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A ARS MAGNA DA

ALQUIMIA
Título
A Ars Magna da Alquimia

Autor
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel,
Paracelso, Alberto Magno

Prefácio
Dulce Leal Abalada

Coordenação
Dulce Leal Abalada

Tradução
Alberto Figueiredo

Revisão
Isabel Nunes

Grafismo, Paginação e Arte final


Div'Almeida Atelier Gráfico
www.divalmeida.com/atelier

Design da capa
Div'Almeida Atelier Gráfico
www.divalmeida.com

Impressão e Acabamento
Espaço Gráfico, Lda.
www.espacografico.pt

Distribuição
CESODILIVROS
Grupo Coimbra Editora, SA
comercial.cbr@cesodilivros.pt

1ª edição – Abril 2011

ISBN 978-989-8447-13-5

Depósito Legal nº 324879/11

©Apeiron Edições

Reservados todos os direitos de reprodução, total ou parcial,


por qualquer meio, seja mecânico, electrónico ou fotográfico
sem a prévia autorização do editor.

Projecto Apeiron, Lda.


Portimão - Algarve
www.projectoapeiron.blogspot.com
apeiron.edicoes@gmail.com
Eduardo Amarante Nicolas Flamel
Paracelso Alberto Magno

apeiron
edições
A Ars Magna da Alquimia

ÍNDICE

Prefácio 9

MAGOS, SÁBIOS E ALQUIMISTAS


- A Ars Magna (A Grande Arte) -
Eduardo Amarante 13

I
1. Introdução à Alquimia 15
2. Os três ramos da alquimia 17
3. As diferentes fases da operação Alquímica 19
4. Conclusão 21

II
1. Origem primitiva da “Alquimia” 22
2. A Alquimia na Idade Média 24
3. Alquimistas e Ocultistas a partir do século XIV 27
4. O Bestiário alquímico 31
5. Fabricações alquímicas 32

A CHAVE DO SEGREDO DA OBRA


Nicolas Flamel 35

1. A Oração do Alquimista 37
2. O Breviário 38
2.1 O Prefácio 38
2.2 A Teoria 39
2.3 A Prática 43
2.4 A Circulação da Roda 47
2.5 A Multiplicação 49
2.6 O Fermento 49
2.7 Produzir frutos da Primavera no Inverno 50
2.8 Como utilizar a medicina 50
2.9 Como preparar o Pó de Projecção do elixir 51
2.10 Glossário 52

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Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

OS CÂNONES FILOSÓFICOS
Paracelso 55

COMPOSITUM DE COMPOSITIS
(O Composto dos Compostos)
Alberto Magno 77

1. Prefácio 79
2. Da Formação dos Metais em Geral.
Pelo Enxofre e pelo Mercúrio 80
3. Do Enxofre 81
4. Da Natureza do Mercúrio 82
5. Do Arsénio 82
6. Da Putrefacção 86
7. Do Regime da Pedra 86
8. Da Sublimação do Mercúrio 88
9. Da Preparação das Águas de onde se extrai
a Água Ardente 89
10. Água Segunda preparada pelo Sal Amoníaco 90
11. Água Terceira preparada por meio do
Mercúrio Sublimado 90
12. Água Quarta que reduz os corpos calcinados
à sua Matéria-prima 90
13. Propriedade deste Mercúrio 92
14. Multiplicação do Mercúrio Filosófico 92
15. A Prática do Mercúrio dos Sábios 93
Glossário – Medidas de Peso 101

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A Ars Magna da Alquimia

PREFÁCIO

“A natureza é encontrada pela natureza;


A natureza vence a natureza;
A natureza domina a natureza.”

As origens mágico-míticas da Alquimia perdem-se na noi-


te dos tempos. Este aforismo zoroastriano, acima citado, re-
flecte o princípio básico desta Arte. De acordo com os estudi-
osos desta ciência, a alquimia é o nome da química praticada
na Idade Média, que se baseava no pressuposto de que todos
os metais evoluem até alcançar o Ouro. Assim sendo, os al-
quimistas, mimetizando o processo natural, operavam nos
seus laboratórios alquímicos, visando descobrir a Pedra Filo-
sofal, a preciosa Pedra, capaz de transformar tudo em Ouro a
partir dos quatro elementos constitutivos da Natureza: Fogo,
Água, Terra e Ar.
Na época, os alquimistas eram vistos como pessoas es-
tranhas, pois passavam horas a fio a contemplar uma planta.
Contudo, o simples facto de observarem a Natureza parece
tê-los feito compreender os seus mecanismos, e a actual física
quântica corrobora o seu princípio de que todo o universo
está interligado. Inclusive Paracelso (1493-1541) ficou famo-
so por curar pessoas a partir deste conhecimento holístico.
Recorria a conceitos de alquimia, e afirmava que o Sal, o
Mercúrio e o Enxofre são princípios constitutivos de tudo o
que existe, incluindo o homem.
Na Idade Média a Alquimia foi a principal ciência, a pre-
cursora da química e da medicina. A demanda da Pedra Filo-
sofal e da possibilidade real de transmutar os metais, incluía
não só experiências químicas, como também uma série de
rituais. A filosofia hermética (a que não está alheia a Cabala
e a Magia) era um dos seus pilares de conhecimento. Se hoje
a Magia (entenda-se a Magia Branca) é confundida com bru-
xaria e superstição, no passado era, porém, uma ciência dig-

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Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

na dos mais sábios, iniciados; por seu turno, a Cabala em-


prestou à Alquimia os seus signos, a lei das analogias, em
suma, o resultado da harmonia dos contrários em que as
operações alquímicas se fundamentavam.
A palavra alquimia, al-khimia, (do árabe al que significa
Ser Supremo, a química de Al, ou a Ciência de Deus) tem o
mesmo significado de química, só que antigamente era de-
signada por espagíria, uma química espiritualista, que não é
de todo a que hoje conhecemos.
Todavia, a Alquimia também estudava outros assuntos
tão englobantes quanto os já citados, para o conhecimento do
Universo, como a Cosmogonia, a Astrologia e a Matemática.
Todo este saber mesclado de modo hermético tinha por objec-
tivo não cair nas mãos do vulgo, dos indignos, para que não
tivessem acesso ao Segredo da Obra Alquímica, da Grande
Arte (Ars Magna). Daí não ser estranho os escritos alquími-
cos serem codificados (fechados), acessíveis a poucos, isto é,
apenas inteligíveis aos sábios, aos iniciados.
Com o tempo, alguns alquimistas deram-se conta de que
a verdadeira transmutação acontece, sobretudo, no próprio
homem, semelhante a uma Alquimia da Alma; porém, outros
permaneceram fiéis ao seu princípio originário, no intuito de
almejar a transmutação dos metais menos nobres em Ouro.
Muitos ficaram pelo caminho, outros, mais persistentes e
conhecedores da Arte, conseguiram o seu intento, mas man-
tiveram o segredo incólume.
Neste sentido, a Alquimia é a arte de trabalhar e aperfei-
çoar os corpos em ligação com a Natureza. Desse modo, esta
ciência transmite uma técnica com uma forte componente
prática. E, nestes termos, a alquimia operativa não é mais do
que a aplicação directa da teórica, cujo objectivo é a Pedra
Filosofal.
A Alquimia, como ciência de uma Arte sagrada, desen-
volvia-se por uma cadeia de transmissão de conhecimento
entre Mestre e discípulos. Para que esse saber não se perdes-
se, alguns mestres dedicaram-se à escrita, tendo alguns dos
seus livros chegado até nós, se bem que alguns deles tives-
sem sido escritos sob pseudómino e de forma velada, recor-

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A Ars Magna da Alquimia

rendo a alegorias, símbolos ou figuras. Pela configuração dos


seus símbolos, é também referenciada como Arte Simbólica
(Ars Symbollica). Daí a dificuldade de estudo desta ciência
oculta. Como interpretar as figuras e os símbolos desta Arte?
Saberemos nós hoje compreender o Universo, a Natureza que
nos rodeia para nos aproximarmos da Ciência Alquímica? Tão
imbuídos que estamos de materialismo, como é que poderemos
intelegir a Arte, a Obra, que se pauta em operar na energia
espiritual do Universo e interage em tudo o que existe?

Dulce Leal Abalada

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MAGOS, SÁBIOS
E ALQUIMISTAS
- A Ars Magna (a grande arte) -

Eduardo Amarante
A Ars Magna da Alquimia

1. Introdução à Alquimia
Normalmente, entende-se por Alquimia uma pretensa ci-
ência, um tanto obscura, praticada na Idade Média, e cuja
finalidade se reduzia a tentar, por processos primários e o-
cultos, a transmutação dos metais impuros em ouro. Tudo
consistiria, assim, em obter a pedra filosofal capaz, igual-
mente, de produzir o elixir da longa vida e a panaceia, espé-
cie de regenerador celular. É evidente que estes conceitos
germinados durante o período medieval, eminentemente
inculto e inquisitorial, iriam cair no maior dos descréditos
com a chegada do cartesianismo e das teorias positivistas. A
Alquimia passou a ser, então, interpretada simultaneamente
como uma lenda e como os primeiros ensaios da humanidade,
no seu período mágico-religioso, em busca de princípios mais
sérios e experimentais. A Química seria, consequentemente,
o corolário lógico desta evolução. Mas… será realmente as-
sim?
As origens da Alquimia remontam a um período muito
anterior à Idade Média. Como iremos ver mais adiante, o
berço desta ciência milenária é o Egipto.

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Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

O verdadeiro sentido da Alquimia foi, durante a época


medieval – salvo honrosas excepções – adulterado com a con-
sequente proliferação de charlatães e de inúmeras supersti-
ções que giravam à volta da fabricação do ouro. Acusados
pela Inquisição de feiticeiros e servos do diabo, foram indis-
criminadamente, tanto os falsos como os autênticos pratican-
tes da Ars Magna, encarcerados ou mesmo queimados na
fogueira. Os verdadeiros alquimistas que conseguiram esca-
par à perseguição rodearam-se dos maiores cuidados, guar-
dando zelosamente o segredo, a fim de evitarem um destino
idêntico, ou de terem que trabalhar, fechados num laborató-
rio, para algum príncipe ou eclesiástico sedento de riquezas.
Face a este panorama desolador, a Alquimia, obrigada a ser
praticada no mais completo segredo, foi vista como uma es-
pécie de ciência maldita, sujeita às interpretações mais fan-
tasiosas e fabulosas.
Até há poucas décadas negava-se – como aliás sucedeu
com a Astrologia – a autenticidade desta arte e a possibilida-
de da transmutação da matéria. A partir do casal Curie, des-
cobriu-se que ao bombardear o hidrogénio com partículas
alfa do rádio consegue-se obter a transformação científica do
nitrogénio. Hoje já se consegue fabricar ouro artificial por
este sistema de emissão de partículas radioactivas sobre um
pedaço de chumbo. O problema é que a operação fica mais
dispendiosa do que a quantidade de ouro obtida. Esta desco-
berta vem refutar, definitivamente, a dita impossibilidade da
transmutação da matéria.
Esta ciência de Thot/Hermes tem despertado, ao longo
dos séculos, o maior interesse em personalidades tais como
Roger Bacon, Newton, Leibniz, ou os mais recentes Berthelot
e Canseliet, entre tantos outros.
Nos textos herméticos, o mundo é interpretado como um
grande organismo, Macróbios, em que tudo é animado, vivo,
anima mundi. Deus, ou Princípio Único, apresenta-se sob
múltiplas formas. Natura Naturans é a expressão empregue
comummente pelos filósofos alquimistas para designar a
Divindade que penetra e envolve toda a Natureza (omnipre-

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A Ars Magna da Alquimia

sente), sem, no entanto, ser envolvida por ela. Contudo e


citando Balzac em A Procura do Absoluto:
“… a matéria é una, mas pode tomar diversas
formas e, sob estas novas formas, combinar-se a
si própria e produzir novos corpos em número
indefinido.”

Havendo uma constante relação e uma perfeita analogia


entre o Macrocosmos (universo) e o Microcosmos (homem),
este último resume em si todas as partes do universo. Como
está em cima está em baixo, diz-nos Hermes Trismegisto no
Kybalion. Na cruz de Salomão, os dois triângulos equiláteros
representam, respectivamente, o Universo e o Homem. Re-
flexo do Macrocosmos, o homem duplo, observando o céu su-
perior e aplicando as mesmas leis comuns ao Grande e ao
Pequeno, opera no seio mais recôndito da natureza terrestre,
para a realização da Grande Unidade, ou Pedra Filosofal.
Para os antigos egípcios, a Alquimia não era senão uma
especialização ou ramo da Ciência Universal ou Filosofia
Natural, que compreendia o conhecimento das leis que regem
a Natureza e a relação do Homem com o Universo que o ro-
deia. Acreditando na influência dos astros sobre os homens,
eles sabiam que a Alquimia está intimamente ligada à Astro-
logia. Daí encontrarmos elementos comuns às duas ciências,
e que são símbolos universais.

2. Os três ramos da Alquimia


A Alquimia, tal como a Astrologia, divide-se em três ra-
mos, que estão em relação com os três mundos:
 A Espagíria (mundo físico);
 A Arquimia (mundo psíquico);
 A Alquimia (mundo espiritual).

A ESPAGÍRIA (teórica)
É o estudo dos fenómenos físicos necessários à transmu-
tação dos elementos da natureza. Assim, alguns alquimistas
utilizavam alambiques para a destilação da água, operação
que era repetida inúmeras vezes. Actualmente, sabe-se que

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da água destilada provém a “água pesada”, utilizada como


moderador nos reactores nucleares. Segundo algumas teorias
modernas, a velhice seria provocada pela acumulação de
“água pesada” no nosso organismo, o que vai de encontro aos
antigos conhecimentos alquímicos;

A ARQUIMIA (prática)
Trata da transmutação dos metais como uma aplicação
das leis que regem os fenómenos físicos. A natureza, para os
Antigos, era una, indivisível. Pelas suas combinações, a ma-
téria primordial pode dar todas as outras formas. Do mesmo
modo que o conjunto de vários sistemas solares dá uma galá-
xia, também o conjunto de vários átomos dá uma molécula.
Existe uma correlação entre o infinitamente grande e o infi-
nitamente pequeno. No meio encontra-se o Homem, que per-
tence aos dois e contém em si os sete elementos: o quadrado
(personalidade) e a tríade (mundo espiritual). Em toda a
Natureza existe uma hierarquia evolutiva que nos metais se
reflecte na coesão interna dos seus átomos;

A ALQUIMIA (mística)
É a capacidade de transmutação do próprio ser humano,
cujo reflexo material é a obtenção do ouro filosófico. A finali-
dade da obra alquímica é a transformação do homem de
chumbo (material) em homem de ouro (espiritual).
Para os Antigos, os planetas tinham um poder de irradia-
ção sobre a natureza e os homens. Assim, as operações al-
químicas obedeciam às influências planetárias, sendo prati-
cadas em dias e horas benéficas para as diversas fases da
obra. É preciso notar que, quando se fala de Enxofre, Mercú-
rio ou Sal em Alquimia, não se está a referir aos elementos
que nós conhecemos. Significa apenas que o Sal alquímico
tem a característica do sal, etc. Assim, o Sal é equivalente ao
Corpo; o Mercúrio é equivalente à Alma (anima: aspecto sub-
til e dinâmico, associado à transmutação interna do ser). O
Enxofre é equivalente ao Espírito. Em seguida exporemos o
quadro sinóptico de correspondência entre os planetas, os
metais, etc.

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Planetas Metais Elementos Cores Gemas Perfumes

Sol Ouro Fogo Dourada Crisólito Ambre

Lua Prata Água Branca Opala Mirra


Mercúrio Mercúrio Água-Terra Multicor Ágata Canela

Vénus Cobre Ar-Água Verde Esmeralda Açafrão

Marte Ferro Fogo Vermelha Rubi Aloés

Júpiter Estanho Ar Azul Ametista Muscada

Saturno Chumbo Terra-Água Preta Onix Benjoim

Quanto à ordem dos planetas, começámos pelo Sol e ter-


minámos em Saturno, que é, astrologicamente, o planeta
mais afastado e corresponde, no homem, ao plano físico; Jú-
piter corresponde ao plano vital; Marte (metal ferro, elemen-
to fogo) está ligado à guerra, ao combate que o homem deve
travar contra os seus instintos inferiores; Vénus corresponde
ao princípio mental; Mercúrio corresponde à inteligência, ao
discernimento intuitivo. É ele quem faz as misturas, as
transformações; A Lua, cujo metal correspondente é a prata,
reflecte a luz solar (espírito) no interior do homem; O Sol,
que corresponde ao ouro, é a parte divina do homem.
As operações alquímicas estão em estreita relação com
estes elementos, pelo que, no operador, processa-se em si-
multâneo um duplo trabalho: no plano subjectivo (ou invisí-
vel), a transmutação interna do homem; no plano objectivo, a
purificação dos metais.

3. As diferentes fases da Operação Alquímica


Há três etapas ou processos de transformação:
 A primeira fase começa com o que há de mais
baixo: é a putrefacção, que consiste em queimar
num recipiente chamado atanor o chumbo, a
fim de separar os elementos mais subtis dos
mais pesados. Do chumbo não se pode passar
directamente ao ouro. É preciso, primeiro, redu-
zir esta matéria opaca em matéria primordial
para limpá-la das impurezas. É nisso que con-

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siste a putrefacção. Esta fase é regida por Sa-


1
turno . A calcinação é a purificação do mercúrio
filosófico pelo chumbo. É mediante a renúncia
do que é material que o homem se eleva em es-
pírito. Esta fase, no simbolismo religioso, é re-
presentada pela descida do candidato aos mun-
dos subterrâneos (Orfeu, Osíris, Jesus);
 A segunda fase ou sublimação consiste em li-
bertar o mercúrio filosófico da calcinação. Efec-
tua-se sob a acção de Júpiter. No plano objecti-
vo, é a obtenção da prata. No plano humano é a
aquisição de uma certa espiritualidade, mas
ainda com a natureza do mercúrio, líquida e
instável. Esta fase do processo é a chamada Pe-
quena Obra;
 A terceira fase consiste numa nova cristaliza-
ção, mas agora do mercúrio obtido. Aí intervém
Vénus como agente de transformação. Esta eta-
pa está ligada ao cobre, pois vai da cor preta ao
branco para, em seguida, tomar uma cor aver-
melhada. É a morte ou extinção, em que a ma-
téria irá morrer para nascer de novo para o es-
pírito. Está representada por um rei que surge
de um ovo envolto numa auréola luminosa. É a
transfiguração da natureza material em natu-
2
reza espiritual (Chrestos em Christos).

1 Cronos, na mitologia grega, deus do Tempo, que devora os seus filhos, ou seja, a sua
natureza material em vista do renascimento espiritual.
2 Os alquimistas afirmam que há três fases no desenrolar da sua obra: a primeira é a

Obra a Negro, a segunda é a Obra a Branco e a terceira a Obra a Vermelho. São três
fases que se encontram também na mística. Trata-se dos momentos do desabrochar da
alma em direcção a Deus. Num primeiro momento a alma deve morrer para si própria,
para depois nascer, sucessivamente, para e em Deus.
A evolução da Grande Obra até ao ouro filosofal passa pela relação entre três princípios
que os alquimistas consideram como os três princípios fundamentais do cosmos: uma
força activa (a que dão o nome de enxofre), uma força passiva (o mercúrio) e uma outra
intermediária (o sal). O enxofre é tomado como um símbolo do espírito, o mercúrio como
um símbolo da alma e o sal um símbolo do corpo (in Infopédia, Porto Editora).

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A Ars Magna da Alquimia

Ramon Llull comenta assim as diversas fases da obra:


“A Natureza fixou um tempo para a concep-
ção, a gravidez e o parto. Assim, o alquimista,
após ter fecundado a matéria-prima, deve espe-
rar o termo do nascimento. Depois da Pedra nas-
cer, deve alimentá-la como a uma criança, até
que ela possa suportar um grande fogo.”

Para a filosofia alquímica, o homem é a matéria da Grande


Obra. A obra física (obtenção do ouro material) é puramente
acessória e serve unicamente como comprovação de que o al-
quimista obteve, no plano interno, o seu próprio ouro espiritual.

4. Conclusão
O homem é a matéria-prima da Grande Obra (homem de
chumbo) e é esta matéria pesada e grosseira que tem de descer
ao mundo subterrâneo para regressar à matéria primordial.
Como diziam os antigos Adeptos: a dissolução do corpo é a fixa-
ção do Espírito. Esta descida aos infernos significa a descida ao
interior de si próprio, ao mais profundo do ser, simbolizado pelo
labirinto percorrido por Teseu. É o conhece- -te a ti mesmo do
Oráculo de Delfos e transmitido ao mundo por Sócrates.
O corpo do homem é o atanor onde se realiza a grande
operação, o lento e paciente processo de purificação, a difícil
passagem da vida à morte e à ressurreição. A matéria-prima
ou Ovo Filosófico está fechada no Atanor e a sua transforma-
ção é a do próprio operador. Este era simbolizado pelos gri-
fos, dragões ou serpentes, guardiões dos tesouros subterrâ-
neos. Os grifos são leões alados como os dragões, com cauda
de serpente, que unem o ar, o fogo e a terra.
Na tradição chinesa, as seis etapas da Grande Obra eram
simbolizadas pelas seis atitudes do dragão:
– O dragão escondido (putrefacção);
– O dragão nos campos (fermentação);
– O dragão visível (coagulação);
– O dragão saltante (solução);
– O dragão voador (destilação);
– O dragão planador (sublimação).

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II

1. Origem primitiva da Alquimia


A palavra alquimia provém de Al e Chemi, fogo, ou o
deus Kham ou Khem, nome também do antigo Egipto. A
palavra “Egipto” provém do grego Aegyptus, que significa “a
misteriosa”, em virtude do imenso saber oculto de que a Ter-
ra de Khem era depositária. Os grandes Sábios da Grécia,
entre os quais Pitágoras e Platão, foram iniciados nos misté-
rios ocultos da Natureza pelos hierofantes do antigo Egipto.
De acordo com Wynn Wescott:
“O uso primitivo do actual termo alquimia
encontra-se nas obras de Julius Firmicus Mater-
nus, que viveu na época de Constantino o Gran-
de. A Biblioteca Nacional de Paris contém o mais
antigo tratado de alquimia existente, conhecido
na Europa; foi escrito em língua grega, por Zó-
simo de Panóplia, uns 400 anos d.C.”

A Alquimia trata das forças mais subtis da Natureza e


das diversas condições em que operam. O alquimista defende
como primeiro princípio a existência do dissolvente univer-

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A Ars Magna da Alquimia

sal, por meio do qual todos os corpos compostos se fundem na


substância homogénea de que foram criados, substância essa
conhecida pelo nome de “ouro puro” ou summa materia. Este
dissolvente, também chamado menstrum universale, tem
como propriedade expelir do corpo humano todo o germe de
doença, renovar a juventude e prolongar a vida. Tal é o Lapis
Philosophorum ou Pedra Filosofal.
Os alquimistas procuraram o espírito oculto na matéria
inorgânica. Na Europa, o primeiro a introduzir alguns dos
segredos da Alquimia foi o sábio filósofo árabe Geber no sécu-
lo VIII d.C. Contudo, a Alquimia já existia muito antes na
China e no Egipto. Um número apreciável de papiros sobre
Alquimia, conservados sob o nome genérico de tratados her-
méticos, assim como outras provas demonstram inequivoca-
mente que esta antiquíssima ciência era um dos estudos
predilectos dos Reis e Sacerdotes. Um desses tratados é a
bem conhecida Tábua de Esmeralda, atribuída a Thot (Her-
mes Trismegisto).
A Alquimia é estudada sob três aspectos, susceptíveis de
várias interpretações: o Cósmico, o Humano e o Terrestre.
Estes três métodos eram representados pelas três proprieda-
des alquímicas: Enxofre, Mercúrio e Sal.
Muitos estudiosos concordam que o objectivo último da
Alquimia é a transmutação dos metais grosseiros (chumbo)
em ouro. Contudo, este é unicamente um dos aspectos da
Alquimia, ou seja, o terrestre ou puramente material. No
entanto, para além dessa interpretação existe na Alquimia
um significado simbólico, puramente psíquico e espiritual.
Com efeito, o alquimista ocultista, desdenhando o ouro mate-
rial, concentra todos os seus esforços na transmutação do
quaternário inferior do homem (a sua parte material, eféme-
ra) na divina tríade superior do homem. O plano espiritual,
mental-psíquico e físico da existência humana comparam-se,
em Alquimia, aos quatro elementos: fogo, ar, água e terra, e
cada um deles é susceptível de uma tríplice constituição, ou
seja: fixa, variável e volátil.
O verdadeiro segredo da transmutação (no plano físico)
era conhecido desde remotas idades e perdeu-se antes da

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aurora do chamado período histórico. A química moderna


deve à Alquimia as suas descobertas fundamentais.
A Alquimia é a ciência pela qual as coisas não só podem
ser decompostas e recompostas, como também a sua nature-
za essencial pode ser transmutada e elevada ao mais alto
nível.
A química trata unicamente da matéria morta, ao passo
que a Alquimia emprega a vida como factor.
Todas as coisas são de natureza tripla, de que a forma
material e objectiva é a sua manifestação inferior. Assim, por
exemplo, há ouro espiritual, imaterial; há ouro astral, etéreo,
fluido e invisível; e há ouro terrestre, sólido, material e visí-
vel. Os dois primeiros são o espírito e a alma do último. Ao
empregar os poderes espirituais da alma, podemos produzir
alterações neles, a fim de que se tornem visíveis no estado
objectivo. Certas manifestações exteriores podem ajudar os
poderes da alma na sua obra; porém, sem o espírito e a alma,
as manipulações serão completamente inúteis.
No seu aspecto superior, a Alquimia ensina a regenera-
ção do homem espiritual, a purificação da mente e da vonta-
de e a sublimação de todas as faculdades anímicas. No seu
aspecto inferior, trata das substâncias físicas. Abandonando
o reino da alma vivente e descendo à matéria inerte, conver-
te-se na ciência química dos nossos dias.
A verdadeira Alquimia é um exercício mágico do poder da
livre vontade espiritual do homem e, por essa razão, só pode
ser praticada por aquele que tenha renascido em espírito.

2. A Alquimia na Idade Média


Conta a lenda que o filósofo e alquimista árabe Averróis
enterrou um raio de sol sob a primeira coluna à esquerda da
mesquita de Córdova, acreditando que, decorridos oito mil
anos, ele converter-se-ia em ouro.
A alquimia foi uma actividade pré-científica que visava
alcançar uma melhor compreensão do cosmos, da matéria e
do homem. Segundo os alquimistas, através de certas técni-
cas, que envolviam ciência, arte e religião, seria possível
conseguir a transmutação de uma substância em outra de

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A Ars Magna da Alquimia

mais elevada pureza, geralmente ouro.


Os alquimistas medievais inspiraram-se não só no legado
egípcio que lhes chegou através dos árabes, como também na
interpretação dada pela filosofia grega à composição da ma-
téria. Na época de Aristóteles acreditava-se que toda a subs-
tância era composta de diferentes proporções dos quatro e-
lementos fundamentais: Fogo, Ar, Água e Terra. A partir
desse princípio, os alquimistas desenvolveram o seu postula-
do fundamental:
“A matéria é única e pode sofrer transmuta-
ções mediante a variação das proporções entre os
seus componentes.”

Os alquimistas também acreditavam na existência de


uma substância capaz de provocar essas transmutação, de-
nominada elixir (do árabe al-iksir, “pó seco”) ou pedra filoso-
fal. A essa substância eram atribuídas outras propriedades,
tais como o poder curativo e de rejuvenescimento, razão pela
qual recebia, igualmente, o nome de “elixir de longa vida” ou
“panaceia universal.”
O empenho com que se dedicaram à procura da obtenção
de ouro fez com que alguns alquimistas alcançassem um
enorme poder, enquanto outros foram perseguidos. Nos fi-
nais do século XVI, Praga transformou-se no principal centro
europeu da prática alquímica, estando os alquimistas sob a
protecção dos imperadores Maximiliano II e Rodolfo II. Po-
rém, como o cristianismo se opunha ao exercício da Alquimia,
considerando-a uma arte pagã e diabólica, o próprio arcebis-
po de Praga foi excomungado no Concílio de Constância
(1414-18). Devido a essas perseguições e a fim de manter em
segredo as suas descobertas, os alquimistas passaram a uti-
lizar uma linguagem simbólica, só acessível aos iniciados.
Segundo consta, a palavra alquimia terá sido empregue
pela primeira vez no tratado astrológico de Julius Firmicus
Maternus, do século IV.
Uma das primeiras obras sobre alquimia de que se tem
notícia é o tratado Physica et Mystica, atribuído ao egípcio
Bolos de Mende, que viveu no delta do Nilo por volta de 200

Apeiron edições | 25
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

a.C. Este tratado é parte de uma compilação de textos reali-


zada no século VIII, incluindo obras de quarenta autores,
entre os quais Zósimo de Panópolis (século IV), que exerceu
uma grande influência sobre os alquimistas posteriores.
Após a conquista de Alexandria, em 642 d.C., os árabes
incorporaram ao seu saber as teorias dos alquimistas gregos
e egípcios. Entre os mais destacados alquimistas árabes cabe
3
mencionar Geber (Jabir), al-Razi e Avicena, responsável
pela compilação, cem anos mais tarde, dos conhecimentos dos
alquimistas árabes.
O interesse da Alquimia na Europa surgiu, sobretudo, a
partir do século XII. A partir de traduções das obras dos al-
quimistas árabes, foram descobertas substâncias que consti-
tuiriam a base da ciência química: os ácidos minerais, o álco-
4
ol , e elementos químicos como o antimónio, estudado por
Basílio Valentim (Basilius Valentinus). Já no século XIII,
Roger Bacon defendia a utilização do método científico, afir-
mando que “nada pode ser conhecido com certeza, salvo atra-
vés da experiência”. No século XIV, Paracelso, para quem a
Alquimia tinha como finalidade, não o ouro, mas a obtenção
de remédios, deu um importante impulso a esta antiquíssima
ciência, garantindo mesmo que tinha encontrado o elixir da
longa vida.
Já em pleno século XVII, na chamada Idade Moderna,
enquanto o respeitado cientista inglês Isaac Newton se dedi-
cava a investigar a fórmula para a obtenção do ouro físico, o
alquimista holandês van Helmont estudava o dióxido de car-
bono, criando a palavra “gás”.
No século XVIII, com a publicação dos trabalhos de La-
voisier, teve início a era da química, se bem que alguns as-
pectos filosóficos da actividade alquímica fossem preservados
por algumas confrarias, nomeadamente a irmandade dos
Rosacruzes.

3 Lançou os fundamentos para a descoberta dos ácidos minerais.


4 A sua descoberta é atribuída ao alquimista catalão Arnau de Vilanova, no século XIII.

26 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

3. Alquimistas e ocultistas a partir do século XIV


A ciência oculta no Ocidente despertou para uma era fe-
cunda e continuada a partir do controverso Rosenkreutz, que
terá entendido a necessidade de unir a mística cristã à ciên-
cia nascente, e de retomar as ligações outrora fomentadas
pelos Templários, entre a ciência ocidental e a sabedoria
oriental. Dois séculos mais tarde, grandes ocultistas como
Paracelso, Jacob Boehme ou Cornelius Agrippa, retomando
os antigos conhecimentos gravados no Kybalion de Hermes
Trismegisto, entenderam e transmitiram a harmonia pro-
funda que existe entre o Microcosmos e o Macrocosmos, ou
seja, entre o Homem e o Universo, tendo exposto e demons-
trado cientificamente esta verdade pela primeira vez na era
cristã.
A doutrina secreta da Rosa-Cruz entende a Criação como
uma evolução contínua. Ela perpetua-se pela constante e
gradual expansão e consequente degradação do Uno primor-
dial, Alfa e Ómega de toda a manifestação. O Uno, Espírito, é
a Mónada que habita no ser humano, fazendo parte inte-
grante da alma humana que, encarnada, conserva a sua na-
tureza divina, ainda que muitas vezes ignorada. Segundo os
Rosa-Cruzes e o esoterismo em geral, há um movimento,
diríamos hoje, centrífugo, de expansão, que vai da Unidade
para a Pluralidade e a consequente materialidade; e um mo-
vimento inverso, centrípeto, de retracção, que vai da Plurali-
dade para a Unidade e a consequente espiritualidade, aca-
bando por ser reconstituída no termo da manifestação dos
mundos e dos seres. Este é o percurso da alma humana que,
tal como o filho pródigo, aspira a regressar às suas origens
divinas, mediante a eliminação progressiva da multiplicida-
de da criação manifestada, própria deste mundo ilusório
(maya). Esta é a senda do peregrino, do caminhante, que está
reflectida nas várias fases da obra alquímica.
A perfeição espiritual é a verdadeira alquimia, sendo o
fogo de Mercúrio ou de Hermes, o fogo do amor místico. Como
explica P. Mariel:
“A procura do ouro é a procura da perfeição
da alma; a transmutação dos metais é a trans-

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Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

mutação da alma nos diversos estádios. (…) A


pedra filosofal é a alma perfeita, que é necessário
subtrair da vida profana.”

A Alquimia permite, assim, “um acesso mais directo mas


mais perigoso ao cimo da Montanha [a Sabedoria divina].” A
via mais lenta é a percorrida pela grande maioria da huma-
nidade, sujeita a menos perigos, mas a inúmeras encarna-
ções e a muito sofrimento.
A busca da pedra filosofal ou do átomo primitivo é ex-
pressa neste trecho da obra de Honoré de Balzac, Sur Cathe-
rine de Médicis:
“Nós estamos presos corpo a corpo com a Ma-
téria, na qual acredito e em que eu, Grão-Mestre
da Ordem, quero penetrar. Colocado diante da
fronteira mais afastada que nos separa do conhe-
cimento das coisas, em paciente observação dos
átomos, eu destruo as formas, desfaço os elos de
toda a combinação, imito a morte para poder i-
mitar a Vida! Enfim, bato incessantemente à
porta da Criação e continuarei a bater até ao úl-
timo dia da minha vida. Quando morrer, o meu
martelo passará a outras mãos igualmente infa-
tigáveis, da mesma forma que gigantes desconhe-
cidos mo confiaram. Imagens fabulosas e incom-
preendidas, semelhantes às de Prometeu, Íxion,
Adónis, Pã, que fazem parte das crenças religio-
sas de todos os países e em todos os tempos, di-
zem-nos que esta esperança nasceu com a raça
humana.
“A Caldeia, a Índia, a Pérsia, o Egipto, a Gré-
cia, os Mouros propagaram o magismo, ciência
maior entre as ciências ocultas e que contém, em
si, o fruto das vigílias de cada geração. É aí que
se encontra o elo da grande e majestosa institui-
ção, a Ordem do Templo.
“Ao queimar os Templários, Alteza, um dos
vossos antecessores mais não fez do que queimar

28 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

homens. Os segredos foram-nos passados. A re-


constituição da Ordem do Templo é a palavra de
ordem de uma nação ignorada, raça de valorosos
pesquisadores, totalmente virados para o Oriente
da Vida, todos irmãos, todos inseparáveis, uni-
dos por uma ideia, marcada pelo cunho do traba-
lho.
“Sou soberano desse povo, o primeiro por elei-
ção e não por nascença. A todos dirijo no sentido
da essência da vida. Grão-Mestre, discípulos, a-
deptos, nós seguimos todos a molécula impercep-
tível que escapa ainda aos nossos olhos. Mas nós
conseguiremos olhos mais fortes que os que nos
deu a Natureza e alcançaremos o átomo primiti-
vo, o elemento crepuscular constantemente procu-
rado pelos sábios que nos precederam…”

Se nos tempos críticos da Inquisição os ocultistas eram


perseguidos pela Igreja, a partir do século XVII continuaram
a ser perseguidos, mas agora pela ciência oficial, cujo poder
aumenta na proporção da perda de influência por parte da
Igreja. Usando e abusando do falso manto da liberdade, já
não se persegue ou queima os adeptos da ciência oculta, mas
procura-se destruí-los por meio da difamação e do ridículo.
Não obstante todo o tipo de perseguições de que foram objec-
to que, por serem menos físicas, feriam ainda mais a alma
dos visados: atentados ao bom nome, à reputação, à honra, à
dignidade, com a consequente perda de crédito social, de
emprego, etc., homens como A. Court de Gébelin, Fabre
d’Olivet, Eliphas Lévy, Saint-Yves d’Alveydre não deixaram
de dar um fecundo contributo à sabedoria esotérica que exal-
ta a fraternidade entre todas as religiões que, por saírem de
uma fonte comum, aspiram ao mesmo fim.
Vimos que a verdadeira Alquimia é a transmutação in-
terna do ser humano, que se traduz na iniciação espiritual. A
este respeito, Louis Claude de Saint-Martin explica:
“O único mistério para chegar à iniciação é o
de sabermos penetrar cada vez mais nas profun-

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Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

dezas do nosso ser, sem nunca desistirmos até


termos alcançado a viva e vivificante raiz. Por-
que, então, todos os frutos que nós devemos ori-
ginar, segundo a nossa espécie, produzem-se na-
turalmente, em nós e à nossa volta, como aqueles
que vemos surgir nas árvores terrestres, porque
elas estão agarradas à sua raiz e é daí que extra-
em a seiva…”

Expressando-se por outras palavras, Paracelso resume


assim a iniciação alquímica:
“Aquele que quer entrar no reino de Deus de-
ve primeiro fazer entrar o seu corpo na sua mãe e
aí morrer.”

É o regressus ad uterum para nascer de novo, o nasci-


mento iniciático que Mircea Eliade tão bem explica nas suas
obras.
Mas para tal é preciso desejar a verdade com toda a vee-
mência do nosso ser. Há, a este propósito, uma história sobre
um mestre indiano perante o qual se apresentou um candi-
dato à obtenção de conhecimentos mais elevados. O mestre
deu-lhe uma máxima profunda para meditar, dizendo-lhe
que só voltasse quando a tivesse compreendido. Quando o
discípulo regressou, o mestre repetiu a mesma coisa e pediu-
-lhe que meditasse por mais um ano. Por três vezes se repe-
tiu a cena, até que o discípulo se impacientou e exigiu que o
mestre o conduzisse à Verdade. Face a uma tal determinação
o guru levou-o a um pequeno lago próximo da sua morada, e
convidou-o a entrar na água com ele. Segurou então a cabeça
do discípulo debaixo de água e não o soltou até que esper-
neasse, sem poder respirar. Quando o jovem se acalmou, o
mestre perguntou-lhe:
– Quando estavas com a cabeça debaixo de água, o que
mais desejavas?
Ao que o discípulo respondeu:
– Ar, acima de tudo eu desejava ar.
Então, o mestre retorquiu:

30 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

– Só quando desejares a Verdade tanto quanto desejaste


o ar, é que a encontrarás, e não antes.

4. O Bestiário alquímico
O derradeiro objectivo dos alquimistas não era obter o
ouro físico, mas sim uma elevação espiritual, traduzida me-
taforicamente na transmutação do chumbo da natureza infe-
rior, animal, no ouro da natureza superior, espiritual, que se
alcançava graças a uma série infindável de laboriosas e paci-
entes operações da Ars Magna, ou Grande Obra alquímica.
Tal como na arquitectura gótica, a obra dos mestres can-
teiros saídos da Escola de Chartres e com estreitas ligações
aos Templários, em que as diversas fases da obra alquímica
estavam gravadas na pedra das catedrais, também na lin-
guagem alquímica propriamente dita encontramos um besti-
ário relacionado com as diversas etapas da Obra. Nela, os
pássaros ocupam um lugar preponderante, pois simbolizam
as partes voláteis, as diferentes cores ou estados de matéria
durante as experiências:
 A Pomba simboliza o volátil;
 A Águia, o mercúrio depois da sua transforma-
ção em vapor;
 O Galo, o fogo secreto do céu ou enxofre incan-
descente;
 O Corvo indica a matéria calcinada;
 O Cisne, mensageiro de Hermes, a matéria ou
clara que se acumula e se fixa em volta do ovo;
 O Pavão, o estado do composto quando atinge o
rubro; e a sua cauda simboliza a variedade de
cores durante a cozedura no Atanor;
 A Fénix, ave mítica, inspirada no pássaro
Bennu – garça divina do panteão egípcio, um
dos símbolos sagrados de Heliópolis, que repre-
sentava a Criação e a Renovação –, representa,
após a calcinação da matéria-prima, o resultado
final da Obra;

Apeiron edições | 31
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

 O Pelicano, símbolo do auto-sacrifício, repre-


sentado por um jovem rei coroado e encerrado
no ovo filosófico;
 A Coruja, animal noctívago, representa o saber
oculto dos alquimistas.

5. Fabricações alquímicas
Há relatos antigos de fabricações alquímicas, hoje desco-
nhecidas. Sem recuarmos até aos tempos antediluvianos,
temos que vários historiadores antigos, entre eles o romano
Tito Lívio, afirmam terem encontrado nos subterrâneos da
antiga e misteriosa cidade de Mênfis, capital do Baixo Egipto
no tempo de Menes, muitas lâmpadas que se mantinham
acesas durante séculos. Escreve H. P. Blavatsky:
“Pausânias fala da lâmpada de ouro que e-
xistia no Templo de Minerva, em Atenas, lâmpa-
da que – diz ele – era a obra-prima de Calímaco
e ardia durante um ano inteiro. Plutarco afirma
que viu uma no templo de Júpiter Amon, a qual,
segundo lhe testemunharam os sacerdotes, ardia
continuamente longos anos, sem que, apesar de
permanecer ao ar livre, nem a chuva nem o vento
5
a pudessem apagar.”

Em relação a essas lâmpadas, tidas como pagãs pela Igre-


ja de Roma, Santo Agostinho afirma que eram obra do demó-
nio, “que nos engana por meio de mil artifícios”. Que coisa
mais fácil para Satanás do que exibir aos que entram pela
primeira vez numa gruta subterrânea, um relâmpago de luz
ou uma chama brilhante? Foi isto que disseram os devotos
cristãos quando, durante o pontificado de Paulo III, ao abrir-
se um túmulo na Via Ápia em Roma, se encontrou o corpo
inteiro de uma donzela nadando num líquido brilhante que a
conservara tão perfeitamente, que o seu rosto era encantador
e até parecia cheio de vida. Aos seus pés ardia uma lâmpada
cuja chama se apagou no preciso momento em que o sepulcro

5 Escritos Ocultistas, Valência, 1984, pág. 56.

32 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

foi aberto, vindo-se a saber, por uma inscrição gravada no


referido túmulo, que o citado cadáver estava enterrado há
uns 1.500 anos, supondo-se que era o corpo de Tulia, filha de
6
Cícero.
Contrariando os físicos e químicos que negavam a possi-
bilidade da existência das lâmpadas perpétuas, os alquimis-
tas afirmavam que há coisas na natureza que não só resis-
tem à força do fogo sem se consumir, como também são inex-
tinguíveis, quer pela água quer pelo ar, podendo uma lâmpa-
da arder durante centenas ou milhares de anos.
A história dispõe de inúmeros testemunhos de alquimis-
tas que, após terem consagrado longos anos às suas experi-
ências laboratoriais, afirmaram que o fogo perpétuo é uma
realidade. Explica Blavatsky:
“Existem alguns preparos alquímicos de ou-
ro, prata e mercúrio, e também de nafta, petró-
leo e outros óleos betuminosos. Os alquimistas
mencionam também o óleo de cânfora e de âm-
bar, o lápis asbestos ou amianto (…) que eram
empregues em tais lâmpadas. Afirmam eles que
esta matéria pode ser preparada através do ouro
ou da prata, reduzidos a fluidos, e assinalam
que o ouro é o pabulum mais adequado devido à
sua maravilhosa chama, uma vez que, de todos
os metais, é o que menos se gasta quando se a-
quece ou se funde e, além disso, é susceptível de
reabsorver a sua humidade oleosa à medida que
esta se liberta, alimentando, assim, continua-
mente a sua própria chama uma vez acesa. Os
cabalistas asseguram que tal segredo era conhe-
cido de Moisés, que o aprendeu dos egípcios, e
que a lâmpada que o Senhor ordenou que ardes-
se no tabernáculo, era uma lâmpada inextin-
guível. (…) Liceto menciona, na sua obra, uma
preparação de mercúrio, filtrado sete vezes por
meio do fogo através de areia branca, prepara-

6 Idem, pág. 58.

Apeiron edições | 33
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

ção com a que se confeccionaram lâmpadas que


podiam arder continuamente. (…) Este licor de
mercúrio era conhecido entre os alquimistas pe-
lo nome de Aqua mercurialis, Materia metallo-
rum, Perpetua dispositio e Materia-prima artis,
7
ou ainda, Oleum vitris.”

Prossegue Blavatsky:
“O asbesto conhecido entre os gregos pelo no-
me de Aopeoros ou inextinguível, é uma espécie
de pedra que, uma vez acesa, não pode ser apa-
gada, como nos indicam Plínio e Solino. Alberto
Magno descreve-a como sendo uma pedra de cor
de ferro que se encontra principalmente na Ará-
bia. Acha-se geralmente coberta por uma camada
oleaginosa quase imperceptível, que arde imedia-
tamente perante a proximidade de uma chama.
Muitas tentativas foram feitas pelos químicos
para extraírem do asbesto o referido óleo indisso-
8
lúvel, mas todos eles fracassaram.”

Por sua vez Plínio afirma o seguinte:


“O asbesto é tão precioso como as pérolas e os
diamantes, porque além de ser extremamente ra-
ro, é muito difícil de tecer devido ao reduzido
comprimento dos seus fios. Uma vez macerado
com um martelo até ficar espalmado, molha-se
com água quente, e quando os seus filamentos es-
tiverem secos, podem facilmente dividir-se em fi-
os como o linho e serem tecidos formando telas.
Plínio assegura ter visto muitas telas confeccio-
nadas com esta matéria e, inclusive, ter assistido
a uma experiência em que foram purificadas pelo
9
fogo.”

7 Idem, pág. 59.


8 Idem, pág. 60.
9 Extractos do Glossário Teosófico de H. P. Blavatsky.

34 | Apeiron Edições
A CHAVE
DO SEGREDO DA OBRA

Nicolas Flamel
A Ars Magna da Alquimia

Nicolas Flamel nasceu em 1330 em Pontoise, Fran-


ça, e foi um dos maiores alquimistas da história. Aos
28 anos comprou um antigo livro da autoria de A-
braham, o Judeu, que continha textos intercalados com
desenhos de serpentes, virgens, desertos e fontes de água.
Achou muito intrigante o livro e passou a estudá-lo,
descobrindo que se tratava de noções de Cabala e de
Alquimia.
Flamel deixou um testamento escrito ao seu sobri-
nho, em que revelava os segredos que descobrira sobre
a Alquimia.

1. A oração do alquimista
Esta oração, escrita por este célebre alquimista francês,
consiste num legado de rara beleza e profundidade, sendo
riquíssima no seu conteúdo e de grande valia para o busca-
dor espiritual. Foi utilizada como auxiliar por um grande
número de alquimistas nos seus trabalhos. Ei-la:
“Deus Todo-Poderoso, Eterno, Pai da Luz, de
quem vêm todos os bens e todos os dons de perfei-
ção, imploro a Vossa infinita misericórdia; per-
miti-me conhecer a Vossa infinita sabedoria; é
ela que rodeia o Vosso trono, que criou e realizou,
que conduz e conserva tudo. Dignai-Vos enviar-

Apeiron edições | 37
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

-me do céu o Vosso santuário, e do trono a Vossa


glória, a fim de que seja e que opere em mim; é
ela que é senhora de todas as artes celestes e ocul-
tas, que possui a ciência e a inteligência de todas
as coisas. Fazei com que ela me acompanhe em
todas as minhas obras, que, pelo seu espírito, eu
obtenha a verdadeira inteligência, que eu proce-
da infalivelmente na arte nobre a que me consa-
grei, na pesquisa da miraculosa Pedra dos Sá-
bios, que escondestes do mundo, mas que costu-
mais revelar pelo menos aos vossos eleitos. Que
essa Grande Obra, que devo executar neste mun-
do, a comece, a prossiga e a termine de modo fe-
liz; que, contente, eu viva satisfeito para sempre.
Peço-vos, por Jesus Cristo, a Pedra celeste, angu-
lar, miraculosa e firmada em toda a eternidade,
que governa e reina convosco.”

2. O Breviário
Que seja feito em nome de Deus, Amén.
O primeiro passo na Sabedoria é o temor a Deus.

2.1. Prefácio
Eu, Nicolas Flamel, Escrivão de Paris, neste ano de 1414,
do reinado do nosso bendito príncipe Carlos VI, que Deus
abençoou, e após a morte da minha fiel companheira Perre-
nelle, recordando-me dela, tomei-me de fantasia e de satisfa-
ção para escrever em teu favor, caro sobrinho, toda a mestria
do segredo do Pó de Projecção ou Tintura Filosofal, que a-
prouve a Deus dispensar a este seu insignificante servidor,
que eu fiz como tu farás se procederes como te direi. Segue,
portanto, com engenho e entendimento os discursos dos Filó-
sofos acerca do segredo, mas não tomes os seus escritos à
letra, porque ainda que possam ser entendidos segundo a
Natureza, não te seriam úteis. Por isso, não te esqueças de
rogar a Deus que te dispense entendimento de razão, de ver-
dade e natureza, para que vejas neste livro, em que está es-
crito o segredo palavra a palavra e página a página, como fiz

38 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

e trabalhei com a tua querida tia Perrenelle, que recordo tão


intensamente. Assim, coloquei a mestria neste livro, a fim de
que não te esqueças do grande bem que Deus te concede e
para que te favoreça. Isto para que não deixes, em sua lem-
brança, de lhe cantar e louvar. E nada pode ser mais ade-
quado para celebrar tão bom acontecimento do que cânticos
exaltados. Assim, escrevi este livro pela minha própria mão,
e que havia destinado à Igreja Saint-Jacques, estando na
dita paróquia, depois de encontrar o livro do Judeu A-
braham, não quis vender este por dinheiro algum e guardei-o
com muito cuidado para nele escrever o dito segredo da al-
quimia em letras e caracteres da minha imaginação, de que
te dou a chave. Cuida, pois, de o manter secreto e não te es-
queças nunca de, em silêncio, te recordares de mim, quando
eu estiver no sudário, lembrando que, agora, te preparei tal
documento, a fim que te tornes um grande mestre da alqui-
mia filosofal, pois contribuí para meu prazer, desejo, consolo
e fantasia conceder-te tal segredo.
Deste modo, faz como eu próprio fiz e faço ainda agora,
sendo de avançada e decrépita idade e tudo em honra e mes-
tria da alquimia, pela via da natureza.

2.2. A Teoria
Vou, pois, iniciar o documento fazendo uma descrição cla-
ra e completa para que não confunda o teu entendimento,
antes de dizer alguma coisa sobre a prática de operar. Quis
conduzir-te, através da teoria do conhecimento, ao que é a
alquimia, ou seja, a ciência de converter corpos metálicos em
ouro e prata perfeitos, conferindo saúde aos corpos humanos
e transformando rapidamente pedras e cristais em gemas
verdadeiras e preciosas. Este conhecimento, e não existe
outro igual, constitui-se como uma arte sem paralelo, quer
dizer, Filosofal, através da qual se faz um corpo medicinal
universal convertendo Saturno, Marte, Júpiter, Lua e Mer-
cúrio em puro Sol claro, brilhante, límpido e da cor do pró-
prio mineral, mas ainda melhor do que qualquer ouro metalí-
fero, e que congrega em si a virtude e o poder de curar todos
os males, quaisquer que sejam, de fazer evoluir todos os ve-

Apeiron edições | 39
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

getais antes do seu termo e de transformar todas as pedras


em diamantes e rubis. Tal arte e mestria é obtida pelo enge-
nho da Natureza, pelo regime secreto do fogo adequado e
pela indústria do operador. Seguindo em tudo a razão natu-
ral do entendimento, pouco a pouco alcançarás tudo isto,
desde que nunca te canses de cozer com paciência, sem ansi-
edade.
Deste modo e para que a obra filosofal demonstre que é,
verdadeiramente, o curso da natureza, como homem de en-
tendimento deves ter como objectivo principal dois aspectos:
 O primeiro, um entendimento correcto, a com-
preensão das coisas que te vou dizer. Porque eu,
bem antes de trabalhar e iniciar o caminho, co-
mo homem de entendimento tinha já o senso da
natureza do Mercúrio, do Sol e da Lua, como
disse no meu livro onde estão gravadas as figu-
ras que verás nos arcos dos ossários. Mesmo as-
sim, fiquei retido por mais de vinte e três anos e
meio a manipular sem que conseguisse conjugar
10
a Lua, que é o azougue , com o Sol e expurgar
as escórias do Sol e da Lua seminal, um veneno
mortífero para quem não conhece muito bem o
agente ou o meio de fortificar o Mercúrio, pois,
caso contrário, resulta água vulgar: não pode
dissolver a Lua nem o Sol e, mais ainda, torna-
-se água liquefeita, fixando assim este mercúrio
à aquosidade o que, mais tarde, à força de ma-
nipular e trabalhar, finalmente descobri nas
quarta e quinta folhas do meu livro de Abraham;
 Por este motivo, o segundo aspecto é saber como
se deve fortificar este Mercúrio através do agen-
te metalífero, sem o qual não é possível, de ou-
tro modo, alcançar o íntimo do Sol ou da Lua, os
quais, sendo duros, não podem ser abertos, a
não ser pelo espírito sulfuroso do Ouro e da Lua.
Assim, é mister que, em seguida, se juntem com

10 Mercúrio. Também pode significar “coisa que atrai” (Nota Eduardo Amarante).

40 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

o agente metalífero, a saber, a saturnina real e


que se liquefaça, então, o Mercúrio pelo enge-
nho filosofal a fim de que, depois, este dissolva
em licor o Sol ou a Lua e retire a escória signifi-
cativa da sua putrefacção.

Quero que saibas que não existe outra forma nem mes-
tria de trabalhar esta arte além daquela que te dou, palavra
por palavra, cuja obra não é nada fácil de realizar e é espi-
nhosa de transmitir, se não for ensinada como te digo, pois o
Sol e a Lua são corpos muito duros que não se podem abrir
fácil e totalmente, excepto pelos espíritos mercuriais liquefei-
tos por via e procedimento filosofal. Tudo o resto é enganador
e induz ao fracasso e ao embuste em que caí, para meu gran-
de desgosto, durante muito tempo. Sem esse procedimento, o
Mercúrio mantém-se frio, hidrópico e terroso, sem a força
bastante, nesse caso, para acometer as vísceras dos dois cor-
pos perfeitos do Sol e da Lua. Se o Mercúrio não for previa-
mente aquecido com o fogo sulfuroso metálico, a sua água
branda fora do seu corpo e da terra rejeitada, fecal e negra,
não passará de Mercúrio vulgar. Nesse estado, penetrando-se
mutuamente, tomam a vida astral e tornam-se vivos, tal
como eram nas rochas dos minérios. É por este modo que se
faz a conjugação do Sol, da Lua e do Mercúrio filosofais, não
os vulgares. Mas como pode o Mercúrio liquefazer-se assim?
Pondera, em primeiro lugar, que nenhuma outra água, além
do Mercúrio, extrai dos metais o enxofre, da mesma forma
que fora dele, no princípio, no meio e no fim, ninguém pode
abrir nem fazer nada de positivo, porque é a virtude atracti-
va, feita activa, que faz tudo e se emprenha do enxofre.
O que tu vês é agradável: água de vapor seco sulfuroso e
vapor húmido mercurial tornam-se metais, porque, um e
outro, amam-se e desejam uma natureza conveniente a si
próprios, ou seja, a natureza persegue a natureza, de ne-
nhuma outra forma age o instrumento da Natureza, até
mesmo na arte, porque um ama o seu companheiro assim
como a fêmea atrai a si o macho, divertindo-o de quando em
quando, que é o que vês muito claro e gracioso gravado na

Apeiron edições | 41
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

imagem da Quarta figura, onde observei o jovem mercúrio


com o caduceu e as horríveis serpentes em torno da vara-de-
-ouro que ele segura na mão: porque, sem isto, nunca teria
conhecido o mercúrio hermético, que compomos, na primeira
preparação, pelo engenho e indústria filosofais do Enxofre e
Mercúrio metálicos.
Atenta, pois, em compreender as minhas palavras, escri-
tas com sinceridade e de boa-fé em tua intenção, querido e
amado sobrinho, a fim de que não falhes e rogue eu a Deus
pela salvação da minha alma na prática da rectidão do nosso
bom Deus, a quem suplico que, desde agora, te conceda saú-
de, entendimento, intenção, vontade, rectidão e lealdade de
coração. Acredita firmemente que todo o engenho da indús-
tria reside na preparação do mercúrio filosofal, já que nele
está tudo o que pretendemos, o que sempre quiseram os an-
tigos sábios e que nós, tal como eles, nada podemos fazer sem
ele, pois, pela sua ausência nada existe na esfera mundana
capaz de produzir a dita tintura filosofal e medicinal. O en-
genho natural está em que consigamos aprender a extrair
dele a semente viva e espiritual presente no seu interior.
Esta semente é a matéria tão louvada pelos sábios nos seus
escritos e livros, onde afirmam, sem embuste nem falácia,
que a matéria da tintura que transmuta os metais em ouro é
única, e verdadeiramente dissolve tudo, ainda que nada di-
gam sobre como prepará-la. Este jaz, pois, unicamente, nes-
tes três, e não em qualquer outro lugar, porque noutros cor-
pos metálicos pouco tem de bom, está viciado e deteriorado,
ao passo que, aqui, é puro, composto e autêntico.
Repara que algo nada dá se nada possuir. Por conseguin-
te, não procures senão o Sol e a Lua, como também o Mercú-
rio elaborado pelo engenho filosofal, delicadamente prepara-
do, que não molha as mãos, e ainda o metal que em si tem a
alma metálica sulfurosa, isto é, a luz ígnea e, para que não te
desvies do caminho recto, procura os metais, porque aí está o
referido enxofre, entranhado muito delicadamente na verda-
de, praticamente semelhante ao Sol. Encontrá-lo-ás nas ca-
vernas e nas profundezas, as que são de Ferro, de Ouro e de
Bronze. Tal Enxofre tem o poder de tingir a húmida e fria

42 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

Lua, que é a prata fina, em puro ouro amarelo e bom, mas é


preciso que se prepare pela medicina espiritual a chave que
descobre e abre todo o metal. Eu te direi.
Agora, reflecte sobre que espécie de mineral é um ladrão
que come tudo excepto o Ouro e a Lua, que torna bom este
ladrão, pois quando o detém nas suas entranhas, está então
apto para preparar o azougue, tal como te ensinei a seu tempo.

2.3. A Prática
Não te afastes, então, do resto do caminho e reporta-te às
minhas outras explicações. Em seguida, esforça-te na prática
a que te vais entregar em nome do Pai, do Filho e do Santo
Espírito, Adorável Trindade. Amén.
Procurarás, primeiro, tomar do primogénito de Saturno,
que nada tem a ver com o vulgar, 9 partes, do sabre de aço do
Deus guerreiro, 4 partes. Fá-los rubificar num cadinho.
Quando estiver vermelho fundente lança 9 partes de Saturno
dentro, como te disse. Este comerá rapidamente o outro: lim-
pa muito bem as escórias fecais que sobem da Satúrnia com
salitre e tártaro, por quatro ou cinco vezes. Estará bom
quando vires um sinal astral sob o régulo, em forma de es-
trela.
Então, do Ouro faz-se a chave e o cutelo que abre e corta
todo o metal, sobretudo o Sol, a Lua e o Mercúrio, todos os
quais come, devora e guarda no seu ventre. Terás feito um
entendimento correcto e um caminho frutuoso se trabalhaste
como é mister, porque este elemento saturnal é a erva real
triunfante, pois é a Lua, pequeno rei imperfeito que promo-
vemos ao grau da maior glória e honra e que é também a
rainha, isto é, a Lua e a mulher do Sol.
Assim, é macho e fêmea, o nosso hermafrodita, que é o
Mercúrio, e aquela obra em imagem da sétima folha e pri-
meira dádiva do Judeu Abraham, a saber, duas serpentes em
torno de uma vara-de-ouro, tal como verás neste livro que fiz
eu mesmo consoante a minha fantasia, o melhor que pude
figurar, para discernimento e como documento filosofal. Cui-
da, então, de conseguir bom fornecimento e provisão, porque
é mister que obtenhas muita quantidade, 12 ou 13 libras,

Apeiron edições | 43
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

talvez mesmo mais, se quiseres trabalhar em muitas opera-


ções.
Casarás, então, o jovem Mercúrio, ou seja, o azougue com
o Mercúrio filosofal saturnial, a fim de que, através dele,
possas animar e fortificar o dito azougue corrente por 7, até
mesmo 10 a 11 vezes com o supracitado agente, chamado
chave ou sabre de aço afiado, para que corte eficazmente e
penetre no corpo dos metais. Quando alcançares esta maté-
ria, possuirás a água dupla ou tripla, pintada na imagem da
Roseira do livro de Abraham o Judeu, que sai da base de um
carvalho, ou seja, da nossa Satúrnia, que é a chave, e vai
precipitar-se nos abismos, como afirma o dito judeu, quer
dizer, no receptor que está unido ao colo da retorta, aonde se
vai lançar o referido Mercúrio duplo, por arte e engenho dum
fogo proporcionado e idóneo.
Mas aqui encontra-se um espinho difícil, impossível
mesmo de trabalhar se Deus não revelar o referido segredo
ou o mestre não o transmitir, porque o Mercúrio não se con-
juga com a Satúrnia régia sem uma coisa que está oculta no
correcto engenho de examinar como se faz e labora, porque se
não conheceres como se faz a bravura e a paz do citado azou-
gue, nada encontrarás que valha. Assim, caro e amado sobri-
nho, como não pretendo esconder-te nada, mas antes dizer-te
tudo sem nada guardar e mostrar-te como deves descobrir
correctamente, passo a passo, o que é mister nesta mestria
filosofal, dir-te-ei que, sem o Sol e a Lua, não te será provei-
tosa a dita Obra. Farás, pois, comê-los pelo nosso ancião ou
lobo voraz, o Ouro ou a Prata, como te direi. Presta toda a
atenção às minhas explicações para que não falhes e erres
em alguma coisa, como me aconteceu nesta tarefa. Como se
deve, então, dar a comer o Ouro ao nosso velho dragão? Re-
flecte bem, com bom senso, porque se dás pouco Ouro à
Satúrnia fundida, resulta muito bem aberta, mas o azougue
não tomará vida; eis uma coisa incongruente que não será
útil, em que trabalhei muito, cheio de tristeza, antes de en-
contrar a maneira mais correcta de o fazer. Assim, se lhe dás
a devorar muito ouro, não ficará tão aberta e disposta, mas
absorverá imediatamente o azougue e ambos se conjugarão

44 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

em pasta. Faz como viste fazer. Nota que é preciso manipu-


lar tudo conforme os pesos que digo, pois sem isso não traba-
lharás em teu proveito, mas em teu detrimento, recorda-te
disso. Eis o procedimento encontrado. Guarda, pois este se-
gredo, porque nele está tudo; nunca o escrevi em papel, nem
em qualquer outra coisa, porque seria causa de dano para o
universo profano. Ora, o que transmito é sob sigilo rígido do
segredo da consciência, pelo amor que te dedico.
Toma x partes de Ouro fino, limpo e purgado 9, 10 e 11
vezes unicamente pelo lobo voraz e, em seguida, 11 partes de
Satúrnia real, e funde-os num cadinho. Quando estiver em
fusão, lança dentro x de Ouro fino, funde os dois e revolve
com carvão ardente. O teu Ouro reagirá um pouco. Deita-os
num mármore, moído em pó com 12 de azougue. Fá-los ficar
como manteiga ou queijo, moendo e agitando um e outro,
aqui e ali, de vez em quando, lavando com água limpa vul-
gar, até que a água saia clara e a massa pareça clara e bran-
ca (farás assim com a Lua fundida).
Está feita a conjugação com a Satúrnia real solar. Logo
que fique como manteiga, tomarás a massa, que secarás len-
tamente com um pano ou tecido fino, com muita arte. Eis o
nosso Chumbo e a nossa massa do Ouro e da Lua, não vulga-
res, mas filosóficos. Coloca-os numa boa retorta de barro
refractário e depois no forno dá-lhe o fogo, aquecendo pouco a
pouco. Acopla um receptor adequado na retorta durante duas
horas e depois aviva a tal ponto o fogo, que o Mercúrio passe
para o receptor. Este é o Mercúrio ou água da roseira flores-
cente, o sangue dos inocentes, pois é a água do Ouro e da Lua
filosofais. Podes crer que aquele Mercúrio devorou um pouco
o corpo do Rei e poderá dissolver, com muito mais poder, o
outro, que será, mais adiante, muito mais aberto pelo corpo
da Satúrnia.
Terás, assim, subido um degrau ou escalão na escada da
arte. Toma, então, as fezes da retorta, funde-as no cadinho
em fogo forte, extraindo todo o fumo saturnino, e quando o
ouro em fusão estiver limpo, deita para dentro, como da pri-
meira vez, dois de Satúrnia. O Sol infuso nas ditas fezes é
muito mais aberto do que da primeira vez, e como o Mercúrio

Apeiron edições | 45
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

está mais ácido agora do que antes, terá adquirido muito


mais força e vigor para perscrutar e, por assim dizer, devorá-
-lo e encher o seu ventre pouco a pouco. Tem em atenção,
caro sobrinho, os graus de engenho da Natureza e da Razão,
para que subas por escalões ao mais elevado nível da Filoso-
fia, que é, sobretudo, o curso da Natureza que jamais encon-
trarias se não te transmitisse esta mestria. Bendiz o Senhor
pelo que me concedeu para te confiar, porque sem isto de
nada te serviria trabalhar, como alguns o fazem com prejuízo
de muito pecúlio, infinitas penas e trabalhos, vigílias ansio-
sas e deprimentes preocupações. Faz, então, como das pri-
meiras vezes, casa com o Mercúrio saído, já citado, robusto
em graduação, pulverizando e pilando, para que extraia todo
o negrume, e seca como te disse. Mete tudo na referida retor-
ta e faz como tens vindo a fazer, durante duas horas a fogo
lento e adequado, depois forte, para forçar o Mercúrio a sair
para o receptor. Terás o Mercúrio muito mais liquefeito e
alcançarás nesta altura o segundo degrau da escala filosófi-
ca.
Continua a trabalhar como tens vindo a fazer, lançando o
filho saturnino em quantidade precisa, pouco a pouco, mani-
pulando com discernimento, nem de mais nem de menos,
como fizeste no princípio, até que alcances o décimo degrau
da escada. Repousa, então. Possuis já o dito Mercúrio ígneo
liquefeito, completamente emprenhado e carregado de Enxo-
fre macho e de vigor do Sal astral que provém das mais pro-
fundas cavernas e vísceras do Ouro e do nosso dragão satur-
nino. Acredita que te escrevo coisas que nenhum Filósofo
disse ou escreveu. É o maravilhoso caduceu sobre que discor-
rem todos os sábios nos seus livros, afirmando que ele tem o
poder, só por si, de realizar toda a obra filosofal. As suas
afirmações são verdadeiras, como eu próprio descobri sozinho
ao trabalhar com este Mercúrio, tal como também poderás
conseguir, se tiveres isto em mente, visto este, e não outro,
constituir a natureza mais próxima e a raiz de todo o metal.
Trata de possuir este Mercúrio, e não outro licor, como cui-
dam alguns néscios e loucos que não reflectem que estes me-
tais são feitos do licor que o referido Mercúrio reduz, dissol-

46 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

vendo em licor o Sol e a Lua, a fim de preparar natural e


simplesmente a tintura filosofal ou o pó de projecção, capaz
de transmutar todos os metais em Sol e Lua, que alguns jul-
gam, satisfeitos, terem alcançado quando possuem este Mer-
cúrio celestial apropriado, mas falham redondamente nisto,
enfrentando desgostos antes de colher a rosa, por falta de
entendimento.
É bem verdade que se eles conhecessem as proporções e o
modo correcto de manusear o fogo, não teriam de se esforçar
muito e não errariam, ainda que o quisessem, mas nesta arte
é esta a forma de trabalhar. Escuta e procura fazer como te
ensino. Em nome de Deus tomarás, então, do teu Mercúrio
animado 2 ou 4 partes como quiseres, colocá-las-ás num ma-
11
trás obtuso separadas ou juntas com a Satúrnia solar, sen-
do uma de Ouro e duas de Satúrnia, tudo misturado como
manteiga. Com destreza e cuidado, lava, limpa e seca. Fecha
por cima com uma boa cera, ou seja, o luto da sapiência. Co-
loca esta confecção da forma como a galinha choca os seus
ovos. Deixa o Mercúrio assim preparado seguir o seu curso
por alguns dias, isto é, durante 40 ou 50 dias até que vejas
formar-se no vaso um Enxofre branco ou vermelho de subli-
mado filosofal, que sai dos raios do dito Mercúrio. Colhe-os
com uma pluma, porque são o Ouro e a Prata vivos que o
Mercúrio dá à luz, fora de si.

2.4. A Circulação da Roda


Toma agora estes Enxofres brancos ou vermelhos do
Mercúrio donde foram extraídos por sublimação, tritura-os
num almofariz de vidro ou de mármore, humedecendo-os com
a terça parte do seu peso, tendo os Enxofres saído da putre-
facção dele. De ambos faz uma pasta semelhante à manteiga,
coloca esta mistura num matrás fechado ao forno, com fogo
adequado e suave de cinzas, conforme o entendimento filoso-
fal, e coze até que o Mercúrio se tenha transformado em En-
xofre. Durante a cozedura observarás coisas surpreendentes,

11Balão de vidro, de fundo chato e gargalo longo, usado para reacções químicas (Nota
de Eduardo Amarante).

Apeiron edições | 47
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

tais como todas as cores do mundo, que ao admirares não


poderás deixar de elevar o teu coração a Deus, em acção de
graças por tão elevado dom.
Quando chegares ao vermelho-púrpura, colhê-lo-ás, pois
está formado o pó alquímico capaz de transmutar qualquer
metal em Ouro fino, puro e límpido, que poderás multiplicar,
humedecendo-o, tal como fizeste, pulverizando com novo
Mercúrio, cozendo no mesmo vaso, no mesmo forno e no
mesmo fogo. Embora a operação seja muito mais curta, a sua
força terá dez vezes mais poder. Eis a plena mestria com um
único Mercúrio, que alguns não acreditam ser possível por-
que são surdos e imbecis, incapazes de produzir tal Obra.
Se desejas trabalhar por outra via, toma Ouro fino, três
partes em pó ou em folhas muito bem laminadas, prepara
uma pasta com 7 partes do teu Mercúrio filosofal, a nossa
Lua. Coloca isto num matrás oval e leva-o ao forno, aplicando
fogo muito forte, igual ao fogo de fusão do Chumbo, sem as-
sentar ou coagular, porque logo se encontrará a forma correc-
ta de regular o poder do fogo, e o teu Mercúrio, o vento filoso-
fal, sobe e desce sobre o corpo do Ouro, que devora pouco a
pouco e que transporta no seu ventre.
Coze até que o Ouro e o Mercúrio não subam nem desçam
mais, se mantenham ambos copulados e esteja, então, con-
sumada a paz e o acordo entre os dois dragões, que são o fogo
e a água unidos. Agora, terás no teu vaso um aspecto negro,
assim como pez dissolvido, a marca da morte. A putrefacção
do Ouro é a chave de toda a mestria.
Ressuscita-o e regenera-o, cozendo-o durante 40 dias.
Não te enganes, logo aparecerão mutações diversas, tais co-
mo a cor negra, cinzenta, verde, branca, alaranjada e, por
fim, um vermelho de sangue ou de papoila carmesim. Não te
preocupes senão com esta última, porque, com ela, o verda-
deiro Enxofre chegou ao fim e possuis o pó alquímico. Não te
referirei o momento certo, pois dura em função da habilidade
de trabalhar, contudo, não poderás falhar se fizeres o que te
ensino.

48 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

2.5. A Multiplicação
Se desejas multiplicar a pedra, ouve. Toma uma parte
dela e multiplica-a com as duas partes do teu Mercúrio ani-
mado, coze como fizeste nos matrases, após teres feito deste
uma pasta mole e macia, no mesmo forno e no mesmo fogo.
Em muito menos tempo estará realizado o segundo final
da roda filosofal e o pó adquire dez vezes mais poder do que
no seu primeiro nascimento. Procura dar-lhe mais uma
volta ou mesmo mais, se quiseres, e terás concluído o tesou-
ro sem preço, o melhor que existe em todo o mundo, para
além do qual já não podes aspirar mais. Possuirás saúde e
riqueza se o usares como deves. Terás o tesouro que concede
toda a felicidade mundana e que eu, pobre rural nativo de
Pontoise, fiz e realizei por três vezes na minha casa na rua
dos Écrivains, muito perto da capela de St-Jacques-de-la-
-Boucherie e que eu, Nicolas Flamel, te concedo pelo amor
que te dedico e em honra de Deus, para sua Glória e louvor
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a sagrada Trindade, a
quem rogo que, a partir deste momento, te ilumine e condu-
za no caminho da Verdade, da Luz e da Salvação. Assim
seja.

2.6. O Fermento
Repara, agora, na melhor forma de trabalhar, para leve-
dar a pasta filosofal e obrigá-la a aumentar através do fer-
mento idóneo e filosofal. Tomarás três partes de Ouro fino
em pó e seis partes de Mercúrio animado com uma parte e
meia de Enxofre vermelho. Junta estes ingredientes, pulve-
riza-os num almofariz de vidro, numa espécie de manteiga ou
queijo, coloca este composto num matrás calafetado a fogo de
calor de galinha. Não te canses de cozer e verás uma coisa
maravilhosa, de que o entendimento humano nada pode di-
zer, nem jamais negar, de tal modo é bela a Obra da nature-
za com as mutações que se vêem de todas as cores, que des-
lumbram e ofuscam os olhos do manipulador tão intensa-
mente como nenhuma outra coisa no mundo o faria. Então,
em tempo preciso, observarás que o teu vaso contém pó ver-
melho vivo, de cor sanguínea, como púrpura. Eis completa a

Apeiron edições | 49
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

arte da alquimia filosofal, na verdade, um milagre tão gran-


de que não se acredita. Não me canso de afirmar que possui-
rás este tesouro mundano. Fica sabendo que cura todas as
doenças, quaisquer que sejam, até mesmo as que o médico é
incapaz de curar, a não ser o médico filosofal. A partir daqui
transmuta qualquer metal em fusão no cadinho, levando à
ebulição o Mercúrio, em Ouro fino, puro, limpo e colorido,
resistente a todo o julgamento dos homens, do Fogo, até
mesmo do Chumbo e do lobo voraz, um ladrão que arrebata
tudo além dele, mas ainda melhor, transforma calhaus e
cristal de minério ou de rocha em rubis finos.

2.7. Produzir frutos da Primavera no Inverno


Podes fazer ainda uma outra coisa, ou seja, se desejares
flores e frutos no frio do Inverno dissolve 6 grãos do referido
12
pó vermelho à saída do vaso em 10 pintos de água de orva-
lho tépido e rega as árvores ou as flores que quiseres, colo-
cando-as em casa ou, então, cobrindo-as com uma palha ou
feno. Verás, em pouco tempo, uma súbita e maravilhosa ve-
getação e crescimento, o que muito te surpreenderá.

2.8. Como utilizar a medicina


Para te informar como se deve utilizar esta medicina
para a saúde do teu corpo e da tua memória, advirto-te que,
ao sair do vaso quando está purpúrea, deves diluir, ou seja,
dissolver alguns grãos em vinho branco ou aguardente, até
que o vinho fique colorido, dourado apenas, pois é a marca
certa. Não receies de dar ao doente 12 ou 15 gotas do vinho,
caldo ou outro licor. Como que por milagre, logo estará cu-
rado. Nunca te vanglories disso, porque os homens são mal-
vados e invejosos, quando incapazes de fazer o mesmo que
os outros. Assim, para que mantenhas a saúde quotidiana,
toma 9 gotas dela, dissolvida e dourada, em quatro épocas
do ano: 22 de Março, 22 de Junho, 22 de Setembro e 22 de
Dezembro, do licor que preferires. Fazendo como te ensino,
não padecerás de doenças e gozarás uma vida feliz, cheia de

12 Medida inglesa de líquidos, ver § 2.10. Glossário, no fim deste capítulo.

50 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

saúde e de riquezas; serás senhor de toda a natureza, pois


possuirás mais pedras preciosas, ouro e prata do que prín-
cipes e reis.

2.9. Como preparar o Pó de Projecção do elixir


Eis como se faz. Funde num cadinho 10 onças de Ouro fi-
no e lança para dentro, sobre o Ouro fundido, uma onça do pó
vermelho. Deixa em fogo muito forte durante duas horas,
retira logo o cadinho, deixa arrefecer, parte-o e verás no fun-
do um vidro vermelho, que é o Ouro exaltado, Pó verdadeiro
e régio capaz de transmutar todos os metais em ouro puro,
melhor do que se encontra nas minas. Podes, assim, dispor
de muita fortuna, o que os reis não conseguem sem reclamar
dos outros. Faz, pois, caro sobrinho, como eu, ao socorrer os
pobres, nossos irmãos em Deus, ornamentar os templos do
nosso Redentor, libertar das prisões muitos cativos presos
por dinheiro, e a bom e leal uso que farás conduzir-te-á ao
caminho da glória e salvação eterna, na mansão de Deus, que
eu, Nicolas Flamel, te desejo em nome do Pai Eterno, do Fi-
lho Redentor e do Santo Espírito Iluminador, a Santa sagra-
da e adorável Trindade, Amén.
Trata de moer o vidro vermelho e de o colocar num ma-
trás. Guarda-o. Quando quiseres fabricar Ouro a partir do
Chumbo, Estanho, Latão, Prata ou Mercúrio, fá-los fundir
num cadinho e purga-os aí, excepto a Lua e o Mercúrio.
Logo que fumeguem, lança em cima 30 ou 40 libras deste
Mercúrio, ou do outro de que te falei, 5 ou 6 grãos de pó mul-
tiplicado e envolto em cera. Ficarás surpreso por encontrá-los
transformados em Ouro. As fezes saídas separadamente dos
referidos metais, reduzidas a cor de cinza, passa-as pela for-
nalha e, se estiverem demasiado vermelhas e esmagadas em
pó, faz fundir Prata, e lança em cima a massa vermelha moí-
da, ou, se preferires, casa com o Mercúrio; passa tudo pela
fornalha, e Saturno, Júpiter, Marte ou Sol, Mercúrio e Lua
ficarão, então, suaves e coloridos como se pretende. Recorda-
-te de dar graças a Deus.

Apeiron edições | 51
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

Eis toda a mestria que te dispenso sem omitir nada, meu


caro e amado sobrinho de minha tão querida mulher Perre-
nelle. Bendito seja Deus. Amén.
Repara que a primeira imbibição com este pó vermelho
transmuta uma parte em cem partes. Uma da segunda, mil
partes; da terceira, dez mil; da quarta, cem mil, sempre mais
e mais forte, coisa que não poderás compreender se não vires
com os teus próprios olhos.
Assim, se pretendes fazer muito Ouro, caro sobrinho, o
que nunca é aconselhável pelo que pode advir de inconveni-
ência e prejuízo, mete cem onças de azougue num grande
caldeirão de ferro, a fogo forte. Quando estiver quente e a
fumegar, tem já preparada uma onça de pó escarlate da
quarta imbibição, envolve-a com cera como uma pequena
bola e lança-a sobre o dito azougue fumegante. O fumo desa-
parecerá rapidamente. Activa o Fogo e logo se transformará,
parte em massa e parte em pó de Ouro amarelo, que fundirás
em cadinho. Vazarás em massa ou lingote e extrairás de todo
este Mercúrio cerca de 99.170 onças de ouro puro, de quali-
dade insuperável, que utilizarás como achares melhor. Eis,
caro sobrinho, que serás muito mais rico que todos os reis,
pois possuirás mais do que eles e do que podem dispor em
todo o seu reino mundano. Mas não produzas ouro senão
pouco a pouco, com prudência, sem revelar a ninguém e nun-
ca confies nos outros.
Desvendei-te o tesouro de todos os tesouros deste mundo,
que possuí e fiz pelas minhas próprias mãos com a minha tão
querida e bem-amada companheira Perrenelle. Usa, pois, es-
te tesouro em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para
que vivas rico neste mundo sem preocupações, e desejo-te
que alcances a palma de glória no Reino de Deus. Amén.

2.10. Glossário: Medidas de peso e quanti-


dade:
Escruplo: Medida de peso antiga corresponde a
1,296g (20 grãos).
Grão: Medida de peso correspondente a 0,0648g
(1/7000 da libra inglesa).

52 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

Gros: Medida de peso equivalente a 3,55g (1/128


libra).
Libra: Antiga unidade de massa equivalente a
453,59g (Inglaterra).
Lots: Antiga medida de peso alemã equivalente a
14,17g (1/2 onça).
Marco: Antiga medida de peso para o Ouro e a
Prata correspondente a 16,6g (256,27 grãos).
Onça: Medida antiga de peso. Equivale a 28,349g
(1/16 da libra Inglesa).
Pinto: Medida inglesa de líquidos (0,586 L).

Apeiron edições | 53
OS CÂNONES
FILOSÓFICOS

Paracelso
A Ars Magna da Alquimia

Médico, filósofo, alquimista e astrólogo, Philippus


Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim, ou
Paracelso, nasceu em Eisnsiedeln, Suíça (1493), filho
de um conceituado médico. Após o seu doutoramento
em Ferrara, adoptou o nome de Paracelso. Em 1528 es-
creveu o seu primeiro manual de cirurgia, “Die Kleine
chirurgia”, tendo conquistado fama e riqueza com a
publicação do “Die grosse Wundartzney” (1536). É con-
siderado o pai da farmacologia moderna e também da
homeopatia.

1
O que está próximo da perfeição, facilmente chega à
perfeição.

2
Os imperfeitos não podem ser conduzidos à perfeição até
serem despojados do seu Enxofre feculento e da sua gordura
terrena, que estão misturados com o Mercúrio e o Enxofre.
Esta é uma medicina perfeita.

3
É impossível fixar o imperfeito
sem o espírito e o Enxofre dos perfeitos.

Apeiron edições | 57
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

4
O Céu dos filósofos reduz todas as coisas à sua matéria pri-
mordial, ou seja, a Mercúrio.

5
Quem pretender reduzir os metais a Mercúrio sem o Céu
Filosófico ou a Aqua Vitae metálica engana-se, uma vez que
a impureza do Mercúrio pode ver-se em todas as dissoluções.

6
Nada pode ser fixado de forma perfeita, se não se
misturar indissoluvelmente com o fixo.

7
O ouro fusível pode alterar-se
e converter-se em sangue.

8
Para que a Prata se fixe não se deve pulverizar nem
dissolvê-la em água. Isto seria a sua destruição.
A sua fixação passa necessariamente
por reduzi-la a Mercúrio.

9
A Prata não pode converter-se em Ouro
a não ser pela Pedra Filosofal; a menos que
a tenhamos reduzido primeiro a Mercúrio.
O mesmo sucede com os outros metais.

10
Os corpos imperfeitos chegam à perfeição e ao Ouro
perfeito quando se reduzem pela primeira vez a
Mercúrio, adicionando Enxofre branco ou vermelho.

58 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

11
Todos os corpos imperfeitos chegam à perfeição pela
redução a Mercúrio e, depois, fervendo-os em lume certo com
Enxofre. Convertem-se, então, em Prata e Ouro. Aqueles que
pretendem criar Ouro e Prata de outra forma
enganam-se e trabalham em vão.

12
O Enxofre de Marte é o melhor. Unido ao Enxofre de
Ouro, converte-se num remédio.

13
Não se engendra Ouro sem antes ser Prata.

14
A Natureza cria e engendra os minerais por degraus. De uma
única raiz, geram-se todos os metais,
sendo o Ouro o resultado final.

15
O Mercúrio corrompe o Ouro, transforma-o em Mercúrio
e fá-lo volátil.

16
A Pedra compõe-se de Enxofre e Mercúrio.

17
Se a preparação do Mercúrio não for ensinada por um
mestre-artista, nunca será encontrada nos livros.

18
A preparação do Mercúrio para a Menstruação Filosófica
denomina-se Mortificatio.

19
A praxis deste arcano vai para além de todos os segredos da
Natureza e, a menos que se revele ou se ensine, o mais certo
é que não se encontre nos livros.

Apeiron edições | 59
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

20
O Enxofre e o Mercúrio são matérias da Pedra. Por
conseguinte, o conhecimento do Mercúrio é necessário para a
eleição de um Mercúrio digno da Obra.

21
Há um Mercúrio oculto num corpo, sem nenhuma
preparação, e a arte da sua extracção é difícil.

22
O Mercúrio pode fixar-se e converter-se em Ouro e Prata
para resumo ou abreviação da Obra.

23
A fixação e a congelação são um único labor, que se faz a
partir de uma única coisa e num único recipiente.

24
Aquilo que fixa e congela o Mercúrio também o tinge, da
forma que anteriormente dissemos.

25
Durante a Obra há que observar a graduação do fogo. No
primeiro grau, o Mercúrio dissolve o corpo; no segundo grau,
o Enxofre seca o Mercúrio; no terceiro e quarto graus, o
Mercúrio fixa-se.

26
As coisas radicalmente misturadas tornam-se depois
inseparáveis. Parecem-se com a neve e a água.

27
Vários simples, passados pela putrefacção,
produzem outros simples.

60 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

28
A forma e a matéria devem ser, por necessidade,
da mesma espécie.

29
O Enxofre homogéneo é da mesma natureza que o Sol e a
Lua. Este Enxofre produz Ouro e Prata puros, não dos que se
podem ver diariamente, mas sim de um tipo que pode
dissolver-se em Mercúrio.

30
Sem a dissolução filosófica do Ouro em Mercúrio, não se pode
extrair do Ouro uma forma fixa de untuosidade. Esta substi-
tui um fermento que gera o Sol e a Lua, além de
substituir também o que se faz por meio de uma forma de
redução, que Geber chama Rebis.

31
Os metais transformados em Mercúrio reduzem-se de
novo a um corpo, ao ser-lhes acrescentada uma pequena
quantidade de fermento.

32
A levedura do Tártaro dos Filósofos, que reduz todos os me-
tais a Mercúrio, é a Aqua Vitae metálica dos filósofos, a que
também chamam fezes dissolutas.

33
O Enxofre e o Mercúrio são da mesma natureza
homogénea.

34
A Pedra dos Filósofos não é outra coisa que o Ouro e a Prata,
sujeitos a uma tintura muito elevada.

35
O Sol e a Lua, em si próprios, nas suas próprias espécies,
têm suficientes riquezas. Então, tereis de reduzi-los à

Apeiron edições | 61
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

natureza de um fermento. A massa daí resultante pode


multiplicar-se.

36
Os extremos no Mercúrio são dois: a crueza, por um lado e,
por outro, a mais refinada cozedura.

37
Os filósofos observam que as coisas secas absorvem
rapidamente a sua humidade.

38
A cal alterada da Lua bebe em seguida o seu Mercúrio,
fundamento dos minerais filosóficos.

39
O Enxofre é a alma, mas o Mercúrio é a matéria.

40
O Mercúrio congela-se num corpo imperfeito
e adopta a mesma espécie do corpo imperfeito,
cujo Enxofre congelou de início.

41
Fazer o Sol e a Lua com o Enxofre dos corpos imperfeitos é
impossível. É impossível que uma coisa dê mais do que aqui-
lo que tem.

42
O Mercúrio dos metais é a semente feminina, já que por pro-
jecção atravessa as qualidades de todos os metais
até chegar ao Ouro.

43
Para a extracção da tintura vermelha, o Mercúrio
anima-se com o fermento do Ouro; a extracção da tintura
branca faz-se com o fermento da Prata.

62 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

44
O labor dos filósofos faz-se rapidamente sem esforço,

em qualquer lugar e momento, desde que possua


a mais correcta matéria.

45
Os Enxofres do Sol e da Lua fixam os espíritos
das suas espécies.

46
Os Enxofres do Sol e da Lua são as verdadeiras
sementes masculinas da Pedra.

47
Todos os que têm o poder de fixar
deverão ser permanentes e fixos.

48
A tintura que dá a perfeição aos imperfeitos
faz-se da fonte do Ouro e da Prata.

49
Aqueles que utilizam o Enxofre de Vénus enganam-se.

50
Vénus nada tem que seja útil ou que sirva
para a grande obra espagírica.

51
O Sol convertido em Mercúrio, não pode ser um fermento,
uma alma ou um Enxofre antes da conjunção com a
Menstruação.

52
A Obra, finalizada pela repetição, converte-se em ígnea.

Apeiron edições | 63
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

53
Na abreviação do trabalho, os corpos perfeitos devem ser
reduzidos a um Mercúrio vulgar, que possa tomar
adequadamente o fermento.

54
A preparação do Mercúrio pela sublimação é melhor
do que a que se faz a partir da amálgama.
Mas lembra-te que deverás reanimá-la.

55
A alma não pode imprimir uma forma se não for
com a ajuda de um espírito.
Isto não é senão Ouro convertido em Mercúrio.

56
O Mercúrio obtém a forma do Ouro
pela mediação do espírito.

57
O Ouro transformado em Mercúrio é Espírito e Alma.

58
O Enxofre dos filósofos, a tintura e o fermento,
tudo isto refere-se a uma única coisa.

59
O Mercúrio vulgar equivale
à natureza do Mercúrio dos corpos.

60
O fermento faz com que o Mercúrio seja muito pesado.

61
Quando o Mercúrio vulgar não se anima ou não tem
alma, não serve nem para uma operação universal
nem para uma operação particular.

64 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

62
Só então a alma se imprime no Mercúrio mortificado.

63
O Sol pode ser preparado como um fermento, de modo a que
uma parte do mesmo anime dez partes de Mercúrio, e este
labor é infindável.

64
O Mercúrio dos corpos imperfeitos substitui aquele
Mercúrio vulgar, mas a arte de extraí-lo é difícil.

65
O Mercúrio vulgar transforma-se em Ouro pela acção da
Pedra Filosofal. Por conseguinte, pode ser exaltado e poderá
ser equivalente a todos os mercúrios dos corpos.

66
O Mercúrio vulgar animado é um grande segredo.

67
Os mercúrios de todos os metais, pela abreviação do
trabalho, convertem-se em Ouro ou Prata.

68
O calor húmido e suave chama-se Fogo do Egipto.

69
Nota: A Lua não é a mãe da Prata vulgar,
mas um Mercúrio com alguma qualidade da Lua Celeste.

70
A Lua Metálica é de uma natureza metálica.

71
O Mercúrio vulgar adquire uma natureza feminina
pela sua esterilidade.

Apeiron edições | 65
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

72
O Mercúrio dos minerais médios mostra a natureza
da Prata por similitude.
73
Todas as coisas produzem-se a partir do Sol e da Lua.

74
O homem e a mulher, ou seja, o Sol e Mercúrio,
coagulam-se juntos.

75
O Mercúrio vulgar sem preparação é algo alheio à Obra.

76
Quatro partes de Mercúrio e uma de Ouro, que substitui o
fermento, constituem o matrimónio.

77
A solução realiza-se quando o Ouro se converteu em
Mercúrio.

78
Sem putrefacção não há dissolução.

79
A putrefacção dura até aparecer a brancura.

80
É grande o segredo de purificar o Mercúrio com que se pre-
para a Menstruação, em que dissolvemos o Ouro.

81
O Mercúrio transforma o Ouro em forma de água, isto é, em
Mercúrio fluente como si próprio.

82
A dissolução é o início da congelação.

66 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

83
O Sol dissolvido em Mercúrio fluente, durante um curto es-
paço de tempo, fica nesse estado.
84
O fermento seca o Mercúrio, torna-o pesado e fixa-o.

85
O Sol dos filósofos é qualificado como fonte.

86
A Matéria, através do poder da putrefacção, converte-se nu-
ma parte que é o princípio da congelação.

87
Há uma forma rápida de extrair o Enxofre do Sol e da Lua,
através da qual todo o Mercúrio se fixa no Ouro e na Prata.

88
A Matéria nunca deve ser retirada do Fogo para que não
esfrie, caso contrário deteriora-se.

89
Quando a Matéria se torna negra, aplica-se o
segundo grau do Fogo.

90
A limpeza dos Filósofos é uma mera similitude,
visto que só o Fogo purifica tudo.

91
O veneno e o fedor saem apenas pelo Fogo,
que é o único que tudo redime.

92
O Fogo, pela sua virtude penetrante e aguda,
lava mais do que qualquer outra água.

Apeiron edições | 67
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

93
Quando o calor ou a cor se extinguem numa coisa vegetal, o
que se segue é a morte.

94
O espírito é a cor.

95
(fragmento perdido).

96
Quando a Matéria é levada à brancura,
então, já nada pode destruí-la.

97
Toda a corrupção das coisas nota-se
através de um veneno mortal.

98
O recipiente ou o vidro chama-se Mãe.

99
A virtude do Enxofre pode, até certo ponto, ser estendida.

100
Observar porque razão os filósofos chamam
à sua Matéria Mentruação.

101
O Enxofre dissolve o nome de uma forma, mas a
Menstruação dissolve o nome da Matéria.

102
A Menstruação representa os elementos pequenos e
inferiores, ou seja, a Terra e a Água. O Enxofre é o
elemento superior, e o Fogo e o Ar são os seus agentes.

68 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

103
Tudo se deteriora quando a casca do ovo é partida e o pinto
morre; isto também acontece quando o recipiente é aberto e o
Ar toca a Matéria.

104
A calcinação, feita com Mercúrio num forno
de revérbero, é boa.

105
Os métodos do estilo filosófico devem ser cuidadosamente
anotados, uma vez que por sublimação compreende-se a
dissolução dos corpos em Mercúrio pelo primeiro grau do
Fogo. A isso segue-se a segunda operação, que é a
condensação ou acto de unir
o Mercúrio ao Enxofre. A terceira é a fixação do Mercúrio
num corpo perfeito e absoluto.

106
Há um número infinito de heterogeneidades que não permite
ao Mercúrio, na sua forma original, misturada pela cal dos
corpos perfeitos, ser a matéria da Pedra.

107
A medicina branca é levada à perfeição no terceiro grau
do Fogo e este grau não pode ser infringido
quando se faz a medicina branca;
caso contrário a Obra Branca ficará destruída.

108
O quarto grau do Fogo faz com que a matéria enrubesça e,
nesse instante, surgem várias cores.

109
O trabalho depois do Branco, que não alcançou o
vermelho abrasado é imperfeito; isto diz respeito não só à
Tintura Branca como à Vermelha.

Apeiron edições | 69
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

110
Após o primeiro grau do Fogo persa,
a matéria torna-se mais poderosa.

111
A Obra não alcança a perfeição,
a menos que se passe por cera e derreta como tal.

112
O trabalho de enceração faz-se a partir da mistura
de três partes de Mercúrio, que dá à Pedra o Ser.

113
A enceração da medicina Branca faz-se com água Branca ou
Mercúrio animado com a Lua, mas o encerado da
medicina vermelha faz-se com o Mercúrio animado
com Ouro.

114
É suficiente que após o encerado a Matéria
fique como uma pasta.

115
Continua a encerar até se conseguir
a consistência certa.

116
Quando o Mercúrio, com que foi feito o encerado,
desaparecer, não há prejuízo.

117
A medicina devidamente encerada
explica o enigma da saída do rei da fonte.

118
O Sol reduzido à sua água ou matéria primordial, através do
Mercúrio vulgar, deteriora-se ao arrefecer.

70 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

119
O filósofo pega na matéria preparada pela natureza e a reduz
à matéria primordial, já que tudo se reduz à sua
origem, tal como a neve se mistura com a água.

120
Os homens sábios convertem os anos em meses, os meses em
semanas e as semanas em dias.

121
A primeira cocção do Mercúrio feita pela natureza é a
única causa da sua perfeição simples. E, não pode
alcançá-la no maior grau, embora se deva ajudar nesta
simplicidade. Pode fazer-se inseminando Ouro na própria
terra, que não é mais do que Mercúrio puro, que
naturalmente está pouco ou imperfeitamente digerido.

122
Na segunda cocção do Mercúrio, a virtude do Mercúrio
aumenta dez vezes.

123
A Pedra do Mercúrio obtém-se repetindo a cocção,
adicionando o Ouro, para além de ferver
o homem e a mulher duas vezes.

124
Adiciona-se o Sol ao Mercúrio para que possa
converter-se em Enxofre e, após ser fervido,
transforma-se em Pedra física.

125
Muitos contemplam o Mercúrio filosófico, mas não o
reconhecem.

126
Qualquer Mercúrio original representa a matéria da
Pedra, tomada adequadamente.

Apeiron edições | 71
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

127
Qualquer coisa é o sujeito da Pedra,
de onde se pode extrair Mercúrio.

128
Todos os que interpretam ao pé da letra os escritos dos
filósofos enganam-se, já que eles afirmam um único
Mercúrio.

129
(Fragmento perdido).

130
Um Mercúrio supera outro em calidez, secura, cocção, pureza
e perfeição, quando, sem corrupção da forma, é
preparado e purgado de tudo o que é supérfluo.
Nisto consiste o segredo da Pedra.

131
Se a preparação do Mercúrio vulgar fosse conhecida dos
estudantes desta Arte, não se procuraria nenhum outro
Mercúrio, nem uma qualquer Aqua Vitae, ou água
mercurial, já que o comum Mercúrio contém tudo isto.

132
Todos os Mercúrios podem ser levados e exaltados à
qualidade de qualquer Mercúrio por sucessivos graus
dos corpos.

133
O Mercúrio vulgar antes da devida digestão não é
Mercúrio Filosófico. Após a preparação é conhecido por este
nome, visto conter uma forma verdadeira e um modo de
extrair o Mercúrio dos outros metais. Este é o princípio
da Obra.

134
O Mercúrio vulgar preparado é a Aqua Vitae metálica.

72 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

135
O Mercúrio passivo e a Menstruação não perdem a forma
externa do Mercúrio.

136
Alguém que empregue, em vez do Mercúrio corrente,
qualquer tipo de sublimado, pó calcinado ou precipitado,
engana-se.

137
Qualquer um que reduza o Mercúrio a água clara para
realizar a grande Obra, equivoca-se.

138
Obter Mercúrio de água limpa não depende do poder de
qualquer corpo, mas unicamente do poder da natureza.

139
No labor filosófico é o Mercúrio cru que, inevitavelmente,
dissolve o Ouro em Mercúrio.

140
Quando o Mercúrio se reduz a Água, dissolve o Ouro.
É necessário para o trabalho da Pedra,
que o Ouro se dissolva em Mercúrio.

141
O Esperma e a Menstruação devem parecer-se
exteriormente.

142
Diz-se na doutrina dos filósofos que o esperma deve
humedecer a natureza; mas, se a menstruação estiver
seca, não haverá dissolução possível.

143
Deves considerar a semente da Pedra similar aos metais.

Apeiron edições | 73
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

144
É essencial que a semente da medicina filosófica seja
como o Mercúrio vulgar.

145
O maior segredo é saber que o Mercúrio é
simultaneamente matéria e Menstruação, e que o
Mercúrio dos corpos perfeitos é a forma.

146
Por si o Mercúrio nada faz na geração.

147
O Mercúrio é a terra elemental em que se insemina
o Ouro.

148
A semente do Ouro é dotada de uma virtude
multiplicadora.

149
O Mercúrio perfeito busca uma mulher
para a Obra da geração.

150
Cada Mercúrio tem dois elementos, os crus que procedem da
Água e da Terra, extraídos
pela ebulição do Fogo e do Ar.

151
Se se quiser converter o Mercúrio em metal,
então deverá adicionar-se um pequeno fermento,
a fim de se alcançar o grau desejado de perfeição.

152
O maior arcano é a dissolução física
e a redução a Mercúrio.

74 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

153
A dissolução do Ouro deve ser aperfeiçoada pela natureza e
não pela mão do homem.

154
Quando o Ouro se une ao seu Mercúrio, tem a forma do Ouro,
mas a preparação principal dá-se na cal.

155
Uma questão se coloca aos homens Sábios: a união do
Mercúrio da Lua com o Mercúrio do Ouro pode substituir a
Menstrução filosófica?

156
O Mercúrio da Lua mantém a natureza de um homem
e dois homens podem gerar, quando muito, duas
mulheres.

157
Para a extracção do elixir, deverás obter a mais pura
substância do Mercúrio.

158
Quem trabalha deverá procurar a sublimação
das duas luminárias.

159
O Ouro dá uma tintura dourada e a Prata dá uma
tintura prateada, mas aquele que souber tingir o
Mercúrio com Prata ou Ouro, possuirá um grande
segredo.

Apeiron edições | 75
COMPOSITUM
DE COMPOSITIS
(O Composto dos Compostos)

Alberto Magno
A Ars Magna da Alquimia

Albertus Magnus é considerado o maior filósofo


e teólogo alemão da Idade Média e foi o primeiro inte-
lectual medieval a adequar a filosofia de Aristóteles ao
pensamento cristão. Teve como discípulo Tomás de A-
quino.
Estudou várias áreas de conhecimento, como a me-
cânica, zoologia, botânica, meteorologia, agricultura,
física, química, alquimia, navegação e mineralogia.
O Composto dos Compostos é a sua obra mais im-
portante.

O presente tratado, Compositum de Compositis, encon-


tra-se no tomo IV do Theatrum Chemicum, pág.825, de onde
foi traduzido para o francês por Albert Poisson.

1. Prefácio
Não ocultarei a ciência que me foi revelada pela graça de
Deus, não a guardarei ciosamente para mim, por temor de
atrair a sua maldição. Qual a utilidade de uma ciência se
manter em segredo, tal qual um tesouro escondido? A ciência
que aprendi sem ficções, vou transmita-la sem pena. A inveja
perturba tudo, um homem invejoso não pode ser justo face a
Deus. Toda a ciência e toda a sabedoria provêm de Deus;
dizer que advém do Espírito Santo é uma força de expressão.

Apeiron edições | 79
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

Ninguém pode dizer “Nosso Senhor Jesus Cristo” sem suben-


tender filho de Deus Pai, por obra e graça do Espírito Santo.
Do mesmo modo, esta ciência não pode ser separada Daquele
que me a transmitiu.
Não fui enviado para o mundo, mas apenas para aqueles
que admiram o Senhor nas suas obras e que Deus julgou
dignos. Quem tenha ouvidos que ouça esta comunicação di-
vina, recolha os segredos que me foram transmitidos pela
graça de Deus e que jamais os revele àqueles que não são
dignos.
A Natureza deve servir de base e de modelo à ciência, por
isso a Arte trabalha de acordo com a Natureza em tudo o que
pode.
Portanto, é imprescindível que o Artista observe a Natu-
reza e opere de acordo com ela.

2. Da Formação dos Metais em Geral. Pelo Enxofre


e pelo Mercúrio
Observou-se que a natureza dos metais, tal como a co-
nhecemos, é geralmente engendrada pelo Enxofre e pelo
Mercúrio. Só a diferença de cocção e de digestão produz a
variedade da espécie metálica. Eu próprio verifiquei que num
só e único vaso, ou num mesmo filão, a natureza produziu
vários metais e a Prata, disseminados aqui e ali. Demons-
trámos claramente no nosso Tratado dos Minerais que a
geração dos metais é circular, passando, facilmente, de um a
outro, segundo um círculo; os metais vizinhos têm proprieda-
des semelhantes; daí que a Prata se transforme mais facil-
mente em Ouro do que qualquer outro metal.
Com efeito, não é necessário mudar a Prata, mas apenas
a cor e o peso, o que é fácil, pois uma substância, já por si
compacta, aumenta mais facilmente de peso. E, como contém
o Enxofre branco amarelado, também será fácil transformar
a sua cor.
O mesmo sucede com os outros metais. O Enxofre é, por
assim dizer, o seu pai e o Mercúrio a sua mãe. E tanto mais é
verdadeiro se se disser que, na conjugação, o Enxofre repre-
senta o esperma do pai e o Mercúrio o menstruo coagulado

80 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

para formar a substância do embrião. À semelhança do pai o


Enxofre, por si só, não pode engendrar.
Assim como o macho engendra a sua própria substância
unida com o sangue menstrual, assim também o Enxofre
engendra com o Mercúrio; mas por si só nada produz. Com
esta comparação, queremos dar a entender que o Alquimista
deverá, antes de mais, extrair do metal a especificidade que
lhe deu a Natureza, e, depois, operar como fez a natureza
com o Mercúrio e o Enxofre preparados e purificados, se-
guindo sempre o exemplo da Natureza.

3. Do Enxofre
O Enxofre contém três princípios húmidos:
 O primeiro desses princípios é, sobretudo, aéreo
e ígneo; encontra-se na parte externa do Enxo-
fre, por causa da volatilidade dos seus elemen-
tos que facilmente se evaporam e consomem os
corpos que contacta;
 O segundo princípio é fleumático, também cha-
mado aquoso; encontra-se situado imediata-
mente sobre o precedente;
 O terceiro é radical, fixo, aderente às partes in-
ternas.

O primeiro princípio não resiste ao Fogo; sendo combus-


tível, consome-se no fogo e calcina a substância do metal
onde se aquece; portanto, não só é inútil, como também noci-
vo para o fim a que nos propomos; o segundo princípio não
faz mais do que molhar os corpos; não engendra e, portanto,
também não pode servir-nos; o terceiro é radical, penetra
todas as partículas da matéria a quem deve as suas proprie-
dades essenciais. Há que desembaraçar o Enxofre dos dois
princípios para que a subtilidade do terceiro possa servir
para fazer um composto perfeito.
O Fogo não é mais do que o vapor do Enxofre; este bem
purificado e sublimado branqueia e fica mais compacto. Por
isso, os alquimistas mais hábeis têm o costume de retirar do
Enxofre os seus dois princípios supérfluos por meio de lava-

Apeiron edições | 81
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

gens ácidas, tais como o vinagre de limão, o leite acre, o leite


de cabra e a urina de infante. Purificam-no por lixiviação,
digestão e sublimação. Por fim, é preciso rectificá-lo por reso-
lução, de modo a não ter mais do que uma substância pura
possuindo a força activa, que pode ser melhorada e próxima
do metal. Eis-nos, então, na posse de uma parte da nossa
Obra.

4. Da Natureza do Mercúrio
O Mercúrio encerra duas substâncias supérfluas: a Terra
e a Água. A substância terrosa tem a ver com o Enxofre e o
Fogo a enrubesce. A substância aquosa tem uma humidade
supérflua.
O Mercúrio facilmente se desembaraça das suas impure-
zas aquosas e terrosas por sublimações e lavagens muito
ácidas. A natureza separa-o no estado seco do Enxofre e reti-
ra-lhe a terra pelo calor do Sol e das estrelas; ela obtém, as-
sim, um Mercúrio puro, completamente livre da sua substân-
cia terrosa, não contendo, pois, mais partes estranhas. En-
tão, une-o a um Enxofre puro e produz, enfim, no seio da
terra, os metais puros e perfeitos. Se os dois princípios são
impuros, os metais são imperfeitos. Por isso, nas minas en-
contram-se metais diferentes, provenientes da purificação e
da digestão variável dos seus Princípios. Isto depende da
cocção.

5. Do Arsénio
O Arsénio é da mesma natureza que o Enxofre; ambos
têm alguma coisa de vermelho e branco, mas no Arsénio há
mais humidade e sublima-se com menor rapidez no Fogo do
que o Enxofre.
Sabe-se quão rápido o Enxofre sublima e como consome
todos os corpos, excepto o Ouro. O Arsénio pode unir o seu
princípio seco ao do Enxofre; temperam-se um ao outro e,
uma vez unidos, dificilmente se separam; a sua tintura é
suavizada por esta união. Gleber diz o seguinte:
“O Arsénio contém muito mercúrio e, portan-
to, pode ser preparado como ele.”

82 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

Sabei que o espírito oculto do Enxofre, do Arsénio e do ó-


leo animal, é chamado de Elixir branco pelos filósofos. É úni-
co, pode ser misturado com a substância ígnea, da qual ex-
traímos o Elixir Vermelho; une-se aos metais fundidos, como
experimentámos, purifica-os, não só por causa das proprie-
dades já citadas, mas também porque existe uma proporção
comum entre os seus elementos.
Os metais diferem entre si quanto à pureza ou impureza
da matéria-prima, quer dizer, do Enxofre e do Mercúrio e,
também, quanto ao grau do fogo que os engendrou.
Segundo o filósofo, o elixir também se chama medicina,
porque aproxima o corpo dos metais ao corpo dos animais.
Também dizemos que existe um espírito oculto no Enxofre: o
arsénio e o óleo extraído das substâncias animais. O que
procuramos é este espírito, com a ajuda do qual transmuta-
mos todos os corpos imperfeitos em perfeitos. Este espírito é
chamado pelos filósofos, Água e Mercúrio. A este respeito diz
Gleber:
“O Mercúrio é uma medicina composta de se-
co e húmido, de húmido e seco.”

Compreende a sucessão destas operações: extrais a Terra


do Fogo, o Ar da Terra, a Água do Ar, porque a Água pode
resistir ao Fogo. É preciso observar estes ensinamentos, pois
são arcanos universais.
Nenhum dos princípios, por si só, que entram na Obra
têm potência, porque estão encadeados nos metais, não se
aperfeiçoam e não são fixos. Falta-lhe duas substâncias: uma
passível de se misturar com os metais em fusão, e a outra
fixa, que se possa coagular e fixar. Por isso, Rhasés disse:
“Há quatro substâncias que mudam com o
tempo; cada uma delas é composta de quatro e-
lementos e toma o nome do elemento dominante.
A sua maravilhosa essência fixou-se num corpo e,
com este último, pode alimentar os outros corpos.
Esta essência é composta de Água e Ar combina-
dos a tal ponto que o calor os liquefaz. Eis um
segredo maravilhoso. Na Alquimia os minerais

Apeiron edições | 83
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

que nos podem ser úteis e utilizados devem ter


uma acção sobre os corpos fundidos. As pedras
que utilizamos são quatro: duas tingem de bran-
co e, as restantes duas, de vermelho; se bem que o
branco, o vermelho, o Enxofre, o Arsénio e Satur-
no não tenham, senão, um mesmo corpo.
“Mas neste corpo único, quantas coisas ocul-
tas! E, no entanto, não tem acção nos metais per-
feitos.”

Nos corpos imperfeitos há uma água ácida, amarga e a-


cre, necessária à nossa Arte, pois ela dissolve e mortifica os
corpos e, depois, revivifica-os e reconstitui-os. Rhasés diz na
sua terceira carta:
“Aqueles que procuram a nossa Enteléquia,
perguntam de onde provém o amargo aquoso e-
lementar. Nós respondemos: da impureza dos
metais. Porque a água no Ouro e na Prata é doce,
não dissolve; pelo contrário, coagula e fortifica,
porque não contém acidez nem impurezas como
os outros corpos perfeitos.”

Por isso, Geber diz:


“Calcina-se e dissolve-se o Ouro e a Prata em
vão, porque o nosso Vinagre extrai-se de quatro
corpos imperfeitos; é este espírito mortificante e
dissolvente que mistura as tinturas de todos os
corpos que utilizamos na nossa obra. Não preci-
samos senão desta Água; pouco importa os outros
espíritos.”

Geber tem razão; nada podemos fazer com uma tintura


que o Fogo altera; pelo contrário, é necessário que o Fogo lhe
dê a excelência e a força para que ela possa unir-se aos me-
tais fundidos. É preciso que fortifique, que fixe, e que apesar
da fusão permaneça intimamente unida ao metal.

84 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

Mais direi que, dos quatro corpos imperfeitos se pode ex-


trair tudo. Quanto à forma, acima indicada, de preparar o
Enxofre, o Arsénio e o Mercúrio, podemos dizê-lo aqui.
Com efeito, quando nesta preparação aquecemos o espíri-
to do Enxofre e do Arsénio com as águas ácidas para extrair
a essência ígnea, o óleo e a untuosidade, extrai-se o supérfluo
que existe neles; resta-nos a força ígnea e o óleo, que nos são
de facto úteis, mas estão misturados com a água ácida que
nos serviu para purificar. É necessário, portanto, encontrar
outra forma de extrair desses corpos a água, o óleo e o espíri-
to mais subtil do Enxofre que é a verdadeira tintura, a mais
activa que procuramos obter. Trabalharemos, então, esses
corpos, separando por destilação os seus componentes natu-
rais e, assim, chegaremos às partes mais simples. Alguns,
ignorando a composição do Magistério, trabalham apenas
com o Mercúrio, pensando que ele tem um Corpo, uma Alma
e um Espírito e que é a matéria-prima do Ouro e da Prata. É
importante saber que alguns filósofos afirmam que a Obra
faz-se a partir de três coisas: do espírito, do corpo e da alma,
extraídas de uma só. Porém, nada se pode encontrar se nal-
guma coisa não existir nada. Ora, o Mercúrio não tem tintu-
ra vermelha, portanto, não pode ser suficiente para formar o
corpo do Sol; só com ele, seria impossível levar a Obra a bom
termo. A Lua, por si, não basta e, no entanto, este corpo é,
por assim dizer, a base da Obra.
De qualquer modo, seja trabalhado, seja transformado, o
Mercúrio jamais poderá constituir o corpo. Também dizem:
“Encontra-se no Mercúrio um enxofre verme-
lho que encerra tintura vermelha.”

Errado! O Enxofre é o pai dos metais, e sendo o Mercúrio


fêmea não se encontra aí.
Uma matéria passiva não pode por si fecundar. O Mercú-
rio contém, em si, um Enxofre mas, como já dissemos, é de
tipo terrestre. Advertimos, finalmente, que o Enxofre não
pode suportar a fusão; então, o Elixir não pode extrair-se de
uma única coisa.

Apeiron edições | 85
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

6. Da Putrefacção
O Fogo engendra a morte e a vida. Um Fogo ligeiro e fra-
co disseca o corpo. Eis, então a razão: o Fogo em contacto com
o corpo põe em movimento o elemento que nele existe e lhe é
similar. Este elemento é o calor natural. Este excita o Fogo
extraído em primeiro lugar do corpo; há uma ligação e a hu-
midade radical do corpo sobe à superfície, enquanto o Fogo
opera no exterior. O corpo morre quando desaparece a humi-
dade radical que unia as diversas proporções – dissolve-se;
então, todas as suas partes se separam umas das outras. O
Fogo age como um instrumento cortante; ainda que por si
disseque e contraia, não pode fazê-lo a não ser que haja nele
uma certa predisposição, sobretudo se o corpo for compacto
como é o caso do elemento. Este último carece de um misto
aglutinante que se separaria do corpo após a corrupção.
Tudo isto pode ser feito pelo Sol, pois é de natureza quen-
te e húmida em relação aos outros corpos.

7. Do Regime da Pedra
Há quatro regimes:
1º Decompor;
2º Lavar;
3º Reduzir;
4º Fixar.

No primeiro regime separam-se as naturezas, porque sem


divisão e sem purificação não pode haver ligação; no segundo
regime, os elementos separados são lavados, purificados e
reconduzidos ao estado simples; no terceiro, transforma-se o
nosso Enxofre em minério do Sol, da Lua e dos outros metais;
no quarto, todos os corpos anteriormente extraídos da nossa
Pedra são unidos, recompostos e fixados, para permanecerem
doravante juntos.
Há quem conte cinco graus no Magistério:
1º Resolver as substâncias na sua matéria-prima;
2º Levar a nossa terra, quer dizer, a magnésia
negra, a ser próxima da natureza do Enxofre e do
Mercúrio;

86 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

3º Fazer com que o Enxofre se aproxime, tanto


quanto possível, da matéria mineral do Sol e da Lua;
4º Compor um Elixir branco de diversas coisas;
5º Queimar perfeitamente o elixir branco, dar-lhe a
cor do cinábrio e, a partir daí, fazer o Elixir vermelho.

Enfim, há os que contam quatro graus na Obra, outros


três e, outros, apenas dois. Estes últimos contam assim:
1º Início da Obra e purificação dos elementos;
2º Conjunção.

Toma atenção ao seguinte: a matéria da Pedra dos filóso-


fos é de baixo preço; encontra-se por todo o lado; é uma água
viscosa como o Mercúrio que se extrai da terra. A nossa água
viscosa encontra-se por toda a parte, até nas latrinas, disse-
ram certos filósofos e, alguns imbecis, tomando as palavras à
letra, procuraram-na nos excrementos.
A natureza opera nesta matéria retirando-lhe algo, o seu
princípio terroso, juntando-lhe alguma coisa, o Enxofre dos
filósofos, que não é o enxofre vulgar, mas um Enxofre invisí-
vel, a tintura do vermelho. Para dizer a verdade, é o espírito
do vitríolo romano. Prepara-o do seguinte modo:
Toma o salitre e o vitríolo romano, duas libras de cada
um; mói-os finalmente num pilão. Aristóteles tem razão
quando diz no Quarto Livro dos Meteoros:
“Todos os alquimistas sabem que não se pode,
de forma alguma, modificar a forma dos metais
se anteriormente não se reduzir a matéria-prima.”

O que não é nada fácil, como se verá a seguir.


O Filósofo diz que não se pode ir de uma ponta a outra
sem passar pelo meio. Numa extremidade da nossa pedra
filosofal encontram-se duas luminárias, o Ouro e a Prata e,
na outra extremidade, o elixir perfeito ou tintura. No meio, a
Aguardente filosófica, purificada naturalmente, cozida e di-
gerida. Todas estas coisas estão próximas da perfeição e são
preferíveis aos corpos de natureza mais afastada. Do mesmo
modo que, por meio do calor, o gelo se transforma em água,

Apeiron edições | 87
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

por já ter sido antes, também os metais se resolvem na sua


matéria-prima, que é a nossa Aguardente. A preparação está
descrita nos próximos capítulos.
Somente ela pode reduzir todos os corpos metálicos à sua
matéria-prima.

8. Da Sublimação do Mercúrio
Em nome do Senhor, toma uma libra de Mercúrio prove-
niente da mina. Por outro lado, toma vitríolo romano e sal
comum calcinado, mói-os e mistura-os bem. Coloca as duas
matérias num prato grande de barro esmaltado, em fogo
suave, até que a matéria comece a fundir-se e a liquefazer-se.
Então toma o teu Mercúrio mineral, mete-o num vaso de
colo alto e verte-o, gota a gota, sobre o vitríolo. Mexe com
uma espátula de madeira, até que não haja quaisquer vestí-
gios do Mercúrio. Depois disseca a matéria em Fogo suave
durante a noite. No dia seguinte, pela manhã, toma a maté-
ria bem seca e mói, então, sobre uma pedra mármore. Coloca
a matéria pulverizada num vaso sublimatório, chamado alu-
del, para sublimá-la segundo a arte. Colocarás o capitel e
vedarás as juntas com luto filosófico, a fim de que o Mercúrio
não possa sair. Põe o aludel num forno e dispõe-no de modo a
ficar direito; em seguida, faz um Fogo suave durante quatro
horas para extrair a humidade do mercúrio e do vitríolo;
depois de a humidade ser evaporada, aumenta o Fogo para
que a matéria branca e pura do Mercúrio se separe das suas
impurezas, isto durante quatro horas; para verificar se é
suficiente, basta introduzir uma varinha de madeira no vaso
sublimatório, pela abertura superior, fazendo-a descer até ao
composto e sentir se a matéria branca do Mercúrio está so-
breposta à mistura. Se tal acontecer, retira a varinha, fecha
a abertura do capitel com luto, para que o Mercúrio não saia
e aumenta o Fogo de tal forma que a matéria branca do mer-
cúrio se eleve sobre as fezes até ao aludel, isto, durante qua-
tro horas. Aquece, por fim, com lenha, de modo a fazer cha-
ma para que o fundo do vaso e o resíduo fiquem vermelhos;
continua, assim, até que reste pouca substância branca ade-
rida às fezes. A força e a violência do Fogo acabarão por se-

88 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

pará-la. Apaga, então, o Fogo, deixa arrefecer o forno e a


matéria durante a noite. No dia seguinte de manhã, retira o
vaso do forno, tira o luto com precaução para não sujar o
Mercúrio e abre o aparelho; se encontrares uma matéria
branca, sublimada, pura, compacta e pesada, tiveste êxito.
Mas, se o sublimado for esponjoso, leve e poroso, retira-o e
recomeça de novo a sublimação sobre o resíduo, juntando-lhe
de novo sal comum pulverizado; opera da mesma maneira no
mesmo vaso e no forno, com o mesmo grau de Fogo de antes.
Abre, então, o vaso, vê se o sublimado é branco, compacto e
denso, recolhe-o e coloca-o de lado cuidadosamente, para te
servires dele quando tiveres necessidade para terminar a
Obra. Mas, se não se apresentar ainda como deve ser, será
necessário sublimá-lo uma terceira vez, até que o obtenhas
puro, compacto, branco e pesado.
Observa que, com esta operação, despojas o Mercúrio de
duas impurezas. Antes de mais, retiraste a humidade supér-
flua e, depois, desembaraçaste-o das suas partes terrosas
impuras que restam nas fezes; sublimaste-o, assim, numa
substância clara e semi-fixa. Coloca-o de lado, como te reco-
mendei.

9. Da Preparação das Águas de onde se Extrai a


Água Ardente
Toma duas libras de vitríolo romano, duas libras de sali-
tre e uma libra de alúmen calcinado. Mói-os bem, mistura
muito bem e coloca-os num alambique de vidro; destila se-
gundo as regras, vedando bem as juntas, para que os espíri-
tos não saiam. Começa com um Fogo suave, aquecendo, de-
pois, mais forte; aquece, em seguida, muito mais forte, até
que o aparelho fique branco e os espíritos destilem.
Apaga o fogo e deixa arrefecer o forno; coloca esta água
cuidadosamente de lado, porque dissolve a Lua e separa-a do
Ouro, calcina o Mercúrio e as flores de Marte; comunica à
pele uma coloração castanha que dificilmente sai. É a água
prima dos filósofos, é perfeita de primeiro grau.
Prepararás três libras desta água.

Apeiron edições | 89
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

10. Água Segunda Preparada Pelo Sal Amoníaco


Em nome do Senhor, toma uma libra de Água Prima e
dissolve quatro lotes de sal amoníaco puro e incolor; feita a
dissolução, a água muda de cor, adquirindo outras proprie-
dades. A Água Prima era esverdeada, dissolvia a Lua e não
tinha acção sobre o Sol; mas, se lhe juntarmos o sal amonía-
co, fica de cor amarela, dissolve o Ouro, o Mercúrio, o Enxo-
fre sublimado e dá à pele uma coloração amarela. Conserva-a
preciosamente, porque ser-nos-á útil a seguir.

11. Água Terceira Preparada por Meio do Mercúrio


Sublimado
Toma uma libra de Água Segunda e onze lots de Mercúrio
sublimado (pelo vitríolo e pelo sal) bem preparado e puro.
Deitarás, pouco a pouco, o Mercúrio na Água Segunda. De
seguida, sela o orifício do matrás, para que o espírito do Mer-
cúrio não escape. Coloca o matrás sobre cinzas temperadas; a
Água começará, então, a actuar sobre o Mercúrio, dissolven-
do-o e incorporando-o. Deixa o matrás sobre cinzas quentes;
não deve haver excesso de água, pois é necessário que o mer-
cúrio sublimado se dissolva totalmente. A água actua por
imbibição sobre o Mercúrio, até o dissolver.
Se a Água não puder dissolver o Mercúrio todo, toma o
que resta do fundo do matrás, resseca-o em Fogo lento, pul-
veriza-o e dissolve-o numa nova quantidade de Água Segun-
da. Reúne numa só todas as dissoluções, num frasco de vidro
bem limpo, que fecharás perfeitamente com cera. Coloca-o
cuidadosamente de lado. Porque esta é a nossa Água Tercei-
ra, filosófica, espessa, perfeita de terceiro grau. É a mãe da
Aguardente que reduz todos os corpos à sua matéria-prima.

12. Água Quarta que reduz os Corpos Calcinados à


sua Matéria-prima
Toma a Água Terceira Mercurial, perfeita em terceiro
grau, límpida e coloca-a a putrefazer em ventre de cavalo,
num matrás de colo longo, bem fechado, durante catorze dias.
Deixa fermentar; as impurezas caem no fundo e a água
passa de amarela a ruiva.

90 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

Então, retira o matrás e coloca-o nas cinzas em Fogo


muito suave; adapta um capitel de alambique com o seu reci-
piente. Começa a destilação lentamente.
O que escorre, gota a gota, é a nossa aguardente, muito
límpida, pura, pesada, leite virginal, vinagre muito acre.
Continua em fogo brando, até que toda a aguardente tenha
destilado suavemente; agora apaga o fogo, deixa arrefecer o
forno e conserva com cuidado a tua água destilada. Esta é a
nossa Aguardente, Vinagre dos filósofos, Leite virginal que
reduz os corpos à sua matéria-prima. Deram-lhe imensos
nomes.
Eis as propriedades desta Água: uma gota deitada sobre
uma lâmina de Cobre quente, penetra-a imediatamente e
deixa uma mancha branca. Colocada sobre Carvão, emite
fumo; ao Ar, congela e parece gelo. Quando se destila esta
Água, as gotas não têm o mesmo percurso; cada qual vai
para o seu lado. Não actua sobre os metais como a água-forte
corrosiva, que os dissolve, mas reduz a Mercúrio todos os
corpos que banha, como verás mais à frente.
Depois da putrefacção, da destilação e da clarificação é
pura e mais perfeita, despojada de todo o princípio sulfuroso,
ígneo e corrosivo. Não é uma Água que corrói, nem dissolve,
mas reduz os corpos a Mercúrio. Esta propriedade deve-se ao
Mercúrio primitivamente dissolvido e putrefacto do terceiro
grau da perfeição. Já não contém fezes nem impurezas. A
última destilação separou-as; as impurezas negras ficaram
no fundo do alambique. A cor desta Água é azul, límpida e
ruiva; coloca-a de lado porque a sua matéria-prima radical
ou mercurial reduz todos os corpos calcinados e putrefactos.
Quando com esta água quiseres reduzir os corpos calci-
nados, prepara-os assim: toma um marco do corpo que quei-
ras, Sol ou Lua; lima-o docemente. Pulveriza bem esta lima-
lha, sobre uma pedra mármore, com sal comum preparado.
Separa o sal, dissolvendo-o em água quente; a cal pulveriza-
da cairá no fundo do líquido; decanta. Seca a cal, embebe-a
três vezes com óleo de tártaro, deixando, de cada vez, a cal
absorver todo o óleo; coloca, em seguida, a cal num pequeno
matrás; deita em cima o óleo de tártaro, de forma que o lí-

Apeiron edições | 91
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

quido tenha uma espessura de dois dedos; cerra, então, o


matrás e coloca-o a putrefazer em ventre de cavalo, durante
oito dias; depois, toma o matrás, decanta o óleo e resseca a
cal. Feito isso, pesa a cal igual à nossa Aguardente; fecha o
matrás e deixa digerir em Fogo suave, até que toda a cal seja
convertida em Mercúrio.
Decanta, então a Água com cuidado, recolhe o Mercúrio
corporal, coloca-o num vaso de vidro; purifica-o com água e
sal comum; resseca conforme as regras, coloca-o sobre um
pano fino e espreme-o em gotas. Se passar tudo, está bem. Se
restar alguma porção do corpo misturado, por a dissolução
não ter sido total, põe esse resíduo numa nova quantidade de
água-benta. Fica a saber que a destilação da água deve ser
feita em banho-maria; para o Ar e o Fogo, destilar-se-á em
cinzas quentes. A água deve ser extraída da substância hú-
mida, não de outra parte; o Ar e o Fogo devem ser extraídos
da substância e não de outra.

13. Propriedade deste Mercúrio


É menos móvel e escorre mais lentamente do que o outro
Mercúrio; o seu corpo fixo deixa vestígios no Fogo; uma gota
derramada numa lâmina aquecida ao rubro deixa resíduo.

14. Multiplicação do Mercúrio Filosófico


Logo que tenhas o Mercúrio filosófico, toma duas partes
dele e uma parte da limalha já mencionada; faz uma amál-
gama, moendo tudo de uma só vez até à união perfeita.
Coloca esta amálgama num matrás, mistura-o bem e co-
loca-o nas cinzas dum Fogo moderado. Tudo se converterá
em Mercúrio. Assim, poderás aumentá-lo até ao infinito,
porque a quantidade do volátil ultrapassa sempre a quanti-
dade do fixo, aumenta-o indefinidamente, comunicando-lhe a
sua própria natureza.
Agora, sabes preparar a Aguardente, conheces os graus e
as propriedades, a putrefacção dos corpos metálicos, a sua
redução à matéria-prima, a multiplicação da matéria até ao
infinito. Expliquei-te claramente o que todos os filósofos ocul-
taram cuidadosamente.

92 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

15. A Prática do Mercúrio dos Sábios


Não é o Mercúrio vulgar, é a matéria-prima dos filósofos.
É um elemento aquoso, frio, húmido, é uma água permanen-
te, o espírito do corpo, o vapor gorduroso, a Água-benta, a
Água-forte, a Água dos sábios, o Vinagre dos filósofos, a Água
mineral, o Orvalho da graça celeste; tem muitos mais nomes
e, se bem que sejam diferentes, todos designam uma só e a
mesma coisa, que é o Mercúrio dos filósofos; é a força da Al-
quimia; somente ele pode servir para fazer a tintura branca e
a vermelha, etc.
Toma, pois, em nome de Jesus Cristo, o nosso M… vene-
rável, Água dos filósofos, Hylé primitivo dos sábios; é a pedra
que te foi revelada neste tratado, é a matéria do corpo perfei-
to, como adivinhaste. Põe a tua matéria num forno, num
vaso apropriado, claro, transparente, redondo, que fecharás
hermeticamente, de modo a que nada possa sair.
Coloca a tua matéria num leito plano, ligeiramente quen-
te; deixa-a aí, durante um mês filosófico; mantém sempre o
mesmo calor, assim como o suor da matéria sublime, até que
não sue mais, que nada suba, que nada desça, que comece a
apodrecer, a sufocar, a coagular-se e a fixar-se, como conse-
quência da constância do Fogo.
Caso não se eleve mais substância aérea fumante, o nos-
so Mercúrio ficará no fundo, seco, despojado da sua humida-
de, putrefacto, coagulado, convertido numa terra negra que
se chama Cabeça Negra do Corvo, elemento terroso.
Quando conseguires tal, terás realizado a verdadeira su-
blimação dos filósofos, percorreste todos os graus supracita-
dos: sublimação do Mercúrio, destilação, coagulação, putre-
facção, calcinação e fixação num só vaso e num só forno, co-
mo te disse.
De facto, quando a nossa pedra está no vaso e se eleva,
diz-se então que há sublimação ou ascensão mas, quando
depois, cai de novo no fundo, diz-se que há destilação ou pre-
cipitação. Mais adiante, depois da sublimação e destilação, a
nossa Pedra começa a putrefazer-se e a coagular: é a putre-
facção e a coagulação; finalmente, calcina e fixa-se por priva-
ção da humidade radical aquosa: é a calcinação e a fixação;

Apeiron edições | 93
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

tudo isto acontece pelo aquecimento num só forno e num só


vaso, como se disse.
Esta sublimação é, de facto, uma separação verdadeira
dos elementos, segundo os filósofos:
“O trabalho da nossa pedra não é mais do
que a separação e a união dos elementos; porque,
na sublimação, o elemento aquoso, frio e húmido,
converte-se em elemento quente. Subentende-se
que a separação dos elementos da nossa pedra
não é vulgar, mas filosófica; a nossa única su-
blimação, mais perfeita, basta, de facto, para se-
parar os elementos; na nossa pedra não há mais
do que a forma de dois elementos, a água e a ter-
ra que contêm virtualmente os outros dois ele-
mentos. A Terra encerra virtualmente o Fogo, por
causa da secura; a Água, contém virtualmente o
Ar, por causa da humidade. Portanto, é bem evi-
dente que se a nossa Pedra não tem mais do que
a forma de dois elementos, ela encerra virtual-
mente os quatro.”

Um filósofo também disse:


“Não há separação dos quatro elementos da
nossa Pedra, como pensam os imbecis. A nossa
natureza encerra um arcano oculto, donde se vê a
força e a potência, a Terra e a Água. Encerra ou-
tros dois elementos, o Ar e o Fogo, mas não são
visíveis, nem tangíveis, não se podem represen-
tar, nada os descobre, ignora-se o seu poder que
não se manifesta senão nos outros dois elementos,
Terra e Água, quando o Fogo muda as cores du-
rante a cocção.”

Eis que, pela graça de Deus, tens o segundo componente


da pedra filosofal, a Terra Negra, Cabeça do Corvo, mãe,
coração e origem das outras cores. Desta terra, como de um
trono, nasce tudo o resto. Este elemento terroso e seco rece-
beu, nos livros dos filósofos, inúmeros nomes; chama-se ain-

94 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

da Latão imundo, Resíduo negro, Bronze dos filósofos,


Nummus, Enxofre negro, Macho, Esposo, etc. Apesar desta
infinita variedade de nomes, é sempre a mesma e única coi-
sa, extraída de uma só matéria.
Como consequência dessa privação de humidade, causada
pela sublimação filosófica, o volátil converteu-se em fixo, o
brando em duro, o aquoso em terroso, segundo Geber. É a
metamorfose da natureza, a transformação da Água em Fo-
go, segundo a Turba. É, também, a mudança das constitui-
ções frias e húmidas em constituições biliosas, secas, segun-
do os médicos. Aristóteles disse que o espírito tomou um cor-
po e, Alfídius, que o líquido se fez viscoso. O oculto tornou-se
real, disse Rudianus no Livro das três Palavras. Agora, com-
preende-se o que os filósofos dizem:
“A nossa Grande Obra não é mais do que
uma permutação das naturezas, uma evolução
dos elementos.
“É bem evidente: por esta privação de humi-
dade, secamos a Pedra, o volátil faz-se fixo, o es-
pírito corporal, o líquido sólido, o Fogo transfor-
ma-se em Água e o Ar em Terra. Assim, alte-
rámos as verdadeiras naturezas segundo uma
certa ordem, fizemos girar os quatros elementos
em círculo e permutámos as naturezas.”

Que Deus seja eternamente bendito. Ámen.

Passemos, agora, com a permissão de Deus, à Segunda


Operação que é o branqueamento da nossa Terra pura.
Toma duas partes de Terra fixa ou Cabeça de Corvo; tritura-
-a subtilmente e com precaução num almofariz muito limpo,
junta-lhe uma parte da Água filosófica que conheces (é a
água que guardaste). Trata de juntá-las, embebendo, pouco a
pouco, de água a Terra seca, até que ela tenha saciado a sua
sede; tritura e mistura tão bem que a união do corpo, da al-
ma e da Água seja perfeita e íntima; feito isto, colocarás tudo
num matrás hermeticamente selado, a fim de que nada saia
e coloca-a num pequeno leito liso, morno e sempre quente

Apeiron edições | 95
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

para que, ao suar, elimine das suas entranhas o líquido que


bebeu. Deixa-a aí oito dias, até que a terra branqueie um
pouco. Depois, toma a Pedra, pulveriza-a, embebe-a de novo
no Leite virginal, moendo, até que a sua sede seja saciada;
volta a colocá-la no matrás em leito morno. Recomeça quatro
vezes esta operação, seguindo a mesma ordem: imbibição da
Terra pela Água até à união perfeita, ressecação e calcina-
ção. Assim, terás cozido suficientemente a Terra da nossa
muito preciosa pedra. Seguindo esta ordem: cocção, pulveri-
zação, imbibição pela água, ressecação e calcinação, purifi-
caste quanto baste a Cabeça do Corvo da Terra negra e féti-
da, conduzindo-a à brancura pela acção do Fogo, do calor e da
Água branqueadora. Escolhe a terra branca e guarda-a, por-
que é um bem precioso; é a Terra foliácea branca, Enxofre
branco, Magnésia branca, etc. Morien fala dela quando diz:
“Putrefaz esta Terra com a sua água, para
que ela se purifique e, com a ajuda de Deus, ter-
minarás o Magistério.”

Hermes também diz que o Azoth lava o latão e despoja-o


de todas as impurezas.
Nesta última operação reproduzimos a verdadeira con-
junção dos elementos, porque a Água uniu-se à Terra e o Ar
ao Fogo. É a união do Homem e da Mulher, do macho e da
fêmea, do Ouro e da Prata, do Enxofre seco e da Água celeste
impura.
Também houve ressurreição dos corpos mortos. Por isso
um filósofo disse:
“Abandonem a arte, aqueles que não sabem
matar e ressuscitar.”

E, num outro texto:


“Aqueles que sabem matar e ressuscitar tira-
rão proveito da nossa ciência. Aquele que saiba
fazer as duas coisas será Príncipe da Arte.”

Um outro filósofo ainda disse:

96 | Apeiron Edições
A Ars Magna da Alquimia

“A nossa Terra seca não dará nenhum fruto


se não for embebida da Água da chuva. A nossa
Terra seca tem grande sede; logo que começa a
beber, bebeu até às fezes.”

Por sua vez, um outro afirma:


“A nossa Terra bebe a Água fecundante que
esperava, sacia a sede, depois produz centenas de
frutos.”

Encontram-se muitas outras passagens semelhantes nos


livros dos filósofos, mas estão sob forma de parábolas, para
que os indignos as não possam entender. Pela graça de Deus,
possuis, agora, a nossa Terra branca foliácea, preparada
para sofrer a fermentação que lhe dará alento.
Os filósofos também disseram:
“Branqueai a Terra negra antes de lhe juntar
o fermento.”

Um outro afirma:
“Semeai o vosso Ouro na Terra foliácea bran-
ca… e ela vos dará fruto centuplicado.”

Glória a Deus. Ámen.

Passemos à Terceira Operação que é a fermentação da


Terra branca. É preciso animar o corpo morto e ressuscitá-lo,
para multiplicar a sua força até ao infinito e transformá-la
em Elixir branco que transmuta o Mercúrio em Lua perfeita
e verdadeira. Lembra-te que o fermento não pode penetrar o
corpo morto, senão por intermédio da Água que faz o casa-
mento e serve de laço entre a Terra branca e o fermento. Por
isso, em toda a fermentação é preciso observar o peso de cada
coisa. Portanto, se queres fermentar a Terra foliácea branca
e transformá-la em elixir branco que contenha um excesso de
tintura, necessitas tomar três partes de Terra branca ou
Corpo morto foliáceo, duas partes de Aguardente, que puses-
te de reserva e uma parte e meia de fermento. Se vais fazer o

Apeiron edições | 97
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

elixir branco prepara o fermento de modo a que seja reduzido


a uma cal branca, ténue e fixa; se vais fazer o elixir verme-
lho, serve-te da cal do Ouro bem amarelo, preparado segundo
a Arte. Não há outros fermentos além destes. O fermento da
prata, é a Prata, o do Ouro, é o Ouro, não os procures noutro
lugar. A razão é porque esses corpos são luminosos e possu-
em raios deslumbrantes que comunicam a outros corpos a
verdadeira cor vermelha e brancura. São de uma natureza
semelhante à do Enxofre mais puro da matéria, da espécie
das pedras.
Assim, deves extrair cada espécie da sua espécie e cada
género do seu género. A Obra ao branco, tem por finalidade
branquear, a Obra ao vermelho, avermelhar. Sobretudo, não
mistures as duas Obras, senão nada farás de proveitoso.
Todos os filósofos dizem que a nossa Pedra é composta
por três coisas: o corpo, a alma e o espírito. Ora bem: a Terra
branca foliácea é o corpo; o fermento é a alma que lhe dá
vida; e a Água intermédia, o espírito. Reúne estas três coisas
numa só pelo casamento, moendo-as bem numa pedra limpa,
de maneira a uni-las nas suas partículas mais ínfimas, cons-
tituindo um caos confuso. Faz um só corpo, coloca num ma-
trás especial e põe em leito quente, para que a mistura coa-
gule, se fixe e se torne branca. Toma essa Pedra branca ben-
dita, mói-a subtilmente sobre uma Pedra bem limpa e embe-
be-a com um terço do seu peso de Água, para aquietar a sua
sede. Seguidamente, coloca-a num matrás claro, em leito
temperado e quente, para que comece a suar, a restituir a
sua água e, finalmente, deixa ressecar as suas entranhas.
Repete diversas vezes esta operação até que tenhas pre-
parado a nossa excelente Pedra branca, fixa, que rapidamen-
te penetra as partes mais recônditas dos corpos, fluindo como
Água fixa quando se coloca no Fogo, transmutando os corpos
imperfeitos em verdadeira Prata, em tudo comparada à Pra-
ta natural.
Verifica que ao repetires várias vezes, pela mesma or-
dem, estas operações: dissolver, coagular, moer e cozer, a tua
medicina será muito melhor, a sua excelência aumentará
cada vez mais. Quanto mais trabalhares a Pedra para au-

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A Ars Magna da Alquimia

mentar a sua virtude, tanto mais rendimento conseguirás


quando fizeres a projecção sobre os corpos imperfeitos. De
modo que, se depois de uma operação, uma parte do Elixir
converte cem partes de não importa que corpo da Lua, depois
de duas operações, transmuta mil, depois de três, dez mil, de
quatro, cem mil, de cinco, um milhão e depois de seis, milha-
res de milhão e, assim, sucessivamente, até ao infinito. Por
isso, todos os adeptos elogiam a grande máxima dos filósofos
sobre a perseverança para repetir esta operação. Se fosse
suficiente uma imbibição, não se falava tanto sobre isto. Gra-
ças sejam dadas a Deus. Ámen.
Se desejas converter esta Pedra gloriosa, esse Rei branco
que transmuta e tinge o Mercúrio e todos os corpos imperfei-
tos em verdadeira Lua; se desejas, digo, convertê-la em Pe-
dra vermelha que transmuta e tinge o Mercúrio, a Lua e os
outros metais em verdadeiro Sol, opera assim.
Toma a Pedra branca e divide-a em duas partes; uma, e-
levarás ao estado de elixir branco com a sua Água branca,
como foi dito antes, de modo a possuí-la indefinidamente; a
outra põe no novo leito dos filósofos, limpo, transparente e
esférico, colocando tudo no forno de digestão. Aumenta o
Fogo até que, pela sua força, a matéria seja convertida em
Pedra muito vermelha que os filósofos chamam Sangue, Ou-
ro púrpura, Coral vermelho e Enxofre vermelho.
Quando vires esta cor e o vermelho for tão brilhante como
o açafrão seco calcinado, então, toma alegremente o Rei e
coloca-o preciosamente de lado. Se desejas convertê-lo em
tintura do muito poderoso Elixir vermelho, transmutando e
tingindo o Mercúrio, a Lua e todo o outro metal imperfeito
em Sol verdadeiro, coloca a fermentar três partes com uma
parte e meia de Ouro puro em cal ténue e bem amarela e
duas partes de Água solidificada. Faz uma mistura perfeita,
conforme as regras da Arte, até que não distingas mais os
seus constituintes. Coloca no matrás um Fogo que amadure-
ça, para lhe dar perfeição. Logo que apareça a verdadeira
Pedra sanguínea vermelha, adicionarás, gradualmente, Água
sólida.

Apeiron edições | 99
Eduardo Amarante, Nicolas Flamel, Paracelso, Alberto Magno

Aumentarás, pouco a pouco, o Fogo de digestão. Aumen-


tarás a sua perfeição, recomeçando a operação. De cada vez é
necessário adicionar Água sólida (que guardaste) que convém
à sua natureza; ela multiplica a sua potência até ao infinito,
sem alterar a sua essência. Uma parte do Elixir perfeito do
primeiro grau, projectado sobre cem partes de Mercúrio (la-
vado com vinagre e sal, como deves saber) colocado num ca-
dinho em Fogo fraco até que apareçam vapores, transmuta-o
de imediato em verdadeiro Sol, melhor do que o natural. O
mesmo acontece, substituindo o Mercúrio pela Lua.
Agora, possuis um precioso arcano, um tesouro infinito.
Por isso, os filósofos dizem:
“A nossa Pedra tem três cores: Negra no prin-
cípio, Branca no meio e Vermelha no fim.”

Um filósofo afirma:
“O calor, actuando, primeiro, sobre o húmido,
engendra o negro; a sua acção sobre o seco en-
gendra o branco e, sobre este, engendra o verme-
lho. Porque o branco não é mais do que a priva-
ção completa do negro; o branco fortemente con-
densado pela força do fogo engendra o vermelho.”

Disse outro sábio:


“Todos os investigadores que trabalham a Ar-
te, quando vêem aparecer o branco no vaso, sa-
bem que o vermelho está oculto nesse branco.
Falta extraí-lo, e, para isso, é preciso aquecer
muito forte, até aparecer o vermelho.”

Agora, damos graças a Deus, sublime e glorioso Soberano


da Natureza, que criou esta substância e lhe deu uma pro-
priedade que não se encontra em nenhum outro corpo. É a
que, colocada sobre o Fogo, entabula combate com ele e lhe
resiste valentemente. Todos os outros corpos fogem ou são
exterminados pelo Fogo.
Guardai as minhas palavras, lembrai-vos quantos misté-
rios encerram, porque neste curto trabalho reuni e expliquei

100 | Apeiron Edições


A Ars Magna da Alquimia

o que de mais secreto há na Alquimia; tudo foi dito simples e


claramente, não omiti nada, tudo se encontra resumidamen-
te indicado e tomo Deus por testemunha de que nos livros
dos Filósofos não se pode encontrar nada melhor do que aqui-
lo que vos disse. Por isso, te suplico, não confies este tratado
a ninguém, não o deixes cair em mãos ímpias, porque encer-
ra os segredos dos filósofos de todos os séculos. Tal quantida-
de de pérolas preciosas não deve ser atirada aos porcos e aos
indignos. Se, não obstante, isso acontecer, rogo, então a Deus
todo-poderoso que jamais consigas terminar esta Obra Divina.
Bendito seja Deus, uno em três pessoas. Ámen.

16. GLOSSÁRIO - Medidas de Peso


Escruplo: Antiga medida de peso correspondente a 1,296g.
Grão: Medida de peso correspondente a 0,0648g.
Gros: Antiga medida de peso equivalente a 3,55g.
Libra: Unidade de massa equivalente a 453,59 (Inglaterra).
Lots: Antiga medida de peso alemã equivalente a 14,17g.
Marco: Antiga medida de peso para o Ouro e para a Pra-
ta, correspondente a 16,6g.
Onça: Medida de peso equivalente a 28,349g.

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