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Escola de teatro da PUC-MG 2022.

1 / Módulo I (noite)
Disciplina: Interpretação e improvisação

Roteiro Federico García Lorca - ALTERADO

Olé! ou La Barraca ou Teatro de García Lorca: poesia que se levanta da vida

TODOS: Olé!

Bernardo (Lorca): Senhoras e senhores, Como uma criança que mostra cheia de
assombro a sua mãe vestida de cor viva para uma festa, assim quero lhes mostrar hoje a
minha cidade natal. A cidade de Granada. Para isso tenho que usar exemplos de música
e os tenho que cantar. Isso é difícil porque eu não canto como cantor mas como poeta,
ou melhor, como um moço simples que vai guiando os seus bois, trazendo a vida viva
das épocas mortas, ao contrário das pedras, dos sinos, das grandes personalidades e
ainda da linguagem.

Maria Clara:
Sobre a frágua veio a lua
com seus babados de renda.

Bárbara:
O menino mira, mira.
O menino a está mirando.

Bianca Alves:
Foge, lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.

Bianca Costa:
Se viessem os ciganos,
com teu coração fariam
anéis e colares brancos.

Isabella:
Oh, foge lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
Que já sinto seus cavalos.

Tayná:
Vinha perto o cavaleiro,
o tambor do chão tocando.

Daniel:
E dentro da frágua choram,
dando gritos os ciganos.

Diogo:
O ar da noite vela, vela
O ar da noite está velando.
Lindamar:
E, dentro da frágua, o menino
tem seus olhinhos fechados.

Thais:
Pelo olival, bronze e sonho,
eles vinham, os ciganos.

Karollyne:
As cabeças para cima
e os olhos sempre-cerrados.
Foge lua, lua, lua,

Augusto:
Foge lua, lua, lua,
Foge lua, lua, lua,

Isabella:
E dentro da frágua choram,
dando gritos os ciganos.

Júlia:
O ar da noite vela, vela.
O ar da noite está velando.

Antonella:
Ai! Como canta a coruja,
como canta no galho!

Gabriela:
Através do céu, a lua
vai o menino levando

Bernardo:
Ai! Como canta a coruja,
como canta no galho!

Todos:
Foge lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.
Foge, lua, lua, lua.

TODOS: Olé!

Bianca Costa (Lorca): Neste momento dramático do mundo, o artista deve chorar e rir
com o seu povo. Há que deixar o ramo de açucenas e se enfiar na lama até a cintura para
ajudar os que buscam as açucenas. Particularmente tenho uma ânsia verdadeira em
comunicar-me com os demais. Por isso bati nas portas do teatro e ao teatro consagro
toda a minha sensibilidade.

Bianca Alves (Lorca): Amo a terra. Sinto-me ligado a ela em todas as minhas emoções.
Minhas mais antigas recordações de criança têm sabor de terra. A terra, o campo,
fizeram grandes coisas na minha vida. Os bichos da terra, os animais, as pessoas do
campo, têm sugestões que poucos alcançam. Eu as capto agora com o mesmo espírito
de meus anos infantis. No contrário, não poderia ter escrito Bodas de Sangue.

BODAS DE SANGUE

Gabriela (Noiva): [...] A minha alma se abrasa porque você vem me ver, e espiar minhas
bodas.

Daniel (Leonardo): Calar e queimar por dentro é o maior castigo que a gente pode se
impor. De que me serviu ter orgulho, e desviar os olhos, e deixá-la acordada noites e
noites? De nada! Só serviu para aumentar o meu fogo.

Gabriela (Noiva): Nua, quieta, olhando o campo, igual a uma cadela. Isso é que eu sou!
Só de vê-lo, um fogo já me consome.

Augusto (Criada): Girava


girava a roda e a água passava.
Cantavam os noivos
e a água passava.

Bárbara (Noiva): Não posso ouvir você. É como se eu bebesse uma garrafa de licor e
adormecesse numa colcha de rosas. E me arrasta, e sei que me afogo, mas vou atrás.

Júlia (Lorca): O teatro foi sempre minha vocação. O teatro é a poesia que se levanta do
livro e se faz humana. E ao se fazer, fala e grita, chora e se desperta. O teatro necessita
que os personagens que apareçam na cena levem um figurino de poesia e ao mesmo
tempo que se possa ver seus ossos, o sangue. Hão de ser tão humanos, tão
horrorosamente trágicos e ligados à vida e ao dia com tal força que mostrem suas
tradições, que lhes apreciem seus cheiros e que saia pelos lábios toda a valentia de suas
palavras cheias de amor ou de nojo.

Thais (Noiva): Eu era uma mulher ferida pelo fogo, cheia de chagas por dentro e por
fora, e seu filho era um pouquinho de água, de quem eu esperava filhos, terra, saúde;
mas o outro era um rio escuro, cheio de ramagens, de onde me chegava o sussurro dos
juncos e um murmúrio abafado. E eu corria com seu filho, que era como um fiozinho de
água fria, e o outro me mandava centenas de pássaros que me impediam de andar e
derramavam orvalho nas minhas feridas de mulher fraca e abatida, de moça acariciada
pelo fogo. Eu não queria, ouviu bem? Eu não queria! Seu filho era o meu fim, e eu não
o traí, mas o braço do outro me arrastou como a correnteza do mar, como um coice, e
teria me arrastado sempre, sempre, mesmo que eu fosse velha e todos os filhos do seu
filho me agarrassem pelos cabelos!

Karollyne (Lorca):
O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Maria Clara (Lorca): Inumeráveis ritos de Sexta-Feira Santa, que com a cultíssima festa
dos Touros formam o trunfo popular da morte espanhola. Quando a musa vê chegar a
morte, fecha a porta. Quando o anjo vê chegar a morte, voa em círculos. Em troca, o
duende gosta das bordas do poço em franca luta com o criador. Anjo e musa escapam
com violino ou compasso, e o duende fere, e na cura dessa ferida que nunca se fecha
está o insólito, o inventado da obra de um homem.

Bárbara (Lorca): Mas o que dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu?
Olhar, olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais. Compreenderás que um poeta não
pode dizer nada da Poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu,
nem poeta algum sabemos o que é a Poesia.
Aqui está; olha. Tenho o fogo em minhas mãos. Eu o entendo e trabalho com ele
perfeitamente.

Lindamar (Lorca): As picaretas dos galos


cavam buscando a aurora
quando pelo monte escuro
baixa Soledad Montoya
Cobre amarelo, sua carne,
cheira a cavalo e a sombra
Bigornas afumadas seus peitos,
gemem canções redondas.

Diogo (Lorca):
Soledad, ¿ por quién preguntas
sin campaña y a estas horas?

Isabella (Soledad):
Pregunte por quien pregunte,
dime: ¿a ti qué se te importa?
Vengo la buscar lo que busco, mi alegría y mi persona.

Diogo (Lorca):
Soledad de mis pesares,
caballo que se desboca,
Al fin encuentra la mar
y selo tragan las olas.

Isabella (Lorca):
No me recuerdes el mar,
que la pena negra, brota
em las tierras de aceituna
bajo el rumor de las hojas.

Diogo (Lorca):
¡Soledad, qué pena tienes!
¡Que pena tan lastimosa!

Lindamar (Lorca):
Choras suco de limão agro de espera e de boca
Que pena tão grande!

Isabella (Soledad):
¡Qué pena tan grande! Corro
mi casa como una loca,
mis dos trenzas por el suelo,
de la cocina a la alcoba.
¡Qué pena! Me estoy poniendo
de azabache carne y ropa.
¡Ay, mis camisas de hilo!
¡Ay, mis muslos de amapola!

Lindamar (Lorca):
Soledad, lava teu corpo com água das cotovias,
e deixa teu coração em paz, Soledad Montoya.

*possivelmente cortar essa parte:


Diogo e Lindamar (Lorca):
Lá embaixo canta o rio:
volante de céus e folhas.
Com flores de cabaceira,
a nova luz se coroa.
Oh! pena dos gitanos!
Pena limpa e sempre só.
Oh! pena de álveo oculto
e madrugada remota!

YERMA

Diogo (Lorca): Agora vou terminar Yerma, minha segunda tragédia. Yerma, será a
tragédia da mulher estéril. O tema, como você sabe, é clássico. Mas eu quero que tenha
um desenvolvimento e uma intenção novos.

Daniel (Vitor): Não rogue pragas, é feio para uma mulher!

Lindamar (Yerma): Quem me dera ser uma mulher. A mulher do campo que não dá
filhos é inútil como um monte de espinhos, e até pior! Estou farta de ter essas mãos e
não poder usá-las no que quero. Pois estou ofendida, humilhada ao extremo, vendo que
os trigos despontam, que as fontes não cessam de mandar água em abundância...
Thais (Yerma): Vou acabar acreditando que sou minha própria filha. Muitas noites saio
para dar comida aos bois, pois antes não fazia, porque nenhuma mulher sai à noite, e
quando passo pela soleira da porta, na escuridão, meus passos têm o peso dos passos de
um homem.

(Ajoelhadas no chão, as vizinhas choram).

Augusto (Lorca): Amor de minhas entranhas, morte viva,


em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha
que se vivo sem mim quero perder-te.
[...]
Enche, pois, de palavras minha loucura ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

A CASA DE BERNARDA ALBA

Daniel (Lorca): Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou mesmo a uma festa de
qualquer índole que seja, se a festa é de seu agrado, imediatamente lembra e lamenta
que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. “Minha irmã e meu pai gostariam de
estar aqui”, pensa, e não desfruta mais do espetáculo, a não ser através de uma leve
melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pela gente de minha casa, o que seria
pequeno e ruim, mas por todas as criaturas que por falta de meios e por desgraça não
desfrutam do supremo bem da beleza que é vida e bondade, serenidade e paixão.

Thaís (Lorca): Na casa vizinha e colimitada a nossa, vivia a ‘dona Bernarda’, uma viúva
de muitos anos que exercia uma inexorável e tirânica vigilância sobre suas filhas
solteiras. Prisioneiras privadas de todo arbítrio, nunca falei com elas; mas as via passar
como sombras, sempre silenciosas e sempre vestidas de negro... havia no confim do
pátio um poço meeiro, sem água, e a ele descendia para espiar essa família estranha
cujas atitudes enigmáticas me intrigavam. E pude observá-la. Era um inferno mudo e
frio nesse Sol africano, sepultava as pessoas vivas sob a férula inflexível do carcereiro
escuro.

Antonella (Voz de fora): Bernarda!

Bianca Alves (Pôncia): A velha. Está bem trancada?

Augusto (Criada): Com duas voltas de chave.

Bianca Alves (Pôncia): Coloque a tranca também. Os dedos da velha são como cinco
chaves!

Antonella (Voz de fora): Bernarda!

Bianca Alves (Pôncia) (gritando): Já vem! (à criada). Limpe bem tudo isso. Se
Bernarda não vê reluzente as coisas, arranca-me os poucos cabelos que ainda restam.

Augusto (Criada): Que mulher!


Bianca Alves (Pôncia): Tirana de todos que a rodeiam. É capaz de sentar em cima de teu
coração e te ver morrer durante um ano sem que cesse o sorriso frio que leva em seu
maldito rosto. Limpa, limpa essa vidraça.

[...]

Lindamar (Angústia): Mãe, me deixa sair.

Antonella (Bernarda): Sair? Só depois de tirar esse pó do rosto. Assanhada! Espelho das
tias! (Tira-lhe a maquiagem violentamente com um lenço). Agora sai!

Bianca Costa (Pôncia): Bernarda, não seja tão inquisitiva!

Antonella (Bernarda): Mesmo que minha mãe esteja louca, eu estou com meus cinco
sentidos e sei perfeitamente o que faço.

Bárbara (Adela) (aproximando-se): Ele me quer. Ele me quer.

Karollyne (Martírio): Crava um punhal em mim, se assim deseja, mas não me diga mais
nada.

Bárbara (Adela): Por isso não quer que eu vá só com ele. Não se importa que ele abrace
aquela que não quer; para mim, tanto faz. Pode estar cem anos com Angústia, mas, se
me abraça, parece terrível, pois, Martírio, você quer Pepe também, quer sim!

Karollyne (Martírio) (dramática): Sim, eu quero! Deixa que eu diga com a cabeça fora
da máscara. Como eu quero.

Bárbara (Adela) (Num ímpeto, abraçando-a): Martírio, a culpa não é minha.

Gabriela (Lorca): Estes homens sepultam aqui seus corpos, mas não suas almas. A alma
está onde ela quer. Todas as nossas forças são inúteis para arrancar-lhe de onde se crava.
Além disso... O que nós sabemos dos desejos de nossa alma? Choram os olhos, rezam
os lábios, se contorcem as mãos, mas é inútil; a alma segue aprisionada, e estes homens
deviam compreender que eram inúteis as torturas da carne quando o espírito pede outra
coisa.

Lindamar (Adela) (forte): Me deixa em paz! Dormindo ou velando, não há razão para se
intrometer! Eu faço com meu corpo o que eu quero!

Thaís (Pôncia) [sobre Martírio]: Ela é tua irmã e a que mais te quer!

Lindamar (Adela): ... É sempre: “que lástima de rosto!”, “que tristeza de corpo que não
vai ser de ninguém!” Isso não! Meu corpo será de quem eu quiser.

Bernardo (Lorca):
Dizei-me, Senhor,
Meu Deus!
Afundas-nos na sombra
do abismo?
Somos pássaros cegos sem ninhos?

A luz vai se apagando.


E o azeite divino?
As ondas agonizam.
Quiseste brincar como se fôssemos
soldadinhos?
Dizei-me, Senhor,
meu Deus!

Não chega a nossa dor


a teus ouvidos?
Não fizeram as blasfêmias
Babéis sem ladrilhos
para ferir-te, ou te agradam
os gritos?
Estás surdo? Estás cego?
Ou és vesgo
de espírito e vês a alma humana
com tons invertidos?

[...]

Daniel (Criada): Tumulto! Tumulto! A filha da vizinha é mãe solteira!

Diogo (Pôncia): Vão arrastando a mulher rua abaixo. Pelos atalhos e pelo olival, os
homens vêm correndo, gritando até estremecer os campos.
Maria Clara (Bernarda): Sim, que venham todos com varas de oliveira e cabos de
enxada, que venham todos para matá-la.
Júlia (Adela): Não, não. Para matar não.
Lindamar (Martírio): Sim, vamos atrás dela também.
Maria Clara (Bernarda): E que pague a que pisoteia sua decência.
Júlia (Adela): Deixem que ela escape! Fiquem aqui, irmãs!
Lindamar (Martírio) (olhando para Adela): Que pague o que deve!
Maria Clara (Bernarda) (sob o arco): Acabem com ela antes que cheguem os guardas!
Queime no inferno por seu pecado!
Júlia (Adela) (com as mãos no ventre): Não! Não!
Maria Clara (Bernarda): Matem a mulher! Matem a mulher!

[...]
Maria Clara (Bernarda): Silêncio, repito! Estava vendo a tormenta chegar, mas não
acreditava que arrebentaria tão rápido. Ai, que pedra de ódio lançam sobre meu
coração! Contudo, não sou velha. Tenho cinco algemas para todas vocês e esta casa
erguida por meu pai para que nem as ervas se interem de minha desolação! Fora daqui!
(Saem. Bernarda reage, bate com a bengala bem forte no chão e diz): Terei que sentar a
mão nelas! Ah, Bernarda, não esqueça seu dever. Uma filha que desobedece deixa de
ser filha para se converter em inimiga.

Antonella (Lorca):
Espanha republicana:

Todos:
A Espanha de Franco, Não!

Bárbara:
Espanha da liberdade:

Todos:
A Espanha de Franco, Não!

Daniel:
Espanha da livre crença,

Todos:
Jamais a da Inquisição!

Diogo:
Espanha da liberdade:

Todos:
A Espanha de Franco, Não!
Não! Não! Não!

[...]

Thaís (Martírio) (apontando Adela): Estava com ele! Vê essas anáguas cheias de palha e
trigo!
Tayná (Bernarda): Essa é a cama das malnascidas! (Dirige-se furiosa para Adela).
Isabella (Adela) (enfrentando-a): Aqui se acabam as vozes do presídio! (Adela toma a
bengala de sua mãe e a parte em duas). É o que eu faço com a vara da dominadora.
Nem mais um passo. Ninguém manda em mim além de Pepe. Ele dominará esta casa
toda. Está lá fora, respingando como se fosse um leão.
Bárbara (Angústia): Meu Deus!
Tayná (Bernarda): A escopeta! Onde está a escopeta?! ( sai correndo).
Isabella (Adela): Ninguém poderá comigo! (vai saindo).
Bárbara (Angústia) (segurando-a): Você não vai sair daqui com o corpo triunfante,
Adela! Ladra! Desonra de nossa casa!
Diogo (Madalena): Deixe que se vá para onde nunca mais possamos ver!
(Ouve-se um disparo)
Tayná (Bernarda) (entrando): Vamos ver se pode ir atrás dele agora!
Thaís (Martírio) (entrando): É o fim de Pepe Romano.
Isabella (Adela): Pepe! Meu Deus! Pepe! (Sai correndo).
(Ouve-se um golpe)
Tayná (Bernarda): Adela! Adela!
Maria Clara (Pôncia) (perto da porta): Abre!
Tayná (Bernarda): Abre! Os muros não defendem a vergonha.
Lindamar (Criada) (entrando): Os vizinhos estão de pé!
Tayná (Bernarda) (em voz baixa como um rugido): Abre ou ponho a porta abaixo!
(Pausa. Tudo fica em silêncio). Adela! (Retira-se da porta). Tragam um machado!
(Pôncia dá um empurrão e entra. Ao entrar, dá um grito e sai).
Tayná (Bernarda) (para Pôncia): O que houve?
Maria Clara (Pôncia): (leva as mãos ao pescoço): Nunca tenhamos este fim!
(As irmãs lançam para trás. A criada se benze. Bernarda dá um grito e avança).
Maria Clara (Pôncia): Não entre!
Tayná (Bernarda): Não! Não! Pepe, hoje você pode correr, fugindo pela escuridão das
alamedas, mas algum dia vai cair! Despendurem Adela! Minha filha morreu virgem!
Levem para seu quarto. Vistam seu corpo como o de uma donzela. Não digam nada a
ninguém! Ela morreu virgem. Avisem que ao amanhecer os sinos baterão duas vezes.
Thaís (Martírio): Feliz dela que o teve.
Tayná (Bernarda): E eu não quero choro. É preciso encarar a morte de frente. Silêncio!
(À outra filha). Eu disse para calar a boca! (À outra filha). Lágrimas somente quando
estiver só! Nos fundiremos todas em um mar de luto. Adela, a filha mais nova de
Bernarda Alba, morreu virgem. Escutaram? Silêncio, silêncio eu disse! Nos oito anos
que durar o luto, não entrará nesta casa a brisa da rua. Faz de conta que tapamos com
tijolos as portas e janelas...

Bianca Alves e Diogo (Lorca):


SIENTO & SINTO
que arde en mis venas
(que arde em minhas veias)
sangre, (sangue)
llama roja que va cociendo
(chama vermelha que vai cozendo)
mis pasiones en mi corazón.
(minhas paixões no meu coração.)
Mujeres, derramad agua,
por favor;
(Mulheres, derramai água,
por favor;)
cuando todo se quema,
sólo las pavesas vuelan
al viento.
(quando tudo se queima,
só as fagulhas voam
ao vento.)

[...]

Augusto:
Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.

Karollyne:
Vergonha de há tanto tempo
viveres — se morte é vida —
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.

Júlia:
Lágrimas de noturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão-só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.
(Amanhecerá.)

Gabriela:
Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
— ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo —
que para sempre viverão
os poetas martirizados.

TODOS: Olé!

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