sa nature mystérieuse».

[ t83 1
BffiLIOGRAFIA

I - BIBLIOGRAFIA BRUNIANA

A bibliografia bruniana até 1950 esti registada na obra


modelar de:

SALVESTJLINI, VmGILIO- Bibliografo tli Giorthntl BNiiiO (1582-1950).


2.• edizione postuma a cura di Luigi Fupo. Firenze. Sansoni
Antiquariato, 1958. Vol de 412+38 p. fac-similadas, e 4 foto-
cópias no texto. (Edíçio de 666 exemplares numerados).

Dentre os trabalhos publicados posterionnente, foi possível


coligir os seguintes:

1 - EDIÇ0ES DE TEXTOS

BaUNO, GIOilDANO - Clllllilkzio, a cura di Giorgio Bàrberi Squarotti.


Torino, Giulio Einaudi Bditore, 1964. Vol. de 192 p. (Colle-
zione di Teatro, n.o 59).
- - IJ CllltMkzio, in: «Commedie dei Cinquecento», a cura di Nino
Bonellino. Milano, Feltrinelli Editore, 1967. Vol. li, p. 281-
452. (Introduçfo, p. 283-289, e notas ao texto).
--La C~t~~~ t/6 k c,.;, a cura di Giovanni Aquilecchia. Torino,
Giulio Einaudi Editare, 1955. Vol. de 313 p.+9 ilustrações.
(Ediçfo critica de importância fundamental).
- - DitWzbi ItaJimU. Dialogbi 1111/ajimi 1 tlia/qgbi mora/i, coo note
di Giovanni Gentile. Terza edizione a cura di Giovanni

[ 185 J
Aquilecchia. Firenze, G. S. Saoaoni Editore, 1958. Vol.
de LXII+1244 p .
BRUNO, GIORDANO- D114 tlialoghi s&Dnos&illli e tille tli4ltJghi Mli: «ltliota
tritmtphans», «De so11111ii interprelaliDM», «.M~~rtlmliiU'h, «De llltN'-
denlii &ir&ino». A cura di Giovanni Aquilecchia. Roma, Edi-
zioni di Storia c Lettcratura, 1957. Vol. de XXIV+ 72
p. + 7 estampas.
- - Praele&Jiones geomelri&ae e Ars JejormalitJ11tmt. Testi ined.iti,
a cura di Giovanni Aquilecchia. Roma, Edizione di Storia
e Letteratura, 1964. Vol. de XXVI p.+101 figuras. (Com
efeito, acabou de se imprimir em 1965; ediçio de apenas
330 exemplares. «Storia e Letteratura», n.o 98).
joRD.o.NI BnuNI NoLANI- Opera Latint Consmpta. Fak-simile
Neudruck der Aus~:.rabe von Fiorentina, Tocco und anderen.
Neapel Wld Florenz, 1879-1891. Drei Bãnde in acht Teilen.
Stuttgart-Bad Cannstatt, G. Holzboog, 1962.
Optrt di GiDrdano BT'IIIIo e Ji 1ommaso CamJHII#IIa, a cura di Augusto
Guzzo e di Romano Amerio. Milano-NapoU. Riccardo
Ricciardi Editorc, 1956. Vol. de 1297+(3) p. («La Lette-
ratura Italiana», Storia c testi, Vol. 33. As p. 1-767, do
consagradas a Giordaoo Bruno, sendo as p , 3-33 ocupadas
pela Introdução às suas obras, da autoria de Augusto
Guzzo).

2 - TRADUÇÕES

BRUNO, GtORDANO- Ca11se, Prilldpk and Unily. Five dialogues


translated, with ao introduction by Jack. Lindsay. Castle
Hcdingham- Essex, Daimon Presa, 1962; London, Alec
Tiranti, Ltd.; Toronto, Clarke, Irwin & C. Vol. de Vll+
177 p. (Ut Supra, mas: New York, N. J.• Internacional
Publisbers, 1964).
- - L a cma d4 /e muri ( ú btllffJ1#1 des çetUJns). Tatc traduit par
la prerniere fois et préscnté par Émile Namer. Paris, Gautbier-
Villars, 1965. Vol. de 128 p.
- - The expulsion of lhe lritmtphanl beast, tranala.ted and ed.ited by
Anhur D. Imerti, witb ao introduction and notes. New

[ 186]
York, N. J., Rutgers Univcrsity Press, 1964. Vol. de IX .;...
324 p.
BRUNO, GIOilDANO - Des F~~reurs Hlroiq11u (De g/' heroi&i f~~ruri).
Tc:xte établi et traduit par Paul-Henri Michel. Paris, «Les
Belles Lettres», 1954. Vol. de 456 p. (Edição crítica do texto
italiano e versão francesa ao lado).
- - Heroistbe úitlmsthaften 1111á intliJ1iáJII//es úbm. Auswahl und
Interpretationen. Mit ein Essay zum Verstãndnis des Werkcs
und eine Bibliographie herausgegeben von Ernesto Grassi.
Hamburg, Rowohlt, 1957. Vol. de 148 p . (Ro'\vohlts Klassiker
d. Literatur und d. Wissenschaft, 16).
- - Tbe Heroit Fren~üs. A translation with introduction and
notes by Paul Eugene Memmo Jr. Ann Arbor, Michigan,
University :Microfilms, 1959. Vol. de IV +431 p . (Ediçio
xerográfica).
- - Tbe Heroif Frenzies. A translation with introduction and
notes by Paul Eugene Memmo Jr. Chapell Hill, North
Carolina University Press, 1965. Vol. de 274 p . (St1.1dics in
the Romance Languages and Literaturc, n. 0 50).

3 - ESTUDOS. CRíTICA. FICÇÀO

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ALoERISIO, Fm.ICE- Un ar/i(()lo intdito ái B. Spa11mta çjrça 1'11nità
urga~~ita á81/a filosofia ái Br1111o e ârta I'allinen~a ái q~~esla çon la
filosofia ái Spino~a, in: ccGiornale Critico della Filosofia Italiana».
Firenze, 1966. Ano XLV, n.0 2, p. 218-225.
APOLLONIO, MARIO-ln: «Storia dei Teatro Italiano». Pirenze, G . C.
Sansoni, 1951. Vol. II, p . 192-195. (Estas páginas são dedi-
cadas à comédia II Canáe/aio).
AQUILECCHIA, GIOVANNI- Amora s11 Giuráano Bru11o a Oxford,
in: «Studi Secenteschi». Firenze, Leo S. Olschki, 1963.
Vol. IV, p . 3-13.
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Unifllrsitari4 tii ]ena, in: «Atti deU'Accademia Na.zionale dei
Lincei. Rendiconti. Cwsc di Scienze Morali, Storiche e
Filologiche». Roma, 1962. Ano CCCLIX, Série 8.•, Vol.
XVII, p. 463-485 + 1 estampa f. d. t. (Em apêndice: I. J ordani
Bruni Nolani: Praekttiones geomelrkae. II. Jordani Bruni
Nolani: Ars tkformationtm~).
- - Un "IIOtHJ liott~~r~mto tkl protesso ái Giortlmw BriiiUJ, in: «Giomale
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autor considera de grande interesse, apesar de algumas lacunas.
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Mm.oNI, LUIGI - Sillttmia tÜ pmrin"o, tÜ opere I tli tluliiiO in nll tk
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illfoüu u,;,.. 111111 .orltln. Ncw York, Schumann, 1950.
Vol. de XI+389 p.
- - GitJrtltiiiD B,_. Taduzionc dall'originalc inglese di I..iliana
Scalcro. Milano, Longancsi & C., 1957. Vol. de 496 p.+
16 ilustrações. (Colccçio di Cammco», n.0 76. A mono-
grafia sobre Giordano Bruno tem apcmo o texto italiano
do diAlogo D1 l'iltfoliú ,;,rltl 1 MJIIIIi).
SMUELI, BPHB.AIM-'"'"' )W mwft Mn\' .DD"V1 NVI
.,..,., .,.,-ae ., ~n .un:s
Translitcraçlo do frontispfcio: H.,h IM-&.SIIIU- Qtlf'Oitnl
1111tor.t. h/ GitwtltiiiD B,_. Tcl-'aviv, N. Tabriald, T SI " G.
Vol. de 221 p. + (3) + ilustraçõca +retratos. Bibliografia

[ 193]
sumária a p. 223-224. (O ano de publicaçio indicado, segundo
o calendário hebraico, corresponde ao de 1953 da E. C.
No «verso» do rosto vem. traduzido em inglb, o titulo do
livro: Lift tmtl philosophy oj Giorti41UJ Brt~~~t~}.
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1956. Ano II, n. 0 1, p. 16-21. (Revista norueguesa).
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Molodaia Gvardia, 1964. Vol. de 382 + (2) p. + ilus-
trações.
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Storiche e Filologiche)), Torino, 1959. Vol. XCIII, 1958-
1959, Tomo 2.0 , p. 431-472.
TrssoNr, RoBERTO- AppiJII.Ii per 11110 rlrtáio sul/a prosa áella áimos-
lrazione sçienliftça nella «Ct114 át /e Ceneri» ái Gbráall4 BT111W,
in: «Romanische Forschungen». Frankfurt am Main, 1%1.
73. Band, 3./4. Heft, p. 347-388.
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VECCHIO'JTI, Icruo- Prmrt.t.ta • JtmJb.:J .tqlli/4 tia 1111 IICZÍ() .tlll
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Roma, Edizioni Corso Tip. I. G. A. E. L., 1959.
Vol. de 173+(3) p.
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Moskva, Gos. Isd.-vo Detskoi Lit.ri, 1963. Vol. de 301 p.+
ilustrações.
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GencralQ. BerUm, 1952. Vol. V, p. 329-337. (Ocupa-se
de N. de Cusa, G. BriiiUJ, Newton, Einstein e Eddington).
YATES, FllANCES A!olELIA- Git~rtlalto
Bntll() 111111 lht Hn7Wtlit TrtiiÜ-
London, Routledge and Kcgan Paul, 1964. Vol. de
Iillll.
XIV +466 p.+ilustraç6es.

II- RELAÇÃO DAS OBRAS DE G. BRUNO


NA EDIÇÃO ORIGINAL

Dt U•bris Iiktzntm. Parisüs, Apud Acgidium Gorbinum,


MDI.Xxxn.
Ct1111R.t Ciruau. Pariaüa, Apud Acgidium Gilliwn. MDLXXXll.
DI C()lflpnu/iol4 An/:Jit.thlra 11 c(),pdllll() Arlis Lltlli. Parisüs,
Apud Acgidium Gorbinum, MDLXXXII.
CIZ1IIitlaio. ln Parigg:i..Apprcsso Guglelmo Giuliano, MDLXXXII.
Rlttn.t ti C()t~~pll14 Ar.t Rntini.tmtdi ti in Pba~~/41/im Ca~~~po

Exara~~tli. (?)
Explkali() Trigitr14 Sizil--.. (?)
Sigi/IM.t Sizillonmt. (Londres, 1583?).
La Cttr4 tle ú Ceneri. 1584 ~ndres).

Dt 14 CIIIUa, Pril«ipill,tl UIIIJ.. Stampato in Vcnetia, MDLXXXIV.


(Londres).

[ 195 1
De I'Inftnilo, UniHrStJ ti Mo1111i. Stampato in Vcnetia, MDLXXXIV.
(Londres).
Spmtio tk la Beslia Trúmfanle. Stampato in Parigi, MDLXXXIV.
(Londres).
Cabala tk/ C1Zt1allo Pegaseo. Con l'aggiunta dell'Asino Cillmíto.
Parigi, Appresso Antonio Baio, 1585. (Londres).
De g/' Heroiti Fltrrlri. Parigi, Appresso Antonio Baio, 1585.
(Londres).
Fig11ralio Arisloleliti Pbisiti Audil11s. Parisiis, Ex Typographia
Petri Cbeuillot. (1586).
Dialogi D110 tk Fabritii Mortknlis Salernilani Prope Di11ina Adint~en­
Jione. Parisiis, Ex Typographia Petri Cheuillot, 1586.
Dialogi Itliola Trillphans, De Somnii lnlerprtlalione, Mortknlius, De
Mortknlis Cirrino. Imprimé à Paris pour l•.A.uteur, 1586.
Ctnlmn el Viginli Arlitllli tk Na111ra el M111111o At/Hrnu Peripalelitos.
Impressum Parisiis, ad Authoris instant, 1586.
De Lampatk Combinaloria LM/Iiana. Vitebergae, MDLXXXVII.
De Progresm ti Lampatk Venaloria Logitor~~m. 1587 (Vitebergae).
Oralio V alttlitloria. Typis Zachariae Cratonis, MO LXXXVIII.
(Vitebergae).
Camoermtnsis AtroliSIIIIIS 1111 &liones ArlitiÚonml PbysitoTIDII AJ.trnu
Peripalelitos. Vitebergae, Apud Zachariam Cratonem, 1588.
De SpetitTttlll S&TIIIillio ti l...tmt}HIIÚ C0111billaloria &#lltiiiiiÜ LMJ/i.
Pragae, Excudebat Georgius Nigrinus, MDLXXXVIII.
Arlit~~liCtnhiJII e1 Stxagillla adnrnu bllim Temptslalis MalbtMalims
altp# PbiloStJphos. Pragae, Ex typographia Georgü Dacziceni,
MDLXXXVIII.
Oralio Conmlaloria. Helmestadii, Excusa per Jacobum Lucium.
MDLXXXIX.
De Trip/iti Mínimo el Mtn~~~ra. Francofurti, Apud Joannem
Wechdum et Petrum Fischerum consortes, MDLXXXXI.
De Mrmatk, NIUiltTO ti Figt~ra. Francofurti, Apud Joan. Wechelum
et Petrum Fischerum consortes, 1591.

[ 196]
De !lllrJIIIItrabilibiiS, lmmiiUo el lnfi~,~~rabili. Fra.ncofurti, apud Joan.
Wechdum et Petrum Fischerum consortes, 1591.
D1 b11agi111D11, Signonmt el ltlumml Colllj)Osiliotu. Francofurti. Apud
Joan. Wechdum et Petrum Fischeru.m consortes, 1591.
S11111111a Ttr~~~illortllll Melaphysüonmt. Tiguri. Apud Joannem
Wolphium, Typis Frosch., MDXCV.
ArlijitÜim P~rormuli. Fra.ncofurti, Prostat apud Antonium
Hummium, MDCX.II.

• Allilllllihersiotus Cirta ÚllllpaMIII LMI/ia114111 (1587).


* L4111pas T r«inla Slal/ltlFJIIII (1587).
• Libri PhyskDI"'IIII Arisloltlis Exp141rati (1586-88).
• D1 Maxúz Matbt111alita (1589-91).
• De Magüz et TIMses til Magia (1589-91).
• Metlitiwa LMI/iatla (1589-91).
• De Rlrwrt Primipiis ti Elemmlis ti Ca~~sis (1590).
* D1 Vinttdis iii Gnrnt (1590-91).

• Estes trabalhos foram publicados pôstumamente, in: Optra


!Atine C(IIUtripta, cura.ntibus F. Tocco et H. Vitelli. Florentiae,
Typis successorum Le Monnier, MDCCCXC- MDCCCXCI. Vols.
u, m.

[ 197]
ÍNDICES
índice das gravuras

II Retnto de G. Bruno gravado em Paris por C. Mayer


(atratexto)
VII Portada da t.a ediçlo dos diálogos De i' lt~fini/(},
Ulliwr111' MMU/i
XXXIV Autógtafo de G. Bruno datado de 1587
XLVIII Autógrafo de G . Bruno datado de 1588
47 Gravura no texto (Fig. t)
tSS Gravura no texto (Fig. 2)

[ 201]
Índice geral

v Introdução a Giordano Bruno


LITI Advertência
LV Dedicatória
1 Epístola Preambular
27 Diálogo Primeiro
51 Diálogo Segundo
87 Diálogo Terceiro
121 Diálogo Quarto
145 Diálogo Quinto
185 Bibliognfia
197 Índices
201 Índice das gravuras

[ 203]
Esta edição
de
ACERCA DO INFINITO, DO UNIVERSO E DOS MUNDOS
de
Giordano Bruno,
foi impressa em offset e encadernada
nas oficinas da ORGAL Impressores - Porto
para a Fundação Calouste Gulbenkian.
A tiragem é de 300 exemplares encadernados
Mês de Julho de 2016

Depósito Legal: 412493/16


ISBN: 978-972-31-0003-7

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