Você está na página 1de 7

FACULDADE SÃO BENTO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA
INTRODUÇÃO À TEOLOGIA ORIENTAL

Ricardo Nascimento França

Theosis:
Fim Último do Homem

Salvador
Abril de 2006

1
Ricardo Nascimento França

Theosis:
Fim Último do Homem

Trabalho sobre o curso de Introdução à


Teologia Oriental apresentado como
requisito parcial para a conclusão de
curso, sob a orientação dos professores D.
Clemente, OSB e Ir. Ana Maria, OSB.
Área de Concentração: Introdução à
Teologia Oriental

Salvador
2006

2
Pequena Introdução a Theosis e a Espiritualidade Oriental1

Iniciamos este nosso trabalho citando um trecho da carta de São Pedro:


“...afim de que assim vos tornásseis participantes da natureza Divina...” 2. Através desta
citação, podemos observar que São Pedro mostra o fim último do homem que é a participação
da natureza Divina.
Esta participação nos foi possibilitada pela Encarnação do Verbo de Deus,
isto é, de Jesus Cristo, que através da sua Vida e das suas Palavras mostrou o Plano Eterno de
Deus para que os homens conhecendo o desejo Divino de torná-los partícipes de sua Vida
Divina, buscassem realizar em si o Plano de Deus.
Estas palavras introdutórias dão-nos a possibilidade de esclarecimento do
significado da Theosis que expressa justamente a união do homem com Deus, ou de outra
forma, a deificação do homem.
Podemos então definir, numa perspectiva cristã 3, a Theosis - deificação do
homem - como o fim universal traçado por Deus para a natureza humana alcançar a plenitude
de vida.
Traçar um caminho neste empreendimento – a deificação -, dentro da
história do Cristianismo, sempre foi uma preocupação mais latente na Teologia Cristã
Oriental, de praxe mais mística que a práxis ocidental, apesar de terem as mesmas fontes
inspiradoras: os textos bíblicos, a mesma tradição da igreja primitiva e de certa forma a
doutrina dos primeiros padres da Igreja.
Esta busca pela deificação dentro da Igreja Oriental fez com que surgissem
muitas elaborações teológicas que visam traçar um caminho para este encontro, esta vida em
Deus.
Estas elaborações, que formaram um diferencial na expressão da fé na
Igreja de Bizâncio, deixaram como herança um caminho místico feito através da
contemplação e da ascese que ainda hoje se verifica, não só em suas celebrações, como
também nas expressões artísticas, por exemplo: as arquiteturas das Igrejas que com a
sobriedade em seu exterior contrasta com um interior ricamente ilustrado de significados em

1
Reconhecemos que este tema é abrangente e complexo para ser tratado em poucas páginas. Nota do Autor.
2
2 Pd 1, 4.
3
Pode-se compreender Theosis - este caminho da deificação humana - não somente no âmbito do cristianismo, já
que é uma busca imanente do humano pelo divino e isto encontramos em outras religiões e mesmo em correntes
esotéricas. Nota do autor.

3
todos os seus detalhes; a estupenda iconografia que revela a sua composição feita com uma
profunda reverência ao sagrado e um sinal da presença da Majestade Divina4.
Atualmente nas celebrações, dentro do ano litúrgico da Igreja Oriental,
percebemos as heranças legadas pelos primeiros místicos orientais. As celebrações de festas
como as da Ressurreição, da Transfiguração e da Epifania, por exemplo, são feitas com
grande alegria, por que elas expressam verdadeiramente a união do homem (Natureza
Humana) com a plenitude Divina. Isto é, elas manifestam claramente a possibilidade da
deificação humana.

Encarnação: Princípio Gerador da Theosis

Entendendo que este processo da deificação humana é um Plano Divino,


faz-nos perceber que Deus não deixaria a natureza sozinha na sua própria aventura 5. Deus,
através da sua pedagogia, vai-se expressando na história a sua vontade. Assim, dentro dos
acontecimentos humanos, esta realidade do homem de poder participar da Vida Divina, só foi
possibilitada de forma integral quando a plenitude da divindade assumiu corporalmente a
natureza humana, revivificando-a. Acontecimento este manifestado dentro do tempo na
cidade de Belém no Evento da Encarnação do Verbo de Deus6.
Santo Irineu (130-208) assim se expressa: “Deus se fez homem, para que
os homens possam divinizar-se”. Entende-se que o processo da deificação humana é
possibilitado a partir deste evento. Em Cristo, inicia-se a aventura humana para cumprir em si
o Plano Eterno: sermos participantes da Natureza Divina7!

Instrumentais8 que Capacitam o Homem no Processo da Deificação

Vimos até agora que o evento Jesus Cristo foi o degrau inicial e através do
qual recebemos a possibilidade de nos unirmos a Deus. Ele quem nos capacita, logo, deixa-
nos instrumentais que nos auxiliam neste processo.
Antes de qualquer especificação destes instrumentais, devemos ressaltar,
acima de tudo, que esta deificação acontece “por Graça” – São Máximo (580-662).

4
Entendimento retirado através das aulas ministradas pela Ir. Ana Maria, OSB. Nota do Autor.
5
Cristianismo: religião que tem a crença num Deus partícipe da vida humana, revelando-se durante a caminhada.
6
Cf. Evangelho Jo 1, 14: “E o Verbo se fez Carne e habitou entre nós”.
7
Supra n. 1.
8
Termo que deve ser entendido como dons deixados (na igreja e na natureza humana) à nossa disposição para
usarmos neste processo deificador. Nota do Autor.

4
Esclarecemos, também, que ao tratarmos de cada um dos instrumentais que, na verdade, são
aspectos da vida do homem cristão, que o auxiliam no empreendimento da Theosis,
lembramos que a ordem com que serão trabalhados não significa uma ordenação de passos
processuais, pois todos eles devem estar presentes em todos os momentos desta busca da vida
em plenitude com Deus.
Estes instrumentais são nascidos, legados a todos os homens através do
Verbo Encarnado que através da sua Paixão, Morte e Ressurreição, abriu as comportas dos
céus dando os dons necessários a sua Igreja Militante e, assim, ao conjunto de todos os seus
fiéis.
Inicialmente, citamos fundamentalmente o Dom do Espírito Santo:
“Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à Verdade plena” 9. A Igreja que estava
reunida no cenáculo recebe o Espírito Santo – Pentecostes 10 – que incendeia os corações
operando assim a deificação nos homens.
Com o envio do Espírito Santo nós nos tornamos Templos do Deus Vivo 11
e, a partir de então, podemos ser conduzidos pelo Espírito de Deus 12 para gerar em nós o
processo de deificação.
Além, do dom do Espírito Santo, contamos também com os sinais do Amor
de Deus deixados em nossa Igreja celebrados através dos Sacramentos. Nos ateremos no mais
excelso de todos, que contém Deus - totalmente Homem e totalmente Deus: a Eucaristia. Este
é o alimento que comemos para vivermos em Cristo13.
Ao nos alimentarmos do Corpo de Cristo, vai-se operando em nós esta
Theosis. Para ilustrar este aspecto citamos São Cirilo de Jerusalém (315-386) que se expressa
dizendo que os participantes da Eucaristia se tornam “com-carnais e com-sanguíneos” de
Jesus Cristo. Desta forma, o homem é verdadeiramente cristificado, ou por se alimentar do
Verbo Divino, verbificado.
Num conjunto de Auxílios Divinos14 no processo de deificação do homem,
a Liturgia, também tem o seu papel. Ela é como uma antecipação da festa que se realizará no
paraíso: o viver somente em Deus, por e para Deus, no amor de Deus. Este mundo que está
por vir, na Liturgia, mostra-se muito próximo.

9
Cf. Jo 16, 13.
10
Cf. Atos 2.
11
Cf. 1 Cor 3, 16.
12
Cf. Rm 8, 14.
13
Cf. Jo 6, 57.
14
Dons nascido da vontade de Deus para ajudar o homem na sua deificação. Nota do Autor

5
Processa-se também na Liturgia, através do oferecimento dos dons, a
revelação do papel da matéria: instrumental para a Vida Divina, pois todo o mundo material
ofertar-se ao Divino Criador.
Dentro da Liturgia, na realidade da participação da Vida Divina,
percebemos a necessária união e harmonia que deve existir entre os homens nesta celebração,
onde todos se reúnem, alimentam-se em comunhão com Deus e entre si, expressando a
realidade celeste que há de vir.
Apresentamos agora dois pontos que são características expressivas e
singulares na Teologia Oriental: a ascese e a oração 15. Podemos dizer que a ascese e a oração
provocam uma busca de Deus pelo homem: “o homem se houvesse apegado a Deus desde o
primeiro movimento do seu ser, teria logo atingido a sua perfeição”16.
A Oração é o fruto de todos os outros pontos citados. Ela é a expressão da
vida do Espírito Santo que está em nós; na Liturgia ela está de forma completa; e da
Eucaristia ela sente necessidade deste alimento espiritual. A atitude constante de oração é
concomitantemente com a constante busca de Deus.
No Oriente, a Oração que expressa um contínuo pulsar do coração que dá
vida, é feita pelo método Hesicasmo que consiste em fazer pequenas e constantes invocações
(jaculatórias) que nos lembram continuamente a presença de Deus.

Pequena Conclusão

Entendemos com este trabalho que não é nenhuma heresia humana desejar
atingir um estado divino. Percebemos que faz parte do destino humano esta busca, este
processo chamado Theosis, uma vez que ele foi traçado pelo Criador de todas as coisas.
Este processo tornou-se palpável na sua plenitude quando o Verbo Divino
restabeleceu a dignidade da natureza humana através da Encarnação. E com os dons deixados
por Jesus à sua Igreja somos potencializados neste itinerário de deificação.
Ao recebermos o Espírito Santo somos cada vez mais compelidos a
divinização. Devemos em comunhão com a Igreja, dom de Cristo aos homens, buscar
constantemente realizar em nós esta transformação. Devemos desejar, através da oração, uma
contínua união com Deus. E, assim, através destes passos realizar em nós o que está traçado
no Coração Divino: a nossa Participação em sua Natureza Divina.

15
Não sendo exclusivo da Igreja Oriental, pois encontramos muitos vultos no ocidente. Nota do Autor.
16
São Gregório de Nissa (335-395).

6
Bibliografia:

Apostilas do Curso de Introdução à Teologia Oriental. Dom Clemente;


A Bíblia de Jerusalém. Ed. Paulus: São Paulo, 1998.

Você também pode gostar