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MANDATO COM VISTA A ACOMPANAHMENTO

(MVA): UM VERDADEIRO MANDATO?

TITO ISMAEL VIEIRA TELES (N.º 62593)

DIREITO DOS CONTRATOS II | TAN PAN-3

REGENTE: PROF. DOUTOR DIOGO PEREIRA


DUARTE

COLABORADOR: DR. MIGUEL BRITO BASTOS

2021/2022
.

1
Siglas e abreviaturas

AAVV - autores vários


BGB - Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão)
cap. - Capítulo
CC - Código Civil
CCIta - Codice Civile (Código Civil italiano)
cf. - confira, confronte
cit., cits. - Citado, citada, etc., cita-se; citação, citações
CPC - Código de Processo Civil
ed., eds. - Edição, edições; editora, editoras
i. e. - id est (isto é)
n. - nota
ob. - obra
p., pp. - Página, páginas
séc. - Século
t., ts. - Tomo, tomos
vol., vols. - Volume, volumes

2
ÍNDICE

Introdução....................................................................................................5

1. O Mandato................................................................................................5
1.1 Coordenadas Históricas...................................................................................................6

1.2 Elementos essenciais e características............................................................................8

1.3 Modalidades do contrato de mandato..........................................................................11

2. O Maior Acompanhado.........................................................................14
2.1 Regime Anterior.............................................................................................................14

2.2 Características do Regime Atual...................................................................................15

2.3 Admissibilidade do Mandato para supressão da incapacidade..................................15

Conclusão...................................................................................................15

Bibliografia citada:....................................................................................17

3
Introdução
Com a Lei n.º 49/2018, para além de haver a constituição do novo regime
do maior acompanhado, juntamente houve a criação do Mandato com Vista
a Acompanhamento (MVA), previsto no art. 156.º CC. Como aluno de
Direito de Contratos, e tendo particular interesse pela figura do mandato, a
análise desta figura suscitou bastante interesse, especialmente no que toca à
comparação entre os regimes. Sendo ao MVA aplicado o regime geral do
mandato (arts. 1157.º e ss. CC ex vie art. 156.º/2 CC), propõe-se com este
trabalho analisar o mandato, quer a sua história na análise jurídica, os
elementos, características, modalidades e regime legal, e observar a
compatibilidade que o mandato tem com a supressão da capacidade. No
final do trabalho, propõe-se responder à pergunta: Será a figura do mandato
ajustada para suprir a incapacidade de um maior acompanhado? Que
problemas poderá isso ter?

Com a análise do regime do mandato, ira-se de seguido observar de forma


breve o regime do maior acompanhado, com esperanças que cruzar
analiticamente estes dois institutos, e de perceber se são compatíveis, ou se
estamos perante um erro crasso do legislador.

4
1. O Mandato
O mandato é definido no art. 1157.º CC como “o contrato pelo qual uma
das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da
outra.”. Percebe-se que esta definição do contrato de mandato é fortemente
inspirada pela definição de mandato no ordenamento italiano, no art. 1703.º
CCIta, que tem como definição de mandato “O contrato pela qual uma
parte se compromete a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de
outro”1

Conseguimos perceber, só através desta definição, de que o mandato é uma


importantíssima ferramenta no tráfego jurídico, sendo a principal forma de
representação e imputação de efeitos jurídicos através de um terceiro.

Percebe-se, pois, que para além de importante, o mandato coloca sérias


questões, pela sua própria natureza, a nível dogmático, não devendo um
jurista entender o seu curto regime legal, como fiel reflexo à sua
importância e discussão, quer a nível doutrinário, como jurisprudencial. Por
isso mesmo, se decidiu a produção deste trabalho, por não se encontrar
nenhuma produção jurídica no que toca à aplicação do regime do mandato
à substituição

1
“Il mandato è il contratto col quale una parte si obbliga a compiere uno o più atti
giuridici per conto dell'altra” (Consultado em https://www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?
urn:nir:stato:regio.decreto:1942-03-16;262 e traduzido utilizando a ferramenta Google
Tradutor™). Sobre esta semelhança entre a letra da lei italiana e portuguesa, escreve o
MENEZES CORDEIRO, in “Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.º Parte”, pg. 441

5
1.1 Coordenadas Históricas
Como nos explicam, tanto o Prof. MENEZES LEITÃO como o Prof.
MENEZES CORDEIRO, a origem do mandato através da Codificação
surge originalmente com o Código civil francês de 1804, que por sua vez
aproveita toda a discussão doutrinária que se desenvolveu em torno de
textos de Direito Romano, acerca daas mais variadas características e
qualidades do mandato, em especial sobre a sua onerosidade ou
gratuitidade2. Contudo, importa-nos regressar atrás no tempo, e analisar o
mandato na sua origem, a qual se reporta ao Direito Romano. A palavra
‹‹mandato›› deriva da expressão latina “manum datum” ou “manus dare”,
pelo facto de este tipo de contratos serem celebrados com um aperto de
mão, símbolo da confiança que as partes contratantes depositavam uma na
outra3. Esta confiança, como revelam os autores, tinha o valor vinculante da
fides, mas que posteriormente passou a assentar na bona fides, tendo os
jurisprudentes romanos indo gradualmente admitindo a possibilidade de
este negócio ser oneroso, e não imperativamente consensual.45 Esta
discussão sobre a gratuitidade ou onerosidade do mandato vai se mantendo
até ao período da codificação no séc. XIX, precisamente com o Code Civil

2
V. MENEZES LEITÃO in “Direito das Obrigações, Vol. III – Os Contratos em
Especial”, pp. 429 e ss. /MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 445 e ss.
3
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pg. 445/ MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 429
4
Embora sejam a maioria dos manuais que não façam a distinção, a fides assenta no
cumprimento em que as partes se comprometeram, independentemente da sua boa-fé
perante o outro contratante, ao passo que a bona fide corresponde, grosso modo, ao
entendimento que se tem sobre a boa-fé atualmente. Para uma compreensão alargada da
fides v. MENEZES CORDEIRO “Da Boa Fé no Direito Civil”, pp. 53 e ss.
5
Para a questão da necessidade do mandato ser necessariamente gratuito (ou não) para
os jurisprudentes da Roma Clássica, v. MENEZES LEITÂO, ob. cit., pp. 430-431.

6
de 1804, sendo certo que este código, no seu art. 1986.º, abandona o caráter
necessário da gratuitidade, sendo esta presumível salvo estipulação em
contrário. Esta presunção de gratuitidade do mandato do Code Civil vai
influenciar o primeiro Código Civil, o Código de Seabra de 1867, que
estipulava no seu art. 1331.º, que :

“O mandato presume-se gratuito, não tendo sido estipulada remuneração. exepto o


objecto do mandato for daquelles, que o o mandatario tracta por officio ou profissão
lucrativa”6

Olhando para o regime do mandato no Código de Seabra, podemos ver


inúmeros paralelismos com o regime do mandato vigente, á exceção da
inexistente diferenciação entre mandato e representação, figuras que só
foram distintas graças ao trabalho da pandectista alemã, que ainda não
tinha influência no ordenamento português ao tempo do Código de 1867
(ao ponto em que o capítulo referente ao mandato tinha o mandato e a
procuradoria como sinónimos) 7. Apesar de tratarmos da distinção entre
mandato e procuração em subcapítulo posterior a este, percebemos que esta
distinção foi analisada e tratada no Código Civil de 1966, em que alias uma
prova disso, é a admissão da figura do mandato sem representação (art.
1180.º e ss. CC), e a autonomização da procuração como um negócio
autónomo do mandato, prevista agora nos arts. 262.º e ss. CC.8

Em conclusão pessoal deste subcapítulo, podemos claramente observar


uma dissociação entre as partes para a produção do contrato de mandato.
Um negócio que, começando na Roma Antiga, requer laços de confiança e
amizade de uma parte a outra, recusando admitir onerosidade, vai à medida

6
Artigo 1331.º do Código de Seabra consultado em:
https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1664.pdf (ultima vez visto em 31/05/2022,
às 18:11)
7
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 431
8
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 431-432

7
do tempo, alargando-se e deixando para trás especificidades que a separam
dos demais contratos. Isto permite que esta figura seja utilizada para as
demais situações, sendo certo que o mandato, como modalidade de contrato
de prestação de serviços, está longe de esgotar a sua aplicabilidade prática.9
Seria difícil de configurar, tanto variações especiais do mandato como o
mandato comercial (arts. 231.º e ss. CCom.), ou até figuras autónomas que
têm uma clara influencia do mandato, como o contrato de agência (previsto
no Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho), sem haver uma clara evolução e
aprofundamento ao longo da história do Direito sobre o contrato de
mandato.

9
V. V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 427

8
1.2 Elementos essenciais e características
Tendo findado a presentação sobre os aspetos históricos e o percurso do
contrato de mandato ao longo do tempo, importa-nos agora qualificar este
regime, perceber os seus aspetos e as suas vicissitudes, para compreender
melhor o seu campo de aplicação. Analisaremos os vários aspetos do
mandato. Em primeiro lugar temos os elementos essenciais do contrato,
que são exposto via o art. 1157.º CC, em que “Mandato é contrato pelo
qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por
conta de outra”:

- “O contrato”: Em primeiro ligar, como nos diz o art. 1157.º


CC, o mandato é um contrato, ou seja, estamos perante um acordo
entre duas vontades para a celebração de um negócio jurídico. Esta
necessidade de haver duas vontades torna-se especialmente relevante
para nos ajudar, em primeira linha a distinguir o mandato da
procuração. Sendo o mandato um contrato, as obrigações que o
mandatário tenha por força do contrato são por ele assumidas, i.e., se
o mandatário não transmitir uma declaração negocial em que
demonstre a sua vontade de assumir as obrigações que lhe competem
por força do próprio contrato, tal como acontece com qualquer outro
contrato existente no ordenamento jurídico10. Em contrapartida, a
procuração é um negócio jurídico unilateral, na medida em que surge
perfeita apenas com uma única declaração negocial, não sendo
necessário que o beneficiário a aceite para que ela produza os seus

10
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 432

9
efeitos, havendo um mero direito a renunciar a procuração, como
está previsto no art. 265.º/1 CC.11

- “Se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos”: Esta parte


do preceito leva-nos a identificar o objeto contratual do mandato, a
prática de atos jurídicos. Está em causa sobretudo uma obrigação de
facere, o que em si não prejudica que possa haver prestações
assessórias de dare12, mas o que tem de haver indiscutivelmente
como objeto do contrato de mandato é a obrigação de praticar atos
jurídicos latu sensu, isto é, de atos que sejam relevantes para o
Direito, quer sejam atos jurídicos strictu sensu (atos que impliquem
apenas liberdade de celebração, mas não de estipulação) ou de
negócios jurídicos (que impliquem liberdade de celebração)13.

- “Por conta de outrem”: Sendo uma das principais características


do mandato, este contrato permite que haja uma ingerência
autorizada em esfera jurídica alheia, i.e., no mandato, o mandatário
pratica os atos jurídicos a que está obrigado por haver uma intenção
de ambas as partes de que os efeitos jurídicos tidos com a prática
desses mesmos atos se repercutam na esfera jurídica do mandante14.
Mesmo que essa repercussão advenha indiretamente pelo mandato
ser um mandato sem representação, haverá sempre um ato posterior
de transmissão de efeitos jurídicos para a esfera do mandante, e por

11
V. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil, Tomo V”, p. 128
12
V. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.º Parte”, p. 485
13
V. MENEZES CORDEIRO “Tratado de Direito Civil, Tomo II” pp. 83 e ss. apud
AA.VV, “Prontuário Jurídico” p. 16
14
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 432

10
isso, o mandatário atuará sempre por conta do mandate,
independentemente dos poderes de representação que possa ter
atribuídos no mandato

Para além destes elementos essenciais, ainda podemos identificar o


contrato de mandato como: um contrato duplamente consensual (tanto pelo
facto que em regra geral, não é exigida uma forma específica, sendo
bastante comum que seja meramente verbal, como não se exige a traditio
de nenhuma coisa para que este contrato produza efeitos), nominado e
típico (o seu regime legal é estabelecido por lei, e vem mencionado na lei,
nos arts. 1157.º e ss. CC), bivinculante (traz obrigações tanto para o
mandante (art. 1167.º CC), como para o mandatário (art. 1161.º CC)), e
sinalagmático (sendo o mandato oneroso, gera obrigações reciprocas para
ambas as partes, onde os direitos de uma parte refletem-se nos deveres da
outra e vice-versa, ou pelo menos existe um sinalagma imperfeito quando
gratuito, não havendo nexo de correspetividade, mas havendo à mesma
obrigações reciprocas).15

15
Para as características do mandato, v. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito
Civil, Tomo XII, 2.º Parte., p. 484; e MENEZES LEITÂO, ob. cit., pp. 483 e ss.

11
1.3 Modalidades do contrato de mandato
Conseguimos também, para alem de identificar os três elementos essenciais
de qualquer contrato de mandato, bem como as suas típicas características,
podemos também identificar várias modalidades do contrato de mandato.
Em primeira linha, o contrato pode ser gratuito ou oneroso, consoante as
partes tenham acordado renumeração em consequência dos atos feitos pelo
mandatário (art. 1158.º CC), tendo este mesmos artigo regras para a
presunção da onerosidade ou gratuitidade, em especial se os atos que são
objeto do mandato coincidirem com atos a que o mandatário pratique como
profissão. Esta distinção é importante pois limita os montantes
indemnizatórios bem como o catálogo de direitos que as partes podem
reclamar se houver litígio16

Para além disto temos também mandato com representação e mandato sem
representação, previstos nos arts. 1178.º e 1180.º, do Código Civil,
respetivamente. O mandato com representação não coloca muitas dúvidas,
sendo certo que, ao ser acompanhado de procuração, há uma imputação
automática dos atos do mandatário na esfera do mandante. O mandato e a
procuração que confere poderes não se confundem, pois, o mandato,
embora obrigue o mandatário a praticar certos atos, não implica
necessariamente poderes para os praticar17. Consequentemente, se houver
no mandato com representação revogação ou renuncia da procuração, há
também a revogação do mandato (art. 1179.º CC), o que se entende, pois, o
mandato perde assim a sua característica essencial. No que toca ao mandato
16
V. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.º Parte, pp. 483-
484
17
V. MENEZES LEITÂO, ob.cit., pp. 452-453

12
sem representação, este acresce uma obrigação do mandatário transferir os
direitos adquiridos em execução do mandato (art. 1181.º/1 CC), adotando
assim o nosso ordenamento a teoria da dupla transferência, no que toca a
mandato sem representação, ou seja, serão necessários dois atos para que os
atos do mandatário se repercutam na esfera do mandante: o ato entre o
mandatário e o terceiro de aquisição do direito objeto do mandato, e um
segundo ato de transferência desse mesmo direito da esfera do mandatário
para a esfera do mandante18

Por último, temos o mandato geral e o mandato especial. O primeiro faz


com que o mandato tenha por objeto atos de administração extraordinária
(art. 1159.º CC), sendo certo que a doutrina atual defende que apenas é
necessário a estipulação de uma categoria indeterminada de atos, e não
todos os atos que o mandante deva praticar19. Em contrapartida, o mandato
especial abrange, para além de atos previstos no mandato ordinário, atos
necessários à sua execução (art. 1159.º/2 CC), ou seja, o mandato especial
prevê não só atos de que o mandato geral, pela sua previsão objetiva, esteja
o mandatário obrigado, mas também prevê atos que, sendo convenientes ou
uteis para o mandatário cumprir as suas funções, precisam de estar
especificados no contrato.

Havendo nós analisado as principais características, a história, os elementos


e as modalidade pertencentes ao contrato de mandato, podemos agora, com
confiança no regime que acabamos de analisar, partir para a análise do
regime do maior acompanhado, analisando agora este, e percebendo se
afinal, pode haver mandato para suprimir a incapacidade dos maiores
acompanhados.

18
V. MENEZES LEITÃO, ob. cit., pp. 454-455
19
V. MENEZES LEITÃO, ob. cit., pp. 438

13
2. O Maior Acompanhado

O regime do maior acompanhado vem previsto nos artigos. 138.º e ss. do


Código Civil. ele tem como objeto suprimir as incapacidades provenientes
de aqueles que, sendo maiores por motivos de doença, deficiência ou pelo
seu comportamento, sejam impossibilitados de exercer plena, pessoal e
conscientemente os seus direitos, ou cumprir com os seus deveres, tal como
previsto pelo art. 138.º CC. Percebemos então que os requisitos para a
aplicação deste regime são: a maioridade, sendo certo que, embora os
menores também possam, sofrer de deficiências, de doença ou de qualquer
outra causa que ponha a sua capacidade de exercício em causa, como é
obvio, estes já são alvo de proteção jurídica, pois mesmo que não tivessem
todos estes fatores, seriam considerados pelo Direito como incapazes de
exercer plenamente os seus direitos e obrigações; em segundo lugar, temos
como é obvio, as causas impeditivas do exercício pleno de direitos e
obrigações.

14
2.1 Regime Anterior
No que toca ao regime anterior, existiam duas grandes figuras que
compunham o regime dos maiores acompanhados: a interdição e a
inabilitação. A interdição, que era prevista nos arts. 138 a 151.º do CC, era
o regime mais pesado, pois era previsto para casos de anomalias,
deficiências e doenças graves, ao ponto de não serem capazes de governar
os seus bens, ou de cuidar de pessoas que os rodeassem. 20 O processo de
atribuição do regime da interdição competia aos tribunais comuns, pelo
antigo art. 140.º CC, onde havia nomeadamente duas fazes para a análise
do maior e atribuição do regime: o interrogatório por parte do juiz, previsto
antigamente no art. 897.º CPC; e o exame pericial a pedido do requerido,
que também era previsto no art. 897.º CPC. A interdição poderia ser
requerida pelo cônjuge , tutor, ou Ministério Público. á luz do antigo art.
141.º-A CC.21

A inabilitação, que era prevista nos arts. 152.º a 156.º do CC, tratava de
casos onde as incapacidades eram menos gravosas, embora igualmente
permanentes, mas também para casos de abuso de bebidas alcoólicas,
estupefacientes ou abuso qualquer outro tipo de substância, de forma a
comprometer de forma séria e grave a gestão patrimonial do inabilitado.
Esta foi uma inovação do Código Civil de 196622.

Como o regime era pensado para pessoas que que não eram totalmente
incapazes, mas que tinham graves problemas no que toca à gestão
patrimonial, sendo nomeado um curador, cujo tribunal devia especificar os
20
V. MENEZES CORDEIRO, “Da situação jurídica do maior acompanhado”, p. 18
21
V. MENEZES CORDEIRO, “Da situação jurídica do maior acompanhado”, pp. 18 e
ss.
22
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 27 e ss.

15
negócios que deviam de ser autorizados e praticados por este, à luz do
antigo art. 901.º/2 CPC. Este regime era muito mais flexível, sendo
bastante próximo do atual regime do maior acompanhado, permitindo que
fosse o juiz a determinar casuisticamente os negócios e atos que estariam
vedados ao próprio maior acompanhado23.

Estes regimes apresentavam-se fixos e bastante rígidos. À luz de um


melhoria da qualidade de vida em Portugal, e da evolução que se tem pelo
que se considera um maior acompanhado, o Prof. MENEZES CORDEIRO
à luz de dados demográficos a constante evolução que a sociedade
portuguesa teve em termos de qualidade de vida24, sendo que se a função do
Direito Civil era a de acompanhar a atividade do cidadão adulto, então este
regime fixo já não faria sentido, visto que era necessário alterar a perceção
que se tinha do maior acompanhado, de um tratamento condigno, e de um
regime jurídico que fizesse isso mesmo25

23
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 28 e ss.
24
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 31 e ss.
25
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 37

16
2.2 Características do Regime Atual
Com a Lei 49/2018, de 14 de Agosto26, são eliminados os institutos da
interdição e inabilitação, e é admitido o novo regime do maior
acompanhado. No que toca a aspetos essenciais, é importante salientar de
que a legitimidade para pedir o processo parte em primeira parte ao
próprio, sendo que embora o Ministério Público o possa fazer, e o Tribunal
também possa suprir a autorização do maior acompanhado, parece haver
um respeito pela lei ao dar ao beneficiário do regime algum tipo de respeito
e de primeira autorização ao beneficiário27. Para além deste aspeto, o
regime visa agora ser adaptado à incapacidade especifica do maior
acompanhado, não havendo mais a debilidade de um regime fixo, havendo
restrições apenas na medida do necessário, como podemos ver, a título de
exemplo, nos arts. 139.º/1, 140.º, 145.º, 147.º e 149.º, do CC.

26
Prevista em https://dre.pt/dre/detalhe/lei/49-2018-116043536
27
V. PAULA TÁVORA VÍTOR, em anotação ao art. 141.º CC, in “Código Civil
Anotado”, de ANA PRATA (Coord.), pp. 167 e ss.

17
2.3 Admissibilidade do Mandato para supressão da
incapacidade
Finalmente, chegamos ao ponto fulcral da exposição do tema, a da
admissibilidade do mandato para a questão da representação do maior
acompanhado. Com a Lei n.º 49/2018, há a criação do Mandato com Vista
a Acompanhamento (MVA), havendo uma preferência por este meio por
ser um meio informal e menos intrusivo para o maior acompanhado,
cumprindo com princípios de autonomia privada e de Subsidariadade da
atuação dos meios públicos na autonomia privada.28

Ao que tudo indica, o art. 156.º CC parece-nos dar uma resposta bastante
explícita, ao dizer que o maior acompanhado pode celebrar um contrato de
mandato para a nomeação do representante, prevendo que no futuro sofrerá
de alguma incapacidade. Ademais, o art. 156.º/3 CC permite ao tribunal
aproveitar esse mesmo mandato em todo ou em parte, o n.º 4 do mesmo
artigo permite ao tribunal cessar o mandato, se presumir-se que fosse essa a
vontade do maior acompanhado. O Prof. MENEZES CORDEIRO, coloca
um crivo de reflexão por parte do tribunal, pois sendo um mandato um
contrato que faz com que os atos do mandatário se repercutam na esfera do
mandante, por muito forte que seja o laço afetivo entre o maior
acompanhado e o representante, levará sempre a potenciais abusos por
parte do representante, que a seu bel-prazer, pode administrar bens
alheios29. Embora seja interessante e potencialmente benéfico Questão
também interessante é trazer para esta análise a figura do submandato, ou
seja, saber se o mandatário, cujo maior acompanhado confia para tomar
conta de si, cujo natureza faz-nos deduzir uma característica intuito
28
V. PAULA TÁVORA VITOR, em anotação ao art. 156.º CC, ob. cit., pp. 204 e ss.
29
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 108.

18
personae deste MVA, faz-nos levantar sérias duvidas. Embora o
submandato careca de autorização do mandante em primeiro lugar (art.
264.º/1 ex vie art. 1165.º CC), não há duvidas de que possa haver um
defraudamento grave, ou de pelo menos uma influência que o representante
tenha para levar o maior acompanhado a autorizar este tipo de substituição.

19
Conclusão
Em tom de conclusão, utilizar um figura predominantemente contratual,
como o mandato, onde o que impera é a plena autonomia privada e
consciência das partes nos compromissos que tomam. e utilizá-la para
suprimir condições restritivas de direitos inerentes à personalidade, parece,
em opinião pessoal desajustado. Embora haja bastantes medidas no que
toca à revisão periódica do maior acompanhado, e da fiscalização do
representante no que toca ao cumprimento dos seus deveres de forma
periódica (art. 155.º CC), pode haver já “sérios estragos” no que toca ao
património do representado, sendo uma figura como o mandato pouco
ajustada para a representação do maior acompanhado.

20
Bibliografia citada:

MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e, “Tratado de Direito Civil,


Tomo II”, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017

______ . “Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.ª parte”, Almedina, Coimbra, 2018

______ . “Tratado de Direito Civil, Tomo V”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018

______. “Da Boa Fé no Direito Civil”, 5.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2013

______. “Da situação jurídica do maior acompanhado, Estudo de política legislativa


relativo a um novo regime de incapacidades denominadas de maiores”, (in
http://www.smmp.pt/wp-content/uploads/Estudo_Menezes-CordeiroPinto-
MonteiroMTS.pdf), (Ultima vez consultado às 21:09 de 31/05/2022)

PRATA, Ana (Coord.)/ AA.VV, “Código Civil Anotado, Volume 1” 2.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2021

MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, “Direito das Obrigações, Volume III –
Dos Contratos em Especial” – 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022

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