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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH

HZ851A - Sociologia da cultura

Professor: Michel Nicolau Netto

O “art business” e a estética não-ocidental: um estudo sobre materialidade

Nicole Caroline Cerialli Rodrigues

RA:20417

Introdução

Neste projeto, proponho traçar um paralelo entre o debate “conceito de arte” em


sociedades ocidentais e não-ocidentais, por meio da ótica da antropologia da arte, discutida
por Alfred Gell em Definição do problema: a necessidade de uma antropologia da arte; e o
meio de produção artística provida por meio do capitalismo, em que a arte se torna um
instrumento para o consumo em massa de produtos até então supérfluos dissertada por Gilles
Povetsky e Jean Serroy em A estetização do mundo Viver na era do capitalismo artista. Não
pretendo aqui questionar o certo e o errado, e sim utilizar-me dos textos para promover um
debate simplificado entre artigos sobre os meios artísticos e culturais da “antropologia da
arte” e sociologia da cultura, mostrando seus pontos em comum e suas diferenciações.

Mesmo se tratando de contextos diferenciados, em que no primeiro artigo temos como


ideia central o questionamento sobre a questão arte não-ocidental, se existe a possibilidade de
produções estéticas serem enquadradas em uma categoria tão ocidental quanto arte, sobre o
modo de observar sua estética, se é possível enxergar sem os enquadramentos da cultura em
que estamos inseridos e a carga discriminatória de comparação, tanto de beleza quanto
cultural. Um recorte visando comunidades que, ao meu ver, são “exotizadas” e seus artefatos
catalogados por meio do conceito de arte intrínseco na cultura ocidental.

No segundo artigo a discussão está voltada para um sistema de massificação e


enaltecendo o que é chamado de “art business”, a ideia de transformar produtos, antes
supérfluos para uma sociedade industrial, em peças de arte, luxo para gerar um mercado de
massas sonhando em adquiri-las. Observamos aqui a arte como mercadoria, com seu valor
mercantil se tornando mais importante que seu senso estético. Uma sociedade em que a todo
o momento nos deparamos com artefatos estéticos apenas com a função de decorar, roupas
variadas, muitas vezes padronizadas pelo senso estético promovido pelo marketing.

Como bibliografia de apoio aos textos principais tenho em mente Trecos, troços e
coisas Estudos antropológicos sobre a cultura material do autor Daniel Miller, Estar vivo:
ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição de Tim Ingold e A centralidade da
cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo de Stuart Hall, mostrando o
impacto material, tanto na antropologia quanto na sociologia, auxiliando nos pontos comuns
entre os dois temas.

A discussão

A “antropologia da arte”, tem como objetivo, de acordo com o autor, analisar até que
ponto a ideia de arte pode ser vinculada a culturas que muitas vezes não possuem um
conceito tão ocidental como arte/artista, e quando exposta como tal no ocidente existe uma
necessidade de buscar um significado ou possuir algum vínculo com um padrão de beleza
jamais estipulado, como mencionado por Coote e Morphy e a instituição analisada pela
sociologia, o capitalismo artista.

Um ponto curioso para esta discussão se encontra no texto de Daniel Miller Trecos,
troços e coisas, em que sugere uma antropologia dos artefatos e objetos criados por humanos,
de uma forma surpreendente, o autor nos mostra que dentro de uma sociedade de consumo
em massa que é o capitalismo, os trecos que produzimos e que consumimos têm com eles
significados particulares e universais. Ao mesmo tempo que abrange o artigo de Gell, uma
vez que, nem tudo que vimos em sociedades não-ocidentais e que nos apresenta certa beleza,
necessariamente nasceu com o propósito de ser arte.

Como por exemplo os escudos de guerra mencionados por Gell, em que


possivelmente um inimigo no campo de batalha não teria uma atração estética por
determinado objeto, pelo simples fato de não ser confeccionado para ser belo e sim para
causar medo, no entanto para as sociedades ocidentais e antropólogos este artefato tem sim
propriedades estéticas e causam interesse. Meu ponto aqui é mostrar que essa divergências
também acontecem entre as sociedades globalizadas.

Portanto, assim como vemos necessidade em catalogar objetos não ocidentais e aderir
a eles significados religiosos ou funcionais, catalogamos a nós mesmos e a nossos troços sem
a consciência de que são vistos de formas diferentes em outros locais. Assim como
mencionado pelo autor, "A ampliação simultânea de particularidade e universalidade é uma
maneira de definir o mundo moderno” (MILLER, Daniel. 2010. p.14) também é debatido por
Stuart Hall em a centralidade da cultura em que seu ponto principal do texto gira em torno
da discussão sobre a universalização de uma cultura única com a expansão da tecnologia e da
globalização, em que Hall afirma que essa expansão na verdade causaria um efeito de novas
identificações tanto globais quanto locais.

Miller exemplifica a partir de um paralelo entre o significado do vestuário para a


sociedade europeia e Trinidad. No primeiro cenário as roupas facilmente são divididas por
classe, assim como seus estereótipos, mulheres eram inferiorizadas por se importarem apenas
com roupas e sapatos, assim como homens negros eram ridicularizados por sonharem com
sapatos caros que supostamente não teriam condições de comprar. No entanto em Trinidad a
relação com a vestimenta é diferente da anterior, o autor menciona ocupantes ilegais, em
locais que não possuíam energia elétrica, mas que era comum as mulheres terem mais de 20
pares de sapatos, relato de uma mulher camponesa nos anos 50 mencionando ser imperdoável
ir a dois eventos diferentes com o mesmo vestido.

Em A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista não existe um debate


claro sobre essas novas identificações, mas se torna um ponto chave para entendermos a base
de como o capitalismo opera em meio ao capitalismo artista. Sua massificação, as tendências
por meio do marketing e sua divulgação em escala global, trazendo a ideia da arte como uma
mercadoria massificada, mostrando um conceito unificado de estética artística. Tal conceito
também abrangido por Stuart Hall, que menciona também a tecnologia do mundo globalizado
e a forma como a informação transita para muitas partes do mundo, no entanto como visto
anteriormente o autor nos mostra uma outra face deste mundo interconectado, e as influências
das culturas e forma de consumo em cada uma delas.

A discussão de Alfred Gell em seu artigo foca no conceito de arte em comunidades


não-ocidentais e consequentemente, se há validação em aplicar teorias ocidentais em
comunidades que podem não possuir tais conceitos, ao mesmo tempo que é uma discussão
válida, pois requer uma avaliação de um objeto com os “olhos nus” de qualquer culturalidade
e estereótipos, existe, também uma sociedade ocidental com o objetivo de lucrar como os
próprios autores Gilles Lipovetsky e Jean Serroy mencionam “Não estamos mais no tempo
das pequenas unidades de produção de arte, e sim dos mastodontes da cultura, dos gigantes
transnacionais das indústrias criativas, da moda e do luxo, tendo o globo como mercado.”
(LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. 2015. p.48).

Observando o paralelo podemos enxergar mais de perto a justificativa do porque o


ocidente tende a exotizar os artefatos mencionados por Gell, pelo fato de possuir público,
mesmo que em nichos específicos, como museus e galerias, os próprios antropólogos e
historiadores. Para a instituição capitalismo é mencionado por Gilles e Jean:

“Até os museus devem ser administrados como empresas, pôr em prática políticas de
comercialização e de comunicação, aumentar o número de visitantes, encontrar novas fontes
de receita. No capitalismo artista, as obras são julgadas muito mais em função de seus
resultados comerciais e financeiros do que quanto às suas características propriamente
estéticas.” (LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. 2015. p.47).

Conclusão

Como forma de finalizar este projeto, não tenho o objetivo de demonstrar um lado
certo ou errado, e sim utilizar-me das particularidades de cada autor como forma de mostrar
as convergências dos temas. Assim como Gell menciona, mesmo a antropologia da arte
possuindo seu foco em interações interpessoais imediatas e suas consequências, ou como
Miller menciona, “Defino o antropólogo como alguém que busca demonstrar as
consequências do universal para o particular e do particular para o universal mediante
devoção igual à compreensão e à abrangência empáticas de ambos.” (MILLER, Daniel.
2010. p.18).

Sem os estudos sociológicos, da sociologia da arte, sobre as instituições, a


consciência das produções e a forma como as obras de arte entram em circulação, em resumo,
sem o conhecimento das instituições do capitalismo artista em que vivemos, não haveria
estudo sobre trecos e principalmente, o questionamento se é possível interpretar estética
como arte, já que se trata de um termo ocidental.
Não seria possível surgir esse questionamento, sem antes entendermos o que é arte,
portanto finalizo, se não houvesse estudo em cima do conceito de arte e da instituição por trás
da sua circulação e produção, não seria possível identificar se artefatos estéticos de
sociedades não-ocidentais podem ou não ser considerados arte, ao mesmo tempo que não é
possível observar um objeto de outra cultura sem os olhos da nossa própria cultura, mesmo
quando há essa intenção, a base para avaliação ou comparação, persiste em ser da cultura em
que nos encontramos.

Bibliografia

GELL, Alfred. Definição do problema: a necessidade de uma antropologia da arte.


Revista Poiésis, 10(14), 2018, pp. 243-259. [Também disponível no livro “Arte e agência”,
Ubu, 2018].

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do


nosso tempo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº2, p. 15-46, jul./dez. 1997

LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do


capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre cultura


material. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013.

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