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Estimativa de matriz origem/destino utilizando dados do sistema

de bilhetagem eletrônica: proposta metodológica

André Leite Guerra¹, Heloisa Maria Barbosa², Leise Kelli de Oliveira³


Resumo: A caracterização da demanda é fundamental no desenvolvimento de redes de transporte, existindo inúmeros mé-
todos para a análise da demanda, sendo que as metodologias convencionais apresentam custos e tempo de execução
elevados, que restringem a frequência de sua aplicação. Visando mitigar as deficiências dos métodos convencionais de
pesquisas de transporte, este artigo apresenta uma proposta metodológica de estimativa de uma Matriz Origem-Destino para
sistemas de transporte público por ônibus usando informações do Sistema de Bilhetagem Eletrônica e do banco de dados
das linhas em Sistema de Informação Geográfica (SIG). Tal proposta consiste na montagem da rede de transporte em SIG,
na caracterização e tratamento dos dados de bilhetagem, na determinação da matriz semente e nos procedimentos para a
estimativa da matriz final. A metodologia foi testada para o sistema de transporte municipal de Maceió/AL. Os resultados
obtidos mostraram-se consistentes e indicam que a metodologia permite incorporar as mudanças ocorridas no sistema de
transporte. Além disso, a aplicação da metodologia indicou que esta é simples, conveniente e prática, podendo ser utilizada
para estudos relacionados a transporte público.

Palavras-chave: Matriz O/D. Bilhetagem eletrônica. Transporte público.

Abstract: The characterization of demand is fundamental in the development of transport networks. There are numerous
methods for the demand analysis, and the conventional methods have high costs and time of implementation, that restrict the
frequency of its application. In order to mitigate the weaknesses of conventional methods of transport surveys, this paper
presents a methodology for estimation of an Origin-Destination Matrix for public bus transport systems using information from
the Automatic Fare Collection and from Geographic Information Systems (GIS) database of buses lines. This methodology
consists in create the transport network in GIS, the characterization and processing of fare data for determining the seed
matrix and procedures to estimate the final matrix. The methodology was tested for the municipal transportation system of
Maceió/AL. The results were consistent and indicate that the proposed methodology allows incorporating the changes in the
transport system. Moreover, the application of the methodology indicated its simplicity, convenience and practicality, and can
be used for studies related to public transportation.

Keywords: OD Matrix. Automatic Fare Collection. Public transportation.

1 INTRODUÇÃO

O planejamento urbano é uma atividade 1997). Neste cenário, a realização apropriada do


fundamental para que se consiga ordenar e enca- planejamento necessita de uma melhor compre-
minhar o desenvolvimento das cidades. A au- ensão das relações de uso do solo e de sua inte-
sência deste planejamento certamente explica gração com o sistema de transporte.
parte dos problemas observados na maioria dos Por outro lado, o transporte é responsável
municípios brasileiros. Planejar o espaço ur- por uma demanda existente ou futura e o dimen-
bano, tanto a sua estrutura física como os seus sionamento da oferta é uma tarefa fundamental
aspectos de uso e ocupação, significa, muitas ve- no equacionamento e desenvolvimento da rede
zes, focar em programas relacionados ao sistema de transporte. Neste contexto, é necessário qua-
de transporte e sua infraestrutura, visto ser este lificar e categorizar a demanda (espacial e tem-
um dos principais ordenadores do espaço. As re- poral) para estabelecer os padrões de viagem, o
lações entre a ocupação e o uso do solo com a comportamento dos fluxos, as possibilidades de
infraestrutura de transporte explicam e condici- atendimento em função da estrutura viária, den-
onam o desenvolvimento das cidades (ANTP, tre outros elementos. Entretanto, o ambiente ur-
_________________________________________________
bano é extremamente dinâmico e mutável
dificultando, muitas vezes, o reconhecimento
¹ Universidade Federal de Minas Gerais - Mestrado em Geo- desses padrões.
tecnia e Transportes (andreguerra@gmail.com).
² Universidade Federal de Minas Gerais - Mestrado em Geo- Na busca de informações necessárias ao
tecnia e Transportes (helobarb@etg.ufmg.br). desenvolvimento das soluções, surgiram diver-
³ Universidade Federal de Minas Gerais - Mestrado em Geo-
tecnia e Transportes (leise@etg.ufmg.br). sos modelos de demanda na tentativa de auxiliar
Manuscrito recebido em 14/05/2014 e aprovado para publica-
o planejamento de transporte. Dentre estes, me-
ção em 08/08/2014. Este artigo é parte de TRANSPORTES v. recem atenção aqueles que procuram captar os
22, n. 3, 2014. ISSN: 2237-1346 (online). desejos de viagem dos habitantes, coletando não
DOI: http://dx.doi.org/10.14295/transportes.v22i3.789. só a origem e o destino de seus deslocamentos
26 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 26–38.
como também as variáveis de tempo a ele asso- Assim, a busca de métodos alternativos
ciados (início, fim, duração), o modo de trans- para obtenção de matrizes OD que não depen-
porte utilizado e os motivos da realização do dam de levantamento de campo e sejam menos
deslocamento, além de informações socioeconô- onerosas, é uma constante no meio técnico-aca-
micas, consubstanciando as chamadas Matrizes dêmico. Entre as alternativas, tratando-se apenas
de Origem-Destino (Matrizes OD). das viagens realizadas por transporte público co-
Para a estimativa dessas matrizes podem letivo, as que utilizam os dados de Sistemas de
ser utilizados métodos indiretos, através de mo- Bilhetagem Eletrônica (SBE) são as que pare-
delos matemáticos de previsão de demanda, ou cem oferecer melhores perspectivas.
métodos diretos, que se baseiam na realização de Para apresentar a metodologia proposta e
pesquisa de campo, sendo esta a mais utilizada. os resultados da aplicação, este trabalho está as-
Embora seja uma prática relativamente comum, sim dividido: na seção 2 é apresentado o referen-
verifica-se que os empecilhos de realização são cial teórico do trabalho, abordando sistemas de
cada vez maiores devido às dificuldades de coleta automática de dados, estudos realizados
acesso aos entrevistados em função de proble- para a determinação de matriz origem destino
mas de segurança. Além disso, os custos e o utilizando tais sistemas e uma alternativa aos
tempo de execução deste tipo de pesquisa são métodos tradicionais para estimar uma Matriz
muito expressivos, restringindo a frequência de OD utilizando contagem volumétrica de fluxos
sua aplicação para prazos mais alongados. em um conjunto de segmentos de rede. Na seção
Em paralelo, atualmente estão disponíveis 3 é apresentada a proposta metodológica que
várias tecnologias que, quando utilizadas nos consiste na montagem da rede de transporte em
veículos ou de posse pessoal dos usuários, pode- SIG, na caracterização e tratamento dos dados
riam ser aproveitadas para coleta de dados de de bilhetagem, na determinação da matriz se-
transporte. Estas tecnologias vêm sendo adota- mente e nos procedimentos para a estimativa da
das pelos sistemas de transporte para fins espe- matriz final. Os resultados da aplicação da me-
cíficos, gerando um excelente conjunto de todologia estão apresentados na seção 4. As con-
informações, geralmente não utilizadas para siderações finais encerram este artigo.
aprimorar os estudos na área. Dentre estes, me-
rece destaque a bilhetagem eletrônica, um sis- 2 PLANEJAMENTO DE TRANSPORTE
tema de cobrança de tarifa que armazena UTILIZANDO COLETA AUTOMÁTICA
informações de todas as transações efetuadas no DE DADOS
transporte público através do uso de cartões ele-
trônicos individuais. Os sistemas de Coleta Automática de Da-
Neste contexto, considerando ampliar o dos (ADC) têm seu uso cada vez mais difundido
uso de informações disponíveis para o aprimo- em todo o mundo. Estes podem incluir os siste-
ramento das atividades de planejamento e pro- mas de Localização Automática de Veículo
gramação dos sistemas de transportes, este (AVL), de Contagem Automática de Passagei-
artigo apresenta uma proposta metodológica ros (APC) e os Sistemas de Bilhetagem Eletrô-
para a estimativa de uma matriz origem-destino nica (SBE). Os sistemas de bilhetagem
específica para o transporte público por ônibus. eletrônica, foco deste artigo, incluem várias tec-
Esta proposta se justifica devido aos elevados nologias, sendo, o smart card, a opção mais mo-
custos financeiros e administrativos que envol- derna e flexível de pagamento de tarifa.
vem a realização de uma pesquisa Origem-Des- Segundo Trépanier et al. (2008), o uso
tino (OD), nas atividades em campo e desses cartões no transporte coletivo começou a
consolidação de dados em escritório, que faz ser explorado nos anos 2000 apesar de eles te-
com que a sua periodicidade seja naturalmente rem sido inventados no final da década de 1960.
baixa e a sua amostra relativamente pequena Gordillo (2006) destaca que esses cartões estão
(cerca de 5% do universo). De modo geral, a rapidamente se tornando o padrão global de ta-
pesquisa é realizada a cada dez anos e, este perí- rifação nos sistemas de transporte público. Nas
odo de tempo acarreta novos problemas visto grandes cidades brasileiras, segundo o relatório
que o espaço urbano está em constante processo anual do vale-transporte de 2012 produzido pela
de transformação e as informações obtidas em NTU (Associação Nacional das Empresas de
tram em obsolescência. Transportes Urbanos), os smart cards represen-
TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 26–38. 27
tam 97% dos vales-transportes. Em 2000, o ma- complementar. Assim, a origem do passageiro é
terial mais utilizado era o papel impresso, repre- referenciada pela posição geográfica do veículo
sentando 67% do total. no momento em que o passageiro efetuou a va-
lidação do seu cartão.
2.1 Determinação de Matriz O/D Outro fator que diferencia as metodologias
utilizando Sistemas de Coleta em sua essência é que, em alguns casos, o con-
Automática de Dados trole de acesso é feito tanto na entrada como na
Segundo Cui (2006), o aumento da utiliza- saída, sendo que as estimativas de origem e des-
ção dos Sistemas de Coleta Automática de Da- tino são feitas de maneira bastante precisa. Se-
dos (ADC) nos sistemas de transporte público gundo Zhao (2004), quando há apenas o controle
em todo o mundo, implicou no desenvolvimento de entrada, algumas suposições devem ser feitas
de pesquisas envolvendo estimativa de matrizes para se inferir o local de desembarque do passa-
OD a partir dos dados gerados por estes sistemas geiro, tais como (i) o passageiro inicia sua pró-
de coleta. Uma vez que os órgãos gestores dis- xima viagem no destino da viagem anterior; e
põem de diferentes informações, as pesquisas (ii) o passageiro termina a sua última viagem do
tendem a ter uma diferença tanto no foco como dia onde ele iniciou a primeira.
na metodologia. As principais vantagens destes Zhao (2004) desenvolveu uma metodolo-
métodos apontadas pelo referido autor são: gia para a inferência do destino de um passa-
Redução de Custo: Além de não envolver geiro em um sistema de trilhos para Chicago
equipes de pesquisa, os equipamentos são adqui- Transit Authority, associando dados do SBE
ridos previamente para outros propósitos e são com dados do AVL e utilizando uma rede em
projetados para coletar e arquivar as transações SIG. Neste trabalho é avaliada a integração tri-
dos passageiros e os eventos do veículo em todas lho-ônibus utilizando as informações de transfe-
as viagens equipadas; rência para o ônibus para melhorar a matriz de
Elevada amostra: O tamanho da amostra passageiros do transporte sobre trilhos. Chicago
do método baseado em entrevistas é sempre li- Transit Authority continuou a evoluir seus estu-
mitado devido aos altos custos envolvidos (ge- dos e, dois anos depois, Cui (2006) publicou
ralmente menor que 5% do universo); uma metodologia para estimar uma Matriz O/D
Maior frequência de execução: O custo de para ônibus a partir de dados obtidos de múlti-
desenvolver um sistema automatizado que pro- plos sistemas ADC. Sua tese foca no sistema
cessa as informações produzidas pelos ADC e com controle apenas de entrada.
gera a Matriz O/D, acontecerá apenas na pri- Trépanier et al. (2007 apud Chapleau et
meira vez. Em todas as outras vezes, basta cole- al., 2008; Munizaga et al., 2010) propuseram
tar informações mais recentes; um método para estimar o ponto de desembar-
Aponta a necessidade de pesquisas por en- que de uma viagem em sistemas com controle de
trevistas mais específicas: Quando os resultados acesso apenas na entrada. A aplicação foi feita
da matriz O/D, feita pelo método que utiliza na cidade de Gatineau (Canadá). Posterior-
ADC, identificam certas áreas de especial inte- mente, Trépanier et al. (2008) desenvolveram
resse, uma pesquisa por entrevista mais direcio- uma metodologia para comparar os dados pro-
nada pode ser conduzida para se obter venientes do SBE com os provenientes da pes-
informações mais detalhadas, não disponíveis quisa OD. Embora não se tenha obtido boas
nos sistemas ADC. conclusões, os autores reforçam que a publica-
As metodologias já desenvolvidas para os ção é uma primeira comparação entre dados ob-
sistemas sobre trilhos e para os sistemas por ôni- tidos da bilhetagem eletrônica e dados obtidos
bus possuem uma diferença básica já que no pri- de uma pesquisa OD.
meiro tipo de sistema o pagamento da tarifa Utilizando dados do SBE da cidade de
ocorre nas estações, enquanto no segundo, quase Chang Chu (China), Lianfu et al. (2007) propu-
sempre, o pagamento é feito no interior do veí- seram um método para construir uma matriz OD
culo. Quando o pagamento é feito nas estações, com nível de precisão no ponto de parada. O mé-
a origem do passageiro é determinada de forma todo não utiliza dados do sistema AVL e a refe-
direta como sendo a estação onde ocorreu a tran- rência com os pontos de parada é feita através
sação. Já nos sistemas por ônibus, os dados ge- das informações obtidas por meio de um questi-
rados pelos AVL devem ser utilizados de forma onário preenchido a bordo pelo motorista com
28 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 26–38.
os horários de cada parada. comendam que seja estudada uma solução mais
No Brasil, Farzin (2008) aplicou sua me- sofisticada, principalmente no que se refere aos
todologia na cidade de São Paulo, utilizando três casos de evasão em que são requeridas informa-
fontes primárias de dados para obter a matriz: as ções adicionais.
transmissões do sistema AVL, a localização ge-
ográfica dos pontos de parada das linhas em aná- 2.2 Determinação de Matriz OD Através
lise e a base de dados do SBE. Neste trabalho, de Contagens de Fluxo
os destinos são inferidos conforme metodologia Uma corrente alternativa aos métodos
proposta por Zhao (2004) e não é contemplada a tradicionais busca estimar uma Matriz OD
etapa de expansão da matriz para estimar todas utilizando contagem volumétrica de tráfego em
as viagens do sistema, sendo considerados ape- um conjunto de segmentos da rede. Tal
nas os passageiros que embarcaram em veículos abordagem foi inicialmente proposta na década
equipados com GPS (em 2006, o sistema AVL de 1970 para apoiar métodos expeditos de
não estava presente em toda a frota). Os resulta- análise da demanda – em geral de curto prazo, já
dos obtidos através da metodologia proposta, que não permite correlacionar a demanda com
utilizando dados de 2006, são comparados com seus fatores causais (Willumsen, 1981). Para
a matriz OD realizada na cidade no ano de 1997. Bertoncini (2007), este processo de obtenção da
Apesar da semelhança nos resultados, algumas demanda pode ser considerado como o inverso
diferenças surgiram em função de fatores como: dos métodos tradicionais. Nele, a Matriz OD é
(i) a ocorrência de transformações na cidade du- estimada a partir dos fluxos em trechos da rede
rante o período entre 1997 e 2006; (ii) a matriz sendo que nos métodos tradicionais os fluxos
de 2006 captura apenas os padrões de viagem são determinados a partir do conhecimento da
dos usuários de cartão eletrônico; (iii) a matriz matriz. Conforme exposto por Cascetta (1984),
obtida contempla apenas os passageiros que em- neste tipo de modelagem é estimada a matriz OD
barcam em veículos equipados com AVL. que minimiza uma medida de distância, “entró-
Um estudo mais recente foi desenvolvido pica” ou euclidiana, em relação a uma matriz se-
em Santiago, no Chile, por Munizaga et al. mente respeitando a restrição de que, uma vez
(2010). Na metodologia, o ponto de desembar- alocada na rede, os volumes observados são re-
que (destino) foi tomado como sendo o que mi- produzidos nos arcos. Segundo Abrahamsson
nimizasse a distância de caminhada entre ele e o (1998), a matriz semente pode ser obtida de uma
ponto de embarque seguinte. No caso do embar- pesquisa amostral ou de matriz antiga
que nas estações de ônibus, em que não é iden- (provavelmente desatualizada). Sendo assim,
tificada a linha utilizada, foi aplicado o conceito este tipo de modelo pode ser utilizado de forma
de “linhas comuns de ônibus”, que se baseia na complementar a outros métodos. As matrizes
frequência das linhas para estimar aquela em calculadas por estes modelos são denominadas
que o passageiro embarcou. A metodologia pro- Matrizes OD sintéticas.
posta considerou a conectividade entre as linhas. Embora os métodos que envolvam a
Assim, na aplicação, foi possível determinar o contagem de fluxos sejam abordados na
destino de 82% das viagens. Dentre os 18% res- literatura desde a década de 1970, eles não são
tantes, houve casos em que não existia ligação amplamente conhecidos. Para Bertoncini et al.
entre a linha embarcada e a linha seguinte, con- (2013), uma das razões disso deve-se ao fato de
siderando-se uma distância aceitável de cami- que existem questões de pesquisa relativas tanto
nhada. à formulação do problema, quanto à sua solução,
Em continuidade ao trabalho anterior, Mu- que ainda não foram suficientemente
nizaga e Palma (2012) publicaram um trabalho respondidas, gerando dúvidas quanto ao uso
acrescentando a etapa de expansão da amostra- deste tipo de modelo.
gem. Foi utilizado um fator de expansão dife- Nielsen (1998) apresenta dois métodos
rente para cada um dos três casos: quando a para estimar matrizes de viagens a partir de con-
origem é conhecida, mas o destino não pode ser tagens de tráfego. Seus algoritmos foram imple-
estimado; quando nem a origem, nem o destino mentados no TransCAD© que, segundo Timms
puderam ser estimados; viagens não detectadas (2001) é um dos softwares mais utilizados atual-
pelos cartões (caso de evasão de tarifa). Os au- mente. “Este método tem a vantagem dos dados
tores propuseram uma solução simples, mas re- de contagem serem tratados como variáveis es-
TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 26–38. 29
tocásticas, e de poder ser utilizado com qualquer 3 METODOLOGIA PROPOSTA
modelo de alocação de tráfego” (Caliper, 2008).
Segundo Nielsen (1998), o desenvolvimento A metodologia proposta é composta por
destes métodos surgiu de inúmeros casos na Di- quatro processos: (i) Montagem da rede de
namarca, em que houve problemas na atualiza- transporte em SIG; (ii) Obtenção e tratamento
ção de matrizes antigas de má qualidade, dos dados do SBE; (iii) Aplicação do modelo
utilizando diferentes pacotes de modelagem de para determinação da matriz OD semente; (iv)
tráfego. Assim, o cerne do trabalho de Nielsen Aplicação do modelo que utiliza contagens vo-
(1998) foi a utilidade em aplicações práticas lumétricas de passageiros para expandir a matriz
através de métodos de natureza heurística. OD semente. Para o seu desenvolvimento, são
O método do caminho único (SPME, do utilizadas três bases de dados primários: (i)
inglês Single Path Matrix Estimation) é de natu- banco de dados do SBE; (ii) informações sobre
reza heurística e utiliza apenas as contagens ao o sistema de transporte para construção da rede
longo do caminho ótimo entre cada par OD. O em SIG, tais como rede viária, itinerário das li-
segundo método, de múltiplos caminhos nhas do transporte público e zoneamento; (iii)
(MPME, do inglês Multiple Path Matrix Estima- contagens de ocupação das linhas em alguns tre-
tion) utiliza todas as contagens ao longo de todos chos pré-determinados da rede. O fluxograma da
os caminhos de acordo com o método das mé- metodologia proposta é apresentado na Erro!
dias sucessivas. Enquanto o foco do primeiro é Fonte de referência não encontrada. 1 e o de-
a facilidade de implementação, o segundo foi talhamento de cada etapa nas subseções a seguir.
desenvolvido para refletir melhor os padrões de
escolha de rota.

Rede viária, itinerários e Banco de Dados


dados socioeconômicos do SBE

Montagem da base de Tratamento dos dados


dados em SIG do SBE

Rede de Transporte Registros sem


em SIG erros

Aplicação do modelo para determinação


da matriz semente

Matriz Semente

Contagem da ocupação Aplicação do modelo


Matriz Final
nos trechos OD Matrix Estimation
Figura 1 - Fluxograma geral da metodologia

3.1 Montagem da Rede de Transporte em


SIG
Esta etapa consiste na montagem da base tivas às viagens e utilizações do cartão. O pri-
de dados da área de estudo em um software SIG meiro conjunto contempla informações como
contendo basicamente as seguintes informações: código de identificação da viagem, número da
(i) rede viária com informações de distância e linha, data e hora do início e término da viagem,
velocidade operacional do sistema de transporte; total de passageiros pagantes (dinheiro e cartão).
(ii) rede de transporte público; e (iii) divisão da O segundo conjunto de informações refere-se
área de estudo em zonas de tráfego. aos registros de todas as transações de tarifa fei-
tas por cartão eletrônico, apresentando informa-
3.2 Caracterização e Tratamento dos ções como código identificador do cartão,
Dados da Bilhetagem Eletrônica código identificador da viagem, data e hora de
Os SBE podem registrar informações rela- validação do cartão.
30 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 26–38.
A operação do SBE depende de interferên- eliminando 30% dos tempos de viagem mais
cia humana para registrar o início e término de distantes da média.
cada viagem, sendo importante a correta opera-
ção por parte do agente de bordo (cobrador). 3.3 Determinação da Matriz Semente
Desta forma, é necessário realizar auditoria nas O procedimento para determinação da
informações de viagem para eliminar os regis- Matriz semente está apresentado na Figura 2 e
tros inconsistentes, ou seja, aqueles que apresen- detalhado a seguir.
tam erros de abertura ou fechamento de viagem. A partir da posição do passageiro no mo-
Neste trabalho, fez-se necessário assumir que os mento em que houve o registro do cartão, pode-
tempos de viagem de uma linha de ônibus se- se atribuir a zona de tráfego correspondente com
guem uma distribuição normal, sendo possível a ajuda do banco de dados georreferenciado. A
estabelecer um intervalo em que estes tempos Figura 3 mostra, esquematicamente, uma linha
são considerados válidos. Com relação a uma li- de ônibus que passa por quatro zonas e a exten-
nha de ônibus, devido às oscilações do tráfego, são do trecho em cada uma delas. Os primeiros
existe grande variação nos tempos de viagem ao 10% da linha estão dentro da zona 1, os 30% se-
longo de um dia. Portanto, devem-se atribuir guintes estão na zona 2, os 40% seguintes na
curvas específicas para cada período de tempo zona 3 e, por fim, seus 20% restantes estão den-
para uma mesma linha, como faixas horárias. tro da zona 4. No exemplo, observa-se que o pas-
Optou-se por trabalhar a favor da segurança uti- sageiro A embarca na zona 1, B na zona 2 e o C
lizando-se uma probabilidade de 70% e, assim, na zona 3.

Banco de Da-
Rede de Trans- dos do SBE
porte em SIG
Tratamento dos dados Registros
do SBE com erros
Determinação da posição
geográfica das linhas Registros sem
erros

% dos trechos das li- Cartões com + de Cartões com ape-


nhas dentro de cada 1 registro nas 1 registro
zona

Definição da Origem e
do Destino
Definição da Origem
apenas

Cartões com Ori- Cartões apenas


gem e Destino com Origem

Definição do Destino
Matriz Semente para os Cartões com
apenas Origem

Figura 2 - Fluxograma do procedimento para determinação da matriz semente

3.3.1. Determinação da Origem


Inicialmente é definida a posição relativa 6h20min30s e concluída às 7h30min50s. Cada
do passageiro na linha, no momento em que um deles realizou o pagamento da tarifa em um
ocorre o pagamento da tarifa. Para isso, é neces- horário diferente: A às 6h26min25s, B às
sário reunir os dois conjuntos de informação do 6h45min36s e C às 7h10min32s, conforme ilus-
banco de dados do SBE. Como exemplo, consi- trado na Tabela 1. Considerando como referên-
dera-se que três passageiros - A, B e C - embar- cia os horários de início e término da viagem e
caram em uma viagem da linha 100 iniciada às de validação do cartão, nota-se que o passageiro
TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 26–38. 31
A validou seu cartão no momento em que o veí- B e C, validaram seus cartões em 36% e 71% do
culo completava 8% da viagem. Os outros dois, itinerário, respectivamente.

Tabela 1 - Definição da posição relativa da entrada do passageiro na linha


Hora de registro Código da Início da via- Final da via- Percentual
Código do cartão Linha
do cartão viagem gem gem da viagem
1029358670 6h26min25s 100 203567 6h20min30s 7h30min50s 8%
1029359326 6h45min36s 100 203567 6h20min30s 7h30min50s 36%
1029405076 7h10min32s 100 203567 6h20min30s 7h30min50s 71%

2 3 4
30%
10%

20%
1 40%
Figura 3 - Localização da linha segundo o zoneamento

A determinação da localização do passa- ção em que o destino final não é o destino de


geiro no nível de zoneamento minimiza a impre- desejo do passageiro – Figura 4 (b) – mas, o lo-
cisão do método causada pela diferença de cal onde é realizada a troca entre linhas.
tempo entre o embarque do passageiro no veí- Na metodologia proposta adotou-se um in-
culo e a validação do cartão. tervalo de tempo de 60 minutos a partir da pri-
meira utilização, em que qualquer novo início de
3.3.2. Determinação do Destino viagem é considerado como a efetivação de um
Depois de definidos os pontos de origem, transbordo que levará o passageiro ao seu des-
infere-se sobre o destino dos passageiros. No tino final. Por exemplo, se o usuário tem sua pri-
caso do sistema de transporte público por ôni- meira utilização do cartão às 6h, a segunda às
bus, as suposições apresentadas por Zhao (2004) 6h30min e a terceira às 12h, considera-se que a
devem ser alteradas com o objetivo de captar de utilização das 6h30min refere-se a um trans-
forma mais efetiva os transbordos realizados du- bordo, já que o intervalo entre esta e a primeira
rante uma viagem. Assim, para os passageiros utilização é de apenas 30 minutos. Assim, este
que precisam utilizar mais de uma linha de ôni- registro intermediário é desprezado, e seu des-
bus para chegar ao destino final, a viagem ocorre tino torna-se o local onde ocorreu a terceira uti-
conforme ilustrado na Figura 4: uma pessoa em- lização, conforme ilustrado na Figura 4 (c).
barca no primeiro ônibus em sua origem, realiza Adotou-se o intervalo de 60 minutos pois, em
um transbordo e, em seguida, embarca em uma muitos sistemas de transporte em que há a bilhe-
segunda linha para chegar até o ponto de destino. tagem eletrônica, é o tempo considerado para
Se fosse considerado o segundo embarque como conceder descontos na integração temporal.
o destino da primeira linha, teria-se uma situa-

(a) origem (b) origem (c) origem

ponto de destino
transbordo

destino destino
Figura 4 - Situação quando ocorre transbordo

Assim, as suposições para determinar o tempo especificada, o destino da primeira via-


ponto de destino são as seguintes: gem ocorre próximo à origem da segunda via-
Se o tempo entre a primeira e a segunda gem;
utilização do cartão é superior à tolerância de Se o tempo entre a primeira e a segunda
32 TRANSPORTES, v. 22, n. 3 (2014), p. 26–38.
utilização do cartão é inferior à especificação, o cada uma das duas viagens representadas foi de-
destino da primeira viagem será próximo à ori- finida como sendo o local de utilização dos car-
gem da terceira viagem. tões. Em (b) é mostrado como foram deduzidos
A base de dados contendo as transações os locais de destino. Adota-se que o destino da
eletrônicas de tarifa pode ser um registro parcial primeira viagem é o local de origem da segunda
de um deslocamento, nem sempre fidedigno da viagem. Já o destino da segunda viagem, por
realidade. De modo geral, a Figura 5 mostra uma esta ter sido a última viagem do dia, é o local de
situação fictícia considerada para as suposições origem da primeira viagem.
adotadas nesta metodologia. Em (a), a origem de

(a)

Origem
(b)
Destino

Figura 5 - Definição da origem e inferência do destino

3.3.3. Tratamento dos Cartões com apenas um


Registro
Para identificar o deslocamento de um na mesma proporção dos dados completos (com
passageiro é necessário um mínimo de dois re- mais de um registro). No exemplo da Tabela 2,
gistros de cartão eletrônico. Quando o passa- a viagem do passageiro ocorreu na linha 51 e
geiro realiza apenas uma viagem de transporte teve origem na zona 43. Como ele realizou ape-
público no dia, consegue-se obter apenas a ori- nas uma viagem neste dia, a zona de destino não
gem de seu deslocamento. Contudo, para o enri- pode ser determinada. Em casos como este, o
quecimento da matriz de transporte, esses destino é definido baseando-se no comporta-
registros de passageiros não devem ser despre- mento dos passageiros que também embarcaram
zados. Neste caso, o tratamento desta informa- na linha 51, na zona 43, mas tiveram a identifi-
ção é motivo de um procedimento adicional. cação completa de seus deslocamentos (origem
Utilizando os mesmos conceitos de Farzin e destino). Assim, se 50% deles desembarcam
(2008), adota-se para determinação dos destinos na zona 1, 40%, na zona 2 e 10%, na zona 3, a
destas viagens a mesma proporção identificada mesma proporção é atribuída aos passageiros
para as que têm o registro completo. As viagens com apenas um registro. O mesmo tratamento
com destino desconhecido (aquelas com apenas foi realizado com os registros dos passageiros
um registro) são alocadas a cada zona de destino com erro de abertura/fechamento de viagem.

Tabela 2 - Exemplo de registro com erro de abertura/fechamento na segunda utilização


Hora iní- % via-
Linha Viagem Cartão Data Hora Hora fim Zona
cio gem
51 14521931 231000001080 16/06/2010 6h46min22s 6h30min 8h36min 12,47% 43
7

Ao finalizar esta etapa, obtém-se uma ma- Nesta etapa será descrito o processo utilizado
triz com a informação de origem e destino dos para extrapolar a matriz semente e incluir todo o
usuários de cartão eletrônico. universo da demanda usuária do transporte pú-
blico.
3.4 Procedimento para Estimativa da O cálculo da matriz é realizado com a fun-
Matriz Final ção Transit OD Matrix Estimation (TODME) do
A matriz obtida a partir do banco de dados software TransCAD©, através de modelos ma-
do SBE (matriz semente) abrange apenas a de- temáticos que consideram contagens de de-
manda usuária de cartão eletrônico, não consi- manda para estimar uma matriz OD. A função
derando as demais categorias de passageiros. TODME utiliza como dados de entrada uma ma-

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triz base (no caso, a matriz semente), as linhas Segundo Caliper (2008), a matriz base tem
do sistema e contagens de ocupação das linhas duas finalidades: definir as dimensões para a
em alguns trechos da rede (Nielsen, 1998). A matriz final e fornecer valores iniciais para a ma-
partir destes dados de entrada, o programa rea- triz estimada. Por isso, é importante que ela seja
liza a alocação da demanda proveniente da ma- consistente. Wei et al. (2007 apud Yuanqing et
triz base, gerando fluxos de passageiros. Estes al., 2010) afirmam que uma matriz semente de
fluxos são comparados com os dados de conta- alta qualidade pode melhorar significativamente
gem, e a matriz é modificada individualmente a precisão da matriz estimada final. Assim, para
em cada par OD. O resultado é uma Matriz OD obter uma matriz inicial com informações coe-
que, quando alocada na rede, reproduzirá, de sas, a metodologia empregada utiliza dados so-
forma consistente, as informações de contagem. bre as viagens, gerando uma matriz semente
O fluxograma da Figura 6 esquematiza o pro- consistente que pode garantir bons resultados na
cesso. estimativa da matriz final.

Rede de Transporte Matriz Semente (1ª iteração)


em SIG

Processo
Alocação da demanda Fluxos de
iterativo
passageiros
Matriz
Estimada

Alteração dos pares da Houve Comparação: fluxo


matriz semente Não semelhança? alocado versus contagem
de ocupação

Sim

Matriz Estimada Contagem da


Final ocupação nos trechos

Figura 6 - Fluxograma do procedimento OD Matrix Estimation do TransCAD©

4 APLICAÇÃO DA METODOLOGIA

Para testar a metodologia proposta, foi re- ros pagantes em dinheiro. O percentual de usuá-
alizada uma aplicação ao sistema de transporte rios de cartão eletrônico e passageiros que pa-
público coletivo do município de Maceió, no Es- gam em dinheiro é de 58% e 42%,
tado de Alagoas, cujo SBE está em operação respectivamente.
desde 2000. O passo seguinte consistiu em analisar a
consistência dos dados. A principal análise foi
4.1 Tratamento da Base de Dados do SBE avaliar a eficácia do trabalho dos operadores na
A partir do SBE do transporte municipal abertura e no fechamento de viagem, única etapa
de Maceió, dois bancos de dados foram obtidos, da operação do sistema de bilhetagem que ne-
um com registros das operações realizadas com cessita de interferência humana. Supondo que os
o cartão eletrônico e o outro com registros de vi- tempos de viagens de uma linha de ônibus, den-
agens. A base de dados contempla as informa- tro de determinado período horário, seguem uma
ções da semana de 13 a 20 de junho de 2010. No distribuição normal, é possível estabelecer um
entanto, utilizaram-se os dados do dia 16 de ju- intervalo em que esses tempos são considerados
nho, quarta-feira, dia útil típico para testar a me- válidos. Com isso, foram eliminados 784 regis-
todologia. Neste dia, foram registradas 3.966 tros cujos tempos de viagem ficaram fora do in-
viagens, 172.260 validações utilizando 82.614 tervalo da curva normal, representando aproxi-
cartões, além de 125.713 registros de passagei- madamente 20% do total. Assim, por estimar a

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matriz OD do pico da manhã, neste estudo foram para alocação na rede de transporte. O quinto
utilizados apenas os cartões em que, pelo menos, passo consistiu no teste de aderência entre a de-
um registro tenha ocorrido entre 5h e 7h, em um manda alocada final e a demanda real das linhas.
total de 51.164 registros com 23.011 cartões, ge- Quando o teste não acusa aderência, a rede é
rando 24.917 embarques no período analisado. ajustada e todo o processo é repetido. O processo
Para os cartões que tiveram apenas um re- só acaba quando há aderência entre os dois con-
gistro na base de dados e aqueles em que um dos juntos de variáveis.
registros ocorreu em viagem com erro de aber-
tura e/ou fechamento, foi realizado um trata- 4.4 Discussão dos Resultados
mento especial. Inicialmente, esses registros A semelhança entre as variáveis observada
foram desconsiderados da base de dados para (demanda real das linhas) e modelada (demanda
determinar os locais de origem e destino, sendo obtida através da alocação) foi avaliada com o
posteriormente incorporados à matriz. De um to- teste de aderência GEH, utilizado em estudos de
tal de 24.917 embarques ocorridos com cartão tráfego e de transportes para comparar dois con-
eletrônico, no horário de pico da manhã, foram juntos de demanda. Segundo Chaudhry e Ranjit-
utilizados 13.911 para a determinação da matriz kar (2009), a formulação apresentada na
OD semente, ou seja, 56%. Considerando que os Equação 1 foi desenvolvida para ser tolerante às
usuários de cartão representam 58% do total de maiores diferenças em baixos fluxos.
2Dm  Dr 
usuários do sistema, tem-se que a amostra con- 2
templa 32% do total. GEH 
Dm  Dr  (1)
4.2 Determinação da Matriz Semente Em que Dm = demanda modelada e Dr =
As bases de dados tratadas foram reunidas demanda real.
para construir a matriz OD. Através da base de Os valores recomendados do GEH são: (i)
dados do SIG, calcula-se o tempo de permanên- pelo menos 60% das linhas devem ter GEH me-
cia de uma linha em cada uma das zonas por nor que 5; (ii) pelo menos 95% das linhas devem
onde se estende seu itinerário. Com a base de da- ter GEH menor que 10, e (iii) todas as linhas de-
dos do SBE, determina-se o momento em que vem ter GEH menor que 12.
foram realizadas as transações de cada passa- Os resultados da aplicação foram signifi-
geiro usuário de cartão eletrônico. A união des- cativos, havendo aderência entre a demanda to-
tas informações permite definir os locais (zona tal das linhas no modelo e as respectivas
de tráfego) onde as transações foram efetuadas demandas reais, pois para (i) GEH < 5: obteve-
e, assim, obter a origem e o destino de cada um. se 73%, (ii) GEH < 10: obteve-se 95%, e (iii)
GEH < 12: obteve-se 100%.
4.3 Estimativa da Matriz Final A matriz OD final está representada na Fi-
A estimativa da matriz final consistiu em gura 8. Os gráficos do tipo pizza representam o
um procedimento híbrido composto pela expan- total de passageiros que cada zona atrai e pro-
são da matriz e calibração da rede. O primeiro duz, isto é, a proporção entre a produção e a atra-
passo foi a alocação da matriz semente na rede ção. A dimensão do gráfico representa o número
de transporte, sendo utilizado o modelo Pathfin- de pessoas. As linhas, chamadas de linhas de de-
der do TransCAD©. No passo seguinte foram sejo, indicam a demanda de troca entre duas zo-
comparados os resultados da alocação com as nas, sendo que quanto maior a espessura, maior
contagens de volume de passageiros em 28 pon- o fluxo de pessoas entre as zonas. Nesta figura
tos da rede, cuja localização seguiu critérios estão mostradas apenas as linhas de desejo mais
como quantidade de linhas no trecho e abran- expressivas do sistema em análise.
gência do território. No terceiro passo foi apli- A comparação dos resultados com o sis-
cado o modelo de determinação de Matriz OD tema atual é condizente com a realidade, visto
por contagem de fluxo, utilizando a ferramenta que os bairros que mais atraem viagens no perí-
do TransCAD©, OD Matrix Estimation. Ao fi- odo da manhã estão na área central (região sul)
nal do processo, a matriz semente, com 22.085 e na região turística (área litorânea). Na área
passageiros, foi expandida resultando em um to- central se concentram estabelecimentos comer-
tal de 49.392 passageiros. No quarto passo, o ciais e de serviço, além de instituições públicas
mesmo processo foi aplicado à matriz expandida e de ensino. Na região turística estão as princi-
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pais praias, a rede hoteleira e o maior shopping tão os bairros que concentram unidades residen-
center da cidade. As zonas com maior produção ciais com a presença de grandes conjuntos habi-
de viagens são situadas na região norte onde es- tacionais.

Figura 8 - Representação das zonas de atração e produção e linhas de desejo

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados do Sistema de Bilhetagem Ele- A aplicação da metodologia indica que


trônica fornecem uma infinidade de informações esta é simples, conveniente e prática, podendo
importantes para os estudos relativos ao trans- ser utilizada para estudos relacionados a trans-
porte público, sendo uma fonte de dados que porte público. Para a aplicação da metodologia
pode ser utilizada na determinação de uma ma- são necessários dados do SBE, de contagem dos
triz OD de passageiros. Assim, neste trabalho foi fluxos de passageiros em trechos distintos da
apresentada uma metodologia para obtenção de rede e a rede de transporte em SIG. Como não
uma matriz OD de passageiros do transporte pú- foram realizadas pesquisas de campo para a apli-
blico por ônibus utilizando os dados de um SBE. cação da metodologia, os fluxos de passageiros
O procedimento inicia-se com a determinação foram determinados através de relações mate-
de uma matriz semente amostral que contempla máticas utilizando dados de demanda real das li-
apenas os passageiros usuários de cartão eletrô- nhas de ônibus e dados internos ao modelo.
nico. Em seguida esta matriz é expandida atra- As limitações deste trabalho estão relacio-
vés de um processo que utiliza contagens de nadas (i) à simplificação da análise estatística
fluxos de passageiros. O processo para expansão feita sobre os dados do SBE, (ii) à falta de um
da matriz semente se baseia em contagens, que processo para medir com exatidão a qualidade
determina o número total de passageiros inclu- da matriz final, e (iii) ao pressuposto de que to-
indo aqueles que não são contabilizados pelo dos os deslocamentos diários dos passageiros
SBE. Desta forma, os deslocamentos, represen- são realizados pelo modo ônibus, assumido para
tados pela matriz final, não ficam condicionados determinar a origem e o destino dos desloca-
ao comportamento típico dos usuários de cartão mentos. Conforme mencionado anteriormente, a
eletrônico. imprecisão causada pela diferença entre o tempo

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de embarque do passageiro e a validação do car- BERTONCINI, B. V. (2007) Uma proposta de carregamento
incremental de fluxos veiculares para estimação de matrix O-D
tão é minimizada por se considerar a localização sintética. Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade
(da origem e do destino das viagens) no nível do de São Paulo, São Carlos.
zoneamento. Tratando-se desta diferença, po-
CALIPER (2008) TransCAD Transportation Planning Software
dem existir casos em que o passageiro deixa para - Travel Demand Modeling with TransCAD 5.0 - User's Guide.
validar seu cartão no momento do desembarque, Caliper Corporation, Newton.
entretanto, esse impacto é pouco significativo já CASCETTA E. (1984) Estimation of Trip Matrices from Traffic
que há uma limitação de espaço físico nos veí- Counts and Survey Data: A Generalised Least Squares
culos entre a porta de entrada e a catraca onde Estimator. Transportation Research Part B, v. 18, n. 4-5, p. 289-
299. DOI: 10.1016/0191-2615(84)90012-2
ocorre a validação. Além disso, na fase de deter-
minação da matriz final, em que os fluxos são CHAPLEAU, R.; TRÉPANIER, M.; CHU, K. K. (2008) The
ajustados pelas contagens de passageiros, as Ultimate Survey for Transit Planning: Complete Information
with Smart Card Data and GIS. 8th International Conference on
possíveis imprecisões podem ser corrigidas. Survey Methods in Transport: Harmonization and Data
Além disso, ressalta-se que a aplicação da meto- Comparability, Annecy.
dologia refere-se apenas à rede de transporte pú- CHAUDHRY, M. S.; RANJITKAR, P. (2009) Capacity
blico, não configurando, necessariamente, Analysis of Signalised Intersection using Micro-simulation.
origem e destino da viagem em si. Ademais, em 32nd Australian Transport Research Forum, Auckland.
aplicações futuras da metodologia, é necessário CUI, A. (2006) Bus Passenger Origin-Destination Matrix
considerar os tempos de integração temporal das Estimation Using Automated Data Collection Systems. Thesis.
cidades em estudo, que deve ser compatível com Massachusetts Institute of Technology, Boston.
o porte da rede de transporte da localidade. Ou- FARZIN, J. M. (2008) Constructing an Automated Bus Origin–
tro ponto a considerar são os casos em que Destination Matrix Using Farecard and Global Positioning
ocorre integração modal no sistema. System Data in São Paulo, Brazil. Transportation Research
Record: Journal of the Transportation Research Board,
Apesar das limitações, os resultados indi- Washington, n. 2072, p. 30-37. DOI: 10.3141/2072-04.
cam a aplicabilidade da metodologia para obten-
GORDILLO, F. (2006) The Value of Automated Fare Collection
ção de dados de matriz origem destino do Data for Transit Planning: An Example of Rail Transit OD
transporte público por ônibus, com elevada fre- Matrix Estimation. Thesis. Massachusetts Institute of
quência, visto que após construído o procedi- Technology, Boston.
mento computacional para a obtenção da LIANFU, Z.; SHUZHI, Z.; YONGGANG Z.; ZIYIN, Z. (2007)
referida matriz, é possível, facilmente, atualizá- Study on the Method of Constructing Bus Stops OD Matrix
la com os novos dados do Sistema de Bilheta- Based on IC Card Data. International Conference on Wireless
Communications, Networking, and Mobile Computing,
gem Eletrônica. Neste contexto, os planejadores Shanghai. P. 3147-3150. DOI: 10.1109/WICOM.2007.780
urbanos terão sempre informações atualizadas
MUNIZAGA, M.; PALMA, C. (2012) Estimation of a
para a tomada de decisão, a custo baixo. Disaggregate Multimodal Public Transport OD Matrix from
Passive Smart Card Data from Santiago, Chile. Transportation
AGRADECIMENTOS Research Part C: Emerging Technologies, v. 24, p. 9-18. DOI:
10.1016/j.trc.2012.01.007

Os autores agradecem à CAPES, CNPQ e MUNIZAGA, M.; PALMA, C.; MORA, P. (2010) Public
FAPEMIG pelo suporte no desenvolvimento da Transport OD Matrix Estimation from Smart Card Payment
System Data. Proceedings from 12th World Conference on
pesquisa. Transport Research, Lisboa.

NIELSEN, O. A. (1998) Two New Methods for Estimating Trip


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