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1 / Módulo I (noite)
Disciplina: Interpretação e improvisação
TODOS: Olé!
Bernardo (Lorca): Senhoras e senhores, Como uma criança que mostra cheia de
assombro a sua mãe vestida de cor viva para uma festa, assim quero lhes mostrar hoje a
minha cidade natal. A cidade de Granada. Para isso tenho que usar exemplos de música
e os tenho que cantar. Isso é difícil porque eu não canto como cantor mas como poeta,
ou melhor, como um moço simples que vai guiando os seus bois, trazendo a vida viva
das épocas mortas, ao contrário das pedras, dos sinos, das grandes personalidades e
ainda da linguagem.
Maria Clara:
Sobre a frágua veio a lua
com seus babados de renda.
Bárbara:
O menino mira, mira.
O menino a está mirando.
Bianca Alves:
Foge, lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
Bianca Costa:
Se viessem os ciganos,
com teu coração fariam
anéis e colares brancos.
Isabella:
Oh, foge lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
Que já sinto seus cavalos.
Tayná:
Vinha perto o cavaleiro,
o tambor do chão tocando.
Daniel:
E dentro da frágua choram,
dando gritos os ciganos.
Diogo:
O ar da noite vela, vela
O ar da noite está velando.
Lindamar:
E, dentro da frágua, o menino
tem seus olhinhos fechados.
Thais:
Pelo olival, bronze e sonho,
eles vinham, os ciganos.
Karollyne:
As cabeças para cima
e os olhos sempre-cerrados.
Foge lua, lua, lua,
Augusto:
Foge lua, lua, lua,
Foge lua, lua, lua,
Isabella:
E dentro da frágua choram,
dando gritos os ciganos.
Júlia:
O ar da noite vela, vela.
O ar da noite está velando.
Antonella:
Ai! Como canta a coruja,
como canta no galho!
Gabriela:
Através do céu, a lua
vai o menino levando
Bernardo:
Ai! Como canta a coruja,
como canta no galho!
Todos:
Foge lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
TODOS: Olé!
Bianca Costa (Lorca): Neste momento dramático do mundo, o artista deve chorar e rir
com o seu povo. Há que deixar o ramo de açucenas e se enfiar na lama até a cintura para
ajudar os que buscam as açucenas. Particularmente tenho uma ânsia verdadeira em
comunicar-me com os demais. Por isso bati nas portas do teatro e ao teatro consagro
toda a minha sensibilidade.
Bianca Alves (Lorca): Amo a terra. Sinto-me ligado a ela em todas as minhas emoções.
Minhas mais antigas recordações de criança têm sabor de terra. A terra, o campo,
fizeram grandes coisas na minha vida. Os bichos da terra, os animais, as pessoas do
campo, têm sugestões que poucos alcançam. Eu as capto agora com o mesmo espírito
de meus anos infantis. No contrário, não poderia ter escrito Bodas de Sangue.
BODAS DE SANGUE
Gabriela (Noiva): [...] A minha alma se abrasa porque você vem me ver, e espiar minhas
bodas.
Daniel (Leonardo): Calar e queimar por dentro é o maior castigo que a gente pode se
impor. De que me serviu ter orgulho, e desviar os olhos, e deixá-la acordada noites e
noites? De nada! Só serviu para aumentar o meu fogo.
Gabriela (Noiva): Nua, quieta, olhando o campo, igual a uma cadela. Isso é que eu sou!
Só de vê-lo, um fogo já me consome.
Bárbara (Noiva): Não posso ouvir você. É como se eu bebesse uma garrafa de licor e
adormecesse numa colcha de rosas. E me arrasta, e sei que me afogo, mas vou atrás.
Júlia (Lorca): O teatro foi sempre minha vocação. O teatro é a poesia que se levanta do
livro e se faz humana. E ao se fazer, fala e grita, chora e se desperta. O teatro necessita
que os personagens que apareçam na cena levem um figurino de poesia e ao mesmo
tempo que se possa ver seus ossos, o sangue. Hão de ser tão humanos, tão
horrorosamente trágicos e ligados à vida e ao dia com tal força que mostrem suas
tradições, que lhes apreciem seus cheiros e que saia pelos lábios toda a valentia de suas
palavras cheias de amor ou de nojo.
Thais (Noiva): Eu era uma mulher ferida pelo fogo, cheia de chagas por dentro e por
fora, e seu filho era um pouquinho de água, de quem eu esperava filhos, terra, saúde;
mas o outro era um rio escuro, cheio de ramagens, de onde me chegava o sussurro dos
juncos e um murmúrio abafado. E eu corria com seu filho, que era como um fiozinho de
água fria, e o outro me mandava centenas de pássaros que me impediam de andar e
derramavam orvalho nas minhas feridas de mulher fraca e abatida, de moça acariciada
pelo fogo. Eu não queria, ouviu bem? Eu não queria! Seu filho era o meu fim, e eu não
o traí, mas o braço do outro me arrastou como a correnteza do mar, como um coice, e
teria me arrastado sempre, sempre, mesmo que eu fosse velha e todos os filhos do seu
filho me agarrassem pelos cabelos!
Karollyne (Lorca):
O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.
O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.
Maria Clara (Lorca): Inumeráveis ritos de Sexta-Feira Santa, que com a cultíssima festa
dos Touros formam o trunfo popular da morte espanhola. Quando a musa vê chegar a
morte, fecha a porta. Quando o anjo vê chegar a morte, voa em círculos. Em troca, o
duende gosta das bordas do poço em franca luta com o criador. Anjo e musa escapam
com violino ou compasso, e o duende fere, e na cura dessa ferida que nunca se fecha
está o insólito, o inventado da obra de um homem.
Bárbara (Lorca): Mas o que dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu?
Olhar, olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais. Compreenderás que um poeta não
pode dizer nada da Poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu,
nem poeta algum sabemos o que é a Poesia.
Aqui está; olha. Tenho o fogo em minhas mãos. Eu o entendo e trabalho com ele
perfeitamente.
Diogo (Lorca):
Soledad, ¿ por quién preguntas
sin campaña y a estas horas?
Isabella (Soledad):
Pregunte por quien pregunte,
dime: ¿a ti qué se te importa?
Vengo la buscar lo que busco, mi alegría y mi persona.
Diogo (Lorca):
Soledad de mis pesares,
caballo que se desboca,
Al fin encuentra la mar
y selo tragan las olas.
Isabella (Lorca):
No me recuerdes el mar,
que la pena negra, brota
em las tierras de aceituna
bajo el rumor de las hojas.
Diogo (Lorca):
¡Soledad, qué pena tienes!
¡Que pena tan lastimosa!
Lindamar (Lorca):
Choras suco de limão agro de espera e de boca
Que pena tão grande!
Isabella (Soledad):
¡Qué pena tan grande! Corro
mi casa como una loca,
mis dos trenzas por el suelo,
de la cocina a la alcoba.
¡Qué pena! Me estoy poniendo
de azabache carne y ropa.
¡Ay, mis camisas de hilo!
¡Ay, mis muslos de amapola!
Lindamar (Lorca):
Soledad, lava teu corpo com água das cotovias,
e deixa teu coração em paz, Soledad Montoya.
YERMA
Diogo (Lorca): Agora vou terminar Yerma, minha segunda tragédia. Yerma, será a
tragédia da mulher estéril. O tema, como você sabe, é clássico. Mas eu quero que tenha
um desenvolvimento e uma intenção novos.
Lindamar (Yerma): Quem me dera ser uma mulher. A mulher do campo que não dá
filhos é inútil como um monte de espinhos, e até pior! Estou farta de ter essas mãos e
não poder usá-las no que quero. Pois estou ofendida, humilhada ao extremo, vendo que
os trigos despontam, que as fontes não cessam de mandar água em abundância...
Thais (Yerma): Vou acabar acreditando que sou minha própria filha. Muitas noites saio
para dar comida aos bois, pois antes não fazia, porque nenhuma mulher sai à noite, e
quando passo pela soleira da porta, na escuridão, meus passos têm o peso dos passos de
um homem.
Daniel (Lorca): Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou mesmo a uma festa de
qualquer índole que seja, se a festa é de seu agrado, imediatamente lembra e lamenta
que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. “Minha irmã e meu pai gostariam de
estar aqui”, pensa, e não desfruta mais do espetáculo, a não ser através de uma leve
melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pela gente de minha casa, o que seria
pequeno e ruim, mas por todas as criaturas que por falta de meios e por desgraça não
desfrutam do supremo bem da beleza que é vida e bondade, serenidade e paixão.
Thaís (Lorca): Na casa vizinha e colimitada a nossa, vivia a ‘dona Bernarda’, uma viúva
de muitos anos que exercia uma inexorável e tirânica vigilância sobre suas filhas
solteiras. Prisioneiras privadas de todo arbítrio, nunca falei com elas; mas as via passar
como sombras, sempre silenciosas e sempre vestidas de negro... havia no confim do
pátio um poço meeiro, sem água, e a ele descendia para espiar essa família estranha
cujas atitudes enigmáticas me intrigavam. E pude observá-la. Era um inferno mudo e
frio nesse Sol africano, sepultava as pessoas vivas sob a férula inflexível do carcereiro
escuro.
Bianca Alves (Pôncia): Coloque a tranca também. Os dedos da velha são como cinco
chaves!
Bianca Alves (Pôncia) (gritando): Já vem! (à criada). Limpe bem tudo isso. Se
Bernarda não vê reluzente as coisas, arranca-me os poucos cabelos que ainda restam.
[...]
Antonella (Bernarda): Sair? Só depois de tirar esse pó do rosto. Assanhada! Espelho das
tias! (Tira-lhe a maquiagem violentamente com um lenço). Agora sai!
Antonella (Bernarda): Mesmo que minha mãe esteja louca, eu estou com meus cinco
sentidos e sei perfeitamente o que faço.
Karollyne (Martírio): Crava um punhal em mim, se assim deseja, mas não me diga mais
nada.
Bárbara (Adela): Por isso não quer que eu vá só com ele. Não se importa que ele abrace
aquela que não quer; para mim, tanto faz. Pode estar cem anos com Angústia, mas, se
me abraça, parece terrível, pois, Martírio, você quer Pepe também, quer sim!
Karollyne (Martírio) (dramática): Sim, eu quero! Deixa que eu diga com a cabeça fora
da máscara. Como eu quero.
Gabriela (Lorca): Estes homens sepultam aqui seus corpos, mas não suas almas. A alma
está onde ela quer. Todas as nossas forças são inúteis para arrancar-lhe de onde se crava.
Além disso... O que nós sabemos dos desejos de nossa alma? Choram os olhos, rezam
os lábios, se contorcem as mãos, mas é inútil; a alma segue aprisionada, e estes homens
deviam compreender que eram inúteis as torturas da carne quando o espírito pede outra
coisa.
Lindamar (Adela) (forte): Me deixa em paz! Dormindo ou velando, não há razão para se
intrometer! Eu faço com meu corpo o que eu quero!
Thaís (Pôncia) [sobre Martírio]: Ela é tua irmã e a que mais te quer!
Lindamar (Adela): ... É sempre: “que lástima de rosto!”, “que tristeza de corpo que não
vai ser de ninguém!” Isso não! Meu corpo será de quem eu quiser.
Bernardo (Lorca):
Dizei-me, Senhor,
Meu Deus!
Afundas-nos na sombra
do abismo?
Somos pássaros cegos sem ninhos?
[...]
Diogo (Pôncia): Vão arrastando a mulher rua abaixo. Pelos atalhos e pelo olival, os
homens vêm correndo, gritando até estremecer os campos.
Maria Clara (Bernarda): Sim, que venham todos com varas de oliveira e cabos de
enxada, que venham todos para matá-la.
Júlia (Adela): Não, não. Para matar não.
Lindamar (Martírio): Sim, vamos atrás dela também.
Maria Clara (Bernarda): E que pague a que pisoteia sua decência.
Júlia (Adela): Deixem que ela escape! Fiquem aqui, irmãs!
Lindamar (Martírio) (olhando para Adela): Que pague o que deve!
Maria Clara (Bernarda) (sob o arco): Acabem com ela antes que cheguem os guardas!
Queime no inferno por seu pecado!
Júlia (Adela) (com as mãos no ventre): Não! Não!
Maria Clara (Bernarda): Matem a mulher! Matem a mulher!
[...]
Maria Clara (Bernarda): Silêncio, repito! Estava vendo a tormenta chegar, mas não
acreditava que arrebentaria tão rápido. Ai, que pedra de ódio lançam sobre meu
coração! Contudo, não sou velha. Tenho cinco algemas para todas vocês e esta casa
erguida por meu pai para que nem as ervas se interem de minha desolação! Fora daqui!
(Saem. Bernarda reage, bate com a bengala bem forte no chão e diz): Terei que sentar a
mão nelas! Ah, Bernarda, não esqueça seu dever. Uma filha que desobedece deixa de
ser filha para se converter em inimiga.
Antonella (Lorca):
Espanha republicana:
Todos:
A Espanha de Franco, Não!
Bárbara:
Espanha da liberdade:
Todos:
A Espanha de Franco, Não!
Daniel:
Espanha da livre crença,
Todos:
Jamais a da Inquisição!
Diogo:
Espanha da liberdade:
Todos:
A Espanha de Franco, Não!
Não! Não! Não!
[...]
Thaís (Martírio) (apontando Adela): Estava com ele! Vê essas anáguas cheias de palha e
trigo!
Tayná (Bernarda): Essa é a cama das malnascidas! (Dirige-se furiosa para Adela).
Isabella (Adela) (enfrentando-a): Aqui se acabam as vozes do presídio! (Adela toma a
bengala de sua mãe e a parte em duas). É o que eu faço com a vara da dominadora.
Nem mais um passo. Ninguém manda em mim além de Pepe. Ele dominará esta casa
toda. Está lá fora, respingando como se fosse um leão.
Bárbara (Angústia): Meu Deus!
Tayná (Bernarda): A escopeta! Onde está a escopeta?! ( sai correndo).
Isabella (Adela): Ninguém poderá comigo! (vai saindo).
Bárbara (Angústia) (segurando-a): Você não vai sair daqui com o corpo triunfante,
Adela! Ladra! Desonra de nossa casa!
Diogo (Madalena): Deixe que se vá para onde nunca mais possamos ver!
(Ouve-se um disparo)
Tayná (Bernarda) (entrando): Vamos ver se pode ir atrás dele agora!
Thaís (Martírio) (entrando): É o fim de Pepe Romano.
Isabella (Adela): Pepe! Meu Deus! Pepe! (Sai correndo).
(Ouve-se um golpe)
Tayná (Bernarda): Adela! Adela!
Maria Clara (Pôncia) (perto da porta): Abre!
Tayná (Bernarda): Abre! Os muros não defendem a vergonha.
Lindamar (Criada) (entrando): Os vizinhos estão de pé!
Tayná (Bernarda) (em voz baixa como um rugido): Abre ou ponho a porta abaixo!
(Pausa. Tudo fica em silêncio). Adela! (Retira-se da porta). Tragam um machado!
(Pôncia dá um empurrão e entra. Ao entrar, dá um grito e sai).
Tayná (Bernarda) (para Pôncia): O que houve?
Maria Clara (Pôncia): (leva as mãos ao pescoço): Nunca tenhamos este fim!
(As irmãs lançam para trás. A criada se benze. Bernarda dá um grito e avança).
Maria Clara (Pôncia): Não entre!
Tayná (Bernarda): Não! Não! Pepe, hoje você pode correr, fugindo pela escuridão das
alamedas, mas algum dia vai cair! Despendurem Adela! Minha filha morreu virgem!
Levem para seu quarto. Vistam seu corpo como o de uma donzela. Não digam nada a
ninguém! Ela morreu virgem. Avisem que ao amanhecer os sinos baterão duas vezes.
Thaís (Martírio): Feliz dela que o teve.
Tayná (Bernarda): E eu não quero choro. É preciso encarar a morte de frente. Silêncio!
(À outra filha). Eu disse para calar a boca! (À outra filha). Lágrimas somente quando
estiver só! Nos fundiremos todas em um mar de luto. Adela, a filha mais nova de
Bernarda Alba, morreu virgem. Escutaram? Silêncio, silêncio eu disse! Nos oito anos
que durar o luto, não entrará nesta casa a brisa da rua. Faz de conta que tapamos com
tijolos as portas e janelas...
[...]
Augusto:
Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.
Karollyne:
Vergonha de há tanto tempo
viveres — se morte é vida —
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.
Júlia:
Lágrimas de noturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão-só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.
(Amanhecerá.)
Gabriela:
Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
— ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo —
que para sempre viverão
os poetas martirizados.
TODOS: Olé!