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Texto conferido à participação na mesa “A Importância das religiões pagãs junto ao diálogo inter-
religioso” no I Seminário sobre Paganismo da União Wicca do Brasil, UERJ – Rio de Janeiro / RJ – 2015.
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É necessário que entendamos que – como diz o Professor Volney Berkenbrock
(PPCIR/UFJF) em uma de suas aulas – o paganismo é anterior a sua conceituação. Só
temos o conceito quando, por distinção, os movimentos religiosos que passaram a
conviver com o modo de vida e religiosidade pagã (cristianismo) precisou demarcar sua
diferença. Sendo esse modo de vida encontrado prioritariamente entre os camponeses (em
distinção ao cristianismo que se difundia nas cidades) deu-se o nome a esse movimento
religioso de paganus (camponês / aldeão), aquele que se vivia no pagus (vila / campo)
(2015). Aqui entra a relação de que os pagãos primeiros não se chamavam de pagãos e
são numerosos em tradições e religiosidades que já se conviviam em diálogo e
belicosidades muito anterior a unificação religiosa provocada pelo conceito
denominacional cunhado pela cristandade da cidade romana dos primeiro séculos de
nossa era.
Só por essa constatação já podemos pressupor que o paganismo está na base de
um diálogo inter-religioso muito anterior aos debates de nossa contemporaneidade. De
maneira clara, como demonstra Camurça (2009) o diálogo inter-religioso não se pauta
apenas de maneira pacífica. Há conflito, disputas, sincretismos, apropriações e convívios.
Para Geertz (2001), o estranhamento poderia gerar, em nosso tempo, uma possibilidade
ambígua: tanto a “guerra-santa” quanto o convívio pacífico. Acredito que ambas as
possibilidades também estavam presentes no passado e aconteceram de fato na história
do paganismo frente as demais religiões com as quais se conviveu. Mas preciso concordar
com Geertz (2001) quando ele salienta de que na atualidade essas possibilidades e esse
estranhamento se faz inevitável ampliando a tensão entre as ambíguas possibilidades
desse contato.
Não acredito ser correto falar da história do paganismo colocando-o apenas como
escanteio da história medieval. Historiadores como Guinzburg (1991), já apontam para
uma ruptura continuada do ethos pagão pela Igreja e outros movimentos religiosos
durante os séculos iniciais da formação católica e de toda a Idade Média. Em alguns
pontos mais ruptura do que continuidade, em outros mais continuidade do que ruptura.
Para o Professor Berkenbrock (também em uma de suas aulas), enquanto a Igreja
se consolidava na urbs (cidade), uma apropriação do paganismo foi inevitável e
historicamente comprovada, pautando pelas indumentárias e templos pagãos
reapropriados e redestinados. Mas isso foi muito mais um convite a sincretismos do que
a uma “guerra-santa”. Nas palavras do professor “o que se presenciava era muito mais
um paganismo entrando pelas portas dos fundos do que uma completa ruptura” (2015).
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Ainda para Berkenbrock “é impossível constituir uma nova religiosidade sem intercâmbio
e sincretismos com as anteriores que convivem naquele mesmo espaço” (2015).
Na formação católica, várias escolas iniciais se dedicaram a compreender a
mística cristã na tentativa de consolidar o cristianismo. Tentativas exitosas, temos de
acrescentar. Contudo muito pautadas por um diálogo muito mais sincrético com outras
religiosidades, não só a pagã, como também a maniqueísta e a judaica. De maneira
alguma, podemos dizer que a Igreja ou sua mística é farsante ou um paganismo enrustido,
como se ouve em alguns sensos comuns contrários à Igreja. Em distinção, sua constituição
é válida e autêntica ao passo que o diálogo e o sincretismo fazem parte de toda formulação
religiosa (Berkenbrock, 2015).
Sanchis (1997) ainda nos fala de que no período que ele denomina pré-
modernidade – ainda que inicialmente se refira a uma lógica brasileira, podemos alçar
voo e aplicar esse conceito também a história religiosa mundial –, na qual o contexto
religioso era marcado por uma múltipla pertença religiosa, porém pautada pela
oficialidade de uma só pertença. No caso da Igreja após o Imperador Constantino, o que
observamos em sua história tanto romana quanto medieval é exatamente o conceito
cunhado por Sanchis (1997). Até dentro de sua prática oficial, podemos ver um
sincretismo apropriativo por parte da Igreja como demonstra Jean-Claude Schmit: “até o
amanhecer, o padre se protege traçando círculos ao seu redor toda vez que a aparição se
reproduz” (1999: 153).
Se até o século XIII a Igreja mantinha um diálogo muito mais sincrético do que
bélico com o paganismo, a partir do século XIII esse panorama começa a mudar. Para
Russell & Alexander (2008) isso foi fruto de uma sombra projetada a partir de uma
dualidade que, no ethos pagão, estaria inserida em um mesmo ser, mas que foi então
apartada pela dualidade cristã, referente a pureza da mulher pautada na imagem venerada
da Virgem Maria – já conhecida e venerada no cristianismo inicial, mas promovida a
santidade na Idade Média:
Mas a idealização da mulher teve um efeito inverso. Sempre que qualquer princípio
é exagerado, tende a criar uma sombra, uma imagem espelho, um princípio contrário.
O exagero da bondade e da pureza da mulher no amor cortesão e culto da virgem
criaram a imagem-sombra da megera, da bruxa. A Virgem Mãe de Deus encarnou
dois elementos do antigo [pagão] simbolismo triplo da mulher, a virgem e a mãe. O
cristianismo, porém, reprimiu o terceiro ponto, o espírito sombrio da noite e do
mundo subterrâneo. Mas esse lado sombrio do princípio feminino não desapareceu;
pelo contrário, a medida que o poder da Virgem Mãe aumentava, o mesmo ocorria
com o da bruxa. Nas antigas religiões, o lado sombrio havia sido integrado ao lado
luminoso, mas agora reprimido e totalmente apartado do lado positivo do princípio
feminino, a bruxa tornou-se totalmente má. E ocorreu mais uma transformação. Nas
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antigas religiões, a bruxa era a manifestação de um ser espiritual, uma deusa ou, pelo
menos, um demônio. Agora, na Europa cristã, a imagem da bruxa era projeta em
seres humanos. A bruxa europeia deve ser entendida, portanto, não apenas como
feiticeira, mas como encarnação da megera; como uma pessoa totalmente perversa e
depravada, sob o domínio e comando de Satã. (2008: 124)
Considerações Finais:
O que espero ter demonstrado é que o paganismo está na base constitucional de
muitas das religiosidades contemporâneas, a luz dos exemplos católicos que pude
explicitar. Longe de invalidar ou tirar a autenticidade das religiões que beberam sincrética
e/ou ecleticamente de fontes pagãs, o que demonstro é a possibilidade de um diálogo
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harmônico, fazendo das esperanças de Geertz (2001) também minhas quando ele diz que
na atualidade, fruto de nossa proximidade globalizante,
as diferenças de crenças, às vezes muito radicais, são mais diretamente visíveis, com
frequência crescente, e mais diretamente encontradas: prontas para a suspeita, a
preocupação, a repugnância e a alteração. Ou, suponho eu, para a tolerância e a
reconciliação, ou até para a atração e a conversão – ainda que estas, no momento,
não sejam exatamente comuns. (2001: 158)
Indo além, podemos entender que a hierofania do sagrado, como descreve Eliade
(1992), é sempre de uma parte do sagrado universal e que por isso o sagrado se manifesta
de várias formas e formulações. Nesse sentido, não nos caberia julgar ou contestar a
manifestação ou a experiência com o sagrado, mas nos permitiria tornarmos críticos às
repercussões dessas experiências e/ou manifestações. A unicidade do sagrado explicaria,
portanto, a funcionalidade do sincretismo, das apropriações. Uma vez que o sagrado se
manifesta de várias formas cambiadas no tempo e no espaço, mas todas passíveis de uma
interpretação fenomenológica e cíclica, poderíamos supor de que todas as religiosidades
conduziriam ao sagrado, sagrado de uma pluralidade de hierofanias mas de uma unicidade
constitucional. Essa perspectiva nos estimula a compreensão e mais ainda estimula o
diálogo religioso e o ecumenismo em detrimento da "gerra-santa” habitual.
É essa perspectiva, compreensiva mais do que explicativa, que não desautoriza
nem uma nem outra religiosidade, fundada ou reformulada pela experiência religiosa de
seus mestres, que acredito que devemos caminhar socialmente. Estimulando o respeito, a
compreensão da polissemia do sagrado que vivemos no mundo conectado, globalizado e
pequeno de hoje.
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