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Sylvio Napoli

Diferenciação do produto:
estratégia da indústria têxtil para
enfrentar a concorrência estrangeira
por Patrícia Mariuzzo

O Brasil tem o sexto maior parque têx- ALTA CARGA TRIBUTÁRIA, ção ilegal de produtos. A indústria bra-
til do mundo, com mais de 30 mil empre- sileira é moderna, competitiva e criati-
QUESTÕES TRABALHISTAS
sas em toda a cadeia produtiva, que va. Em determinados nichos é tão com-
emprega 1,65 milhão de pessoas. O tama- E LOGÍSTICA SÃO petitiva quanto qualquer outro grande
nho do setor, entretanto, não impediu ALGUNS DOS ENTRAVES produtor — China, Índia, Turquia e
que ele fosse um dos mais afetados pela PARA O SETOR Paquistão. O problema está da porta da
entrada dos produtos importados no fábrica para fora, onde temos que lidar
país. Uma pesquisa recente da Confe- com uma alta carga tributária, questões
deração Nacional da Indústria (CNI) rado na USP. Ele considera que, por ain- trabalhistas e logísticas, que não são
mostra que os setores têxtil e de vestuá- da faltar mecanismos eficientes para problemas da indústria têxtil, mas de
rio são os que mais sofrem no mercado interação universidade-empresa, a impor- política econômica.
brasileiro com a concorrência dos pro- tação de tecnologias é, no momento, o
dutos chineses. Nesta entrevista, o geren- caminho mais rápido para diferenciar
te do Departamento de Infra-estrutura tecidos e roupas fabricadas no Brasil. O preço da mão-de-obra é o grande dife-
e Capacitação Tecnológica da Associação rencial da China?
Brasileira da Indústria Têxtil e de
Confecção (Abit), Sylvio Napoli, defen- Após cinco anos de superávit, em 2006 Napoli A China tem um parque moder-
de a estratégia de buscar diferenciação o saldo da balança comercial do setor no, mas, sem dúvida, pelo fato do setor
do produto para enfrentar a concorrên- têxtil registrou déficit de US$ 60 milhões. têxtil utilizar mão-de-obra intensiva o
cia estrangeira. "A saída é buscar a ino- Por que as importações cresceram tan- fato de ser tão barata faz toda a diferen-
vação, usar de criatividade, criar novi- to no ano passado? ça no preço final do produto. Esse, inclu-
dades, com marca e design brasileiro, sive, foi um dos fatores que fez a indús-
agregando maior valor ao produto", diz. Sylvio Napoli O fator que mais influen- tria têxtil se deslocar da Europa, Estados
Uma das apostas da Abit nessa direção ciou este resultado foi a taxa de câmbio Unidos e Japão. No Brasil temos, atual-
está na nanotecnologia: em novembro totalmente desfavorável ao setor: os pro- mente, 1,6 milhão de trabalhadores for-
passado, a associação criou o Comitê de dutos importados ficaram baratos e os mais diretos no setor. Outra caracterís-
Nanotecnologia Têxtil e de Confecção, brasileiros perderam competitividade tica é o tipo de mão-de-obra empregada:
com empresários e pesquisadores da devido à valorização do real. Além dis- a maioria mulheres, com qualificação
área. Atualmente, Napoli divide seu tem- so enfrentamos também a concorrên- média. A responsabilidade pela manuten-
po entre o trabalho na Abit e um douto- cia desleal que ocorre com a importa- ção desse tipo de empregado é muito

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importante, funciona como 20% para 35%, mesmo índice

Divulgação /Abit
um amortecedor social. Se já praticado em países como
você tiver uma crise maior do México e Argentina.
setor têxtil que gere desem-
prego, a recolocação desse pes-
soal é bem mais difícil. Qual o papel dos novos mate-
Portanto, o governo deveria riais? A aplicação da nanotec-
estar bem preocupado com a nologia é viável no cenário bra-
manutenção do emprego no sileiro?
setor têxtil, até mais do que
em outras indústrias também Napoli Basicamente a compe-
intensivas em mão-de-obra, tição deve ser pela diferencia-
como a de calçados e móveis, ção porque mesmo com o
que também sofrem com a aumento da TEC, se você for
questão do câmbio. optar pela produção em mas-
sa, vai bater de frente com pro-
dutores mundiais que não tem
Como as empresas do setor o chamado custo Brasil. A saí-
têm investido para se moder- da é através da inovação, da
nizar e enfrentar a concorrên- criatividade, do lançamento
cia do produto estrangeiro de produtos novos, com mar-
mais barato? ca, com design brasileiro,
enfim, desenvolver e oferecer
Napoli O investimento da produtos com maior valor agre-
indústria têxtil não é peque- gado. A nanotecnologia já é
no, e tem crescido nos últimos uma realidade na indústria
dez anos. Mas o setor tem uma têxtil do Brasil. Tecidos que
configuração diferente: o tem- “O TEMPO DE MATURAÇÃO DO não amarrotam, impermeá-
po de maturação do investi- INVESTIMENTO NO SETOR É MAIOR DO QUE veis à água ou óleo, tecidos
mento é maior do que em antibactericidas e antifungici-
EM OUTRAS CADEIAS PRODUTIVAS”
outras cadeias produtivas. das ou que secam muito rápi-
Quando você compra um equi- do são alguns exemplos. A
pamento novo, ele continua sendo com- segmentos da produção, inclusive o da Santista Têxtil, para citar uma empre-
petitivo até cerca de cinco anos depois. confecção? sa, tem tecidos em cuja etiqueta diz "aca-
Isso dá um fôlego para o retorno do inves- bado com processo nanoconfort".
timento. Quem imagina a indústria têx- Napoli Esse é o elo mais complicado da
til como atrasada, paquidérmica, está cadeia têxtil. É onde se concentra, pra-
mal informado. A melhor resposta para ticamente, 80% do contingente dos tra- Nos Estados Unidos, existem empresas
esta pergunta, entretanto, é dizer que balhadores da área, em pequenas e — boa parte delas saídas de universida-
conseguimos aumentar a produção em médias empresas. A produção é pulve- des (start ups)— especializadas em desen-
30%, sem aumentar as contratações de rizada e, por isso, é difícil ter uniformi- volver nanotecnologias e vendê-las para
pessoal e, até, com queda no nível de dade. Grande parte das ações da Abit grandes companhias como Nike, Gap
emprego. Agora, é inevitável continuar tem buscado melhorar essa área. Um ou Lee. No Brasil, a aplicação da nano-
investimento em inovações tecnológi- dos resultados foi conseguir junto ao tecnologia na indústria têxtil pode gerar
cas para continuar competindo. Ministério do Desenvolvimento, novos nichos no lugar de empresas tra-
Indústria e Comércio Exterior a eleva- dicionais?
ção da tarifa de importação de produ-
Esse aspecto moderno inclui todos os tos acabados (conhecida como TEC), de Napoli Esse é, sem dúvida, um modelo

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que poderia ser aplicado no Brasil. vação são um ponto positivo no


Acredito que existem dois caminhos. sentido de criar esse ambiente,
O primeiro é desenvolver uma pesqui- que pode contribuir para uma
sa tradicional, passando por todas as mudança cultural entre os empre-
etapas e, no final, provar a viabilidade sários. Porém, é importante que
dos resultados em nível mundial. O pro- a universidade reconheça que o
blema é que isso é caro. O segundo cami- empresariado brasileiro não é
nho seria o da tecnologia embarcada, mais um cidadão de segunda clas-
ou seja, comprar uma fibra que já tem se em termos de conhecimento.
a tecnologia incorporada e aplicar no Hoje não é mais assim, isso
seu produto: por exemplo, fibras com mudou, ele é mais consciente,
nanopartículas de prata, que conferem mais culto e interessado. A inova-
ao tecido propriedades antiodor; ou um ção veio para ficar: existem meios,
corante, um reagente, que dê condições formas e caminhos de se utilizar
específicas de uso. Nesse momento, desses recursos e a indústria têx-
acho que o caminho mais rápido é adqui- til tem se esforçado para estrei-
rir essas inovações fora do país. Várias tar os laços com as universidades.
empresas brasileiras estão trabalhan- Em Santa Catarina, por exemplo,
do assim. Esse caminho, entretanto, um grupo de empresários perce-
deve ser trilhado de maneira sustentá- beu que estava perdendo o feeling
vel, temos que trazer coisas com custo do design de ponta, num estado
realista para o nosso mercado. Ao mes- onde marcas como Hering e Teka
mo tempo, esse modelo tem que ser eram referências. Isso aconteceu
apoiado por ações governamentais, quando eles optaram por produzir em “HOJE É POSSÍVEL FAZER
como a criação de zonas de produção e massa, deixando de inovar. Porém, para PRODUTOS NOVOS
de exportação, com critério diferencia- resgatar a importância do design de for- MUDANDO O PROCESSO
do na área trabalhista e de logística, ma sustentada uniram-se às universida-
por exemplo. des, cursos de moda, de design, etc. para DE INTERAÇÃO DAS FIBRAS,
criar um ambiente inovador na linha do FIOS FANTASIA, ENCAPADOS,
design e na área têxtil. Criaram prêmios, FIOS COM ALMA DE
Uma interação maior com as universi- estágios nas empresas, tudo isso deu um OUTRAS FIBRAS”
dades não é uma opção para a indús- resultado muito bom. Outro exemplo
tria têxtil embutir mais tecnologia em importante é a relação muito forte que
seus produtos? temos com a USP para atualização das
grades curriculares de cursos voltados à fibras e no acabamento dos tecidos.
Napoli Ainda não conseguimos achar tecnologia têxtil. O curso de tecnologia Hoje é possível fazer produtos novos
um caminho habitual para essa relação, têxtil e de indumentária oferecido na mudando o processo de interação das
existe uma certa relutância das duas par- USP Leste nasceu na Abit. fibras, fios fantasia, encapados, fios
tes. Falta uma metodologia para que o com alma de outras fibras, tudo isso na
pesquisador possa transferir o resultado base da cadeia de produção têxtil, onde
de suas pesquisas para a indústria. Quem Em que áreas do setor têxtil brasileiro está acontecendo muita inovação como
deveria criar essa metodologia é a uni- existe mais inovação embutida? misturas que geram mais resistência,
versidade, a parte acadêmica. Acredito luminosidade, conforto. Para acelerar
que a Lei de Inovação e os núcleos de ino- Napoli Inicialmente, na fabricação de o processo de aplicação da nanotecno-

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logia na indústria brasileira, a sumidor para elas ainda é pequeno devi- países com grandes parques têxteis
Abit e o Sindicato da Indústria do, principalmente, ao produto ser mais como a Índia e a China.
Têxtil (Sinditextil-SP) instala- caro: se for uma aplicação sofisticada,
ram, em novembro do ano passa- o preço pode ser até 50% maior.
do, o Comitê da Nanotecnologia O Brasil é reconhecido pela moda, design
Têxtil e de Confecção. Ele reúne diferenciado, uso de novos materiais,
representantes de empresas, enti- Até a década de 1980, o parque têxtil desenvolvimento de estamparias e
dades técnicas e de institutos de brasileiro era tido como obsoleto, polui- corantes, mas a participação no merca-
pesquisa. dor, ruim para a saúde do trabalhador do mundial é de apenas 0,4%. Por quê?
por causa do barulho das máquinas e A Abit tem ações específicas para pro-
do contato com produtos químicos. A mover o produto brasileiro no exterior?
No Brasil, em que setores da con- situação mudou? Que cuidados o setor
fecção brasileira as inovações adota hoje em relação ao meio ambien- Napoli Uma das razões da participação
podem chegar mais rápido? te e à saúde do trabalhador? pequena é que temos um grande merca-
do consumidor doméstico. Existem, ain-
Napoli Um dos setores é o das cha- Napoli A partir da década de 1990, hou- da, problemas como o câmbio desfavo-
madas roupas profissionais. Elas ve uma virada completa na filosofia rável e questões estruturais, que retiram
incorporam mais rapidamente industrial brasileira. Passamos a com- a competitividade do produto brasileiro
novas matérias-primas e compo- prar equipamentos que também con- fora do país. Além disso, precisamos
sições sintéticas por causa do nível templavam a segurança do trabalha- melhorar e inovar o produto brasileiro
de exigência de qualidade e segu- dor, não apenas a segurança em si, mas para conquistar nichos de mercado. Em
rança. É caso de roupas com retar- também a poluição interna da fábrica, minha opinião, o problema maior não é
dantes de chamas, roupas com principalmente a poluição sonora, um nem a participação no mercado interna-
antiestáticos, entre outras. Um dos pro- dos principais problemas da indústria cional, mas a sua composição: são produ-
gramas que a Abit está desenvolvendo têxtil mais antiga. Os equipamentos tos com baixo valor agregado, pouco
é para a auto-regulamentação das rou- não são tão barulhentos como antes. As manufaturados, algodão em pluma ou
pas profissionais para fabricar um pro- fábricas tinham muito mais máquinas tecido cru; não é roupa acabada, com esti-
duto mais bem elaborado, respeitando porque o processo de fabricação era lo e marca. O que precisamos é mudar
uma série de requisitos que essas rou- mais longo. Hoje as máquinas são mais esse perfil, aumentar o preço por quilo,
pas exigem. Primeiro com as roupas compactas e encurtam o processo. Para mesmo que se reduza a exportação em
que exigem maior nível de segurança obter o mesmo quilo de fio no final, volume. Desde 2001, a Abit tem um pro-
e, depois, de profissionais como aten- você tem menos máquinas que produ- grama chamado Programa Estratégico
dentes, recepcionistas etc. A tendência zem muito mais. Também ocorreu dimi- da Cadeia Têxtil Brasileira — TexBrasil
é que a roupa seja, por si só, um equipa- nuição de pessoas expostas ao proces- cuja meta é melhorar a performance da
mento de proteção individual (EPI). Este so fabril. Em 1990, havia pelo menos confecção brasileira no mercado externo.
é um mercado grande e importante para um milhão a mais de trabalhadores do Encerrou 2006 com a participação de
ser explorado. Recentemente, a que hoje. Com relação ao meio ambien- 720 empresas. Desde sua implantação,
Petrobras entrou em contato com a Abit te considero fundamental o papel que teve ações em 20 estados brasileiros e
para fazer interface entre a indústria o governo teve no estabelecimento de registrou aumento de 27% nas exporta-
do petróleo e a têxtil. Só na Petrobras são uma das legislações ambientais mais ções. O programa promove, ainda, pales-
mais de 50 tipos diferentes de unifor- severas do mundo que, no setor têxtil, tras, seminários, rodadas de negócios
mes. Além desse segmento, existe um é seguida à risca, ou você se ajusta ou com compradores internacionais, cur-
nicho de produção das chamadas rou- fecha. Essa é, aliás, outra área em que sos, missões de negócios e participação
pas tecnológicas. Porém, o mercado con- o Brasil é modelo, ao contrário de outros em feiras internacionais.

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