Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
969 2796 1 PB
969 2796 1 PB
Introdução
1
Doutorandas em Ciências Sociais, IFCH – UNICAMP.
2
O tema da migração não era uma questão relevante para os estudos sociológicos
da virada do século XIX para XX. Richmond (1988), ao analisar os clássicos – Malthus,
Marx, Durkheim e Weber – demonstrou que a migração era analisada enquanto
conseqüência do processo de desenvolvimento do capitalismo, assim como os processos
de industrialização e urbanização. Isto envolvia o declínio das comunidades rurais e a
criação de culturas heterogêneas e cosmopolitas, na concorrência dos imigrantes por
emprego e na luta para sobreviver numa cidade de ambiente estranho. Para demonstrar
este argumento, Richmond demonstra como os autores clássicos da sociologia
abordaram a questão da migração.
Segundo Malthus, a migração era vista como uma conseqüência inevitável da
superpopulação. O Novo Mundo possibilitava um espaço para as migrações temporárias
para fugir do ciclo de pobreza e miséria. Este pensamento derivava de sua concepção de
que a população crescia em ordem geométrica, enquanto a capacidade de gerar
tecnologias crescia em ordem aritmética.
3
2
Sobre a transformação de grupos imigrantes em grupos étnicos na sociedade americana, ver Poutignat &
Streiff-Fenart (1998), que fazem uma discussão sobre o conceito de etnicidade.
5
partir dos anos 60, os estudos realizados podem ser caracterizados como revival étnico e
expressaram a crise das análises baseadas nos princípios da modernização (Poutignat &
Streiff-Fenart: 1998).
As teorias marxistas enfocaram aspectos diferentes em relação aos temas
tratados pela Escola de Chicago. O crescimento do uso de trabalhadores temporários em
países europeus como França, Alemanha e Suíça, reacendeu o interesse pela idéia de
exército de reserva de trabalhadores que o sistema capitalista mobiliza quando necessita.
Segundo Richmond (1988:34), os trabalhadores nativos nas sociedades industriais são
hábeis em se beneficiar dos sindicatos e do welfare state. Eles formavam uma
‘aristocracia de trabalho’ que não estava preparada para ser pouco remunerada em
trabalhos duros que requeriam trabalho manual pesado e longas horas. Empregadores
encorajavam portanto a migração de outros países de menor desenvolvimento para
encarregá-los de serviços subalternos e menos remunerados. Entretanto, tais
empregadores não encorajavam os imigrantes a permanecerem e esses últimos eram
desprovidos de benefícios maiores de cidadania nos países receptores. Castles & Kosak
(1973) aplicaram esta teoria na Europa e Portes (1981) aplicou aos Estados Unidos.
Uma outra contribuição teórica é a compreensão da migração a partir de estudos
da sociologia e economia nos Estados Unidos, com ênfase na estratificação e divisão ou
segmentação do mercado de trabalho nas sociedades industriais avançadas. Imigrantes,
assim como as minorias étnicas e as mulheres, tenderiam a permanecer em indústrias
marginais e mercado secundário de trabalho, sem qualificação para conseguir
remuneração melhor do que os trabalhadores nativos, que por sua vez, são protegidos
pelos sindicatos, licença de trabalho e mercado de trabalho interno gerado por grandes
corporações. Neste contexto, as redes sociais e discriminação institucional servem para
excluir o migrante e colocá-los no emprego menos remunerado e temporário. Imigrantes
não documentados tendem a ser particularmente mais vulneráveis a este respeito.
Mulheres e minorias étnicas podem sofrer uma dupla ou tripla exploração face a
discriminação dentro do mercado secundário. A análise que enfatiza a estratificação
étnica e mercado de trabalho segmentado, combina características do conflito de classe
e modelos de pluralismo cultural.
Como Gabaccia (1992) ressaltou, esse novo interesse pelos fenômenos
migratórios está muito marcado por uma análise econômica dos processos migratórios.
6
Isso significa estudos macro-sociológicos, tendo o foco deslocado para análises mais
quantitativas, de surveys, e nesse sentido, há uma ênfase muito maior no indivíduo
migrante do que nas suas relações sociais. Nesse momento, a sociologia faz fronteira
mais próxima à economia do que à história e psicologia social, que influenciaram muito
os estudos dos funcionalistas e da própria Escola de Chicago.
A Economia da Migração
3
Este autor, partindo do conceito de Weber de ação social, considera que os indivíduos, ao optarem por
uma ação racional, levam em consideração não apenas princípios econômicos mas, também procuram
atender as expectativas relacionadas ao grupo ao qual pertencem. O impacto dessa forma de entender a
ação racional nos estudos sobre migração – a decisão de migrar e o próprio processo de inserção do
migrante na sociedade de destino – passa a ser analisado considerando a influência das relações sociais e
não apenas a decisão individual.
7
social para o seu empreendimento migratório, Portes (1995) nos fornece categorias
analíticas que permitem compreender melhor a complexidade dos novos movimentos
migratórios. No contexto de mudança das características dos fluxos, Portes propõe
princípios – tais como influência centro-periferia e desequilíbrio estrutural; modos de
incorporação; grupos intermediários e enclaves étnicos; e economia informal –
questionando a perspectiva neoclássica sobre as origens da migração e adaptação
econômica dos imigrantes.
Nos anos recentes, os “novos economistas” da migração têm contribuído para
desafiar muitas hipóteses e conclusões da teoria neoclássica (Stark & Bloom, 1985). A
principal contribuição desta nova abordagem é que entendem que as decisões
migratórias não são tomadas pelos atores individuais isolados, mas por unidades
maiores de pessoas relacionadas – tipicamente famílias ou domicílios – nas quais as
pessoas agem coletivamente, não apenas para maximizar a renda esperada, mas também
para minimizar e afrouxar os constrangimentos associados a uma variedade de
mercados de trabalho. Os modelos teóricos que crescem nesta linha dos “novos
economistas” da migração, baseiam-se em um conjunto de proposições e hipóteses que
são completamente diferentes da teoria neoclássica, levando a um conjunto muito
diferente de prescrições políticas.
Como os novos economistas, Massey (1997) aponta para os limites das
proposições neoclássicas. A partir das características gerais, levantou alguns pontos que
resumiremos a seguir: a unidade de analise não seria o indivíduo autônomo mas sim, as
famílias, domicílios ou outras unidades de produção e consumo culturalmente definidas;
o diferencial de renda não é uma condição necessária para ocorrer a migração
internacional, uma vez que podem contar com incentivos para diversificar os riscos
através das redes sociais; a migração internacional, emprego e produção local não são
mutuamente possibilidades exclusivas; as políticas governamentais ocasionam
mudanças econômicas que afetam a distribuição de renda podendo influenciar a
migração internacional independente de seus efeitos sobre a renda.
Podemos considerar ainda uma outra abordagem, a dos estudos do
funcionamento do mercado de trabalho. Estes foram feitos nos Estados Unidos,
dividindo-se em duas perspectivas diferentes sobre a inserção e o desempenho dos
imigrantes. A primeira abordagem seria a dos teóricos da segmentação (Piore &
8
Doeringer 1971, e Gordon et al. 1982, 1964) e a segunda seria os teóricos do capital
humano (Borjas 1990).
Os principais argumentos dos teóricos do capital humano seriam que os
imigrantes ilegais têm acesso aos bens e serviços assistenciais do welfare americano, o
que vem penalizando os orçamentos de alguns estados como a Flórida e Califórnia. No
âmbito do mercado de trabalho, estes imigrantes com baixa qualificação são acusados
de tirar os empregos dos nativos e rebaixar os salários das regiões ou cidades onde se
concentram. Estes teóricos acreditam que a política imigratória deve priorizar a entrada
e a permanência de imigrantes com melhor qualificação, a fim de atingir um sistema
econômico mais produtivo.
Os teóricos da segmentação, diferentemente da perspectiva anterior, argumentam
que haveria uma complementaridade entre o imigrante e o nativo quanto à locação de
mercado de trabalho. Esses dois grupos de trabalhadores atenderiam a diferentes
oportunidades de emprego de um mercado de trabalho que é segmentado em dois
estratos: o mercado de trabalho primário e o secundário. O primário se caracteriza por
requerer alta qualificação, melhores salários e possibilidades de ascensão hierárquica e
estão presentes nas grandes empresas capitalistas. O secundário freqüentemente oferece
baixos salários, alta rotatividade, baixa qualificação e poucas possibilidades de ascensão
hierárquica. Este mercado secundário seria ocupado por trabalhadores migrantes,
mulheres e jovens. Neste sentido, os teóricos da segmentação argumentam, ao contrário
dos teóricos do capital humano, que os migrantes não concorrem com os nativos pelo
emprego.
Criticando pressupostos implícitos em vários estudos da migração, Sassen
(1988) demonstrou que, embora seja inegável que a pobreza, desemprego e super
população possibilitam as migrações, é também necessário identificar os processos que
transformam essas condições, criando uma situação que leva à migração. Tais processos
estão relacionados com a reorganização da economia mundial nas duas últimas décadas,
resultando na formação de um espaço transnacional, onde a circulação de trabalhadores
é apenas um dos fluxos dentre outros, como os de capital, mercadorias, serviços e
informações. Nesse sentido, diante da internacionalização da produção e da
reorganização da economia mundial, o investimento estrangeiro é uma das variáveis
para entendermos os fluxos das migrações internacionais.
9
Redes Sociais
4
Ver Weber e Scudeler, ambos in Sales & Reis (1999).
5
FAUSTO (1991), numa análise da historiografia sobre a imigração estrangeira para São Paulo, destaca
que os estudos sobre a interação do imigrante com a sociedade nacional estão marcados pelos enfoques
onde a assimilação e a aculturação são as premissas básicas para compreender os imigrantes. O autor
analisa tendências recentes como o estudo de Giralda Seyferth que introduziu o conceito de etnicidade
para analisar as relações entre os imigrantes e a sociedade local. O autor, neste ponto dialoga, com as
modificações nos enfoques teóricos sobre migrações internacionais nos EUA onde saiu-se da noção de “
Melting pot “ para a de pluralismo cultural colocando-o como perspectiva adequada para os estudos
migratórios por não partirem a priori da noção de assimilação ou aculturação.
13
6
Num estudo sobre imigrações temporários MARTINS (1988:45), afirma que migrar temporariamente é
mais do que ir e vir - é viver em espaços geográficos diferentes , temporalidades dilaceradas pelas
contradições sociais. Ser migrante temporário é viver tais contradições em duplicidade; é ser duas pessoas
ao mesmo tempo, cada uma constituída de relações sociais historicamente definidas; é viver como
presente e sonhar como ausente. (...) Se em termos demográficos - o temporário - é essencial para o
estudo das temporárias, em termos sociológicos o essencial é a concepção de ausência. É temporário, na
verdade, aquele migrante que se considera a si mesmo “ fora de casa “, “ fora do lugar “ ausente , mesmo
quando em termo demográficos tenha migrado definitivamente. O migrante temporário não cumpriu e
não encerrou o seu processo de migração nos seus dois momentos extremos e excludentes: a
dessocialização nas relações sociais de origem e a ressocialização nas relações sociais de adoção. Esta
idéia de ressocialização e dessocialização pode ser útil para compreendermos a ambiguidade que vive o
emigrante valadarense nos EUA. Entretanto, embora perceba as ligações com o lar e o país de destino ao
colocá-los como excludentes e extremos distancia-se do conceito de transnacionalização pois, este
enfatiza a manutenção das relações e não a sua separação parecendo-nos portanto, mais adequado para
tratar desta problemática.
14
Considerações Finais
16
presentes, leva parentes e amigos, cria redes de imigração, tem saudade da terra. E a
despeito de todas as dificuldades que possa enfrentar como migrante, conta com as
compensações: a possibilidade de voltar ao Brasil nas festas de fim de ano, o fato dos
filhos freqüentarem escolas americanas, os bens de consumo modernos que possui em
sua casa temporária nos EUA, o fato de ganhar um salário muito acima do que teria no
Brasil. A comparação é sempre feita em relação ao Brasil e faz com que este projeto
temporário se estenda, mas ao mesmo tempo, pelas características acima, citadas não dá
para enquadrá-los como migrantes permanentes.
Concluindo, as migrações internacionais recentes têm nos instigado a repensar as categorias com
as quais as migrações e os migrantes têm sido analisados, demonstrando que estes processos de atravessar
fronteiras devem contemplar múltiplos aspectos desse movimento. No caso do imigração de brasileiros,
estas reflexões são importantes, para não corrermos o risco de limitar os migrantes em categorias que não
contemplam o fato de que são pessoas que se movem, têm projetos, desejos de ir, voltar, permanecer e
reconstruir suas vidas atravessando estas múltiplas fronteiras.
Referência Bibliográfica
ASSIS, Gláucia de Oliveira – Estar aqui, estar lá... o retorno dos emigrantes
valadarenses ou a construção de uma identidade transnacional? In Caderno
de Ciências Sociais, vol.4, n.7, dez.1996, p.36-47
CASTLES, Stephen & KOSAK, Godula – Immigrant workers and class structure in
Western Europe, London, Oxford University Press, 1973
GORDON, Milton M. – Assimilation in American life: the role of race, religion, and
national origins, New York, Oxford University Press, 1964.
PIORE, Michael J. & DOERINGER, Peter B. – Internal labor markets and manpower
analysis, Lexington, Mass., Heath, 1971.
19
SALES, Teresa & REIS, Rossana R. (orgs.), Cenas do Brasil migrante, São Paulo, ed.
Boitempo, 1999.
SASSEN, Saskia – The mobility of labor and capital: a study in international investment
and labor flow, New York, Cambridge University Pres, 1988.
STARK, Oded & BLOOM, David E. – The new economics of labour migration, in
American Economic Review, vol. 75, pg.173-8, 1985
THOMAS, William I. & ZNANIECKI, Florian – The Polish Peasant in Europe and
America, Chicago, University of Illinois Press, 1918 (1ª ed.), 1984
(reimpresso).