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1.2 Matrizes em forma de escada ou em escada


de linhas. Caracterı́stica de uma matriz.
Neste secção introduzimos as matrizes em escada de linhas e a noção de carac-
terı́stica. Começamos por descrever um conjunto de operações sobre as linhas de
uma matriz. Como veremos mais tarde, são estas operações que constituem o método
de eliminação de Gauss. Ainda nesta secção, caracterizamos as matrizes invertı́veis
e introduzimos método de Gauss-Jordan para o cálculo da matriz inversa.
Dada uma matriz A de dimensão m × n, podemos escrever esta da forma
 
L1
 L2 
A= .. ,
 
 . 
Lm

onde representamos por Li a linha i da matriz.

Definição 1.2.1 Seja A ∈ Mm×n (K). Chamamos operação elementar sobre as


linhas A a uma operação de um dos seguintes tipos:

• Troca de duas linhas entre si. Neste caso escrevemos Lj ↔ Li para indicar a
troca das linhas i e j entre si.
   
L1 L1
 ..   .. 
 .   . 
 Li   Lj 
   
 .  −→  . 
 ..  Lj ↔ Li
A=   .. 
 
 L   L 
 j   i 
 .   . 
 ..   .. 
Lm Lm

• Multiplicar todos os elementos de uma linha por um escalar não nulo. Neste
caso, escrevemos L0i = αLi , ou apenas αLi , para indicar que linha i foi multi-
plicada pelo escalar não nulo α.

L1 L1
   
 ..   .. 
 .   . 
−→
A =  Li  0  αLi 
   
 .  Li = αLi  . 
 ..   .. 
Lm Lm

• Adicionar a uma linha, entrada a entrada, uma outra multiplicada por um


escalar não nulo. Escrevemos L0j = Lj + αLi , ou apenas Lj + αLi , com i 6= j,
18

para indicar que a nova linha j da matriz é igual à soma de Lj com αLi .
   
L1 L1
 ..  ..
 .  .
 
 
 Li  Li
   
 
 .  −→  . 
A =  ..  0
   .. 
 L  j L = Lj + αL i

 L + αL 

 j   j i 
 .  .
. .
 
 .   . 
Lm Lm

Estas operações podem ser usadas para transformar uma matriz quadrada numa
matriz triangular superior ou inferior ou mesmo diagonal.

Exemplo 1.2.2 Considere as matrizes


   
  2 1 4 1 2 0
1 2
A= B= 6 1 0  C= 2 4 6 .
2 1
−1 2 −10 0 1 −3

Usando as operações acima descritas vamos transformar a matriz A numa matriz


diagonal.

     
1 2 −→ 1 2 −→ 1 0
.
2 1 L02 = L2 + (−2)L1 0 −3 L01 = L1 + 23 L2 0 −3

Note que a matriz diagonal obtida não é unica. Bastaria, por exemplo,
 multi-

4 0
plicar a primeira linha por 4 e obterı́amos uma outra matriz diagonal .
0 −3
A matriz B pode ser transformada numa matriz triangular superior da seguinte
forma:    
2 1 4 −→ 2 1 4
 6 1 0  L02 = L2 + (−3)L1  0 −2 −12 
−1 2 −10 L03 = L3 + 12 L1 0 52 −8
 
2 1 4
−→  0 −2 −12  .
L03 = L3 + 54 L2
0 0 −23
Finalmente, transformamos a matriz C numa matriz triangular superior
também.
     
1 2 0 1 2 0 1 2 0
−→ −→
 2 4 6  0  0 0 −6   0 1 −3  .
L2 = L2 + (−2)L1 L2 ↔ L3
0 1 −3 0 1 −3 0 0 −6

Definição 1.2.3 Dizemos que uma matriz A ∈ Mm×n (K) é equivalente por lin-
has a B ∈ Mm×n (K), se B pode ser obtida a partir de A usando as operações
elementares sobre as linhas.
19

Exemplo 1.2.4 A matriz A do exemplo anterior é equivalente por linhas às ma-
trizes diagonais    
1 0 4 0
e .
0 −3 0 −3
Definição 1.2.5 Diz-se que uma matriz A de dimensão m × n é uma matriz em
escada de linhas ou em forma de escada se:
1. por baixo do primeiro elemento não nulo de cada linha da matriz e por baixo
dos elementos anteriores da mesma linha, todas as entradas da matriz são
iguais a zero;
2. não existem linhas totalmente nulas seguidas de linhas não nulas.
 
1 2 3 4 0
 0 5 −3 7 6 
Exemplo 1.2.6 A matriz   0 0
 é uma matriz em escada de lin-
0 4 π 
0 0 0 0 0
has.
As matrizes  
1 2 3 4  
 0 5 −3 1 2 3
7   0

 0 0 0
 0 0 
4 
0 1 2
0 0 1 0
não são matrizes em escada de linhas.

Esquematicamente, uma matriz em escada de linhas pode ser representada da


seguinte forma  
? ∗ ∗ ∗ ∗ ∗ ∗
 0 ?
 ∗ ∗ ∗ ∗ ∗ 

 0 0
 0 ? ∗ ∗ ∗ 

 0 0
 0 0 ? ∗ ∗ 

 0 0 0 0 0 0 ? 
 
 0 0 0 0 0 0 0 
0 0 0 0 0 0 0
onde
• os elementos ? são diferentes de zero, os quais chamamos os pivots da matriz;
• e os elementos ∗ podem ser nulos ou não.

Exercı́cio 1.16 Indique se estão em escada de linhas cada uma das seguintes
matrizes:
 
5 1 4  
 0 0 1 0
0 0  
, B = 0 5 0 0

A= 0 e C =  0 0 1 .
1 3 
0 0 1
0 0 2
20

Teorema 1.2.7 Toda a matriz A ∈ Mm×n (K) é equivalente por linhas a uma matriz
em escada de linhas.
 
2 1 1 1
Exemplo 1.2.8 Consideremos a matriz A =  4 2 3 4 . Transfor-
−6 −3 −1 1
mamos A numa matriz em escada de linhas da seguinte forma:
   
2 1 1 1 −−−−−−−−→ 2 1 1 1
 4 2 3 4  L2 + (−2)L1  0 0 1 2 
−6 −3 −1 1 L3 + 3L1 0 0 2 4
 
−−−−−−−−→ 2 1 1 1
L3 + (−2)L2  0 0 1 2 .
0 0 0 0
Notamos que a matriz  
2 1 1 1
B= 0
 0 1 2 
0 0 0 0
não é a única matriz em escada de linhas que pode ser obtida a partir de A. Por
exemplo, a matriz em forma de escada

1 21 12 12
 
 0 0 1 2 
0 0 0 0

é também equivalente por linhas a A.

Exercı́cio 1.17 Usando as operações elementares sobre as linhas transforme as


seguintes matrizes em matrizes em escada de linhas:
 
1 2 1
(a)  2 1 0 
−1 0 1
 
2 4 −2 6 0
(b)  4 8 −4 7 5 
2 −4 2 −1 −5
 
2 2 1
(c)  −2 −2 −1 
1 1 2

Definição 1.2.9 Diz-se que uma matriz A é uma matriz em escada de linhas
reduzida ou em forma de escada reduzida se:

1. é uma matriz em escada de linhas;


21

2. os pivots, quando existem, são iguais a 1 e todas as restantes entradas das


colunas dos pivots são nulas.
 
1 2 0 3
Exemplo 1.2.10 1. A matriz  0 0 1 4  é uma matriz em escada de linhas
0 0 0 0
reduzida.
 
1 2 0
2. A matriz não é uma matriz em escada de linhas reduzida.
0 1 1

Teorema 1.2.11 Qualquer matriz A ∈ Mm×n (K) é equivalente por linhas a uma
única matriz em escada de linhas reduzida.

Definição 1.2.12 Seja A ∈ Mm×n (K). À única matriz equivalente por linhas a A
e em escada de linhas reduzida, chamamos forma de Hermite de A ou forma
de escada reduzida de A.
 
1 2 3 4
Exemplo 1.2.13 Consideremos a matriz A = . Temos
1 2 5 8
     
1 2 3 4 −→ 1 2 3 4 −→ 1 2 3 4
1
1 2 5 8 L2 − L1 0 0 2 4 L
2 2
0 0 1 2
 
−→ 1 2 0 −2
.
L1 − 3L2 0 0 1 2

Portanto, a forma de Hermite da matriz A é


 
1 2 0 −2
.
0 0 1 2

1.2.1 Caracterı́stica de uma matriz


Teorema 1.2.14 Seja A ∈ Mm×n (K). Se B e C são matrizes em escada de linhas
e equivalentes por linhas a A, então B e C têm o mesmo número de linhas não
nulas.

O teorema anterior permite-nos formular a seguinte definição.

Definição 1.2.15 Seja A ∈ Mm×n (K). Ao número de linhas não nulas de qualquer
matriz equivalente por linhas a A e em escada de linhas, chamamos caracterı́stica
de A e denotamos por r(A).

Exemplo 1.2.16 1. A caracterı́stica da matriz nula é zero e a caracterı́stica da


matriz identidade de ordem n, In , é n.
 
1 1 3
2. Se A =  0 0 1 , então r(A) = 2.
0 0 0
22
 
2 2
3. Se B =  −4 −4 , então r(B) = 1 pois
3 3
   
2 2 −→ 2 2
 −4 −4  L2 + 2L1  0 0  .
3 3 L3 − 32 L1 0 0

Teorema 1.2.17 Seja A uma matriz m × n com entradas em K. Tem-se:


1. A caracterı́stica de A é menor ou igual ao minı́mo entre m e n, i.e., r(A) ≤
min(m, n);

2. r(A) = r(AT ).

Exercı́cio 1.18 Determine a caracterı́stica das seguintes matrizes


 
  2 1 0
0 1 0 1 1  1 1 2 
A=  2 3 0 2 1 , B =   3 −1 1  ,

−2 −1 0 1 −1
−1 1 0
   
1 4 2 2 1 1
C =  2 3 1  e D =  0 0 1 .
−1 1 1 1 −1 2

Exemplo 1.2.18 Seja k um número real. Em cada um dos exemplos seguintes, va-
mos estudar, em função dos valores do parâmetro k, a caracterı́stica das respectivas
matrizes.

1. Consideremos a matriz  
0 1 2
A= .
0 0 k
Note que A já é ela própria uma matriz em escada de linhas. Como o número
de linhas não nulas depende se k é ou não zero concluimos que: para k = 0,
r(A) = 1 e para k 6= 0, r(A) = 2.

2. Seja  
3 1 2
A= .
0 0 k 2 − 3k + 2
Neste caso, a caracterı́stica de A vai depender se k 2 − 3k + 2 é ou não zero.
Aplicando a fórmula resolvente, obtemos

2 3± 9−8
k − 3k + 2 = 0 ⇔ k = ⇔ k = 2 ∨ k = 1.
2
Portanto, para k = 2 ∨ k = 1, temos r(A) = 1 e para k 6= 2 ∧ k 6= 1, r(A) = 2.
23

3. Consideremos a matriz  
1 2
A= .
k 3

Neste caso aplicamos as operações elementares sobre as linhas para transfor-


mar A numa matriz em escada de linhas. Com efeito, temos
   
1 2 −→ 1 2
.
k 3 L2 + (−k)L1 0 3 − 2k

3 3
Daqui concluimos que para k = , r(A) = 1 e para k 6= , r(A) = 2.
2 2

4. Seja ω um outro parâmetro real e


 
1 3 2 0
A= 0
 0 k 1 .
0 0 0 w

O primeiro elemento não nulo da segunda linha depende do valor de k. Para


k = 0, temos
   
1 3 2 0 1 3 2 0
 0 −→
0 0 1   0 0 0 1 .
L3 + (−ω)L2
0 0 0 w 0 0 0 0

Portanto, se k = 0, então r(A) = 2 seja qual for o valor de ω.


Consideremos agora o caso em que k 6= 0. Facilmente vemos que o valor de
r(A) dependerá apenas se ω é ou não zero. Para ω = 0, r(A) = 2 e para
ω 6= 0, r(A) = 3.

Exercı́cio 1.19 Discuta, segundo os valores reais de k e de w, a caracterı́stica


das seguintes matrizes:
 
  1 −1 0 1
1 0 −1 1  1 1 0 −1 
A =  1 1 0 1 , B=
 k 1 1 0 ,

k 1 −1 2
0 1 k 1

 
  k 0 −1 w
0 0 k  1 0 w 0 
C= 0 w 2 
 e D=
 1
.
1 1 1 
3 0 1
1 1 0 1
24

1.2.2 Matrizes Invertı́veis e o Método de Gauss-Jordan


Na secção anterior apresentamos a definição de matriz invertı́vel. Utilizando apenas
essa definição não é, em geral, muito prático para determinar se uma dada matriz
é invertı́vel ou não. O próximo teorema permite dar uma resposta a essa questão
usando a caracterı́stica da matriz.

Teorema 1.2.19 Seja A ∈ Mn×n (K). Tem-se que:

1. A é invertı́vel se e só se r(A) = n;

2. A é invertı́vel se e só se a matriz identidade In é a matriz em escada de linhas


reduzida de A.

Exemplo 1.2.20 Consideremos as matrizes


   
1 −2 4 1 −2 4
A =  0 −3 5  e B =  0 −3 5  .
−2 1 −3 0 3 1

Temos
     
1 −2 4 1 −2 4 1 −2 4
 0 −3 5  −−−−−−→ −−−−−→
L3 + 2L1  0 −3 5  L3 + L2  0 −3 5  .
−2 1 −3 0 −3 5 0 0 0

Portanto, r(A) = 2 6= 3, pelo que a matriz A não é invertı́vel.


Como    
1 −2 4 1 −2 4
 0 −3 5  − −−−−→
L3 + L2  0 −3 5 
0 3 1 0 0 6
concluı́mos que r(B) = 3 e, portanto, B é invertı́vel.

Exercı́cio 1.20 Determine o conjunto dos valores reais de k e w para os quais


a matriz  
1 2 1
 1 k+3 2 
2 4 w
é invertı́vel.

 
1 −1
Exemplo 1.2.21 Neste exemplo mostramos que a matriz A = é equiv-
2 0
alente por linhas à matriz identidade e, assim, de acordo com o teorema anterior A
é invertı́vel. Temos
1 −1 −−−−−−→ 1 −1 1 −1 −−−−−→ 1 0
       
−→
L2 − 2L1 1 L1 + L2 .
2 0 0 2 L
2 2
0 1 0 1
25

Para determinarmos a inversa de A, notamos que cada operação elementar sobre


as linhas realizada acima corresponde a um produto de matrizes. Com efeito, vemos
que      
1 1 1 0 1 0 1 0
A= ,
0 1 0 21 −2 1 0 1
donde concluı́mos que
1
     
−1 1 1 1 0 1 0 0 2
A = = .
0 1 0 12 −2 1 −1 1
2

Seja A uma matriz n × n invertı́vel. O método de Gauss-Jordan permite deter-


minar a inversa de A . Para tal, aplicamos as operações elementares sobre as linhas
da matriz [A|I], onde I representa a matriz identidade, até transformamos A na
matriz identidade. A matriz que se obtém no lado direito no fim do processo é a
matriz inversa de A. Esquematicamente,

[A|I] −→ · · · −→ · · · −→ [I|A−1 ]
operações elementares
sobre as linhas
 
1 1
Exemplo 1.2.22 1. Consideremos a matriz A = . Esta é invertı́vel
2 1
pois
   
1 1 −→ 1 1
2 1 L2 + (−2)L1 0 −1
e portanto r(A) = 2.
Aplicando o método de Gauss-Jordan
   
1 1 1 0 −→ 1 1 1 0
[A|I] =
2 1 0 1 L2 + (−2)L1 0 −1 −2 1
   
−→ 1 1 1 0 −→ 1 0 −1 1
−L2 0 1 2 −1 L1 − L2 0 1 2 −1
concluı́mos que a inversa de A é
 
−1 −1 1
A = .
2 −1

 
1 1 1
2. Para determinar a inversa de A = 0
 1 1  fazemos
0 0 1
   
1 1 1 1 0 0 −→ 1 1 0 1 0 −1
 0 1 1 0 1 0  L1 − L3  0 1 0 0 1 −1 
0 0 1 0 0 1 L2 − L3 0 0 1 0 0 1
26
 
1 0 0 1 −1 0
−→  0 1 0 0 1 −1  .
L1 − L2
0 0 1 0 0 1
Portanto,
 
1 −1 0
A−1 =  0 1 −1  .
0 0 1

Já vimos que se A e B são matrizes invertı́veis, então o mesmo sucede ao seu
produto AB. O próximo teorema estabelece que o contrário também é verdadeiro.

Teorema 1.2.23 Sejam A, B ∈ Mn×n (K). Tem-se:

1. A matriz AB é invertı́vel se e só se A e B são matrizes invertı́veis.

2. Se AB = I, então A e B são invertı́veis, tendo-se A−1 = B e BA = I.

Exercı́cio 1.21 Determine a inversa de cada uma das seguintes matrizes in-
vertı́veis:
 
2 3
(a) A = .
1 3
 
1 −1 0
(b) B =  2 1 2 .
0 1 −1
 
0 0 0 1
 0 0 1 2 
(c) C = 
 0
.
1 2 3 
1 2 3 4

Exercı́cio 1.22 Justifique que são invertı́veis e calcule a inversa de cada uma
das seguintes matrizes com entradas reais:
 
0 0 a
(a) A =  0 b 0 , com abc 6= 0.
c 0 0

a a 2 a3
 
1
 0 1 a a2 
(b) B = 
 0
.
0 1 a 
0 0 0 1

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