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HISTÓRICA

Antes de chegarmos no Soli Deo Gloria propriamente dito, é importante termos


em mente como a igreja se encontrava na época da Reforma e porque foi necessário,
que esses 5 pontos fossem levantados.

O livro de Atos retrata o começo da história da igreja que continua até os dias de
hoje. Lá nós podemos ver como o evangelho se expande para além de Jerusalém. Desde
essa época, a perseguição cruel àqueles que pregavam o evangelho já existia, ainda mais
por parte dos imperadores de Roma que nos primeiros séculos fizeram atrocidades
contra os cristãos. Cristãos eram mortos queimados, crucificados, apedrejados, o coliseu
de Roma foi usado para que cristãos fossem devorados por feras famintas (leões,
lobos...), e, por consenso de alguns historiadores, o imperador Nero colocou fogo em
Roma e incriminou os cristãos por tal feito, levando a ainda maior perseguição. Por três
séculos, os cristãos foram cruelmente perseguidos e mortos, tendo inclusive que se
reunir as escondidas para cultuar a Deus. Mas quanto mais a igreja era perseguida, mais
ela crescia. Mesmo assim, em meio a tanta carnificina, os cristãos viviam e morriam
para a glória de Deus. Segundo Tertuliano, o sangue dos mártires era a semente da
igreja.

Mas no século quarto, após uma suposta visão que o imperador Constantino teria
tido, de uma cruz indicando sua vitória em uma batalha, ele se converte ao cristianismo,
e torna o cristianismo a religião oficial do Império Romano, com o Édito de Milão. Isso
foi bom, pois os cristãos não seriam mais perseguidos, mas, com isso, a porta de entrada
da igreja não era mais a conversão, mas a conveniência. Ser cristão agora era receber o
louvor do Estado, e com isso, todo mundo queria ser cristão. Não pelo novo nascimento,
mas pelo status. E isso trouxe para dentro da igreja heresias e ritos pagãos que
contaminaram o evangelho que até então se mantivera puro. Vale destacar que esses
sincretismos ainda hoje perduram no catolicismo romano, principalmente nas festas dos
santos, que no passado eram cultos a deuses pagãos, e que se tornaram festas praticadas
pela igreja romana, acrescentadas no catolicismo romano como forma de agradar a
todos que estavam entrando para a igreja.

Se a coisa tava ruim, conseguiu piorar. No século VII, o imperador Flávio Focas
declara o bispo de Roma, Gregório I, como o bispo universal da igreja, que é a figura do
papa que temos hoje, e ele rejeita, e ainda afirma que isso não poderia acontecer, pois o
bispo universal de Roma é Cristo, e quem tomar o seu lugar, deve ser considerado o
anticristo. Porém uns anos depois, o imperador Flávio Focas, declara o bispo de Roma,
Bonifácio III, como bispo universal da igreja, e ele aceita o título, começando então a
história do papado na igreja.

Cada vez mais, heresias iam entrando na igreja. Já que agora, temos a figura do
papa, ele pode determinar novas doutrinas, e com isso o princípio do Sola Scriptura já
não mais servia, e agora a igreja cultuava os mortos, adorava imagens, purgatório,
confessionário, a ideia da missa, a adoração aos santos, transubstanciação, e muitas
coisas estranhas a bíblia passam a ser normais na vida da igreja. A salvação não mais
era pela graça, mas por obras, e com isso, a vida e obra de Cristo são diminuídas. A fé
tem seu sentido alterado, e o pior, a glória não era mais somente a Deus.

No catolicismo romano a ideia de salvação perdeu todo o seu sentido bíblico e


por isso, ninguém poderia se afirmar como um salvo, sendo acusado do pecado da
presunção. No catolicismo romano existe o que se conhece por Dies Irae (dia de ira),
onde Deus derramará ira sobre o mundo, e isso fazia Lutero ter medo de Deus e não
alegria, pois ele via Deus como um inimigo. Mas quando Lutero passou a entender a
salvação pela bíblia e não pela igreja romana, esse dia de ira se tornou o “mais feliz
último Dia”, o dia de Jesus, o seu amigo. O Catecismo de Heidelberg na sua pergunta
52, inclusive, afirma isso.

Pergunta 52: Qual é meu único consolo na vida e na morte?

Resposta: Em toda tristeza e perseguição, ergo minha cabeça e aguardo


como juiz do céu a mesma pessoa que antes se submeteu ao juízo de
Deus por amor a mim, e retirou de mim toda a maldição.

Se para o catolicismo, ninguém morria justo para a salvação, o purgatório é


trazido como uma solução para isso. Inclusive um dos principais pontos que Lutero
lutou foi contra o purgatório. Naquela época se cobrava indulgências em troca de perdão
de pecados. Quanto mais se pagava, mas perdão se obtinha, e menos tempo se passava
no purgatório, que na ideia romana é um local onde, após a morte, as pessoas são
purificadas de seus pecados para poder entrar no céu.

Calvino, nas Institutas da religião cristã, afirma que “o purgatório é uma ficção
mortífera de Satanás, que anula a cruz de cristo, inflige desprezo intolerável sobre a
misericórdia de Deus e transtorna e destrói a fé. Em outras palavras, o purgatório
arranca Cristo de sua glória como Salvador misericordioso e plenamente suficiente, e
impede que tenhamos alegria em confiar nele. Além disso, Calvino afirma que a glória
de Deus não era vista apenas na salvação, mas em toda a criação, que chamava de teatro
da glória de Deus.

À medida que a igreja ia se corrompendo, ela ia se tornando mais poderosa


economicamente, politicamente e intelectualmente. Basicamente todas as áreas do
conhecimento estavam sob o controle da Igreja Romana, que corruptamente fazia
conhecido ao público somente o que lhe convinha. Em contrapartida, a igreja estava se
tornando menos teológica e menos preocupada a fazer a glória de Deus brilhar. Chegou
ao ponto de se dividir a sociedade entre clericato e laicato. Dessa forma, somente o
clero tinha acesso as Escrituras e o acesso da bíblia aos leigos era proibida, e assim
requeriam para si que fossem glorificados pelo laicato. Vejam como a glória que deveria
ser dada somente a Deus, estava sendo roubada por homens que alegavam ser superiores
espiritualmente por pertencerem a certa casta, e pior, liderados por outro homem que era
usurpador de Cristo, roubando a glória que deveria ser dada somente a Deus.

Mas Deus, por amor ao seu nome, levanta homens que viriam por lutar para que
a glória de Deus fossem novamente a paixão da igreja. Lutero, após entender que a
salvação era somente por fé, conforme o texto de Romanos 1:17, se levanta contra as
injustiças da igreja, fixando as 95 teses na porta da catedral de Wittenberg, deflagrando
o movimento pela reforma.

Ao longo da história da igreja, documentos de fé foram redigidos embasados


pelas escrituras, e eles trazem elucidações importantíssimas acerca de questões
teológicas fundamentais para a igreja e apntando para a importância da glória de Deus.

No Catecismo de Westminster, sua primeira pergunta diz: Qual a finalidade


principal do homem? E a resposta é: A finalidade principal do homem é GLORIFICAR
a Deus e gozá-lo para sempre. Fomos feitos para isso, glorificar a Deus com alegria
nele.

A confissão londrina em seu ponto 5 diz: Deus, em seu infinito poder e


sabedoria, dispõe todas as coisas para o fim ao qual foram criadas (...) e, seja o que for
que aconteça aos eleitos, é por Sua determinação, para Sua GLÓRIA e para o bem
deles.
No Catecismo de Heidelberg, na sua pergunta 6 diz: Deus criou o homem mau e
perverso? E a resposta é: Não, ao contrário, o criou bom, feito à sua imagem e
semelhança (...) [para que] o amasse de todo coração e com ele vivesse em bem-
aventurança eterna para louva-lo e GLORIFICA-lo.

A Confissão Helvética, no seu ponto 10, falando da finalidade da nossa eleição,


diz: (...) Ele nos escolheu nele antes da fundação do mundo (...) para o louvor da
GLÓRIA de sua graça.

E, no Catecismo de Genebra, quando se pergunta Qual é o fim principal da vida


humana?, a conclusão para essa pergunta é: porque ele [Deus] nos criou e nos colocou
neste mundo para ser GLORIFICADO em nós. E é fato certo que a nossa vida, de que o
próprio é o começo, deve ser dedicada à sua GLÓRIA.

Enquanto a glória no catolicismo romano é dividida entre pessoas, santos,


relíquias, objetos, e muitas outras coisas, a reforma protestante surge para que a glória
seja dada única e exclusivamente a Deus, novamente.

Após a reforma protestante, apesar de se afirmar que a glória deveria ser dada
somente a Deus, século após século, o ser humano continuava dando glória a qualquer
outra coisa, exceto Deus. Nos nossos tempos, o movimento neopentecostal surge de
dentro do protestantismo, mas com os problemas que a reforma combateu no século
XVI. No neopentecostalismo, que tem como uma das principais doutrinas a teologia da
prosperidade, mais uma vez a glória que deve ser dada só a Deus é dada a homens. De
acordo com essas seitas, Jesus é apenas um meio de se alcançar o sucesso,
principalmente financeiro. A glória não é dada a Deus, mas àquilo que Deus dá e,
portanto, a alegria não está em Deus, mas nas coisas que Deus dá. Além disso, o ser
humano busca a própria glória, exigindo-a de Deus.

Essa linha parece ressurgir nos últimos anos como a teologia do coach, onde
líderes tiram o evangelho do púlpito para colocar palestras de autoajuda, e mostrar que
Deus deve coisas aos homens, e que o centro do coração de Deus é o ser humano e que
o ser humano tem Deus em suas mãos para usá-lo sempre que quiser. Tudo isso aponta
para a glória ao homem e não a Deus. Deus tem virado um coadjuvante cada vez menos
participativo, na verdade um figurante que está ali apenas para compor o cenário, onde o
protagonista é o ser humano, e que a ele está sendo direcionado o louvor.

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