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MATERIAL COMPLEMENTAR
maio /2021
CONTEÚDO
AMANDA PÉCHY
DANILO KOVACS
RONALDO VITOR DA SILVA
ISADORA JARDIM SALAZAR
APROVAÇÃO
ISADORA JARDIM SALAZAR
Curadora
DESIGN
DEBORAH KUTNIKAS
Designer
suporte@casadosaber.com.br
AMAR AO OUTRO
COMO A TI MESMO?
O amor, quais as contingências
e as impossibilidades
O amor é indissociável das formas de falar sobre ele, é algo que se produz
sob a forma como o caracterizamos. Seja na literatura, nas artes, no cinema,
no teatro, todas as histórias que tratam sobre o amor, ao mesmo tempo que
inventam, o expandem.
Questão esta que fora objeto de estudo de Freud, que é: O que significa
amar o outro como a si mesmo? Freud entende que esta forma de amor
implica em uma noção de si, de um eu, de uma objetividade, bem como
de uma subjetividade e completa de forma a alertar os perigos desta
afirmação, amar ao próximo como a si mesmo é uma coisa necessária,
mas também impossível, pois o amor não reage bem às coerções.
A ideia de ser obrigado a amar é profundamente incompatível com
um dos principais fragmentos que mais procuramos na experiência
amorosa, que é a liberdade.
Para Rousseau, existe uma forma de amor que diz respeito a si, a experiência
de si, a experiência de dois: Do si como o outro. Este conceito é interpretado
como “Amour-de-soi”, ou amor de si, e teria relação com uma autoconservação,
com um experienciar-se como alguém, ser alguém, de forma a nos gerar
satisfação, uma vez que nos afasta do desamparo.
Para Freud, a forma como a gente se ama, é uma forma muitas vezes
masoquista, uma forma sádica e ofensiva a si, portanto, amar ao outro
como a si mesmo, não parece a melhor opção, o que talvez faltasse para
os antigos, e sobretudo a concepção bíblica de si, é que o si mesmo trata
também da relação patológica que acompanha o si mesmo. Não é um lugar
puro e neutro, pelo qual instanciamos a experiência de observar o mundo,
O pai de narciso, por não conseguir dar espaço ao outro, só pode transformar
a relação amorosa, sexual e a experiência erótica em uma experiência de poder,
de dominação.
Podemos então observar outro conflito, neste sentido, amar como uma
experiência real encontra com a imagem e o corpo do outro em encontro
com o amor como uma experiência como uma quase imagem e sombra,
que não se pode possuir, portanto, não se pode perder. “ No êxtase ele
se depara, com um signo marmóreo: uma estátua de Paros”. Uma outra
forma de dizer de um corpo que não é corpo.
Narciso então se dá conta da sua divisão, só que neste caso a paixão pela
unidade faz com que ele se lance contra a sua imagem refletida e seja então
levado pelo rio Estige. “Mas lá no estige, corpo nenhum havia”
AMAR DÁ TRABALHO
Luís Mauro Sá Martino
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AFINAL,
O QUE É PAIXÃO?
Há diferenças entre amar e se apaixonar? Qual o limite entre esses
dois sentimentos? Quando tratamos das distinções, associações
e relações entre o amor e a paixão, podemos tratar de diferentes
pontos que fazem as fronteiras do amor. A primeira poderia ser
a dimensão do desejo, uma experiência amorosa que consideramos
rica, que consideramos transformativa, que não está dissociada
do desejo mas sim intimamente ligada de forma dialética entre
o amor.
Onde é que está o eu, nesta relação, na imagem? Ou no olho que observa
esta imagem? Na imagem, ou no corpo?
Pensando que o “eu”, como instância instável está sempre sujeito a uma
crise, quando o olhar muda, há uma mudança no sentido de si. Mas em
momentos críticos, limitamos para uma opinião, um olhar que me tire
dessa incerteza sobre mim mesmo e este olhar desencadeia a paixão,
portanto, a paixão é quando me coloco neste lugar onde a imagem do
outro me torna uma unidade tamanha em mim que me apaixono, no três
sentidos de pathos, por esta pessoa.
Quanto mais perto, mais ameaço este efeito alienante que vem junto com a
paixão, um efeito com borda gozante e ao mesmo tempo é um abismo, uma
angústia. O apaixonado dá um salto no escuro, no vazio, abandonado diante
de uma catástrofe iminente.
A estratégia das cartas não enviadas, como descrito por Darian Leader
em “Por que as mulheres escrevem mais cartas de amor que enviam?”
(1998), é um meio de se lidar com a experiência do apaixonamento
criando sobre ela um certo controle. O que acaba tendo consequências
politicamente perigosas quando falamos da paixão, estudado por Freud
no texto de 1927, Psicologia de massas e análise do eu. Demonstrando
haver formas de apaixonamento artificiais, que geram massas de
apaixonados e que exploram o apaixonamento.
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AS FACES
DO DESEJO
Desejar ou ser desejado? O desejo não é somente um impulso para
o amor — é uma força que movimenta os sujeitos. Para a psicanálise,
o desejo é um fator central no desenvolvimento dos indivíduos desde
seu nascimento — ele se transforma ao longo da vida e definirá uma
série de características em na psique, no comportamento, no modo
de enxergar o mundo. Na vida adulta, o desejo perpassa pela sexualidade,
pelos relacionamentos amorosos e até mesmo pela vontade de viver.
E, talvez de forma à primeira vista óbvia, o desejo interage e se compõe
com o amor — essencial para a continuidade das relações.
1
SCOTT, J. South; LEI, lei. Why Are Fewer Young Adults Having Casual Sex?. Sage Journals, Vol. 07, march,
2021. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2378023121996854>
2
Emma Dalton & Laura Dales (2016) Online Konkatsu and the Gendered Ideals of Marriage in Contemporary
Japan, Japanese Studies, 36:1, 1-19, Disponível em:
<https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10371397.2016.1148556>
Do delírio à verdade
Freud usa o romance de Jensen para falar sobre a busca nas origens do
passado pelos desejos que ficaram para trás, parte decisiva e para criar
os desejos possíveis do futuro. Ignorar as paixões passadas é jogar fora
as pistas para descobrir onde o seu desejo se liga ao amor, e onde o seu
amor se liga ao desejo. Na história, Zoe é analista e sintoma ao mesmo tempo:
é o delírio de Norbert e a cura de seu amor delirante, o amor que ele amava
sozinho. Não apenas uma ilusão, o delírio é um meio de aproximar-se da sua
realidade. E quando o arqueólogo se apaixona é como se aquele amor sempre
estivesse escrito em sua vida (a repetição, a volta), e o amor é a reunião,
ou despertar, do indivíduo que estava esquecido de si. No arrebatamento,
a neurose de Norbert se transforma profundamente. Primeiro, o desejo
AS RELAÇÕES SEXUAIS
SÃO INCOMPLETAS
Welson Barbato
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AMOR É DESENCONTRO
Clóvis de Barros Filho
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A SOLIDÃO
CONTEMPORÂNEA
Amar pressupõe o outro? É possível estar acompanhado e mesmo assim
se sentir só? Como explicar a solidão, esse sentimento de ausência que
paradoxalmente nos atinge em um mundo cada vez mais conectado?
Mais do que isso: a solidão dificulta o amor ou é sua companheira?
Mas onde está enraizado esse mal-estar? Para Dunker, uma das principais
razões reside no descompasso entre os ideais da modernidade e a verificação
de suas realizações no mundo. Ancorando-se no filósofo polonês Zygmunt
Bauman, Dunker analisa que o projeto moderno traz consigo duas frentes
contraditórias de compreensão da realidade, a primeira que impõe a força
da discriminação, da separação e visualização do outro; a segunda que aponta
para a impossibilidade de estar só e, portanto, da dependência de diferentes
3
CACIOPPO, John; CACIOPPO, Stephanie. Solidão, uma nova epidemia. El País online. 13 de abril de 2016,
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/06/ciencia/1459949778_182740.html>
A comparação crônica, por sua vez, nasce como grau de autocobrança por
uma vida que não atinge as metas, resultados e perspectivas delineadas dentro
do padrão neoliberal. Se a vida é estruturada sob a concepção do “Você S/A”,
toda formação toma como parâmetros as conquistas e méritos, de tal modo
que o sucesso pessoal é posto em paralelo com a leitura idealizada da vida
de outra pessoa, sempre superior, mais vigorosa em recursos e possibilidades.
O outro é o sonho e o fim do autorreconhecimento. As redes sociais nessa
questão funcionam como curadoria de imagens que ficcionalizam identidades,
mascaram fraquezas, medos e incertezas.
Daí que amar em tempos neoliberais seja cada vez mais difícil, afinal o amor
se produz através da palavra, do jogo comunicativo em sua totalidade: expressão
facial, tons, vibrações, gestos, inseguranças, entre outros. Se é da comunicação
interpessoal que nasce o amor, a ordem neoliberal estabelece caminhos outros
para o reconhecimento do indivíduo, ao passo que monetiza a imagem e o
sucesso, desvalorizando as oscilações naturais da personalidade. Em outras
palavras: aquilo que se posta no ambiente digital inventa uma vida que está
alinhada com a forma que gostaríamos de ser vistos, e não com o que somos.
Christian Dunker é categórico ao afirmar que o amor é algo que se produz, não
algo que se tem. Isso porque amar pressupõe as trocas ativas de palavras entre
os sujeitos, não uma comunicação virtual por mensagens online, telefonemas
ou cartas. A produção amorosa emerge da experiência vivida e compartilhada,
já que é nela que se expressa o que somos em nossa totalidade e não numa
performance neoliberal. A presença cria a aproximação e intimidade de onde
pode surgir o amor, afinal, é como diz Rubem Alves, as cartas de amor ilustram
“o que está ausente”4 e não os sujeitos que se dispõe a amar.
4
ALVES, Rubem. O retorno e eterno: crônicas. Campinas, SP: Papirus, 1992, p. 43-44
Encontros e desencontros
6
ASSIS, Machado de. Troca de datas. In: Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II, Nova Aguilar,
Rio de Janeiro,
Licenciado 1994. Mota
para - Gisele Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000177.pdf>
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fica com a respiração ofegante, as mãos tremem, os poros se sensibilizam,
as pupilas se dilatam etc.
A IMPORTÂNCIA DE ESTAR SÓ
Maria Homem
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Licenciado para - Gisele Mota - Protegido por Eduzz.com 28
05
A LIBERDADE
DE AMAR
7
NASCIMENTO, Milton, Minas, EMI-Odeon, 1975 Disponível em:
<https://open.spotify.com/track/7F1cbFaGSfZE1GTh6wKIAr?si=P_UiS7_1TZ-EI-ocQASabg>
Talvez eros seja o mais conhecido dos amores, talvez a dimensão mais
retratada pela literatura. Para falar de liberdade, contudo, Marquês de Sade
cai como uma luva — ou um chicote. Nascido em 1740, o nobre, político
e filósofo francês é conhecido como o pai da libertinagem e escreveu uma
série de obras eróticas, que combinavam discurso filosófico com pornografia.
O Marquês retratou fantasias sexuais com ênfase na violência, sofrimento
e sexo anal (que ele chama de sodomia, crime e blasfêmia contra o Cristianismo).
Em Os 120 Dias de Sodoma (1904), há uma história em que, no ermo castelo
Silling, em meio à Floresta Negra, quatro nobres e quatro prostitutas se reúnem
para torturar 36 jovens diariamente, até serem sacrificados e descartados.
Perverso-polimorfo
Agora, que objeto é este a quem alguém direciona seu amor? O eros,
storge, que seja, objetifica o Outro?
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ORIGENS E RESSIGNIFICAÇÕES
DO CORPO NEGRO
Jaqueline Conceição
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Está ficando cada vez mais claro quanto amor exige do subjetivo. Se antes
havia certas soluções prêt-à-porter, como formar uma família, por exemplo,
amar hoje se tornou muito menos claro, o que causa um recuo diante da
percepção do tamanho da transformação psíquica que o ato requer. Quando
Gustave Flaubert escreveu Madame Bovary em 1856, mal sabia ele que
nos tornaríamos uma sociedade bovarista: como Emma, jovem sonhadora
e apaixonada por romances que se decepciona com o casamento com o
indiferente Charles e passa a praticar adultério, o indivíduo contemporâneo
preza o desejo de ser outro. Ter várias vidas, carreiras e amores dentro de uma
mesma experiência.
Antes de Sócrates, fala Agatão, o anfitrião, que afirma que o amor envolve
uma atopia, cria um “fora de lugar”. Quem ama, está à deriva — como em
Se Meu Apartamento Falasse (1960), filme em que o flat do protagonista
Bud Baxter anula instituições como trabalho e família, tornando-se point
de relações extra-conjugais de diversos colegas de escritório (e onde Bud
se apaixona pela amante de seu chefe). O não-lugar rompe com relações
de poder, exatamente como o amor deve ser.
Por que amar, por que continuar amando? O amor é direcionado ao saber,
que faz com que os indivíduos amem melhor e retornem novamente ao saber,
em um ciclo sem fim de busca pela verdade. Afinal, é a verdade do amor que
se procura em cada amor: a autenticidade, a consequência da implicação,
o que salva, o que transforma. Na tragédia de Shakespeare “Rei Lear” (1605),
um rei idoso, em busca de um sucessor, acaba por escolher duas filhas indignas
de sua confiança, em vez daquela que o ama. Os amores que Goneril e Regan
declaram são falsos, com discursos aduladores em que afirmam que o amam
mais que qualquer coisa no mundo. Cordélia, por outro lado, contraria
as expectativas do rei e afirma que o ama “como uma filha, nada mais,
nada menos”. O amor verdadeiro é este: o que contraria.
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