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Fadini et al. 2021 Pesquisa ecológica de longa duração em uma savana


amazônica- um laboratório ameaçado

Article  in  Anais da Academia Brasileira de Ciências · January 2022

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5 authors, including:

Rodrigo Fadini Carlos R. Brocardo


Universidade Federal do Oeste do Pará Neotropical Institute: Research and Conservation (INPCON)
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Clarissa Alves da Rosa Susan Aragon


Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Universidade Federal do Oeste do Pará
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Reestruturação do Programa de Pesquisa em Biodiversidade e Ecossistema View project

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Este artigo foi traduzido do trabalho original, publicado em inglês, que deve ser citado:
Fadini, R. F., Brocardo, C. R., Rosa, C., Aragón, S., Lima, A. P., & Magnusson, W. E. (2021). Long-term
standardized ecological research in an Amazonian savanna: a laboratory under threat. Anais da Academia
Brasileira de Ciências, 93. https://doi.org/10.1590/0001-3765202120210879

Pesquisa ecológica de longa duração em uma savana amazônica: um laboratório

ameaçado

Rodrigo F. Fadini1, 2, *, Carlos R. Brocardo2, Clarissa Rosa3, *, Susan Aragón4, 5, Albertina

P. Lima3, William E. Magnusson3

1
Laboratório de Ecologia e Conservação, Universidade Federal do Oeste do Pará, Rua

Vera Paz, S/N, Salé, 68040-255, Santarém, PA, Brasil;


2
Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade, Universidade Federal do Oeste do

Pará, Rua Vera Paz, s/n, 68135-110, Santarém, Pará, Brasil.


3
Coordenação de Biodiversidade, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Av.

André Araújo 2936, Petrópolis, 69067-375, Manaus, AM, Brasil;


4
Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Amazônia, Universidade Federal

do Oeste do Pará, Rua Vera Paz, S/N, 68040-255, Santarém, PA, Brasil.
5
Institute of Environment, Territory and Renewable Energy (INTE) Pontificia

Universidad Catolica del Peru (PUCP), Av. Universitaria 1801, Lima 15088, Peru.

Palavras-chave: Cerrado Amazônico; ILTER (Rede Internacional de Pesquisas

Ecológicas de Longa Duração); PELD (Pesquisa Ecológica de Longa Duração).

Autores correspondentes: Clarissa Rosa, rosacla.eco@gmail.com e Rodrigo R. Fadini,

rodrigo.fadini@ufopa.edu.br

1
Resumo

Algumas décadas atrás, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

(INPA) começaram um estudo piloto para integrar os estudos ecológicos de vários

organismos usando plots de monitoramento, que se tornaram o embrião para a criação do

Sistema RAPELD (RAP = rápido e PELD = Pesquisas Ecológicas de Longa Duração),

utilizado pelo Programa de Pesquisa em Biodiversidade e pelo sítio de pesquisa ecológica

de longa duração POPA (PELD do Oeste do Pará). Eles instalaram e mantiveram plots de

pesquisa permanentes em uma mancha de savana amazônica perto da vila de Alter do

Chão, no Pará. Savanas amazônicas constituem um ecossistema ameaçado, cobrindo

apenas 6% do bioma Amazônia. A maioria dos estudos produzidos focaram em três

questões ecológicas de longo prazo, mas o sítio também foi de importância para outras

pesquisas e para o treinamento de jovens pesquisadores, contribuindo com a produção de

70 artigos científicos e 31 dissertações de mestrado e teses de doutorado. Aqui nós

apresentamos o desenho experimental e os resultados desses estudos padronizados

realizados nas savanas e fragmentos florestais próximos a Alter do Chão, realizados ao

longo desses anos. Nós também discutimos os prospectos futuros e as ameaças ao sítio

de estudo, ressaltando a importância de incorporar os moradores de Alter do Chão no

planejamento de uso da terra dessa região.

INTRODUÇÃO

Quando Tom Phillips, correspondente no Brasil do jornal inglês The Guardian,

elegeu Alter do Chão entre as dez praias mais bonitas do Brasil em 2009 (McGowan

2009), ele não sabia que a outrora vila pacata de pescadores se tornaria um dos principais

destinos turísticos da Amazônia na década seguinte. Ele também não sabia que a vila

possuía um longo histórico de pesquisas científicas sobre biodiversidade, que teve início

2
cerca de trinta anos antes da sua chegada. Os estudos conduzidos lá constituem o sítio de

Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) mais antigo das savanas amazônicas,

um ecossistema único e ameaçado que cobre cerca de 6% da Amazônia (Carvalho &

Mustin 2017).

Alter do Chão faz parte de uma Rede Internacional de Pesquisas Ecológicas de

Longa Duração, com aproximadamente 800 sítios de pesquisa, que possui o objetivo de

avaliar mudanças de longo prazo nos padrões e processos ecológicos que não podem ser

detectados em curto prazo (Mirtl et al. 2018). A região de Alter do Chão tem suportado

espécies de árvores típicas de savana por cerca de 1.49 Ma (Buzatti et al. 2018), com uma

paisagem local praticamente estável nos últimos 7.000 a 6.000 anos (Sanaiotti et al. 2002),

o que coincide com os primeiros registros de pessoas na região (Maezumi et al. 2018). O

sítio de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração de Alter do Chão investiga os efeitos dos

fatores locais e globais das mudanças na biodiversidade, como o fogo e o aquecimento

global. Aqui nós apresentamos um breve histórico da pesquisa realizada nesse sítio, que

foi um precursor do Sistema RAPELD (Magnusson et al. 2005), uma modificação do

Método de Gentry para conduzir inventários biológicos rápidos e de longa duração. Esse

sistema também é usado na Floresta Nacional do Tapajós (FLONA-Tapajós), que faz

parte do PELD conhecido como POPA (PELD do Oeste do Pará) (Figura S1, material

suplementar), assim como em uma rede de cientistas do Brasil e de outros países,

interessados em responder questões ecológicas em uma variedade de escalas espaciais.

Nós apresentamos o desenho experimental e os resultados dos estudos padronizados

realizados nas savanas e fragmentos florestais próximos de Alter do Chão, que têm sido

conduzidos por mais de vinte anos, e que foram baseados em estudos iniciais conduzidos

na década de 1980. Nós enfatizamos os prospectos futuros e as ameaças locais e

3
ressaltamos a necessidade de incorporar os moradores de Alter do Chão no planejamento

de uso da terra dessa região.

Histórico de pesquisas

Alter do Chão é um lugar icônico visitado por naturalistas desde a década de 1850

(Bates 1921), e tem sido um local de pesquisas continuadas desde o início da década de

1980. Albertina Lima apresentou William Magnusson a Alter do Chão em 1979

(Magnusson 2016) e ele convidou Lyn Branch para conduzir um estudo sobre o

conhecimento etnobotânico dos moradores (Branch & Silva 1983). Alter do Chão se

tornou um importante local para o treinamento de jovens herpetólogos estudando sapos

(Magnusson 2016) e lagartos (Magnusson 2019). Em meados da década de 1980, Tânia

Sanaiotti (anteriormente uma estudante do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

- INPA) chegou em Alter do Chão para conduzir os estudos de sua dissertação de

mestrado com uma espécie de ave da savana, o papa-formiga-vermelho (Formicivora

rufa). Ela iria posteriormente estudar as plantas e muitas outras espécies de animais da

região. Os pesquisadores do INPA retornaram a Alter do Chão repetidamente para

conduzir pesquisas ecológicas sobre vários organismos, o que resultou em uma série de

estudos sobre a história natural de animais (Strussmann et al. 1984, Magnusson et al.

1985, 1986, Magnusson & Sanaiotti 1987) e plantas (Miranda 1993, 1995).

Entretanto, a integração de dados entre os primeiros estudos foi rara, devido ao

fato de eles terem sido conduzidos em locais e escalas espaciais distintas. Nos anos de

1990 os pesquisadores do INPA obtiveram um financiamento para desenvolver um

grande projeto de pesquisa nas savanas e florestas ao redor da vila de Alter do Chão, com

apoio do Programa Piloto para a Proteção de Florestas - PPG7. Naquela época, os

pesquisadores consideraram a região um laboratório natural para a realização de estudos

4
com questões ecológicas de longa duração. Renato Cintra foi um Pesquisador Principal

(PI), com William Magnusson e Ana Albernaz responsáveis pelo desenho amostral. O

projeto focou em três principais questões de longa duração: 1) quais são as forças

ecológicas que mantêm as bordas entre a floresta e a savana? 2) quais são as respostas de

curta e longa duração da fauna e flora em relação ao fogo e outros filtros ecológicos? e

3) quais são as influências da fragmentação florestal natural e das características da

paisagem sobre a fauna e flora? Devido ao fato das savanas amazônicas serem

historicamente negligenciadas em programas de conservação (Carvalho & Mustin 2017),

essas questões foram importantes para os moradores e tomadores de decisão locais

(Magnusson et al., 2013). Entretanto, para responder essas questões, os pesquisadores

precisavam decidir como amostrar a complexa paisagem de Alter do Chão, formada por

florestas de terra firme, florestas inundadas, praias arenosas e savanas, e definir o tamanho

e o formato das parcelas de amostragem que fossem apropriadas para a integração de

dados de vários grupos taxonômicos e processos ecológicos. Nós exploramos essas

decisões na próxima sessão, e apresentamos alguns dos resultados sobre as principais

questões científicas na sessão de Resultados.

Área de estudo e desenho amostral

O mosaico de vegetação ao redor de Alter do Chão é facilmente reconhecido em

uma imagem de satélite (Figura 1a). Considerando os 16.180 hectares da Área de Proteção

Ambiental Alter do Chão, há uma vegetação herbácea esparsa nas praias arenosas (1,9%)

(1.9%) (Figura 1b), florestas semidecíduas fragmentadas (6.4%) (Figura 1c), assim como

florestas ombrófilas contínuas (59,3%) nas partes mais altas, florestas sazonalmente

inundáveis (Figura 1d) ao redor de lagos temporários (2.6%), e savanas

predominantemente de areia branca (15.7%) (Figura 1e). Em torno de 13.9% da área foi

5
convertida para a construção urbana ou agricultura. Na década de 1990, pesquisadores

estudando uma variedade de grupos de organismos (lagartos, aves, plantas e roedores)

utilizaram um desenho amostral estratificado para cobrir tanto as florestas quanto as

savanas da região, enquanto as praias de areia branca e as florestas sazonalmente

inundáveis não foram incluídas nos estudos padronizados.

Figura 1. A paisagem em Alter do Chão forma um mosaico de vegetação (A) composto


por praias de areia (B), fragmentos florestais (C), florestas de inundação sazonal (D) e
savanas (E). (Créditos: A – Edson Varga Lopes; B, D e E – Rodrigo Fadini; C – Susan
Aragón).

Quarenta parcelas foram instaladas cobrindo toda a região de savanna, geralmente

com uma separação de no mínimo 500 m entre elas. Essas parcelas também foram

instaladas em 26 fragmentos florestais e nove áreas de florestas contínuas (Figura 2). As

parcelas foram utilizadas para amostrar diferentes organismos e preditores ambientais

como fogo, vegetação e propriedades do solo (ex. textura do solo, macro e

6
micronutrientes). O desenho experimental básico consistiu de quatro transecções

paralelas distantes 50 m umas das outras. O número e o tamanho das transeções foram

diferentes em alguns fragmentos florestais pequenos e com forma irregular, mas o

comprimento total em cada um deles foi o mesmo (1000 m). As parcelas foram marcadas

permanentemente com estacas de metal (para resistir ao fogo) e, na savanna, elas foram

fixadas no chão a cada 10 m ao longo das transecções. Na próxima seção, nós

descrevemos a estrutura dos dados e sumarizamos os estudos conduzidos em Alter do

Chão desde a década de 1980. Nós focamos nos estudos conduzidos nas parcelas

padronizadas, mas também listamos outros conduzidos com outros desenhos

experimentais. Um sumário sobre os métodos para amostrar grupos taxonômicos em

particular pode ser encontrado no Material Suplementar.

7
Figura 2. Alter do Chão LTER mostrando as parcelas de savana (S), fragmento florestal
(FF) e floresta madura (MF). Algumas parcelas foram desativadas e outras ficaram
ameaçadas devido a diversos problemas (Material suplementar no artigo original).

Manejo de dados, temas e grupos taxonômicos estudados

O manejo de dados é essencial para estudos de longa duração. Dados básicos são

utilizados para gerar hipóteses e pavimentar o caminho para abordar questões científicas

mais complexas. Dados foram coletados sobre variáveis bióticas e abióticas que podem

ser usadas como descritores de características do hábitat de diversos organismos. Muitos

dos estudos realizados em Alter do Chão focaram em três variáveis preditoras: regime de

fogo, estrutura e cobertura da vegetação e características da paisagem. A extensão do fogo

8
tem sido medida nas parcelas de savana de 1998. As quatro transecções em cada parcela

têm sido amostradas no início do período chuvoso (dezembro a junho) anualmente. Uma

fita métrica é esticada ao longo da transecção e a evidência de que o ponto foi queimado

na estação de estiagem do ano anterior (julho a novembro) é registrada a cada 2 m.

A estrutura da vegetação foi medida duas vezes (1998-2001 e 2017-2019) em 24

parcelas florestais. Árvores (e arbustos) ³ 4 cm em circunferência à altura do peito foram

identificadas e medidas em faixas de 2 m de largura ao longo das quatro transecções.

Árvores também foram medidas nas parcelas de savana em 2017. Todas as árvores ³ 2 m

de altura com diâmetro ³ 5 cm a 30 cm do nível do solo foram medidas na primeira

transecção de cada parcela. A cobertura vegetal das plantas de savana foi medida em cada

parcela com o método de quadrado de pontos a cada 2 m ao longo das quatro transecções

das parcelas.

Características da paisagem como tamanho do fragmento, forma, conectividade

(distância ao vizinho mais próximo), distância do fragmento à floresta contínua e

característica da matriz (tipo de vegetação) foram estimadas para alguns estudos através

de mapas digitalizados ou imagens de satélite com ajuda de ferramentas de Sistemas de

Informação Geográfica (GIS) como o ARCVIEW, QGIS e FRAGSTAT (Cintra et al.

2013, Borges-Matos et al. 2016).

Essas três variáveis preditoras proporcionaram uma base sólida para a condução

de estudos ecológicos com uma variedade de organismos em nossa área de estudo. Setenta

artigos científicos e trinta e uma dissertações de mestrado ou teses de doutorado foram

publicadas entre 1983 e 2020 (Material Suplementar), com ~45% (dos artigos) realizados

nas parcelas padronizadas. Desses, 86% usaram pelo menos uma das variáveis preditoras

mencionadas anteriormente. Dezenove estudos (63%) usaram a estrutura ou cobertura da

vegetação como variável preditoras, ~33% usaram a extensão do fogo, e outros 33%

9
usaram medidas da paisagem (Figura 3a). Aproximadamente 13% não usou nenhuma

dessas variáveis preditoras, e apenas 23% dos estudos foram conduzidos simultaneamente

nas florestas e savanas, independentemente de usarem ou não as variáveis preditoras

descritas aqui.

A maioria dos estudos focaram em comunidades (60%) ao invés de em populações

(30%) ou em ecossistemas (10%) (Figura 3b). Apesar de haver uma concentração de

estudos populacionais nas savanas, estudos de comunidades e ecossistemas foram

distribuídos equitativamente entre os dois tipos de hábitat. Ao contrário do estudo de

Carvalho & Mustin (2017), que concluiu que o grupo das plantas foi o mais estudado das

savanas amazônicas como um todo, o grupo dos mamíferos foi o foco da maioria dos

estudos em Alter do Chão, apesar de muitos desses estudos terem utilizado a vegetação

como uma variável preditora (Figura 3c), com morcegos e pequenos mamíferos

(especialmente uma espécie: Necromys lasiurus, Rodentia) representando 50% and 40%

dos estudos deste grupo, seguidos pelos mamíferos de grande porte (10%). Estudos

multitaxonômicos foram escassos (~3%). Alguns vertebrados como peixes não foram

representados (mas veja Fróis et al. 2020), enquanto anfíbios foram raramente estudados

nas parcelas padronizadas.

10
Figura 3. Estudos realizados nas parcelas LTER de Alter do Chão (publicadas entre 1999
e 2020) de acordo com o grupo taxonômico (A), o nível ecológico (B) e as variáveis
preditoras utilizadas nas análises (C) em três habitats.

11
RESULTADOS

O que mantém os limites entre as savanas e florestas em Alter do Chão? Sanaiotti

et al. (2002) mostraram que os perfis de solo das florestas são mais argilosos do que os

perfis dos solos de savana o que sugere que a textura do solo explica parcialmente essa

separação floresta-savana. Adicionalmente, Lloyd et al. (2015) utilizaram Alter do Chão

como um de seus sítios de estudo para comparar várias medidas de estrutura e química

do solo entre florestas e savanas, e encontraram que o conteúdo de potássio trocável [K]sa

foi um fator chave para predizer a mudança da estrutura floresta-savana. Finalmente, o

fogo é provavelmente de fundamental importância para manter as bordas das savanas e

florestas em Alter do Chão (Lima et al. 2020), assim como acontece em outras partes do

mundo (Hoffmann et al. 2012).

Como uma força ecológica persistente ao longo do tempo, o fogo tem tanto um

efeito ecológico quanto evolutiva sobre a fauna e a flora nativos de Alter do Chão.

Entretanto, os estudos conduzidos nos últimos 20 anos nas manchas de savanna não

detectaram evidências de um efeito direto do fogo sazonal sobre a densidade populacional

tanto de lagartos quanto de roedores (i.e. N. lasiurus) no curto (1-5 anos) ou no longo

prazo (mais de17 anos) (Faria et al. 2004, Layme et al. 2004, Ghizoni et al. 2005, Souza

et al. 2021). O clima global parece afetar a dinâmica populacional de N. lasiurus numa

escala local (i.e. escala da parcela) mas não na escala de todas as savanas de Alter do

Chão (Magnusson et al. 2010, Magnusson et al. 2021). Esses estudos de curso e longo

prazo demonstram que roedores e lagartos provavelmente possuem estratégias (e.g.

abrigos subterrâneos, evitam luz do sol direta, mudanças sazonais na dieta) que permite

que sobrevivam nos ambientes com incêndios frequentes, o que sugere que tais incêndios

limitam as espécies de animais que podem habitar na savana ao invés de induzir

flutuações nas espécies.

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Várias propriedades da vegetação, como estrutura, riqueza de espécies e

composição foram correlacionadas com o regime de fogo durante os últimos vinte e

poucos anos (Corrêa 2019, Lima et al. 2020). A composição de espécies de parcelas não

queimadas ou parcelas com poucas queimadas foram diferentes em comparação com as

parcelas que queimaram frequentemente. Savanas abertas foram dominadas por savannas

mais arbóreas ou invadidas por florestas em poucos locais que ficaram sem queimar por

mais de 20 anos (Lima et al. 2020). Portanto, afetando a dinâmica e diversidade da

vegetação, o fogo pode ter um efeito indireto nos vertebrados, alterando a estrutura e

cobertura da vegetação. Incêndios reduzem a cobertura de arbustos cujos frutos são

utilizados por aves frugívoras na savana, favorecendo o espalhamento de gramíneas

nativas (Sanaiotti & Magnusson 1995), e o fogo também pode reduzir a vegetação

arbustiva utilizada por algumas espécies para abrigo ou termorregulação (Souza et al.

2021).

Estudos conduzidos nas parcelas florestais geralmente utilizaram o tamanho dos

fragmentos e características da paisagem como preditores de mudanças na

biodiversidade, ao invés do fogo. Uma variedade de respostas foi encontrada, dependendo

do grupo estudado. Florestas contínuas tiveram um número maior de espécies do que os

fragmentos florestais para árvores (de Amaral et al. 2017), formigas (Vasconcelos et al.

2006), mamíferos de médio e grande porte (Sampaio et al. 2010) e aves (Cintra et al.

2013), mas não para pequenos mamíferos não voadores (Borges-Matos et al. 2016) ou

morcegos (Bernard & Fenton 2007). Adicionalmente, o tamanho dos fragmentos foi

positivamente relacionado ao número de espécies de formigas (Vasconcelos et al. 2006)

e aves (Cintra et al. 2013), mas não de morcegos (Bernard & Fenton 2007), pequenos

mamíferos não voadores (Borges-Matos et al. 2016), mamíferos de médio e grande porte

(Sampaio et al. 2010) ou besouros rola-bosta (Vulinec et al. 2008). O isolamento do

13
fragmento, apesar disso, foi negativamente relacionado com a riqueza de besouros

(Vulinec et al. 2008), e a área basal das árvores (do Amaral et al. 2017). Esses resultados

demonstram que as respostas à fragmentação florestal natural de longo prazo, como

ocorre em Alter do Chão, podem depender das características dos grupos estudados, como

a capacidade de cruzar ou utilizar a matriz de habitat (Bernard & Fenton 2007, Sampaio

et al. 2010), a disponibilidade de recursos (Carvalho et al. 2008), o tipo de matriz (Borges-

Matos et al. 2016), e as pressões antrópicas (Sampaio et al. 2010, do Amaral et al. 2017).

PRESENTE E FUTURO

O conhecimento acumulado e a experiência prática obtida com os estudos

conduzidos em Alter do Chão transformaram a região em um laboratório de investigação

científica de processos ecológicos em savanas e fragmentos florestais nas regiões

tropicais. Muitos pesquisadores foram treinados nessa região, formando uma nova

geração de cientistas, muitos dos quais continuaram na Amazônia. Adicionalmente, os

resultados produzidos pelos estudos apoiaram a criação da Área de Proteção Ambiental

(APA) Alter do Chão (Albernaz et al. 2004), apesar de apenas com metade da área

originalmente proposta (Santarém 2003). A APA Alter do Chão é uma área de proteção

municipal que tem o objetivo de promover o uso sustentável dos recursos pelas

comunidades, adicionalmente às atividades de baixo impacto ambiental, como o turismo.

Apesar da criação da APA, diversos fatores ameaçam a integridade ecológica do mosaico

de vegetações que ocorrem em Alter do Chão e ameaçam o legado dos estudos de longo

prazo (Fig. 4). A expansão do agronegócio, principalmente plantação de soja e criação de

gado está avançando em escala regional (Walker et al. 2009, Withey et al. 2018),

enquanto a especulação de terras e a expansão urbana são as maiores ameaças no nível

local. Muitas dessas ameaças vêm de atividades que não trazem benefícios para as

14
comunidades locais, que têm no turismo a principal fonte de renda da região. Sendo um

destino turístico de renome nacional e internacional, o dinheiro dos empreendimentos do

agronegócio está sendo usado para comprar imóveis nas cobiçadas áreas turísticas.

Desmatamento desenfreado e incêndios estão se tornando comuns nas áreas ao longo da

estrada principal para Santarém. Um grande incêndio, supostamente criminoso, em 2019,

pode estar relacionado à especulação imobiliária (Watts 2019). Além disso, as mudanças

climáticas podem aumentar a frequência e a intensidade dos incêndios (Barlow et al.

2020), afetando os fragmentos florestais e acelerando a degradação das savanas e matas

ciliares.

Figure 4. Ameaças locais à LTER de Alter do Chão: loteamentos (A e D); interrupção


do fluxo de água para recreação (B); mineração de areia e seixo para construção civil
(C); incêndios florestais (E). (Créditos: A, C e D – Rodrigo Fadini; B – Clarissa Rosa; e
E) Instituto Aquífero de Alter do Chão).

15
Do ponto de vista da pesquisa científica, os efeitos a longo prazo do fogo em

invertebrados (por exemplo, besouros rola-bosta, formigas) e vertebrados (i.e., pássaros,

morcegos) na região de Alter do Chão precisam de mais investigação. Estudos multitaxa

são necessários para determinar quais mecanismos estão envolvidos na adaptação das

espécies ao ambiente de savana. Esses estudos podem nos ajudar a modelar cenários

futuros de desmatamento na Amazônia e mudanças climáticas (e.g., estudos realizados

pelo PELD-POPA). Além disso, a conversão de áreas naturais em ecossistemas intensivos

modificados pelo homem está ocorrendo em velocidade cada vez maior em Alter do

Chão, por isso, mais do que nunca, os estudos ecológicos de longo prazo precisam estar

alinhados com a sociedade, especialmente com as comunidades locais. Os estudos de

longo prazo em Alter do Chão podem se tornar um programa estratégico com capacidade

de ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade na Amazônia, integrando e

capacitando comunidades locais e futuros cientistas, incentivando o uso do conhecimento

da biodiversidade para atividades geradoras de renda e fomentando uma aliança para o

manejo desta paisagem icônica. A conservação da biodiversidade e dos processos

ecossistêmicos que mantêm o mosaico da savana exigirá a participação de todos os atores

locais, bem como das autoridades governamentais.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos profundamente a dedicação dos pesquisadores, alunos e ajudantes

locais que participaram dos estudos realizados em Alter do Chão nas últimas décadas.

Tânia Sanaiotti e Renato Cintra compilaram parte das informações sobre as teses e

dissertações deste estudo. CR agradece ao Programa de Capacitação Institucional -

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PCI-CNPq) do

16
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC) pela bolsa de pós-doutorado.

CRB recebeu uma bolsa de pós-doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES; Código 001). SA agradece à CAPES e ao CNPq pelo

apoio como pesquisadora de pós-doutorado. A colaboração para esta publicação foi

facilitada pelo Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) e Instituto Nacional de

Ciência e Tecnologia (INCT-CENBAM). Este trabalho foi apoiado pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), PROCAD-AM, [Processo

88881.314420/2019-01] e PELD-POPA pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) [Proc. 441443/2016-8].

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