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Wood, Ernest - Os Sete Raios
Wood, Ernest - Os Sete Raios
ERNEST WOOD
OS SETE RAIOS
Tradução de
JOAQUIM GERVÁSIO DE FIGUEIREDO
EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
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Título do original:
THE SEVEN RAYS
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"UMA OBRA IMPORTANTE. ILUMINATIVA"
Revmo. C. W. Leadbeater
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SUMÁRIO
PARTE I
A ORIGEM DOS RAIOS
I. A Coluna de Luz 07
lI. Consciência 09
III. O Poder do Pensamento 11
IV. O Poder do Amor 15
V. O Poder da Vontade 18
VI. Matéria, Energia e Lei 22
VII. O Divino e o Material 25
VIII. Harmonia 28
IX. Os Sete Raios 31
X. Relações Recíprocas 34
PARTE II
OS SETE RAIOS
XI. O primeiro Raio 39
XII. O Segundo Raio 45
XIII. O Terceiro Raio 51
XIV. O Quarto Raio 54
XV. O Quinto Raio 58
XVI. O Sexto Raio 61
XVII. O Sétimo Raio 64
XVIII. Quadro Sinótico de um Mestre 69
PARTE III
A GRANDE UTILIDADE E PERIGO DO CONHECIMENTO DOS RAIOS
XIX. Vosso Raio 77
XX. Progresso sem perigo 81
XXI. Etapas do Conhecimento de Si Mesmo 85
Glossário 89
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PARTE I
A ORIGEM DOS RAIOS
Aforismos Ocultos citados em A Doutrina Secreta, de H.P.B., (Vol. 2, pp. 216/17). Ed.
Civilização Brasileira.
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CAPÍTULO I
A COLUNA DE LUZ
Ao escrever o que se segue para expor as que, espero, sejam ideias claras sobre os sete
raios, não vejo meio de prescindir de certas matérias de caráter abstrato, e, sobretudo, a
referente à afirmação da universalidade de Deus ou Brahman, a Quem alguns consideram
como se estivesse longíssimo, num plano superior e em lugar além de nossa visão. O certo
é que Sachchidananda Brahman (1) está ante nós e diariamente conosco.
Se analisamos o mundo de nossa experiência, vemo-lo composto de três partes: a
primeira é uma grande massa de objetos de toda classe, materiais em todos os planos,
mesmo nos superiores. Em segundo lugar, há um vasto número de seres viventes, com
diversos graus de consciência. Em terceiro lugar, cada qual se vê a si próprio.
Compreender-se-á isto melhor ao recordar-se a história da grande coluna de luz. O
excelso Ser Narayana, Vishnu, alma e vida do universo, o de mil olhos e onisciente, estava
reclinado em seu leito, o corpo da enorme serpente Shesha ou Ananta, o tempo sem fim,
que jazia enroscada sobre as águas do espaço, porque era a noite da existência. Então
Brahmâ, o grande criador do mundo da existência, chamado Sat, chegou-se a Vishnu, e,
tocando-lhe com a mão, disse-lhe: "Quem és?" Suscitou-se entre ambos um debate a
respeito de quem era o maior, e, enquanto prosseguia o debate com risco de inflamar-se,
apareceu diante deles uma grande coluna de fogo e luz, incomparável e indescritível, que
deixou atônitos os contendentes até o ponto de desistirem de sua disputa e convierem em
buscar as extremidades de tão admirável coluna. Vishnu a esteve explorando para baixo
durante mil anos, sem encontrar a base, e Brahmâ a esteve explorando para cima durante
também mil anos, sem encontrar o capitel. Ambos ficaram contrariados. Então Sbioa, cuja
natureza é ananda (bem-aventurança), surgiu diante deles e lhes explicou que eles dois
eram um nele, seu Super-senhor, a coluna de luz, que era três em um; e que, em futura
idade, Brahmâ nasceria de Vishnu e que Vishnu o criaria até que ao fim da idade ambos
voltariam a ver o seu Super-senhor.
Alguns imaginam que ascendendo acharão a Deus; mas a verdade é que, ainda que
descessem de seu presente estado e buscassem durante mil anos, não poderiam
encontrar-Lhe o fim. Isto não significa que Deus esteja aqui, mas invisível e desconhecido
de nós, senão que está aqui, visível e conhecido, porque o mundo que vemos é Seu sat e a
consciência pela qual conhecemos o mundo visível é Seu chit, e o eu que não podemos
deixar de reconhecer em nós é Seu ananda. Cada um de nós está naquela coluna de luz,
onde quer que se mova no espaço da existência ou onde quer que vá no tempo da
consciência. Ninguém pode escapar destas três realidades. Ninguém pode dizer: "eu não
sou", nem "sou inconsciente", nem deixar de conhecer o mundo exterior da existência
Embora haja milhões de mundos nos mundos e seres nos seres, em toda parte estão
presentes sat, chit e ananda, e em toda parte são um.
As coisas que vemos, tocamos, gostamos, cheiramos e ouvimos, são sat, existência
verdadeira, e neste reino da existência ninguém escapará daquilo em que todos confiamos,
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o testemunho dos sentidos, embora sua clarividência se estenda por todos os planos
possíveis da coluna de luz.
O Universo de Deus, o Sachchidananda Brahman, não é composto do conjunto das três
realidades sat, chit e ananda; mas Aquilo (2) se difunde no espaço e no tempo, no que
chamamos manifestação, onde e quando as qualidades de sat e chit se atualizam entre as
misteriosas mudanças cíclicas que se sucedem na vida da eterna superexistência.
O UNIVERSO DE DEUS
BRAHMÂ: SAT VISHNU: CHIT SHIVA: ANANDA
(O Mundo das Coisa: (O Mundo da Consciência: (O Eu, a Vida Real)
Terra, Água, Ar, Éter) Atma, Buddhi, Manas
Vontade, Sabedoria,
Inteligência)
OS SETE PRINCÍPIOS
Representado por
(Energia natural)
Ichchha (Atma)
Jnana (Buddhi)
Maya (Ilusão)
Krya (Manas)
(Lei natural)
(Sabedoria)
(Atividade)
(Vontade)
(Matéria)
Tamas
Sattva
Rajas
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(1) O termo Brahman, que é do gênero neutro, se aplica em conjunto à
Trindade de Shiva, Vishnu e Brahmâ, enquanto que Brahmâ é masculino e
corresponde ao terceiro membro dessa Trindade.
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CAPÍTULO II
CONSCIÊNCIA
Nos livros hinduístas e teosóficos os termos ichchha, jnana e kriya indicam os três
constituintes essenciais da consciência. Essas palavras se traduzem usualmente, e com toda
a exatidão, por vontade, sabedoria e atividade; mas não se compreenderá o significado
destas palavras traduzidas, a menos que se tenha em conta que unicamente se referem a
estados de consciência.
Estes três estados de consciência relacionam o indivíduo com os três mundos: a
vontade com o do Eu; a sabedoria com o da consciência; e a atividade com o das coisas e
seres existentes. Portanto, jnana ou a sabedoria é a genuína essência da consciência.
Ao perceber a vasta extensão destes três estados, notamos a deficiência de seus nomes
traduzidos, que denotam principalmente o aspecto positivo ou externamente operante de
cada um dos estados. A consciência é sempre dupla, por ser receptiva e vigilante, e ativa e
influente, isto é, que possui potências e faculdades. Cada um dos três estados é ao mesmo
tempo uma potência e uma faculdade.
Ichchha é a consciência do Eu e também a potência da vontade. jnana é a consciência
dos demais seres e também a potência do amor, Kriya é a consciência das coisas e também
a potência do pensamento.
Nunca se pode ver a consciência em nenhum plano, nem ainda com toda espécie de
clarividência. Só pode ver-se a existência. Mas pode experimentar-se a consciência, e desde
logo a experimenta todo ser consciente.
Consideremos que, por muito esplêndido que entre a relatividade das coisas seja o
aspecto essencial de um jivatma ou ser vivente nos planos superiores, ele ainda pertence
ao mundo da existência ou sat. Ademais a consciência não está sujeita ao tempo nem em
plano algum às limitações de sat; ou dito de outro modo, ainda com o risco de má
interpretação, pode estar e está a consciência ao mesmo tempo em qualquer parte, e não
necessita atravessar o espaço para trasladar-se de um ponto para outro. Unicamente
percorre o tempo.
Se, por exemplo, digo a alguém que se traslade de um lugar para outro e depois do
traslado lhe perguntou: "Que estava você fazendo? Estava se movendo?", devia esperar
que me respondesse: "Não; eu não me movia. "E se, apurando mais a questão, lhe
pergunto: Pois, então, o que fazia você?", me haveria de responder: "Eu estava pensando:
estava percebendo o movimento do corpo."
Quando um viajante vai deitado num carro-dormitório durante a noite, e o trem
marcha suavemente, ele não sabe se a direção do movimento vai em sentido de sua cabeça
ou de seus pés; mas ao descerrar as cortinas das janelas, a vista dos objetos exteriores que
parecem passar velozmente lhe dá a entender e disso infere que o trem marcha no sentido
de sua cabeça, e então transmite ao seu corpo as imaginadas sensações do movimento
nesse sentido.
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Uma vez compreendida e recordada esta liberdade das limitações de espaço; de que
goza a consciência, será possível ter exata ideia da natureza da vontade, sabedoria e
atividade como operações da consciência.
CHIT OU CONSClÊNCIA
FORMA PERCEPÇÃO DE: ATUA COMO:
Ichchhâ Eu Poder da vontade
Jnâna Outros Poder do amor
Kriyâ Coisas ou objetos Poder do pensamento
Quando os homens falam de Deus, não pensam, via de regra, no Deus universal a
Quem aludi, senão num Ser a Quem consideram como a suprema Consciência de nosso
sistema solar. É uma Consciência da qual todos participamos, não no sentido de que entre
nós se divida, senão no de que dela participamos com Ele.
Esta grande Consciência, chamada Logos solar pelos teósofos, possui as três potências
de vontade, sabedoria e atividade. Essencialmente é Vishnu, mas Sua vontade o põe em
contato com Shiva e Sua atividade com Brahma. Contudo, estes aspectos de Vishnu têm
sido também chamados Shiva, Vishnu e Brahmâ; e conquanto estas personificações sejam
impróprias, menciono-as porque necessito referir a história da criação de Seu mundo por
nosso Vishnu.
Antes de tudo veio Brahmâ governando o poder criador ou a divina atividade. Para
compreensão dos homens, referem os livros que Brahmâ efetuou Sua obra sentado em
meditação, e, que segundo meditava, iam tomando forma os mundos pelo poder do Seu
pensamento. Tal foi a Sua atividade. Depois entrou Vishnu no mundo material, enchendo-o
de Sua vida; e Shiva foi a sua super-existência com o poder do Eu.
O genuíno Brahmâ transcende a consciência; mas o Brahmâ a que nos referimos não a
transcende; senão que tão só é a personificação de kriya de nosso Logos solar.
Relatei esta história com o exclusivo objetivo de demonstrar que a atividade criadora
não foi ação com mãos e pés no espaço, mas, sim, o que chamamos pensamento. A
potência de kriya toca a matéria do espaço no mundo da existência e lhe dá forma com sua
influência.
O DEUS UNIVERSAL
BRAHMÂ VISHNU SHIVA
(Ser) (Consciência) (Felicidade)
LOGOS SOLAR
Shiva secundário
(Ichchhâ Solar)
(Jnâna Solar)
(Kriyâ Solar)
secundário
secundário
Brahmâ
Vishnu
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CAPÍTULO III
O PODER DO PENSAMENTO
O que é verdade a respeito dos três poderes ou estados da consciência de Vishnu,
também o é a respeito da consciência humana, porque todos os nossos poderes são parte
da grande consciência de Vishnu, assim como a matéria de nosso corpo com todas as suas
propriedades está tomada do vasto oceano material da existência.
É o pensamento em qualquer pessoa que constitui sua atividade como ser humano. É
dupla esta atividade, tanto se consideramos o ser universal ou o aparentemente particular.
Acha-se na faculdade de discernimento que está atrás de toda percepção. Ninguém
percebe passivamente. Não há percepção passiva de modificações ou de consciência, e
toda percepção é um ato da mesma índole que o de assomar-se a uma janela para ver
quem passa. As coisas do mundo nunca entrarão abruptamente, ou de supetão, na
consciência de ninguém. Mas quando a consciência está em atividade abre-se à percepção
das coisas, e podemos percebê-las em seu aspecto negativo ou em seu aspecto positivo, de
sorte que cada pensamento implica o poder criador no mundo das coisas; o mesmo poder
que o pensamento do Brahmâ solar exercitou no princípio do mundo.
Esta verdade a respeito da atividade e da ação resolve o problema que conturba tantos
estudantes do Bhagavad Gitã.
No mundo ocidental predomina uma espantosa confusão sobre as relações entre a
vontade e o desejo, com muitas controvérsias a respeito de qual deles opera no corpo e o
move à ação. A resposta a este problema é que nem a vontade nem o desejo operam
diretamente no corpo. A única potência que influi nas coisas é o pensamento ou kriya. Por
meio de kriyashakti ou poder do pensamento se constrói o corpo e se efetuam todas as
suas atividades não-reflexas.
Prova disso é que, ao tomar a pena para escrever, fazemo-lo em virtude do
pensamento. Quem observe nossa ação, verá que tomamos a pena com a mão, mas o
pensamento moveu a mão.
A Psicologia ocidental recebeu um vislumbre desta verdade com a teoria de Emílio
Coué, segundo a qual quando na mente humana há um conflito, uma luta entre a vontade
e o pensamento (o que está representado na mente), sempre vence o pensamento ( 1).
Assim é, com efeito, se consideramos os resultados da ação, e também se temos em conta
que a palavra "vontade" está impropriamente empregada por Coué. A teoria é verdadeira,
mas está toscamente exposta.
Muitos exemplos poderiam aduzir-se para esclarecer vividamente esta ideia. Um dos
mais expressivos é o sugerido pelo que sucedeu a um negociante de automóveis de Los
Angeles, que tinha o costume de ensinar a dirigir o carro a quem o comprasse. Houve um
comprador que, em consequência, estava aprendendo a dirigir o automóvel, e tardou
longo tempo em dominar a direção, porque o obsedavam os postes telegráficos, como
costuma ocorrer a muitos em circunstâncias semelhantes. Saía o nosso homem de manhã
bem cedo pelo melhor caminho que podia achar solitário, guiando vacilantemente o
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automóvel, com a vista posta na calçada e sem se lembrar dos postes telegráficos, até que
numa curva viu um; e disse para consigo: "Espero que não me vá chocar contra este poste.
Hei de evitá-lo." Mas, segundo repetia o solilóquio, o pensamento do poste ia crescendo
em sua mente, até ocupá-la por completo, sem deixar lugar para o pensamento da
calçada. Então se manifestou notoriamente o poder do pensamento, porque a ideia do
poste ocupava a sua imaginação, enchia a sua mente e dominava as suas ações, embora
vividamente desejasse não se chocar contra ele. Suas mãos, antes inseguras, agarraram
firmemente o volante e com a precisão de um experto automobilista se teria dirigido
diretamente para o poste temido, se por fortuna não tivesse ao seu lado o instrutor na
direção, pois, do contrário, cabe duvidar se teria tido a suficiente serenidade de ânimo
para deter o carro antes do choque.
Este exemplo demonstra o poder que sobre o corpo exerce uma firme e clara imagem
mental, e quão possível é empregá-la para manter ou recuperar a saúde, como afirma
Coué.
Também se nota este poder em muitas outras circunstâncias desconhecidas da
generalidade das pessoas.
O Sr. Clarence Underwood, conhecido pintor norte-americano de anúncios comerciais,
entre eles o de uma fábrica de cosméticos, no qual figuravam várias meninas escolares com
diversidade de coloração de tez, nos mostra como o poder do pensamento modelou o
rosto e o aspecto de uma filha sua.
Disse ele a este propósito:
"Faz alguns anos, deixei de pronto de pintar o tipo de mulher loira, que havia
prevalecido em minha obra, e passei a pintar uma mulher morena. Perguntavam-me as
pessoas quem era, e em verdade eu não sabia dizê-lo, porque não era certamente o
modelo de que me servia nem tampouco uma combinação de vários modelos. Ao menos
para mim, era unicamente um tipo ideal. Minha filha Valéria, na ocasião com seis anos de
idade, enamorou-se intensamente daquele rosto moreno de moça, para por detrás de
minha cadeira observar atentamente meu trabalho, e protestou vivamente quando eu, ao
descobri-la, lhe ordenei que se retirasse. Durante anos pintei aquele mesmo rosto com
leves variações, e ao completar Valéria 21 anos, era a viva imagem daquele rosto que eu
havia pintado tantas vezes, muitos anos antes. Compreendi que esta semelhança era o
resultado do amor e admiração que minha filha sentira ao ver a pintura de meu modelo
ideal. Antigos amigos meus notaram também a assombrosa semelhança, conquanto, na
época em que pintei aquele rosto, 'Valéria era uma menina sem a menor semelhança com
a pintura. Suas feições foram mudando de conformidade com as do rosto pintado de que
ela havia se enamorado, e eu mesmo pude consegui-lo mais facilmente do que ao de
qualquer outra moça. A jovem norte-americana está hoje mais próxima do resultado do
ideal artístico, do que ela própria pode imaginar."
A crença do poder do pensamento, e especialmente na aquisição da beleza corporal
pelo pensamento na beleza artística, está se difundindo amplamente nos Estados Unidos, e
não é de estranhar que alguns famosos artistas desse país considerem que, ao produzir
formosas pinturas do rosto e do corpo humano, desempenham parte importantíssima no
rápido desenvolvimento de uma nova e esplêndida raça nacional. Suas pinturas estão bem
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tipografadas e circulam em centenas de milhões nos exemplares das revistas ilustradas e
nos magníficos cartazes e anúncios do país, porque a beleza artística tem conquistado um
positivo e permanente lugar no comércio norte-americano. Os jovens de ambos os sexos, e
às vezes também os velhos, contemplam aquelas cromografias e anelam "ser como elas".
Diz Harrison Fisher que quando uma jovenzinha admira um tipo de beleza, visto numa
gravura, e pensa muito nele, acaba por parecer-se algum tanto ao admirável rosto, como o
têm observado muitos pintores.
Howard Chandler Christy, cuja opinião não deixa nunca de ser solicitada nos concursos
de beleza dos Estados Unidos, afirma que a altura da mulher aumentou de alguns
centímetros desde que as gravuras das ilustrações a representaram algo mais alta, e
puseram assim diante dela o ideal feminino da beleza física.
O que está de contínuo diante dos olhos tende a impressionar a mente, que por sua vez
influi no corpo; e tal é a razão de que marido e mulher propendam a parecer-se um com o
outro à medida que passam os anos.
Muito análogo a estes efeitos é o da influência pré-natal do firme e constante
pensamento da mãe. Tal foi a ideia das mães na antiga Grécia, que costumavam
contemplar as estátuas para que seus filhos nascessem formosos.
A Senhora Ruth J. Wild, de Brooklyn, cuja filha obteve o primeiro prêmio num concurso
de beleza em que competiu com muitas outras jovens formosas, refere que durante uma
época de graves dificuldades materiais e morais, em que havia ficado sozinha no mundo,
determinou que, se lhe nascesse uma filhinha, esta chegaria a ser uma formosa jovem. Para
esse fim frequentava o museu de Brooklyn e permanecia sentada contemplando as
estátuas de Vênus e Adônis. Também levava consigo a capa de uma revista ilustrada, com
uma cabeça feminina pintada por Boileau; e de contínuo mentalizava a imagem que de sua
futura filha havia forjado. Chegado o tempo, nasceu-lhe a filha que esperava, e diz a este
propósito essa Senhora:
"Todos os meus sonhos e esperanças se concretizaram na mais formosa criatura do
mundo. Disseram os médicos que jamais haviam visto uma menina tão linda. Um deles, ao
saber que ainda me achava em circunstâncias econômicas muito apuradas, ofereceu-me
por ela vinte mil dólares; mas nem por todo o ouro do mundo a teria vendido, porque tinha
consciência de meu êxito. Ao contemplar o rosto da menina, notei que era a viva imagem
da pintura de Boileau, e deduzi que suas feições se desenvolveriam segundo as linhas de
beleza das estátuas que durante a gravidez eu havia contemplado. Assim sucedeu, com
efeito, e hoje em dia tem o mesmo brilho de cabelos, as mesmas negras e espessas
sobrancelhas e a exata expressão da pintura de Boileau, que durante tanto tempo levei
comigo e que tão ferventemente contemplava."
Outro caso é o da Senhora Virgínia Knapp, de Nova Iorque, cuja filha Dorotéia ganhou o
prêmio de Vênus dos Estados Unidos, concurso de beleza celebrado em Madison Square
Garden.
Também a Senhora Knapp concentrava sua mente em coisas muito belas. Perambulava
solitária por entre as belezas naturais, e pedia à Natureza que concedesse à sua filha alguns
de seus atrativos. Afirma esta Senhora que a formosura de sua filha não é de herança,
senão o resultado de sua própria vontade e determinação durante o período pré-natal.
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Nestes casos influi diretamente o pensamento no corpo sensitivo do feto, porque é
bem sabido que entre este e a mãe não há conexão nervosa.
Já está definitivamente comprovado que o pensamento de um indivíduo pode afetar as
mentes alheias e também deixar sua impressão na matéria física. E eu próprio dou
testemunho de haver presenciado centenas de vezes estes fenômenos realizados com
perfeita exatidão e amiúde sob rigorosa comprovação, na Índia e em outras partes.
Não há necessidade de deter-nos nas conhecidas atividades do pensamento, que
governam nossa vida diária e dão a tônica ao ambiente de nossa civilização. Sob o seu
domínio estão todas as modalidades da cultura e do esforço humanos: a filosofia, a
literatura, a ciência, a religião e a arte, aplicadas todas aos mínimos pormenores da vida
cotidiana. Diz Emerson que todas as coisas são fluídicas ao pensamento"; e
verdadeiramente, no transcurso do tempo, chegará o homem a resolver, em virtude do
pensamento, muitos problemas da vida e da natureza, e submeterá a seu serviço forças
ainda mais potentes que as até agora conhecidas. Assim, cabe esperar uma cada vez mais
crescente devoção à confraternidade humana, para realizar progressivamente o propósito
da vida humana.
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CAPÍTULO IV
O PODER DO AMOR
Assim como kriya ou o pensamento serve para conhecer as coisas materiais e suas
relações e é o poder criador da vida material, assim jnana nos familiariza com a consciência
dos seres viventes e exerce o grande poder de amor nos homens.
Jnana é sabedoria, que não se deve confundir com o conhecimento. Acertadamente
dizem os livros que todo o nosso conhecimento das coisas é avidya, ajnana; mas estes dois
termos têm sido impropriamente traduzidos por "ignorância", quando em verdade
significam "assabedoria". A palavra ignorância se refere exclusivamente à carência de
conhecimento, sem relação com jnana.
A jnana-vijnana-sahitam, a sabedoria irmanada com o conhecimento, é a verdadeira
sabedoria que tem de conduzir a humanidade à perfeição, porque o Eu obtém proveito
quando o dirigem a sabedoria e o conhecimento.
Shri Krishna explicou com perfeita clareza o significado da palavra Sabedoria em dois
versículos de Gitâ, quando fala das coisas que os homens podem empregar a serviço de
Deus e em benefício da humanidade.
Diz assim:
"Mais aceito que qualquer oferenda é o sacrifício da sabedoria, ó Parantapa! porque
toda plenitude de ação, ó Patha! culmina na sabedoria. Aprende isto por discipulado, por
investigação e por serviço. Os sábios, os videntes da essência das coisas, te instruirão em
sabedoria". (Bhagavad Gitâ, IV: 33 e 34)
Seguramente Krishna dava a entender que quantas obras os homens realizaram no
passado pereceram no pó; porém que, não obstante, o fruto dessas obras perdura como
sabedoria na alma·humana. E também que esta sabedoria não é o mero conhecimento das
coisas acumulado na mente, senão a compreensão da vida.
Qualquer que seja o tipo de suas obras neste mundo, distingue-se claramente o sábio
do erudito. Se, por exemplo, é professor ou estadista, não terá nenhuma ideia nem plano
preconcebidos a que tenha de submeter seus discípulos ou cidadãos, senão que será
sumamente sensível às condições de vida daqueles com quem trate, aos seus
pensamentos e sentimentos, e ao estado de sua consciência, respeitando-os como o
engenheiro respeita em seus projetos as propriedades da madeira e do aço.
O mais a propósito para instruí-lo não é aquele que melhor conhece um assunto, senão
aquele que, por ser sensível à vida, está capacitado para compreender a consciência de
seus discípulos. Pois ele necessita algo mais do que o conhecimento adquirido pelo estudo;
necessita da experiência do coração, dimanante da simpatia e contato da vida com a vida.
Quem, em todo mundo, supera em sabedoria à mãe que inconscientemente tudo pospõe à
felicidade de seu filho?
Portanto, a sabedoria é uma espécie de sentimento sublimado, ou melhor, um sublime
sentimento especial da alma, que não se transmuta em nenhum sentimento inferior. Com
certa precaução cabe dizer que o seu aspecto negativo em simpatia ou sensibilidade a
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respeito das vidas alheias, e que sua modalidade positiva são potências do amor.
A sabedoria é o real sentimento humano, e sua corrupção é o desejo.
A sabedoria é o amor dos seres viventes à vida, enquanto que o desejo é o amor às
coisas materiais. Se um homem deseja vivamente bens materiais, poderio ou fama no
mundo, deixa atrás de tudo isto o anelo de vida mais alta. Mas como incorre no erro de
considerar-se uma personalidade material, um corpo com uma série de pensamentos e
emoções a ele adstritos, sua ideia do acrescentamento da vida o conduz a desejar bens
materiais e poderio pessoal sem se aperceber de que seus próximos são seres viventes,
pois para ele não são mais que complexos e animados mecanismos materiais, que o
agradam ou desgostam segundo lhe sirvam ou estorvem para a realização de seus planos e
desejos.
Mas o sábio é sensível à vida dos demais seres. Considera-a como sua própria a todo
instante e não traça plano algum sem tê-la em conta, de sorte que o amor que assim enche
a sua vida a enaltece e dilata sem cobiça de sua parte. É-lhe impossível ambicionar fama e
não anseia ocupar as mentes alheias para ampliar-se e multiplicar-se nelas, senão que, ao
contrário, movido de universal simpatia, encherá a sua mente e sua vida com os interesses
e necessidades do próximo.
O amor nos traz à vida, não só à física, impelindo-nos a nascer neste mundo, senão que
a cada instante nos dota da mais esquisita sensibilidade e nos conduz a novas experiências
e deveres.
Conhecida é a antiga descrição do avaro que desce ao porão ou sobe ao desvão de
candeia na mão, e ali se fecha para deleitar-se na contemplação de seu tesouro,
adornando seu pescoço e braços com as joias em que se recreia com mórbido prazer.
E, contudo, não desfruta de positivo prazer, porque sempre se sente tomado de
repentino temor, e o sobressaltam as sombras que projeta a trêmula luz de sua candeia,
que se estremece a cada ruído. Verdadeiramente o egoísmo do avaro receia o contato do
próximo e estreita horrivelmente a sua vida. Mas o amor a expande; dissipa todo temor e
humaniza o homem. É o real sentimento humano, e quem o perde, perde sua verdadeira
vida, embora prossiga o movimento do corpo.
Essa narração, muito em voga na índia, demonstra quanto o amor difere do
pensamento, e como se há de obedecer aos ditames do amor em tudo quanto concerne à
vida humana.
Faz muito tempo vivia em uma populosa aldeia da índia um potentado ricaço, já velho
e de mau gênio, pois empregava toda a sua riqueza e poderio em perseguir e atormentar
os que não eram de seu gosto, pelo que trazia atemorizados os aldeões. O filho deste
opulento magnata era de benigna condição, e todos anelavam o dia em que ele herdasse
as riquezas e o poderio de seu pai, e fosse uma bênção para os seus vassalos. Certo dia
chegou à aldeia um errante sannyasi que ia por toda a parte praticando o bem, e deteve-
se ali algum tempo. Muito logo se apercebeu da conduta do tirano senhor, e disse para
consigo, em breve reflexão:
"Por que não matar este velho e livrar esta gente de sua angústia e dar ao filho
oportunidade de prodigalizar o bem, o que seguramente ele fará enquanto puder? O velho
não é feliz, e nada me importa o que se faça de mim, conquanto que eu faça o bem." Mas
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depois se pergunta aos que escutaram a narração: "Que fariam vocês no caso do sannyasi?
O lógico parece que é um bem matar um tirano." Contudo, felizmente, a maioria dos
consultados responde que não mataria o velho, como tampouco o matou o sannyasi do
conto ao seguir os impulsos de seu coração.
A sabedoria nos dá a conhecer que todos nós formamos uma unidade, e tão insensato
seria crer que se pode adquirir a felicidade prejudicando ao próximo, como alcançar a
verdade por deliberada falácia do pensamento.
Análogo problema está hoje equacionado no Ocidente pelo método experimental da
vivissecção. Ninguém se compraz nela; a todos faz estremecer de horror, e, aos
investigadores que têm de praticá-la, lhes repugna ao princípio, até que se lhes endurece o
coração. Pratica-se a vivissecção em nome da lógica e do bem da humanidade, e ao
entendimento parece desculpável, porque ela propende para diminuir o sofrimento
humano. Mas ainda que fosse possível esta minoração do sofrimento humano, não será
por semelhante processo, enquanto o karma governar o mundo, pois disso resultaria o
endurecimento dos corações humanos e o retardamento do progresso da raça.
Seguramente que todos imaginamos a futura humanidade composta de indivíduos de
grande amor e poder, sem arrastar-se pelas brechas do solo, lastimavelmente escravizados
a decrépitos corpos, que têm de cuidar e manter com grave prejuízo e incrível dor ao
próximo. Contudo, parece que ninguém se apercebe de que sua falta de sabedoria afasta
tão gloriosos dias.
Também se nota a sabedoria no ingênuo sentimento que anima o filósofo Emerson, o
qual, ao regressar à sua casa de uma viagem, costumava tocar com a mão os mais baixos
ramos das árvores de seu jardim, e afirmava que lhe parecia que as árvores se alegravam
de voltar a tê-lo entre elas. O mesmo se observa entre muitos dos escritos e poesias de
Rabindranath Tagore, que se compenetra com o espírito de uma criancinha ou de um
arroio e sente a finalidade da vida nas míseras vielas de uma populosa cidade.
Jnana, a sabedoria, é amor, a consciência da unidade da vida.
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CAPÍTULO V
O PODER DA VONTADE
Recordemo-nos da experiência daquele homem de Los Angeles, que não podia
aprender a guiar o automóvel, apesar de seus esforços em dominar o volante, porque o
obsedava o temeroso pensamento de se chocar com os postes telegráficos.
Embora este exemplo demonstre a influência do pensamento, não denota a relativa
fraqueza da vontade. Naquele caso não estava a vontade vencida, mas em suspenso.
Aquele homem não queria; desejava. Eis aqui a diferença entre a vontade e o desejo. A
presença de um desejo ou uma esperança na mente humana denota ausência de vontade;
e quem cede a seus desejos entrega inteiramente sua divindade e abdica seu trono.
Muito simplesmente pode demonstrar-se a completa separação e mútua exclusividade
entre desejar e querer. Se temos o lápis sobre a mesa e refletimos sobre pegá-lo ou não
pegá-lo, poderemos chegar à conclusão de pegá-lo ou não pegá-lo. Não haverá desejo a
respeito do assunto, porque temos a segurança de que em nosso poder está o pegar ou
não pegar o lápis. Mas se o lápis pesasse meia tonelada, ou crêssemos que a pesasse,
diríamos então: "Eu desejaria poder levantar este lápis!"
Quem deseja algo reconhece com isso sua dependência de uma probabilidade externa.
Acha-se em estado expectante, e não aguarda voluntariamente algo que está seguro de
que há de chegar a seu devido tempo, senão que espera que ocorra o que deseja.
É impossível calcular a insensatez do desejo, com a completa negação da vontade que
encerra; e cabe dizer incidentalmente que tão só será capaz de progredir na senda oculta
quem completa e definitivamente mate o desejo.
Se o pensamento é o poder que atua entre as coisas materiais, que é a vontade? É a
potência que atua entre os pensamentos e as emoções e sentimentos. É concentração. É
atenção. É a potência que subdivide a mente em consciência e subconsciência. Se o
homem do automóvel houvesse conhecido esta simples vontade, seguramente alijaria
facilmente o temor aos postes telegráficos. Se houvesse dito: "Não penses no poste. Fixa-te
na calçada e pensa nela. Esquece o poste e enche tua mente com o pensamento no
caminho por onde segues".
Se houvesse tratado de seguir o seu pensamento em vez de suas mãos, tudo lhe teria
saído bem.
Análoga circunstância haverão certamente observado pela noite muitos inexpertos
automobilistas, quando em sentido contrário veem outro automóvel com os faróis acesos.
O motorista não deve deixar-se fascinar pela ideia nascida do temor de se chocar com o
automóvel oposto, cuja presença a assinalam os faróis, mas deve apartar a vista de sua luz
e fixar-se na parte escura da estrada por onde vai, embora não possa vê-la.
A ânsia não é uma forma da vontade, senão precisamente a expansão do desejo.
Enquanto o desejo é comumente a apetência de possuir algo que não se tem, a ânsia vai
mais além e implica o temor de perder o que já se possui ou o temor das várias
probabilidades que ameacem estorvar a satisfação do desejo. O desejo não é tanto o
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reflexo da vontade, mas um reflexo do amor; no entanto, o amor contrafeito perde
sua·característica própria, porque se apega às coisas materiais, enquanto que a esfera
peculiar do amor é a vida consciente.
Portanto, a vontade é o Atma, o Eu que se conhece a si mesmo e manifesta o seu
poderio sobre todas as suas relações com o mundo das coisas e da vida. A vontade é o Eu
sou Eu, e tal se verá que é sua natureza sempre que o homem trate de determinar o seu
futuro. A vontade está relacionada com o verbo "ser" e não com o verbo "fazer".
Quando um indivíduo toma a determinação de "trabalhar firme em seu negócio para
ganhar muito dinheiro", está-se dizendo quase inconscientemente a si mesmo: "Serei rico";
e esta ideia vai tomando corpo em sua mente e move o seu ânimo até que o pensamento
de ser rico o leva à ação.
A vontade conduz, em definitivo, à verdadeira vida superconsciente, à bem-
aventurança, felicidade ou ananda. Este estado de existência é independente do tempo;
mas a consciência atua no tempo, embora não no espaço, e, ao atuar, evolui ou
desenvolve-se, se bem que esta evolução ou desenvolvimento não signifique forçosamente
progresso. Este ponto é de suma dificuldade e dele tratarei mais adiante; mas direi de
pronto que obscurece a consciência e divide a mente, pois que a vontade se dirige a uma
parte de si mesma para o melhor conhecimento desta parte durante algum tempo. É o
mesmo que se um escolar concentrasse durante certo tempo toda a sua afeição no curso
de música e se esquecesse da geografia, história e demais disciplinas escolares. Quanto
mais completo fosse este esquecimento, melhor aprenderia a música.
Assim é como se precisa proceder enquanto se está adquirindo este novo
conhecimento; mas posteriormente a consciência será mais capaz de estudar
conjuntamente música, história, geografia, etc., em vez de concentrar toda a sua força
numa só matéria.
Isto é o que faz a mente subconsciente, em que a vontade, a sabedoria e a atividade
operam sem que disso se aperceba a mente consciente, ou melhor, a parte consciente da
mente, pois que não há duas mentes separadas.
Para esclarecer este ponto, referirei o que me ocorreu com um cavalheiro ancião, de
uma cidade do sul da Índia, muito hábil no governo das faculdades da mente.
Entre os muitos experimentos que me mostrou, distinguiu-se o que ele fez com um
baralho. Primeiro escreveu algo num pedaço de papel, dobrou-o e mo deu dizendo que eu
o guardasse em meu bolso. Depois me convidou que baralhasse os naipes e os estendesse
com o dorso para cima sobre a tarima em que me achava sentado à moda hindu. Feito isto,
disse-me que escolhesse o naipe que eu quisesse, e assim o fiz ao acaso. Então me disse
que olhasse o naipe e ao mesmo tempo o papel que eu havia guardado no bolso, e vi que
no papel estava escrito o nome da carta que ao acaso eu havia escolhido. A pedido do
cavalheiro, entreguei o baralho a dois hindus amigos meus, que me haviam acompanhado
ao visitá-lo, e repetiu o experimento outras duas vezes, dando a cada um deles um papel
diferente, sem tocar em nada no baralho.
Depois me ocorreu tentar por minha conta uma experiência de menor importância, e
para isso supliquei ao cavalheiro que me desse outro papel escrito, ao que acedeu
satisfeito, porque não se limitava a ostentar as suas extraordinárias faculdades, mas tinha
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interesse em instruir-me tanto quanto fosse possível nesse particular. Baralhei as cartas e
estendi-as como da outra vez; mas antes de escolher uma, concentrei minha mente na sua
e lhe dirigi em silêncio este pensamento: "Qualquer que seja a carta que você tenha
escolhido, não a escolherei eu desta vez". Em seguida levantei uma carta, tirei o papel do
bolso, desdobrei-o e com grande surpresa do cavalheiro, a quem jamais eu havia contado a
experiência, resultou que a carta escolhida não era a mesma cujo nome estava escrito no
papel. Referi-lhe então o que eu havia feito, e ele respondeu que o feito por mim explicava
perfeitamente o sucedido.
Em consequência quis revelar-me o segredo da experiência, e disse-me:
"Antes de tudo, escolho uma carta qualquer, cujo nome anoto num papel. Depois
concentro vigorosamente o pensamento neste nome e transfiro o pensamento para a
mente da pessoa que tem de escolher a carta. Este pensamento fica fixo na mente da
pessoa com o mesmo vigor que lhe dei ao transferi-lo, porém sem que disso se dê conta a
mente consciente de quem o recebe. Pois bem: a mente subconsciente tem suas próprias
faculdades de percepção, e com acerto dirigida é capaz de ver as cartas como se estivessem
descobertas, ainda que o olho físico não as possa ver. O pensamento fixo na mente
subconsciente move o braço e a mão para o ponto onde está a carta por mim escolhida e
também a escolhe a pessoa em ação.
Mas neste caso, quando você dirigiu a sua vontade contra a minha, desfez a imagem
mental que eu havia forjado.com o meu pensamento.
Dito isto, felicitou-me ao estilo oriental pela fortaleza de minha vontade, embora
houvesse sido muito possível que, se se precavesse de minha intenção, houvesse realizado
com êxito a experiência, como tal sucedeu imediatamente depois com meus amigos hindus
que, apesar de não quererem levantar a carta escolhida, a levantaram cada vez como se
lhes obrigassem.
Poderá arguir-se que o cavalheiro bem poderia deduzir minha intenção por
transferência de pensamento, mas parece-me que ele estava demasiado preocupado com
o êxito de sua experiência.
Tempos depois tive uma surpreendente continuação desta experiência em meu Colégio
de Hyderabad, província de Sind, a três quilômetros da cidade de Trichinopoly, onde eu
havia passado uma semana com o mesmo cavalheiro.
Uma tarde, depois de um dia de muito trabalho, estava eu sentado em meu aposento
junto com dois amigos, um dos quais professor de ciências políticas em meu colégio. Era
este professor um hindu graduado com distinção em Oxford, o qual em sua permanência
na Inglaterra havia aprendido alguns jogos de prestidigitação muito engenhosos, com
cartas, e aquela tarde nos estava entretendo com vários deles, num feriado. Meu
pensamento estava muito longe de tudo quanto se referisse a investigação psíquica, pois
me preocupavam as graves perturbações do momento, ocasionadas pela agitação política
suscitada entre os alunos do colégio, que no meu entender comprometia gravemente o seu
futuro. De súbito, sem prévio aviso, ouvi ressoar em metade de meu cérebro uma voz
varonil que claramente pronunciou estas seis palavras: "Cinco de paus. Tente esta
experiência". Eu acreditei que se referia à experiência passada em Trichinopoly algum
tempo antes; mas, obediente à voz, escrevi "cinco de paus" num pedaço de papel; dobrei-o
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e disse ao professor que sem olhá-lo o guardasse em seu bolso. Depois o convidei a que
baralhasse as cartas, que eu não havia absolutamente tocado; estendesse-as dorso para
cima pelo solo onde nos achávamos, e que escolhesse depois uma ao acaso e a comparasse
com o escrito no papel.
Ao descobrir a carta escolhida, era o cinco de paus, e é de se imaginar a surpresa do
professor quando viu escrito "cinco de paus" no papel que eu lhe havia entregue!
Não sei, certamente, como me guiou a voz naquele caso; mas de meus conhecimentos
sobre o poder do pensamento, parece-me muito razoável crer que o cavalheiro ancião,
residente a três quilômetros dali, sabedor de nossa ocupação, me havia sugerido a ideia
ajudando-me a realizar com êxito a experiência, a qual, por outro lado, é muito valiosa
como manifestação do modo como o pensamento e a vontade podem atuar na parte
subconsciente da mente.
Ao considerar o modo como o pensamento é a potência operante no corpo e nos
misteres da vida diária, devemos ter em conta que às vezes o pensamento é subconsciente
e que muitas das chamadas vicissitudes da vida provêm da ação subconsciente do
pensamento dirigido às vezes pela vontade.
Por exemplo, pode um homem não ter nada que fazer certa tarde e decide sair a dar
um passeio. Põe o chapéu ou o turbante, o guarda-chuva ou capa, e toma uma direção ou
outra de seu caminho. Durante o passeio encontra um amigo que lhe propõe um negócio
ou lhe sugere uma nova linha de conduta cujo resultado é dar uma viravolta completa e
feliz em sua vida. Quando, depois, ao fazer uma retrospecção deste incidente, o
considerará como o ponto de conversão de sua vida, dizendo que foi muita sorte sair
aquela tarde a passeio e encontrar o seu amigo.
Talvez não tenha sido sorte nem casualidade, senão que o Eu interno, seu ser
verdadeiro, moveu a personalidade a sair a passeio e tomar a rua onde encontrou o seu
amigo, da mesma maneira que resultou minha mão ser guiada para escolher a carta entre
as do baralho estendido na tarima.
Todos temos mais ou menos prova experimental de que de quando em quando nosso
homem interno consegue impressionar a parte consciente da mente, e a esta impressão
chamamos a voz da consciência, pois sabe muitíssimo mais acerca da verdadeira e reta
norma de vida que o eu inferior ou personalidade operante nos limites da mente vigílica.
Assim distinguimos claramente entre Ichchha e kriya, entre vontade e atividade; e
vemos que a vontade é independente do desejo; que a atividade é atividade do
pensamento; e que vontade e pensamento são duas potências. O pensamento influi no
corpo e nas coisas da vida. A vontade atua no Eu e influi nas emoções e pensamentos.
21
CAPÍTULO VI
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CAPÍTULO VII
O DIVINO E O MATERIAL
Comparemos agora o mundo de sat com o mundo de chit, para ver como estão
relacionados. O primeiro é propriamente material, e ao segundo lhe enquadra melhor o
qualificativo divino. E devemos compreender que por muitas que sejam as coisas do mundo
material e muitas as consciências do mundo de chit, não há em realidade mais que uma só
coisa no mundo de sat e uma só consciência no mundo de chit.
Esta verdade fundamental é evidentíssima no mundo material e tem suma importância.
O mundo material não está constituído por grande número de coisas reunidas e
sintetizadas como peças soltas à maneira de ladrilhos. Pelo contrário, o procedimento é
Inverso, pois todas as coisas que conhecemos estão abstraídas e como que desglosadas do
mundo material, porém não são mais que uma só e sua unidade está demonstrada pela sua
recíproca dependência externa.
Consideremos o que deve suceder na mente da criança quando abre seus olhos ao
mundo. Primeiramente o vê em gigantesco conjunto, como se fosse uma compacta e
indefinida massa de matéria, depois vai distinguindo nesta massa os objetos de maior
tamanho ou vividez, e posteriormente os objetos mais miúdos.
É algo semelhante à visão do viajante quando o navio em que navega se aproxima da
costa. Primeiro vislumbra uma sombra que pode ser terra. Depois vê claramente que é
terra e aparecem os píncaros das montanhas, logo as árvores e as casas, ate que, já mais
perto, percebe as pessoas, os animais e também as flores das plantas.
Para adquirir conhecimento é necessária análoga diferenciação da massa ou conjunto
das coisas do mundo objetivo. Todo silogismo tem sua premissa universal sem a qual não
seria possível o claro conhecimento, que depois de tudo não consiste em algo novo, senão
na distinta percepção do que antes estava confuso ou inadvertido. Bem sabemos que
percebemos as coisas por analogia e comparação. Muito melhor que observarmos
separadamente um cão e um gato, os conheceremos se os pusermos juntos e estudarmos
sua analogias e diferenças.
O mais hábil pensador sobre um assunto é o que já possui maior número de ideias de
comparação, com tanto que haja dirigido bem estas ideias e estejam claras e ordenadas em
sua mente. Todo pensamento é abstrato. A mente não pode manter duas ideias ao mesmo
tempo, mas, sim, uma ideia que inclua duas ou mais, que em tal caso são parte de um
conjunto maior.
Tão lógico quão real é que o menor depende do maior e a parte, do todo. Característica
das coisas materiais é o não terem iniciativa nem mudarem por si mesmas, senão que sua
mudança depende de influências externas. Assim um livro posto sobre uma mesa ali
permanece porque está na mesa, que por sua vez repousa sobre o pavimento e este sobre
as vigas que se apoiam nas paredes, e as paredes no cimento e o cimento no terreno.
Ademais, a terra é um corpo material sustido no espaço pelos cabos invisíveis da energia
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material da natureza, e, portanto, depende de seu centro de atração, que é o sol.
Vemos assim que unicamente se sustenta e sustém por si mesmo o conjunto do
universo material e que todas as partes dependem do conjunto. Não se pode afirmar,
absolutamente, que o universo esteja constituído de partes, senão, antes, que estas partes
estão, por assim dizer, desglosadas do conjunto, no qual têm seu apoio e raiz.
No mundo da lei existe eternamente toda realidade objetiva. Por exemplo, quando
misturamos dois volumes de hidrogênio e um de oxigênio, e fazemos passar pela mistura
uma chispa elétrica, ambos os gases desaparecem da percepção objetiva, combinados em
dois volumes de água. Desde logo se dirá que na água resultante estão o hidrogênio e o
oxigênio com sua mesma matéria e energia; mas convém ter em conta que não temos
produzido nada novo, nem sequer em relação com as propriedades. É evidente que a água
não estava antes ali, e o está depois da combinação de ambos os gases; de modo que, se só
considerarmos as propriedades aparentes das coisas, creremos que algo novo temos
produzido; mas ,tudo quanto fizemos e manifestar a realidade sempre existente da água.
O mais apropriado símile que podemos dar desta verdade é o das caixas de cubos ou
hexaedros de madeira que servem de brinquedo instrutivo às crianças para reproduzirem
as lâminas cromotípicas que lhes servem de modelo. Cada uma das seis faces de cada
hexaedro tem pintada ou gravada uma porção arbitrária de um dos modelos, e o toque
está em dispor os cubos ou hexaedros uns ao lado de outros, de sorte que reproduzam o
modelo, para o que é necessário ir tateando e discorrendo para acertar com a exata
ordenação.
Uma vez tenha a criança conseguido reproduzir uma lâmina, volta a desordenar os
hexaedros para dispô-los novamente. De sorte que as faces superiores reproduzam outro
modelo. Poderia imaginar-se ser a criança o autor das lâminas reproduzidas, mas não há
tal, por que o foi o artista que as desenhou, e tudo quanto a criança faz é ordenar os
hexaedros de modo que apareça o quadro, cena ou paisagem que o artista compôs.
Assim, ao combinar o oxigênio e o hidrogênio, aparece a. água, e nada se acrescenta
nem se subtrai da realidade. Em todas as coisas ocorre o mesmo de maneira que em toda
produção ou invenção humana rege a mesma lei. Esta realidade é a que a mente percebe
nas usualmente chamadas leis naturais. A lei e uma realidade existente, é sattva, o mundo
das ideias, a objetiva mente universal.
Também tem acontecido dar-se a sat o nome do grande princípio passivo. Segundo já
se disse, na plenitude, ou conjunto do universo material não há iniciativa, porque não ha
tempo, o qual pertence a chit, Já vimos a dependência do livro a respeito da mesa, da mesa
a respeito do pavimento, etc., ate considerar a totalidade das coisas. Esta totalidade tem de
ser, existir e mudar por si mesma, pois não pode haver nada de sua mesma, índole, que do
exterior lhe infunda energia material. Portanto, ha de ser divino ao mesmo tempo que
material. Brahmâ alentado por Vishnu.
Mas chit é o divino em todas as partes. É o grande princípio ativo, consciente, que é e
existe e muda por si mesmo, independente, onipotente, a essência do tempo.
Tive razões especiais para empregar a palavra "divino" em vez da "espiritual", que
acaso tenha ocorrido a alguém para expressar a ideia. A palavra espírito denota algo assim
como matéria sutilíssima, etérea, semelhante a um alento, mas ainda matéria. Em troca, a
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palavra "divino" deriva da raiz sânscrita “div”, que significa "brilhar", e aparece em vários
nomes como div (céu), divakara (sol) e deva (ser celeste).
Portanto, significa divino o que brilha com luz própria ou interna, e muitos povos
antigos consideraram o sol como símbolo do divino, porque do sol dimanam a luz, o calor e
a vida de nosso mundo, enquanto que a lua foi símbolo da matéria, porque sua luz é
reflexo da do sol.
Quem quer que se dê ao trabalho de pensar sobre este ponto reconhecerá que o Ser
divino ou Logos Solar se distingue do Seu mundo por Seu caráter, independência e
iniciativa. Um dos nomes que mais propriamente o descrevem é o de Swayambhu, que
significa o Ser existente por Si mesmo. É onipotente, onipresente e onisciente, porque é a
totalidade do chit de nosso sistema solar, o chit em toda a sua perfeição, enquanto que o
homem é parte deste chit e tem as três qualidades de potência, presença e ciência, porém
sem o prefixo omni.
Em rigor, não deveria empregar-se a palavra Deus para denominar esta suprema
Consciência, que é nosso Irmão máximo. Nossa consciência é algo que utilizamos; não o
que somos, como nosso corpo é também algo de que nos servimos. Pertencemos ao Deus
universal, à vida real além da matéria e da consciência, além de purusha e prakriti, além do
material e do divino.
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CAPÍTULO VIII
HARMONIA
Assim vemos que chit e sat, ou, num plano inferior, o homem em oposição e rixa, até
que Shiva restabeleceu com a Sua presença a harmonia entre ambos, dando-lhes a
entender que os dois eram unos com Ele, e pondo um novo dia em existência.
Assim vemos que chit e sat, ou num plano inferior, o homem e o mundo objetivo de sua
experiência, parecem estar em aberta oposição, até que descobrimos o justo motivo de sua
aparente hostilidade apesar da completa harmonia de propósito em suas relações.
Atrás do homem e do mundo está ananda em que Shiva tem seu ponto de união.
O contato de chit com sat transborda de ananda ou felicidade, como o evidencia cada
ser vivente que ama sua vida, pois o que comumente chamamos vida é o intercâmbio entre
chit e Sat.
É muito comum a ideia de que nos reinos inferiores ao humano a vida está cheia de
felicidade, que no reino animal não é frequente nem duradoura a dor, e que só há temor
no momento de ver a vida ameaçada de destruição. Os milhões de reses, que mês após
mês vão aos matadouros de Chicago e outras cidades, não denotam temor nem tristeza até
verem próxima a morte, porque nem o seu conhecimento nem a sua imaginação lhes dizem
o que os aguarda, e nos pastos a vida lhes foi agradável, ainda que aos homens parecesse
mesquinha. Ademais, em estado natural, o temor influi geralmente nas glândulas e
aumenta as forças físicas com estímulo da consciência, como o animal tímido que tem a
habilidade de burlar e eludir o ataque de seu inimigo.
Conhecido é o conto da corpulenta foca que faz alguns anos vivia num alcantilado da
cidade de São Francisco da Califórnia. Era a foca a rainha da manada que ainda existe
naquela paragem, e, segundo tradição, era-o desde havia cento e vinte anos. Sucedeu que
um dia veio do Sul outra corpulenta foca, na flor da vida, e pareceu-lhe que por sua
juventude devia ser a rainha daqueles alcantilados. A adventícia travou luta com a foca
velha e ambas pelejaram encarniçadamente durante três dias, até que a velha morreu
coberta de feridas.
Por isso se tem dito que a natureza "tem dentes e garras tintos no sangue da presa".
Mas se o considerarmos do ponto de vista da consciência, veremos que não carecia de gozo
a luta de ambas as focas.
Os irracionais vivem mais de sensação que de reflexão, e a velhice não é para eles tão
proveitosa quanto para o homem. Quando os sentidos do corpo começam a debilitar-se,
não tarda em emancipar-se a consciência; falta-lhe já o vivo estímulo que antes a alentava.
Portanto, não há de levar-nos a lastimar que a consciência da foca se emancipasse de seu
corpo em gloriosa pugna em meio da mais intensa experiência por que nunca passara,
sobretudo se consideramos que na viva excitação da peleja é sumamente improvável que o
animal sofresse muita dor.
Verdadeiramente não é de todo ditosa a vida do homem, porque na manutenção de
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suas novas faculdades se põe em discórdia com o mundo. O desfruto do chit o move ao
desdém de ananda, e Shiva tem de se lhe revelar antes que recobre a perdida inocência. Na
vida do homem hão de se reconciliar amistosamente Vishnu e Brahmâ em sua união com
Shiva.
Não está generalizada nos países ocidentais a ideia de que a harmonia entre a
consciência humana e o mundo objetivo é uma das grandes realidades da vida. Ainda
aqueles que creem que este mundo é de Deus imaginam que é o lugar onde Ele põe à prova
as almas que criou, para, decorrido algum tempo, decidir quais são as eleitas e quais as
réprobras. E aqueles que tão só admitem a evolução da forma não se apercebem de que a
mente humana, embora considerada como produto da natureza, está em harmonia com a
sua origem, apesar de ter desenvolvido em si mesma uma indesejável parasita que como
obstinado intruso se mantém frente à natureza. Contudo, a harmonia subsiste e
acrescente-se que o filho de Shiva, nascido pela mera complacência de chit, é como o
renascimento do próprio Shiva para unir Vishnu com Brahmâ.
Explicando tudo isto em linguagem corrente, direi que a natureza é de decadência e
que as obras do homem não tardam em perecer. Mas, se assim não fosse, não poderia
servir este mundo de escola de Deus para o homem. Se as coisas fossem imperecíveis e por
estranha magia pudessem nutrir-nos os alimentos sem consumir-se, poucos homens
trabalhariam para produzir novas coisas, e o extraordinário trabalho requerido para
destruir as velhas coisas que embaraçariam a terra, aumentaria o desânimo daqueles que
quisessem trabalhar para produzir algo novo, e o homem teria escasso incentivo para
exercitar as suas faculdades de pensamento e vontade. Certo é que a natureza não fez a
vida demasiado fácil, senão que sempre lhe oferece experiências favoráveis ao
desenvolvimento harmônico de todas e cada uma de suas faculdades.
O próprio homem testemunha esta verdade, pois tem progredido através dos séculos e
firmemente avança para gozar de maior poder no futuro mediante o ativo emprego de suas
faculdades.
Um dos Upanishads dá uma curiosa definição do homem, dizendo que é ao mesmo
tempo potente e impotente, sábio e ignorante. Se o compararmos no estado selvagem com
qualquer outro ser vivente, o veremos desvalido e ignorante; carece de roupagem e armas
naturais; não é alípede nem alígero para escapar de seus inimigos; não tem o instintivo
conhecimento que aos animais ensina o alimentício e o venenoso, os que são amigos e os
que são inimigos; nem tampouco é capaz de construir uma vivenda.
Poderia crer-se que a natureza fez uma exceção com o homem, pondo-o tão desvalido
no mundo; mas não há tal. O homem sem vestimentas naturais aprendeu a usar sua
inteligência para fabricar para si roupas com que morar em qualquer clima; e também lhe
serviu sua inteligência para fabricar armas e ferramentas que lhe têm dado o domínio do
mundo.
Pôde o homem primitivo queixar-se de sua inaptidão e rogar a Deus que a remediasse;
mas o homem inteligente, reencarnação do primitivo, olha para trás e dá graças a Deus
pelas oportunidades que lhe ofereceu e pela outorgada honra de constituí-lo através dos
séculos em um ser divino que a si mesmo se vai formando constantemente por seu próprio
trabalho, e não como uma coisa material modelada por força de influências externas. Então
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vê o homem através do tempo a sua harmonia com o mundo, e compreende que o mundo
tem sido e é seu amigo, não um amigo sentimental, senão verdadeiro em suas
necessidades.
Como o homem pertence ao aspecto divino e não material do universo, ele desenvolve
cada vez em maior medida faculdades divinas, e Deus o auxilia encarnado no princípio de
harmonia. Deus é onipotente e contudo há algo que Ele não pode fazer, como, por
exemplo, que um gigante seja anão ou um quadrado seja um círculo, porque se o homem é
gigante não pode ser anão, e se a forma é um quadrado não pode ser um círculo.
Tampouco pode fazer que uma vontade seja dependente, porque se a vontade não é
independente, não é vontade. Daqui que Deus reconheça a divindade no homem para a
evolução de sua consciência e de suas faculdades, e neste conceito o homem é por si
mesmo existente e criador e divino em todo o tempo.
A harmonia entre chit e sat em nosso mundo de experiências é maya, chamada
também ilusão, não porque seja de algum modo uma irrealidade, senão porque é
considerada como verdadeira vida, sendo assim que a verdadeira vida é ananda ou
felicidade. Por isto dizem os livros que, para libertar-se, o homem deve emancipar-se
também desta harmonia uma vez tenha completado a evolução de sua consciência. Então
deve destruir a chamada junção do vidente e do visível e permanecer no estado de ananda,
de kaivalya, de unidade, porque a unidade de Shiva não a quebra nem mesmo a presença
de Vishnu e Brahmâ.
No Bhagavad Gitá diz Shri Krishna que esta harmonia é daiviprakriti. Em linguagem
corrente a palavra vida denota a harmonia entre sat e chit, porque quando as pessoas
falam da vida não se referem tão só à sua consciência interna nem a energia externa, da
natureza, senão à harmônica interação de ambas, e o interno e o externo em consideração.
Creem as pessoas que, ao tratar de filosofia, deve a palavra vida ter um significado novo
e distinto; mas em nosso caso não é assim de modo algum.
Essa vida é uma maya, é uma ilusão, unicamente porque não é a verdadeira vida que é
felicidade, a vida de Shiva, encarnado na dualidade de chit e Sat
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CAPÍTULO IX
OS SETE PRINCÍPIOS
Já que existem três aspectos de consciência e três constituintes do ser, cuja recíproca
harmonia é maya, resultam nem mais nem menos que sete realidades fundamentais em
toda a experiência do mundo do homem. Estas sete realidades não derivam de três em
nosso sistema de maya ou vida, porque este sistema é tão só uma parte de outro sistema
superior, em que já existiam as sete realidades. Mas ao constituir Shiva a Sua Trindade de
Seu sétuplo ser, empresta, por assim dizer, três dos sete princípios a Brahmâ e outros três a
Vishnu, reservando para si o primeiro, o ananda.
Disto se infere que as sete realidades ou princípios são perfeitamente iguais e nenhuma
delas está constituída por uma mescla ou combinação com alguma das demais; e, portanto,
pode-se-lhes denominar propriamente princípios ou causas primárias. Se por conveniência
os representamos numericamente, serão os números nomes arbitrários sem que deem
relativa posição às realidades. E se para facilitar a memória os representamos
diagramaticamente não se hão de adstringir aos princípios as propriedades matemáticas do
diagrama. O perigo de usar tais diagramas esta em que de per si pertencem a um princípio,
e dão motivo a que, do ponto de vista deste, se vejam os demais princípios, obscurecendo
desse modo a sua verdadeira natureza. Todavia, arriscar-me-ei a traçar os dois diagramas
seguintes:
SHIVA
Matéria Vontade
Energia Sabedoria
BRAHMÂ
VISHNU
(Amor)
MAYA
Lei Atividade
(Pensamento)
Liberdade 1 5 Verdade
Pesquisa e operação
Governo Ciência
Vontade – Amor
Vontade – Amor
– Pensamento.
Introspecção e
- Pensamento.
no mundo das
operação na
consciência.
coisas.
União Bondade
Filantropia Religião
Compreensão Beleza
Filosofia 3 7 Arte
33
CAPÍTULO X
RELAÇÕES RECÍPROCAS
Já expliquei que Shiva é uno e que Sua unidade não é conturbada pela presença de
Vishnu e Brahmâ, que n'Ele existem e cada um d'Eles é trino. Daqui se infere que, segundo
já disse, Shiva é também setenário. Ao sétimo princípio que por Si retém se costuma
considerar como a síntese dos outros seis; mas em rigor é o primeiro princípio, não
constituído pela combinação dos outros, senão o de que derivam por dedução.
Pois bem: Shiva se relaciona por meio de Sua maya (ilusão) com os seis princípios,
separadamente do seu peculiar, mas Ele permanece sendo unicamente ananda (felicidade).
Vishnu se relaciona com Shiva por meio de ichchha, e com Brahmâ por meio de kriya,
mas de per si permanece essencialmente jnana, o amor, o coração ou a consciência
universal. Brahmâ se relaciona com Vishnu por meio de rajas e com Shiva por meio de
tamas; mas permanece essencialmente sattwa, a lei ou a mente universal ou mundo de
ideias.
Vishnu e Brahmâ existem parelhamente durante todo o período de manifestação ou dia
de Brahmâ, e Shiva os mantém em harmonia por meio de sua yoga maya.
A consciência de cada homem é uma porção de Vishnu ou chit; e a evolução em todos
os planos a que aludem os teósofos é a expansão da consciência individual para
compenetrar-se cada vez mais com Vishnu ou Logos teosófico, chamado por alguns o Deus
ou Consciência suprema de nosso sistema planetário. Não é o Deus universal, senão o Deus
da consciência cuja trina natureza está constituída por ichchha, jnana e kriya.
Para compreendê-lo assim, é necessário prescindir de planos e considerar Vishnu como
a consciência total do sistema. O Grande Triângulo da Hierarquia oculta de nosso globo é
uma importante parte de Vishnu, de Quem são partes menores as consciências individuais
dos homens.
Os três membros do Grande Triângulo da Hierarquia oculta são o Senhor do Mundo, o
Buda e o Mahachoan, que respectivamente representam os princípios ichchha, jnana e
kriya do Vishnu solar, ainda que não representem Shiva, Vishnu nem Brahmâ. Mas como
Vishnu está relacionado com Shiva e Brahmâ ao longo de toda a linha de consciência e não
tão só na sede solar, por assim dizer, temos que os membros do Grande Triângulo
desempenham o papel de Shiva, Vishnu e Brahmâ com relação à consciência do mundo.
Assim o esclarece o seguinte diagrama:
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Portanto, o Senhor do Mundo se parece, por assim dizer, a Shiva, o Deus universal, de
modo que a consciência de nosso globo possa conhecer o Eu e cumprir a sua vontade. O
Senhor Buda mantém a unidade de jnana de nosso globo e a oferece ao Vishnu solar. As
funções do Senhor do Mundo e do Senhor Buda são algum tanto ocultas e transpõem os
reinos de maya. Mas o Mahachoan, que governa o kriya de nosso globo, vale-se desta
potência para relacionar-se com o trino Brahmâ, e por meio de maya relaciona a
consciência de nosso globo com o trino mundo de matéria. Desta maneira Ele tem cinco
princípios a Seu cargo.
Toda vida é vida de Shiva; mas como os homens estão passando pela fase de Vishnu,
conquanto cada qual pertença a um dos princípios fundamentais da única vida de Shiva,
está mostrando por agora a sua natureza essencial mediante uma modalidade de
consciência. Mas recordemo-nos de que a consciência, o processo do tempo, não é a sua
vida real, assim como a mera existência, o processo do espaço, não é a sua consciência. Do
mesmo modo que o homem utiliza em seu corpo uma porção de Brahmâ, também utiliza
em sua consciência uma porção de Vishnu; mas sua vida real transcendente a consciência.
Pois bem: como Shiva - o verdadeiro Deus para o homem - é uno com Vishnu e Brahmâ,
o homem pode buscá-lo enquanto passa pelo consciente estado de vida mayávica,
dirigindo externa ou internamente a sua consciência para o princípio universal expresso por
meio de Vishnu ou de Brahmâ. A vontade, o amor e o pensamento têm assim aplicação
dual, pois podem dirigir-se internamente à consciência ou externamente à matéria,
segundo o raio a que pertença o indivíduo possuidor da referida consciência.
Por outro lado, ainda que todo homem viva na trindade de consciência, é setenário,
porque procede de Shiva, e os sete princípios estão inseparavelmente presentes em todo o
homem, mas ao predominante, por ser mais vigoroso, se chama o seu raio. Portanto, o raio
de um homem não só não é uma coisa material, como tampouco é uma distinção de
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consciência, mas pertence-lhe por sua relação com Shiva. Assim é que não se pode vê-lo,
porque a visão é um dos sentidos, por alto que esteja o plano da visão, e o seu objeto são
sempre as gunas sattva, rajas e tamas.
A consciência nunca é visível, e muito menos o é a verdadeira vida ou ananda. Todavia,
se um homem atua notoriamente em determinado sentido e tem adequado tipo de
matéria (vida na fase sat) para os seus veículos e propósitos, cabe inferir que o seu raio o
incitou a escolher a sua obra e determinou as características do seu corpo.
Ao falar do raio de um homem, considerando o princípio nele predominante, não nos
esqueçamos que também possui os outros seis princípios, e que falamos de um homem,
isto é, de quem é dono de si mesmo até o ponto de governar a sua vida desde o interior de
sua consciência, e não deixar que seja um conjunto de atos reflexos ou de respostas
submissas às influências do ambiente.
O homem que busca Deus por meio de um ideal é positivo e não está submerso em sat,
nem dominado por sat, como o estão os homens de muito atrasada evolução. Vale-se do
poder seu pensamento para indagar a verdade, do sentimento para descobrir a bondade
das coisas e da vontade em ação para achar e revelar a beleza. Todas estas atividades são
completamente diferentes do servilismo e negatividade do embrião de homem que vive
sem outro propósito que se revolver na ociosidade, na indiferença e nos prazeres egoístas.
Os raios dos animais estão claramente assinalados, mas não assim os dos homens até
que estes tenham progredido o bastante no reino humano, pois, enquanto não
progredirem, poderão considerar-se no reto e natural sentido como fracassos de homem.
Com o desenvolvimento de suas faculdades intelectuais, complicou-se de tal maneira o
karma e se abriram influências tão diversas, que geralmente o homem perde de vista, por
obscurecidos, os profundos anelos espirituais de seu verdadeiro ser. Contudo, se alguém se
desse ao paciente trabalho de analisar o homem comum, veria que um de seus sete
princípios é mais vigoroso que os outros seis, e guia as forças de sua alma para o aspecto
universal de si mesmo.
Num homem de caráter, que não seja escravo de seu corpo nem das emoções pessoais
relacionadas com este corpo, nem de ideias fixas ou prejuízos adquiridos, senão que a
vontade, o amor e o pensamento próprios guiem a sua conduta, pode distinguir-se o raio
com relativa facilidade, e também pode formular-se a si mesmo algumas perguntas que o
ajudem a descobrir o raio a que pertence. Mas reservaremos estas perguntas até que
tenhamos descrito especificamente cada um dos sete raios.
Na vida comum dos homens, manifestam-se os raios nos seguintes tipos gerais:
2º O homem de amor, que se esforça por conseguir a unidade por meio da simpatia. É
o filantropo.
7º O homem de vontade, que busca Deus como Beleza no mundo. É o artista e artífice.
As expressões e atividades destes tipos gerais são variadíssimas, e na Parte II deste livro
veremos que incluem, respectivamente, as características atribuídas aos raios pelos
diferentes tradistas desta matéria.
Antes de encerrar a Parte I deste livro, eu gostaria de explicar por que empreguei
termos imaginários da literatura sânscrita, ao invés de outros termos mais familiares aos
leitores ocidentais. Primeiro, porque pessoalmente aprendi estas verdades nesses termos
sânscritos. Segundo, porque (tal qual na ciência e tecnologia modernas) é de se desejar
haver novas palavras para ideias novas, e as palavras sânscritas são as mais adequadas.
Estas verdades são de âmbito mundial, pouco importando a linguagem que lhes empre-
gamos. Os cristãos, por exemplo, podem substituí-las em sua leitura por "O Pai, o Filho e o
Espírito Santo", em vez de Shiva, Vishnu e Brahmâ, se o desejarem.
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PARTE II
OS SETE RAIOS
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CAPÍTULO XI
O PRIMEIRO RAIO
Diz o Manu de nossa raça: "O governo e domínio de si mesmo é felicidade; deixar-se
governar por outros é infelicidade".
Este sentimento anima a quem pertence ao primeiro raio, porque é o primeiro dos três
raios de independência e intuição. Diz-se que as pessoas pertencentes a estes três raios são
independentes porque não consideram o mundo como um mestre ou uma munificiente
mãe, uma formosa mansão, e sim como uma terra de aventuras para a denodada vontade,
o alegre coração e a anelos a mente, a que chega de um longínquo país com o objetivo de
realizar grandes façanhas.
Um homem assim transborda de iniciativas, porque não espera que as circunstâncias e
ocorrências o impulsionem à ação senão que as trata, e às vezes sem o devido respeito,
como peças de um jogo em que está empenhado, como materiais de um projeto que vai
pôr em execução. Chamam-no intuitivo porque deliberadamente emprega as suas
faculdades mentais e emotivas no jogo da vida, onde o exercício as fortalece. Anela na
vontade mais sensação do Eu; no ânimo mais sensação de vida; na mente mais sensação
das coisas. Busca Deus ou a felicidade em sua íntima consciência e nisso emprega a sua
vida, enquanto que outros, com o seu poder e destreza de pensamento, vontade ou
sentimentos, põem a confiança no mundo externo e apreendem as lições da natureza.
Mas ambas as sendas conduzem a um mesmo termo: a amplitude da vida interna e
externa. Porque enquanto o homem busca a Deus na natureza, a beleza, verdade e
bondade dela agem nele e atualizam as faculdades que sente rebulir em seu interior, nota
que só pode empregá-Ias no melhoramento do mundo externo. Portanto, todo homem vai
retrocedendo em seu interior e avançando em seu. exterior, ao mesmo tempo.
A nota predominante no homem de vontade do primeiro raio é o domínio de si mesmo.
Quem pertença a este raio terá sentimento muito vigoroso do Eu, com uma firmeza ante as
circunstâncias e os sucessos que dificilmente logrará nada deste mundo comover ou
quebrantar. Inclinar-se-á às ações positivas, com valor bastante para afrontar a vida como
uma aventura, sem entregar-se à ociosidade nem à diferença. Mas se não está evoluído em
outros aspectos, podem ser desagradáveis as consequências.
Quem esteja evoluído e seja de régia vontade, e a si mesmo se domine, não haverá
para ele "pátria nem lar” determinados no amplo mundo, senão que a dignidade do Eu
será o ponto cêntrico e equilibrante de sua existência. Mas não é a dignidade que exige que
os demais a reconheçam ou que por este reconhecimento se esforça, pois então indicaria
dependência das coisas externas. Pelo contrário, é um altíssimo conceito de hombridade,
da própria existência, com extremo horror ao alheio dedo do importuno sucesso ou pessoa
que ousasse tocar, o sagrado santuário.
Assim como ninguém pode ver a beleza sem admirá-Ia (embora alguns a olhem sem vê-
la), nem ver a verdade sem reverenciá-la, assim todo o que sente o toque do Eu interno
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não pode deixar de ser zeloso sacerdote de seu santuário íntimo. Esta dignidade está muito
longe do orgulho, pois um homem assim é demasiado altivo para ser orgulhoso. Não
consiste em um sentimento de superioridade, já que prescinde em absoluto de toda
comparação e medida com os demais. Seu anelo é ser uno com todos em igualdade de
termos, e seu interesse se cifra principalmente no que é do que no que está. É o homem
sem desejos, que vive internamente.
Em virtude deste ativo poder que o homem sente em sua vida, o supremo ideal deste
raio é a independência ou vida interna, livre das coações do ambiente, com tendência a
dominar as circunstâncias e adaptá-Ias a seus planos. O homem do primeiro raio sempre
tem no xadrez da vida um plano de ataque, realizado em todo o momento possível, e, sem
preocupar-se com o jogo do adversário, move audazmente as peças segundo o plano de
ataque que tenha forjado.
Característica da vontade é chegar ao fim por todos os meios possíveis, isto é, manter
de contínuo a mente em ação até, que cedo ou tarde encontre seguramente o caminho de
sua meta. Este sentimento de sua própria divindade move às vezes o homem a dizer
"Quero", ainda que não saiba como poderá realizar a sua vontade, porque tem a infalível
intuição de que seu Eu interno é o final e absoluto arbítrio de seu destino e o fundamento
de sua fortaleza. Então o pensamento conhece o Eu, a devoção o admira, por ele trabalham
as mãos, e todas as demais partes do homem amam o Eu; e, portanto, pode
verdadeiramente querer com toda a sua vida e com todo o seu ser.
Por causa de sua fortaleza interna, goza na adversidade e contempla amistosamente a
destruição que jamais cessa no reino da natureza. Há os que se horrorizam ante a inflexível
lei da natureza e contra ela batalham. Mas o homem do primeiro raio só vê nessa lei uma
amplitude de seu próprio poder e a respeita como o pugilista a um valioso adversário. Sabe
apreciar o trabalho do laborioso, e, quando algo está bem feito, vê atrás disso a vontade de
quem o fez, e considera-o como um triunfo que o capacita a cavalgar sobre as forças do
mundo, como na mais modesta ordem conhece o experto nadador que está seguro na
água, e quase inconscientemente dá mostras desta segurança antes de se lançar nela, pois
lha infunde a sua arte de nadar e não precisamente a água. Assim também o homem do
primeiro raio não sofre ilusão alguma a respeito do intrínseco valor das coisas externas.
Não age para obter ganhos materiais que lhe proporcionem depois cômodo descanso, e
assim é que nem o fracasso nem a morte o deprimem.
Quando traça algum novo propósito, está sempre disposto a retirar estorvos dos
caminhos da ação, e esquece as coisas velhas ou as aparta de seu passo, e às vezes o
inquietam as coisas inúteis ou as pessoas que imiscuem na obra supérfluos sentimentos,
ideias e palavras. Geralmente tem um plano em marcha, e, quando o realiza, sucede-o
outro novo, com tanta regularidade como se sucedem as ondas do mar. Às vezes o
encontramos em disposição de destruir, rasgando alegremente velhas cartas e papéis,
afastando de sua biblioteca velhos volumes, desfazendo-se de móveis e roupas usados. Ou
vêmo-lo no transcurso de uma viagem livrando-se de tudo isso como o cão sacode a água
ao sair do banho. Dispõe-se a empreender uma nova aventura com a altivez de sua
desenvolta fortaleza, de pés e mãos livres e olho na mira.
Este espírito de destruição não se observa no homem do segundo raio, que com todas
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as coisas se afeiçoa, porque lhe falam da solicitude humana e do trabalho, e têm algo da
alma e energia do homem. Conheço uma pessoa sumamente espiritual deste raio, que
recorta os envelopes das cartas que recebe e aproveita o interior dos mesmos para notas,
não por mesquinharia, senão porque ama as obras humanas, conquanto a ele pareça que o
faz por economia e por repugnância ao desperdício.
O homem do terceiro raio examinará repetidamente o objeto que já não necessita, e
por fim o guarda dizendo que talvez algum dia lhe possa servir.
O homem da vontade não teve ainda o seu dia no departamento da economia política;
mas quando lhe chegar o dia, veremos que respeita tanto o consumidor como o produtor, e
em rigorosos termos diz que tanta retribuição ou paga merece o que consome alimentos e
usa outros artigos, como o que os produz e fabrica. E quando em remotíssimo futuro
chegar o dia de anarquia ideal, logo que o gênero humano tenha aprendido a lição de
fraternidade, não será necessário retribuir nem pagar nada a ninguém.
O Eu é sagrado. Não é, portanto, de estranhar que as pessoas respeitem suas
personalidades, o único eu que conhecem, e que o ridículo e indignidade pessoais sejam
acerbo tormento para os que não sentiram ainda, muito claramente, o seu Eu interno. Não
é prudente menosprezar a personalidade, porque verdadeiro é o deus que está atrás do
ídolo, e se o ídolo faz às vezes o tonto ou o louco, sua energia provém do deus interno que
logo surgirá em seu genuíno caráter. Assim vemos que a personalidade é o verdadeiro
companheiro e o melhor amigo do homem na terra, conquanto pareça às vezes agir como
inimigo.
A vontade humana dá um sentido real às coisas e põe a experiência de cada indivíduo
como última prova do real, de sorte que nesta prova se apoiam os pensamentos e
emoções. De nada vale o testemunho alheio, se não se lhe submete passivamente, senão
que o aceita mais bem como guia que como preceptor, e, se milita nas fileiras de um
caudilho, é por sua livre escolha. Se o caudilho lhe diz que "deve" fazer isto ou aquilo, ele
responderá que "quer fazê-lo"; e se o caudilho replica que tem de fazê-lo porque ele o
manda, ele responde dizendo que, por haver decidido obedecer-lhe, ele se obedece a si
mesmo. Poderá não ser consciente disso de maneira tão clara quanto o nosso exemplo;
mas o certo é que seu único caminho é o de seguir seu Eu interno.
A pessoa pertencente ao primeiro raio sabe que a vida é para a ação; portanto, impele-
o energicamente a necessidade de decidir-se nas questões práticas. Se suspende seu juízo
sobre alguma matéria, não é por fraqueza de vontade, senão porque decidiu suspendê-lo;
mas rara vez o suspenderá, pois preferirá expor interinamente o seu critério enquanto
submete o assunto à revisão. Sabe que deve mover as peças de jogo, embora não veja
claramente o resultado. Portanto, pode aprender muito mais da experiência resultante de
suas ações do que de pensar no que pode ocorrer se age em determinado sentido.
Há na fixidez de suas decisões algum risco de teimosia, porque não se detém a
considerar e reconsiderar vacilantemente um assunto ou ação. Uma vez se tenha decidido,
não voltará atrás em seu acordo, a não ser que deliberadamente se determine a revogá-lo.
Esta fixidez de resolução costuma molestar aqueles que com ele colaboram, e às vezes
pode ocorrer que sem se dar conta ele se empenhe no que tal ou qual coisa há de ser na
prática o que ele decidiu em sua mente. E ainda também projetará, quiçá, sua íntima e
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firme convicção no reino da natureza, crente de que tal ou qual coisa é como a ele se
figura, e não quererá ir ver se com efeito o é ou não Tudo isto deriva de que a vontade é o
seu princípio predominante e sem cessar governa os seus pensamentos e emoções, e os
polariza para o seu prevalecente propósito ou disposição de ânimo.
As ultérrimas modalidades do indivíduo estão profundamente ocultas no Eu, pelo que
cabe considerar a vontade como o Eu atento à sucessão dos acontecimentos. Já que o
destino final de todos os seres é o mesmo, todos têm o mesmo anelo no fundo de seu
coração, e unicamente por meio desta unidade fundamental cabe lograr a completa
liberação. Entretanto, assim como o yogue em meditação parece uma rocha sentada, assim
podemos dizer que é uma coluna de ferro o homem do primeiro raio. Sua liberdade
temporária se estriba em sua aptidão, como a dos antigos estóicos que não se preocupa-
vam com o que não dependia deles, porque ele é completamente senhor de si mesmo, e,
portanto, de tudo o que de sua vontade depende no mundo. Nada importaria a um homem
assim sustentar sozinho uma opinião contra toda a humanidade sem duvidar um momento
de que ele está certo e os demais equivocados,
Se, por outro lado, fosse um homem completamente evoluído respeitaria com profunda
consideração o critério contrário, mas sem dele partilhar nem renunciar o seu. Traçou-se
uma norma de conduta que pode seguir ainda em meio das adversas circunstâncias e
contra o costume geral, ainda que fique sozinho com a sua norma, por nunca assimilar os
matizes do exterior E por isso o escolhem os Guardiões da Humanidade para iniciar no
mundo novas normas de vida.
Como quer que por meio de sua vontade o homem pode modificar-se a si mesmo, a
prática do autodomínio e da austeridade são fáceis ao homem deste raio. Governa-se e
rege-se com vara de ferro. Se sabe que as carnes são alimentos nocivos sob sob os aspectos
fisiológico e moral, abster-se-á delas sem esforço. E se o corpo protesta dizendo que
apetece de novo o morboso alimento e lhe pergunta se é verdade que lho negará para
sempre, o homem do primeiro raio responderá que, com efeito, a proibição é perpétua. Se
crê que certos exercícios ,ou praticas são benéficos, efetuá-Ios-á sem qualquer coibição a
inércia ou repugnância do corpo.
Fará tudo isso sem excitar-se, sem tensão nervosa, pois não há coisa mais tranquila e
aprazível neste mundo do que a vontade.
Alguns imaginam .que as pessoas soberbas, jatanciosas e dominadoras, tem muita regia
vontade, mas não é tal, senão que tais pessoas procedem assim porque lhes parece um
meio eficaz de fazerem-se obedecer. Igualmente também obedeceriam elas se alguém
ainda mais soberbo e jatancioso as dominasse, ao que jamais se submeteria o homem de
firme vontade.
Repetimos que a vontade é a coisa mais tranquila do mundo e o homem que a si.
mesmo se governa não considera a austeridade como um fim determinado mas sim como
o método de vida mais próprio Eu cuja pureza .é sagrada, não como a qualidade adquirida
ou uma virtude conquistada, senão como atributo essencial de sua existência.
Na Índia vemos esta potência da vontade mais manifesta no sentido nacional. Há
muitas pessoas que, enquanto esteja satisfeito seu Eu Interno, quase não atendem às
coisas externas. E na vida pratica encontramos aqueles que são fortes nisto, mas débeis em
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outros pontos de sua natureza, e dizem-nos que achamos o nosso caminho e devemos ser
ditosos nele, enquanto que eles persistem em seguir o que lhes parece ser o seu.
O primeiro raio é amiúde uma senda estranhamente silenciosa, e até o som que ouve
internamente é uma voz do silêncio, que guia o homem pela senda da yoga muito mais
seguramente que a clarividência.
Entre as filosofias práticas, a de Patânjali é típica do primeiro raio, pois seus Yoga
Sutras contêm ensinamentos para o homem de vontade. Assinala a kaivalya ou
independência por meta dos esforços do discípulo, e a subjugação do corpo, dos sentidos
e da mente por etapas de sua consecução. Mesmo em seu curso preliminar, quando fala
esta escola da necessidade de reverenciar Deus em todas as coisas para alcançar o reto
conhecimento, coloca em primeiro lugar a ação de tapas, que em genuíno e amplo
conceito significa o governo e domínio próprios, em todos os aspectos.
Entre os gregos e romanos, o primeiro raio deu origem à escola estóica, e
especialmente em Roma culminou este aspecto daquela grande filosofia. O verdadeiro
estóico sentia então a dignidade do Eu; e ainda que houvesse de escapar de sua casa
incendiada e ver em ruínas o trabalho de toda sua vida, dizia que não havia perdido nada
porque toda a riqueza a resumia no Eu. Assim o compreendia por experiência, e afirmava
que, por penoso que fosse tudo quanto lhe acontecesse, devia servir para enaltecer a sua
vida.
Não falei dos defeitos deste raio porque não os tem nenhum. Pode ocorrer que o
indivíduo pertencente a um raio não tenha alcançado muito alto nível nos demais princípios
de sua constituição. Em tal caso, o homem de vontade se manifestará egocêntrico,
despótico, astuto, ousado, violento, inconsiderado e incauto em seus propósitos. Mas não
se têm de atribuir estes defeitos ao vigor da vontade, senão à deficiência das demais
qualidades, e a maneira de saná-la não consiste em inutilizar a faculdade que já
plenamente possui, nem em desdenhar as incitações de seu caráter essencial, senão em
processá-las com maior acerto, de sorte que o homem compreenda quão muito mais
copiosa poderá ser a sua vida e quão muito mais dilatados os seus horizontes quando
aprender a amar e a pensar como aprendeu a querer, quando respeitar tudo quanto de
belo, agradável e bom existe no admirável mundo que Deus nos deu para escola.
Às vezes observamos nas crianças a vontade em forma de obstinação. A criança quer
fazer uma coisa e está a ponto de fazê-la quando um indiscreto adulto se interpõe, dizendo-
lhe que é seu dever fazê-la. Então tira o prazer da criança, que resiste em estrepitoso
protesto ou em silente obstinação. Sei de um menino de seis anos, cuja mãe queria vestir-
lhe determinada camisa, mas o menino negou-se teimosamente a deixá-la vesti-lo, porque
não lhe agradava a maneira como queria fazê-lo a sua mãe. Chamaram o pai. O menino não
tinha aversão real pela camisa, e teriam bastado umas palavras de persuasivo carinho para
que ele obedecesse; mas o pai lhe deu uns tapas, e então o pequeno murmurou entre
dentes: "Agora não usarei a camisa, mesmo que me matem".
Os pais e parentes ignorantes tratam de vencer na porfia as crianças teimosas e reduzi-
las à submissa obediência; mas geralmente só conseguem convertê-las em criaturas de
uma bondade tão vulgar e néscia que não serve nem às crianças nem aos demais. Tal
bondade não é outra coisa que a malícia, como em rigor é guerra a ideia que muitas
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pessoas têm da paz. Se ao menino de nosso caso houvessem tratado com amor,
seguramente responderia com a voluntária obediência, e à vontade se acrescentaria o
amor, de sorte que, quando homem, teria tido amor apoiado pela vontade e sem dúvida
levaia a cabo meritórias ações no mundo.
Se o homem do primeiro raio intervém na política de seu pais, para o qual nem sempre
tem ocasião nem tempo nem motivo, será excelente político, pois, por haver conseguido
governar-se a si mesmo, acertará em governar os demais. E se por outro lado tem vivo o
sentido de amor ao próximo, esforçar-se-á em que os cidadãos conquistem a liberdade que
ele conquistou, não impondo-lhes regulamentos, leis e ordens coercitivas de fora para
dentro, senão estimulando-lhes a vontade para que por impulso de dentro para fora
enalteçam a sua conduta.
O homem puro e bom de cada raio só anela fazer aos demais partícipes do gozo do
ideal que achou para si mesmo, e, se é prudente, empregará todo o seu poder a serviço de
seus ideais.
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CAPÍTULO XII
O SEGUNDO RAIO
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grado por seu amor, e, ao extasiar-se de amor, não se apercebem da índole sacrificial de
muitos atos de sua vida. Não auxiliam o próximo sofredor com o objetivo de evitar a si
mesmos o sofrimento que por simpatia lhes ocasiona, nem cuidam de fugir à contemplação
de lástimas e misérias, nem apartá-las de sua vista para melhor esquecê-las. Pelo contrário,
estão sempre dispostos a encarar o mundo com todas as suas imperfeições e miscelâneas
de alegrias e tristezas, e dizem humildemente:
"Só Deus é a absoluta realidade. As coisas do mundo são relativamente boas, melhores
ou piores, ainda que em todas podemos gozar, porque o pior propende a transmutar-se
em melhor, e cada mostra de benevolência, companheirismo ou serviço contribui para o
melhoramento que por fim há de conduzir-nos ao sumo Bem".
A doutrina da evolução progressiva e ascendente cativa os indivíduos deste raio e lhes
infunde uma energia que não deixa seu amor em mero sentimento, senão que o derrama
em máxima caudal. Por isso a hipótese da evolução atrai os indivíduos do segundo raio,
porque é a lei de amor manifestada na vida e no mundo.
Consideremos a mais apropriada definição desta lei, a que anunciou há anos Herbert
Spencer, dizendo que consiste na mudança progressiva de um estado de incoerente
homogeneidade a outro de coerente heterogeneidade de estrutura e funcionamento. Isto
significa simplesmente que cada organismo dotado de consciência esta em marcha para
um estado mais definido e independente, com maior decisão de caráter. Mas ao mesmo
tempo impulsiona-o a lei a unidade com os demais seres, na qual sua ação se utiliza no
adiantamento de algo mais que sua separada personalidade.
Evolução também significa que o que antes era análogo e separado se transmuta em
distinto mas unido. E quando chegar o término ideal da evolução, a lei e a ordem haverão
triunfado do caos e das trevas e todos os canais estarão perfeitamente dispostos para que
por eles se efetue o intercâmbio universal de vida na terra como intercambiada está no
céu. O indivíduo do segundo raio goza e se deleita em formar parte deste progressivo fluxo
de consciência; e não se queixará de que o fluxo não alcance o mais alto nível, senão que
considerará tais como são quantos se lhe aproximem sem vituperá-los insensata e
lastimosamente, e esforçando-se com todas as energias de seu ser por estimá-los para que
adiantem algo mais em seu aperfeiçoamento.
A esta senda de evolução humana se chama na Índia karma yoga. Sei que esta
afirmação é subversiva, mas é exata; e por outro lado é errônea a ideia vulgar que
considera o karma, a ação, as obras, como elemento essencial da karma yoga, sem ter em
conta que o amor converte o karma em karma yoga.
Shri Krishna divide a senda do amor em dois grandes ramos: a bhakti yoga, ou devoção
a Deus, e a karma yoga, ou devoção ao homem. Nada mais claro que a seguinte instrução a
Arjuna:
"Verdadeiramente, assim como Janaka e outros alcançaram a perfeição
agindo tendo em vista a unidade de todos os seres, assim deves tu agir.”
Portanto ao homem genuíno do segundo raio é impossível evitar o mundo da ação
dizendo não ser isso muito bom para ele, ou desdenhando as solicitudes de serviço que por
toda parte em ampla e curta medida lhe dirigem. Sua condição é andar por toda a parte
fazendo o bem. Nunca dirá em absoluto, "isto é bom e isto mau de fazer", mas tudo ele
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fará melhor do que foi antes de ser bom.
Conheço um magistrado que preside um alto tribunal de justiça num país cujas leis
castigam ainda com a pena de forca o assassino. Em sua vida privada, o único pensamento
deste juiz e castiço hindu é fazer todo o bem que pode e não prejudicar a ninguém; mas de
quando em quando o seu dever profissional o obriga a condenar um assassino à morte. Faz
algum tempo, um de seus amigos espirituais lhe perguntou: "Não é incongruente com
vossos ideais a responsabilidade da morte de um próximo, ainda que seja de condição
inferior? Não devereis demitir-vos de um cargo que tanta crueldade vos exige? Por que
consentis em ser agente de tão malvada lei?"
O juiz refletiu profundamente sobre o assunto, e por fim decidiu não se demitir do
cargo, dizendo: "Se eu, mesmo amando os assassinos, condeno um à morte, porque me é
impossível salvá-lo, pode ser que meu sucessor, não os amando como eu os amo, condene
quatro à morte; e se o karma me castiga pelo homem que condenei, devo sofrer o castigo
em atenção aos três homens que salvei". O juiz não infringia a lei do amor e não matava
um para salvar outro, senão que cumpria a lei estritamente e salvava vidas humanas.
Também conheci uma senhora residente numa cidade populosa onde eram muito
primitivas as determinações para a recolhida de cães e gatos vagabundos. O município
empregava dois homens neste serviço: um para capturar os animais e outro para matá-los;
e a cada um destes homens pagava em proporção ao número de cães e gatos recolhidos,
os quais tinham o breve respiro de três dias entre a captura e a morte.
A senhora, que amava ternamente os animais e a amargurava o pensamento de que
sofressem, reuniu umas tantas amigas e com elas formou uma associação na qual
ingressaram alguns funcionários públicos de muito respeito e consideração social. Então
solicitaram ao Conselho Municipal que encarregasse a recém-constituída associação de
tudo o atinente à recolhida de cães e gatos vagabundos. O município acedeu à solicitação e
entregou-lhes em usufruto um velho edifício com pátio anexo, nomeando diretora da
instituição a referida dama, que então empregou um dependente seu para que com um
caminhão percorresse a cidade e recolhesse os cães e gatos vagabundos. A associação os
mantinha durante três semanas, anunciando entretanto ao público onde poderiam ser
encontrados os animais que se houvessem perdido, ou adquirir os que desejassem, de
sorte que até o cabo de três semanas não se matavam os restantes. Tal era a compaixão da
senhora que os matava com suas próprias mãos, de sorte que sofressem o menos possível.
A pessoa do segundo raio não faz o bem por gozo egoísta, mas por causa de seu coração
amoroso.
Este é o raio da fraternidade. O homem do segundo raio anda semeando o bem. Sente
que a boa vontade, amizade e afeição são o cimento na construção do templo da
humanidade. Percebe que esquemas, regulamentos, acordos e cooperação não irão longe
nessa obra, e que sem amor jamais poderão negociar a paz para a humanidade.
As pessoas deste raio são os melhores professores e médicos.
O indivíduo do segundo raio não faz o bem pelo prazer egoísta de fazê-lo, senão
porque à prática do bem o move o seu coração amoroso.
Os indivíduos deste raio são os melhores professores e instrutores. Recordo que há uns
vinte anos li um artigo do famoso professor da Universidade de Oxford, Bernardo
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Bosanquet, em que dizia que não era conveniente confiar cátedras e escolas aos
licenciados e doutores de talento mais brilhante, porque lhes havia custado muito pouco a
aprender o que sabiam e não se achavam em disposição de compreender o estado mental
da geração dos estudantes. E seguramente o amor é a qualidade mais necessária não só na
educação, para desenvolver as faculdades latentes na criança, mas também na instrução
para transmitir conhecimentos.
Sabido é igualmente que, em muitos casos, o médico que maior e mais vivo interesse
toma pelo enfermo é não somente o mais popular, mas também o mais afortunado.
Ao homem de cada raio se deparam na vida muitas atividades em todas as etapas da
evolução. No regime econômico de nossos dias, além das chamadas profissões, o indivíduo
do segundo raio poderá ser um comerciante ideal, proporcionando ao povo o que
verdadeiramente este necessite e lhe convenha. Marcará honestamente o preço das
mercadorias, com um lucro razoável, e se negará a vender os artigos produzidos por meios
desumanos. Hoje se considera o comércio tão só como um meio de ganhar dinheiro, e
assim se diz que o negocio não tem estranhas; mas se bem se analisa, ver-se-á que o
comércio honesto depara uma das ocasiões mais favoráveis de servir a humanidade.
Alguns imaginam que a facilidade de contrair amizades superficiais é indício de
pertencer ao segundo raio; mas não é tal. Conheci um cavalheiro, de caráter sumamente
agradável, que durante sua dilatada vida não havia tido mais amigos que as pessoas de sua
família. Perguntei-lhe um dia como era isso, e ele me respondeu: "Não posso brincar com a
amizade. Se me torno amigo de alguém, é para servi-lo por todos os meios, em todas as
tribulações e dificuldades; e como já tenho bastante com minha mulher e filhos, e não
devo comprometer o que eles necessitam, abstenho-me de contrair amizades". Este
cavalheiro é exemplo de um grande coração combinado com o pensamento do terceiro
raio, sempre disposto a sacrificar seus prazeres e diversões em bem alheio, mas de uma
maneira perfeitamente oportuna.
Desde logo cada raio de per si está isento de defeitos; mas é possível que os indivíduos
do segundo raio padeçam de muitos graves defeitos, se têm em baixo nível as qualidades
dos outros raios. Muitos há que sofrem intensamente ao pensar nos horrores subjacentes
em nossa civilização, mas nada fazem para evitá-los, porque sua vontade é fraca, e em
troca amarguram sua vida e conturbam a alheia com suas queixas de que quase todo o
poderio e dinheiro do mundo estejam em mãos daqueles que não amam o próximo. Se
empregassem a pouca energia sua em fazer algum bem, por leve que fosse, não
acrescentariam seu próprio desgosto ao acúmulo de misérias já existentes no mundo, mas
preparar-se-iam para o exercício de maior poder no futuro. É condição deste mundo de lei
que ninguém tenha poder nem oportunidade que não haja se esforçado por merecer.
Análogo é o defeito de levar o altruísmo a extremos absurdos, como quando Goldsmith
atirou pelas janelas todas as suas roupas de cama a um pobre vagabundo que na ocasião
passava pela rua. Os mais não são felizes se sabem que a gente sofre por sua culpa, e os
que não fazem o que devem para com a sua conduta alegrar o ambiente alheio, são uma
grave calamidade para o mundo. Os arrebatos que poderiam chamar-se de generosa
indignação também são defeitos neste raio, enquanto que o homem do primeiro raio é
mais capaz de manter-se equânime quando a ocasião lhe é adversa, e o do terceiro raio é
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mais propenso ao temor.
Da mesma sorte, é perigoso o vivo amor quando não o acompanham outros dons
naturais, porque então pode causar mais dano que benefício à pessoa amada, sobretudo
quando são deprimentes os seus defeitos. Narra-se o caso de uma senhorita norte-
americana que vivia numa modesta sobreloja com sua mãe e sua irmã menor, que ela
mantinha com o produto de seu trabalho cotidiano na cidade. A senhorita acabou por
corresponder ao amor que, lhe dedicava um jovem aneloso de casar-se com ela e retirá-la
do ofício para se instalarem os dois no domicílio conjugal. Porém, com multo pesar da
parte de ambos, a senhorita não podia. separar-se. de sua mãe, já idosa, nem de sua
irmãzinha que necessitava frequentar um colégio de custosa matrícula para assegurar o
seu futuro, pois já havia completado dez anos.
Enquanto os noivos se achavam neste beco sem saída, o dono do estabelecimento
onde trabalhava a senhorita, cavalheiro de idade madura, benevolente temperamento e
sagaz observador, inteirou-se do que sucedia, e muito logo se deu conta de que nem a mãe
nem a irmã aproveitavam material nem moralmente do carinho e condescendência com
que as tratava a sua empregada. Em consequência tomou a brusca determinação de
chamá-la um dia e despedi-la no ato. Não tinha ela nem a mais remota esperança de
encontrar outro emprego, e as coisas começaram a tornar-se muito pretas sob o aspecto
econômico, porque sempre haviam saldado os gastos com o que ela recebia. Contudo, não
tardou .em chegar o remédio eficaz, pois a mãe compreendeu que algo devia fazer
pessoalmente, pôs-se a trabalhar numa venda onde logo esqueceu seus achaques, que
desapareceram prontamente com tão refrigerante tratamento, e ganhou muitas amigas,
de modo que sua vida foi deste então mais alegre e robusta, ao passo que a irmãzinha
abandonou seus vaidosos sonhos e nos dias de festas ganhava algo com que ajudar parte
dos gastos do colégio. Os noivos casaram-se e viveram felizes, à sombra benigna da
paternal amizade do mesmo patrão que para o seu bem a despedira. Está certo levar ao
colo um cão aleijado, quando se tem de subir uma escada; mas seria insensatez e
contraproducente levá-lo às costas pela rua.
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CAPÍTULO XIII
O TERCEIRO RAIO
Há tempo, vi um anúncio ilustrado que representava um par de jovens comprando
bombons de chocolate no mostruário de uma confeitaria. O anúncio exibia o letreiro:
"Chocolates de Johnston: Do homem que compreende à Jovem que Sabe". A jovem sabia
que os chocolates eram bons: o conhecimento é peculiar ao quinto raio; e o Jovem
compreendia.o que os bombons significavam para a jovem: a compreensão e própria do
terceiro raio.
O indivíduo pertencente ao terceiro raio é sensível às coisas externas como o do
primeiro raio o é à do Eu, e o segundo, à consciência dos demais seres. Contudo, como
estão na esfera dos três primeiros raios, aqueles que buscam a Deus, ao Eu ou à felicidade
interior interessam-se pelas coisas do mundo tão só em atenção ao seu enlace com os
estados de consciência
É o filósofo que necessita entender e compreender e crê que desta compreensão e
entendimento depende a felicidade, e que, ainda que o mundo derramasse prodigamente
todos os seus bens sobre os homens e reinasse paz fraternal entre eles, faltará a felicidade.
se a alma não compreender todas as coisas. O homem do terceiro raio é ativo a respeito
das coisas, mas tão somente no interesse da consciência. A compreensão é, em suma, o
estado em que a mente abarca o mundo em amplo pensamento que satisfaz à alma; ao
passo que o anelo do homem do terceiro raio não se estriba principalmente na mera
aquisição de conhecimento senão em satisfazer a fome de conhecimento que a alma tem.
Se aplica aos negócios da vida externa este seu poder ou faculdade de compreensão
que lhe permite ver o conjunto das coisas e compreendêIas, teremos nele o homem de
talento organizador, que prevê a maneira de fazer tudo eficientemente. Quando a
compreensão está irmanada com a vontade do primeiro raio, teremos aí o gênio da
invenção e da organização. Seu poder especial é o pensamento, e, se se atua em
colaboração com pessoas do primeiro e segundo raios, estas lhe emprestarão sua vontade
e amor, ao verem que ele compreende o modo como tem de dispor as coisas.
Se perguntamos a um indivíduo do terceiro raio o que ele fará a respeito de um
assunto prático, como, por exemplo, encarregar-se da direção de uma escola, responderá:
"Deixai-me pensar nisso durante cinco minutos". Provavelmente perguntará a uns e outros
não porque necessite que alguém pense por ele, coisa que o aborrece mas porque lhe
convêm informes em que basear firmemente o seu pensamento. É homem precavido, e,
se por acaso tem graves deficiências em algum dos demais princípios, pensará tão
cuidadosamente sobre a questão que tenha em mãos, que às vezes se lhe escapará a
ocasião de agir antes de decidir-se por meio melhor.
O poder deste raio dá ao homem uma mentalidade muito ampla, oferece-lhe a
conjuntura de abrir-se caminho em diversas atividades da vida. Mas por causa desta
mesma amplitude livre de toda coação, e das muitas ocasiões que se lhe deparam, é-lhe
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difícil concentrar-se numa só atividade com vigor suficiente para lograr êxito na vida,
enquanto que outros de mente estreita o conseguem, porque sua mesma limitação os
move a concentrar-se numa só atividade. O indivíduo do terceiro raio maneja o poder que
modela a matéria, e o aplica à arte, à magia ou a qualquer outra atividade, pois não está
limitado por predileções que dão tão intenso poder sobre determinadas atividades em
alguns outros ramos.
Quando o indivíduo se concentra, emprega o poder de sua vontade em aplicar a
atenção a um vigoroso foco onde mantém o seu pensamento. Quando ele medita,
identifica-se com o objeto de meditação, atendendo fixamente em cada uma de suas
partes e pondo todo o seu pensamento no objeto. Mas quando contempla, intervém um
terceiro ato, em que, por assim dizer, fixa o seu aperfeiçoamento. Então o poder do
pensamento naquela imagem mental modela ou dirige o material, governando as forças
naturais, como limaduras de ferro atraídas pelo ímã.
O pensamento é o grande poder criador empregado no princípio pelo Brahmâ (Deus)
solar. Não é simplesmente meditação, senão algo superior à meditação, a chamada
sanyama, que começa pela concentração e termina pela contemplação, abrindo a porta a
todo o êxito. Os yogues de cada um destes três primeiros raios praticarão toda sanyama,
mas o indivíduo do primeiro raio praticará mais cabalmente a parte de concentração; o do
segundo, a da meditação, e o do terceiro, a da contemplação. Cabe imaginar o poderio do
Adepto em quem os três primeiros raios alcançaram o pináculo da perfeição.
Por causa da amplitude de sua visão e de apreciar as coisas tão somente como pasto
da alma faminta de conhecimentos o homem do terceiro raio vê iguais todas as coisas,
mas em seu aspecto melhor e nunca no pior. É o sábio de quem dizem as Escrituras
orientais que olha por igual o inimigo, uma pepita de ouro ou um pedaço de barro. Desde
logo que isto não significa que o ouro seja barro ou careça de valor, nem que o amigo
valha menos para a alma que o inimigo tal como se costuma considerá-lo; de sorte que
neste sentido o barro é tão valioso quanto o ouro e um inimigo é em realidade um amigo.
Diz Emerson: "Para o poeta, o filósofo e o santo todas as coisas são amigas e sagradas,
todos os sucessos aproveitáveis, todos os dias santos, todos homens divinos, porque a
vista está fixa na conduta e desdenha o circunstancial". O princípio subjacente nesta
declaração o expôs com muito tino Epitecto ao dizer que Deus o havia posto neste mundo
com o único objetivo de que aperfeiçoasse o seu caráter com todas as espécies de virtude,
e que nada havia no mundo que ele não pudesse aproveitar para o cumprimento daquele
propósito.
O homem do terceiro raio vê que as coisas chamadas comumente adversas são
consideradas tais por serem desagradáveis à sensação ou agitarem a mente cheia de
prejuízos. E vê também que tudo pode redundar em benefício do homem, quando com
retidão de animo este o recebe como se viesse da mão de Deus o Dador de todas as coisas.
Também vê ele o significado das coisas chamadas comumente insignificantes e a
sublimidade do vulgar. Para ele, tudo é admirável e contudo nada é misterioso. Uma fibra
de erva lhe falará do Infinito enquanto que outros necessitarão de uma cordilheira ou de
um universo estelar para conceber isso. Quando o cientista positivista lhe diz: "Não há
milagres", ele responde: "Tudo é um milagre". E não obstante, ambos afirmam a mesma
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coisa: a unidade na natureza. Sempre tem razão, e amiúde várias, de tudo que ele faz; e
pode descobrir a razão das coisas que lhe ocorrem de maneira estranha. Brahmâ é o ideal
deste raio, porque Ele ensinou aos Rishis tudo o concernente às coisas deste mundo.
A qualidade de viveka (discernimento) capacita o filósofo para distinguir o importante
do supérfluo no assunto que o ocupa. Refere-se no Japão que ao morrer o grande Shogun,
Ieyasu morreu, e, após sepultado o cadáver nas colinas de Nikko, o seu sucessor no
Shogunato convidou todos os Daimios do Império a que cada um enviasse uma lanterna de
bronze ou de pedra para ornamentar o jardim que rodeava o templo sepulcral. Todos
corresponderam ao convite, menos um que era demasiado pobre; este, em vez da lanterna
que ele não podia oferecer, plantou voluntariamente duas fileiras de árvores ao longo do
caminho para que sua sombra protegesse os transeuntes. Depois viu-se que sua oferenda
valia mais que as outras, e um homem do terceiro raio o teria notado desde o princípio.
Esta maravilhosa visão dá singular adaptabilidade ao homem do terceiro raio, que tanto
pode habitar numa choça como num palácio, e dormir no solo ou em colchão de plumas.
Demonstra, alem disso, esquisita sensibilidade no uso das coisas particulares, e aproveita
todos os materiais apropriados para realizar o seu plano. É o xadrezista por excelência, que
se serve das diferentes peças segundo sua índole convenha a determinado plano; isto é,
tem em projeto vários planos ao mesmo tempo, pois se a peça que move não convém a um
dos planos, pode convir a outro e tirar o maior proveito possível de cada situação.
Como em seu trato com as pessoas tem a mesma amplitude de visão, não o preocupam
as minudências, senão que acerta em distinguir entre o necessário e o supérfluo, e sua
natural adaptabilidade se manifesta em forma de tato ou dom com as pessoas. Às vezes o
estudo e exame dos costumes dos animais nos dá a compreender bastante do que é a
condição humana. Assim faz tempo opino que nosso irmão menor, o elefante, com o qual
tive ocasião de tratar extensamente na Índia, é o animal típico do terceiro raio. Pode-se ver
o elefante arqueando-se graciosamente horas inteiras num concorridíssimo mercado, e
observando atentamente quanto ocorre ao seu redor, mas sem mostrar o menor desejo de
intervir nisso.
Diz-se que ao se ver caçado, o elefante se revolve furiosamente como um demônio;
mas, ao compreender a inutilidade de toda resistência, tem a suficiente filosofia para
aceitar com perfeita calma a nova situação e acomoda-se docilmente às novas condições. É
muito valoroso diante de um perigo cuja natureza compreende, mas mostra-se em
extremo tímido diante de frivolidades se não as compreende, pois de tal modo se acha a
sua vida concentrada na compreensão. Num momento de pânico, desconcerta-se e
enlouquece, mas em circunstâncias normais é muito cuidadoso e considerado, e
sumamente fiel e solícito em seus afetos, sempre profundos e duradouros.
O indivíduo pertencente ao terceiro raio progredirá mais rapidamente se disciplina a
sua mente tanto em intensidade quanto em amplitude do pensamento. Para isso tem de
imaginar e preconceber claramente o que tenha de fazer em determinado tempo. Tal qual
o experto patinador que a cada momento se verga como se fosse de aço, ou o pinguim que
sem errar um só pesca os peixes, assim poderá pensar o homem do terceiro raio quando
tiver disciplinado a sua mente.
Para vigorizá-la e dar-lhe maior alcance, tem de ir-lhe acrescentando ideia após ideia,
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mas de modo que, antes de acrescentar uma, esteja perfeita e claramente compreendida a
anterior. Assim pode pensar numa fibra de erva, depois em muitas e ir acrescentando
arbustos e flores à sua representação mental, até que seja capaz de forjar e manter em sua
mente a imagem de um jardim com todos os pormenores, como em princípio manteve a
imagem da fibra de erva.
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CAPÍTULO XIV
O QUARTO RAIO
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CAPÍTULO XV
O QUINTO RAIO
Este e os dois raios seguintes denotam a característica geral de obediência, porque por
seu meio o Deus interno busca o Deus externo. Em rigor, são raios devocionais.
O primeiro que temos de mencionar é aquele em que a parte pensante do homem se
consagra em inquestionável serviço à grande mente do mundo das ideias, ao universo de
lei, e coloca-se sob a tutela deste mundo. A verdade é a ultérrima realidade quando se vê
deste modo. E ainda que os cientistas, em sua constante investigação da verdade,
examinem e analisem rigorosamente todas as coisas, nunca põem em tela de juízo a
verdade da verdade ou o fato do fato, senão que se inclinam ante eles em completa e
deleitosa submissão, porque são a realidade final, e quando se lhes vê o rosto, para a alma
é evidente a sua autoridade.
Para o homem do quinto raio, a verdade do mundo é o fundamento da realidade, e por
isso a investigação do conhecimento é para ele uma atividade religiosa fundada
essencialmente na fé. Em outra de minhas obras formulei este credo nos termos seguintes:
"Creio que o mundo é um lugar onde pode achar-se a verdade. Creio que a mente
humana é um instrumento para descobri-la. Creio que, quando o homem a descobrir, será
benéfica para a sua vida."
Se comparamos o estado do selvagem com o do homem civilizado de nossos dias,
notaremos a virtualidade deste credo. Pouca tranquilidade de ânimo tem o selvagem, pela
simples razão de que não sabe que pode pensar sobre todas as coisas, senão que aceita
grande número delas, como, por exemplo, o trovão e o relâmpago, a dor e a enfermidade,
como sendo inescrutáveis mistérios, sem saber quando nem onde nem como lhe
sobrevirão, e assim teme de contínuo que lhe sobrevenham.
Mas o homem civilizado conhece muitas coisas deste mundo e tem intensificado a
potência dos sentidos e a força de suas mãos em infinidade de maneiras demasiado
conhecidas para ser mencionadas, de cujos benefícios desfruta a cada momento do dia.
Por estranho que pareça, com todas estas conquistas a seu serviço e apesar da admiração
que à generalidade das pessoas lhe causam os triunfos da ciência ainda considera o homem
civilizado como um mistério algumas coisas a que não lhe parece aplicável o pensamento,
entre elas a morte.
O traçado da linha entre o que se pode e o que não se pode conhecer é uma
reminiscência selvagem. Mas os homens do quinto raio que contribuem para o progresso
humano desvanecerão algum dia este prejuízo e submeterão ao domínio da mente o
conhecimento de fenômenos tais como a morte, muito antes do fim da raça ária. É
Impossível calcular os divinos cumes de conhecimento e poderio a que a ciência tem de
exaltar a vida da humanidade terrestre no transcurso do tempo. E sucederá assim em
virtude do método científico que examina fatos com sumo cuidado, compara-os sem
paixão, nem prejuízo, e não espera deles resultados preconcebidos, senão que aceita suas
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ideias sobre eles como conhecimento e suas hipóteses como teorias, unicamente depois de
reiterada comprovação.
Para compreender que a ciência se apoia na fé, recordemos as condições da Europa
nos tempos medievais, quando. a luz do conhecimento estava eclipsada pela crueldade e
covardia dos homens daquela época, quando em nome da religião exerciam absoluta
autoridade secular. Decidiram que este mundo não era o mundo de Deus, que Deus estava
em alguma parte, e que, se bem que nos havia posto aqui como almas em provação,
permitia que Seu grande adversário, o demônio, nos tentasse durante toda a vida. Assim
acreditou-se que este mundo era o mundo do demônio, um inimigo da alma, a morada da
mentira, e que o conhecimento do mundo conduziria o homem à condenação, de sorte que
a mente com a qual o homem se propunha examinar o mundo foi considerada tão
pecaminosa que não podia servir de instrumento para a indagação da verdade em
benefício positivo do homem.
A maioria das pessoas ignorava então que o mundo era a morada da verdade. Mas
houve uns tantos que compreendiam que o era, que tinham fé no mundo e em si mesmos,
e fé tão firme que os terrores da Inquisição não lograram quebrá-los nem apagar de todo a
luz da ciência, Aquela seleta minoria traçou firme e gradualmente o caminho do
conhecimento e demonstrou o valor da fé do quinto raio que morava neles. Hoje em dia
todo devoto inteligente reconhece não só que a ciência tem enaltecido esplendidamente a
vida física do homem, elevando-a muito acima da vida animal; que o homem tem
capacidade para arrostar tranquila e pacificamente todos os problemas da existência
material, e tem desenvolvido a mente humana para o exercício até um esplêndido grau,
senão, também que a ciência tem auxiliado o devoto a conhecer muito melhor a Deus.
Em todas as épocas o homem tem considerado a Deus como o senhor do universo, mas
quando criam que a terra era plana e que o firmamento uma abóboda sustentada por
colunas, e com agulheirinhos por onde em formas de estrelas se filtrava a luz do céu, não
podia comparar-se o conceito que então se formava do Senhor do universo com o
diamante da adoração devocional de hoje em dia, em que os homens pensam nas
maravilhas do mínimo reveladas pela física e a química; nos prodígios da vida e da natureza
revelados na fisiografia e na biologia, que convertem o universo num milagre incessante e
abrem nele cada dia novas perspectivas.
O caráter devocional do homem do quinto raio se nota em que adora, sem o reparar,
as leis da natureza e crê facilmente na imortalidade da matéria essencial. Nunca deseja
alterar nem um ápice da atuação da mais tênue lei da natureza. Mesmo que só com o
levantar do dedo pudesse fazê-lo, não quereria modificar por sua iniciativa individual a
ordem das coisas, pois lhe parece perfeita a disposição deste mundo, no que vê seu melhor
e mais idôneo mestre. Percebe claramente que onde quer que o homem inventa ou faz
uma coisa, a natureza o obriga por meio da experiência a melhorá-la. Por exemplo,
constrói um automóvel; mas quando o puser em marcha, a experiência lhe ensinará algo
novo que não sabia a respeito a técnica automobilística, e que sem o auxílio da natureza
das coisas não o haveria aprendido. Ademais, esta lição lhe servirá para acrescentar a
potência de seu entendimento.
Se os cientistas filosofarem um pouco, como não o costumam fazer, convencer-se-ão de
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que sua limitada mente se adapta por completo à mente divina representada pelas leis da
natureza, e que cada vez mais se vigoriza com o exercício e se enriquece com os
conhecimentos adquiridos num ambiente tão adequado ao seu tipo. Se o cientista fosse
também devoto e tivesse altas aspirações, convencer-se-ia de que o mundo nos familiariza
com a natureza de Deus e nos faz mais semelhantes a Ele.
O mundo nos aproxima do onisciente tanto que prepara a mente para uma apreensão
maior, a cada momento, da realidade viva de que tudo tem sumo significado para o sábio,
ainda que pareça insignificante ao néscio. Com um pouco de filosofia também se
convenceria de que o homem não domina com o seu conhecimento as leis da natureza,
senão que com elas se associa, e, enquanto ele trabalhar com elas, elas trabalharão com
ele na grande lei da cooperação reveladora de que entre os reinos da natureza não há
oposição nem conflito, senão que todos contribuem conjuntamente para o bem.
Parece-me que o animal pertencente a este raio é o cavalo, o fiel servo do homem,
que, no arado, no tiro ou na sela, aprende a viver disciplinadamente, a respeitar as regras e
fórmulas, a lei e a ordem, entre as inevitáveis dificuldades da vida material.
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CAPÍTULO XVI
O SEXTO RAIO
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CAPÍTULO XVII
O SÉTIMO RAIO
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CAPÍTULO XVIII
Este quadro sinótico dos raios tem todo o valor de um documento histórico. Pelos fins
do século passado, o Mestre Djwâl Kûl deu-o em Adyar ao famoso ocultista C. W.
Leadbeater, dizendo a ele e aos seus amigos, então presentes, que era tudo quanto por ora
se podia revelar ao mundo acerca dos raios.
No começo não sê achou muito inteligível o quadro sinótico, mas serviu de fundamento
clássico aos informes ulteriores obtidos de quando em quando. Foi publicado no livro O
Mestre e a Senda do referido ocultista.
Caiu-me em mãos pela primeira vez há poucos dias, depois de escritos os capítulos
precedentes. Todavia, ao examinar o quadro notei que nada há nele que indique algum
erro na presente obra, nem ponto necessitado de alteração. Reproduzo-o com permissão
do autor, porque parece-me que meus comentários sobre ele hão de interessar aos
estudantes dos Raios.
1. Os que conhecem A Doutrina Secreta da Senhora Blavatsky hão de ter lido as
palavras Fohat e Shechinah, que juntas indicam as características do primeiro raio. Fohat
por si só significaria o de todo ponto indescritível poder residente no Deus universal antes
da manifestação; poder empregado de maneira também de todo incompreensível quando
o manifestado Uno quis multiplicar-se, e desdobrou-se em dois e logo em três
concomitantes com eles.
Mas Fohat-Shechinah significa o mesmo poder manifestado como Shakti ou causa
primeira da variedade, que ao descer ao nível humano é vontade ou potência com que a si
mesma se modifica e com auxílio da mente rege a matéria segundo já ficou explicado.
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Fohat-Shechinah é a verdadeira vida de que dimana toda vida e promove o
desenvolvimento de tudo quanto medra.
Os ocultistas que tenham tido a rara fortuna de ver o Senhor do Mundo, o Chefe do
Primeiro Raio de nosso globo, associarão a esta ideia a recordação da índole elétrica de Sua
aura, semelhante a um azul relâmpago, porque em nosso planeta não há quem o avantaje
no ativo exercício e governo da vontade.
O quadro enumera a característica mágica de cada Raio. Não podemos assegurar por
que o Mestre falou particularmente da Magia, mas podemos conjeturar.
A Senhora Blavatsky expôs a principal razão de que a Fraternidade de Adeptos seja tão
cautelosa na revelação do conhecimento dos raios, pois diz que este conhecimento confere
grande poder. Muitos têm desejado este conhecimento com o fim de saber a que Raio
pertencem, e depois praticar a correspondente Magia, por cujo meio possam receber
copiosa e facilmente as energias naturais. Assim é que ao falar dos raios pensava-se muito
na Magia. Não se adscreve Magia alguma ao primeiro raio, porque com toda probabilidade
os ativos indivíduos deste raio prescindem de toda energia auxiliar e não admitem outra
magia que sua própria vontade, no que não lhes falta razão, pois sentem o poder do Eu e
como ninguém são capazes de utilizá-lo.
Quem esteja diretamente familiarizado com a religião hinduísta ou bramânica, e
especialmente com as modalidades existentes antes de instituir-se o culto de Shri Krishna,
terá notado a insistência desta religião sobre a doutrina de que o Atman ou Eu humano é
uno com o Eu universal. É um inexpugnável centro de consciência destinado a libertar-se
de todos os laços terrenos, não por graça nem favor externos, mas por direto domínio de
todas as partículas de seu ser, e a inflexível afirmação em pensamento e atividade que
envolve a frase capital: "Eu sou Aquele".
Se a religião hinduísta não foi em seus primeiros tempos tão suave e benigna como
agora, ao menos expôs o mais claramente possível a crença no princípio e valor da justiça
segundo as doutrinas fundamentais do karma e do dharma. O valor e a vontade do ancião
magnata Bhisma são típicos desta religião. Demonstrou-os em sua esplêndida
independência, quando ameaçado pelo terrivelmente colérico rei Shisshupala. Conteve-se
e replicou-lhe tranquilamente: "Sabei que todos os reis da terra são para mim como tênue
palha. Ainda que me matásseis, como a uma besta selvagem, ou me abrasásseis na
fogueira, neste momento ponho o pé sobre vossas cabeças. Porque diante de nós está
agora o Senhor a quem adoro".
Importa dizer, de passagem, que os aspirantes ao primeiro raio não necessitam esta
linguagem, pois as circunstâncias em que se viu Bhisma eram sumamente provocadoras.
Ademais, a imitação não é peculiar do primeiro raio.
Mais tarde, quando Bhisma jaz moribundo no campo de batalha, coberto de feridas e
crivado de flechas, falou, antes de expirar, ao povo reunido ao seu redor sobre a valia das
treze formas de verdade, assegurando-lhe que o esforço é superior ao destino e a vontade
humana maior que os acontecimentos.
Ainda mesmo Shri Krishna, que tanta preeminência deu no hinduísmo ao influxo do
segundo raio, enumera em primeiro lugar as robustas virtudes da impavidez, a pureza
sátvica e o perseverante anelo de sabedoria, entre as qualidades divinas que o homem tem
70
de atualizar.
2. A sabedoria, assinalada no quadro como a característica do segundo raio, quase
dispensa comentários, mas convém recordar a importantíssima verdade, já explicada, de
que a ativa expressão e essência de toda sabedoria é o amor. O termo râja yoga no quadro
sinótico aplica-se, no meu entender, à esplêndida e régia ciência de união ensinada por Shri
Krishna no Bhagavad Gitâ; e a frase "mente humana", usada ali, não se refere tanto ao
princípio manásico ou mental, chamado o sexto sentido na Raja Voga, mas antes ao centro
de consciência humana, denominado buddhi (intuição) pelos teósofos.
A religião budista é seguramente o mais acabado tipo do segundo raio. Muito amiúde o
seu Fundador, ao percorrer o vale do Ganges, mostrava aos hinduístas o risco da soberbia
subjacente na doutrina do Eu, se alguém dizia: "Eu sou Aquele", pensando no "Eu" como
geralmente pensam os homem, ou seja, como personalidade material ou consciência
ordinária. Com muita frequência insistia o Senhor Buda em que o comum das pessoas
formava um falso conceito de Deus, pois não existia o eterno Ser tal como os homens o
figuravam.
Consideremos, além disso, Seu ensino sobre a compaixão e a benevolência. Gautama o
Buda "tornou a Ásia benigna" e deixou tão fundo traço de seu amor no mundo, que os
centenares e milhares de milhões que têm sido Seus discípulos durante o transcurso dos
séculos se distinguiram sempre por sua benevolência e desinteresse. Jamais apoiou sua
propaganda na perseguição, e contudo, nenhuma outra religião do mundo ganhou tão
grande número de fiéis. Verdadeiramente é a religião do segundo raio.
3. O quadro assinala o akasha como a característica do terceiro raio. Akasha é o depósito
ou armazém da mente universal, onde estão todos os arquétipos, o primeiro plano material
em que atua o kriya ou energia mental de nosso Logos solar. É a vigorosa memória da
consciência de nosso globo; o meio pelo qual a consciência enche o espaço. Do akasha
dimanam por diferenciação todos os fenômenos da vida objetiva.
Opino que a Astrologia relacionada com este raio não se refere ao sistema de símbolos
e correspondências especulativas, denominado hoje Astrologia, mas à ciência positiva do
influxo dos Espíritos planetários que presidem os raios.
O homem do terceiro raio, uma vez aprendida a sua Magia, saberá tudo o referente às
características dos sete distintos tipos de cada grau de energia e matéria, de sorte que o
mundo inteiro seria para o experto neste raio como um vasto tabuleiro de xadrez, em que
poderia ver a posição e valor de cada peça e aproveitá-Ia para seus fins e propósitos.
Todas as forças da natureza se recopilam numa grande ciência matemática e têm umas
com outras afinidades que bem podem chamar-se magnetismo. A religião caldéia, com sua
complicada astrolatria e astrologia prática, com seu Livro dos Números, seu enlace da
árvore do conhecimento com a árvore da vida e sua grande reverência pelo deus lunar,
parece que pertenceu a este raio.
4. É muito estranho que o quadro assinale o nascimento de Hórus como a característica
do quarto raio. Mas tudo se explica ao recordar o exposto na mensagem sobre maya,
considerada como encarnação de Shiva para proporcionar um laço de união entre Vishnu e
Brahmâ, ou seja, harmonizar as relações entre a consciência e a matéria.
Quando Osíris foi desprovido de seu reino, muito sofreu o povo debaixo da cruel tirania
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de seu opressor; mas Osíris renasceu em seu próprio filho Hórus, que veio vingar as injúrias
e restaurar a felicidade. Na religião egípcia o cerimonial de luta pela morte de Osíris
causava verdadeira dor, e era símbolo das vivas ânsias de felicidade ou ananda, que o
homem experimenta atado à vida terrena.
Set, o matador de Osíris, símbolo dos rebeldes elementos da natureza e das trevas da
noite, ficou vencido por Hórus, que restabeleceu a harmonia e foi por último o deus dos
justos prêmios e castigos. Além do mais, Hórus era o símbolo do homem no estado
intermediário em que se encontram o supremo espírito e a ínfima matéria, e, depois de
batalhar, harmonizam-se.
Como este ponto é importantíssimo, tratarei de explicá-lo em relação com os sete
princípios do homem. Ao quarto princípio se costuma chamar antahkarana, que
literalmente significa causa, instrumento ou agente interno. Nos planos superiores (em
certo sentido) estão átma (vontade), buddhi (sabedoria) e manas (inteligência), os três
primeiros princípios, e embaixo, os outros três princípios que na constituição do homem
representam o quinto, sexto e sétimo.
As denominações destes três últimos princípios são muito confusas, pois cada autor
lhes tem dado nomes diversos. Por minha parte adotarei as mais convenientes a este
estudo. O que comumente se chama mente inferior é kama-manas ou seja, o manas
mesclado com o desejo, o manas interessado nas coisas materiais. Na geral se tem
empregado a palavra kama em sentido por demais restrito, como se só significasse o
grosseiro desejo sensual. E o desejo é o aspecto externo do amor, o amor às coisas dos três
mundos, enquanto que o genuíno amor é amor da verdadeira vida ou o amor do divino, e
pertence ao Eu íntimo e superior.
O que comumente se denomina princípio astral é simplesmente kama, e quando está já
formado em definido corpo astral se chama kama-rupa. O sétimo princípio está no duplo
etérico, também chamado linga-sharira ou corpo sutil.
O corpo físico não contém nenhum princípio humano. É tão só uma parte do mundo
objetivo. Nem sequer é a mão do homem, senão o instrumento manejado pelo princípio
residente no duplo etérico. O corpo denso só serve para conter os órgãos por cujo meio
funciona o homem no plano físico.
Nas tabulações dos sete princípios, uns autores incluem o antahkarana e outros o corpo
denso, mas nenhum inclui a ambos. Transcrevemos três destas tabulações, como segue:
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PARTE III
A Doutrina Secreta
Embora Ishvara seja "Deus" - imutável nas mais recônditas profundezas de Pralayas e
na mais intensa atividade de Manvantaras, contudo além dele está Atma, cujo pavilhão
está envolto pelas trevas de Maya eterna.
A Doutrina Secreta
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CAPÍTULO XIX
O RAIO INDIVIDUAL
O conhecimento dos raios só convém aos que têm um ideal, uma estrela cintilante no
Oriente, que com tão irresistível fascinação os atrai tanto que não podem deixar de fazer
do caminho para o ideal a senda de sua vida.
Os que ainda vivem para a momentânea satisfação do corpo, dos sentidos e da mente,
ainda são escravos de maya e têm os mutáveis prazeres dos animais. Unicamente quem
nutra um ideal constante está no caminho da verdadeira vida, de ananda ou felicidade, e
ainda então, se tem de percorrer rapidamente a senda, não só necessita da guiadora
estrela de seu ideal que ante ele brilhe alto na obscuridão da noite, senão também de uma
lâmpada de virtude para seus pés, e uma força que ponha em movimento os seus
membros. Mais ainda: para trilhar velozmente a senda, deve determinar a estrela a que há
de seguir, e que virtude e força têm de ser as suas, isto é, tem de conhecer seu próprio raio.
Isto só é possível quando sua conduta é dirigida do interior.
Dias atrás observava eu dois xadrezistas. Um estava inclinado sobre o tabuleiro com a
vista ansiosa e cenho enrugado, e ao mover as peças tremiam-lhe os dedos. O outro estava
deitado para trás, estudando serenamente o tabuleiro, e movia as peças com desenvoltura
natural e graciosa. Quem anele trilhar a senda da felicidade tem de compreender que a
vida se assemelha ao jogo de xadrez, e está no ponto de coincidência dos dois mundos.
Chamarei "meu mundo" o lugar onde me encontro com o mundo exterior. Não é meu
mundo todo este mundo exterior, senão tão só uma parte dele, onde está em marcha o
meu jogo, onde as coisas me tocam e comovem por meio dos sentidos, e eu influo nelas
por meio do pensamento. Muitas coisas há no tempo e no espaço com as quais não me
porei em contato no transcurso do presente jogo, e outras muitas coisas há fora de meu
alcance. Mas seguramente há uma esfera ou região que é "meu mundo", grande ou
pequeno, segundo a amplitude com que vim ao mundo e o tomei em minhas mãos,
intervindo no jogo da vida por meio dos sentidos de percepção.
Úteis são todas as peças do xadrez do mundo: rei, rainha, bispos, cavalos, torres e
peões, isto é, a família, a riqueza, a fama, os amigos, os negócios e ainda o corpo com suas
qualidades de saúde, força e vigor, com seu cérebro e sentidos, e seus hábitos físicos,
emocionais e mentais.
O jogo prossegue para cada qual em seu mundo, no ponto de encontro do Eu interno
com o mundo exterior. No princípio a posição nos parece segura, mas ao fazer um
movimento para acrescentar nossos poderes, ou desfrutá-los, ficamos expostos ao ataque.
Porque cada movimento do indivíduo provoca outro em resposta, no mundo onde a
reação é inseparável da ação. Sucedem-se alternativamente as boas e as más posições;
caem peões e cavalos, mas o jogador não cai e aprende a conhecer o valor das peças, pelo
uso que delas faz, e tranquilamente deixa arrebatá-Ias quando o seu sacrifício lhe
proporciona posição mais vantajosa. Caem os bispos, as torres e a rainha; mas o jogador
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não cai. Nem tampouco cai ainda que perca o rei, que é o seu corpo no xadrez da vida, e
não há de afligir-se por isso, pois, se jogou bem, terá mais fortaleza num novo jogo.
Os sucessos da vida nunca afetam o verdadeiro ser, senão apenas ao nosso pequeno
mundo. Se nos inclinamos ansiosamente sobre o tabuleiro, sem prudência nem
discernimento, parecerá que a perda de torres e peões fere o verdadeiro ser; mas em
realidade nada disso o tem afetado, senão tão só seu mundo, pois tudo quanto sucede é
favorável para a serena e ativa alma. Que cada qual se sinta apoiado no respaldo e verá
como assim é.
Considero cinco as etapas na evolução da alma, e por toda parte se veem os homens
colocados nas seguintes posições nos degraus da escada evolutiva:
78
ambiente. Antes de tudo o indivíduo tem de perguntar de que modo o estudo da magna
ciência teosófica o livrou das limitações que o aprisionavam. (1) - Pareceu-lhe que lhe
abriria uma interminável senda de vitória para o triunfante progresso da anelante alma?
(2) – Pareceu-lhe que apartava os obstáculos que se opunham ao universal espraiar do
jubiloso coração? (3) - Desvaneceu-se a confusão da mente que ansiava conhecer tudo de
uma vez? (4) - Demonstrou-lhe que ainda nas mais tenebrosas circunstâncias da vida há
um propósito espiritual, e que na perfeição haverá lugar adequado para as coisas agora
imperfeitas? (5-7) - Prometeu-lhe tempo e oportunidade para aperfeiçoar o conhecimento
ou ilimitado contato com tudo quanto cabe conceber de mais glorioso ou a certeza de
consumada habilidade numa arte em algo que as energias de toda uma vida não seriam
suficientes para dominar? Reflita cada qual detidamente sobre estas coisas, sem desejo de
que seu raio seja este ou aquele, e a intuição lhe falará.
Também pode perguntar-se retrospectivamente como influi nos demais. Isto poderá
servir-lhe de informação, pois ninguém pode dar o que não tem, senão que dá do que tem.
Conseguiu fortalecê-los com o seu contato e aumentar sua capacidade para arrostar as
vicissitudes da vida? Despertou-os para um conhecimento e sensibilidade superiores aos da
vida pessoal, que se compenetra com o mundo?
Guiou-os para que compreendessem internamente o mistério da existência? Logrou
tudo isto sem deliberada intenção de sua parte e tão só por sua influência individual?
Ademais, que lições aprendeu da experiência adquirida no mundo?
Movido o indivíduo pelas claras e definidas lições da experiência, quiçá ao agir lhe tenha
acudido à memória o seu passado; mas se o mundo lhe pôs generosamente as coisas para
que as escolhesse e as considerasse, acaso tenha invertido o procedimento.
Sobretudo, qual é o seu mais íntimo e profundo anelo? Que exclua ou prescinda de
todos os seus desejos e pergunte-se a si mesmo o que é que realmente anela, e não aceite
nenhuma resposta superficial, senão que se pergunte porque a dá e qual é o profundo
anelo que ainda lhe subsiste. A preferência ou repugnância, ou o passageiro capricho por
algum dos raios lhe falseará a visão da verdade. Há de estar disposto a aceitar o que a
intuição lhe manifestar, e nunca esperar que sua resposta seja esta ou aquela.
Ademais pode o indivíduo restringir o campo de investigações considerando as três
faculdades da mente, para ver qual é a que mais influi em suas resoluções e excita mais a
atividade das outras. Anela conhecimento e poderio pelo amor que o move a servir a Deus
e auxiliar o próximo? Deseja a companhia dos demais e as oportunidades da vida para
melhor compreensão e entendimento? Ou é acaso o vigor do Eu que aneloso de viver
plenamente se arroja às contendas da vida?
Que o indivíduo tome por pedra de toque os seus fracassos. Há três leis espirituais às
quais nenhum homem íntegro deve desobedecer: há de exercitar diligentemente suas
faculdades, há de ser sincero consigo mesmo e com os demais, e há de estar cheio de
amor.
Se aspira ao superior, não tem escusa nem justificação que sacrifique um destes três
princípios em favor de alguém nos conflitos do dever na vida prática, ainda que na certa o
sacrificasse alguma vez, mas sempre menos segundo o tempo passe. Que sacrificou no
passado? Foi insincero ao ser bondoso? Ocasionou dor por ser fiel à verdade? Fraquejou na
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verdade ou no amor ao fazer algo que considerava de vital importância para o êxito? O
princípio que manteve com maior firmeza pode indicar o raio a que pertence. Todavia,
todas estas coisas são de auxílio incerto porque do interior há de brotar o conhecimento do
raio.
Também é necessário, neste esforço para discernir o raio, não fazer comparação entre
si e os demais indivíduos. Pode suceder que um seja de compreensão muito mais débil que
outro a quem conheça, e, contudo, que a compreensão seja o rasgo mais assinalado de seu
caráter, porque os outros princípios são ainda mais débeis. Também pode suceder que o
raio de um indivíduo seja o do amor, e não obstante, que tenha vontade mais firme do que
outro indivíduo pertencente ao primeiro raio. A questão não está em comparar-se com
outra pessoa, senão em conhecer qual princípio governa as forças da alma.
O homem perfeito no mais débil destes princípios é tão forte como o homem ainda
imperfeito no mais vigoroso dos seus, porque realizou em todos eles tudo quanto é
possível realizar um ser vivente em forma humana. Quando o indivíduo tiver escolhido sua
estrela guiadora, as seguintes serão as lâmpadas guiadoras de seus passos pelo
emaranhado espinhal da vida, e as forças que o impulsionem em seu caminho.
A solução é às vezes muito mais complicada pela presença no caráter de outro princípio
vigoroso. Contudo, cada raio tem sete subdivisões, e cada uma destas, outras sete, embora
não tratemos aqui delas, porque a característica do princípio dominante prevalece em cada
subdivisão, assim como todos os matizes de uma cor são desta mesma cor. Mas pode
suceder que o segundo princípio do caráter de um indivíduo atue autonomicamente e em
determinadas circunstâncias iguale em intensidade ao prevalecente.
Têm se exposto diversos conceitos do sub-raio, mas aqui o definimos dizendo que é o
princípio que segue em vigor ao predominante.
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CAPÍTULO XX
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CAPÍTULO XXI
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GLOSSÁRIO DOS PRINCIPAIS TERMOS SÁNSCRITOS EMPREGADOS NESTE LIVRO
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