EXISTENCIALISMO como doença, dor, injustiças, luta pela sobrevivência,
fracassos, velhice e morte. Assim, não podemos
A aventura e o drama de existir ignorar o sofrimento humano, a angústia interior, a exploração social. É preciso considerar esses aspectos O termo existencialismo designa o conjunto adversos da vida e encará-los. de tendências filosóficas que, embora divergentes em vários aspectos, têm na existência humana o ponto Influência da fenomenologia de partida e o objeto fundamental de suas reflexões. Por isso, podemos designá-las também como filosofias da existência, no plural. Uma doutrina que teve impacto importante As filosofias da existência propriamente ditas na conformação das filosofias existencialistas foi a surgiram no século XX, mas sofreram grande in- fenomenologia. Formulada pelo filósofo alemão fluência do pensamento de alguns filósofos do Edmund Husserl (1859-1938) no início do século XX, período anterior – como Arthur Schopenhauer, Sören ela surgiu primeiramente na atmosfera rarefeita da Kierkegaard e Friedrich Nietzsche (abordados no matemática. Depois se expandiu para a psicologia e a capítulo anterior) –, que por isso são considerados filosofia e acabou desembocando nas preocupações pré-existencialistas. humanistas dos filósofos existencialistas, entre outras Entre os principais filósofos comumente correntes do pensamento contemporâneo que a qualificados de existencialistas destacam-se Martin utilizaram. Heidegger e Jean-Paul Sartre (que veremos adiante), Husserl renovou a reflexão sobre o além de Simone de Beauvoir (1908-1986) e Karl conhecimento, especialmente sobre a relação entre o Jasper (1883-1969), entre outros. sujeito e o objeto. Para esse filósofo, era preciso purificar essa relação para recuperar, em um extremo, a realidade das coisas (que haviam ficado Problema de existir demasiadamente condicionadas ao sujeito) e, no outro extremo, “descoisificar” a consciência. Mas o que é existir? Se refletirmos sobre o tema, Isso significa que a consciência não é, para junto com os pensadores existencialistas, veremos Husserl, uma realidade essencial ou substancial, mas que existir implica a relação do ser humano consigo apenas um movimento – um movimento que se mesmo, com outros seres humanos, com os objetos realiza na direção das coisas, dos objetos, pois toda culturais e com a natureza. São relações múltiplas, consciência é sempre uma consciência de algo. concretas e dinâmicas. Algumas dessas relações são O filósofo trouxe também outra novidade, determinadas (como aquelas que resultam de leis da pois observou que, nesse movimento, a consciência física) e indeterminadas (como aquelas que resultam manifesta sempre uma intencionalidade, ou seja, um de nossa liberdade ou do acaso, sendo passíveis ou modo específico de visar as coisas. Em outras não de acontecer). palavras, as coisas são sempre abordadas em função Sobre esses temas, os filósofos existencialistas de alguma intenção do sujeito. elaboraram diversas interpretações, cujo Nascia assim a fenomenologia – por definição, denominador comum é certa visão dramática da a ciência dos fenômenos –, a qual se constituiria em condição humana. O filósofo e escritor francês Albert um dos principais métodos de investigação Camus (1913-1960) ilustrava bem essa interpretação contemporâneos. E o que são os fenômenos? A quando dizia que a única questão filosófica séria é o palavra fenômeno vem do grego phaenomenon, que suicídio. significa “coisa que aparece”. Portanto, o método Vejamos algumas concepções características do fenomenológico consiste basicamente na observação existencialismo: e descrição rigorosa do fenômeno, isto é, daquilo que • Ser humano – é entendido como uma realidade aparece ou se oferece aos sentidos ou à consciência. imperfeita, aberta e inacabada, que foi “lançada” ao Nessa metodologia, busca-se analisar como se mundo e vive sob riscos e ameaças; forma, para nós, o campo de nossa experiência, sem • Liberdade humana – não é plena, pois está que o sujeito ofereça resistência ao objeto estudado condicionada às circunstâncias históricas da nem se desvie dele. O sujeito deve orientar-se para e existência. Nesse sentido, querer não se identifica pelo fenômeno. Desse modo, a fenomenologia com poder. Homens e mulheres agem no mundo apresenta-se como a investigação das experiências superando ou não os obstáculos que se lhes conscientes (os fenômenos), que são, por sua vez, “o apresentam; mundo da vida” (Lebenswelt, em alemão), na • Vida humana – não é um caminho seguro em di- terminologia husserliana. reção ao progresso, ao êxito e ao crescimento. Ao Conforme analisou o filósofo fenomenologista contrário, é marcada por situações de sofrimento, francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), Husserl tentou a reabilitação ontológica do sensível. Isso dos indivíduos, culminam em uma existência significou, na história da filosofia, uma volta às inautêntica. São elas: próprias coisas, das quais o sujeito tinha se afastado, • o fato da existência – o ser humano é “lançado” ao o que inspirou grandemente as filosofias mundo, sem saber por quê. Ao despertar para a existencialistas. consciência da vida, já está aí (Dasein), sem ter pedido para nascer; Heidegger: a volta à questão do ser • o desenvolvimento da existência – o ser humano estabelece relações com o mundo (ambiente na-tural e social historicamente situado). Para existir, projeta A influência da fenomenologia pode ser sua vida e procura agir no campo de suas observada, por exemplo, no pensamento de um possibilidades. Move uma busca permanente para discípulo de Husserl, o filósofo alemão Martin realizar aquilo que ainda não é. Em outras palavras, Heidegger (1889--1976), um dos principais existir é construir um projeto; pensadores do existencia-lismo, embora este negasse • a destruição do eu – tentando realizar seu projeto, ser um existencialista. o ser humano sofre a interferência de uma série de Rompendo com a tendência dominante da fatores adversos que o desviam de seu caminho filosofia moderna, que desde Descartes estava voltada existencial. Trata-se do confronto do eu com os para a teoria do conhecimento, Heidegger retomou a outros, confronto no qual o indivíduo comum questão da ontologia: por que há algo e não nada? geralmente é derrotado. O seu eu é destruído, Isso ocorreu porque ele defendia que o problema arruinado, dissolve-se na banalidade do cotidiano, nas central da filosofia é sobre o ser e a existência de preocupações da massa humana. Em vez de se tornar tudo. si-mesmo, torna-se o que os outros são; assim, o eu é Em sua investigação, Heidegger apontou absorvido no com-o-outro e para-o-outro. aquilo que considerava uma confusão entre ente e Na concepção de Heidegger, o sentimento ser, ocorrida ao longo da história da filosofia. Para ele, profundo que nos faz despertar da existência inautên- o ente é a existência, a manifestação dos modos de tica é a angústia, pois se trata de um estado afetivo ser. O ser é a essência, aquilo que fundamenta e que revela o quanto nos dissolvemos em atitudes ilumina a existência ou os modos de ser. impessoais, o quanto somos absorvidos pela bana- A partir dessa diferenciação é possível esta- lidade do cotidiano, o quanto anulamos nosso eu para belecer duas fases da filosofia heideggeriana. A inseri-lo alienadamente no mundo do outro. Na primeira fase caracteriza-se pela busca do co- angústia, sentimo-nos como um ser a caminho do nhecimento do ser por meio da análise do ente nada, um ser-para-a-morte. humano, da existência humana. Na segunda, o ente Na tentativa de sair desse estado, geralmente sai do primeiro plano e o próprio ser torna--se a chave buscamos meios para esquecer aquilo que o causa. para a compreensão da existência. Fugimos. Essa é uma solução provisória, pois – Heidegger começou investigando a existência conforme apontou o filósofo – somente quando o humana somente porque é dela que primeira-mente indivíduo enfrenta seu sentimento e transcende o temos consciência. Mas – objetou para aqueles que o mundo e a si mesmo, conferindo um sentido a seu consideravam um existencialista – uma filosofia que ser, é que consegue superar sua angústia. colocasse apenas o ser humano como centro de preocupação seria antes uma antropologia. Por isso dizia que a questão que o preocupava não era a existência do ser hu-mano, e sim a questão do ser em seu conjunto e enquanto tal (ou seja, a questão do ser em geral e não apenas do ser humano).
Sentido do ser
Um dos objetivos básicos de sua obra fundamental,
Ser e tempo (1927), é investigar o sentido do ser. Para isso, Heidegger começou pela análise fenomenológica do ser que nós mesmos somos. Criando uma terminologia própria, e por vezes obscura, denominou o modo de ser do ser humano, nossa existência, com a palavra Dasein, cujo sentido é ser-aí, estar-aí. De acordo com o filósofo, há três etapas que ca- racterizam a vida humana, as quais, para a maioria