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ÍCARO URIEL BRITO FRANÇA

ALCIDES MARIANO RIBEIRO

HISTÓRIA E MEMÓRIA DO
CENTRO SOCIOEDUCATIVO DE
UBERABA (CSEUR)

MATOS EDITORA

UBERABA

2022
ÍCARO URIEL BRITO FRANÇA

ALCIDES MARIANO RIBEIRO

HISTÓRIA E MEMÓRIA DO
CENTRO SOCIOEDUCATIVO DE
UBERABA (CSEUR)

EDIÇÃO 1

MATOS EDITORA

UBERABA

2022
Copyright © 2022 Ícaro Uriel Brito França
Publicado pela Matos Editora®
Todos os direitos reservados.
Revisão e Diagramação: Vanessa Matos
Ilustração de capa: Marilda Silva Pereira
Capa: Vanessa Matos

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direitos.

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APRESENTAÇÃO

Este livro surgiu de um projeto relacionado à área de


História, mais especificamente História Regional, proposto pelo
Agente de Segurança Socioeducativa Ícaro Uriel Brito França,
que propunha realizar a pesquisa e o levantamento de fontes
históricas, junto aos adolescentes internos do Centro
Socioeducativo Uberaba (CSEUR), para escrever a história do
Casarão Centenário, o qual é um bem histórico integrante do
patrimônio material, onde se situa a sede do CSEUR; e
promover a preservação da história e memória da instituição.
Constituindo, sobretudo, a evolução do tratamento ao menor em
Uberaba.
O projeto buscou a ressocialização dos adolescentes,
além de ser uma ótima oportunidade dos mesmos terem contato
com a história de Uberaba. Buscou-se despertar a ideia de
cidadania, mostrando sua importância como sujeito histórico,
em um contexto regional.
Foi promovida a integração dos adolescentes internos à
sociedade, em um ambiente extramuro, na fase de pesquisa e
levantamento de fontes, ocorrida no Arquivo Público Municipal,
sempre na companhia dos agentes de segurança socioeducativo

2
do CSEUR.
Também foi despertada a conscientização da
preservação da história e memória local. Houve ainda um
contato com produção e pesquisa histórica, no momento da
feitura de livreto sobre a história do CSEUR, além de uma
ampliação do conhecimento histórico dos menores.
O projeto em questão dividiu-se em quatro fases:
apresentação aos adolescentes sobre a importância da pesquisa
na preservação da história e memória (primeira fase); palestra
sobre Patrimônio Cultural (segunda fase); visita ao Arquivo
Público de Uberaba para levantamento de dados e fontes sobre
a história da instituição (terceira fase), e feitura do livreto
contando a sua história(quarta fase).
Oportunamente, foi utilizada a pedagogia histórico-
crítica na procura de mediação entre o conhecimento em
História Regional e os adolescentes participantes, promovendo
a produção de um senso crítico, aliado a progressos de sua
capacidade interpretativa de formulação de ideias e
compreensões sobre o assunto.
Assim, o presente livro é fruto do trabalho desenvolvido
ao longo do ano de 2017, proposto por integrante da Equipe de
Segurança do CSEUR.

3
Dedicatória

Esta obra é dedicada a todos que


participaram da história do CSEUR e
contribuíram para a construção de sua
história (adolescentes internos,
servidores e parceiros).

4
PREFÁCIO

É um grande privilégio poder apresentar e participar


do projeto de escrita da História da casa, onde funciona
atualmente o Centro Socioeducativo de Uberaba.
Escrever a história do imóvel é como rememorar o
tempo e estudar um pouco sobre a História dos Excluídos
Sociais e a História do Menor em Uberaba. Além de ser um
trabalho historiográfico pioneiro, foi um projeto inovador ao
colocar os próprios adolescentes internos da Unidade
Socioeducativa de Uberaba como protagonistas deste
processo de escrita.
A História é, essencialmente, um produto humano,
característica de uma sociedade que reflete a todo o momento
sobre sua existência, por isso, há diversas histórias e maneiras
de se pensá-la. Uma Unidade Socioeducativa de internação é,
também, um espaço de convivência social, formação do
sujeito e construção de histórias e memórias, além de sua
função legal de cumprimento de medida. Nesse espaço,
adolescentes internos, funcionários e corpo diretivo passam
grande parte do dia vivendo inúmeras experiências que

5
promovem a construção sócio-histórica da instituição.
A história do CSEUR é ampla e dinâmica, não se
limitando apenas a datas e nomenclaturas. Muito dessa
história acaba mesclando-se com as evoluções legais e sociais
das instituições de cumprimento de medidas socioeducativas.
Devido a isso, é de suma importância promover o
levantamento da história do CSEUR, propiciando a
preservação da história e memória da instituição e,
consequentemente, a preservação da história dos excluídos e
do menor em Uberaba.
Portanto, somente após a finalização desta pesquisa é
que foi possível compreender sua magnitude para a cidade de
Uberaba e as gerações futuras que manifestarem interesse por
adentrar ao conhecimento desse universo de grande relevância
social, denominado atualmente CSEUR.

Ícaro Uriel Brito França

6
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Praça Rui Barbosa, ponto de encontro de tropeiros,


Uberaba/MG (1908)..........................................................................39
Figura 2 - Publicação do decreto, no Lavoura e Comércio, em
24/01/1941..........................................................................................49
Figura 3 - Cópia de texto original do decreto na íntegra...............50
Figura 4: foto das muretas que separavam o córrego da
Avenida..............................................................................................53
Figura 5: Foto das muretas hoje na varanda do CSEUR.............. 53
Figura 6: Cópia do pedido do Arcebispo de Uberaba solicitando
aos padres somascos para ficarem com a administração do
Abrigo................................................................................................57
Figura 7 (a) e (b): Cópia da ata da Supam que transfere a
administração do Abrigo à Ordem dos somascos...........................58
Figura 8: Fotos do Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira
(Década de 60)...................................................................................61
Figura 9 (a) e (b): Fotos do Abrigo de Menores durante
administração da Prefeitura de Uberaba........................................64
Figura 10 (a) e (b): Fotos do sino que ficava no pátio, que tocava
para chamar os adolescentes para as refeições e afazeres...........65
Figura 11 (a) e (b): Fotos do galinheiro que funcionava no local...67
Figura 12: Fotos do galinheiro que funcionava no local................67
Figura 13: Foto do chiqueiro............................................................67

7
Figura 14: Foto de Oficinas profissionalizante de técnicas de
agricultura.........................................................................................68
Figura 15 (a), (b), (c) e (d): Fotos dos internos em oficina de
marcenaria que funcionava dentro do Abrigo..........................68/69
Figura 16: Foto da sala de televisão.................................................70
Figura 17: Foto do refeitório...........................................................71
Figura 18: Foto da cozinha..............................................................71
Figura 19: Foto da biblioteca...........................................................72
Figura 20: Foto dos dormitórios dos internos.................................72
Figura 21: Alvará com a autorização da Juíza de Menores da
época, autorizando o requerimento encaminhado pelo Sr. Ítalo
Adolfo Terra, Diretor do Abrigo de Menores na data, permitindo
os menores internos viajarem para Santos/SP, de 01/07/1990 a
15/07/1990, na companhia dos responsáveis pelo Abrigo...............74
Figura 22 (a) e (b): Fotos de viagem dos internos a
Sacramento/MG...............................................................................75
Figura 23 (a) e (b): Fotos de festas juninas no Abrigo de
Menores.............................................................................................76
Figuras 24 (a), (b), (c) e (d): Foto dos internos em desfile na entrega
das casas no Bairro Jardim Triângulo............................................76
Figura 25: Foto do Diretor Frei Hernan Londoño Retrepo...........88
Figura 26: Foto de Governo de Minas Gerais assumindo a direção
do Caresami.....................................................................................104

8
SUMÁRIO

CAPÍTULO I: DIRETRIZES PEDAGÓGICAS DO PROJETO..11

1.1 O desenvolvimento da abordagem do tem: os cinco passos de


Saviani no contexto da Escrita da História do Cseur............................14

1.1.1 Primeiro Passo: A prática social inicial.......................................14

1.1.2 Segundo Passo: A Problematização............................................15

1.1.3 Terceiro Passo: A Instrumentalização........................................15

1.1.4 Quarto Passo: A Catarse.............................................................16

1.1.5 Quinto Passo: Prática social........................................................17

1.2 Outras considerações.....................................................................19

CAPÍTULO II: A HISTÓRIA DO MENOR...................................20

2.1 A História do Menor no Brasil a situação dos menores infratores..23

2.2 A História do Menor em Uberaba..................................................28

CAPÍTULO III: A HISTÓRIA DO IMÓVEL................................30

3.1 O Lazareto.....................................................................................31

3.2 A criação do Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira..............41

3.3 O Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira sob a administração


dos Padres Somascos (1963-1976)......................................................54
9
3.4 O Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira novamente sob a
administração da Prefeitura Municipal de Uberaba (1976-1994).........63

3.5 Centro de Atendimento e Reintegração Social do


Adolescente – Casa Bom Pastor..........................................................77

3.6 Centro de Atendimento e Reeducação Social e do


Menor Infrator – CARESAMI...........................................................91

3.7 Centro Socioeducativo Uberaba – CSEUR..................................105

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................113

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................114

10
CAPÍTULO I
DIRETRIZES PEDAGÓGICAS DO PROJETO

O projeto em questão foi realizado em cinco fases:


apresentação aos adolescentes sobre a importância da pesquisa
na preservação da história e memória (primeira fase); palestra
sobre Patrimônio Cultural (segunda fase); visita ao Arquivo
Público de Uberaba para levantamento de dados e fontes acerca
da história do CSEUR (terceira fase); o início da escrita da
história da Casa (quarta fase) e feitura do livreto contando a
história do CSEUR (quinta fase).
Em relação ao seu desenvolvimento apropriou-se dos
estudos da pedagogia histórico-crítica, buscando proporcionar
um papel de mediador entre os adolescentes que realizaram a
pesquisa e o conhecimento histórico-regional.
Sobre o estudo de História Regional no Ensino Médio e
Fundamental, esse tema muitas vezes é inexistente nos
currículos escolares. Quando presentes acabam sendo abordados
de forma superficial e distante da realidade dos alunos.
Em contrapartida, os professores acabam por apenas
expor o tema, sem adentrarem em aspectos mais significativos,

11
tão importantes atualmente dentro do contexto da cidade e
região na qual os estudantes estão inseridos geograficamente.
Alunos acabam sendo obrigados a decorar conteúdos
(não conseguindo a escoladisponibilizar nem tempo hábil para
os professores abordarem com mais detalhes todos os conteúdos
obrigatórios nos currículos escolares), aprendendo
superficialmente os tópicos.
Uma boa forma de abordagem de temas relacionados à
História Regional seria por meio da pedagogia histórico/crítica,
uma adaptação pedagógica do método histórico dialético. A
mesma propõe a união de estudo e trabalho produtivo, no qual o
educador busca a formação intelectual do aluno com uma visão
crítica e participativa em aula e na comunidade como um todo.
O professor passa a ser mediador entre o aluno e o
conhecimento.
A pedagogia histórico/crítico foi iniciada em 1984, com
Saviani (2008). Ele buscou “rastrear o percurso da educação
desde suas origens remotas tendo como guia o conceito do modo
de produção” (SAVIANI, 1991, p. 10). Para esse método, a
escola seria uma instituição que busca a socialização do saber
sistematizado. Nesse método, há cinco passos a seguir para a
mediação do conhecimento: Prática Social Inicial,

12
Problematização, Instrumentalização, Catarse e Prática Social
Final (SAVIANI, 2003, p. 79). Diferente do método tradicional
(que enfatiza conteúdo formal eexpositivo), essa metodologia dá
ênfase a conteúdos reais, dinâmicos e concretos.

13
1.1. O desenvolvimento da abordagem do tema: os
cinco passos de Saviani no contexto da Escrita da História
do CSEUR

1.1.1. Primeiro Passo: A prática social inicial

Nessa primeira ação, foi exposto o projeto e um pouco


da história da Instituição, História do Menor, História de
Uberaba, Estudo de Fontes Históricas e a Importância da
Preservação do Patrimônio Histórico de uma cidade. Foram
realizadas duas palestras, sendo a primeira palestra ministrada
pelo professor Ícaro Uriel Brito França (graduado em História e
pós-graduado emEducação) e a segunda ministrada por Gustavo
Vaz Silva (graduado em História e pesquisador da Fundação
Cultural de Uberaba). O mesmo foi cedido pela Fundação
Cultural de Uberaba e Conselho de Patrimônio Histórico e
Artístico de Uberaba (Conphau). Após cada palestra, foi aberto
um espaço para diálogo e debate com os adolescentes privados
de liberdade, explicando todos os tópicos e subtópicos do
conteúdo e expondo o projeto de estudo e levantamento de
fontes para a escrita da história do bem imóvel onde funciona o
CSEUR.

14
1.1.2. Segundo Passo: A Problematização

Nessa etapa, que ocorreu durante os diálogos e debates


entre e após as palestras, houve uma discussão mediada pelos
palestrantes, para que os internos envolvidos pudessem
identificar os principais problemas para o levantamento de
fontes e escrita da história do imóvel. No caso da didática sobre
História Regional, o conteúdo foi trabalhado nas suas várias
perspectivas históricas, incluindo as dimensões sociais,
científicas, históricas, políticas, econômicas, conceituais, etc.

1.1.3. Terceiro Passo: A Instrumentalização

Nessa etapa, houve a efetivação da construção do


conhecimento. Nesse instante, pela açãodo professor mediador
Ícaro Uriel e a equipe de historiadores do Arquivo Público de
Uberaba, os internos (selecionados pela Equipe de Segurança
para uma visita ao Arquivo Público de Uberaba) realizaram suas
primeiras associações.
Assim, os adolescentes iniciaram seu senso crítico mais
apurado a respeito do estudo de Fontes Históricas e História
Regional, já iniciando uma linha de raciocínio que sai das

15
opiniões baseadas em senso comum, começando a agregar um
conhecimento acadêmico.
Além da aula expositiva sobre Fontes Históricas e
História Regional (dada pelos historiadores do Arquivo Público
de Uberaba), foi realizada a prática de um exercício de pesquisa
de fontes históricas, ministrada pelos adolescentes em
periódicos (jornais) e livros do Arquivo. O exercício consistia
na escolha de um trecho, tópico ou notícia pelos adolescentes.
Após isso, os mesmos deveriam realizar um levantamento dos
pontos e ideais centrais do texto. Foram analisados: capacidade
de síntese, leitura, escrita, análise crítica e historiográfica sobre
o texto. Essa atividade serviu de medida caso conseguisse
mediar a relação aluno/conhecimento sobre o tema.

1.1.4. Quarto Passo: A Catarse

Nesse período, após todos os passos anteriores na


abordagem do tema, os adolescentes, já possuindo laços com o
conhecimento do tema, puderam desenvolver uma nova visão
estruturada, tendo como base todas as fontes e atividades de
abordagem.
Os mesmos tornaram-se capazes de demonstrar o grau de

16
conhecimento ao qual chegaram. Assim, foi iniciada a escrita da
história do bem material histórico (imóvel onde funciona o
CSEUR). Essa escrita foi realizada com base em fontes escritas
(textos, livros, periódicos, artigos acadêmicos) e fontes orais
(entrevistas com pessoas que conhecem a história da casa).

1.1.5. Quinto Passo: Prática social

De acordo com a pedagogia histórico/crítica, de Saviani


(2008), a prática social é a prática do educando a respeito do
conteúdo abordado.
A Escola dos Annales (BARROS, 2010) foi um
movimento historiográfico surgido na França, durante a
primeira metade do século XX. Esse movimento, que foi
fundado por Lucien Febvre e Marc Bloch, deu origem a uma
nova forma de se estudar, abordar e entender a História.
Os Annales trazem ao estudo da história características
como a interdisciplinaridade e a história-problema. Na história-
problema, o historiador torna-se o mediador de um diálogo, de
um debate entre os homens passados, cuja presença torna-se
mais viva, e os homens do presente, que se tornam menos
solitários e desprotegidos. (SARAIVA, 2000, p. 28).

17
E, essa é uma boa forma de se estabelecer a prática social
no estudo e escrita da história do imóvel. Com isso, os
adolescentes puderam entender com mais clareza os fatos do
passado através de abordagens do presente pertencentes ao
cotidiano dos mesmos.
A partir desse ponto, os adolescentes já se mostravam
aptos a interagir com o conteúdo, poisconseguem trazê-lo para
seu cotidiano. Quebra-se, assim, o ciclo de conhecimentos
fragilizados, nos quais o aluno não consegue compreender o
tema, sumindo o fantasma do analfabetismofuncional, formando
nos adolescentes uma visão mais analítica e crítica sobre o tema.
Assim, nessa fase houve a conclusão das pesquisas e
escritas, ocorrendo a confecção de um livreto, mostrando toda a
história da casa, incluindo aspectos da história do menor e da
instituição CSEUR.
É nessa fase que os adolescentes passaram a buscar o
compromisso de executar o que aprenderam. Diferente de
métodos expositivos tradicionais, os adolescentes puderam
aprender e interpretar o tema, entendendo-o em sua íntegra, de
acordo com a proposta, não sendo apenas obrigados a decorar
como se fosse uma obrigação escolar.

18
1.2. Outras considerações

Em suma, o projeto induziu os adolescentes a


interpretarem as fontes históricas. Isso facilitou a produção de
um senso crítico, aliado aos progressos de sua capacidade
interpretativa de formulação de ideias e compreensões sobre o
assunto.
Foram incluídos, também, didáticas e fases de
aprendizagem do tema como prática social inicial,
problematização, instrumentalização, catarse e prática social,
além da interação aluno-conhecimento ter sido facilitada. E, até
mesmo um tema complexo como História Regional, para
adolescentes cursando ensino fundamental e médio em uma
Unidade Socioeducativa, tornou-se possível para a
aprendizagem dos mesmos através do uso da pedagogia
histórico/crítico.

19
CAPÍTULO II
A HISTÓRIA DO MENOR

O termo “menor” nem sempre possuiu o significado que


damos hoje. Atualmente, de acordocom o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990:
“Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela
entre doze e dezoito anos de idade”. Porém, nem sempre houve
essa separação entre crianças, adolescentes e os adultos,
considerando o último maiores de idade.
Segundo Ariès (1973), a vida era relativamente igual
para todas as idades, ou seja, não haviamuitos estágios e os que
existiam não eram tão claramente demarcados até o século XVI.
Todavia, isto não significa negar a existência biológica destes
indivíduos. Significa, em realidade, reconhecer que antes do
século XVI, a consciência social não admite a existência
autônoma da infância ou adolescência como categorias
diferenciadas do gênero humano. Antes desse período, os
menores não possuíam grande expressão social, sendo
retratados, nas artes, principalmente as crianças, como figuras

20
ligadas à religião, anjos querubins, menino Jesus, entre outros.
A partir do século XVII, intensifica-se a preocupação em
educar separadamente crianças e jovens, visando a transmissão
de disciplina e o aperfeiçoamento espiritual e moral. Surge,
então, a figura dos internatos, os quais são instituições
educacionais em período integral.
A partir do século XVIII, as crianças começaram a ser
reconhecidas em suas particularidades, obtendo o seu próprio
quarto, alimentação considerada específica e adequada,
ocupando um espaço maior no meio social.
Com a Revolução Industrial e os avanços tecnológicos
do século XIX, surgem diferenças notratamento da criança e do
jovem de classes burguesa e proletária. Também, a entrada da
mulher no mercado de trabalho modifica a dinâmica familiar
pelo fato da mesma não mais se dedicar exclusivamente ao
marido, à casa e aos filhos.
Do século XVII ao século XIX, as representações
sociais sobre a infância, bem como a forma de lidar com os
problemas do qual eram vítimas, alteravam-se: de miniatura de
adulto, exigindo dela responsabilidade de adulto, a caso de
polícia, tratando-as como objeto de tutelajudicial. A família
moderna, nuclear, considerada modelo tradicional atualmente,

21
composto por pai, mãe e filhos, somente se consolidou a partir
do século XVIII. Foi neste momento que a família passou a se
organizar em torno da criança e a erguer entre ela mesma e a
sociedade o muro da vida privada (CONSTANTINO, 2013).
É somente no século XX que crianças e adolescentes
deixam de ser misturados aos adultos ede aprenderem a vida em
contato com eles, sendo inventada, então, uma condição
especial aos mesmos. O mundo passa a compreender a
importância das crianças e dos adolescentes para o futuro. Assim,
passa a haver mais interesse na preservação e proteção de seu
bem-estar.
Um reflexo disso foi a aprovação pela Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas (ONU) da Declaração
Universal dos Direitos das Crianças em 20 de novembro de
1959, sendo o cumprimento desses preceitos fiscalizado pelo
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF - sigla
retirada de seu nome em inglês, United Nations Children's
Fund).
Atualmente, com a Globalização, assuntos pertinentes a
crianças e adolescentes passam a ganhar contornos mundiais,
conquistando, principalmente junto às mídias digitais e a
tecnologia da informação, contornos mundiais.

22
2.1. A História do Menor no Brasil e a situação dos
menores infratores

No Brasil, a trajetória da criança e do adolescente é


marcada por diversas privações e dificuldades. Os primeiros
modelos de educação para crianças foram trazidos pelos
Jesuítas. Os mesmos viam as crianças (principalmente
indígenas) como um ser ainda não contaminado pelos maus
costumes dos adultos, podendo moldá-las de acordo com os
princípios da fé católica.
Um problema que assolava o Brasil Colônia era o
abandono de crianças, sendo muito usado nesse período,
perdurando até o século XIX, a chamada “Roda dos Expostos”,
para abandonar recém-nascidos de forma anônima
(MARCÍLIO, 1997).
Durante o século XX, os menores que se encontravam
em condição de abandono, marginalidade e vadiagem pelas ruas
das cidades passam a ser um problema do Estado, cabendo ao
mesmo implantar uma política de proteção e assistência aos
mesmos. Ainda, havia grande preocupação com o aumento da
criminalidade juvenil.
23
Em 1927 é sancionado o Código Mello Mattos,
conhecido como Código de Menores por meio do Decreto nº
17943-A, de 12 de outubro de 1927. A partir daí, o Estado
assume a responsabilidade legal pela tutela da criança órfã e
abandonada. A primeira codificação voltada para os menores
tornou-se um marco referencial, cumprindo papel histórico.
Nele, a criança merecedora de tutela do Estado era o menor em
situação irregular. Também, o Poder Judiciário cria e
regulamenta o Juizado de Menores e todas as suas instituições
auxiliares.
Até 1935, os menores abandonados e infratores eram
apreendidos nas ruas indistintamente e levados a abrigos de
triagem. Em 1940, com a edição do Código Penal Brasileiro, a
imputabilidade penal passa a ser definida com 18 anos.
Em 1942, é criado o SAM (Serviço de Assistência
ao Menor), órgão do Ministério da Justiça, de orientação
correcional-repressiva, estruturado sob a forma de reformatórios
e casas de correção para adolescentes infratores e de patronatos
agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para
menores carentes e abandonados. Esse órgão dura até a década
de 1960.
Com o Golpe Militar e posteriores governos militares, o

24
SAM é extinto, havendo a criação da Funabem (Fundação
Nacional do Bem-estar do Menor) e das Febems (Fundação
Estadual do Bem-estar do Menor) em cada estado da Federação.
Em 1979, há a edição do Novo Código de Menores, que
continha a doutrina da proteção integral, entretanto, era baseada
no mesmo paradigma do menor em situação irregular da
legislação anterior. Trouxe um dispositivo de intervenção do
Estado sobre a família, que abriu caminho para o avanço da
política de internatos-prisão.
Com o tempo, essa legislação tornou-se ultrapassada e
ineficiente para certas situações. Assim, com a
redemocratização e a promulgação da Constituição da
República, em 1988, há maior discussão sobre políticas sociais
como instrumentos de garantia dos direitos sociais que, por sua
vez,integram o rol dos direitos e garantias fundamentais.
O artigo 227, da Constituição Federal de 1988, que deu
origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trata
dos deveres da família, da sociedade e do Estado de assegurar,
com prioridade absoluta, os direitos das crianças e dos
adolescentes:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do

25
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (CF, art. 227,
1988).

O ECA, Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990, junto à


Constituição de 1988, trazem o princípio da proteção integral ao
menor, sendo considerado menor indivíduo entre zero e 18 anos.
Há também uma separação entre a ideia de menor em situação
de abandono e menor em conflito com a lei, há instituições
especiais para acomodar cada caso. Também, adolescentes em
conflito com a lei passam a ter tratamento diferenciado dos
maiores em conduta delitiva, em instituições separadas.
Sobre a situação dos menores infratores, com medidas
previstas no ECA, houve, em 18 de Janeiro de 2012, a instituição
da Lei Federal n° 12.594/2012, que diz respeito ao SINASE
(Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). É também
regido pela Resolução n° 119/2006 do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo Plano
Nacional de Atendimento Socioeducativo (Resolução n°
160/2013 do Conanda). Suas ações se baseiam no Plano

26
Nacional de Atendimento Socioeducativo de Diretrizes e Eixos
Operativos. Busca articular em todo o território nacional, junto
aos entes federativos, todos os meios necessários para haver
eficácia eefetividade nas medidas socioeducativas previstas pelo
ECA, desenvolvendo ações sustentáveis e coerentes com os
princípios dos direitos humanos.
Dentre as medidas prevista no artigo 121 do ECA, há a
privação de liberdade. Por ser mais rigorosa, é aplicada apenas
quando se trata de ato infracional cometido mediante grave
ameaça violência à pessoa, por reiteração no cometimento de
outras infrações graves ou por descumprimento reiterado e
injustificável da medida anteriormente imposta.
O CSEUR é um dos centros socioeducativos do estado
de Minas Gerais que recebe apenas adolescentes sentenciados
para cumprimento de medida socioeducativa de internação,
internação-sanção e internação provisória.
Todavia, o imóvel em que funciona o CSEUR
atualmente possui uma extensa e rica história,que iniciará seu
registro nas próximas páginas. Desejamos aos amigos uma boa
leitura. Esperamos que possam aprender mais sobre a história do
menor em Uberaba e também percebam a importância da
preservação dos bens históricos para a História e Memória da

27
cidade.

2.2. A História do Menor em Uberaba

Na cidade de Uberaba, assim como no restante do Brasil,


a história da criança e do adolescente foi marcada por
dificuldades. Assim como no restante do país, a criança era tida
como um “adulto em miniatura”, sendo tratada como tal para o
mercado de trabalho e em ações do cotidiano.
Somente no final da década de 1980 que passou-se a
discutir a ideia de direitos especiais que respeitassem e
observassem a característica peculiar do menor como um ser em
desenvolvimento.
Antes, a ideia do menor abandonado era tida como
responsabilidade da Igreja, responsabilidade de obras e
instituições filantrópicas, como pode-se notar em matéria do
periódico Lavoura e Comércio, intitulada “É preciso ajudar as
criancinhas”, de 19 de setembro de 1940, informando sobre
doações feitas ao Orfanato Santo Eduardo, das irmãs
dominicanas, em prol dos menores abandonados (AZEVEDO,
2008).
Sobre a história dos menores em situação de abandono,

28
menores infratores e, de forma geral, dos excluídos e
marginalizados em Uberaba, o imóvel onde funciona atualmente
o Centro Socioeducativo de Uberaba, ou seja, o casarão
centenário é de grande importância para estudo, análise e
preservação dessa história e memória.

29
CAPÍTULO III
A HISTÓRIA DO IMÓVEL

A história do imóvel inicia-se no século XIX, perpassando


pelo século XX e início do século
XXI. É um ícone repositório da memória, possibilitando que o
passado interaja com o presente e transmita conhecimento
ajudando na formação da identidade de Uberaba.
O projeto de construção do imóvel data de 1889,
funcionando até os dias atuais, porém com diferentes
funcionalidades ao longo do tempo. Assim, possui aproximados
130 anos de história, tendo recebido ao longo desses anos
categorias de pessoas tidas como “marginalizadas” ou
“excluídas da sociedade”.
Nesta seção, será abordada a história do imóvel, seu
funcionamento como Lazareto, Abrigo de Menores Leopoldino
de Oliveira, Educandário Leopoldino de Oliveira, Centro de
Atendimento e Reintegração Social do Adolescente (Casa Bom
Pastor), Centro de Atendimento e Reeducação Social e do
Menor Infrator (CARESAMI) e, por último, Centro
Socioeducativo Uberaba (CSEUR). Também é abordado as

30
funções as quais o imóvel fora destinado e os corpos que por lá
habitaram e habitam.

3.1. O Lazareto

O primeiro estabelecimento que funcionou no local, logo


após sua construção foi o Lazaretode Uberaba, servindo como
hospital para abrigar pessoas que sofriam com Hanseníase, a
qual é uma doença que na época era conhecida por lepra, e
varíola.
O termo lazareto vem do italiano lazzaretto, que seria o
nome atribuído a estabelecimentos, edifícios, geralmente
construídos distantes da cidade, em que se mantinham pessoas
suspeitas de ter doenças contagiosas. Inclusive, pode ser um
edifício ou um navio. De acordo com o Dicionário Aurélio, pode
ser edifícios para quarentena ou hospital de leprosos, possuindo
sinônimo de leprosário.
Sobre a construção dessas instituições remontam ao
século XIX, com a Lei nº 3.228, de setembro de 1884,
autorizando a Secretaria de Estado dos Negócios do Império a
fazer uso de recursos na construção de um lazareto de
quarentena buscando prevenir contra epidemias de cólera,

31
doença essa que se propagava no Mediterrâneo para vários
países, inclusive o Brasil.
Porém, desde o início do século XIX, há essa
preocupação, haja vista a publicação do alvará de 22 de janeiro
de 1810. Por meio deste alvará, foi dado regimento ao provedor-
mor de Saúde da Corte e Estado do Brasil, sendo utilizada a
quarentena para combate à propagação de doenças epidêmicas
ao Reino Unido do Brasil e Algarves. Inclusive, de acordo com
o decreto n. 268, de 29 de janeiro de 1843, os navios que
atracavam no porto da capital, na época a cidade do Rio de
Janeiro, deveriam ficar em quarentena para inspeções de saúde,
sendo as embarcações identificadas com uma bandeira de cor
amarela.
Durante a segunda metade do século XIX houve a
construção de edifícios por todo o país para desempenharem a
função de lazaretos, buscando isolar o restante da população dos
indivíduos que sofriam com doenças contagiosas.
Tanto a cidade de Uberaba quanto o seu entorno, de 1859
até quase o final do século XIX, contou apenas com a Santa Casa
de Misericórdia, situada na cidade, para atender aos habitantes
do local, não possuindo nenhum local específico para abrigar
doentes de moléstias contagiosas.

32
A preocupação com serviços hospitalares na cidade pode
ser observada em Ata da Câmara Municipal de Uberaba, de 08
de outubro de 1866:

“Ilmo Sr. – A Câmara Municipal da cidade de


Uberaba, em sessão ordinária de hoje, deliberou
nomear a V.Sa. e aos cidadãos capitão Francisco
José de Oliveira, José Maria Bueno, Alexandre
Martins Marquês e José Maria do Nascimento
para, em cumprimento do art.56 da Lei de 1º de
Outubro de 1828, darem seu parecer sobre as
prisões e hospitais a queo mesmo art. da Lei se
refere.
Deus guarde a V.Sa. – Paço da Câmara Municipal
de Uberaba, 08 de Outubro de 1866.
Ao Ilmo. Sr. Henrique Raimundo des Genettes –
o secretário da Câmara Antônio José da Fonseca.”

Por muito tempo, apesar da existência da Santa Casa, os


atendimentos, tratamentos e até mesmo intervenções cirúrgicas
ocorriam nos domicílios, ou hotéis no caso de enfermos que
vinham de outros locais.
A falta de instituições hospitalares para tratar pacientes
com doenças contagiosas, a tendência da época de buscar
colocar os mesmos em quarentena em locais afastados e também
a incidência de casos de varíola na região de Uberaba, todos
esses fatores influenciaram diretamente para a construção de um

33
Lazareto na cidade.
Em relação à varíola, a mesma é uma doença milenar, já
observada na Antiguidade, com locais como China e Egito. É
uma doença viral e contagiosa. Possui três tipos: hemorrágico,
mais raro e grave, causando hemorragia cutânea e possível óbito
num prazo curto de quatro dias se não for diagnosticada e
tratada; minor, ou alastrim, com poucas erupções na pele e
letalidade abaixo de 1% dos casos; e major, forma mais comum,
causando sintomas como febre alta, calafrios, dor nos membros,
dor de cabeça e no estômago, vômito, suor, delírios, inchaço no
rosto e olhos lacrimejando, causando morte em 30% dos casos
(GAZÊTA, 2006, p. 27).
De acordo com relatos que se vão até o século XIX, o
tipo identificado nos casos era referente ao tipo major (em sua
forma grave de sintomas), sendo essa moléstia popularmente
conhecida por bexiga, devido às erupções cutâneas na pele que
tornavam de fácil identificação os doentes. A descoberta de sua
vacina se deu em 1796, pelo médico inglês Edward Jenner.
Porém, a mesma nem sempre era acessível a todos, além de
haver ainda receio da população em relação à vacinação. Em
locais mais afastados da capital do país, Rio de Janeiro, e dos
grandes centros urbanos brasileiros da época, como São Paulo,

34
Salvador, Recife, entre outros, a situação agravava-se mais,
sendo a varíola uma realidade e um dos males do século XIX no
país.
As atitudes e representações em relação à varíola e sua
vacina eram específicas em cada região do país. Em Uberaba,
por ser uma rota de passagem para vários viajantes, houve uma
facilitação de contágio externo, vindo ela junto a viajantes
portadores da moléstia. Também, no final do século XIX, com
a melhora gradativa das estradas e meios de transporte, além do
aumento demográfico devido à chegada de imigrantes na região,
houve um aumento nos casos da doença. Essa situação de
conforto em relação à varíola modificou-se, no entanto, a partir
do final do século XIX, quando houve gradativo melhoramento
das estradas e dos meios de transportes, e o aumento
demográfico decorrente da imigração. Ainda, em 1889, chega a
Uberaba a estrada de ferro da Companhia Ferroviária Brasileira
Mogiana, facilitando mais o fluxo de pessoas na região.
Assim, devido ao aumento da incidência, principalmente
da varíola em Uberaba, a proposta de construção do Lazareto de
Uberaba, para atender a região, tornou-se viável devido à doação
de significante quantia em dinheiro, dada em testamento do
Capitão João Batista Machado, falecido nodia 2 de outubro de

35
1890. O testamento fora aprovado pelo tabelião Major Joaquim
José de Oliveira Pena na data de 29 de junho de 1889, que
dispunha: “(...) para adjutório do Lazareto de receber doentes de
moléstias contagiosas etc., que falava em fazer-se em um dos
arrebaldes ou subúrbios desta cidade, 5:000$000”
(BILHARINHO, 1995).
O prédio teve sua construção finalizada em 1894, sendo
entregue no mesmo ano. Todavia, nesse período não mais havia
incidência substancial de casos de varíola na cidade, que
justificasse um hospital de quarentena e tratamento de doentes,
por não haver mais público para o mesmo. Assim, a Câmara
Municipal destinou o mesmo para a função de hospedagem e
quarentena de imigrantes que chegassem à região, como pode
ser observado a seguir:

“Paço da Câmara Municipal de Uberaba, 26 de


julho de 1894 – Ilmo. Exmo. Sr. Dr. David
Campista, M. D. Secretaria da Agricultura – A
Câmara Municipal de Uberaba, em sessão
ordinária de 03 do corrente mês, deliberou ceder
provisoriamente, para hospedagem de imigrantes,
o Lazareto, edifício novo, com acomodações
vastas e confortáveis, visto ter a Câmara já feito o
pedido de imigrantes por via do fiscal de
imigração aqui residente, não havendo portanto
tempo necessário para de pronto construir casa e
a referida hospedagem de imigrantes, que mais

36
tarde será feita.” Saúde e fraternidade – Antero
Ferreira da Rocha
(ARQUIVO MUNICIPAL – Livro de Registros
de Ofício e Comunicações – 05/02/1894 a
10/06/1899).

O prédio era ideal para tal finalidade, pelo fato de ser


mais afastado do perímetro urbano da cidade, promovendo um
isolamento dos imigrantes em relação ao restante da população,
evitando propagação de possíveis doenças que os imigrantes
pudessem trazer, além de servir de moradia provisória aos
mesmos até que conseguissem trabalho e moradia fixa.
A Imigração se perfaz em maior número no Triângulo
Mineiro com italianos, mas vieram levas de espanhóis,
portugueses, árabes, asiáticos e, em menor número, alemães.
Nesse período chegaram levas sucessivas de imigrantes
estrangeiros no município. Em 06de março de 1896, chegaram
223 pessoas, que se agrupavam em 47 famílias. Como de
costume, foram encaminhadas ao Hospital de Isolamento, que
funcionava no prédio do Lazareto, sendo conduzidas pelo Major
Gustavo Teotônio Alves Ribeiro, que ocupava o cargo de fiscal
de imigração do 6º Distrito, com sede em Uberaba
(BILHARINHO, 1995). Normalmente, a passagem dos
imigrantes pelo local era rápida, já sendo conduzidos a empregos

37
e outras moradias. Uma característica referente aos imigrantes
estrangeiros era o fato de poucos buscarem emprego na zona
rural do município, como pode ser observado abaixo:

“Paço da Câmara Municipal, em 02 de abril de


1897 – ao Exmo. Sr. Dr. Carlos Arantes – Em
resposta ao vosso telegrama de 19 de março de p.f.
vos informo que consultando a fazendeiros e
lavradores deste município se precisavam de
colonos e em que número, tive respostas
negativas, dizendo-se que os estrangeiros que têm
sido para aqui enviados e colocados, com poucos
dias se retiram ou para esta cidade ou para o
Estado de São Paulo, não se prestando para a
lavoura e que por conseguinte, não querem os
fazendeiros deste município colocar tais colonos
em suas fazendas.
Saúde e fraternidade – O Presidente da Câmara:
Venceslau Pereira de Oliveira.” (ARQUIVO
MUNICIPAL, 1897).

A imigração em Uberaba foi grande devido à


possibilidade de se inserirem no mercado de trabalho em
ambiente urbano, diferenciando-se de outras regiões do país nas

38
quais os mesmos buscavam emprego na zona rural, como por
exemplo, na região do município de Conquista. Uberaba tinha a
vantagem de possuir linha férrea da Estação Mogiana,
favorecendo atividades comerciais e industriais, pela facilidade
no escoamento de produtos até o porto de Santos/SP,
transformando a cidade em um centro cosmopolita frente ao
Brasil Central. “A imigração estrangeira tornou-se
notabilíssima, abriram-se diversos negócios alguns dos quais
com rendasuperior a 1.700 contos de réis. O trânsito de carros
de boi era colossal” (PONTES, 1970, p. 93).

Figura 1: Praça Rui Barbosa, ponto de encontro de tropeiros,


Uberaba/MG (1908)

Fonte: Acervo do Arquivo Público de Uberaba (APU).

39
No ano de 1900, após oito anos da inauguração do prédio
do Lazareto, que continuava sendo destinado a abrigar
imigrantes que chegavam à região, o mesmo já necessitava de
reformas, devido ao mau estado de conservação. Assim, em 07
de maio de 1902, é apresentado um projeto de lei, quepossuía
em seu 3º artigo autorização ao Agente Executivo Municipal a
mandar realizar os reparos necessários no local, sendo liberados
pelo poder público a quantia de 8 contos e quinhentos mil réis
para a reforma (BILHARINHO, 1995).
O local abrigou imigrantes até as primeiras décadas do
século XX, quando lá funcionou o Hospital de Isolamento.
Porém, com a diminuição da chegada de imigrantes na região,
não foi mais necessário um local específico para abrigo de
imigrantes. Assim, o prédio fica abandonado, passando a ser
habitado por famílias de baixa renda, que não tinham residência,
“sem teto”, que viviam em situação de miséria, buscando no
casarão um local para se abrigar das intempéries.
Por um período, o imóvel foi negligenciado, sendo
abandonado à própria sorte, não havendo reparos ou reformas
necessárias durante o período em que serviu como abrigo para
famílias sem teto da região, perdurando tal situação de abandono
até o ano de 1941.

40
3.2. A criação do Abrigo de Menores Leopoldino de
Oliveira

Durante a metade do século XX Uberaba despontava


como a principal cidade do Triângulo Mineiro. O historiador
Pedro dos Reis Coutinho (1992), na abordagem feita em seu
texto “Uberaba Matriz da Civilização do Brasil Central”, dá
ênfase à importância da cidade como sendo um importante
entreposto comercial do Brasil central.

Uberaba, através de sua história, soube


desempenhar o papel de centro comercial-
articulador dos negócios feitos entre o litoral e o
sertão; centro irradiador de povoamento detodo o
Triângulo Mineiro e Sul de Goiás; Centro
Cultural do Brasil Central; Centro Difusor do
Criatório Zebuíno, e hoje, grande centro produtor
de fertilizantes e defensivos agrícolas do país. O
pioneirismo de sua gente é reconhecido por
quantos analisam sua história, cheia de
acontecimentos que marcaram a vida social,
econômica, política e cultural da imensa região
onde está inserida (COUTINHO, 1992).

Esse processo de desenvolvimento da cidade deu-se


principalmente com a pecuária, com a criação de gado bovino e
na introdução de novas espécies trazidas da Índia. De acordo

41
com a historiadora Eliane Marquez de Rezende, a pecuária foi a
primeira atividade expressivamente praticada no município
aliada, é claro, à agricultura de subsistência.

Em decorrência de sua posição geográfica e com


o incremento das atividades pastoris, Uberaba
tornou-se, já na primeira metade do século XIX,
passagem obrigatória dos mercadores,
resultando disso o constante crescimento de seu
povoado e sua projeção como entreposto de
comércio de gado vacum (REZENDE, 1991,
p.30).

Nesse período, formou-se uma oligarquia de criadores de


gado, havendo, a partir da década de 1910, uma grande projeção
dessa classe no controle econômico e político da região, o que
soma também como um centro abastecedor de exportação de
gado a outras regiões do país.
Com a prosperidade econômica da região, advinda da
atividade pecuária, Uberaba (que se tornou conhecida como a
capital do Zebu) passa por processos de modernização, podendo
ser notadas melhoras nos aspectos urbanos, como calçamentos,
abertura de avenidas combinando com os suntuosos casarões em
estilo europeu, construídos principalmente no centro da cidade.
Possuir um solar (residência luxuosa de famílias da elite)

42
próximo à Igreja Matriz, no entorno da Praça Rui Barbosa, era
sinônimo de status e poder.
A sociedade, economicamente ativa, aos poucos se
organizou. Em 1º de maio de 1932 foi fundado o Sindicato dos
Trabalhadores da Construção Civil, o primeiro passo para a
organização dasociedade trabalhadora. Em dezembro de 1934,
surgiu a União Geral dos Trabalhadores. Em 23 de abril de 1937
foi a vez do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos
Bancários de Uberaba. Da década de 1930 até o fim da Segunda
Guerra Mundial a cidade tem um grande crescimento econômico
devido à pecuária zebuína. Um dos ápices desse período de
bonança foi em 02 de junho de 1935 com a abertura da Primeira
Exposição de Zebu organizada pela Sociedade Rural do
Triângulo Mineiro – SRTM.
Por essa época, empresários uberabenses criaram o
Banco Triângulo Mineiro, a população de Uberaba atingiu
59.894 habitantes, sendo 31.259 na cidade e 28.725 na zona
rural. A cidade contava com 118 ruas, 16 praças, 1 ladeira, 6
travessas, 2 avenidas e 2 becos. Paralelamente, porém, das 5000
casas existentes, apenas 1477 possuíam instalações sanitárias,
que são fossas liquefadoras, absorventes.
Durante esse período, compreendendo as primeiras

43
décadas do século XX, principalmenteno final da década de
1930 e início da década de 1940, Uberaba despontava como
cidade interiorana brasileira, moderna e cosmopolita, conhecida
por seus arranha-céus e sua arquitetura, muitas vezes inspirada
na “Belle Époque” Europeia (expressão francesa que significa
bela época, que descreve um período de cultura cosmopolita na
história da Europa que começou no fim do século XIX). Essas
transformações e modernizações podiam ser vistas com maior
intensidade no centro da cidade.
A ideia de uma cidade do futuro, modelo, organizada
e com boas condições de vida paraseus habitantes, contrastava
com realidades e problemas decorridos do intenso fluxo
migratório urbano. Infelizmente, nem todos que buscavam na
cidade melhores condições de vida conseguiam adaptar-se e se
inserir nessa nova realidade, tornando-se excluídos e
marginalizados.
A imprensa da cidade existia basicamente para que as
elites da região do Triângulo Mineiro tecessem elogios públicos
entre si. Assim, as elites precisavam empreender um esforço
considerável para convencer a todos e a si mesma de que
Uberaba era uma sociedade próspera, civilizada e metropolitana.
Porém, a maior parte da população era pobre e analfabeta, sendo

44
excluída e mal notada pela imprensa, aparecendo apenas em
notas de ajudas filantrópicas dadas por setores da classes altas
ou reclamações tímidas sobre os problemas que causavam na
cidade (FONSECA,2008).
Os jornais de grande circulação da época publicavam
muitas iniciativas filantrópicas buscando “enaltecer” cidadãos
caridosos, pertencentes à elite uberabense. Em matéria
publicada em 07 de março de 1940, no jornal Lavoura e
Comércio, havia uma frase: “Para o verdadeiro mendigo, um
asilo; para a criança desamparada, um abrigo”. Com isso,
observa-se que, procurando impedir que problemas sociais
depusessem contra o progresso civilizatório da cidade, era
preciso recolher das ruas (ou seja, dos locais de visibilidade das
áreas centrais) os miseráveis, entre eles as crianças, os leprosos
e os mendigos para confiná-los em instituições filantrópicas.
As crianças, no caso os menores de idade, tornaram-se
um grande problema observado, nessa época, no centro da
cidade. Oriundos de famílias de classes mais baixas, viviam no
centro da cidade, passando a causar transtornos e reclamações
por parte dos demais cidadãos que queriamuma solução para
o problema.
Os menores abandonados traziam uma forte aversão

45
social em contraste com o discurso piedoso. Por exemplo, sob o
título de “Moleques destruidores”, o Lavoura e Comércio
registrou quea cidade tinha um sério problema a resolver, o qual
é outro ponto importante da legislação referente aos menores:

Trata-se dos garotos desocupados e vadios que


infestam as nossas ruas, quer como mendigos,
quer como crianças abandonadas ao léu da sorte e
que nada tendo que fazer praticam atos de pouca
conveniência e mínima educação. Esses meninos
assaltam quintais, quebram lâmpadas, sujam
janelas, depredam portas e letreiros luminosos”
(MOLEQUES DESTRUIDORES. Lavoura e
Comércio. Uberaba. 13 dez 1940. p. 3).

No Brasil, em 1927, foi promulgado o Código de


Menores, por meio do Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro
daquele ano, deixando claro que os menores em situação
irregular (em situações de abandono, negligência, exploração,
entre outras) seriam merecedores da tutela do Estado. Esta
definição de menor em situação irregular buscou superar a
dicotomia que existia entre o conceito de menor abandonado e
menor delinquente, procurando ampliar e melhor explicar as

46
situações que dependiam da intervenção do Estado (SILVEIRA,
1984, p. 57). É nesse período que o Poder Judiciário cria e
regulamenta o Juizado de Menores e demais instituições
auxiliares de apoio ao menor. Assim, a tutela da criança órfã e
abandonada passou para a responsabilidade do Estado, devendo
os menores que se encontravam nessa situação ser
institucionalizados, recebendo orientações educacionais e
encaminhamento para o trabalho. Nas décadas posteriores, em
um período compreendido entre 1930 e 1945, aumenta o
centralismo do Estado Assistencialista, devido às políticas
populistas do Estado Novo.
Até 1935, os menores abandonados e infratores eram
apreendidos e enviados para abrigos de triagem. Em 1940, é
editado o atual Código Penal Brasileiro, instituindo a idade de
imputabilidade penal para 18 anos. Porém, ainda não se fazia
muitas distinções entre menores infratores e menores em
situação de abandono, sendo todos tidos pela Lei como menores
em situação irregular (PAES, 2013).
Devido às pressões da sociedade e imprensa uberabense,
com intensificações das reclamações sobre os problemas com
menores abandonados nas regiões centrais de Uberaba, além do
contexto nacional de políticas assistencialistas somando às

47
legislações vigentes, houve uma mobilização da Prefeitura de
Uberaba, na busca de resolução dos problemas.
Assim, em 1941, durante o mandato do prefeito Whady
Nassif, é publicado o decreto Lei 362, em 24/01/1941,
transformando o prédio do antigo Lazaretto em Abrigo de
Menores Leopoldino de Oliveira. O nome foi uma homenagem
ao Sr. Leopoldino de Oliveira, nascido em Uberaba/MG, no dia
18 de junho de 1893, filho de Joaquim José de Oliveira e de
Leopoldina Augusta de Oliveira. Bacharel em Direito,
desempenhou as funções de: redator do jornal Estado de Minas;
professor, assumindo a direção do Colégio Rio Branco de 1917
a 1918; vereador e prefeito de Uberaba e deputado federal por
Minas Gerais.
As famílias habitantes e de baixa renda foram
transferidas para outro local – Residencial Parque das Amoras.
Por meio do decreto, foi feita a doação do imóvel,
localizado no Alto da Boa Vista, chamadode Lazareto, que era
composto de um velho prédio situado em um terreno de 120.750
metros quadrados, para a Fundação Uberaba para menores
desamparados. Tal fundação possuía propósitos humanitários e
caráter filantrópico e social. Essa foi uma forma que o Poder
Público Municipal buscou para resolver, em caráter de urgência,

48
o problema dos menores abandonados. Porém, somente foi
receber os primeiros menores em 1943. O mesmo foi registrado
em cartório em 06 de maio de 1943, com o nome de Abrigo de
Menores Leopoldino de Oliveira, tendo como finalidade o
recolhimento de menores abandonados do sexo masculino,
proporcionando aos mesmos uma educação moral, cívica e
profissional.

Figura 2: Publicação do decreto, no Lavoura e Comércio,


em 24/01/1941.

Fonte: Acervo de Documentos do Arquivo Público de Uberaba.

49
Figura 3 - Cópia de texto original do decreto na íntegra

Fonte: Acervo de Documentos do Arquivo Público de Uberaba.

Assim, o Abrigo de Menores foi fundado por Alberto de


Oliveira, Ranulfo Borges do Nascimento e Francisco de Paula
Bueno de Azevedo, tendo por ato constitutivo, estatutos
publicados na íntegra no “Minas Gerais”, órgão dos poderes
deste estado, no dia 02/04/1943, e registrado no cartório de
títulos e documentos às folhas 22 e 23 do Livro Um de registro
de pessoas jurídicas, sob o número de ordem 34 de 06/05/1942.
Em 1943, já com as reformas e adequações realizadas
para o funcionamento do imóvelcomo um Abrigo de Menores,

50
começou a receber menores em situação irregular de negligência
e abandono. Em um primeiro instante, a frente dos cuidados do
estabelecimento foi realizada por um filantropo, ligado à
Maçonaria de Uberaba. Todavia, tal situação desagradou
entidades e autoridades da Igreja Católica da cidade, passando
o poder público, o controle e a administração do Abrigo à
Sociedade Uberabense de Proteção e Amparo aos menores
(SUPAM), que administrou o local por 20 anos e vivem, em
grande parte, de auxílio e caridade da sociedade uberabense.
Nota-se nesse período a situação do menor abandonado mantida
por assistencialismo e não por verbas e investimentos públicos.
Pela Lei nº 18 de 21/02/1948, a Prefeitura Municipal foi
autorizada a receber em doação as dependências do Abrigo de
Menores, tendo sido a prefeitura autorizada na referida lei a
saldar os débitos daquela instituição no valor 66.917,60
cruzeiros.
Pela guia emitida por Antônio Próspero, prefeito
municipal, datada de 22/03/1948, a prefeitura estabeleceu as
condições para o recebimento da doação, que se constitui do
imóvel, instalações anexas, oficinas, móveis e utensílios, sendo
o terreno de propriedade da prefeitura, e a mesma avaliou os
bens em 200.000 cruzeiros. Pela escritura de doação de bens,

51
lavrada em 19/04/1948, tendo como outorgante doador o Sr.
Antônio Aberto Oliveira e como outorgada donatária a
Prefeitura Municipal de Uberaba representada pelo seu prefeito
Boulanger Pucci. Assim, a prefeitura se comprometeu a manter
a instituição denominada Abrigo de Menores Leopoldino de
Oliveira.
Um ponto interessante referente ao Abrigo de Menores é
que, durante as obras de canalização do córrego que passava pela
Avenida Leopoldino de Oliveira, na primeira metade do Século
XX, parte das muretas que eram usadas para separar a rua do
córrego foi doada para o Abrigo de Menores, sendo o material
utilizado na varanda da instituição.

52
Figura 4: Foto das muretas que separavam o córrego da
Avenida

.
Fonte: Acervo de Documentos do Arquivo Público de Uberaba.

Figura 5: Foto das muretas hoje na varanda do CSEUR.

Fonte: Acervo do autor.

53
Durante cerca de 10 anos, a instituição permaneceu sem
nenhum documento que comprovasse a sua situação real.
Legalmente esteve sob a administração da Prefeitura Municipal,
apesar dos encargos da administração estar sob a
responsabilidade da Prefeitura de Uberaba. Com a Lei nº 782 de
18/09/1959, a Prefeitura de Uberaba, no mandato do prefeito Sr.
Jorge Furtado, passa a celebrar o convênio com a SUPAM, na
época tendo como presidente o Sr. Edimundo Bizinotto, sendo
testemunhas do convênio o Bispo Dom Alexandre Gonçalves
Amaral e o Sr. Francisco Lopes Veludo. O convênio datou de
28/10/1959.

3.3. O Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira


sob a administração dos Padres Somascos (1963-1976)

Com o fim do Estado Novo, de caráter populista, há uma


diminuição das políticas assistencialistas, havendo o predomínio
de políticas progressistas, buscando a modernização,
industrialização e crescimento econômico. Um exemplo disso
foi o slogan do Governo Juscelino Kubitchek de 50 anos em 5.
Nesse período há a entrada do capital internacional e um êxodo
rural alto, aumentando a densidade populacional nos perímetros

54
urbanos.
A cidade, devido ao crescimento econômico com as
atividades agropecuárias e com o crescimento industrial, cresceu
aumentando seus índices demográficos. Em recenseamento feito
na década de 1950, Uberaba contava com 70.956 habitantes,
sendo 43.915 no perímetro urbano. Uma década depois, em
setembro de 1960, a cidade já possuía 87.835 habitantes, sendo
72.053 urbanos. Esse crescimento populacional, além do
aumento de habitantes no perímetro urbano da cidade, trouxe
também um aumento dos problemas sociais, entre eles as
situações dos menores abandonados.
O município de Uberaba não conseguia mais patrocinar
tantas políticas assistencialistas, que buscavam amenizar os
problemas advindos do crescimento populacional,
principalmente em ambiente urbano. O Abrigo de Menores
Leopoldino de Oliveira, nesse período, administrado pela
SUPAM, devido a esse contexto, passava por sérios problemas
financeiros. Assim, era necessário tomar providências para
auxiliar os menores internos do abrigo.
Devido a isso, em 1963, o Arcebispo de Uberaba, Dom
Alexandre Gonçalves do Amaral, procurou os somascos,
solicitando ajuda aos mesmos para a administração do Abrigo

55
de Menores Leopoldino de Oliveira.
A Ordem Católica dos Religiosos Somascos, dedicada à
educação e amparo aos órfãos e menores abandonados, chega ao
Brasil em 1961, vindos da Itália, buscando desenvolver projetos
assistenciais. Primeiramente, seus projetos assistencialistas
desenvolveram-se na cidade do Rio de Janeiro.
Oficialmente, assumem a administração do local em 31
de Julho de 1963, constando o aceite em ata de assembleia
realizado pela SUPAM nas dependências do Abrigo. Na
assembleia, o então presidente, senhor Leopoldo Vieira,
convidou o senhor Helmuth Dornefeld para presidir a sessão, em
homenagem ao concurso que há anos presentou seus serviços e
sua ajuda ao Abrigo. Na mesma, estiveram presentes os padres
somascos Ettore Giannella e Nicolau Ruggi, representantes da
Ordemdos Somascos, e a Diretoria da SUPAM.
Durante a sessão, foi transferida a administração da casa
aos representantes somascos, juntamente com os bens móveis
que pertenciam ao Abrigo. Na época, havia 43 menores internos
na instituição. Também, a SUPAM acrescentou que os membros
de sua diretoria e seus sócios contribuintes continuariam a
prestar assistência e ajuda à instituição, agora sob administração
dos padres somascos. Foi entregue ao padre Ettore a caderneta

56
bancária, emitida pelo Banco Hipotecário e Agrícola de Minas
Gerais S/A, da cidade de Uberaba, com saldo de duzentos mil
cruzeiros, juntamente com todo o acervo de bens do local.

Figura 6: Cópia do pedido do Arcebispo de Uberaba


solicitando aos padres somascos para ficarem com a
administração do Abrigo

Fonte: Acervo do Arquivo Público de Uberaba (APU).

57
Figura 7 (a) e (b): Cópia da ata da Supam que transfere a
administração do Abrigo à Ordem dos somascos

(a) (b)
Fonte: Acervo do Arquivo Público de Uberaba (APU)

No dia 29 de julho de 1963, às 15 hr, de acordo com


registro no livro de Ata da Comunidade, os padres somascos
chegam ao Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira. Em
primeiro registro, relatam que a instituição encontrava-se em
situação precária. Abaixo, segue relato na íntegra, retirado do
Livro “Os somascos no Brasil”, onde traduz as atas originais do
italiano para o português (CAMPAGNA, 2013).

58
Os meninos vestem roupas esfarrapadas e sujas.
Usam as mesmas roupas para dormir: dormem
assim por falta de peças íntimas e lençóis. As
camas são muito feias e quebradas. Não tem nem
cozinheira e nem lavadeira. Os meninos fazem
tudo. Por isso trouxemos aqui a Sra. Alzira. Há
muita sujeira em toda parte. A terra, cerca de 30
hectares, não é cultivada. Não tem nenhuma verba
fixa. Os meninos são abrigados gratuitamente e
vive-se somente de caridade. Tem três cavalos,
um jegue, três vacas e uma bezerra. O número de
abrigados supera as vagas, 47, por isso atualmente
três camas são ocupadas por seis meninos. (ATA
DE REGISTRO DOS SOMASCOS, 30/07/1963
informando sobre o dia em que chegaram para
assumir o abrigo – traduzido do original pelos
padres somascos escrito em italiano).

Em documento oficial da SUPAM aos somascos, é


descrito o patrimônio do abrigo compreendendo um prédio de 2
pavimentos e anexos, com capacidade normal para abrigar 150
meninos, com dependências para a capela, oficinas, escola,
cozinha, copa, etc. A área do terreno é de aproximadamente 33
hectares, possuindo água nascente, luz e telefone. Encontrava-
se a 3quilômetro próximo à cidade de Uberaba.
Os somascos assumiram a direção do Abrigo com plena
liberdade administrativa, respeitando, porém, as condições que
foram estipuladas nos estatutos do abrigo, que sintetizavam

59
pela não alienação do patrimônio da instituição sob qualquer
forma, e não desviar da finalidade de abrigar meninos pobres
órfãos e desamparados.
Os sacerdotes trabalharam com dedicação junto ao
Abrigo, sempre havendo revezamento contínuo de padres para
cuidar, vigiar e administrar o local. Tinham planos de melhorias,
como a criação de um Ginásio Industrial São Gerônimo
Emiliani, a fim de capacitar os meninos para a vidae para a
inserção no mundo do trabalho com qualificação. Porém, isso
não ocorreu, mas, mesmo assim, todos tinham acesso a estudos
e cursos para profissionalização. Vários foram encaminhados
para o primeiro emprego. Os religiosos ficaram na direção do
Abrigo durante 13 anos, sobrevivendode verba própria, caridade
e ajuda da sociedade uberabense.

60
Figura 8: Fotos do Abrigo de Menores Leopoldino de
Oliveira (década de 60)

Fonte: Campagna (2013).

Em entrevista ao padre Américo, um dos padres


somascos que participaram ativamente da administração do
abrigo nesse período, o mesmo disse que nesse período a relação
entre padres e internos era muito boa, vindo todos de forma
comunal e harmoniosa. Os menores internos possuíam rotinas
diárias, educação técnica e profissionalizante, havendo no local
oficina de carpintaria e horta. Ele relatou também que por um
período as aulas ocorreram fora do local, tendo os internos que
se deslocar para a escola. Em outro, as aulas passaram a ocorrer
no local. Também, havia horário para esporte e lazer e também
para as orações. Informa que nesse período sobreviviam
uunicamente de ajuda e caridade da população, não recebendo
61
nenhum tipo de verba pública para manter o projeto. Inclusive,
disse que possuíam um veículo para buscar, junto às padarias,
doações de “pães dormidos” (pães feitos em um dia anterior)
para alimentar os internos. Disse que a situação não era muito
fácil, mas sempre conseguiram lidar da melhor forma com os
problemas, sempre prezando pelo bem-estar dos menores.
Pela Lei nº 2.308 de 24/09/1973, a Prefeitura Municipal
foi autorizada a celebrar convênio para transferência da
administração do Abrigo de Menores para a Sociedade
Caritativa e Educacional São Gerônimo da ordem dos padres
somascos, o que se realizou pelo convênio firmando o superior
dos somascos e a sociedade uberabense.
Em 11/03/1976, os mesmos entregam novamente a
administração do Abrigo para a Prefeitura de Uberaba.
Informaram na época, junto à imprensa local, que estavam
deixando a administração do local por precisarem organizar a
pastoral vocacional, havendo reestruturações da ordem no
exterior, sendo necessário reduzir suas obras em Uberaba.

62
3.4. O Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira
novamente sob a administração da Prefeitura Municipal de
Uberaba (1976-1994)

Com a saída dos padres somascos da administração do


Abrigo, o mesmo é entregue para a administração da Prefeitura
Municipal de Uberaba, continuando a adotar o nome de Abrigo
de Menores Leopoldino de Oliveira. Nessa época o prefeito de
Uberaba era o Sr. Hugo Rodrigues da Cunha.
Durante esse período em que a prefeitura administrou o
local, os mesmos seguiram com a seguinte finalidade para com
o abrigo: recolhimento e educação de menores abandonados,
fazendo de seus educandos homens de sadia formação moral,
cívica e profissional.

63
Figura 9 (a) e (b): Fotos do Abrigo de Menores durante
administração da Prefeitura de Uberaba

(a) (b)
Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

Figura 10 (a) e (b): Fotos do sino que ficava no pátio, que


tocava para chamar os adolescentes para as refeições e
afazeres

(a) (b)
Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

64
Sobre esse período, é importante salientar que, em um
contexto nacional, durante a década de 1970, e até antes com a
tomada do poder pelos militares (durante a década de 1960),
havia um caráter autoritário e excludente das políticas para a
infância. Mesmo sendo tomadas algumasiniciativas, buscando
superar a ineficácia dos modelos do Estado de atenção à
criança, não se conseguiu amenizar o problemas relacionados a
menores, como abandono, aumento da violência, analfabetismo
e exploração sexual infanto-juvenil. Porém, em 1979, há uma
mudança de legislação, sendo promulgado o Novo Código de
Menores:

No Brasil, as legislações sempre propugnaram a


proteção total da infância, proibindo castigos
físicos e direcionando a assistência para caminhos
mais abertos que fechados. As práticas,
entretanto, sempre privilegiaram o modelo asilar.
Mas, nesta fase, se reforça uma política de
contenção institucionalizada de corte militarista
que, legitimada como política de Promoção
Social, logrou sobreviver sob um novo Código de
Menores editado em 1979. Este Código já contém
a doutrina da proteção integral, mas baseada no
mesmo paradigma do menor em situação irregular
da legislação anterior (PAES, 2013).

O Novo Código de Menores trouxe a política de


internatos-prisão, com a destituição do pátrio poder devido ao
65
abandono dos pais ou responsáveis para com seus filhos,
passando os mesmos para a responsabilidade do Estado, que os
mantinham em internatos até completarem a maioridade. Nesse
período a instituição possuía mais importância do que o próprio
menor, no sentido em que a disciplina interna e a segurança
externa aos muros eram os principais critérios de eficácia dos
programas de assistência aos menores (PAES, 2013).
Durante o período, além das atividades curriculares
normais às escolas da época, eram ministradas aos adolescentes
as seguintes atividades, quando oportunamente: noções de
agricultura propriamente dita, incluída nelas criações de animais
domésticos, sobretudo sericultura e apicultura;ainda podia ser
mantida a secção de artes e ofícios para os menores que
revelassem decidida vocação para as atividades daquela
natureza. Os menores eram responsabilidade da instituição, que
era mantida pela Prefeitura Municipal de Uberaba, possuindo
rotina, horários e regras as quais eles eram obrigados a seguir.
Em relatos e fotos, foi constatado que o local possuía
galinheiro, chiqueiro, horta e uma oficina de marcenaria que
auxiliava os menores a aprenderem uma atividade e se
profissionalizarem.

66
Figura 11 (a) e (b): Fotos do galinheiro que funcionava no
local

(a) (b)
Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

Figura 12: Foto do chiqueiro

Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

67
Figura 14: Foto de Oficinas profissionalizantes de técnicas
de agricultura

Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

Figura 15 (a), (b), (c) e (d): Fotos dos internos em oficina de


marcenaria que funcionava dentro do Abrigo

(a) (b)

68
(c) (d)
Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

Sobre a valorização de atividades profissionalizantes na


grade horária dos internos, esse fato pode ser explicado porque,
nesse período, a Educação Tecnicista ganhou grande campo no
Brasil (principalmente entre as décadas de 1970 e 1980), sendo
incentivada pelos governos militares desseperíodo.
Esse modelo tecnicista se mostra presente na Lei nº
5692/71, que trouxe normas para o ensino de primeiro e segundo
graus, oriunda de um projeto feito por um grupo instituído pelo
presidente Emílio Garrastazu Médici através do decreto 66.600
de 20 de maio de 1970 (SAVIANI, 1986). Após diversos
trâmites a lei foi aprovada em 11 de agosto de 1971. A Educação
tinha a função de preparar profissionais com mão de obra
qualificada, necessários ao desenvolvimento econômico e

69
social, garantindo a continuidade do chamado “milagre
econômico”. Assim, cursos técnicos de formação
profissionalizante eram priorizados em diversos meios,
inclusive nos internatos paramenores abandonados.
Além disso, o local possuía salas de aula, biblioteca,
capela, dormitórios, sala de televisão, cozinha, refeitório e salas
para a equipe técnica multiprofissional e equipe administrativa.

Figura 16: Foto da sala de televisão

Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

70
Figura 17: Foto do refeitório

Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

Figura 18: Foto da cozinha

Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

71
Figura 19: Foto da biblioteca

Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

Figura 20: Foto dos dormitórios dos internos

Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

Ainda, durante esse período, houve a participação dos

72
internos do Abrigo em: desfiles, representando a instituição,
eventos, festas (como natal, quadrilha, entre outras), e viagens.
Para que as excursões e solicitações de viagens fossem feitas
era necessário realizar um requerimento ao Juiz de Menores da
Comarca de Uberaba, informando sobre os aspectos e objetivos
da saída externa. Somente após o aceite do judiciário era
possível realizar tais projetos. Por se tratar de assunto
envolvendo menores, todos os projetos deveriam antes ser
levados a conhecimento do Juiz de Menores.

73
Figura 21: Alvará com a autorização da Juíza de Menores
da época, autorizando o requerimento encaminhado pelo
Sr. Ítalo Adolfo Terra, Diretor do Abrigo de Menores na
data, permitindo os menores internos a viajarem para
Santos/SP, de 01/07/1990 a 15/07/1990, na companhia dos
responsáveis pelo Abrigo.

Fonte: Acervo de Documentos do Arquivo Público de Uberaba


(APU).

74
Figura 22 (a) e (b): Fotos de viagem dos internos a
Sacramento/MG

(a) (b)
Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba.

Figura 23 (a) e (b): Fotos de festas juninas no Abrigo de


Menores

(a) (b)
Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

75
O Abrigo nesse período também era conhecido por
Educandário Leopoldino de Oliveira e possuía boa relação com
a comunidade uberabense, participando de eventos sociais,
como por exemplo, as entregas de casa no Bairro Triângulo. Os
alunos do educandário foram prestigiar o evento com desfile
junto a uma banda formada pelos adolescentes internos. O
evento ocorreu durante o mandato do prefeito Hugo
Rodrigues da Cunha, contando inclusive com a presença do
mesmo.

Figura 24 (a), (b), (c) e (d): Fotos dos internos em desfile na


entrega das casas no Bairro Jardim Triângulo

(a) (b)

76
(c) (d)
Fonte: Acervo Fotográfico do Arquivo Público de Uberaba (APU).

O Abrigo de Menores Leopoldino de Oliveira continuou


existindo com essa denominação e pela administração da
Prefeitura Municipal de Uberaba até 16/03/1994. Assim, o
Abrigo de Menores existiu por 53 anos (de 24/01/1941 até
16/03/1994).

3.5. Centro de Atendimento e Reintegração Social


do Adolescente – Casa Bom Pastor

Antes do Abrigado de Menores encerrar suas atividades,


já se discutia a necessidade de existir em Uberaba um local para
envio e acompanhamento de menor em conflito com a Lei.
A necessidade de buscar locais e tratamentos

77
diferenciados aos menores infratores intensifica-se no país desde
1979, quando o Código de Menores de 1927 passou uma revisão,
incluindo a ideia de menor em situação irregular. Dentro dessa
ideia os menores infratores estavam inseridos. Assim, as
políticas em prol dos mesmos vão surgindo nesse período,
durante a Ditadura Militar, com características ainda
assistencialistas. Foi nesse contexto que surge a Fundação
Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM).
Desde o início da década de 1970, o tema passa a ser de
interesse da comunidade acadêmica,que produzia trabalhos de
pesquisa sobre o assunto “delinquência juvenil”, sendo estudos
pioneiros, trazendo o tema para o ambiente intramuros das
universidades, lendo-o para pautas inclusive de discussões de
políticas públicas e de direitos humanos.
Por todo o país o aumento da criminalidade envolvendo
a participação de menores passa a ser discutida durante as
décadas de 1970 e 1980. Em Uberaba não seria diferente. No
jornal Lavoura e Comércio, de 22/11/1987, durante o Governo
Wagner do Nascimento, a então secretária de assistência social
do município e 1ª Dama, a sra. Isabel do Nascimento dá uma
entrevista ao periódico informando sobre seus planos, que o
jornal chegou até noticiar como um “projeto grande e

78
pretencioso”, para a construção de residência a fim de abrigar os
menores infratores da cidade. Fala ainda sobre o Abrigo de
Menores Leopoldino de Oliveira na mesma entrevista. Disso
pode-se observar como a ideia de “menor em situação irregular”
era presente dentro das políticas públicas do município.
Sobre o projeto de construção de local específico para
recebimento de menores infratores, a secretária disse que as
obras na época já tinham iniciado e que a instituição seria no
Bairro Parque das Américas, ficando os menores resguardados,
assim, de irem para a cadeia pública municipal. No local, seriam
oferecidos serviços de assistência psicológica, pedagógica e de
formação profissional. Apresentou, inclusive, as plantas do
projeto à equipe de reportagem, mostrando que haveria um
espaço administrativo e de funcionamento, com salas para
ministrar aulas, celas correcionais e alojamentos masculinos e
femininos.
Todavia, o projeto não chegou a se concretizar, de forma
a haver em Uberaba um centro de acolhida ao menor infrator
propriamente dito, nos termos que exigia a legislação vigente na
época.
Entretanto, com as mudanças que ocorriam no país, com
a redemocratização, e com isso na legislação vigente, houve

79
mudanças no tratamento dos menores.
A promulgação da Constituição de 1988, chamada de
Constituição Cidadã por assegurar vários direitos que antes
foram retirados, e do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), Lei nº 8069/90, em 1990, trazem mudanças e novas
políticas de tratamento do menor.
O artigo 227, da Constituição diz (BRASIL, 1988):

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do


Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de
assistência integral à saúde da criança, do
adolescente e do jovem, admitida a participação
de entidades não governamentais, mediante
políticas específicas e obedecendo aos seguintes
preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos
destinados à saúde na assistência materno-
infantil;
II - criação de programas de prevenção e
atendimento especializado para as pessoas
portadoras de deficiência física, sensorial ou
mental, bem como de integração social do
adolescente e do jovem portador de deficiência,
mediante o treinamento para o trabalho e a

80
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e
serviços coletivos, com a eliminação de
obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de
discriminação.
§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos
logradouros e dos edifícios de uso público e de
fabricação de veículos de transporte coletivo, a
fim de garantir acesso adequado às pessoas
portadoras de deficiência.
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os
seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão
ao trabalho, observado o disposto no art. 7º,
XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e
trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente
e jovem à escola;
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da
atribuição de ato infracional, igualdade na relação
processual e defesa técnica por profissional
habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar
específica;
V - obediência aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento, quando da
aplicação de qualquer medida privativa da
liberdade;
VI - estímulo do poder público, através de
assistência jurídica, incentivos fiscais e
subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob
a forma de guarda, de criança ou adolescente
órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento
especializado à criança, ao adolescente e ao jovem
dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência
e a exploração sexual da criança e do adolescente.
§ 5º A adoção será assistida pelo poder público,

81
na forma da lei, que estabelecerá casos e
condições de sua efetivação por parte de
estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do
adolescente levar-se-á em consideração o
disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá:
I - o estatuto da juventude, destinado a regular os
direitos dos jovens;
I - o plano nacional de juventude, de duração
decenal, visando à articulação das várias esferas
do poder público para a execução de políticas
públicas (CF, 1988).

Esse artigo introduz a Doutrina da Proteção Integral da


criança e do adolescente, em contrapartida à Doutrina da
Situação Irregular. A partir daí, a legislação passaria a atender
todas as crianças e todos os adolescentes, não se limitando
apenas aos que se encontravam em situação de risco.
Partindo do pressuposto constitucional, o ECA traz em
seu artigos a Doutrina da Proteção Integral, promovendo
também a distinção de tratamento entre menores em situação de
abandono e negligência dos que estão em conflito com a lei. O
estatuto é dividido em duas partes: Geral (do artigo 1 ao 85) e
Especial (do artigo 86 ao 267). A parte Geral aborda a proteção

82
dos direitos fundamentais à criança e ao adolescente,
considerados como pessoas em desenvolvimento. A parte
Especial fala sobre os órgãos e procedimentos protetivos, dentre
eles as medidas socioeducativas, que são aplicadas somente aos
adolescentes.
As medidas socioeducativas estão previstas no artigo 112
do ECA:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional,


a autoridade competente poderá aplicar ao
adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI- internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a
VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará
em conta a sua capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto
algum, será admitida a prestação de trabalho
forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou
deficiência mental receberão tratamento
individual e especializado, em local adequado às
suas condições. As medidas de caráter sócio-
educativo (e também protetivo) aplicáveis aos
adolescentes autores de atos infracionais estão
dispostos neste artigo e seguintes (BRASIL, ECA;

83
1990).

Em relação às medidas de internação e de semiliberdade,


há a necessidade de locais especiais para o cumprimento das
mesmas. Assim, a partir da vigência do ECA, Uberaba passa a
ternecessidade de um local específico para os adolescentes em
conflito com a lei cumprirem essas medidas.
Até o ano de 1994 não houve um local específico para
que cumprissem tais medidas em Uberaba. Assim, os
adolescentes que recebessem medidas de internação ou
semiliberdade acabavam tendo que esperar, muitas vezes em
celas da Cadeia Pública da cidade, separados do convívio com
os maiores infratores, até que conseguissem vagas em outros
centros de acolhimento dos menores infratores, tendo alguns que
cumprir tais medidas em cidades afastadas de Uberaba.
Em 1994, com o encerramento das atividades do Abrigo
de Menores Leopoldino de Oliveira, o poder público municipal
decide criar no local um centro de acolhimento de adolescentes
em conflito com a lei.
Assim, em 16/03/1994, é fundado o Centro de
Atendimento e Reintegração Social doAdolescente – Casa Bom
Pastor, sendo ele órgão da Secretaria Municipal do Trabalho e

84
Ação Social da Prefeitura Municipal de Uberaba, atrelado ao
Programa do Bem Estar do Menor (PROBEM), sob a
fiscalização do Ministério Público da Infância e da
Adolescência, sendo nessa fase, dirigido pela Congregação dos
Religiosos Terciários Capuchinhos. Diferente do período da
época em que os Religiosos Somascos assumiram o local (cuja
verba advinha de obras de caridade e apoio da sociedade), os
Capuchinho já recebiam remuneração por parte da Prefeitura,
devido aos serviços prestados na Casa Bom Pastor. A Lei nº
5.299 de 19/03/1994, promulgada pela Câmara Municipal de
Uberaba, publicada no Jornal da Manhã no dia 19/03/1994,
acrescida ao capítulo III, da Lei nº 4648, de 19/04/1991, que deu
o reconhecimento da instituição.
Na época, o programa possuía o objetivo de prestar
atendimento jurídico, educativo epsicossocial aos adolescentes,
autores de atos infracionais, com vistas à reintegração social.
Nota-se aí uma alteração em relação ao público que passa a
frequentar o local.
Não são mais os menores em situação de abandono,
mas sim menores em conflito com a Lei. Ou seja, a partir
daquele momento o local passa a ter contornos de uma
instituição não mais somente com fins pedagógicos, mas

85
também com o objetivo de ressocialização, com a missão de
favorecer a reinserção social do adolescente infrator.
A clientela-alvo consistia, assim, em adolescentes do
sexo masculino, na faixa etária dos 12 aos 18 anos, em conflito
com a Lei, encaminhados pela justiça da Infância e da Juventude
para o cumprimento da medida socioeducativa de internação.
A Prefeitura Municipal de Uberaba celebrou convênio de
cooperação técnico-financeira com a Secretaria de Estado da
Justiça de Minas Gerais, que permaneceu em vigor até 1998, que
previa o atendimento a vinte adolescentes do sexo masculino
sujeitos à privação de liberdade. Assim, a Secretaria realizava
repasse de recursos financeiros à Prefeitura de Uberaba, para
custeio doatendimento à “clientela-alvo”, na base de 1,19% “per
capita” do valor do salário mínimo regional. No entanto, a partir
do mês de janeiro de 1996, não foram repassadas as parcelas
mensais previstas, ficando a Prefeitura de Uberaba como
mantenedora, contando com a colaboração de doações da
comunidade local.
Em 1997, de acordo com o Ofício/Setas nº 0511/97,
mostrou que o trabalho desenvolvido pela Casa obteve
resultados expressivos com os 130 adolescentes que por ela
foram assistidos, apresentando um índice de 80% de

86
recuperação. A proposta pedagógica operacionalizadora da
época serviu, inclusive, de referência para a criação de novas
unidades no interior do estado de Minas Gerais, estendendo-se
até como modelo para os estados do Rio Grande do Norte,
Paraná e Mato Grosso do Sul. Aliada ao atendimento da medida
socioeducativa de internação, o programa assistiu, até a data de
1997, 80 adolescentes sujeitos à medida socioeducativa de
prestação de serviços à comunidade, perfazendo um total de 100
adolescentes beneficiados.
Assim como ocorria no período do Abrigo de Menores
Leopoldino de Oliveira, projetos, informações e solicitações
relevantes envolvendo adolescentes eram comunicados ao
Judiciário, sendo realizadas as devidas ações somente com o
aval e ciência do Juiz de Menores da Comarca de Uberaba/MG.
Também, como a instituição era ainda subordinada à Prefeitura
de Uberaba, suas ações e projetos também deveriam ser
informados à mesma, inclusive, dependendo do assunto, a
informação deveria passar também para a Secretaria de Estado
da Justiça de Minas Gerais, devido ao convênio firmado.
Durante esse período, o quadro de funcionários na
instituição era composto pela Diretoria (tendo como diretores
nesse período Frei Hernan Londoño Retrepo – até 1996, Sr. Ítalo

87
Adolfo Terra – 1996, Frei Gonzalo de Jesus Tirado Torres –
1997), Educadores (que cuidavam do bem-estar dos internos,
zelando pela segurança da Casa), assistente social, psicóloga,
advogado e Educador Social, Auxiliar de Serviços Gerais e
Funcionários que cuidavam da parte administrativa da
instituição.

Figura 25: Foto do Diretor Frei Hernan Londoño Retrepo

Fonte: Lavoura e Comércio, edição de 11/04/1995.

Houve durante esse período solicitações de ajustes e


melhoras no ambiente físico do prédioe nos recursos referentes

88
aos serviços prestados pela Casa Bom Pastor. Ainda, os mesmo
contavam com o auxílio de parceiros, que apoiavam eventos e
projetos da instituição.
Outro fato que passa a se tornar uma realidade do local
foi a estipulação de normas de segurança e restrição de
liberdade, que não existiam antes e durante o funcionamento do
abrigo. Houve também, durante o funcionamento do Bom
Pastor, incidentes envolvendo menores internos, como, por
exemplo, fugas e evasões. Em entrevista dada ao Jornal
Lavoura e Comércio, em 11/04/1995, o então diretor Frei
Hernan fala do episódio envolvendo a primeira ocorrência de
fuga de dois menores da Casa Bom Pastor e sua posterior
recaptura:

O episódio envolvendo dois menores da Casa


Bom Pastor, recapturados pela Polícia, na
semana passada, foi classificado como um ato
normal pelo Frei Hernan Londoño, diretor da
entidade. Segundo ele, os menores foram
recapturados porque saíram da Casa Bom Pastor
ecometeram delitos. “A Casa Bom Pastor não é
uma prisão”, afirma. O papel da entidade é
recuperar os menores, trabalhando na sua
ressocialização e na sua liberdade.
Quando acontece um fato como este, eles são
levados de volta dependendo do tipo de delito
cometido. “Estas fugas acontecem em qualquer
lugar. Até mesmo na cadeia, onde a segurança é

89
total”, rebate Frei Hernan, ao afirmar “que a
Casa Bom Pastor não tem grades e nem muro
alto. Aqui os menores vivem em total
liberdade”.
Ele explicação, porém, que esta liberdade não
significa “ficar à toa”, pois na entidade são
desenvolvidas atividades agrícolas, hortas,
jardins, artesanatos e práticas esportivas. “Aqui
todos vivem em harmonia. Não existe regime de
prisão”, acrescentou Frei Hernan.
Os menores que “fugiram” da Casa Bom Pastor,
são aqueles cuja família não colabora, ou seja,
não há interesse na recuperação dos garotos. Nos
casos onde existe esta parcela de colaboração, os
garotos permanecem na instituição sem o menor
problema. Quando a família oculta os delitos e
não interessa pelos menores, ocorre sempre
algum problema.
Frei Hernan ressalta que este episódio foi um
caso “su gêneris”, pois desde sua fundação, em
março do ano passado, nenhuma fuga tinha sido
registrada. “O estatuto da criança e do
adolescente também prevê penalidades para os
menores infratores. Quem o interpreta de outra
maneira está fazendo erroneamente”. Por isso os
menores “fugitivos” serão penalizados.
A Casa Bom Pastor tem capacidade para abrigar
20 menores e hoje está comportando 24, com
idade variando entre 14 e 18 anos e é mantida
pela Prefeitura e pela Secretaria de Justiça do
Estado (FREI HERNAN, 1995, S/p).

Através das falas do diretor, pode-se observar a mudança


no olhar em relação ao menor, trazida com o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA). Há uma busca de não reproduzir o
modelo penitenciário em ambiente socioeducativo,
90
principalmente quando o mesmo diz que o local não seria uma
“prisão”. Há no Bom Pastor a primeira iniciativa em Uberaba de
implantação das ideias de socioeducação, trazidas pelo ECA.
Apesar do ECA não citar o termo em seu corpo de artigos, a
“socioeducação” fica implícita como “atendimento
socioeducativo” e “medidas socioeducativas”.
A Casa Bom Pastor manteve-se em funcionamento até
1997, quando é promulgada a Lei Complementar nº 167/1997
(Uberaba-MG), funcionando por três anos (de 16/03/1994 até o
ano de 1997). Esse foi o último período no qual Ordens
Religiosas participaram da direção e administração da
instituição.

3.6. Centro de Atendimento e Reeducação Social e do


Menor Infrator – CARESAMI

Pela Lei Complementar nº 167/1997 (Uberaba-MG), a


instituição passa a ter a nomenclatura de Centro de Atendimento
e Reintegração Social e do Menor Infrator, mais conhecido por
sua sigla CARESAMI. Essa legislação modificou a Lei nº
080/1997. Continua a receber adolescentes do sexo masculino,
autores de atos infracionais para cumprimento de medida

91
socioeducativa de internação.
Assim como o Bom Pastor, o CARESAMI atendia
menores do sexo masculino, entre 12 e 21 anos, em conflito
com a lei, que estavam cumprindo medidas socioeducativas de
semiliberdade, internação provisória, internação-sanção e
internação propriamente dita.
Também, seguiu com a característica de promover a
socioeducação e ressocialização. De acordo com Raniere
(2014), as medidas socioeducativas já apareciam no Código de
Menores de 1927, código esse feito por Mello Matos. Porém, a
incorporação do conceito de socioeducação vem com o ECA.
O CARESAMI, apesar de surgir em 1997, passa a ter
esse nome legalmente somente em 13/10/1999, com a
promulgação da Lei Complementar nº 167. A mesma acrescenta
o inciso V, ao artigo 36 da Lei Complementar nº 085, de
02/07/1997, modificando também dispositivos da Lei
Complementar nº 080, de 28/04/1997, contendo ainda outras
disposições.
Em seu artigo 1º, é informado sobre a criação do
CARESAMI:

Art. 1º Fica acrescentado o inciso V, do artigo

92
36, da Lei Complementar nº 085, de 02 de julho
de 1997, que dispõe sobre a Estrutura
Administrativa da Secretaria do Trabalho,
Assistência Social, da Criança e do Adolescente
- SETAS, que passa a vigorar com a seguinte
redação: "Art. 36: (...): V - Centro de
Atendimento e Reeducação Social do
Adolescente e do Menor Infrator" (CARESAMI,
art. 1°, 1997).

Também, em seu artigo 2º, informa sobre o § 3º e incisos


I, III, VI, VII, VIII, alíneas "a", "b", "c", "d" e "e", inciso IX, do
artigo 15 da Lei Municipal nº 5.299, de 25.02.94, modificada no
artigo 1º da Lei Complementar nº 080, de 28 de Abril de 1.997.
Nele, são abordados os objetivos do CARESAMI.
A instituição seria destinada aos atendimentos jurídicos,
educativos e psicossociais aosadolescentes do sexo masculino
autores de ato infracional, para cumprirem medidas
socioeducativas de internação, encaminhados pela Justiça da
Infância e da Juventude, que passaram pelo devido processo
legal. O local tinha o objetivo de reintegração social desses
adolescentes. A legislação previa a possibilidade do
CARESAMI estabelecer-se mediante convênios e parcerias
técnico- pedagógicas para operacionalização dos princípios da
Pedagogia Social e Humanismo.
Estabeleceu que os recursos carreados para a instituição,

93
a qualquer título, e a renda que fosse gerada com próprios
esforços da instituição, e com trabalho metodizado do sistema,
não poderiam ser desviados dos objetivos, ações programáticas
e metas, a qualquer pretexto, sob pena de responsabilidade.
Essa legislação também estabelecia os cargos que
deveriam estar presentes no CARESAMI, devendo ter um
Diretor Geral (cargo esse que seria comissionado, de livre
nomeação e exoneração, exigindo comprovada especialização e
notório saber na área de atendimento, programas de reeducação
social do adolescente e a de gerenciamento administrativo-
estrutural de instituições educativas e pedagógicas vinculadas ao
atendimento do menor infrator), Coordenador Pedagógico
(cargo de livre nomeação e exoneração pelo Executivo
Municipal), Coordenador Administrativo (cargo de livre
nomeação e exoneração pelo Executivo Municipal) e 13
assessores especializados, com formação na área educacional-
pedagógica (indicados pelo Diretor-Geral, e de livre nomeação
eexoneração pelo Executivo Municipal).
Além desses cargos, o Município designava ainda o
pessoal de apoio (entre servidores do respectivo quadro),
podendo também designar e/ou contratar profissionais, de
acordo com as necessidades e especificidades da instituição.

94
Dentro dessa equipe de apoio estavam: 1 professor de Educação
Física, 1 professor de Suplência, 1 instrutor de Iniciação
Profissional, 3 cozinheiras, 1 psicólogo, 1 assistente social, 2
auxiliares de serviços gerais, 1 instrutor de artes, 1 assistente
administrativo, 1 advogado e 3 vigias. Ainda, o Diretor Geral
poderia indicar, dentre 7 assessores especializados, 1 assessor
para o trabalho noturno.
Durante esse período, o policiamento na parte interna e
externa da instituição foi realizado pela Polícia Militar, através
do 4º Batalhão de Polícia Militar do Estado de Minas Gerais,
segundoas suas competências. E o planejamento a ser realizado
entre o Diretor Geral do Programa e autoridades responsáveis
pela segurança pública, em situações típicas e atípicas, mediante
celebração de Convênio, na forma de Lei.
Em entrevista com o Sr. Luiz Roberto, que foi educador
social no CARESAMI e que atualmente é Agente de Segurança
Socioeducativo no CSEUR, o mesmo descreve um pouco da
rotina da instituição, relatando que o primeiro diretor geral do
CARESAMI foi o Sr. Roberto Lazarenho. Além dos
alojamentos para os menores, o local possuía 1 galinheiro, 1
chiqueiro, 1 vestiário, 1 cozinha, 1 refeitório, salas de
atendimento e área administrativa.

95
Os responsáveis pela segurança do local e dos internos
eram os educadores sociais. Os mesmos trabalhavam em turnos
de 6 horas ao dia, havendo turnos das 06 hr às 12 hr, das 12 hr
às 18 hr, das 18 hr às 00 hr e das 00 hr às 06 hr. Cada turno
possuía cerca de 4 educadores, além de haver os plantões. Cada
3 educadores sociais trabalhavam um fim de semana por mês,
das 08 hr às 22 hr. Os adolescentes internos que cumpriam
medida podiam sair para estudar, pois não havia escola na
Unidade. Geralmente, estudavam no período diurno.
Normalmente, os mesmos eram matriculados na Escola
Municipal Boa Vista. Os educadores sociais levavam e
buscavam os internos na escola.
Além da escolarização, os internos podiam sair para
realizarem cursos de especialização e profissionalização,
geralmente no Centro Federal de Educação Tecnológica
(CEFET) de Uberaba e na Casa do Adolescente Guadalupe (esta
última fundada e administrada ainda hoje pelos padres
somascos, a mesma ordem religiosa que administrou o Abrigo
de Menores Leopoldino de Oliveira, de 1963 a 1976).
O Sr. Luiz Roberto relata que não havia muitas
intercorrências de Segurança em relação à conduta dos menores
na instituição, apesar dos mesmos estudarem e realizarem cursos

96
em locais extramuros.
Nesse período, sempre ao final de cada turno, ocorria
uma avaliação pedagógica de cada adolescente. Nessa avaliação,
realizada pelos educadores sociais do turno, havia eixos de
análise como compromisso, participação, higiene e respeito. Os
resultados poderiam ser: ótimo, bom, regular e insuficiente. Essa
avaliação influenciava se os adolescentes poderiam ou não
passar o final de semana em casa. Sempre, após 3 meses de
internação, o adolescente poderia ter o direito de passar um fim
de semana em casa, dependendo de suas avaliações. Caso
ganhassem 3 “insuficientes”, era negado o direito de passar o
fim de semana com a família, ficando o mesmo na instituição.
Também, 3 avaliações “regulares” equivalia a 1 “insuficiente”.
Outro ponto interessante, relatado pelo Sr. Luiz, é o fato
de que nesse período a limpeza da casa passa a ser feita pelos
próprios adolescentes internos. Assim, cada educador social
escolhia um grupo de adolescentes para realizar as atividades de
limpeza do imóvel, atividades essas que iam atéas 16 hr. Após
esse horário, os internos eram liberados para o lazer, que
geralmente era a prática esportiva de futebol. E, à noite, iam para
a escola estudar.
No ano de 2004, há a mudança de Diretor Geral,

97
passando a assumir o cargo a Sra. Andreína, ficando a mesma a
frente da instituição até 2005. Após isso, ainda no ano de 2005,
o Sr. Francisco Carlos Centeno, psicólogo, assume como diretor
geral do CARESAMI.
Um ponto importante que ocorreu durante a direção do
Sr. Francisco foi que nesse período há a contratação de mulheres
para assumir o cargo de educador social. Esse fato foi relatado
pela Sr.Vera Lúcia, que estava na primeira leva de mulheres que
foram contratadas como educadoras sociais. A mesma conta que
o diretor foi até Belo Horizonte, solicitando a vinda contratação
de mulheres também para desempenhar a função. O pedido foi
aceito, sendo contratadas as duas primeiras educadoras sociais,
em caráter experimental, que eram a Sra. Vera Lúcia e a Sra.
Adriana. A iniciativa foi bem sucedida e outras educadoras
passaram, ao longo do tempo, a integrar o quadro de
funcionários do CARESAMI.
Entre os anos de 2006 e 2007, ocorreram incidentes na
instituição que levaram a mesma às noticias dos principais
jornais. Em julho de 2006 cinco homens fortemente armados
invadiram o CARESAMI e executaram um menor que estava
detido na instituição. Os homens adentraram no local usando
cordas feitas de roupas, usadas para pular o muro, e renderam

98
os guardas municipaisque faziam a segurança do local. Nessa
época os guardas não utilizavam armas. Após entrarem, fizeram
dois educadores sociais de reféns. Após isso, quase mataram
outro menor interno, ao confundirem, em um primeiro instante,
o mesmo com o adolescente que queriam executar. No total, a
ação dos invasores durou pouco mais de cinco minutos. Um dos
assassinos desferiu três tiros nos braços do menor e outro atirou
mais cinco vezes na região do peito e da cabeça da vítima. Após
o ato criminoso, os infratores empreenderam fuga
(EXECUÇÃO dentro de centro do menor, 2006).
Após esse incidente a Secretaria de Estado de Defesa
Social chegou a publicar nota informando que as negociações
para a transferência da administração da Prefeitura de Uberaba
para o Estado de Minas seriam iniciadas. Todavia, ainda
demorou alguns anos para que esse plano pudesse se concretizar
(EXECUÇÃO dentro de centro do menor, 2006).
Outro incidente ocorrido em julho de 2007, um ano
depois, traz novamente à tona o CARESAMI às notícias de
jornais. Adolescentes internos atearam fogo nos colchões. A
maioria jogou o colchão para fora dos alojamentos, para os
corredores e somente após isso atearam fogo. Porém, os dois
adolescentes que se encontravam no alojamento 06 atearam fogo

99
no colchão ainda dentro do alojamento. Esses menores sofreram
queimaduras além de intoxicação pela fumaça, não resistindo.
Um deles morreu no dia e o outro morreu uma semana após
o ocorrido. Devido ao fato, a justiça condenou o prefeito da
cidade na época, o Sr. Anderson Adauto, e o município de
Uberaba pela morte dos dois adolescentes (VILELA, 2014).
Após essa ocorrência, foi proibido o uso de cigarro pelos jovens.
Ainda em 2007, há a mudança de diretor geral, sendo que
a Sra. Isabel Cristina de Brito Leite passa a exercer o cargo.
Entre 2007 e 2008 há a mudança estrutural, extinguindo no local
o cargo de educador social, passando para agentes de segurança
socioeducativos. Para o treinamento das equipes de agentes
socioeducativos do CARESAMI é oferecido um curso,
ministrado por agentes de segurança penitenciários, dando
treinamento sobre procedimentos de segurança e
comportamento em determinadas situações sobre o setor. Nesse
período foi formada uma equipe de escolta responsável por
realizar o trânsito extramuros dos adolescentes internos.
O CARESAMI, nessa época, possuía medidas de
internação, internação provisória, internação-sanção e
semiliberdade. Essa última foi oferecida até 2013. As demais são
oferecidas até os dias atuais.

100
Em 2008, há a saída da Sra. Isabel do cargo de diretora
geral, passando a Sra. Rubiane Santos Max a assumir o cargo.
Nessa época, o Sr. Wilson Pereira Júnior era o Diretor de
Segurança. Durante esse período há uma mudança na rotina dos
adolescentes, buscando preencher o tempo dos mesmos com
atividades escolares, de lazer, de laborterapia, tarefas diárias e
projetos, procurando evitar que ficassem apenas retidos em seus
alojamentos. Os mesmos, após acordarem, desciam para as
atividades, somente retornando aos alojamentos no fim da tarde,
sempre com o acompanhamento da Segurança. Devido a essa
mudança na metodologia do local há uma diminuição
considerável dos incidentes e problemas envolvendo menores
em descumprimento de regras da instituição. Durante esse
período há também uma reforma que aumenta os muros do
CARESAMI, para aumentar a segurança do local.
As mudanças que ocorreram em âmbito interno da
instituição refletem as transformaçõesque ocorriam em âmbito
nacional no país. No ano de 2006, tendo o ECA seus 16 anos
desde sua publicação, a Secretaria dos Direitos Humanos
(SEDH) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança
(CONANDA), em parceria com a Associação Brasileira de
Magistrados e Promotores da Infância e Juventude (ABMP),

101
realizam um diálogo nacional, durante três dias para a
construção do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), para seguir como norteador das
implementação das Medidas Socioeducativas (BRASIL, 2006,
p. 15). O mesmo foi aprovado em 13/07/2006 pela assembleia
do CONANDA, sendo apresentado como projeto de lei nº
1.627/2007 em 13/07/2007 à Câmara dos Deputados. Assim, é
criada uma comissão especial para analisar tal projeto, sendo
nomeada a deputada Rita Camata (PMDB/ES) como relatora.
Porém, o SINASE, somente em 18/01/2012 foi aprovado pela
Lei nº 12.594.
O SINASE veio regulamentar a execução das medidas
socioeducativas, em aspectos que nãoestavam totalmente claros
no texto do ECA, verificadas nos atendimentos das demandas
do sistema socioeducativo. Essa lei promove uma padronização
em todo o território nacional referente à execução das medidas
socioeducativas (LIBERATI, 2012, p. 11). Há a percepção de
que a medida possui um caráter pedagógico, e não somente
punitivo. Assim, as instituições que atendiam adolescentes em
conflito com a lei passam por mudanças para se adequarem ao
novo contexto nacional.
Em relação ao CARESAMI, no ano de 2012 foi tomada

102
a decisão de que o mesmo passaria para a administração do
Estado, desvinculando-se da Prefeitura de Uberaba. Assim, em
17/04/2012, foi feita a comunicação oficial informando sobre
isso e que o lugar passaria a ser denominado Centro
Socioeducativo de Uberaba, como mostra reportagem publicada
pelo portal de notícias G1 (2012):
O governo de Minas Gerais vai assumir o Centro
de Atendimento e Reeducação Social do
Adolescente e Menor Infrator (Caresami) em
Uberaba. A comunicação oficial foi feita na
manhã desta terça-feira (17). A transferência
total da gestão está marcada para o fim de junho
quando termina o convênio entre o Estado e a
Prefeitura de Uberaba.
“Nós preparamos uma agenda escalonada. A
partir de agora já nos responsabilizamos por
contratos de alimentação. A partir de maio por
materiais de higiene e manutenção em geral. E
fica ainda por conta do município até o fim de
junho a gestão e pagamento de pessoal”,
explicou a subsecretária de Atendimento às
Medidas Sócioeducativas do Estado, Camila
Silva Nicácio.
Atualmente, a Prefeitura administra o recurso
anual de R$ 2,5 milhões, repassado pelo governo
de Minas. Ao fim do convênio, a Secretaria de
Desenvolvimento Social terá um mês para
prestar contas. Segundo a secretária de
Desenvolvimento Social, Eidi Faria, o
município passa a gestão, mas continua com
ações em parceria. "A responsabilidade da
prefeitura agora é em relação às medidas
sócioeducativas ao meio aberto, ao que é
desenvolvido na liberdade assistida. Além da

103
socialização e da cidadania é preciso trabalhar
com as famílias também", afirmou.
O Caresami passa a se chamar Centro
Sócioeducativo de Uberaba. A metodologia de
trabalho continua a mesma, segundo a
subscretária. Trinta e cinco agentes de segurança
vão reforçar o quadro. A diretoria também
permanece, mas o restante da equipe precisou
passar por processo seletivo.
As discussões para a transferência ganharam
força em julho do ano passado quando surgiram
denúncias de maus tratos dentro do Caresami.
Na época, um relatório de 480 páginas foi
entregue à Promotoria de Infância e Juventude.
Trinta e duas pessoas foram ouvidas e quatro
confirmaram violência. A subsecretária afirmou
que a mudança não está relacionada às
denúncias. Segundo o conselheiro de Segurança
Municipal, WellingtonCardoso, as investigações
foram concluídas e não houve confirmação de
maus tratos (G1, 2012).

Figura 26: Foto do Governo de Minas Gerais assumindo a


direção do CARESAMI

Fonte: Reprodução/TV Integração

104
O CARESAMI funcionou em Uberaba de 1997 até 2012,
quando a prefeitura entrega a administração da Casa para o
Estado de Minas Gerais. Quando o Estado assume a gestão do
local há a contratação de funcionários para integrar as equipes
de segurança, técnica e administrativa. Os novos funcionários
passaram por processos seletivos, além de um curso de formação
para se adequarem à nova metodologia de trabalho que era
padrão do Estado para o Sistema Socioeducativo. Assim, no
início do segundo semestre de 2012 há a mudança de nome,
passando de instituição para Centro Socioeducativo Uberaba
(CSEUR).

3.7. Centro Socioeducativo Uberaba – CSEUR

Com a entrega da instituição para a administração do


estado de Minas Gerais, a mesma passa a ser chamada de Centro
Socioeducativo Uberaba, tendo como pilares norteadores de seu
funcionamento o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE),
Regimento Único dos Centros Socioeducativos de Minas Gerais,
o Procedimento Operacional Padrão – POP (até 2022) e as
Normas e Procedimentos de Segurança do Sistema

105
Socioeducativo de Minas Gerais – NORPSS (a partir da
Resolução SEJUSP nº 498, de 01/07/2022), entre outros.
O CSEUR, desde a sua criação até 2021, teve como como
diretor geral o Sr. Wilson Pereira Júnior e a Sra. Rubiane Santos
Max como diretora de atendimento. Houve, nesse período,
adequações à metodologia de trabalho utilizada no Estado (indo
de acordo com o ECA e o SINASE), sob a supervisão da
Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas –
SUASE (gestora do sistema socioeducativo em Minas Gerais e
responsável no âmbito estadual pelo atendimento aos
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de
privação e restrição de liberdade), ocorrendo adequações no
atendimento socioeducativo, como prevê o plano decenal do
SINASE:

O atendimento socioeducativo coordenado pela


SUASE objetiva a responsabilização e implicação
do adolescente em relação ao ato praticado e às
suas escolhas. Para que o adolescente possa
repensar seu posicionamento diante de si mesmo
e de seu entorno familiar/sócio-comunitário, o
trabalho socioeducativo – realizado por equipe de
atendimento multidisciplinar – visa proporcionar
um atendimento integral, tanto coletivo quanto
individualizado, mesclando vivências familiares,
culturais, de lazer, esportivas, profissionalizantes,

106
escolares e artísticas (MINAS GERAIS, 2014,
p.14).

Grande parte das transformações ocorridas, e que


atualmente norteiam as atividades da SUASE, tem início na
década de 1990, com o ECA. De acordo com Arruda e Pinto
(2013), na ótica de análise normativa, busca-se sair da ideia
errônea da criminalização da pobreza, sendo as medidas aplicadas
ao delito praticado e não a caracteres do sujeito, devendo os
adolescentes ser tratados como sujeitos de direito, com enfoque à
Doutrina da Proteção Integral.
Diferente de ouros centros do Estado de Minas Gerais, que
tem instalações construídas no padrão solicitado para o
funcionamento de Unidade Socioeducativa, o CSEUR tem sua
sede no imóvel centenário, onde anteriormente funcionou o
Lazareto, o Abrigo/Educandário de Menores Leopoldino de
Oliveira, o Centro de Atendimento e Reintegração Social do
Adolescente (Casa Bom Pastor) e o Centro de Atendimento e
Reeducação Social e do Menor Infrator (CARESAMI). É uma
Unidade adaptada. Até antes da interdição do CSEUR, em 2018,
na parte inferior do casarão funcionavam salas de atendimento
(psicologia, assistência social, jurídico e terapia ocupacional),
laboratório de informática, salas para a equipe de segurança,
107
laboratório de informática (idealizado e construído por iniciativa
dos funcionários e diretoria da Unidade, além de doações de
parceiros, sendo uma das poucas no Estado que possui esse
recurso), sala da equipe administrativa, sala da diretoria de
atendimento, sala da diretoria de segurança e sala da diretoria
geral.
No piso superior, até 2018, antes da interdição feita no
imóvel pela Vigilância Sanitária do Município de Uberaba,
funcionavam 5 alojamentos de acolhimento de adolescentes em
medida socioeducativa de internação e um vestiário, destinados
para uso dos adolescentes que receberam medida de internação,
mas que não estavam sancionados, ou seja, que não haviam
descumprido nenhuma norma interna do centro. Os alojamentos,
nesse período não possuíam banheiros, tendo os jovens que serem
retirados dos alojamentos quando necessitassem fazer uso do
toalete. Além desses espaços, a casa contava com os anexos: um
refeitório e uma cozinha, salas de atendimento de enfermagem e
pedagogia, 6 salas de aula e de professores (pois dentro da
Unidade funciona um anexo da Escola Estadual Santa Terezinha,
não havendo a necessidade dos adolescentes saírem para ir à
escola), um centro de treinamento, almoxarifado, oficina de
trabalhos manuais, horta, uma quadra, um campo de futebol

108
gramado, portaria (composta por uma sala, banheiro e sala de
revistas) e um núcleo composto por 11 alojamentos, um banheiro
e duas salas da segurança.
Sobre o núcleo, até antes da interdição em 2018, quando
o CSEUR ficou sem receber novos menores internos até junho de
2019, os alojamentos eram destinados apenas para adolescentes
com medida de internação provisória e os que já tinham medida
de internação, mas que possuíam sanções por terem desrespeitado
as regras da instituição. Essas regras são previstas no Regimento
Único dos Centros Socioeducativos do Estado de Minas Gerais.
No ano de 2018 foi decretada uma interdição no CSEUR,
por parte da Vigilância Sanitária Municipal, solicitando que
fossem realizadas reformas para que a instituição se adequasse às
normas de funcionamento dos Centros Socioeducativos de Minas
Gerais. Ocorre que o imóvel necessitava de reformas, que o
Estado de Minas deveria realizar. Assim, a instituição ficou até
junho de 2019 sem receber novos adolescentes para cumprimento
de medida socioeducativa de internação, permanecendo apenas
com os que já se encontravam internados antes da interdição. Em
abril de 2018, a unidade contava com o número de 90
adolescentes internos. Já em junho de 2019, antes de voltar
novamente a receber novos adolescentes, esse número caiu para

109
10 adolescentes. Em junho de 2019, apesar de não ter ocorrido a
reforma por parte do Estado, a Unidade, por meio de parcerias e
recursos próprios, buscou adequar a estrutura para receber um
número estipulado de adolescentes, até que a reforma de todo o
local fosse realizada.
Após todos os esforços do CSEUR, a interdição foi
parcialmente revogada, passando a Unidade a receber um número
máximo de adolescentes estipulado pelo poder judiciário. Assim,
os adolescentes passaram, a partir desse instante, a ficar alojados
apenas em núcleo anexo, não permanecendo mais nos quartos do
casarão centenário, deixando os antigos dormitórios funcionando
como salas de atendimento dos profissionais da equipe técnica. O
casarão é usado apenas, em seu andar inferior, para atendimento
da equipe multiprofissional, administrativo e diretoria. O andar
superior, onde funcionavam os alojamentos dos internos,
permanece desativado, aguardando envio de verba do Estado para
iniciar a reforma.
A partir da segunda metade de 2021, o CSEUR passa a ser
administrado em sistema de cogestão, sendo este administrado
pelo Estado de Minas Gerais, por intermédio da Secretaria de
Estado de Justiça e Segurança Pública – SEJUSP, em parceria
com Instituto Elo. O modelo de cogestão ocorreu em Unidades

110
Socioeducativas com atendimento à medida socioeducativa de
internação nos municípios de Araxá, Belo Horizonte, Ipatinga,
Sete Lagoas, Tupaciguara, Uberaba e Unaí. Foram contemplados
no sistema de cogestão os seguintes Centros Socioeducativos
(CSE): CSE Uberaba, CSE Unaí, CSE Tupaciguara, CSE
Ipatinga, CEIP Sete Lagoas, CEIP Araxá, CSE Andradas, CSE
Horto, CSE São Jerônimo, CSE Lindeia, CSE Santa Helena e
CSE Santa Clara.
Em relação ao CSEUR, em 2022, a Diretoria Geral e a
Diretoria Técnica passam a ser ocupadas por funcionários do
Instituto Elo, permanecendo a Diretoria de Segurança ocupada
por servidor do Estado. As equipes Administrativa, de Segurança
e Técnica atualmente são compostas tanto por servidores do
Estado como por funcionários do Instituto Elo.
Ainda hoje, o CSEUR continua sendo uma Unidade de
referência ao atendimento socioeducativo no estado de Minas
Gerais, apesar das instalações do local serem adaptadas aos
menores internos até junho de 2019, os alojamentos eram
destinados apenas para adolescentes com medida de internação
provisória e os que já tinham medida de internação, mas que
possuíam sanções por terem desrespeitado regras da instituição.

111
Essas regras são previstas no Regimento Único dos Centros
Socioeducativos do Estado de Minas Gerais.
Atualmente, o CSEUR continua sendo uma Unidade de
referência ao atendimento socioeducativo no estado de Minas
Gerais, apenas das instalações precárias, pois o imóvel ainda
necessita de reformas. Imóvel esse que possui mais de 100 anos
de história, tendo abrigado pessoas de várias origens, idades e
classes sociais.

112
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retornando à ideia inicial de levar aos adolescentes


conhecimentos sobre História Regional, Patrimônio Histórico e
Fontes Históricas, observa-se que o projeto obteve êxito ao
promover a mediação entre o conhecimento histórico e os
adolescentes em conflito com a Lei, em cumprimento de medida
socioeducativa no CSEUR.
Ao final do projeto, os adolescentes conseguiram se
identificar com a história do imóvel, enxergando-se como sujeitos
históricos ativos e participativos. Os adolescentes puderam ainda
aprender a manusear fontes históricas, realizar entrevistas ao
trabalhar com fontes orais, além de realizarem atividades de
escrita histórica e levantamento de dados.
Na Pedagogia Histórico-Crítica, há uma preocupação para
com os alunos, a fim de que compreendam e participem da
sociedade de forma crítica, superando a visão de senso comum.
A ideia do projeto central foi essa, objetivando a ressocialização
do jovem em conflito com a lei, socializando o saber
sistematizado historicamente e construído pelo homem,
propiciando as condições necessárias para a transmissão e a
assimilação desse saber.

113
Em suma, com base nas pesquisas e escritas
desenvolvidas pelos adolescentes, pôde-se verificar que o projeto
atingiu seu êxito, sendo o presente livro o fruto do trabalho
desenvolvido no CSEUR, junto aos adolescentes que cumprem
medida socioeducativa de internação.

114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRUDA, Daniel Péricles; PINTO, Patrícia da Silva. O


trabalho do assistente social na medida socioeducativa de
internação: práticas e desafios. In: III Simpósio Mineiro de
Assistentes Sociais, CRESS, 6. Região, 2013, Belo Horizonte.
Anais. Belo Horizonte: MG, p. 1-16, 2013.

AURÉLIO, Dicionário. Significado de Lazareto.


Dicionário do Aurélio Online, 2019.

BARROS, José D'Assunção. A Escola dos Annales e a crítica


ao Historicismo e ao Positivismo. Revista Territórios &
Fronteiras, vol. 3, jan/jun, Cuiabá, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário


Oficial: República Federativa do Brasil: seção 1, Brasília, DF,
ano 126, n. 191-A, p. 1-32. 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o


Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras
providências. Diário Oficial: República Federativa do Brasil:

115
seção 1, Brasília, DF, ano 128, n. 135, p. 13564-13577. 1990.

BRASIL. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o


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