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UM PÁSSARO SEM ASAS

Eu já vi muita coisa nessa vida. Muita mesmo. Não sei exatamente o quanto já vivi, mas
arrisco dizer que mais de 400 anos. Pois é, já vi muita coisa. Durante todo esse tempo,
eu aprendi a amar os humanos, mas confesso que até hoje não os entendo direito. Eles
são confusos, dizem uma coisa e fazem outra, não conseguem se entender direito e, na
maioria das vezes, tudo acaba em violência. Odeio violência. Mas foi uma das coisas
que mais presenciei durante toda a minha existência.

Quando eu ainda era bem pequeno, do tamanho da perna de um humano adulto, o


Brasil, que ainda não se chamava Brasil, era bem diferente. Isso aqui era tudo mata,
com um monte de bichos e alguns humanos. Esses humanos eram todos bem parecidos,
mas não iguais. Eu cresci os vendo passarem por mim. Cruzavam carregando cotias,
onças, pacas, peixes e outros animais que eles matavam para comer. Uma vez vi até um
humano carregando outro humano morto. Uma coruja velha me disse que
provavelmente era para comer, pois ela já tinha visto uns humanos comendo outros
humanos. Não acreditei, não confiava muito nela.

Com o tempo eu passei a diferenciar esses humanos, pois como falei: eram parecidos,
mas não iguais. Havia os Carijós, os Tupinaé, os Tupinambás, os Tupiniquim... existiam
vários, mas esses eram os que eu mais via. Certa vez, uma águia-cinzenta me contou
que já tinha visto humanos parecidos com esses em lugares bem distantes que se
chamavam... qual era o nome mesmo? Incus? Incos? Incas? Eu acho que era “Incas”,
não lembro bem.

Ainda pequenino, descobri que alguns humanos não gostavam muito de outros
humanos. Os Tupinambás, por exemplo, não gostavam dos Tupiniquins e por isso
matavam uns aos outros. Foi a primeira vez que vi uma guerra, fiquei bem no meio de
uma batalha entre eles. Foi horrível! As flechas voavam de um lado a outro, acertando
em cheio o peito desses humanos. Muito sangue, muita morte. Descobri com o tempo
que a guerra entre humanos era igual à chegada das batuíras no litoral nordestino,
acontecia todos os anos.

Já deve ter dado para perceber que eu gosto muito dos pássaros. Na verdade, eu meio
que os invejo. Sempre que um pousava em mim, fazia questão de puxar conversa. Eles
me contavam histórias incríveis, de lugares longínquos, de montanhas magníficas, de
rios enormes que terminavam em um mar infinito, de humanos diferentes que eu nunca
tinha visto. Uma vez, um bem-te-vi me contou que ia todos os dias a um lugar em que a
terra ficava branca e terminava no mar e que, de lá, via o sol afundar na água. Sempre
quis conhecer esse lugar. Com o tempo, fiquei sabendo que chamavam esse local de
praia. Imagina o quão fantástico deve ser viver voando e conhecer o mundo todo? Certa
vez falei isso para um corvo velho e ele me repreendeu. Disse que o mundo era enorme
e que, mesmo se quisesse, nunca conheceria tudo, pois as aves costumavam viver pouco
tempo. Disse ainda que eu era um pássaro e que minhas asas eram o tempo. Que eu
veria vários mundos sem precisar sair do lugar. Não é que o corvo tinha razão?
Realmente eu conheci vários mundos sem sair do lugar. O Brasil que vejo hoje é outro
mundo quando comparado aquele que conheci quando tinha o tamanho de um menino
tupinambá.

Quando eu já tinha o tamanho de um humano quase adulto, a floresta passou a


apresentar um movimento diferente. Os humanos passaram a se comportar de uma
maneira estranha: ficavam indo e voltando com flechas e arcos, lanças, zarabatanas,
ibirapemas... enfim, com todo tipo de arma que eles usavam para machucar outro
humano. Andavam assustados, sempre atentos. Uma onça-pintada, a única que falou
comigo durante todos esses anos, me contou que era devido a uns deuses de cor branca,
igual à macaxeira descascada, que tinham chegado pelo mar. Uma ave guará me contou
que, na verdade, não eram deuses, mas sim uma mistura de humano com camarão. Já
uma jararaca falou que alguns pareciam um mico-leão-dourado e que, em breve, iria
comê-los. Eu só descobriria a verdade alguns dias depois.

Lembro como se fosse hoje, o sol tinha acabado de acordar. Alguma coisa se
aproximava. Não eram Tupinambás, nem Tupiniquins, muito menos Carijós. Eu sabia
disso pois as passadas eram diferentes e sussurravam uma língua que eu nunca tinha
ouvido. Aquilo foi incrível! Eram humanos, porém humanos diferentes dos que eu
estava acostumado a ver. Eram os humanos brancos. Não andavam como os humanos
que aqui já viviam, estavam todos cobertos da cabeça aos pés. Mas isso não foi o mais
interessante: eles pareciam de fato umas macaxeiras descascadas, como dissera a velha
onça, todos de cor branca. Alguns tinham o cabelo da cor do pelo do mico-leão-
dourado, como alertara a jararaca, e outros tinham o rosto meio rosado, semelhante à
cor do camarão, como descrevera a guará. Eles passaram por mim olhando para todos os
lados, tocavam em tudo e falavam bastante. Pareciam encantados, como se
vislumbrassem algo nunca visto antes.

A chegada desses humanos diferentes faria muita coisa mudar. Uma das primeiras
coisas que eles mudaram foi o nome dos humanos daqui. Carijó, Tupinambá, Tamoio...
Não importava mais. Agora era todo mundo “índio”! Até os animais começaram a
chamar todos de índios e nem eu fiz diferente. Os nomes de alguns bichos também
mudaram: a boiquira, por exemplo, virou cascavel.

Com o passar do tempo, a presença dos humanos brancos já não parecia preocupar mais
os indígenas como antes. Na verdade, quem estava preocupado agora era eu, não com os
humanos brancos, mas com os indígenas. Eles começaram a derrubar uns antigos
companheiros meus, que eu costumava chamar de Tiê Sem Asas. Alguns pedaços das
cascas desses companheiros caiam e revelavam outra casca interna de coloração
avermelhada igual ao Tiê. Pobres coitados! Um a um, foram todos desaparecendo. Os
indígenas apareciam, derrubavam, carregavam e depois voltavam cheios de
penduricalhos que brilhavam. Disseram-me que os Tiê Sem Asas não existem mais, mas
eu duvido disso.

Chegou um tempo em que eu passei a ver mais humanos brancos que indígenas. Os
indígenas pareciam se esconder. Lembro que uma vez passou um monte deles por mim,
um monte mesmo. Inicialmente, pensei que fosse uma guerra, mas depois percebi que
eles pareciam estar de mudança. Tinha humanos homens, crianças, mulheres, velhos,
animais... todos carregando alguma coisa. Pareciam cansados. Alguns estavam feridos e
outros eram carregados, como se estivessem doentes. Durante um tempo, isso virou
meio que uma rotina: todo dia passavam grupos de indígenas feito mulas, carregando
coisas e com cara de cansaço. Isso me deixava assustado, mas não tanto quanto o que eu
passaria a ver depois: passou a ser frequente a passagem de humanos brancos levando
indígenas acorrentados, com mãos e pés presos. Às vezes eram vários, uns acorrentados
aos outros. Certamente alguma coisa tinha dado errado. Ficou claro para mim o porquê
de os indígenas estarem desaparecendo: os humanos brancos pareciam não gostar deles.
Mas percebi depois que estava enganado. É como já falei, os humanos são confusos.

Alguns anos se passaram e eu já estava habituado à presença daqueles humanos antes


estranhos. Porém, quando achei que nada de novo poderia acontecer, eis que chega um
tipo diferente de humano branco. Em sua maioria velhos, usavam roupas iguais que
mais pareciam os vestidos das humanas brancas. Diferente dos outros brancos, esses
pareciam gostar mais dos indígenas. Autodenominavam-se Jesuítas.

Eles transformaram tudo ao meu redor. Com a ajuda dos indígenas, começaram a
derrubar todo tipo de árvore que viam pela frente. Eu já tinha até me despedido das aves
que eu conhecia na época, pois estava só aguardando a minha vez. Porém, não me
derrubaram. Nunca saberei por que me pouparam, mas fiquei aliviado. O que antes era
mata, virou um grande espaço com várias casinhas ao redor do que eles chamavam de
praça e, bem no meio dela, tinha algo que, antes de saber o nome correto, eu chamava
de “pé de ave”. Na verdade, se chamava cruz. Depois da praça, com um “pé de ave” em
cima, ficava uma casa que os humanos de vestido diziam ser sagrada e chamavam de
igreja. Chamavam tudo isso de aldeia jesuítica, ou então de missa jesuíta... missa não,
missa era outra coisa, “missões jesuítas” era o nome correto.

Nesse período, aprendi muita coisa sobre os humanos brancos. Quase todo dia, um
humano de vestido, um jesuíta, sentava embaixo da minha sombra e ensinava várias
coisas para os indígenas. Foi nesse período que aprendi a língua dos humanos brancos.
Todos os dias eles falavam de um deus que, de acordo com eles, era o único de verdade
e o chamavam de Jesus. Tupã, Anhangá, Sumé, Jaci, Guaraci... era tudo mentira. Dava
para perceber que alguns indígenas não gostavam de ouvir isso, mas acho que não
tinham muita escolha. Os que entortavam o bico, ou tomavam um safanão na orelha ou
eram entregues a outros homens brancos e nunca mais apareciam na aldeia jesuítica
novamente. Com o tempo, os indígenas pareciam mais brancos que indígenas: falavam
a língua do humano branco, adoravam o deus do humano branco e se vestiam que nem
os humanos brancos.

Inicialmente, os indígenas faziam todo o trabalho da aldeia, mas depois vieram outros
humanos para fazer o trabalho. Mais uma vez me surpreendi! Quantas cores de humanos
deviam existir no mundo? Esses eram fantásticos! Diferente dos indígenas e dos
brancos, esses eram pretos. Os primeiros que chegaram tinham a cor de um corvo ou
então de um jamelão e os cabelos também eram diferentes, não ficavam escorrendo
pelas orelhas. Depois apareceram outros menos escuros. Eu percebi que com o tempo as
cores estavam se misturando, existiam várias tonalidades de branco e preto. Eu achava
aquilo incrível! Mas, em pouco tempo, ficou claro para mim que quanto mais preto era
o humano mais carão ele recebia, mais castigo ele sofria e mais trabalho ele tinha que
fazer.

Passados alguns anos, quando eu já tinha mais que o dobro do tamanho de um humano
adulto, algo terrível aconteceu: vários humanos brancos chegaram de repente à noite e
destruíram toda a aldeia e mataram todos os humanos de vestido. Os indígenas e os
humanos pretos que não foram assassinados foram levados acorrentados feito
prisioneiros. E assim, puseram fim àquele período em que aprendi bastante sobre os
humanos.

O tempo passou e a floresta começou a tomar conta novamente do seu espaço, cobrindo
os escombros da antiga aldeia. Os animais retornaram e a saudade dos humanos
começou a me incomodar. Porém, por pouco tempo. Logo surgiram outros humanos
brancos, agora acompanhados de humanos pretos, e começaram a derrubar toda a
floresta novamente. Mais uma vez fiquei apreensivo e mais uma vez fui poupado. Nesta
ocasião, construíam algo maior e dessa vez não foram os indígenas, mas os humanos da
cor do corvo que ficaram com todo o trabalho. Construíam algo chamado engenho de
cana de açúcar.

O engenho era tipo uma aldeia jesuítica, porém muito maior. Tinha uma casa enorme
onde moravam alguns humanos brancos, chamada casa-grande. Tinha outra casa,
igualmente grande, com uma chaminé onde se fazia o açúcar. O açúcar era um negócio
que os humanos gostavam e diziam ser tão doce quanto o mel das abelhas. Os humanos
vendiam o açúcar para outros humanos e ficavam, como me disse uma vez uma égua,
“podres de ricos”. Sendo ricos, eles poderiam comprar penduricalhos brilhantes, coisas
chiques de madeira para a casa deles, roupas de gente rica, bebida vermelha e colocar os
filhos para estudar em Paris. Até hoje me pergunto o que é “Paris”. Devia ser alguma
escola de gente rica. Sabe o que mais eles compravam? Humanos pretos!

Nunca entendi isso! Como podia um humano comprar outro humano? Não era uma
cadeira, não era uma cama, não era um chapéu chique, não era um sapato, não era uma
carroça. Era um humano! Mas eles não eram sequer tratados como humanos. Eram
comprados feito objetos e viviam iguais aos animais do engenho. Moravam em uma
casa pequena e precária, chamada senzala, que era tão chique quanto o curral dos
porcos. Comiam tão mal quanto os cachorros cor de açúcar queimado que apareciam de
vez em quando no engenho. Trabalhavam tanto quanto as mulas e recebiam chicotadas
como os bois que movimentavam a moenda.

Por um tempo, eu passei a odiar os humanos brancos e a ter empatia pelos humanos
pretos. Eu sofria com eles. Chorava junto quando eram castigados ou quando uma mãe
era separada do seu filho. Porém, Mariazinha me fez amar novamente os humanos
brancos e me ensinou uma grande lição. Ela era a filha do humano branco que era dono
do engenho e vivia brincando com os filhos dos humanos pretos. Eram todos iguais
perante a inocência da infância. Porém, à medida que crescia, Mariazinha ia se
comportando igual aos humanos brancos adultos e começou a destratar os humanos
pretos. Aprendi que os humanos eram bem parecidos com os macacos: os filhotes
aprendiam tudo com os pais.

Um dia, o engenho amanheceu agitado, uma confusão daquelas. Os humanos brancos da


casa-grande estavam colocando todos os penduricalhos em carroças. As mulheres
choravam. Humanos pretos aproveitaram a confusão e fugiram. Já os animais do
engenho ficaram de um lado a o outro sem saber o que fazer. Um casal de porcos que
fugia para o mato contou-me que uns humanos chamados holandeses estavam invadindo
a cidade, destruindo tudo e matando todos que viam pela frente. Estranhamente fiquei
entusiasmado. De que cor seriam esses humanos? Azuis? Vermelhos? Amarelos?
Verdes? Que decepção! Nada de novo, eram brancos iguais aos outros.

O engenho ficou vazio. Tudo abandonado igual à aldeia jesuítica após a invasão.
Novamente o mato crescia. Porém, dessa vez, não demorou muito para outros humanos
aparecerem. Dessa vez eram humanos de todas as cores. Porém, diferentemente do
engenho, todos esses pareciam ser pobres. Destruíram o que sobrou do engenho e com
os restos começaram a construir casinhas. Uma a uma, as casinhas foram sendo
construídas e, o que antes era um engenho, agora se transformara em uma pequena vila.

Com o tempo, mais e mais casinhas iam sendo construídas. Eu chamava aqueles
humanos de Joões-de-barro, pois as maiorias das casinhas eram feitas de barro. Nesse
período também aprendi bastante coisas sobre os humanos. Que existiam humanos
brancos quase tão miseráveis quanto os humanos pretos que trabalhavam forçados. Que
apesar de tanto espaço para plantar e colher, alguns humanos passavam fome. Alguns
outros nem casinha tinham. Aprendi que eles mijavam em qualquer lugar, parecido com
os cachorros e que, diferente dos gatos, não cobriam suas fezes. Às vezes jogavam na
rua mesmo. Aprendi que a maioria dos humanos nascem sem dentes e morrem sem
dentes. Que tudo de bom era “graças a deus” e que tudo de ruim “era coisa do diabo”.
Ah! Aprendi que os humanos pretos também tinham seus deuses, mas que os brancos
diziam também ser “coisa do diabo”. O que seria diabo? Será um bicho?

As guerras pareciam ter dado um tempo, porém, de vez em quando, apareciam uns
inimigos invisíveis que não queriam saber de cor: matavam todo mundo. Teve um que
se chamava... coleira? Cólica? Como era mesmo o nome? Cólera! Isso! Chamava-se
cólera. Matou quase a vila toda. Eu ficava com muita pena dos humanos.

Depois de muito tempo, muito tempo mesmo, os humanos pretos passaram a ser
considerados humanos pelos outros humanos. Foi um tal de “abolição”. Nesse dia foi
uma festa, todo mundo gritando: “Viva abolição! Viva abolição! ”. Esse tal de Abolição
deve ter sido um humano muito bom, mas preciso dizer uma coisa que certamente
deixaria o Sr. Abolição muito triste: os humanos pretos ainda são tratados como se
fossem humanos inferiores. A maioria mora em casas parecidas com uma senzala e
continua carregando pesos nas costas, feito mulas. Inclusive, sempre apanham de uns
humanos que andam de um lado a o outro balançando um cassetete.

O tempo ia passando e os humanos, aos poucos, iam transformando tudo novamente. O


chão de terra foi coberto por vários tijolinhos, as carroças agora eram barulhentas e
andavam sem cavalo e boi e os humanos andavam cada vez mais depressa, como se
precisassem chegar logo em algum lugar. As casinhas também mudaram. Da mesma
maneira que apareceram, sumiram. No decorrer de vários anos, as casinhas dos Joões-
de-barro foram, uma a uma, cedendo espaço a um outro tipo de casa, as “casas que
cresciam para cima”. Elas são incríveis, algumas maiores que eu. Elas iam chegando e
as casinhas de barro saindo. Conheço uma dupla de pombos que vive discutindo: um diz
que o nome é edifício, o outro diz que é prédio. Eu gosto de chamar de casas que
crescem para cima. Uns urubus me contaram que os Joões-de-barro agora vivem com
outras famílias em um local chamado morro.

Certa noite, há bastante tempo, eu conversei com uma coruja-da-igreja. Toda metida à
besta, cheia de palavras difíceis. Dizia odiar os humanos. Dizia que eles estavam
destruindo tudo. Que estava acontecendo um negócio chamado Revolução Industrial
que andava consumindo todas as florestas e matando todos os animais. Que um tal de
“Desenvolvimento” estava chegando e que logo iria me derrubar, pois Desenvolvimento
não podia parar. Não acreditei! “Gosto dos pássaros, mas nunca confiei muito nas
corujas. Se elas fossem confiáveis, não ficariam acordadas à noite enquanto as outras
aves dormem”, pensava eu. Acontece que a velha coruja-da-igreja estava certa.

Desenvolvimento, na verdade, não era um bicho ou algo parecido, era um


comportamento dos humanos. Os humanos estão sempre ocupando mais e mais espaços,
sempre crescendo para os lados. Quando não tem espaços para os lados, eles crescem
para cima. Desenvolvimento eram as carroças barulhentas que andavam sem cavalo e
boi, eram as casas que cresciam para cima, eram as caixas que cantavam, eram os
barulhos ensurdecedores, eram as luzes que deixavam a noite acessa. Eu estava no
caminho do desenvolvimento e dessa vez eu não teria escapatória: teria que sair de onde
estava há mais de quatrocentos anos.

Alguns humanos ainda demonstraram um último sinal de carinho. Havia vários deles
gritando: “Salvem o Jequitibá! ”, “Abaixo as construtoras! ”. Fiquei emocionado. Sério,
fiquei mesmo! Tinha um que carregava uma caixa preta que disparava luzes toda vez
que apontava para mim. Os pombos me disseram que aquele objeto permitia que eu
aparecesse em um papel que os humanos chamavam de jornal. Não gostei de saber disso
porque a última vez que ouvi a palavra “jornal” era um humano querendo se limpar
depois de defecar atrás de mim. Não tenho raiva desse humano que vem com esse troço
esquisito para me derrubar. Sério, não tenho! É como falei antes: os humanos são
confusos e eu nunca os compreendi direito. Talvez por isso, mesmo sabendo que eles
irão me derrubar, só consigo pensar que eu os amei por toda a minha vida.

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