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2021/2022
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Siglas e abreviaturas
2
ÍNDICE
Introdução....................................................................................................5
1. O Mandato................................................................................................5
1.1 Coordenadas Históricas...................................................................................................6
2. O Maior Acompanhado.........................................................................14
2.1 Regime Anterior.............................................................................................................14
Conclusão...................................................................................................15
Bibliografia citada:....................................................................................17
3
Introdução
Com a Lei n.º 49/2018, para além de haver a constituição do novo regime
do maior acompanhado, juntamente houve a criação do Mandato com Vista
a Acompanhamento (MVA), previsto no art. 156.º CC. Como aluno de
Direito de Contratos, e tendo particular interesse pela figura do mandato, a
análise desta figura suscitou bastante interesse, especialmente no que toca à
comparação entre os regimes. Sendo ao MVA aplicado o regime geral do
mandato (arts. 1157.º e ss. CC ex vie art. 156.º/2 CC), propõe-se com este
trabalho analisar o mandato, quer a sua história na análise jurídica, os
elementos, características, modalidades e regime legal, e observar a
compatibilidade que o mandato tem com a supressão da capacidade. No
final do trabalho, propõe-se responder à pergunta: Será a figura do mandato
ajustada para suprir a incapacidade de um maior acompanhado? Que
problemas poderá isso ter?
4
1. O Mandato
O mandato é definido no art. 1157.º CC como “o contrato pelo qual uma
das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da
outra.”. Percebe-se que esta definição do contrato de mandato é fortemente
inspirada pela definição de mandato no ordenamento italiano, no art. 1703.º
CCIta, que tem como definição de mandato “O contrato pela qual uma
parte se compromete a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de
outro”1
1
“Il mandato è il contratto col quale una parte si obbliga a compiere uno o più atti
giuridici per conto dell'altra” (Consultado em https://www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?
urn:nir:stato:regio.decreto:1942-03-16;262 e traduzido utilizando a ferramenta Google
Tradutor™). Sobre esta semelhança entre a letra da lei italiana e portuguesa, escreve o
MENEZES CORDEIRO, in “Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.º Parte”, pg. 441
5
1.1 Coordenadas Históricas
Como nos explicam, tanto o Prof. MENEZES LEITÃO como o Prof.
MENEZES CORDEIRO, a origem do mandato através da Codificação
surge originalmente com o Código civil francês de 1804, que por sua vez
aproveita toda a discussão doutrinária que se desenvolveu em torno de
textos de Direito Romano, acerca daas mais variadas características e
qualidades do mandato, em especial sobre a sua onerosidade ou
gratuitidade2. Contudo, importa-nos regressar atrás no tempo, e analisar o
mandato na sua origem, a qual se reporta ao Direito Romano. A palavra
‹‹mandato›› deriva da expressão latina “manum datum” ou “manus dare”,
pelo facto de este tipo de contratos serem celebrados com um aperto de
mão, símbolo da confiança que as partes contratantes depositavam uma na
outra3. Esta confiança, como revelam os autores, tinha o valor vinculante da
fides, mas que posteriormente passou a assentar na bona fides, tendo os
jurisprudentes romanos indo gradualmente admitindo a possibilidade de
este negócio ser oneroso, e não imperativamente consensual.45 Esta
discussão sobre a gratuitidade ou onerosidade do mandato vai se mantendo
até ao período da codificação no séc. XIX, precisamente com o Code Civil
2
V. MENEZES LEITÃO in “Direito das Obrigações, Vol. III – Os Contratos em
Especial”, pp. 429 e ss. /MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 445 e ss.
3
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pg. 445/ MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 429
4
Embora sejam a maioria dos manuais que não façam a distinção, a fides assenta no
cumprimento em que as partes se comprometeram, independentemente da sua boa-fé
perante o outro contratante, ao passo que a bona fide corresponde, grosso modo, ao
entendimento que se tem sobre a boa-fé atualmente. Para uma compreensão alargada da
fides v. MENEZES CORDEIRO “Da Boa Fé no Direito Civil”, pp. 53 e ss.
5
Para a questão da necessidade do mandato ser necessariamente gratuito (ou não) para
os jurisprudentes da Roma Clássica, v. MENEZES LEITÂO, ob. cit., pp. 430-431.
6
de 1804, sendo certo que este código, no seu art. 1986.º, abandona o caráter
necessário da gratuitidade, sendo esta presumível salvo estipulação em
contrário. Esta presunção de gratuitidade do mandato do Code Civil vai
influenciar o primeiro Código Civil, o Código de Seabra de 1867, que
estipulava no seu art. 1331.º, que :
6
Artigo 1331.º do Código de Seabra consultado em:
https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1664.pdf (ultima vez visto em 31/05/2022,
às 18:11)
7
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 431
8
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 431-432
7
do tempo, alargando-se e deixando para trás especificidades que a separam
dos demais contratos. Isto permite que esta figura seja utilizada para as
demais situações, sendo certo que o mandato, como modalidade de contrato
de prestação de serviços, está longe de esgotar a sua aplicabilidade prática.9
Seria difícil de configurar, tanto variações especiais do mandato como o
mandato comercial (arts. 231.º e ss. CCom.), ou até figuras autónomas que
têm uma clara influencia do mandato, como o contrato de agência (previsto
no Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho), sem haver uma clara evolução e
aprofundamento ao longo da história do Direito sobre o contrato de
mandato.
9
V. V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 427
8
1.2 Elementos essenciais e características
Tendo findado a presentação sobre os aspetos históricos e o percurso do
contrato de mandato ao longo do tempo, importa-nos agora qualificar este
regime, perceber os seus aspetos e as suas vicissitudes, para compreender
melhor o seu campo de aplicação. Analisaremos os vários aspetos do
mandato. Em primeiro lugar temos os elementos essenciais do contrato,
que são exposto via o art. 1157.º CC, em que “Mandato é contrato pelo
qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por
conta de outra”:
10
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 432
9
efeitos, havendo um mero direito a renunciar a procuração, como
está previsto no art. 265.º/1 CC.11
11
V. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil, Tomo V”, p. 128
12
V. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.º Parte”, p. 485
13
V. MENEZES CORDEIRO “Tratado de Direito Civil, Tomo II” pp. 83 e ss. apud
AA.VV, “Prontuário Jurídico” p. 16
14
V. MENEZES LEITÂO, ob. cit., p. 432
10
isso, o mandatário atuará sempre por conta do mandate,
independentemente dos poderes de representação que possa ter
atribuídos no mandato
15
Para as características do mandato, v. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito
Civil, Tomo XII, 2.º Parte., p. 484; e MENEZES LEITÂO, ob. cit., pp. 483 e ss.
11
1.3 Modalidades do contrato de mandato
Conseguimos também, para alem de identificar os três elementos essenciais
de qualquer contrato de mandato, bem como as suas típicas características,
podemos também identificar várias modalidades do contrato de mandato.
Em primeira linha, o contrato pode ser gratuito ou oneroso, consoante as
partes tenham acordado renumeração em consequência dos atos feitos pelo
mandatário (art. 1158.º CC), tendo este mesmos artigo regras para a
presunção da onerosidade ou gratuitidade, em especial se os atos que são
objeto do mandato coincidirem com atos a que o mandatário pratique como
profissão. Esta distinção é importante pois limita os montantes
indemnizatórios bem como o catálogo de direitos que as partes podem
reclamar se houver litígio16
Para além disto temos também mandato com representação e mandato sem
representação, previstos nos arts. 1178.º e 1180.º, do Código Civil,
respetivamente. O mandato com representação não coloca muitas dúvidas,
sendo certo que, ao ser acompanhado de procuração, há uma imputação
automática dos atos do mandatário na esfera do mandante. O mandato e a
procuração que confere poderes não se confundem, pois, o mandato,
embora obrigue o mandatário a praticar certos atos, não implica
necessariamente poderes para os praticar17. Consequentemente, se houver
no mandato com representação revogação ou renuncia da procuração, há
também a revogação do mandato (art. 1179.º CC), o que se entende, pois, o
mandato perde assim a sua característica essencial. No que toca ao mandato
16
V. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.º Parte, pp. 483-
484
17
V. MENEZES LEITÂO, ob.cit., pp. 452-453
12
sem representação, este acresce uma obrigação do mandatário transferir os
direitos adquiridos em execução do mandato (art. 1181.º/1 CC), adotando
assim o nosso ordenamento a teoria da dupla transferência, no que toca a
mandato sem representação, ou seja, serão necessários dois atos para que os
atos do mandatário se repercutam na esfera do mandante: o ato entre o
mandatário e o terceiro de aquisição do direito objeto do mandato, e um
segundo ato de transferência desse mesmo direito da esfera do mandatário
para a esfera do mandante18
18
V. MENEZES LEITÃO, ob. cit., pp. 454-455
19
V. MENEZES LEITÃO, ob. cit., pp. 438
13
2. O Maior Acompanhado
14
2.1 Regime Anterior
No que toca ao regime anterior, existiam duas grandes figuras que
compunham o regime dos maiores acompanhados: a interdição e a
inabilitação. A interdição, que era prevista nos arts. 138 a 151.º do CC, era
o regime mais pesado, pois era previsto para casos de anomalias,
deficiências e doenças graves, ao ponto de não serem capazes de governar
os seus bens, ou de cuidar de pessoas que os rodeassem. 20 O processo de
atribuição do regime da interdição competia aos tribunais comuns, pelo
antigo art. 140.º CC, onde havia nomeadamente duas fazes para a análise
do maior e atribuição do regime: o interrogatório por parte do juiz, previsto
antigamente no art. 897.º CPC; e o exame pericial a pedido do requerido,
que também era previsto no art. 897.º CPC. A interdição poderia ser
requerida pelo cônjuge , tutor, ou Ministério Público. á luz do antigo art.
141.º-A CC.21
A inabilitação, que era prevista nos arts. 152.º a 156.º do CC, tratava de
casos onde as incapacidades eram menos gravosas, embora igualmente
permanentes, mas também para casos de abuso de bebidas alcoólicas,
estupefacientes ou abuso qualquer outro tipo de substância, de forma a
comprometer de forma séria e grave a gestão patrimonial do inabilitado.
Esta foi uma inovação do Código Civil de 196622.
Como o regime era pensado para pessoas que que não eram totalmente
incapazes, mas que tinham graves problemas no que toca à gestão
patrimonial, sendo nomeado um curador, cujo tribunal devia especificar os
20
V. MENEZES CORDEIRO, “Da situação jurídica do maior acompanhado”, p. 18
21
V. MENEZES CORDEIRO, “Da situação jurídica do maior acompanhado”, pp. 18 e
ss.
22
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 27 e ss.
15
negócios que deviam de ser autorizados e praticados por este, à luz do
antigo art. 901.º/2 CPC. Este regime era muito mais flexível, sendo
bastante próximo do atual regime do maior acompanhado, permitindo que
fosse o juiz a determinar casuisticamente os negócios e atos que estariam
vedados ao próprio maior acompanhado23.
23
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 28 e ss.
24
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 31 e ss.
25
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 37
16
2.2 Características do Regime Atual
Com a Lei 49/2018, de 14 de Agosto26, são eliminados os institutos da
interdição e inabilitação, e é admitido o novo regime do maior
acompanhado. No que toca a aspetos essenciais, é importante salientar de
que a legitimidade para pedir o processo parte em primeira parte ao
próprio, sendo que embora o Ministério Público o possa fazer, e o Tribunal
também possa suprir a autorização do maior acompanhado, parece haver
um respeito pela lei ao dar ao beneficiário do regime algum tipo de respeito
e de primeira autorização ao beneficiário27. Para além deste aspeto, o
regime visa agora ser adaptado à incapacidade especifica do maior
acompanhado, não havendo mais a debilidade de um regime fixo, havendo
restrições apenas na medida do necessário, como podemos ver, a título de
exemplo, nos arts. 139.º/1, 140.º, 145.º, 147.º e 149.º, do CC.
26
Prevista em https://dre.pt/dre/detalhe/lei/49-2018-116043536
27
V. PAULA TÁVORA VÍTOR, em anotação ao art. 141.º CC, in “Código Civil
Anotado”, de ANA PRATA (Coord.), pp. 167 e ss.
17
2.3 Admissibilidade do Mandato para supressão da
incapacidade
Finalmente, chegamos ao ponto fulcral da exposição do tema, a da
admissibilidade do mandato para a questão da representação do maior
acompanhado. Com a Lei n.º 49/2018, há a criação do Mandato com Vista
a Acompanhamento (MVA), havendo uma preferência por este meio por
ser um meio informal e menos intrusivo para o maior acompanhado,
cumprindo com princípios de autonomia privada e de Subsidariadade da
atuação dos meios públicos na autonomia privada.28
Ao que tudo indica, o art. 156.º CC parece-nos dar uma resposta bastante
explícita, ao dizer que o maior acompanhado pode celebrar um contrato de
mandato para a nomeação do representante, prevendo que no futuro sofrerá
de alguma incapacidade. Ademais, o art. 156.º/3 CC permite ao tribunal
aproveitar esse mesmo mandato em todo ou em parte, o n.º 4 do mesmo
artigo permite ao tribunal cessar o mandato, se presumir-se que fosse essa a
vontade do maior acompanhado. O Prof. MENEZES CORDEIRO, coloca
um crivo de reflexão por parte do tribunal, pois sendo um mandato um
contrato que faz com que os atos do mandatário se repercutam na esfera do
mandante, por muito forte que seja o laço afetivo entre o maior
acompanhado e o representante, levará sempre a potenciais abusos por
parte do representante, que a seu bel-prazer, pode administrar bens
alheios29. Embora seja interessante e potencialmente benéfico Questão
também interessante é trazer para esta análise a figura do submandato, ou
seja, saber se o mandatário, cujo maior acompanhado confia para tomar
conta de si, cujo natureza faz-nos deduzir uma característica intuito
28
V. PAULA TÁVORA VITOR, em anotação ao art. 156.º CC, ob. cit., pp. 204 e ss.
29
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 108.
18
personae deste MVA, faz-nos levantar sérias duvidas. Embora o
submandato careca de autorização do mandante em primeiro lugar (art.
264.º/1 ex vie art. 1165.º CC), não há duvidas de que possa haver um
defraudamento grave, ou de pelo menos uma influência que o representante
tenha para levar o maior acompanhado a autorizar este tipo de substituição.
19
Conclusão
Em tom de conclusão, utilizar um figura predominantemente contratual,
como o mandato, onde o que impera é a plena autonomia privada e
consciência das partes nos compromissos que tomam. e utilizá-la para
suprimir condições restritivas de direitos inerentes à personalidade, parece,
em opinião pessoal desajustado. Embora haja bastantes medidas no que
toca à revisão periódica do maior acompanhado, e da fiscalização do
representante no que toca ao cumprimento dos seus deveres de forma
periódica (art. 155.º CC), pode haver já “sérios estragos” no que toca ao
património do representado, sendo uma figura como o mandato pouco
ajustada para a representação do maior acompanhado.
20
Bibliografia citada:
______ . “Tratado de Direito Civil, Tomo XII, 2.ª parte”, Almedina, Coimbra, 2018
______ . “Tratado de Direito Civil, Tomo V”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018
______. “Da Boa Fé no Direito Civil”, 5.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2013
PRATA, Ana (Coord.)/ AA.VV, “Código Civil Anotado, Volume 1” 2.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2021
MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, “Direito das Obrigações, Volume III –
Dos Contratos em Especial” – 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022
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