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SÃO PAULO
2019
MARCOS VINÍCIUS DE SOUZA
SÃO PAULO
2019
MARCOS VINÍCIUS DE SOUZA
Aprovada em
_________________________________________________________
Prof. Dr. Filipe Costa Fontes
Orientador
À santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo; à Igreja
Presbiteriana do Brasil em Ji-Paraná/RO e ao Presbitério Vale do
Rio Machado, representados pelo Rev. Alberto de Souza Junior;
ao Seminário Presbiteriano Brasil Central – Extensão Rondônia,
na pessoa do Rev. Dr. Evanderson Cunha; à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, representada pelo Rev. Dr. Christian
Brially Tavares de Medeiros; ao Centro Presbiteriano de Pós-
Graduação Andrew Jumper, por meio do Rev. Dr. Filipe Costa
Fontes; ao prezado irmão e conselheiro “germano brasileiro”, Dr.
Gui Braun Jr; ao generoso Rev. Dr. David VanDrunen; aos
familiares que estão em Belo Horizonte/MG e em Ji-Paraná/RO;
à minha amada esposa Larissa e às minhas lindas filhas Ester e
Beatriz; agradeço de coração e dedico este trabalho.
“Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras
não passarão.” – Mateus 24.35
A Igreja, de modo geral, parece concordar que os cristãos devam, em alguma medida, se
envolver com a cultura e com a sociedade. Contudo, algumas igrejas parecem ir a direções
completamente diferentes umas das outras. Provavelmente porque algumas delas, talvez
a maioria, foram influenciadas pelo paradigma transformacionista apresentada por
Richard Niebuhr em sua principal obra, “Cristo e Cultura”. Por outro lado, a Teologia dos
Dois Reinos, especialmente em David VanDrunen, traz uma proposta diferente. Ela preza
para que a Igreja cuide das coisas eternas e espirituais, enquanto todos os cidadãos cuidem
da cultura e de suas derivações. Portanto, o objeto desse trabalho é compararmos esses
dois modelos que propõem relação entre o cristianismo e a cultura. Acreditamos que a
Teologia dos Dois Reinos, embora antiga, porém, pouco conhecida no Brasil, traga
importantes considerações para a Igreja nacional em seu engajamento cultural, e porque
não espiritual, para os cristãos brasileiros carentes de boa prática ministerial e, antes, de
boa teologia; ainda que a teologia reformada venha ganhando espaço em corações
sinceros.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1. A PROPOSTA TRANSFORMACIONISTA DE NIEBUHR ................................... 11
1.1. Cristo contra a cultura (CCC): ....................................................................... 14
1.2. Cristo da cultura (CDC): ............................................................................... 15
1.3. Cristo acima da cultura (CAC): ..................................................................... 15
1.4. Cristo e cultura em paradoxo (CCP): ............................................................. 16
1.5. Cristo, o transformador da cultura (CTC): ..................................................... 17
2. A PROPOSTA DA TEOLOGIA DOS DOIS REINOS DE VANDRUNEN ......... 19
3. COMPARANDO CRISTIANISMO E CULTURA NA PROPOSTA
TRANSFORMACIONISTA E NA TEOLOGIA DOS DOIS REINOS ....................... 26
3.1. Algumas críticas à “Cristo e Cultura” e à proposta de R. Niebuhr ................. 26
3.1.1. Cristo x Cultura (CCC) .......................................................................... 28
3.1.2. Cristo dentro da cultura, cristandade? (CDC) ......................................... 29
3.1.3. Cristo acima da cultura (CAC) ou do tipo sintetizador ........................... 29
3.1.4. Cristo e cultura em paradoxo (CCP) ou CAC do tipo dualista ................ 29
3.1.5. Cristo, o transformador da cultura (CTC) ou CAC do tipo conversionista /
transformacionista................................................................................................ 30
3.2. Críticas à Teologia dos Dois Reinos .............................................................. 37
3.3. Transformacionismo x Teologia dos Dois Reinos.......................................... 42
3.4. A Reforma como exemplo ............................................................................ 48
3.4.1. Reforma, governo e Estado .................................................................... 49
3.4.2. A Reforma e o governo da Igreja ........................................................... 51
3.5. Um exemplo exegético: Isaías 13.6-13 .......................................................... 58
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 73
9
INTRODUÇÃO
1
Categoria não criticada e tacitamente indicada por Richard Niebuhr como a mais adequada para a relação
cultural do cristão com a sociedade na obra “Cristo e Cultura”. Ele também a chama de conversionista. Tal
abordagem tem influenciado não só a evangelicais como a neocalvinistas hodiernos. “Um paradigma
transformador domina largamente o pensamento social reformado contemporâneo. Essa versão do
transformismo, às vezes chamada de neocalvinismo, postula um motivo de redenção da queda da criação,
enfatizando que Deus criou todas as coisas, todas as coisas caíram em pecado, e agora Deus está redimindo
todas as coisas em Cristo. Um aspecto central dessa visão é que o reino de Deus se estendeu a todos os
aspectos da vida na criação original e que esse reino está sendo restaurado na época presente em cada um
desses aspectos, incluindo o trabalho do estado civil. Os cristãos, portanto, devem ver todas as suas
atividades como trabalho do reino e devem procurar transformar todas as áreas da vida de maneiras
coerentes com essa visão, antecipando a renovação final de todas as coisas no final de história.” In:
VANDRUNEN, David. The two kingdoms doctrine and the relationship of church and state in the early
reformed tradition. Journal of Church and State, Oxford, v. 49, n. 4, p. 743. 2007.
10
2
NIEBUHR, H. Richard. Cristo e a cultura. V. 3. Série encontro e diálogos. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967.
3
Helmut Richard Niebuhr nasceu em 03 de setembro de 1894, na cidade de Wright City, no Missouri
(EUA) e faleceu em 05 de julho de 1962, na cidade de Greenfield, no Estado de Massachusetts, no mesmo
país, aos 67 anos de idade. Era irmão do igualmente famoso teólogo Reinhold Niebuhr. Formou-se em
Elmhurst College, Universidade Washington em St. Louis e Universidade Yale e lecionou no Yale Divinity
School. Foi ordenado em 1916 na igreja Evangelical Synod of North America, de origem alemã, a qual se
fundiu com outras denominações formando a United Church of Christ. Tem por tradição a teologia dialética
da neo-ortodoxia americana e é considerado um dos maiores eticistas dos Estados Unidos do século
passado. É possível encontrar biografias mais completas de H. Richard Niebuhr em BOSCH, Joan.
Diccionario de teólogos/as contemporâneos. Burgos: Monte Carmelo, 2004, p. 706-709 ou em ELWELL,
Walter A. Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. V. 3. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 20-21.
4
Todos os versículos bíblicos citados nesta monografia são da versão Almeida Revista e Atualizada.
Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. Com exceção dos versículos bíblicos citados na exegese a partir
da p. 58. Os versos ali são em sua maioria da versão King James.
5
KLAUSNER, Joseph. Jesus of Nazareth: his life, times and teaching. New York: Macmillan, 1921, p.
373-375. In: NIEBUHR, H. Richard. Cristo e cultura, 1967, p. 24.
6
Klausner disse que “Jesus ignorou tudo o que dizia respeito à civilização material. Neste sentido ele não
pertence à civilização”. Ibid.
7
Ibid., p. 391.
12
justiça dos homens (p. 30). Essas coisas, para os detratores da fé cristã, levariam os crentes
a uma falta de preocupação com a existência temporal e a unidade sociocultural. A
história do cristianismo, para Niebuhr, demonstra um conflito de autoridade entre Cristo
e a cultura (p. 31).
Consequentemente, o autor passa às definições. Ao conceituar a pessoa de Jesus
Cristo, Niebuhr aponta que para alguns Cristo foi apenas um mestre legislador, para
outros um Deus, ou outros um sacramentalista institucional. O autor considera que essas
definições demonstram parte de seus ofícios; contudo, Jesus “é a sua autoridade; e aquele
que executa estas várias modalidades de autoridade é um e o mesmo Cristo” (p. 34). O
escritor vê que a dificuldade para definir a essência de Jesus é a inabilidade conceitual de
fazê-lo pela sublimidade de sua pessoalidade, pois se trata de um objeto divino-humano
sem paralelo. E também pela dificuldade de defini-lo a partir de um ponto de vista
histórico-eclesiástico-cultural preso no tempo e no espaço de quem pretende fazê-lo, nós
aqui hoje, o sujeito humano.
Niebuhr passa a falar, então, dos conceitos éticos da pessoa de Cristo. Qual
aspecto poderia apresentá-lo melhor? Para Harnack e seu irmão Reinhold Niebuhr, esse
aspecto é o amor manifesto na paternidade divina para conosco e para o próximo, o outro
(p. 35); para Schweitzer, é a esperança escatológica e universal (p. 41); para Bultmann, a
obediência existencialista e radical (p. 44); para os protestantes, a fé; e para os monásticos,
a humildade (p. 46). No entanto, para Niebuhr, a melhor apresentação é delineá-lo pelo
conjunto ético, embora diga que “isto é apenas metade do significado de Cristo,
considerado moralmente” (p. 49). Interessante notar que o Dr. Niebuhr só citou teólogos
liberais, talvez com exceção de seu irmão.
Quanto à conceituação da cultura, para Niebuhr, ela é tida como o processo e o
resultado “total da atividade humana” no “ambiente artificial e secundário” em que “o
homem se sobrepõe ao natural” (p. 54). Ela é, assim, primeiramente, sempre uma
atividade social, pois “a vida social é sempre cultural. (...) cultura e existência social
caminham juntas”. Em segundo lugar, cultura “é realização humana” intervencionista na
natureza a partir de esforço e propósitos humanos (p. 55). Em terceiro lugar, é ético,
porque o “mundo da cultura é um mundo de valores” e como tal se destina a um propósito
mutável, a partir de cada sociedade particular, visando “a concretização material e
temporal dos valores”, embora não só materialista (p. 56-59). Finalmente, em quarto
lugar, precisamos levar em conta o pluralismo cultural “de todas as suas múltiplas
possibilidades” e conclui:
13
Visto por este prisma, o cristão também vive “sob a autoridade dela [a cultura],
quando vive sob a autoridade de Jesus Cristo”. Mas, como podemos nos relacionar ao
mesmo tempo com Deus e com a sociedade ao nosso redor? Ou, visto por outro ângulo,
a pergunta permanece: como Cristo pôde lidar com a cultura e como transmitiu a Igreja o
poder fazê-lo? Uma vez que, por exemplo, o apóstolo João em seu evangelho tanto diz
para nós nos afastarmos do mundo, não amarmos o mundo, como parece nos sugerir, por
inferência, a nos envolver com ele, uma vez que “Deus amou o mundo”? (1 João 2.15 e
João 3.16).
A fim de demonstrar como os cristãos lidaram com essa problemática, o Dr.
Niebuhr apresentou cinco relações intituladas: Cristo contra a cultura, Cristo da cultura,
Cristo em paradoxo com a cultura, Cristo acima da cultura e, finalmente, o que parece
recomendado pelo autor, Cristo que transforma a cultura – daí os seguidores desta
proposta ser denominados de transformacionistas.
Se traçarmos uma linha imaginária com as iniciais das propostas da relação cristã
com a cultura é possível que ela ficasse mais ou menos organizada assim, não na forma
que aparece no livro, mas na forma que parece estar arranjada dos extremos para o centro
(para o equilíbrio sugestivo), sendo as abreviações explicitadas a seguir:
| | | | |
8
NIEBUHR, H. Richard. Cristo e cultura, 1967, p. 60, 61.
14
9
SHELDON, Charles. Em seus passos que faria Jesus? 2ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, 288 p.
10
Cujo maior divulgador foi o pastor batista Walter Rauschenbusch (1861-1918) que apresentava Jesus
“não como alguém que viria para salvar os pecadores de seus pecados, mas como alguém que tinha uma
‘paixão social’ pela sociedade”. In: BUNDY, Edgar C. Collectivism in the churches: a documented
account of the political activities of the federal, national, and world councils of churches. Wheaton: Church
League of America, 1957, p. 97.
16
De fato, é importante haver equilíbrio entre ver Cristo como parte da cultura
(devido à doutrina cristológica da encarnação) e ainda assim vê-lo fora da cultura (uma
vez que Deus é santo, embora provedor e sustentador da cultura). Considerando esta
posição, podemos levar a lei moral (natural) para a sociedade e o envolvimento cristão na
sociedade. Niebuhr explica que Deus criou o homem como um ser social e é impossível
para a sociedade funcionar sem a direção de Deus. A Igreja, portanto, enquanto opera
para um propósito espiritual também opera para um propósito terreno de ser zelosa dessa
lei divina em serviço às pessoas deste mundo (p. 136). Todavia, Cristo ficou
institucionalizado, reduzido à Igreja. Esta posição atrai a atenção da “esperança eterna e
objetivo do cristão” para uma “incorporação temporal” e uma “forma inventada pelo
homem” (p. 147). Além disso, “eles não (...) enfrentam a presente raiz do mal em toda a
obra humana” (p. 148).
Essa é a proposta que Niebuhr entende estar presente nos escritos de Paulo; Lutero
e na filosofia existencialista de Kierkegaard (não como cristão luterano, mais pendente,
como dito, para o Cristo contra a cultura). A palavra-chave aqui é tensão – a qual só será
resolvida no porvir escatológico. Esta visão é semelhante a um ponto do aspecto “Cristo
acima da cultura”, pois enquanto os adeptos desse entendimento querem manter
“fidelidade a Cristo e responsabilidade pela cultura” (p. 149), por outro lado, eles sabem
que esta cooperação não é harmoniosa e bela, mas hostil e conflituosa. Há pecado dos
homens e graça de Deus na cultura, há beleza e feiura neste mundo caído. Deste modo,
este espectro capta, de fato, a tensão retratada no Novo Testamento entre o cristão e a
cultura nesse mundo, uma vez que o homem está “sob a lei, mas que não está debaixo da
lei, mas da graça; ele é pecador, e ao mesmo tempo justo (…) recebedor da ira e
11
NIEBUHR, H. Richard. Cristo e cultura, 1967, p. 119.
17
misericórdia divina”. (p. 157). Contrariamente, Niebuhr diz que esta posição torna o
cristão estanque por apenas constatar que existe sim uma crise entre ele e o mundo, mas
ele não tem nada (ou pouco) de significativo a contribuir na e para a cultura. Essa leitura
passa a ser uma posição que o leva a aceitar a cultura do jeito que ela é como na posição
“Cristo da cultura”. Mesmo percebendo a ira e a misericórdia de Deus no mundo e por
ver ambos os atributos divinos, simultaneamente agindo no mundo, o crente corre o
perigo de não agir em favor de nenhum aspecto: nem sendo contrária à cultura do mundo,
nem a favor dela. Um pequeno comentário se faz necessário nesse ponto: parece-nos que
o enfoque ético-cultural dado pela Teologia dos Dois Reinos se aproxima mais com esta
categorização, “Cristo e cultura em paradoxo”, do que das outras quatro anteriores. Fica
evidente também que Niebuhr pode estar equivocado ao colocar o Evangelho de João,
Agostinho e Calvino, como representantes dos defensores de uma visão
transformacionista direta da cultura. É o que acredita o Dr. VanDrunen, o qual chega a
afirmar que, em parte, há comumente uma “(má) caracterização de Calvino como
‘transformador’ de cultura ao longo das linhas do estudo clássico de H. Richard Niebuhr,
Cristo e Cultura”.12
12
VANDRUNEN, David. The context of natural law: John Calvin’s doctrine of the two kingdoms. Journal
of Church and State, Oxford, v. 46, n. 3, p. 505. 2004.
13
Niebuhr não afirma categoricamente que este Evangelho tenha sido escrito pelo apóstolo João como
tradicionalmente se crê.
18
homens em eventos históricos da humanidade (p. 194). Desta forma, utilizando a cultura
humana, os transformacionistas acreditam que pode ser “transformada a vida humana
para a glória de Deus” e por meio da graça de Deus (p. 196). Na prática, isso significa
que os crentes podem e devem trabalhar para a redenção da cultura, para o cuidado
ecológico criacional, para a manutenção científica do planeta, para as reformas político-
sociais, para a celebração de “carnavais” cristãos; enfim, para a transformação do mundo.
19
A Teologia dos Dois Reinos14 atualmente é difundida por dois nomes principais:
um mais conhecido do público brasileiro, o Dr. Michael Horton;15 e outro bem menos
conhecido, o Dr. David VanDrunen.16 Inicialmente, é importante dizer que a Teologia
dos Dois Reinos considera que Deus é soberano sobre todas as coisas, tanto as do céu
como as da terra. Ela é contundente ao “afirma[r] fortemente a verdade bíblica de que
Deus governa todas as coisas em seu Filho”,17 porém de duas formas diferentes:
14
Curiosamente, na língua inglesa, a abreviatura para tal teologia é apenas 2K ou R2K (Radical Two
Kingdoms) – esse último de tom pejorativo.
15
Obras do Dr. Michael Horton traduzidas em português: Um caminho melhor; Cristianismo sem Cristo;
Doutrinas da fé cristã; O Deus da promessa; O cristão e a cultura; A grande comissão; A Lei da perfeita
liberdade; As doutrinas da maravilhosa graça; Cristo o Senhor; Cristianismo essencial: encontrando-se na
história de Deus; Calvino e a vida cristã; A vida segundo o evangelho (pela Editora Cultura Cristã);
Simplesmente crente: por uma vida cristã comum; e, Bom demais para ser verdade (pela Editora Fiel); A
favor do Calvinismo (Editora Reflexão); e, Evangélicos x Católicos e os obstáculos à unidade;
Redescobrindo o Espírito Santo: a presença santificadora de Deus na criação, na redenção e na vida
cotidiana (Editora Vida Nova). O Dr. Horton já esteve várias vezes no Brasil, incluindo 2010, 2013, 2015,
2016 e 2017, geralmente a convite como palestrante em congressos.
16
David M. VanDrunen nasceu em 21 de dezembro de 1971, em Chicago, e está com atuais 47 anos de
idade. Ele é professor de Teologia Sistemática e Ética Cristã no Westminster Seminary California.
VanDrunen recebeu o Prêmio Novak do Instituto Acton, em 2004, um prêmio dado anualmente “a um
jovem estudioso notável que demonstra a conexão da teologia à dignidade humana, a importância do Estado
de Direito, o governo limitado, liberdade religiosa e liberdade econômica.” Fez bacharel em Artes no Calvin
College, mestrado em divindade no Westminster Seminary na Califórnia, um mestrado em teologia pela
Trinity Evangelical Divinity School, Juris Doctor da Northwestern University, e doutor em filosofia pela
Loyola University em Chicago. Seu trabalho atual enfoca a teologia política, a lei natural na teologia
reformada e a Teologia dos Dois Reinos. Ele é ministro ordenado na Igreja Presbiteriana Ortodoxa e
advogado licenciado no Estado de Illinois. Começou a lecionar no Westminster Seminary Califórnia em
2001. Anteriormente foi pastor da Grace Orthodox Presbyterian Church, na cidade de Hanover Park, em
Illionois, e atualmente atua no Comitê de Educação Cristã da Igreja Presbiteriana Ortodoxa e do subcomitê
de treinamento ministerial. Atualmente pesquisa e escreve na intersecção de teologia sistemática, estudos
bíblicos, ética e teoria jurídica e política. Disponível em: https://www.wscal.edu/academics/faculty/david-
VanDrunen. Acesso em: 01 jul. 2018.
17
VANDRUNEN. David. The two kingdoms and reformed christianity. Pro Rege, Sioux Center, v. 40, n.
3, p. 32. Mar. 2012.
20
18
VANDRUNEN, David. A biblical case for natural law: christian social thoughts series. [Kindle].
Acton/Smashwords. Posição 382-397 (padrão).
19
“O modo como entendemos toda a história da salvação estrutura-se no pacto de Deus conosco. Segue
abaixo um resumo da Teologia do Pacto: 1) A teologia do pacto estrutura a totalidade da revelação bíblica.
De Gênesis a Apocalipse há uma unidade pactual. Por isso, cremos que há uma unidade contínua em toda
a Escritura e que a Igreja é a soma dos eleitos do Antigo e Novo Testamento, tendo apenas uma aliança,
reino e um modo de salvação. 2) A teologia reformada clássica ensina três pactos: o pacto de redenção, o
pacto da graça e pacto das obras. Eles são desdobramentos da mesma obra de Deus no decreto, criação,
providência, redenção e consumação. 3) O pacto da redenção é o eterno decreto da Trindade em que tudo
foi decidido antes da criação do mundo. 4) O pacto das obras é a perfeita lei de Deus imposta ao homem
para uma obediente resposta aos mandatos espiritual, cultural e social. Esta lei que originalmente foi
declarada antes da Queda e escrita no coração do homem, ela é posteriormente registrada em tábuas de
pedra. 5) Na história da salvação o pacto da redenção significa obras para Cristo e graça para nós. O Filho
deveria obedecer satisfatoriamente a todas as exigências da lei de Deus. 6) Cristo cumpriu as obrigações
legais do pacto da redenção em sua obediência ativa e passiva como o representante dos eleitos. Ele pode
conceder redenção ao seu povo escolhido. 7) O pacto da graça é a administração progressiva da
lei/evangelho na história da redenção do Antigo e Novo Testamento. Deus redime revelando graça aos
eleitos, que pela fé, recebem do Mediador as promessas do pacto da graça. Assim, toda a comunidade do
pacto será, em Cristo, redimida para a sua glória. O pacto é um vínculo de amor do Pai, merecido pelo Filho
e concedido pelo Espírito Santo aos seus eleitos. 8) Jesus Cristo é o mediador do pacto. Nele recebemos
aceitação e perdão do Pai, a nossa condenação é satisfeita, e a sua justiça é imputada em nosso favor nos
adotando como filhos de Deus. A salvação é um vínculo pactual entre os eleitos, pela mediação de Cristo,
com o Pai. 9) Deus tem apenas um povo. Israel e a Igreja formam uma única comunidade pactual, universal
e local, no decorrer da antiga e nova aliança confessando o senhorio de Jesus Cristo. 10) Todos os cristãos
21
Nesse sentido, VanDrunen considera que a doutrina dos dois reinos é a mais
comum e a mais antiga dada entre os reformadores. Lutero a ilustrava como sendo as
mãos do Reino de Deus, a mão esquerda (a comum, coram mundo) e a direita (a redentiva,
coram Deo). Calvino as chamava simplesmente de reino civil e reino espiritual. Ambos
reverberavam o ensino do apóstolo Paulo, que, segundo o autor, nunca entendeu que o
mundo presente tivesse existência eterna.
Partindo da gênese, origem e ordem da criação, especialmente quanto ao mandato
cultural dado a Adão, ou seja, de se ter a imagem e semelhança de Deus, a imago Dei,20
e ter de trabalhar, fecundar, multiplicar, ter domínio e sujeição à criação, VanDrunen
entende que todas essas funções ainda vigoram na presente era; contudo, como dito, essas
tarefas não terão valor eterno, mesmo estando relacionadas às obras dos crentes neste
mundo. Para ele, pela obediência de Jesus Cristo, todas as obras e funções dadas a Adão
foram cumpridas, inclusive aquelas relacionadas ao mandato cultural. Assim, “o chamado
‘mandato cultural’ de Gênesis 1.26, 28 não foi uma tarefa de duração infinita. A raça
humana deveria completar sua tarefa neste mundo e depois [entrar] triunfantemente no
mundo vindouro”.21
O entendimento dos adeptos da Teologia dos Dois Reinos, de modo geral, é que
em Gênesis 3.14-19 Deus coloca uma antítese entre a descendência da mulher e a
são ordenados a unirem-se, a fim de formar parte de uma verdadeira comunidade pactual governada por
Cristo. Entretanto, o senhorio de Jesus sobre a Igreja ocorre pelo ministério do Espírito Santo e pela
Escritura Sagrada. Deus instituiu oficiais extraordinários e ordinários para governar de sua Igreja. Os
oficiais extraordinários como os reis, profetas e sacerdotes no Antigo Testamento, bem como os apóstolos
e profetas do Novo Testamento foram transitórios. No novo pacto os oficiais permanentes são os presbíteros
e diáconos. 11) Na antiga aliança os sinais sacramentais eram a circuncisão e páscoa que na nova aliança
foram substituídos pelo batismo e ceia do Senhor. Os sinais de uma verdadeira comunidade pactual que
confessa a Cristo são a fiel pregação do Evangelho (o pacto da graça), a correta administração dos sinais e
selos pactuais (os sacramentos: batismo e a ceia do Senhor) e a zelosa aplicação da disciplina. O batismo
infantil somente é compreendido estruturalmente a partir da doutrina do pacto. 12) A revelação é
progressiva no decorrer de toda a história da salvação alcançando a sua plenitude ao completar o
fundamento apostólico. Ao completar o registro da revelação com o fechamento do cânon, os antigos modos
cessaram, e não há mais comunicação de novas revelações, o retorno das antigas modalidades revelacionais,
nem o ressurgimento dos agentes revelacionais. Somente a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus na plena
transição da nova aliança. 13) Uma vida cristã integral não pode ser vivida saudavelmente fora de uma
verdadeira comunidade pactual que confesse o senhorio de Cristo. A teologia do pacto é tão essencial à
teologia reformada que modificar a teologia do pacto é distorcer a substância da teologia reformada. Todo
o nosso relacionamento com Deus somente é possível porque Cristo perfeitamente cumpriu
satisfatoriamente todo o pacto. Este pacto que foi estabelecido entre o Pai e o Filho, na eternidade e,
realizado na história. Consumada a sua obra o Senhor Jesus nos recebe como seus pelo pacto da graça, e
por ter cumprido o pacto das obras Ele nos torna misericordiosamente aceitáveis diante do Pai, concedendo-
nos todos os benefícios de seus méritos.” In: TOKASHIKI, Ewerton. Firme fundamento. Apostila da
Primeira Igreja Presbiteriana do Brasil em Porto Velho/RO. Porto Velho, 2016, p. 24-26.
20
Imagem de Deus.
21
VANDRUNEN, David. Living in God's two kingdoms: a biblical vision for christianity and culture.
Wheaton: Crossway, 2010, p. 40.
22
descendência da serpente. Desse modo, como não há campo epistemológico neutro entre
crentes e incrédulos, também não há campo ontológico neutro entre eles. Mesmo ambos
sendo possuidores da imagem de Deus e da lei natural ético-moral dele-em-nós, ambos
são completamente distintos de Deus na redenção dada por Jesus Cristo. Cada qual
pertencendo a um Mestre diferente.
Negativamente, todos terão desventuras nessa vida: todas as mulheres terão dores
de partos, todos os homens terão de trabalhar duro para se sustentar, todos os seres
humanos são “pó e ao pó retornarão”. Mas, positivamente, todos os seres humanos
possuem a graça e a alegria de terem filhos nascidos de si, de produzirem por meio do
trabalho, e de verem a continuidade da vida até a segunda vinda de Cristo. São culturas
comuns, mas terão um fim.
A doutrina dos dois reinos compreende ainda que a partir de Genesis 4, com a
história de Caim e Abel, a antítese espiritual começa a clarificar. Enquanto Caim vem da
descendência maligna (Hebreus 11.4; 1 João 3.12; Judas 11), Abel vem da descendência
bendita. Caim assassina Abel. Deus traz juízo para Caim, mas não o deixa ser injustiçado
pelos homens por meio de sua marca nele. A justiça deverá acontecer, crimes deverão ser
punidos. Assim, justiça e ordem nesse mundo fazem parte do senso comum de Deus para
com todos os homens. A vida e qualquer produção cultural humana deverão ser justas a
todos, segundo a ordenança de Deus.
Além disso, agricultura, música e metalurgia (Gênesis 4.20-22) também foram
dadas aos homens, curiosamente, não pela descendência de Abel e Sete, mas de Caim.
Crentes e incrédulos, consequentemente, participam das atividades socioculturais da
humanidade. Portanto, “a vida cultural comum existirá ao lado da antítese espiritual”.
A implicação prática disso é que Cristandade, ou qualquer tipo de exclusividade
cultural cristã, não tem sentido bíblico22 para os seguidores da teologia dos dois reinos,
pois:
22
“Ao abandonar o legado reformado dos Dois Reinos, os neocalvinistas contemporâneos, principais alvos
do trabalho de VanDrunen e os atuais formadores do evangelicalismo têm lutado para fornecer um modelo
consistente da relação entre cristianismo e cultura. VanDrunen afirma que eles estão inconscientemente
tentando restabelecer a cristandade, enquanto sua narrativa mostra que ‘o fim da cristandade pode ser
celebrado em vez de lamentado’.” Cf. VANDRUNEN, David. Natural law and the two kingdoms: A study
in the development of Reformed social thought. Grand Rapids: Eerdmans, 2010, p. 13. In: CROUSE,
Robert. Two kingdoms and two cities: mapping theological traditions of church, culture, and civil order.
[Tese de doutorado]. Wheaton. Jan. 2016, p. 181.
23
23
VANDRUNEN, Living in God's two kingdoms, p. 159.
24
“Somos um povo no exílio. Somos um povo que vive com Adão a leste do Éden. Nós não vivemos um
reino davídico. A lei mosaica não é nossa constituição. Nós, como os israelitas, vivemos na Babilônia.” In:
VANDRUNEN, David. Biblical theology and the culture war. Kerux 11, May, p. 27–36, 1996, p. 29.
25
VANDRUNEN, Living in God's two kingdoms, p. 168.
26
SUBIRÁ, L. Ordenando nossa escala de valores. Disponível em:
http://www.orvalho.com/ministerio/estudos-biblicos/ordenando-nossa-escala-de-valores-por-luciano-
subira. Acesso em: 14 jul. 2019.
24
e o restante em ordem indefinida. No entanto, para a Teologia dos Dois Reinos, Deus e
Igreja estão nos primeiros lugares, pois é ali que está a única agência terrena do reino
redentivo que permanecerá na eternidade com Cristo, que traz comunhão e valores
corretos para as outras instituições (família, trabalho, lazer etc.,) e que confirma a razão
da existência dos santos “para o louvor de sua glória”.27
Assim, a espiritualidade e a autoridade ministerial da Igreja na Teologia dos Dois
Reinos não são “antifísica, antimaterial ou coisas desse tipo”.
27
Efésios 1.6, 12, 14.
28
Ibid., p. 146.
29
VANDRUNEN, D. Living in God's two kingdoms, 2010, p. 67.
25
porvir é especulativo, na opinião do Dr. VanDrunen, mas também o é, por sua vez,
afiançar a respeito da necessidade de “redenção cultural” para aquilo que se findará nesse
mundo presente na forma que está.
26
30
CARSON, Donald A. Cristo & Cultura: uma releitura. Vida Nova: São Paulo, 2012.
31
Donald Arthur Carson nasceu em 21 de dezembro de 1946, em Montreal, no Canadá. É um renomado
teólogo reformado batista e professor emérito de Novo Testamento no Trinity Evangelical Divinity School,
onde leciona desde 1978. D. A. Carson, como é mais conhecido, se graduou em química e matemática na
McGill University em Montreal de 1963 a 1967. Depois fez um mestrado em divindade do Seminário
Batista Central em Toronto. De 1970 a 1972 ele pastoreou a Richmond Baptist Church em Richmond,
British Columbia, onde foi ordenado em 1972. Os anos de 1972 a 1975 foram dedicados a estudos de
doutorado na Universidade de Cambridge. Foi pastor assistente e pastor titular itinerante no Canadá e no
Reino Unido. É um dos fundadores do The Gospel Coalition. Para saber mais com detalhes sobre a
bibliografia desse erudito consulte: KÖSTENBERGER, Andreas J. D. A. Carson. Disponível em:
https://web.archive.org/web/20090824133921/http://www.biblicalfoundations.org/pdf/Carson.pdf. Acesso
em: 21 jun. 2019.
27
anglófono, ignorá-la. Por bem ou por mal, a obra de Niebuhr deu forma a boa parte do
debate.”
Carson percebe que cultura pode ser conceituada como “o conjunto de valores
amplamente partilhado por algum subconjunto da população humana”. Depois cita
conceituações de Kroeber e Cluckhohn, além de Redfield e de Geertz, os quais acham
pertinentes, embora perceba a confusão moderna dada especialmente entre antropólogos
a respeito de cultura e metanarrativa.
Dada à definição do termo cultura, ele volta a analisar a obra de Niebuhr, partindo
da transição da Antiga para a Nova Aliança bíblicas, dizendo que cristãos precisavam
resolver a questão entre a Igreja e o Estado refletindo o entendimento deles entre o Reino
de Deus e o Império Romano, pois só assim poderiam lidar com a questão cultural. “Por
a Igreja ser uma comunidade internacional que afirmava seu compromisso de lealdade
acima de tudo com um reino que não era deste mundo, as questões que ela enfrentou ia
muito além da relação com o governo” (p. 15).
O autor sabe que embora a análise cultural de Niebuhr seja feita por bases bíblicas
comuns, é inevitável que esta análise não deixe de passar por seis fatores importantes: 1)
o pragmatismo da análise de Niebuhr num mundo anglo-saxão; 2) o autoritarismo de
variadas vozes dizendo qual deve ser o relacionamento entre Cristo e a cultura hoje; 3) o
multiculturalismo tecnológico e imigratório atual, sobretudo em megalópoles; 4) a
religiosidade moderna em seu pluralismo, sincretismo e multiplicidade; 5) o
confessionalismo cristão decadente; e 6) o secularismo. Não obstante o cristianismo ter
sido uma das forças de formação do Ocidente, a cultura de hoje não só está se afastando
do cristianismo como está sendo hostil a ele.
Carson volta suas atenções ao Dr. H. Richard Niebuhr como teólogo, relembrando
a estrutura que usou em seu livro “Cristo e Cultura” e as definições dos termos-base da
obra.
A respeito de Jesus, “Niebuhr deseja ser bem abrangente, aceitando como ‘Cristo’
os vários retratos de Jesus Cristo encontrados nas ramificações dominantes da
cristandade.” (p. 20), embora não incluísse nenhuma imagem de um Jesus ariano ou
mórmon; por outro lado, sabe que todo conhecimento humano é parcial e interpretativo,
além de ser finito e afetado pelos efeitos noéticos do pecado. Sobre o termo “cultura”, ele
a trata como sociológico – de vida humana na sociedade, de realização humana
teleológica e ética. Contudo, é grave a flutuação que o termo possui à medida que a obra
avança. Para algumas das cinco categorias, cultura não está associada com Cristo,
28
Carson nota que, para Niebuhr, Cristo e cultura “tem a ver com as reinvindicações
rivais de autoridade” (p. 22, 23). Na primeira Epístola de João, o mundo está contra os
cristãos perseguidos, mas estes devem amar as pessoas do mundo por quem Cristo
morreu; mesmo sofrendo, os crentes devem amar, até mesmo quem os faz sofrer.
Tertuliano é mais radical e chama os cristãos de “terceira raça” em sua relação com o
mundo, ou seja, não devem se envolver com nada efêmero. Entretanto, é inevitável não
fazer parte da cultura exaustivamente. As próprias palavras que usamos são impregnadas
de culturas. Por exemplo, Carson lembra que quando Tertuliano fala de modéstia e
paciência está sendo devedor aos estoicos, ou quando Tolstói cita a não resistência,
percebe-se aí uma influência rousseauniana. Dessa forma, Carson identifica quatro
dificuldades teológicas de Niebuhr com essa categoria: usar razão para tratar de cultura e
revelação para tratar de fé não distingue claramente a origem epistemológica do
conhecimento32; a proliferação do pecado que ocorre na cultura também pode ocorrer no
meio cristão, inclusive na Igreja; a tendência de não levar em conta a abrangência da graça
divina; e a dificuldade de ter Cristo como Criador e o Espírito Santo imanente na criação
e na comunidade cristã.33 Por outro lado, nos pareceu ser esta a posição, com reservas e
buscando refutações na teologia bíblica, que Carson mais aprova (ou menos desaprova)
em Niebuhr (por ser esta a posição assumida pelo primeiro) – contudo, repetindo,
redefinindo evidentemente os termos.
32
Uma vez que para Carson razão está para racionalidade como revelação está para Palavra de Deus, a
Bíblia.
33
NIEBUHR, Cristo e cultura, p. 80, 81.
29
Ele argumenta que esta categoria exige uma visão menos ortodoxa, ou, para ser
mais direto, mais herética do cristianismo, e como tal não deve ser aceita como categoria.
Carson traça uma linha de propositores desse entendimento começando pelo gnosticismo
dos primeiros séculos. Depois ele passa pela suposta paz constantiniana, o começo da
cristandade em que o Estado se misturou com a fé, vista claramente em Abelardo, e
seguido por toda a elite do catolicismo romano da era medieval até os dias de hoje. Nos
tempos atuais, Niebuhr constatou acertadamente que “aquilo que era heresia se tornou a
nova ortodoxia”, principalmente na teologia dos que ele chama de “protestantismo de
cultura”. Locke, Kant, Jefferson, Scheleiermecher, Emerson e, especialmente, Albrecht
Ritschl se encontram nessa categoria por serem os proponentes do que é conhecido como
liberalismo cristão.
Carson notou que Niebuhr entende que esta é a posição que mais teve
proeminência na história da Igreja. Na verdade, Carson acha confusa a classificação de
Niebuhr e as reclassifica. Ele afirma que “talvez ajude a pensar nos últimos dos seus cinco
tipos como: (3) Cristo acima da cultura: tipo sintetizador; (4) (...) tipo dualista; (5) (...)
tipo convercionista/transformacionista.” (p. 28). Para ele, os sintetizadores são o que
entendem a relação de Cristo com a cultura do tipo “tanto isso quanto aquilo”. Apesar
disso, Carson percebe que Niebuhr viu a inconsistência dessa posição por levar “à
absolutização daquilo que é relativo, à redução do infinito a uma forma finita e à
materialização do dinâmico”. Elas são sínteses condicionadas culturalmente.
Carson identifica um posicionamento cujo ponto focal prático não é a relação entre
o cristão e a sociedade secularizada, “mas entre Deus e a humanidade”. Assim, o dualista
é existencialista, porque ele enxerga a polarização entre Deus e a humanidade – não entre
os cristãos e os pagãos, como na contracultura. Se o pecado está em nós e a graça em
Deus, então todos estão em um campo de atuação caído e maligno, porém, sustentada e
mantida pela providência de Deus. A diferença dos crentes que se posicionam assim para
30
O alerta é lançado pelo autor. Niebuhr não está falando de conversão pessoal, mas
da própria cultura. “O que faz distinção entre conversionistas e dualistas é sua atitude
mais positiva e esperançosa diante da cultura.”36 As convicções teológicas para este
posicionamento são por conta de a criação não ser o palco para a redenção, mas para a
própria esfera de ação da obra divina como um todo; de a queda não trazer o mal físico
ou metafisico, mas moral e pessoal; e da redenção e a consumação são serem realizadas,
é para o “agora”, o já, mas não para o “ainda não”, ou seja, a história é para o tempo
presente, não para o tempo futuro. “Para ele [o transformacionista], o futuro escatológico
se tornou um presente escatológico.”37 Niebuhr parece ver isso no Evangelho de João e
especialmente em Agostinho, o qual ele entende que definiu a Cristo como “o
transformador da cultura”. Ele pensa que Calvino tenha postura parecida. Mas em F. D.
Maurice está o ápice dessa propositura. Para ele, Cristo é a finalidade humana para uma
conversão cultural baseada no amor, cujo socialismo e universalismo adequados ajudam
34
Não ficou muito claro o motivo desta afirmação em Niebuhr. E Carson não tentou explica-la. Embora os
cristãos saibam que as leis do Antigo Testamento não são (ou não deveriam ser) meios de salvação alegar
que um cristão seja antinomista é acusa-lo de ser contrário à lei. Na prática o antinomismo (ou
antinomianismo) alega que Deus não espera que o crente obedeça às leis morais por entender que Jesus as
teria cumprindo em sua morte. Porém, esta conclusão está equivocada segundo o ensinamento
neotestamentário. Provavelmente Niebuhr queria dizer que o cristão do tipo dualista não se importa muito
com as questões morais, por ser, segundo ele, socialmente inerte.
35
Conservadores por preservarem a tradição institucional histórica, também levando, segundo Niebuhr, à
inercia. Apontando idealisticamente para um entendimento mais progressista da história.
36
NIEBUHR, Richard. Christ and culture. New York: Harper Perennial, 2001, p. 190-191. In: CARSON,
Cristo & cultura, p. 33.
37
Op. cit., p. 195. In: Ibid.
31
menos. Contudo, quando se trata de democracia, a tensão entre ela e o cristianismo pode
não ser tão facilmente percebida (p. 111). A maioria das pessoas no Ocidente diria, sem
hesitar, que a democracia é uma coisa boa. Porém, a história apresenta muitos exemplos
de que não se pode contar sempre com a democracia para fazer a coisa certa. Podemos
contar com o voto popular para estabelecer leis e moralidade justas? “Tensões entre Cristo
e cultura são inevitáveis, porque tensões entre democracia e religião são inevitáveis.” (p.
116).
E quanto à liberdade? A liberdade é algo sobre o qual os cristãos podem sempre
se apoiar? (p. 116). Alguém pode estar “livre” das restrições do Estado, mas também pode
ser “livre” das tradições, livre de Deus, livre de moralidade, de inibições, de pais
opressivos, de pais sábios, de atribuições de vários tipos, e livres do pecado. Se os cristãos
podem ou não apoiar a “liberdade” depende, evidentemente, de que tipo de liberdade nós
estamos falando. E quanto ao aborto, pesquisas com embriões humanos, pornografia,
“casamentos” homoafetivos, orações em escolas públicas etc.? Um choque entre o
cristianismo e uma sociedade libertina parece inevitável. Algumas coisas que a sociedade
abraça como liberdades são vistas como uma forma de escravidão pelos cristãos.
Carson, em seguida, fala sobre o poder. Podemos pensar que o poder é ruim, mas
o exercício do poder nem sempre é algo ruim. Na família, ausência completa de disciplina
pode trazer resultados, de forma regular, como “crianças desorientadas e anárquicas”. (p.
125). Quando há um crime em andamento, a maioria de nós ficaria feliz se a polícia
aparecesse com força e exercesse poder. No entanto, toda forma de poder pode ser
abusadora de autoridade.
Em suma, Carson nos chama a não abraçarmos o secularismo desenfreadamente;
“a democracia não é Deus; a liberdade pode ser outra palavra para rebelião” (p. 128); o
desejo pelo poder, tão universal como é, deve ser visto com bastante suspeito. Isso
significa que as comunidades cristãs que honestamente procurarem viver sob a Palavra
de Deus irá inevitavelmente gerar culturas que, para dizer o mínimo, irão de alguma forma
contrariar ou confrontar os valores da cultura dominante.
O capítulo quinto tenta lidar com um dos maiores problemas da questão de Cristo
e cultura, a da Igreja e do Estado. Mais uma vez, parece ser um passeio rápido pelos
principais conceitos abordados quando cristãos tentam mergulhar nesta questão, embora
Carson se dedique a um capítulo um tanto quanto longo (mais de 50 páginas). O assunto
é, de fato, complexo.
A primeira seção trata da divulgação dos termos “religião”, “Igreja” e “Estado” e
34
O pluralismo religioso não pode ser um bem último, pois não será
encontrado nos novos céus e na nova terra, em cuja direção avançamos;
mas, se neste mundo alquebrado ele põe freio à violência e à coerção,
se promove liberdade relativa entre aqueles que (quer reconheçam ou
não) carregam em si a imagem de Deus, então agradecemos a Deus
pelos dons da graça comum e pela sabedoria do Mestre, que insistiu em
algum tipo de distinção – não importando sua complexidade nem sua
natureza nada absoluta – entre a esfera de César e a esfera de Deus.38
38
CARSON, Cristo & cultura, p. 169.
35
39
Aqui Carson fala da “teoria dos dois reinos” luterana como bem diferente da proposta de Teologia dos
Dois Reinos expressa por VanDrunen. Cf. Ibid., p. 183-185.
40
Cristologia docética foi considerada heresia pela igreja primitiva, dos séculos II e III, por assumir que
Jesus teria sido apenas uma ilusão, não uma pessoa física provida de corpo material, mas apenas um
espectro espiritual relevante, ou uma ideia. A crucificação, assim, não teria de fato existida, porém aludida
como assentimento filosófico de aplicações reflexivas. Conceito relativamente reativado pelo liberalismo
teológico a partir do século XIX.
41
Cristologia nicena é considerada uma cristologia ortodoxa. Sua expressão sintética se faz no Credo
Niceno que diz originalmente (em tradução livre): “em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado
unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai; Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado, não feito, consubstancial ao Pai; por quem foram feitas todas as coisas que estão no céu ou na terra.
O qual por nós homens e para nossa salvação, desceu, se encarnou e se fez homem. Padeceu e ressuscitou
ao terceiro dia e subiu aos céus. Ele virá para julgar os vivos e os mortos”.
36
sua tese central, aludida ao longo do livro. Para discernir corretamente a relação entre
Cristo e cultura, os cristãos devem perseguir com paixão a inteireza robusta e nutritiva da
teologia bíblica. É precisamente esta a matriz controladora dessa relação (p. 197). O
desejo de Carson de fidelidade às Escrituras e vontade de reformar para esse fim é muito
claro.
Penso que existem três conceitos úteis que podem ser extraídos deste livro.
Primeiro, as cinco visões de Niebuhr sobre Cristo e cultura nos faz lançar uma rede muito
ampla sobre o assunto. Elas permitem visões desproporcionais e até mesmo heréticas do
cristianismo. Uma visão verdadeiramente bíblica da relação entre Cristo e cultura não
pode permitir paradigmas que não sejam fiéis ao testemunho bíblico.
Em segundo lugar, uma visão de Cristo e da cultura deve ser flexível o suficiente
para se encaixar e interagir com uma enorme variedade de problemas e situações
contextuais. Em outras palavras, se o evangelho é verdadeiro, então uma visão correta de
Cristo e da cultura deve dar uma orientação correta tanto para os americanos ricos quanto
para os pobres africanos, os chineses perseguidos e os sul-coreanos livres.
Em terceiro lugar, o entendimento correto da interação entre Cristo e a cultura em
um contexto local é promovido por um compromisso com a teologia bíblica. Dito de outra
forma, os cristãos lidam corretamente com o problema de Cristo e da cultura quando suas
ações no contexto local fluem diretamente de uma aceitação saudável e proporcional das
principais afirmações da Escritura.
Uma vez que Carson não negocia sua convicção para explicar os tópicos
teológicos, filosóficos e políticos abrangentes com os quais interage no livro, ele nos
conclama à fidelização bíblica ao fazermos escolhas. Deveríamos estar mais ou menos
envolvidos na cultura? Um cristão pode entrar na política? Devemos tentar transformar a
cultura com a arte cristã ou retirar a educação escolar dos nossos filhos? Quais são os
deveres da igreja local em relação à pobreza? Em relação ao governo? Carson deixa essas
escolhas num nível individual, mas os desafia a garantir que suas escolhas se alinhem
corretamente com uma exposição proporcional e fiel das implicações da Escritura.
Resgatando o que fora dito por Donald A. Carson, creio que a Teologia dos Dois
Reinos, apresentadas nas obras de David VanDrunen, persiga exatamente a verdade
bíblica, especialmente quanto à questão cultural tão cara a ele quanto àqueles que estão
imbuídos de esclarecê-la e proclamá-la. Evidência disso são as últimas palavras dessa
releitura, exatamente de um propagador da Teologia dos Dois Reinos, o Dr. Michael
Horton, que nos alerta, afirmando que “em vez de estarmos no mundo, mas não ser dele,
37
facilmente nos tornamos do mundo, mas não estamos nele”.42 Contudo, isto não a isenta
de críticas.
3.2. Críticas à Teologia dos Dois Reinos
Em 2011, o teólogo John M. Frame43 escreveu uma obra com duras críticas à
Teologia dos Dois Reinos. O método utilizado por Frame é um compêndio de trinta e dois
resumos de obras especialmente de professores do Westminster Seminary California.
Esse livro teve por título “The Escondido Theology: A Reformed Response to Two
Kingdom Theology”.44 Nessa obra o ator assume que Teologia dos Dois Reinos, por vezes
também chamada de Radical Two Kingdoms, não é teologia reformada, pois, para ele,
não há nenhuma de suas proposições ensinadas nas Confissões Reformadas (p. 16), mas
se trata de teologia luterana. Frame chega ao ponto de insinuar que os teólogos entusiastas
da Teologia dos Dois Reinos queriam trazer o luteranismo para o meio reformado.45 Essa
crítica é relevante em razão do peso acadêmico de seu proponente.
Logo no prefácio, ele desconfia que os membros proponentes desta escola de
pensamento, como Michael Horton, Meredith Kline, Darryl Hart e o próprio David
VanDrunen não se dedicaram a fazer uma autocrítica e discutir se há ou não distinções
entre essa teologia e a Teologia Reformada (p. 38). Depois de tecer alguns
questionamentos, Frame recomenda “estes escritores por seu genuíno desejo de
proclamar o evangelho de Jesus Cristo como é encontrado na teologia reformada”.
Todavia, em seguida, emenda uma grave afirmação: a de “que seus ensinamentos
distintivos diminuem a exposição da Escritura e que no final seus ensinamentos são
prejudiciais ao evangelicalismo e ao cristianismo reformado” (p. 39, 40).
Talvez a declaração mais grave feita por Frame se refira à soteriologia de Michael
Horton.46 Frame parece sugerir que Horton considerou apenas a doutrina da justificação
42
HORTON, Michael. How the kingdom comes? Christianity Today, 50/1, p. 46. Jan, 2006. In:
CARSON, Cristo & cultura, p. 198.
43
Nascido em 1939 é um filósofo cristão e teólogo calvinista que lecionou por muitos anos no Seminário
Teológico de Westminster, e atualmente leciona Teologia e Filosofia Sistemática no Seminário Teológico
Reformado em Orlando, Flórida.
44
O título do livro leva esse nome pelo fato de muitos de seus proponentes como Meredith Kline, Darryl
Hart, Michael Horton e David VanDrunen serem ou terem sido professores do Westminster Seminary
California localizado na cidade de Escondido, na California, EUA. Não tenho indicações de que Frame
estivesse sendo irônico com o termo “escondido” no sentido de ser algo obscuro, tácito ou implícito.
45
Contudo a Doutrina Luterana dos Dois Reinos é bastante diferente da apresentada por VanDrunen. Por
exemplo, para Lutero, crentes e incrédulos faziam parte do reino comum sem divorciar a fé cristã da esfera
cultural. Ele entendia que deveria haver uma cultura cristã e chamou o Estado para não só defender a igreja,
mas também estabelecer escolas cristãs e não permitir que blasfêmias fossem espalhadas em sua jurisdição.
46
Doutrina da salvação.
38
e não a da santificação na ordus salutis.47 Enquanto a primeira é dada por Deus de forma
instantânea, a segunda é processual. Frame pensa equivocadamente que Horton considera
que as duas doutrinas são operadas por Deus instantaneamente na vida do crente. Frame
assevera que a Escritura não nos diz apenas para receber passivamente o dom da
santificação. Ao invés disso, há uma corrida a ser executada e uma batalha a ser travada.
A Escritura nos exorta constantemente a fazer esforços, a fazer as escolhas certas, pois
Deus potencializa nossos esforços e os faz frutificar. Para ele, nós desenvolvemos nossa
própria salvação, sabendo que Deus está trabalhando “em” nós. A Escritura se refere
repetidas vezes à santificação e à vida interior. “Mas as referências de Horton a ela são
quase inteiramente negativas. Parece-me que o próprio foco de Horton precisa ser
repensado” (p. 43).
Ele critica também o livro de R. Scott Clark, “Recovering the Reformed
Confessional”, afirmando que Clark diz que os Padrões de Westminster eram teocráticos,
mas não teonômicos, isto é, eles aceitavam a execução civil da primeira tabela do
Decálogo, mas não acreditavam que o governo civil deva reforçar todos os detalhes da lei
civil bíblica, parecendo “que a Teologia dos Dois Reinos de Clark supera seu
confessionalismo. A teocracia é inconsistente com dois reinos, uma vez que se
responsabiliza o magistrado civil pela aplicação da verdadeira religião” (p. 86). Frame
diz que no final do livro, Clark diz mais explicitamente que “a cristandade foi um erro”,
porém, um erro só corrigido no século XVIII. Frame continua dizendo que Clark “não vê
qualquer necessidade de revisar sua definição geral de confessionalismo para acomodar
esse tipo de correção” (p. 87).
Frame acertadamente sugere que, para um crente reformado, o foco de sua vida
não deve estar em sua denominação ou tradição. Este foco deve estar em Cristo e na
Escritura. Ele deve sentir profundamente os erros do chauvinismo reformado,48 a atitude
que celebra e procura preservar a singularidade do calvinismo reformado da influência de
outros ramos da Igreja. O lar de sua Igreja deveria ser todo o corpo dos eleitos de Deus.
Uma comunidade reformada que mantenha sua herança bíblica enquanto busca crescer
em seu amor pela Igreja como um todo vale a pena apoiar e recomendar aos outros – e
arremeta: “essa não é a visão de Clark da Igreja. Contudo, é uma que eu recomendo de
coração aos meus leitores” (p. 118).
47
Ordem da salvação, como a salvação se faz na vida de uma pessoa.
48
Senso de pertencimento fanático, agressivo e intransigente e, por conseguinte, menosprezo ao que é
contrário àquele grupo ou causa.
39
49
No dia 07 de fevereiro de 2012, o Dr. Robert W. Godfrey escreveu no blog do Westminster Seminary
California uma resposta da docência de Westminster ao Dr. John Frame: “Todos nós no corpo docente do
Westminster Seminary California [WSC] estamos chocados e tristes com o livro de John Frame, The
Escondido Theology. Muitos de nós éramos colegas de trabalho de John e vários de nós fomos seus alunos.
Apreciamos particularmente ao longo dos anos seu ensino da apologética de Cornelius Van Til, sua crítica
ao teísmo aberto e sua forte defesa da doutrina da inerrância bíblica. (A declaração de Andrew Sandlin na
página 31 deste livro, alegando que John tinha sido um polemista contra a inerrância, é certamente um
erro). Ficamos muito preocupados, portanto, em ver John deturpando e distorcendo totalmente nossas
visões. Não desejamos nos envolver em uma discussão demorada dessas coisas com John, mas achamos
necessário esclarecer as coisas. Talvez a maneira mais simples de fazer isso seja referir-se aos trinta e dois
tópicos com os quais John resumiu nossas visões no início do livro (p. 37-39). Ele apresenta estes pontos
afirmando: ‘Abaixo estão algumas afirmações típicas e amplamente aceitas entre os teólogos de Escondido.
Nem todos eles fazem todas essas afirmações, mas todos os consideram com alguma simpatia’ (p. 37). Em
resposta, todos nós, do corpo docente da WSC, queremos declarar claramente que rejeitamos todos esses
trinta e dois pontos como uma apresentação justa ou precisa de nossos pontos de vista. Nós temos mais
simpatia com o ponto que diz ‘Não há diferença entre ser bíblico e ser reformado’ (p. 38). No entanto,
40
afirmamos isso de maneira diferente: somos reformados porque acreditamos que a Bíblia é mais fielmente
entendida e ensinada no Cristianismo Reformado. Em relação à maioria dos pontos de referência de John,
acreditamos e ensinamos o oposto do que é atribuído a nós. Esperamos que os interessados em nosso
trabalho leiam algumas das muitas obras escritas por nosso corpo docente e vejam por si mesmas a
imprecisão do livro de John. Para ver nosso compromisso de aplicar a Bíblia na pregação e em uma ampla
gama de questões contemporâneas, listamos abaixo alguns livros da faculdade que ilustram esse
compromisso:
Dennis Johnson, ‘Him We Proclaim’
W. Robert Godfrey, ‘Pleasing God in our Worship’
Michael Horton, ‘Law of Perfect Freedom’
R. Scott Clark, ‘Recovering the Reformed Confession’ (with chapters on the application of the
second and fourth commandments)
J. V. Fesko, ‘The Fruit of the Spirit Is and The Rule of Love’
David VanDrunen, ‘Bioethics and the Christian Life’
Audio recordings of the faculty conference on ‘The Law of God and the Christian’ and our most
recent conference on ‘The Unfolding Mystery: Reading and Applying the Bible.’
À luz do potencial deste livro para confundir nossos amigos e o público em geral, desejamos reafirmar
nosso Compromisso Doutrinário (conforme declarado em nosso Anuário): ‘As Escrituras do Antigo e do
Novo Testamento, sopradas pelo Espírito de Deus por meio de autores humanos, a própria Palavra de Deus
é escrita – a única autoridade infalível e inerrante para a fé e a vida. As doutrinas da fé cristã, mantidas
pelas igrejas ortodoxas através dos tempos, expressam as verdades centrais concernentes ao Deus triuno e
suas obras de criação e redenção, particularmente quando confessam a obra salvadora de Jesus Cristo
revelada nas Escrituras. As confissões Reformadas (Confissão de Westminster e Catecismos, Catecismo de
Heidelberg, Confissão Belga e os Cânones de Dort) são o resumo mais completo e preciso do sistema de
doutrina revelado na Sagrada Escritura.’ A Westminster California tem sido e continua sendo uma escola
confessional. Como um todo, nosso corpo docente apoia e promove as visões de consenso da comunidade
Reformada, conforme resumidas nas confissões reformadas. Essas confissões expressam mais precisamente
nossa teologia”. Disponível em: https://wscal.edu/blog/westminster-seminary-california-faculty-response-
to-john-frame. Acesso em: 21 jun. 2019.
50
SMITH, James K. A. Reforming public theology: two kingdoms or two cities? Calvin Theological
Journal, nº 47. p. 122-137. 2012.
51
VanDrunen, David M. Natural law and the two kingdoms: a study in the development of reformed
social thought. Grand Rapids: Eerdmans, 2010.
41
descreve como Deus governa o mundo”.52 Segundo, que a proposta de VanDrunen dos
Dois Reinos é uma “cristandade por outros meios”, lei natural em vez de eclesiologia. Já
o Dr. Robert Crouse53 considera que VanDrunen vê uma grande diferença entre as
concepções de Agostinho e de Lutero simplesmente favorecendo a concepção das “Duas
Cidades” agostinianas. Crouse se distancia de Smith, discordando, dentre outras coisas,
de que VanDrunen e outros defensores reformados da Teologia dos Dois Reinos não
promovam qualquer tipo de “cristandade”, muito pelo contrário. Terceiro, ele também
vincula a afirmação do liberalismo moderno à perspectiva dos Dois Reinos, sugerindo até
mesmo uma conexão entre a Teologia dos Dois Reinos de VanDrunen com a “liberal”
agostiniana de Eric Gregory. Mas essa afirmação parece ser fragilíssima, pois se há esse
tipo de liberalismo teológico, os adeptos da Teologia do Dois Reinos deveriam se sentir
gratos, entretanto.
O Dr. Cornelis Venema,54 por sua vez, também nos traz algumas contribuições
críticas. Primeiro, ele discorda da afirmação que os proponentes da perspectiva dos Dois
Reinos frequentemente alegam que ela não é apenas a abordagem mais adequada da
questão do cristianismo e da cultura, mas também a mais antiga e a mais comum
abordagem na história da teologia reformada (p. 78), demonstrando outros recortes
históricos. Em segundo lugar, entre os argumentos bíblicos para a perspectiva dos Dois
Reinos há alguns que lhe parecem estar em desacordo com interpretações mais comuns
na história da teologia reformada. No decorrer da apresentação de um caso bíblico para a
perspectiva dos dois reinos, os defensores ofereceram interpretações bastante excêntricas,
segundo Venema, entre elas: 1) a relação entre a obra de criação e redenção de Deus; 2)
o pacto pré-queda de obras em relação ao pacto pós-queda da graça; 3) a relação entre o
oficio de Cristo como Mediador da criação e como Mediador da redenção; 4) a
necessidade e suficiência da Escritura como uma norma para a conduta cristã em todas as
áreas da vida; e 5) a adequação da lei natural para um completo discernimento da vontade
de Deus para a vida pública e cultural. Em terceiro lugar, alguns dos atrativos dos Dois
Reinos se aproximam dos problemas que supostamente são inerentes à visão
52
VANDRUNEN, David. The Two Kingdoms and Reformed Christianity: why recovering and old
paradigm is historically sound, biblically grounded, and practically useful. Pro Rege. mar, p. 31-38. 2012,
p. 33.
53
CROUSE, Robert. Two kingdoms and two cities: mapping theological traditions of church, culture, and
civil order. [Tese] Doutorado. Wheaton. Jan. 2016. Tendo na banca examinadora Daniel J. Treier, Kevin J.
Vanhoozer, James K. A. Smith e Marc Cortez.
54
VENEMA, Cornelis. One kingdom or two? An evaluation of the “Two Kingdoms” doctrine as an
alternative to neo-calvinism. Mid-America Journal of Theology, v. 23. 2012, p. 77-129.
42
neocalvinista da vocação cristã em esforços públicos e culturais. (p. 79). E quarto, embora
os proponentes da abordagem dos Dois Reinos à vida cristã afirmam que isso não
prejudica o empreendimento da educação ou educação cristãs, os principais valores desta
abordagem fazem “o tapete sair de baixo”55 de um dos mais importantes argumentos para
a educação cristã.
Em sentido absolutamente contrário à maioria dos críticos a Teologia dos Dois
Reinos, o Dr. John Wind enumerou os principais pontos de discórdia dos críticos a
VanDrunen, como apresentadas acima pelo Dr. Venema, os quais são: a má interpretação
da tradição reformada; restrição da cosmovisão cristã à igreja institucional; rejeição à
educação cristã; separação completa entre o governo do Logos e o governo do Filho
encarnado; a lei natural como suficiente e confiável independente da revelação especial;
e a doutrina dos Dois Reinos incompatível com as Duas Cidades de Agostinho. Ele parece
responder a todos os críticos a partir de uma interpretação estrutural da Teologia do Pacto
(ou da Aliança) na interpretação de VanDrunen:
55
VENEMA, Mid-America Journal of Theology, p. 80.
56
WIND, John. The keys to the Two Kingdoms: covenantal framework as the fundamental divide between
VanDrunen and his critics. Westminster Theological Journal. 2015, p. 15-33. p. 25.
43
57
Grifos do autor.
58
Cf. CAVALCANTI, Robinson. A redenção da cultura. Disponível em:
<https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/267/a-redencao-da-cultura>. Acesso em: 15 dez. 2018;
CARRIKER, Timóteo. Trabalho, descanso e dinheiro: uma abordagem bíblica. Viçosa: Ultimato, 2001.
p. 21-31; CARRIKER, Timóteo. O caminho missionário de Deus. Brasília: Palavra: 2005. p. 15-23;
SCHAEFFER, Francis. Poluição e a morte do homem. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. Capítulos 1-4;
VAN DYKE, et al. A criação redimida. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. Capítulo 6.
44
cultural com as obrigações particulares que sustentam somente os crentes dentro do “reino
redentor” de Cristo, (igreja).
Ao contrário da perspectiva transformacionista, que exige a transformação da
cultura humana, a perspectiva dos dois reinos pretende uma visão muito mais simples,
menos pretensiosa e onerosa da vocação dos seres humanos dentro da estrutura do reino
comum de Deus. “Deus não está redimindo as atividades e instituições culturais deste
mundo, mas está preservando-as através do pacto que fez com todas as criaturas viventes
por meio de Noé em Gênesis 8.20-9.17”.59 VanDrunen nos lembra de que o dilúvio trouxe
repentino fim a toda a atividade cultural da época.
Em certo sentido, ele acredita que os cristãos devam “transformar” a cultura, mas
no sentido de se ter influência benéfica neste mundo, enquanto eles realizam suas várias
atividades culturais com excelência e as interpretam corretamente. No entanto, ele se opõe
“à ideia de transformar cultura (...) na medida em que implica que os cristãos devem
‘redimir’ a cultura e que seus produtos culturais piedosos serão incorporados à nova
criação”.60 Desta forma, a Teologia de Dois Reinos não se opõe à transformação em si,
mas tem uma compreensão diferente da transformação. VanDrunen mencionou o
conceito de nova criação acima, pois sua compreensão desse tema desempenha papel
importante na apresentação de sua teologia dos dois reinos. Ele escreve:
O reino de Deus proclamado pelo Senhor Jesus Cristo não é construído
através da política, comércio, música ou esportes. A redenção não
consiste em restaurar pessoas para cumprir a tarefa original de Adão,
mas consiste em o próprio Senhor Jesus Cristo cumprir a tarefa original
de Adão de uma vez por todas, em nosso nome. Assim, a redenção não
é “criação recuperada”, mas “recriação agraciada”. 61 Em suma, a
Escritura requer uma visão elevada da criação e da atividade cultural,
mas também exige uma distinção entre as coisas sagradas do reino
celestial de Cristo e as coisas comuns do mundo atual. Requer uma
distinção entre a sustentação providencial da cultura humana por parte
de Deus para toda a raça humana e sua gloriosa redenção de um povo
escolhido que ele reuniu em uma igreja agora e se reunirá na nova
criação por toda a eternidade. Algumas pessoas realmente caem em
“dualismos” injustificados, mas a dualismo-fobia não deve anular nossa
capacidade de fazer distinções claras e necessárias.62
59
VANDRUNEN, Living in God's two kingdoms, p. 21.
60
Ibid., p. 13.
61
Ibid., p. 26.
62
Ibid., p. 28.
45
Se não houver distinção metodológica para analisar a teologia dos dois reinos
fatalmente cairemos em dualismos ou contradições – o que de fato parece ter acontecido
com alguns críticos que tentaram persuadi-la.
É evidente que há uma tremenda antítese espiritual entre crentes e incrédulos, mas
também é evidente que há algo culturalmente comum entre eles, embora dada de maneira
não neutra entre os dois. O que aconteceu na criação foi para ambos; na queda para ambos;
contudo, em se tratando de soteriologia calvinista, não há espaço para redenção comum
para ambos.
De todas as maneiras de um evangélico professo, em comunhão com sua
congregação, lidar com a cultura e com o governo deste mundo, nos parece que aquela
que mais valoriza a Igreja de Cristo seja precisamente a Teologia dos Dois Reinos, pois
ela traz clara ênfase na centralidade prática e visível da Igreja na vida cristã. A Igreja tem
um distintivo ético radicalmente diferente das instituições do reino comum, pois ela
“exibe perdão que transcende justiça, expõe generosidade que transcende escassez e
busca evangelismo que rejeita violência”,63 a partir do dia do Senhor, do culto e do
descanso na graça soberana de Deus.
À luz disso, é importante frisar que socioculturalmente, uma vez que a Igreja lida
com coisas transcendentais, do redentivo Reino de Deus, é impossível que ela lide (ou
deva lidar) com utopias humanistas, socialistas ou comunistas, ideologias essencialmente
transformacionais. “Na Igreja, não há vencedores ou perdedores, mas cada ato de amor é
mutualmente enriquecido com a rica economia de Cristo – uma economia não baseada
em princípio de escassez, mas no princípio de extravagante abundância.”64
Contrariamente, o enfoque transformacionista apresentado tacitamente na obra
“Cristo e Cultura” pode ter ajudado a criar, por vezes, uma igreja evangélica dúbia quanto
a sua relação com a cultura, a sociedade e o mundo. Não por acaso pragmática,65
ambígua66 e maniqueísta,67 muitas vezes, em sua abordagem cultural no Brasil, não
contextualizada, mas sincretizada.68 Haja vista, a estratégia feita pela igreja evangélica
brasileira envolvendo, por exemplo, massivos programas de rádios e TVs, blocos de
63
VANDRUNEN, Living in God's two kingdoms, p. 141.
64
Ibid., p. 144.
65
Avaliada pela funcionalidade, pelo resultado e pela utilidade e não pela verdade da teologia bíblica.
66
Portadora de duplo sentido.
67
O maniqueísmo foi uma seita dualista, acética, e sincretista, dos séculos III e IV, que afirmava haver um
conflito cósmico entre poderes, luz e trevas, equivalentes, mas opostos entre si e incompatíveis.
68
Por exemplo, em algumas igrejas neopentecostais no Brasil o culto, o clero, a teologia e o templo estão
alinhados com o comércio fetichista, o uso de objetos com fins espirituais, para obtenção de curas,
exorcismos e prosperidade material tais quais as religiões de matrizes africanas, indígenas e pagãs.
46
69
Esses e muitos outros exemplos públicos e notórios são encontrados em qualquer pesquisa rápida pelo
Google.
70
A pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que em 2016 as entidades
religiosas representavam 35,1% do total de fundações e associações sem fins lucrativos do país. Ou seja,
mais de um terço das Fasfil (Fundações e associações sem fins lucrativos) tinham finalidade religiosa. As
entidades religiosas também lideram entre as ongs mais novas. Segundo o IBGE, entre 2011 e 2016 foram
criadas 19,9 mil instituições desta categoria, correspondendo a 43,5% do total das novas entidades. Em
seguido, aparecem cultura e recreação (11,0%) e outras instituições privados sem fins lucrativos (9,9%).
71
Festa popular dedicada a santos da igreja católica apostólica romana.
47
72
“Evitando esses extremos, temos de ver Cristo contra e a favor, questionador e afirmador, arrazoador e
acolhedor. Isso é complexo, mas por outro lado, o cristianismo não é estranho à complexidade”.
ELSHTAIN, Jean Bethke. With or against culture? Books & Culture, 12/5. Set/Out. 2006, p. 30. In:
CARSON, Donald A. Cristo & cultura: uma releitura. Vida Nova: São Paulo, 2012, p. 196.
48
fora”, pessoal, num movimento lógico mais indutivo, centrífugo, orgânico, do indivíduo
para a sociedade e consequentemente para a cultura, como nos parece ser propositado
pela Teologia dos Dois Reinos. Assim, não entendemos que a Teologia dos Dois Reinos,
apresentada por VanDrunen, contraria o engajamento cultural, tal qual incentivado pela
tradição reformada, mas a faz numa perspectiva mais bem fundamentada na Escritura.
Ao partirmos da Reforma Protestante, por exemplo, é claro que ela impactou não
só a religião cristã, mas toda a cosmovisão cultural do Ocidente, seja nos campos da ética,
da economia, da política, da ciência, da literatura, da arte e da família.
Em 2017, por ocasião do Congresso A Relevância da Reforma para o Século XXI,
o Dr. Alderi Matos,73 historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil, proferiu uma palestra
intitulada “O Impacto da Reforma no Mundo Ocidental”, na qual propôs que a Reforma
impactou, entre outras coisas, a cosmovisão ocidental, a ética, a economia, a política, a
ciência, a literatura e a arte, e a família.
Com vasta documentação, foram demonstradas fontes tais como o livro
“Reforma”, de Collinson, no qual é afirmado que a Reforma Protestante foi a causa de
muito do que se tem no Ocidente hoje. Mesmo católicos romanos como Fernández-
Arnesto e Wilson também o admitem, com certas reservas. Alister McGrath afirma que a
Reforma foi um movimento de novas atitudes e cosmovisões que afastaram obstáculos
intelectuais a esses desenvolvimentos. Semelhantemente, Carter Lindberg afirmou que a
Reforma afetou todos os aspectos da cultura, trouxe uma nova atitude em relação ao
mundo totalmente diferente da atitude isolacionista dos monasticistas. Muito pelo
contrário, encorajava os cristãos a se engajarem no mundo através de uma nova ética na
vocação e no trabalho, não vistos mais como algo secular, mas sagrado, de benefícios
tanto espirituais quanto físicos. Evidência disso é a prosperidade econômica dos países
protestantes.
73
Professor de História da Igreja, Coordenador da área de Teologia Histórica do Centro de Pós-Graduação
Andrew Jumper (CPAJ). Graduou-se em teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas (1974), sendo
também bacharel em Filosofia pela Universidade Católica do Paraná (1979) e em Direito pela Escola de
Direito de Curitiba (1983). Após vários anos de ministério no Paraná, fez seu mestrado em Novo
Testamento (S.T.M.) na Andover Newton Theological School, em Newton Centre, Massashusetts, EUA
(1988) e seu doutorado em História da Igreja na Boston University School of Theology (1996). Em 1997,
o Dr. Alderi veio trabalhar no CPAJ, onde também atua como coeditor da revista teológica Fides Reformata.
É escritor e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana
Ebenézer de São Paulo e articulista conhecido em diversos periódicos acadêmicos e populares.
49
74
CALVIN, John. Calvin's commentary on the Bible: Deuteronomy. Disponível em:
https://www.studylight.org/commentaries/cal/deuteronomy-23.html. Acesso em: 14 jul. 2019.
75
KEPLER, Johannes. Kepler on God. In: New world encyclopedia. Disponível em:
https://www.newworldencyclopedia.org/entry/Johannes_Kepler. Acesso em: 16 jul. 2019.
76
MCGRATH, Alister. A life of John Calvin. New Jersey: John Wiley & Sons, p. 255.
50
77
VANDRUNEN, David. The two kingdoms doctrine and the relationship of church and state in the early
reformed tradition. Journal of Church and State, Oxford, v. 49, n. 4, p. 752. 2007.
78
Uma contundente crítica ao erastianismo, também conhecido como prelado, se encontra em
WITHEROW, Thomas. A igreja apostólica: que significa isto? São Paulo: Os Puritanos, 2005, p. 63-76,
a qual recorreremos mais tarde. Embora o alvo do autor seja a Igreja Anglicana, não a Luterana, como
VanDrunen propõe.
79
TURRENTIN, Francis. Institutes of elenctic theology. 3 vols. Phillipsburg: P&R, 1992-1997, p. 2486-
2487. In: VANDRUNEN, David. Natural law and the two kingdoms, 2010, p. 173-182.
80
KUYPER, Abraham. Lectures on Calvinism. Grand Rapids: Eerdmans, 1931 e KUYPER, Abraham.
Common grace. 3 vols. Grand Rapids: Christian’s Library, 2013. In: Ibid., 2010, p. 276-315.
81
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Tomo II. Livro IV. 20.4. São Paulo: UNESP, 2009,
p. 878.
82
Ibid., IV. 20.10, p. 884.
83
Ibid., IV. 20.8-10, p. 881-886.
51
do povo. Ele não foi instituído para ser um mau exemplo de desonestidade, pois, acabaria
assim sendo desrespeitado pelo povo.84
No entanto, a seguir vem algo bastante distintivo em Calvino. É que mesmo se um
magistrado cometesse erros e até mesmo injustiças e improbidades, o povo deveria
entender isso como juízo de Deus contra a iniquidade do próprio povo.85 As pessoas não
deveriam revidar contra seus maus governantes nesse caso.86 O próprio Deus executaria
juízo e vingaria na punição dos maus magistrados.87 E isso poderia, inclusive, acontecer
por instrumentalidade de outros magistrados.88
Enfim, o povo deve prestar obediência às autoridades constituídas, porém com
uma exceção: tal obediência “[v]ai apenas até onde não implique em desobediência a
Deus, o supremo soberano a quem importa sempre e em tudo obedecer”.89
84
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Tomo II. Livro IV. 20.4. São Paulo: UNESP, 2009,
p. 896.
85
Ibid., IV. 20.25, p. 897.
86
Ibid., IV. 20.29, p. 899.
87
Ibid., IV. 20.30, p. 900.
88
Ibid., IV. 20.31, p. 901.
89
Op. Cit. 20.32, p. 901.
90
WITHEROW, Thomas. A igreja apostólica: que significa isto? São Paulo: Os Puritanos, 2005, p. 63.
52
91
CORREIA. Fábio. Os modelos de governo eclesiástico, suas vantagens e dificuldades práticas.
Disponível em: <http://filosofiacalvinista.blogspot.com.br/2012/01/os-modelos-de-governo-eclesiastico-
suas.html>. Acesso em: 24 jun. 2019.
53
melhor somado a krateo, dono, governador”.92 A despeito disso, porém, constatamos que
a forma de governo eclesiástico possui maior sustentação na Escritura Sagrada.
Para analisar esta fundamentação bíblica é possível que Thomas Witherow,93 já
no século XIX, nos ajude. Ele enumerou seis critérios bíblicos eclesiológicos para ser
comparado ao paradigma que ele chama de “Igreja Apostólica”. Tais critérios
neotestamentários são os seguintes: 1) os oficiais eram eleitos pelo povo; 2) os ofícios de
bispo e presbíteros eram a mesma coisa; 3) o governo era exercido por uma pluralidade
de presbíteros; 4) a ordenação era um ato de um presbitério – uma pluralidade de
presbíteros; 5) havia o privilégio de se apelar ao presbitério em casos especiais e o direito
de governo exercido por seus delegados; e 6) Cristo é a Cabeça suprema da Igreja em
todas as coisas. 94
Essa verificação é importante por vários motivos. Se se tem a Palavra de Deus por
verdade e se acredita que ela deva orientar os cristãos em todos os assuntos da vida,
quanto mais às questões da Igreja de Cristo, uma vez que ela transcende o tempo e espaço,
nada é de somenos importância na Escritura. Outra coisa importante é que se a Bíblia
trata de forma de governo eclesiástico, e é fato que ela o faz, devemos atentar ao que Deus
fala de Sua Igreja, incluindo o modo correto de governá-la e dela lidar com a cultura.
Para tanto, não há melhor forma de se saber se um modelo de governo de Igreja é
mais bem adequado que o outro se não a observar por sua consistência bíblica. Todavia,
precisamos primeira e rapidamente estudar cada forma em particular para depois as
compararmos entre si e encontrar uma conclusão confiável, fundamentada na Bíblia.
a) O episcopalismo
92
Cf. SOBRINHO, João Falcão. A túnica inconsútil. São Paulo, s/d, p.57-58. Apostila de eclesiologia do
Seminário Teológico Batista do Sul. In: LEITE, Túlio César Costa. Um sistema de governo presbiteriano.
Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/igreja/governo-presbiteriano_tulio.pdf> Acesso em:
24 de jun. 2019.
93
Ministro eclesiástico irlandês e professor de História da Igreja. Viveu de 1824 a 1890.
94
WITHEROW, Igreja Apostólica, p. 33-61.
54
b) Congregacionalismo
95
AUNEAU, Joseph. O sacerdócio na Bíblia. Cadernos Bíblicos 61. São Paulo: Paulus, 1994, p. 78-79.
56
separação total de Igreja e Estado, o que é correto. Talvez seja esse o real motivo de se
separarem de qualquer igreja de orientação erastiana.
O congregacionalismo, ou igreja independente, está presente no regime de
administração da Igreja Batista, Discípulos de Cristo, Igreja de Cristo e Congregacional,
tanto de convicção calvinista quanto arminiana. No Brasil, este sistema tem sido
difundido pelos batistas desde o século XIX. Entendo ser este um motivo pelo qual o
cristão batista brasileiro se comporta com a cultura de maneira cada vez mais
transformacionista.
É possível que a política democrática tenha também influenciado na história o
surgimento desse tipo de governo participativo na esfera religiosa. O homem tornando-
se “autônomo” desde os idos iluministas, da transferência teocêntrica para
antropocêntrica, certamente se viu corroborado para ao menos o senso de pertencimento
congregacional sem abandonar a individualidade tão cara. Todavia, além de problemas
de exposição pública ao tratar de disciplina de membro a apreciação de adolescentes,
pessoas imaturas e leigas para tomarem decisões que tangem a eternidade de uma pessoa,
por exemplo, o sistema congregacional pode ser flagrado em sérias dificuldades na esfera
social. Pode soar arrogante e pretensiosamente antropocêntrico supor redimir uma cultura
para fins teocráticos.
O modelo congregacional contempla três princípios: “eleição popular, a
identidade de presbítero e bispo; e o reconhecimento de que Cristo é a cabeça da igreja”,
contudo, desconsidera “a pluralidade de presbíteros em cada Igreja; ordenação com a
imposição de mãos pelo presbitério e o privilégio de apelar ou recorrer.” Deste modo,
estar mais ou menos “bíblico” não é uma boa opção para um tema tão importante.
Constamos, portanto, que o presbiterianismo se posiciona de maneira mais consistente
que os outros dois modelos anteriores.
c) O Presbiterianismo
96
ROBERTS, W. H. O sistema presbiteriano. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 14.
57
Assim é preciso deixar claro que presbiterianismo não se trata somente de forma de
governo eclesiástico, mas na verdade atribuída à exegese e a hermenêutica dada a toda
Sagrada Escritura. É um sistema, um sistema bíblico de verdade. Muitas vezes, isso se
dará em contraposição às doutrinas liberais e racionalistas de um lado, ou pentecostais e
empiristas de outro, bem como qualquer forma de subjetivismo e pragmatismo. Todavia,
como o tema está delimitado ao sistema de governo eclesiástico e sua relação eclesiástica
com a cultura não se trata aqui de todas as nuances do presbiterianismo (teologia, dever
e culto, como exemplificados nos padrões de Westminster, etc.), mas estaremos atentos a
questão da cultura administrativa interna e a hipótese de um influencia com a cultura do
mundo externo.97
No Brasil, como dito anteriormente, só a Igreja Presbiteriana do Brasil cumpre os
requisitos dessa forma de governo em sua integridade e é a representante legítima e
autêntica de uma verdadeira denominação reformada. A igreja presbiteriana “é uma
comunidade constituída de crentes professos juntamente com seus filhos e outros menores
sob sua guarda”.98 A acusação de John Frame a R. Scott Clark de que isso que acabamos
de constatar é chauvinismo 99 não se aplica por de fato estarmos lidando com exposição
escriturística, não bairrismo.100
Marca distintiva do governo presbiteriano se faz pela representatividade dos
presbíteros (Atos 15; 3 João 9). Existem muitas evidencias dessa forma de governo na
Bíblia (Atos 14.23; Tito 1.5; Atos 15, 2, 4, 6, 22 e 23; Atos 16.4; Atos 20.17; 1 Pedro 5.1-
2, 6; Filipenses 1.1; 1 Timóteo 5.17; Tiago 5.14; 1 Pedro 5.1; 1 João 1; 3 João 1). Os
presbíteros são eleitos em assembleia. Eles farão parte, juntamente com o pastor ou
pastores (também chamados de presbíteros docentes – os primeiros são chamados de
presbíteros regentes101) do concílio da igreja local denominado de Conselho. Façamos o
paralelo aqui, usando uma linguagem de Calvino, de representações do reino comum, os
presbíteros regentes, e de representantes do reino espiritual, os presbíteros docentes:
97
Cf. Capítulo XXXI – Dos Sínodos e Concílios. In: Confissão de Fé de Westminster, A. 17ª ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 227-230.
98
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil (CI/IPB), Capítulo II – Organização das Comunidades
Locais, Art. 4. In: Manual presbiteriano: com notas remissivas. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 10.
(Doravante como no modelo a seguir: Art. 4, CI/IPB).
99
Cf. o rodapé da p. 41 desta monografia, parágrafo primeiro.
100
Considera-se atitude daqueles que defendem seus interesses próprios em detrimento dos de outras
pessoas.
101
Art. 25, CI/IPB.
58
Escolhemos o texto de Isaías, capítulo 13, versos de 6 a 13, para refletirmos acerca
do Dia do Senhor narrado por este profeta, uma vez que se trata de um texto que fala tanto
da criação (quanto da cultura), da queda, da redenção e da consumação.
102
HANKO, Ronald. Doctrine according to Godliness: a primer of reformed doctrine. Grandville:
Reformed Free, 2004, p. 240. In: TOKASHIKI, Firme Fundamento, p. 9.
103
Art. 60, CI/IPB.
104
NASCIMENTO, Adão C.; MATOS, Alderi S. de. O que todo presbiteriano inteligente deve saber.
Santa Bárbara do Oeste: Socep/Z3, 2007, p. 75-82.
105
Art. 69, CI/IPB.
106
WITHEROW, Igreja Apostólica, p. 79 e 84.
59
• Isaías 13.6: “Uivai, porque o dia do SENHOR está perto; virá do Todo-Poderoso
como assolação.”
107
ERICKSON, Millard J. Opções contemporâneas na escatologia: um estudo do milênio. São Paulo:
Vida Nova, 1982, p. 26-27.
108
HURT, Bruce. Isaiah commentary verse by verse: literal interpretation. Disponível em:
http://www.preceptaustin.org/isaiah_commentaries. Acesso em: 20 mai. 2019. Passim.
109
OSWALT, John N. The book of Isaiah: chapters 1-39 - the international commentary on the Old
Testament. Michigan: Willian B. Eerdmans, 1986, p. 301.
60
do Senhor está cada vez mais próximo. A cada dia que se passa se aproxima
ainda mais. Esta expressão em Isaías nos lembra das palavras de João (e seu
registro das palavras de Jesus) dos tempos finais do Apocalipse (3.11, 22.6,7).
110
Isto é, palavras com significados diferentes que se escrevem e se pronunciam de forma parecida.
111
SHOWERS, Reginald E. Maranatha, our lord come. Bellmawr: The Friends of Israel Gospel Ministry,
1995, p. 38.
112
HENRY, Matthew. Commentary on the whole Bible. In: MEYERS, Rick. E-sword®. [Aplicativo].
Version 10.4.0, Franklin: 2014.
61
113
MOTYER, J. A. Isaiah: an introduction and commentary. V. 20. Tyndale old Testament commentaries.
Downers Grove: InterVarsity Press, 1999, p. 16.
62
• Isaías 13.9: “Eis que o dia do SENHOR vem, horrendo, com furor e ira ardente;
para pôr a terra em assolação e para destruir do meio dela os seus pecadores.
✓ O Dia do SENHOR vem com fúria ardente: o profeta Naum descreve bem:
“Eis que Yahweh é Deus zeloso, ciumento e vingador! Yahweh, o SENHOR,
não tolera outros deuses e age como terrível vingador contra toda idolatria.
Em seu furor e indignação Yahweh executa sua vingança contra todos os seus
adversários!…” (1.2,6).
exclamam os cidadãos de Sião. “Que o nosso sangue esteja sobre aqueles que
moram na Babilônia!”, brada Jerusalém.” (51.35-58). Agora, o Dia do Senhor
agora sai do âmbito regional, até então focado no juízo a Babilônia e passa a
ter contornos mais universais e abrangentes.
114
YOUNG, Edward J. The book of Isaiah: chapters 1 to 18. V. 1. Grand Rapids / Cambridge: Willian B.
Eerdmans, 1992, p. 422.
65
• Isaías 13.10: “Pois as estrelas do céu e as suas constelações não deixarão brilhar a
sua luz; o sol se escurecerá ao nascer, e a lua não fará resplandecer a sua luz.”
115
Sentido mais completo, além do contexto imediato.
66
• Isaías 13.11: “E visitarei sobre o mundo a sua maldade, e sobre os ímpios a sua
iniquidade; e farei cessar a arrogância dos atrevidos, e abaterei a soberba dos
cruéis.”
perverso” (8.13), enquanto que o profeta Isaías, por diversas vezes, denuncia
o pecado do orgulho nos homens: “Os olhos dos arrogantes serão humilhados
e a soberba da humanidade será destruída; naquele Dia somente Yahweh será
exaltado!” (2.11); “Ora, foi Yahweh dos Exércitos quem o planejou a fim de
abater toda a soberba e vaidade e humilhar todos os que vivem em ostentação
e vanglórias sobre a face da terra” (23.9); “E acontecerá naquele grande Dia:
Yahweh castigará os poderes em cima nos céus, e os reis e governantes
embaixo na terra” (24.21). Já os profetas Jeremias e Daniel se voltam, num
contexto imediato, contra os Babilônicos: “Convocai contra a Babilônia os
flecheiros, todos os que preparam arcos; acampai ao seu redor, ninguém
escape dela. Retribuí-lhe de acordo com a sua obra; fazei a ela o mesmo que
fez aos outros; porque agiu com arrogância contra a pessoa de Yahweh, contra
o Eterno, o Santíssimo de Israel...” (Jeremias 50.29-32). “Mas tu, ó Belsazar,
sucessor do rei Nabucodonosor, não tens caminhado com humildade, não
humilhaste o teu coração, muito embora saibas bem de tudo quanto ocorreu
com teu pai, o rei...” (Daniel 5.22,23). Por isso, a Babilônia se tornou símbolo
de todo pecado contra Deus: “Então, ele bradou com poderosa voz: “Caiu!
Caiu a grande Babilônia, e tornou-se habitação de demônios e antro de toda
espécie de espírito imundo e esconderijo de toda ave impura e detestável”.
(Apocalipse 18.2,3).
• Isaías 13.12: “Farei que os homens sejam mais raros do que o ouro puro, sim mais
raros do que o ouro fino de Ofir.”
116
Gênesis 10.29. Ver também I Reis 9.28.
68
vida humana e apoia a premissa de que Isaías está descrevendo outro aspecto
futuro.
• Isaías 13.13: “Pelo que farei estremecer o céu, e a terra se moverá do seu lugar,
por causa do furor do Senhor dos exércitos, e por causa do dia da sua ardente ira.”
Concluímos essa parte ressaltando que o Dia do Senhor será terrível! Toda a
humanidade, toda a cultura, todo o planeta e mesmo as estrelas, as constelações e os astros
serão afetados por esse grandioso Dia. Ridderbos117 sintetiza bem as impressões:
“Pois o SENHOR virá no fogo e suas carruagens como redemoinhos para restituir
sua ira em fúria e sua repreensão em chamas de fogo. Pois pelo fogo o SENHOR executar
seu julgamento” (Isaías 66.15-16; cf. Isaías 27).
Fica patente, para os adeptos da Teologia dos Dois Reinos, que não há lugar para
necessidade de transformação cultural, nos moldes transformacionistas, diante dos
expostos nesse exemplo de perícope biblicamente fundamentada e impressionante.
117
RIDDERBOS, J. Isaías: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1990, p. 145-
146.
70
CONCLUSÃO
118
Em e-mails trocados recentemente com o Dr. David VanDrunen, ele muito bondosa e generosamente
me enviou o manuscrito de sua provável obra conclusiva sobre teologia reformada dos dois reinos em que
aborda a questão Política do tema. Seu novo livro será lançado pela Zondervan em maio de 2020 e terá
como título, passivo de mudança, Politics After Christendom: Political Theology in a Fractured World.
Pelo sigilo envolvido só posso sugerir que os cristãos brasileiros leiam essa obra, pois ela certamente nos
ajudará inclusive a entender nosso momento histórico nacional e ter consciência do que estamos passando
e poderá a vir, reforço, em termos políticos.
119
CALVINO, Institutas IV. 20.2, p. 876-877.
120
Ibid., IV. 20.32, p. 901. Já citado na página 54 desta monografia.
72
Percebemos que a Teologia dos Dois Reinos tem importantes contribuições para
a teologia e prática da igreja brasileira com a cultura. Em VanDrunen, ela tem uma forte
raiz reformada calvinista. Ele encharca sua proposta de Bíblia. Por exemplo, em sua obra
“Living in God's two kingdoms”, ele examina cuidadosamente a relação entre o povo de
Deus e seu ambiente cultural na era patriarcal, em Israel teocrático, durante o exílio e na
era da Nova Aliança, delineando cuidadosamente as continuidades e descontinuidades da
relação dos cristãos a cultura épica, situação com a qual o povo de Deus teve de lidar em
várias épocas precedentes.
Ao fazê-lo, VanDrunen coloca os crentes do Novo Testamento exatamente no
lugar certo na cronologia escatológica da Bíblia, isto é, crucial para a construção de uma
visão bíblica do cristianismo e da cultura. Além disso, ele frequentemente retorna ao
ensinamento do Novo Testamento sobre a natureza passageira deste mundo atual, o status
dos cristãos neste mundo como estrangeiros e exilados, e a necessidade de os cristãos
estabelecerem firmemente sua esperança no mundo vindouro – todos esses temas bíblicos
que não figuram tão proeminentemente na discussão evangélica do cristianismo e da
cultura brasileiros como deveriam, em minha opinião.
Cremos que ela carregue um debate salutar da relação do cristianismo com a
cultura, especialmente para a Igreja Brasileira, como uma positiva alternativa a visão
transformacionista, precisamente por me parecer colocar cada coisa em seu devido lugar,
como historicamente o foi.
A sensação que tive ao estudar as obras do Dr. David VanDrunen foi saudosista,
daquela igreja que se preocupava com a vida eterna das pessoas. O papel da Igreja na vida
cristã, incluindo seu culto corporativo, ética distintiva e autoridade ministerial dispõe a
proposta dos dois reinos para trabalhar nas áreas de educação, vocação e política de
maneira individual, não institucional, uma vez que a Igreja tem sua ação no Reino
Redentivo.
Assim, concluímos que a Teologia dos Dois Reinos nos traz o entendimento que
uma vez que habitamos em uma fase intermediária da história da redenção é sábio
fazermos uma distinção clara entre os papéis da igreja e os papéis da sociedade, do crente
e do cidadão comum, de modo belo e urgente, especialmente à igreja desta “pátria amada,
Brasil”.121
121
Frase alusiva ao Hino Nacional Brasileiro.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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