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Em toda parte ouvimos falar de declínio, de um mundo

que já foi melhor, talvez há cinquenta anos, talvez sécu­


los atrás, mas certamente antes da modernidade, e nos
arrastou juntamente por seu caminho incerto. Enquanto
alguns lamentam o desabamento da cultura ocidental no
relativismo e no niilismo e outros celebram a tendência
como um tipo de progresso libertador, Charles Taylor nos
convoca a encarar a crise política e moral de nossa época
e a tirar o máximo proveito dos desafios da modernidade.
No coração do mal-estar moderno, de acordo com a
maioria das considerações, está a noção de autenticidade,
de autorrealização, que parece tornar sem efeito toda a
tradição de valores em comum e o compromisso social.
Embora Taylor reconheça os perigos associados ao im­
pulso moderno para a autorrealização, não é tão rápido
como os outros em rejeitá-lo. Ele pede por um enregela-
mento do pessimismo cultural.
Em uma discussão de idéias e ideologias de Friedrich
Nietzsche a Gail Sheehy, de Allan Bloom a Michel Fou­
cault, Taylor separa o bom do mau no cultivo moder­
no de um self autêntico. Ele apresenta a rede inteira
de pensamento e moral que encadeia nossa busca pela
autocriação com nosso ímpeto para a autoformação, e
mostra como tais esforços devem ser conduzidos contra
um conjunto de regras existentes ou contra uma rede de
medida moral. Vistas contra esta rede, nossas preocupa­
ções modernas com expressão, direitos e com a subjetivi­
dade do pensamento humano revelam-se como espólios,
não como desvantagens.
Ao procurar o passado simplificadamente, julgamen­
tos unilaterais da modernidade, ao distinguir o bom e o
valioso do social e politicamente perigoso, Taylor articula
a promessa de nossa era. Seu estimulante e provocativo
livro dá voz ao desafio da modernidade e convoca todos
nós a respondê-lo.
COLEÇÃO
RBERtüRR
COLtüRRL
Impresso no Brasil, junho de 2011

Título original: The Ethics of Authenticity


Copyright © 2010 by Charles Taylor.
Todos os direitos reservados.

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Editor
Edson Manoel de Oliveira Filho

Gerente editorial
Bete Abreu

Preparação de texto
Paula B. P. Mendes

Revisão
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Luciane Helena Gomide

Capa e projeto gráfico


Maurício Nisi Gonçalves / Estúdio É

Diagramação
André Cavalcante Gimenez / Estúdio E

Pré-impressão e impressão
Cromosete Gráfica e Editora

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reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela
eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro
meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.
A ETICA DA
AUTENTICIDADE

Charles Taylor

TRADUÇÃO DETALYTA CARVALHO

Realizações
Editora
Agradecimentos

Meu agradecimento vai para Connie e Frank Moore, por sua ajuda na
discussão do projeto, e para Ruth Abbey e Wanda Taylor, por sua leitura
atenta do manuscrito. Sou grato a Eusebia da Silva por sua ajuda em
definir este e o projeto maior ao qual ele pertence.
SUMÁRIO

Capítulo 1 I Três Mal-estares...................................................................11

Capítulo 2 I O Debate Desarticulado...................................................... 23

Capítulo 3 I As Fontes da Autenticidade................................................. 35

Capítulo 4 I Horizontes Inescapáveis...................................................... 41

Capítulo 5 I A Necessidade de Reconhecimento..................................... 51

Capítulo 6 I O Escorregar para o Subjetivismo.......................................63

Capítulo 7 I La Lotta Continua............................................................... 77

Capítulo 8 I Linguagens Sutis................................................................... 85

Capítulo 9 I Uma Jaula de Ferro?............................................................. 95

Capítulo 10 I Contra a Fragmentação...................................................... 109

índice Remissivo........................................................................................ 121


111

Capítulo 1 | Três Mal-estares

Quero escrever aqui sobre alguns dos mal-estares da modernida­


de. Quero dizer com isso características de nossa cultura e sociedade
contemporâneas que as pessoas experimentam como uma perda ou
um declínio, mesmo enquanto nossa civilização “se desenvolve”. Às
vezes, as pessoas sentem que algum declínio importante ocorreu du­
rante os últimos anos ou décadas - desde a Segunda Guerra Mundial,
ou desde os anos 1950, por exemplo. E, por vezes, a perda é sentida
ao longo de um período histórico muito maior: a era moderna de
todo o século XVII é frequentemente vista como marco inicial do
declínio. No entanto, embora a escala temporal possa variar enor­
memente, há certa convergência sobre os temas do declínio. Eles são,
em geral, variações de poucas melodias centrais. Quero escolher aqui
dois desses temas centrais, e então lançar um terceiro que, em grande
parte, deriva destes dois. De maneira alguma esses três esgotam o
tópico, mas eles alcançam boa parte do que nos preocupa e nos deixa
perplexos a respeito da sociedade moderna.
As preocupações de que falarei são bastante familiares. Nin­
guém precisa ser lembrado delas; elas são discutidas, lamentadas,
desafiadas e debatidas o tempo todo nos mais variados meios. Isso
soa como uma razão para não falar mais ainda delas. Mas acredito
que essa grande familiaridade esconda o espanto, que nós não enten­
damos de fato essas mudanças que nos preocupam, que a maneira
A Ética da Autenticidade I Três Mal-estares

pela qual o debate normalmente é conduzido as deturpa - e, assim,


faz-nos compreender mal o que podemos fazer a respeito delas. As
mudanças que definem a modernidade são tanto bem conhecidas
quanto muito desconcertantes, e é por isso que ainda vale a pena
falar delas um pouco mais.
(1) A primeira fonte de preocupação é o individualismo. É claro
que individualismo também denomina o que muita gente considera a
maior conquista da civilização moderna. Nós vivemos em um mundo
no qual as pessoas possuem o direito de escolher por si mesmas o
próprio modo de vida, de decidir conscientemente quais convicções
abraçar, de determinar o formato de sua vida em uma série de ma­
neiras que seus antepassados não podiam controlar. E esses direitos
geralmente são defendidos por nossos sistemas legais. Em princípio,
as pessoas não são mais sacrificadas às demandas de ordens suposta­
mente sagradas que as transcendem.
Pouquíssimas pessoas querem retroceder nessa conquista. Na
realidade, muitas acham que ela ainda está incompleta, que arranjos
econômicos ou padrões da vida em família, ou as noções tradicionais
de hierarquia, ainda restringem muito a liberdade de sermos nós mes­
mos. Mas muitos de nós também somos ambivalentes. A liberdade
moderna foi ganha por nossa fuga dos antigos horizontes morais.
As pessoas costumavam se ver como parte de uma ordem maior. Em
alguns casos, esta era uma ordem cósmica, “a grande cadeia do Ser”,
na qual os homens figuravam em lugar determinado, assim como os
anjos, corpos celestiais, e as criaturas terrenas, nossos pares. Essa or­
dem hierárquica no universo se refletia nas hierarquias da sociedade
humana. As pessoas eram frequentemente fixadas em determinado
lugar, papel e estrato que eram propriamente delas e dos quais era
quase impensável se desviar. A liberdade moderna surgiu pelo descré­
dito de tais ordens.
Mas, ao mesmo tempo que nos limitavam, essas ordens davam
significado ao mundo e às atividades da vida social. As coisas que nos
12 I 13

circundavam não eram apenas matéria-prima ou instrumentos poten­


ciais para nossos projetos, mas tinham o significado dado a elas por
seu lugar na cadeia do ser. A águia não era apenas mais um pássaro,
mas a líder de todo um domínio da vida animal. Da mesma forma,
os rituais e normas da sociedade tinham mais do que um significado
meramente instrumental. O descrédito dessas ordens é o que tem sido
chamado de “desencantamento” do mundo. Com ele, as coisas perde­
ram parte de seu encanto.
Um forte debate acerca de isso ter sido uma coisa boa inequivo­
camente vem ocorrendo há dois séculos. Mas não é o que eu quero
focar aqui. Prefiro olhar para o que alguns viram serem as consequên­
cias para a vida humana e seu significado.
A preocupação de que o indivíduo perdeu algo importante com
os horizontes sociais e cósmicos maiores de ação tem sido expressa de
maneira repetida. Alguns têm escrito sobre isso como a perda da di­
mensão heróica da vida. As pessoas não possuem mais a sensação de
um propósito maior, de algo pelo qual vale a pena morrer. Alexis de
Tocqueville por vezes falou desse modo no século passado, referindo-
se aos “prazeres pequenos e vulgares” que as pessoas tendem a buscar
na era democrática.1 Articulado de outra forma, nós sofremos de falta
de paixão. Kierkegaard viu o “tempo presente” nesses termos. E os
“últimos homens” nietzschianos estão no limiar final desse declínio;
eles não possuem mais nenhuma aspiração na vida a não ser um “la­
mentável conforto”.1
2
Tal perda de propósito estava ligada a um estreitamento. As pes­
soas perderam a visão mais abrangente porque se centraram na vida
individual. A igualdade democrática, diz Tocqueville, orienta o indiví­
duo para si mesmo, “eí menace de le renfermer enfin tout entier dans

1 Alexis de Tocqueville, De la Démocratie en Amérique, v. 2. Paris, Carnier-


Flammarion, 1981, p. 385.
2 “Erbãrrnliches Behagen”. In: Also Sprach Zarathustra. Prefácio de Zaratus-
tra, parte 3.
A Ética da Autenticidade I Três Mal-estares

la solitude de son propre coeur” 3 Em outras palavras, o lado som­


brio do individualismo é o centrar-se em si mesmo, que tanto nivela
quanto restringe nossa vida, tornando-a mais pobre em significado e
menos preocupada com os outros ou com a sociedade.
Recentemente, essa preocupação veio à tona novamente no que
diz respeito aos frutos de uma “sociedade permissiva”, os feitos da
“geração eu”, ou a prevalência do “narcisismo”, para tomar apenas
três das mais conhecidas formulações contemporâneas. O sentido
de que vidas foram niveladas e estreitadas, e de que isso está ligado
a uma autoabsorção anormal e lamentável, voltou em formas espe­
cíficas à cultura contemporânea. Isto define o primeiro tema do qual
quero tratar.
(2) O desencantamento do mundo está ligado a outro fenômeno
massivamente importante da Idade Moderna, que também pertur­
ba bastante muitas pessoas. Nós podemos chamá-lo de primazia da
razão instrumental. Por “razão instrumental” quero dizer o tipo de
racionalidade em que nos baseamos ao calcular a aplicação mais eco­
nômica dos meios para determinado fim. Eficiência máxima, a melhor
relação custo-benefício, é sua medida de sucesso.
Não há dúvida de que o solapar das velhas ordens alargou imen­
samente o âmbito da razão instrumental. Uma vez que a sociedade
não possui mais uma estrutura sagrada, que os arranjos sociais e os
modos de ação não estão mais fundamentados na ordem das coisas ou
na vontade de Deus, eles estão, em certo sentido, “disponíveis”. Podem
ser redefinidos tendo suas consequências voltadas para a felicidade e o
bem-estar dos indivíduos como nossa meta. O critério que doravante
se aplica é o da razão instrumental. De maneira similar, uma vez que as
criaturas que nos cercam perdem o significado que lhes foi atribuído
de acordo com seu lugar na cadeia dos seres, elas podem ser tratadas
como matéria-prima ou instrumentos para nossos projetos.

3 Tocqueville, op. cit., p. 127.


14 I 15

Por um lado, essa mudança foi libertadora. Por outro, há tam­


bém um mal-estar generalizado de que a razão instrumental não
só ampliou seu âmbito como também ameaça dominar nossa vida.
O medo é de que coisas que deveríam ser determinadas por outros
critérios serão decididas em termos de eficiência ou análises de “cus-
to-benefício”, de que os fins independentes que deveríam guiar nossa
vida serão eclipsados pela demanda para maximizar a produção. Há
diversas coisas que se pode indicar que dão substância a essa preocu­
pação: por exemplo, os modos com que as demandas do crescimento
econômico são usadas para justificar distribuições bastante desiguais
de riqueza e renda, ou a maneira pela qual essas mesmas demandas
nos tornam insensíveis às necessidades do meio ambiente, até mes­
mo a ponto de um desastre potencial. Ou, então, podemos pensar no
modo em que boa parte de nosso planejamento social, em áreas cru­
ciais como avaliação de riscos, é dominada por formas de análises de
custo-benefício que envolvem cálculos grotescos, colocando valores
tributáveis em vidas humanas.45
A primazia da razão instrumental também é evidente no prestígio
e na aura que envolvem a tecnologia e nos faz acreditar que deveria­
mos buscar soluções tecnológicas mesmo quando se faz necessário
algo muito diferente. Vemos isso com frequência na esfera política,
como Bellah e seus colegas forçosamente argumentam em seu novo
livro.3 Entretanto, também invade outros domínios, como a medicina.
Patrícia Benner argumentou em diversos trabalhos importantes que a
abordagem tecnológica na medicina frequentemente deixou de lado o
tipo de cuidado que envolve tratar o paciente como uma pessoa com­
pleta com uma história de vida, e não como lócus de um problema
técnico. A sociedade e a comunidade médica não raro subestimam
a contribuição das enfermeiras, que, com mais frequência do que os

4 Para os absurdos desses cálculos, ver R. Bellah et. al., The Good Society.
Nova York, Knopf, 1991, p. 114-19.
5 Ibidem, capítulo 4.
A Ética da Autenticidade I Três Mal-estares

especialistas com conhecimento high-tech, oferecem esse cuidado sen­

sível de maneira mais humana.6


O lugar predominante da tecnologia também é pensado como
tendo contribuído para o estreitamento e nivelamento da vida, que
acabei de discutir em relação ao primeiro tema. As pessoas falaram
de uma perda de ressonância, profundidade ou riqueza nos nossos
arredores. Há quase 150 anos, Marx, no Manifesto Comunista, des­
tacou que um dos resultados do desenvolvimento capitalista era que
“tudo o que é sólido desmancha no ar”. A afirmação é de que os
objetos sólidos, duradouros, muitas vezes expressivos, que nos ser­
viram no passado estão sendo postos de lado pelas commodities
substituíveis, rápidas e malfeitas com as quais agora nos cercamos.
Albert Borgman fala do “paradigma do dispositivo” pelo qual re­
movemos mais e mais de “comprometimento diverso” com nosso
ambiente e, em vez disso, pedimos e adquirimos produtos desenvol­
vidos para entregar algum benefício específico restrito. Ele compa­
ra o que está envolvido em aquecer nossos lares, o contemporâneo
aquecedor central, com o que essa mesma função implicava em tem­
pos pioneiros, quando toda família tinha de estar envolvida em cor­
tar e empilhar a madeira e alimentar o forno ou a lareira.7 Hannah
Arendt se concentrou na qualidade cada vez mais efêmera dos obje­
tos modernos de uso e argumentou que “a fatuidade e a fidedignida-
de do mundo humano se encontram primeiro no fato de que somos
cercados por coisas mais permanentes do que as atividades pelas

6 Ver especialmente Patrícia Benner e Judith Wrubel, The Primacy of Car-


ing: Stress and Coping in Health and Illness. Menlo Park, CA, Addison-
Wesley, 1989.
7 Albert Borgman, Technology and the Character of Contemporary Life. Chi­
cago, University of Chicago Press, 1984, p. 41-42. Borgman parece mesmo
ecoar a figura do “último homem” de Nietzsche quando afirma que a promes­
sa libertadora original da tecnologia pode degenerar na “busca de conforto
frívolo” (p. 39).
16 I 17

quais foram produzidas”.8 Essa permanência fica sob ameaça em um


mundo de commodities modernas.
Essa sensação de ameaça é aumentada pelo conhecimento de que
tal primazia não é apenas uma questão de uma orientação talvez in­
consciente para a qual somos estimulados e atraídos pela era moder­
na. Como tal, seria difícil o bastante combatê-la, mas pelo menos tal­
vez cedesse à persuasão. No entanto, também é claro que mecanismos
poderosos da vida social nos pressionam nessa direção. Uma gerente
independente, apesar da própria orientação, pode ser forçada pelas
condições do mercado a adotar uma estratégia maximizadora que
acha destrutiva. Um burocrata, apesar de sua visão pessoal, pode ser
forçado pelas regras sob as quais opera a tomar uma decisão que ele
sabe ser contra a humanidade e o bom-senso.
Marx, Weber e outros grandes teóricos exploraram esses meca­
nismos impessoais, que Weber designou com a expressão “jaula de
ferro”. Algumas pessoas quiseram tirar dessa análise a conclusão de
que estamos totalmente desamparados diante de tais forças, ou no
mínimo desamparados a menos que desmantelemos as estruturas ins­
titucionais sob as quais temos operado nos últimos séculos - isto é,
o mercado e o Estado. Essa ambição parece tão irrealizável hoje que
equivale a dizer que estamos desamparados.
Quero voltar a isso depois, mas acredito que essas teorias sólidas
de fatalidade sejam abstratas e equivocadas. Nossos graus de liberda­
de não são zero. Há um momento de deliberar o que devem ser nossos
fins, e se a razão instrumental deve desempenhar um papel menor em
nossa vida. Mas a verdade nessas análises é que não se trata apenas de
uma mudança de perspectiva dos indivíduos, não é apenas uma ques­
tão de conflito entre “corações e espíritos”, ainda que seja importan­
te. A mudança nesse domínio terá de ser também institucional, muito

8 Hannah Arendt, The Human Condition. Garden City, NJ, Doubleday, Anchor
Edition, 1959, p. 83.
A Ética da Autenticidade I Três Mal-estares

embora não possa ser tão radical e total quanto os grandes teóricos
da revolução propunham.
(3) Isso nos leva ao nível político e às temidas consequências do
individualismo e da razão instrumental para a vida política. Uma de­
las eu já introduzí. É a de que as estruturas e instituições da sociedade
industrial tecnológicas restringem severamente nossas escolhas, que
elas forçam tanto as sociedades quanto os indivíduos a atribuir um
peso à razão instrumental que, em uma deliberação moral séria, nós
jamais atribuiriamos, e que pode até ser altamente destrutiva. Um
caso em questão é a nossa dificuldade em enfrentar até mesmo amea­
ças vitais oriundas de desastres ambientais à nossa vida, como a di­
minuição da camada de ozônio. A sociedade estruturada em torno da
razão instrumental pode ser vista como impondo uma grande perda
de liberdade, no indivíduo e no grupo - porque não são somente nos­
sas decisões sociais que são moldadas por essas forças. Um estilo de
vida individual também é difícil de sustentar contra a inclinação natu­
ral. Por exemplo, o design de algumas cidades modernas torna difícil
seu funcionamento sem um carro, especialmente onde o transporte
público foi gradualmente destruído em favor do veículo privado.
Mas há outro tipo de perda de liberdade, que também foi am­
plamente discutido, mais memoravelmente por Alexis de Tocque-
ville. Uma sociedade em que as pessoas acabam sendo o tipo de
indivíduo que é “fechado em seu próprio coração” é aquela em que
poucos vão querer participar ativamente no autogoverno. Eles pre­
ferirão ficar em casa e desfrutar as satisfações da vida privada, con­
tanto que o governo vigente produza os meios para tais satisfações
e os distribua abertamente.
Isso expõe o perigo de uma nova, especificamente moderna, for­
ma de despotismo, que Tocqueville chama de despotismo “suave”.
Não será uma tirania do terror e da opressão como antigamente.
O governo será moderado e paternalista. Pode até manter formas
democráticas, com eleições periódicas. Mas, na realidade, tudo será
18 I 19

governado por um “enorme poder tutelar”9 sobre o qual o povo


terá pouco controle. A única defesa contra isso, pensa Tocqueville,
é uma vigorosa cultura política na qual a participação é valorizada,
em muitos níveis do governo e nas associações voluntárias também.
Mas o atomismo individual autoabsorto luta contra isso. Uma vez
que a participação diminui, que as associações periféricas que eram
seus veículos murcham, o cidadão individual é abandonado sozinho
perante um estado burocrático vasto e se sente, corretamente, im­
potente. Isso desmotiva o cidadão ainda mais, e o ciclo vicioso do

despotismo suave está posto.


Talvez algo como essa alienação da esfera pública e a consequen­
te perda do controle político estejam acontecendo em nosso mundo
altamente centralizado e politizado. Muitos pensadores contemporâ­
neos viram a obra de Tocqueville como profética.10 Se é assim, o que
corremos o risco de perder é o controle político sobre nosso destino,
algo que poderiamos exercer em comum como cidadãos. E isso que
Tocqueville chama de “liberdade política”. O que está ameaçada aqui
é a nossa dignidade como cidadãos. Os mecanismos impessoais men­
cionados podem reduzir nossos graus de liberdade como uma socie­
dade, mas a perda de liberdade política significaria que até mesmo
as escolhas restantes não seriam mais feitas por nós, mas sim pelo

irresponsável poder tutelar.


Este, então, são os três mal-estares modernos de que quero tra­
tar neste livro. O primeiro medo é sobre o que poderiamos chamar
de perda do significado, o enfraquecimento dos horizontes morais.
O segundo diz respeito ao eclipse dos propósitos diante da dissemina­
ção da razão instrumental. E o terceiro é sobre a perda da liberdade.
Evidentemente, eles não são incontroversos. Eu falei de preo­
cupações que são disseminadas e mencionei autores influentes, mas

9 Tocqueville, op. cit., p. 385.


10 Veja, por exemplo, R. Bellah et al., Habits of the Heart. Berkeley, University
of Califórnia Press, 1985.
A Ética da Autenticidade I Três Mal-estares

nada aqui é reconhecido. Mesmo aqueles que compartilham alguma


forma dessas preocupações disputam vigorosamente sobre como de­
vei iam ser formuladas. E há muitas pessoas que querem dispensá-las
sem pensar duas vezes. Aqueles que estão profundamente no que os
ctíticos denominaram cultura do narcisismo” pensam que seus opo­
sitores anseiam por uma era passada, mais opressiva. Adeptos da ra­
zão tecnológica moderna acham que os críticos da primazia da razão
instrumental são reacionários e obscurantistas, que planejam negar
ao mundo os benefícios da ciência. E existem defensores da mera li­
berdade negativa que acreditam que o valor da liberdade política é
exagerado, e que uma sociedade em que a administração científica se
combina com a máxima independência para cada indivíduo é o que
deveriamos visar. A modernidade tem seus incentivadores assim como
seus críticos.11
Não há concordância aqui e o debate continua. Mas, no decorrer
desse debate, a natureza essencial dos desenvolvimentos, que estão
sendo desprezados aqui e louvados lá, é frequentemente mal com­
preendida. E, como resultado, a verdadeira natureza das escolhas
morais a serem feitas está obscurecida. Em particular, reivindicarei
que o caminho correto a ser tomado não é nem o recomendado por
incentivadores convictos nem o favorecido pelos totalmente críticos.
Tampouco será um mero balanço entre vantagens e custos do, diga­
mos, individualismo, da tecnologia e da administração burocrática
que oferecerá a resposta. A natureza da cultura moderna é mais sutil
e complexa que isso. Quero reivindicar que tanto os incentivadores
quanto os críticos estão corretos, mas de uma maneira que não pode
fazei justiça por meio de um simples equilíbrio entre vantagens e cus­
tos. Na realidade, há tanto muito que se admirar quanto muito que
se depreciar e se assustar em todos os desenvolvimentos que tenho
descrito, mas entender a relação entre essas duas coisas é perceber*

No original: boosters e knockers. (N. T.)


20 I 21

que a questão não é quanto você terá de pagar, em matéria de conse­


quências ruins, por frutos positivos, mas, antes, como direcionar tais
desenvolvimentos para sua melhor promessa e evitar o deslize para as
formas degradadas.
Agora eu não tenho nada parecido com o espaço de que preci­
saria para tratar de todos esses três temas como eles merecem, por
isso proponho um atalho. Vou me lançar a uma discussão do pri­
meiro tema, a respeito dos perigos do individualismo e da perda do
significado. Vou prosseguir nessa discussão em larga medida. Após
ter alguma ideia de como tal questão deve ser tratada, irei sugerir
como um tratamento similar dos outros dois temas pode ocorrer.
A maior parte da discussão, portanto, concentrar-se-á no primeiro
eixo de preocupação. Vamos examinar em mais detalhes sob qual
forma ela se coloca hoje.
I 23

Capítulo 2 | O Debate Desarticulado

Nós podemos entendê-lo através de um livro recente e muito


influente nos Estados Unidos: The Closing of the American Mind,
de Allan Bloom. O livro em si foi um fenômeno notável: uma obra
de um acadêmico teórico da política sobre o clima de opinião en­
tre os estudantes da atualidade manteve-se por meses na lista dos
best-sellers do New York Times, para grande surpresa do autor.

E tocou num ponto fraco.


Ele tomou uma posição crítica severa em relação à juventude ins­
truída de hoje. O principal aspecto que notou em sua perspectiva a
respeito da vida foi a aceitação um tanto quanto fácil do relativis­
mo. Todos possuem os próprios “valores”, e sobre eles é impossível
discutir. Mas, como Bloom notou, esta não era apenas uma posição
epistemológica, uma visão acerca dos limites do que a razão pode es­
tabelecer; também era o sustentar de uma posição moral: não se deve
contestar os valores dos outros. Isso é problema deles, a escolha de
vida deles, e deve ser respeitado. O relativismo estava parcialmente
fundamentado em um princípio de respeito mútuo.
Em outras palavras, o relativismo é em si uma ramificação de
uma forma de individualismo, cujo princípio é algo assim: todo
mundo tem o direito de desenvolver a própria maneira de viver,
fundamentada no próprio sentido do que é realmente importante
ou de valor. As pessoas são convocadas a serem verdadeiras consigo
A Ética da Autenticidade I 0 Debate Desarticulado

mesmas e a buscar a própria autorrealização Em que isso consiste,


cada um deve, em última instância, determinar por si mesmo. Ne­
nhum outro pode ou deve tentar ditar seu conteúdo.
Essa posição é bastante comum hoje. Reflete o que poderiamos
chamar de individualismo da autorrealização, o qual é amplamen­
te disseminado em nossos dias e adquiriu força especialmente nas
sociedades ocidentais a partir dos anos 1960. Ele foi selecionado e
discutido em outros livros influentes: The Cultural Contradictions of
Capitalism, de Daniel Bell; The Culture of Narcissism e The Minimal
Self de Christopher Lasch; e A Era do Vazio, de Gilles Lipovestky.
O tom de preocupação é audível em todos eles, embora talvez
de forma menos marcante em Lipovetsky. Segue, grosso modo, as li­
nhas que já destaquei sobre o tema 1. Esse individualismo envolve
um centramento no self e um desligamento concomitante, ou mesmo
ignorância, de questões e preocupações mais importantes que trans­
cendem o self, sejam elas religiosas, políticas ou históricas. Como
2 E a preocupação ca-
consequência, a vida é estreitada ou nivelada.1
racteristicamente transborda para a terceira área que descreví: esses
autores estão preocupados com as consequências políticas possivel­
mente desastrosas dessa mudança na cultura.
Agora há muito com o que concordo nas críticas que tais autores
fazem da cultura contemporânea. Como explicarei logo mais, penso
que o relativismo defendido abertamente hoje é um engano profundo,

1 Optamos por deixar o termo self no original sem traduzi-lo, seguindo as


traduções anteriores de Charles Taylor. (N. T.)
2 Essa imagem ocorre em Bloom, The Closing of the American Mind, Nova
York, Simon and Schuster, 1987: “A perda dos livros os fez mais nivelados e
estreitos. Mais estreitos, pois não possuem o que é mais necessário, uma base
real para insatisfação com o presente e consciência de que há alternativas a
isto. Eles estão tanto satisfeitos com o que é e desesperançosos por jamais
escapar disto (...) Nivelados, porque sem as interpretações das coisas, sem a
poesia ou a atividade da imaginação, suas almas são como espelhos, não da
natureza, mas do que está ao redor” (p. 61).
24 I 25

mesmo em alguns aspectos autoestultificantes. Parece verdadeiro que


a cultura da autorrealização levou muitas pessoas a perderem de vista
as preocupações que as transcendem. E parece óbvio que adquiriu
formas triviais e autoindulgentes. Isso até pode resultar em um tipo de
absurdo, enquanto novos modos de conformidade surgem entre pes­
soas que estão esforçando-se para serem elas mesmas, e, além disso,
novas formas de dependência, uma vez que pessoas inseguras sobre
suas identidades voltam-se para todo tipo de guias e autoproclama-
dos especialistas, envoltos no prestígio da ciência ou de alguma espi­

ritualidade exótica.
Mas há algo que não obstante quero me opor no impulso dos ar­
gumentos que esses autores apresentam. Isso aparece claramente em
Bloom, talvez de maneira mais forte em seu tom de desprezo pela cul­
tura que descreve. Ele parece não reconhecer que há um ideal moral
poderoso em trabalho aqui, não importa quão degradada e travestida
possa ser sua expressão. O ideal moral por trás da autorrealização é o
de ser fiel a si mesmo, em um entendimento especificamente moderno
do termo. Décadas atrás, isso foi definido brilhantemente por Lionel
Trilling em um livro influente, no qual ele capturava essa forma mo­
derna e a distinguia das anteriores. A distinção é expressa no título
do livro, Sincerity and Authenticity,3 e seguindo seus passos usarei o
termo “autenticidade” para o ideal contemporâneo.
O que quero dizer com ideal moral? Quero dizer um quadro de
como seria um modo de vida melhor ou mais elevado, onde “melhor”
e “mais elevado” são definidos não em relação ao que possamos dese­
jar ou precisar, mas sim oferecer um padrão do que devemos desejar.
A força de termos como “narcisismo” (no vocabulário de Lasch),
ou “hedonismo” (na descrição de Bell), é implicar que não há ideal
moral algum em curso aqui, ou, se há, na superfície, que deve ser
visto como uma película de autoindulgência. Como Bloom coloca,

3 Este livro também será publicado pela Editora É. (N. E.)


A Ética da Autenticidade I 0 Debate Desarticulado

a grande maioria dos estudantes, embora eles queiram tanto quanto


qualquer outro ter boa opinião de si mesmos, está ciente de que está
ocupada com a própria carreira e seus relacionamentos. Há certa re­
tórica da autorrealização que dá um revestimento de glamour a essa
vida, no entanto eles podem ver que não há nada particularmente no­
bre a respeito dela. “Sobrevivencialismo” tomou o lugar do heroísmo
como a qualidade admirada.4

Não tenho dúvidas de que isso descreve algumas, talvez várias,


pessoas, mas é um grande equívoco achar que nos concede um insight
para a mudança em nossa cultura, para o poder desse ideal moral - o
qual precisamos entender se quisermos explicar até mesmo a razão pela
qual é usado como um revestimento hipócrita pelo autoindulgente.
O que precisamos entender aqui é a força moral por trás de no­
ções como a autorrealização. Uma que vez que tentamos explicar isso
simplesmente como um tipo de egoísmo, ou uma espécie de relaxa­
mento moral, uma autoindulgência no que diz respeito a uma época
anterior mais exigente e mais dura, nós já estamos no caminho errado.
Falar de “permissividade” não é suficiente. A frouxidão moral existe, e
nossa época não está sozinha nisso. O que precisamos explicar é o que
é peculiar ao nosso tempo. Não se trata apenas de as pessoas sacrifi­
carem seus relacionamentos amorosos, e o cuidado de seus filhos, na
busca de sua carreira. Algo nesse sentido talvez sempre tenha existido.
A questão é que hoje muitas pessoas sentem-se convocadas a fazer
isso, acham que devem fazer isso, pensam que sua vida seria de algum
modo desperdiçada ou incompleta caso não fizessem isso.
Portanto, o que se perde nessa crítica é a força moral do ideal de
autenticidade. Ele está, de alguma maneira, sendo implicitamente des-
creditado junto com suas formas contemporâneas. Isso não seria tão
ruim caso pudéssemos nos voltar para a oposição em busca de uma
defesa. No entanto, ficaremos decepcionados. Que a defesa da auten­
ticidade assuma a forma de um tipo de relativismo suave significa que

4 Bloom, op. cit., p. 84.


26 I 27

a defesa enfática de qualquer ideal moral está de algum modo fora de


cogitação. Pois as implicações, como eu acabei de descrever, são de
que algumas formas de vida de fato são mais elevadas que outras, e a
cultura da tolerância para com a autorrealização individual se esqui­
va dessas reivindicações. Isso significa, como tem sido apontado com
frequência, que há algo contraditório e autodestrutivo nessa posição,
já que o próprio relativismo é alimentado (pelo menos em parte) por
um ideal moral. Contudo, de maneira consistente ou não, essa é a
posição geralmente adotada. O ideal se reduz ao nível de um axioma,
algo que não se desafia e também nunca se expõe.
Ao adotar o ideal, as pessoas na cultura da autenticidade, como
quero denominar isso, dão apoio a certo tipo de liberalismo, que tem
sido abraçado por muitos outros também. Trata-se do liberalismo da
neutralidade. Um de seus princípios básicos é de que uma sociedade
liberal precisa ser neutra a respeito de questões sobre o que constitui
uma vida boa. A vida boa é o que cada indivíduo busca, à sua própria
maneira, e o governo precisaria de imparcialidade, bem como no que
diz respeito a todos os cidadãos, caso tomasse partido nessa questão.5
Muito embora diversos dos escritores dessa escola sejam opositores
apaixonados do relativismo suave (Dworkin e Kymlicka entre eles), o
resultado de sua teoria é banir para a periferia do debate as discussões
a respeito da vida boa.
O resultado é uma desarticulação extraordinária sobre um dos
ideais constitutivos da cultura moderna.6 Seus oponentes o apressam,
e seus simpatizantes não conseguem falar a respeito. Todo o debate

Ver John Rawls, A Theory of justice, Cambridge, Harvard University


Press, 1971, e “The Idea of an Overlapping Consensus”, in: Philosophy and
Public Affairs, 17, 1988; Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Londres,
Duckworth, 1977, e A Matter of Principie, Cambridge, Harvard University
Press, 1985; também Will Kymlicka, Liberalism, Community and Culture,
Oxford, The Clarendon Press, 1989.

6 Escrevi sobre isso extensamente em Sources ofthe Self, Cambridge, Harvard


University Press, 1989, capítulo 3.
A Ética da Autenticidade I 0 Debate Desarticulado

conspira para colocá-lo à sombra, para torná-lo invisível. E tem con­


sequências negativas. Mas, antes de prosseguir nisso, quero mencio­
nar dois outros fatores que conspiram para intensificar o silêncio.
Um deles é a sustentação do subjetivismo moral em nossa cultu­
ra. Com isso quero dizer a visão de que as posições morais não estão
de forma alguma baseadas na razão ou na natureza das coisas, mas
são, em última instância, adotadas por cada um de nós porque nos
encontramos atraídos por elas. Nessa visão, a razão não pode julgar
disputas morais. Claro, você pode apontar a alguém certas conse­
quências de tal posição sobre a qual ele pode não ter pensado. Assim,
os críticos da autenticidade podem apontar para os possíveis resul­
tados políticos e sociais de cada pessoa que busca a autorrealização.
Contudo, se seu interlocutor ainda parece se ater à posição original,
nada mais pode ser dito para contradizê-lo.
Os motivos para essa visão são complexos e vão muito além das
razões morais para o relativismo suave, embora o subjetivismo for­
neça de maneira clara um suporte importante para esse relativismo.
Obviamente, muitas pessoas inseridas na cultura contemporânea da
autenticidade estão felizes por defender essa compreensão do papel
(ou não papel) da razão. O que talvez seja mais surpreendente é que
muitos dos seus grandes oponentes também o estão, os quais são, por
isso, levados ao desespero ainda mais pela reforma da cultura con­
temporânea. Se a juventude realmente não se importa com as causas
que transcendem o self, então, o que se pode dizer a ela?
E claro, há críticos que afirmam existir normas na razão.7 Eles
acham que existe uma coisa como a natureza humana, e que uma
compreensão disso irá mostrar que alguns modos de vida são certos
c outros, eirados, e determinados modos são elevados ou melhores
que outros. As raízes filosóficas dessa posição estão em Aristóteles.

7 Ver em especial Alasdair Maclntyre, After Virtue, Notre Dame, University of


Notre Dame Press, 1981, e Whose Justice? Which Rationality?, Notre Dame,
University of Notre Dame Press, 1988.
28 I 29

O subjetivismo moderno, pelo contrário, tende a ser muito crítico a


Aristóteles, e reclama que sua “biologia metafísica” é ultrapassada e
completamente inacreditável nos dias de hoje.
No entanto, filósofos que pensam assim normalmente têm sido
oponentes do ideal de autenticidade; enxergam-no como parte de
uma saída equivocada das normas enraizadas na natureza humana.
Eles não tinham motivo algum para articular do que se trata; enquan­
to aqueles que o sustentaram têm sido desencorajados a fazê-lo com
frequência por suas visões subjetivistas.
Um terceiro fator que obscureceu a importância da autenticidade
como um ideal moral foi a maneira normativa de explicação pelas
ciências sociais. Isso, em geral, tem esquivado de invocar ideais mo­
rais e tende a recorrer a fatores supostamente mais duros e realistas
em suas explicações. E, assim, as características da modernidade que
tenho focado aqui, o individualismo e a expansão da razão instru­
mental costumam ser contabilizados como subprodutos da mudança
social: por exemplo, como avanços da industrialização, ou maior mo­
bilidade ou urbanização. Certamente há relações causais importantes
a serem delineadas aqui, mas as considerações que as invocam não
raro marginalizam inteiramente a questão da possibilidade de essas
mudanças na cultura e na perspectiva deverem alguma coisa ao pró­
prio poder inerente como ideais morais. A resposta implícita é geral­
mente negativa.8
É claro que as mudanças sociais, que devem gerar a nova pers­
pectiva, precisam elas mesmas ser explicadas, o que envolverá certa
recorrência a motivações humanas, a menos que suponhamos que a

8 Claro, para certo marxismo vulgar, a resposta negativa é bastante explí­


cita. As idéias são o produto de mudanças econômicas. Mas diversas ciên­
cias sociais não marxistas operam implicitamente sobre premissas similares.
E isto apesar da orientação de alguns dos grandes fundadores da ciência so­
cial, como Weber, o qual reconhecia o papel crucial das idéias morais e reli­
giosas na história.
A Ética da Autenticidade I 0 Debate Desarticulado

industrialização ou o crescimento das cidades tenham acontecido in­


teiramente em um ajuste de ausência de espírito. Precisamos de algu­
ma noção do que impeliu as pessoas a mover-se firmemente em uma
direção - por exemplo, em direção à melhor aplicação da tecnologia
à produção, ou em direção a melhores concentrações de pessoas. En­
tretanto, o que costuma ser invocado são motivações não morais.
Com isso quero dizer motivações que podem acionar as pessoas com­
pletamente sem conexão com qualquer ideal moral, como defini an­
teriormente. Portanto, não raro encontramos essas mudanças sociais
explicadas em termos de desejo por uma maior riqueza, ou poder, ou
por meios de sobrevivência ou de controle sobre os demais. Embora
todas essas coisas possam ser tecidas na forma de ideal moral, elas
necessitam não o ser, e, portanto, tal explicação é considerada sufi­
cientemente “dura” ou “científica”.
Mesmo onde a liberdade individual e a expansão da razão ins­
trumental são vistas como idéias cuja atração intrínseca pode aju­
dar a explicar sua ascensão, essa atração é frequentemente enten­
dida em termos não morais. Isto é, o poder dessas idéias é muitas
vezes entendido não em relação à sua força moral, mas apenas por
causa das vantagens que parecem conceder às pessoas, independen­
temente de sua perspectiva moral, ou mesmo se possuem uma pers­
pectiva moral. A liberdade lhe permite fazer o que quer, e a maior
aplicação da razão instrumental oferece mais do que você quer, o
que quer que isso seja.9

' O individualismo tem sido usado, de fato, em dois sentidos bem diferentes.
Em um é um ideal moral, uma faceta do que venho discutindo. Em outro,
é um fenômeno amoral, algo como o que queremos dizer com egoísmo.
A ascensão do individualismo nesse sentido costuma ser um fenômeno de
repartição, no qual a perda de um horizonte tradicional deixa mera anomia
em seu despertar, e todos se afastam por si mesmos - por exemplo, em
algumas favelas desmoralizadas e impulsionadas pelo crime formadas por
camponeses recentemente urbanizados no Terceiro Mundo (ou na Manches-
ter do século XIX). É, com certeza, catastrófico confundir esses dois tipos
30 I 31

O resultado de tudo isso foi o aumento da escuridão acerca do


ideal moral da autenticidade. Críticos da cultura contemporânea
tendem a menosprezá-lo como um ideal, até mesmo confundindo-o
com um desejo não moral de fazer o que se quer sem interferência.
Os defensores dessa cultura são forçados à desarticulação a esse
respeito pela própria perspectiva. A força geral do subjetivismo no
nosso mundo filosófico e o poder do liberalismo neutro intensifi­
cam a sensação de que esses problemas não podem e não devem
ser discutidos. E então, para completar, as ciências sociais pare­
cem estar dizendo a nós que, para entender tal fenômeno como a
cultura contemporânea da autenticidade, não deveriamos recorrer
a tais coisas como ideais morais em nossas explicações, mas per­
ceber tudo em termos de, digamos, mudanças recentes nos modos
ou novos padrões de absorção da juventude, ou de
de produção,*1011
segurança de afluência.
Isso importa? Acho que sim, e muito. Muitas das coisas que os
críticos da cultura contemporânea atacam são formas degradadas ou
desviantes desse ideal. Isto é, elas decorrem disso, e seus praticantes
o invocam, mas na realidade não representam uma realização au­
têntica (!) disso. Relativismo suave é um caso em questão. Bloom
vê que ele possui uma base moral: “A relatividade da verdade não é
um insight teórico, mas sim um postulado moral, a condição de uma
sociedade livre, ou assim [os estudantes] a enxergam”.11 No entanto,
na realidade, eu gostaria de afirmar, ela traveste e eventualmente trai
esse insight moral. Logo, longe de ser uma razão para rejeitar o ideal
moral da autenticidade, ele mesmo deve ser rejeitado em seu nome.
Ou assim eu gostaria de argumentar.

de individualismo, que possuem causas e consequências fundamentalmente


diferentes. Razão pela qual Tocqueville cuidadosamente distingue “indivi­
dualismo” de “egoísmo”.
10 Ver David Harvey, The Condition of Post-modernity. Oxford, Blackwell, 1989.

11 Bloom, op. cit., p. 25.


A Ética da Autenticidade I 0 Debate Desarticulado

Uma argumentação parecida pode ser feita para aqueles apelos


à autenticidade que justificam ignorar tudo o que transcende o self-.
rejeitar o passado como irrelevante, ou negar as exigências da cida­
dania, ou as responsabilidades de solidariedade, ou as necessidade do
meio ambiente. De igual modo, justificar em nome da autenticidade
um conceito de relacionamentos como instrumental para a autorrea­
lização individual também deve ser visto como uma autoestultifica-
ção tiavestida. A afirmação do poder de escolha como um bem em si
mesmo a ser maximizado é um produto desviante do ideal.
Agora, se algo nesse sentido é verdadeiro, então importa poder
dizê-lo. Pois, então, tem-se algo a ser dito, com toda a razão, para as
pessoas que investem a vida nessas formas desviantes. E isso pode fa­
zer diferença em sua vida. Algumas dessas coisas podem ser ouvidas.
A articulação aqui tem um propósito moral, não apenas de corrigir o
que podem ser visões erradas, mas também de tornar a força de um
ideal, pelo qual as pessoas já vivem, mais palpável, mais vivida para
elas; e, ao torná-la mais vivida, capacitá-las a viver de acordo com ela
de uma maneira mais plena e integral.
O que estou sugerindo é uma posição distinta tanto dos incenti­
vadores quanto dos críticos da cultura contemporânea. Ao contrário
dos incentivadores, não acredito que todas as coisas são como deve-
riam ser nessa cultura. Nisto tendo a concordar com os críticos. Mas,
ao contrário destes últimos, penso que a autenticidade deveria ser
levada a sério como um ideal moral. Também discordo de diversas
posições intermediárias, que afirmam haver algumas coisas boas nes­
sa cultura (como maior liberdade para o indivíduo), mas que elas ve­
nham à custa de certos perigos (como um enfraquecimento do sentido
de cidadania), de modo que a melhor política é encontrar o ponto de
negociação ideal entre vantagens e custos.
O quadro que estou oferecendo é o de um ideal que se degradou,
mas que é bastante válido em si, e, de fato, gostaria de dizer, inegável
pelos modernos. Portanto, não precisamos de uma condenação radical
32 I 33

nem de uma adoração acrítica; nem de uma negociação cuidadosa­


mente equilibrada. O que precisamos é de um trabalho de recupera­
ção, através do qual esse ideal possa ajudar a restaurar nossa prática.
Para ir adiante, você tem que acreditar em três coisas, todas con­
troversas: (1) que a autenticidade é um ideal válido; (2) que você pode
discutir racionalmente acerca de ideais e da conformidade das ações a
esses ideais; e (3) que esses argumentos podem fazer diferença. A pri­
meira convicção choca-se com o maior impulso da crítica à cultura da
autenticidade, a segunda envolve rejeitar o subjetivismo, e a terceira
é incompatível com aquelas considerações da modernidade que nos
veem presos numa cultura moderna pelo “sistema”, seja ele definido
como capitalismo, sociedade industrial ou burocracia. Espero estar
apto para tornar parte disso plausível no que vem a seguir. Deixe-me
começar pelo ideal.
I 35

Capítulo 3 | As Fontes da Autenticidade

A ética da autenticidade é algo relativamente novo e peculiar à cultu­


ra moderna. Nascida no final do século XVIII, desenvolveu-se de formas
anteriores do individualismo, como o individualismo da racionalidade
desengajada, iniciado por Descartes, no qual a exigência é de que cada
pessoa pense de maneira autorresponsável por si mesma, ou o individua­
lismo político de Locke, que pretendia tornar a pessoa e sua vontade an­
teriores às obrigações sociais. Mas a autenticidade também tem estado,
sob alguns aspectos, em conflito com essas formas anteriores. É um pro­
duto do período romântico, que era crítico da racionalidade desengajada
e de um atomismo que não reconhecia os laços da comunidade.
Uma maneira de descrever seu desenvolvimento é ver seu marco
inicial na noção oriunda do século XVIII de que os seres humanos são
dotados de um senso moral, um sentimento intuitivo do que é certo
e errado. O propósito original dessa doutrina era combater uma vi­
são rival de que saber o certo e o errado era uma questão de calcular
as consequências, em particular aquelas relacionadas a recompensas
ou castigos divinos. A noção era de que compreender certo e errado
não era uma questão de puro cálculo, mas estava fincada em nossos
sentimentos. A moralidade tem, em certo sentido, uma voz interna.1

1 O desenvolvimento dessa doutrina, inicialmente na obra de Francis Hutche-


son, baseando-se nos escritos dp conde de Shaftesbury, e sua relação adversa à
teoria de Locke, eu discuti em larga medida em Sources ofthe Self capítulo 15.
A Ética da Autenticidade I As Fontes da Autenticidade

A noção de autenticidade se desenvolve com base em um des­


locamento do acento moral nessa ideia. Na visão original, a voz
interior é importante porque nos diz qual é a coisa certa a ser feita.
Estar em contato com nossos sentimentos morais importaria aqui
como um meio a fim de agir corretamente. O que estou denomi­
nando de deslocamento do acento moral vem à tona quando estar
em contato assume um significado moral independente e crucial.
Torna-se algo que temos de atingir para sermos seres humanos
verdadeiros e completos.
Para entender o que há de novidade nisso, temos de ver a ana­
logia com visões morais anteriores, em que estar em contato com
alguma fonte - Deus, digamos, ou a Ideia do Bem - era considerado
fundamental para ser plenamente. Apenas agora a fonte com a qual
temos de nos conectar está no fundo de nós. Isso faz parte da virada
subjetiva massiva da cultura moderna, uma nova maneira de infe­
rioridade, na qual chegamos a pensar em nós mesmos como seres
com profundidade interior. De início, a ideia de que a fonte está no
interior não exclui nosso ser relacionado a Deus ou às Idéias; pode
ser considerado nosso próprio caminho para eles. Em um sentido,
pode ser visto apenas como uma continuação e intensificação do de­
senvolvimento inaugurado por Santo Agostinho, que viu o caminho
para Deus como passando através da própria consciência reflexiva
de nós mesmos.
As primeiras variações dessa nova visão eram teístas ou, pelo
menos, panteístas. Isso é ilustrado pelo escritor filosófico mais im­
portante que ajudou a trazer essa mudança, Jean Jacques Rousseau.
Penso que Rousseau é importante não porque ele inaugurou a mu­
dança; eu argumentaria que essa grande popularidade é oriunda
em parte por ele articular algo que já estava ocorrendo na cultu­
ra. Rousseau frequentemente apresenta o problema da moralida­
de como aquele em que nós seguimos uma voz da natureza den­
tro de nós. Essa voz costuma ser abafada pelas paixões induzidas
36 I 37

por nossa dependência das demais, das quais a paixão-chave é o


“amor-próprio” ou orgulho. Nossa salvação moral advém da recu­
peração do contato moral autêntico com nós mesmos. Rousseau até
dá um nome para o contato íntimo consigo mesmo, mais fundamen­
tal que qualquer visão moral, que é a fonte de alegria e contenta­
mento: ‘7e sentiment de 1’existence” .2
Rousseau também articulou da maneira mais influente uma ideia
estreitamente relacionada. Trata-se da noção do que quero denomi­
nar liberdade autodeterminante É a ideia de que sou livre quando
decido por mim mesmo o que me diz respeito, em vez de ser moldado
por influências externas. É um padrão de liberdade que obviamente
vai além do que foi denominada liberdade negativa, na qual sou li­
vre para fazer o que quero sem interferências de outrem porque isso
é compatível com meu ser moldado e influenciado pela sociedade e
suas leis de conformidade. A liberdade autodeterminante exige que
eu rompa a retenção de tais imposições externas e decida por mim
mesmo sozinho.
Eu menciono isso aqui não porque é fundamental para a auten­
ticidade. Obviamente, os dois ideais são distintos. No entanto, desen-
volveram-se em conjunto, por vezes nas obras dos mesmos autores,
e sua relação tem sido complexa, às vezes em desacordo, às vezes es­
treitamente unida. Como resultado, foram frequentemente confundi­
das, e essa foi uma das fontes das formas desviantes da autenticidade,
como argumentarei. Voltarei a isso posteriormente.

2 “O sentimento da existência desprovido de qualquer outro afeto é por si só


um sentimento precioso de contentamento e de paz que bastaria para tornar
esta existência querida e doce para quem soubesse afastar de si todas as im­
pressões sensuais e terrestres que vêm sempre nos distrair e perturbar a sua
doçura. Mas a maioria dos homens agitados por paixões contínuas conhe­
ce pouco esse estado, e como só o experimentou imperfeitamente durante
alguns instantes, só guarda uma ideia obscura e confusa que não lhes faz
sentir o seu encanto.” Les Rêveries du Promeneur Solitaire, Vcmc Promenade.
In: Oeuvres Complètes, v. 1, Paris, Gallimard, 1959, p. 1047.
A Ética da Autenticidade I As Fontes da Autenticidade

A liberdade autodeterminante tem sido uma ideia de enorme po­


der na nossa vida política. Na obra de Rousseau ela assume uma
forma política, na noção de um contrato social declarado e fundado
numa vontade geral, precisamente porque a forma de nossa liberdade
comum não pode aceitar oposição nenhuma em nome da liberdade.
Essa ideia foi uma das fontes intelectuais do totalitarismo moderno,
começando, pode-se talvez argumentar, com os jacobinos. E, embora
Kant tenha reinterpretado essa noção de liberdade em termos pu­
ramente morais, como autonomia, ela retorna à esfera política com
uma vingança em Hegel e Marx.
Mas, voltando ao ideal de autenticidade: ele se torna crucialmen­
te importante em razão de um desenvolvimento que ocorreu após
Rousseau e que associo a Herder - uma vez mais seu maior e primeiro
articulador em vez de seu criador. Herder passa adiante a ideia de que
cada um de nós tem um jeito original de ser humano. Cada pessoa
tem a própria “medida”, na sua maneira de dizer.3 Tal ideia entrou
profundamente na consciência moderna. E também é novidade. An­
tes do final do século XVIII ninguém pensava que as diferenças entre
os seres humanos tinham esse tipo de significado moral. Há certo
modo de ser humano que é o meu modo. Sou convocado a viver deste
modo, e não imitando o de outro alguém. Mas isso confere uma nova
importância a ser verdadeiro para si mesmo. Se não sou, eu perco o
propósito da minha vida, perco o que ser humano é para mim.
Essa é a poderosa ideia moral que chegou a nós. Ela concorda im­
portância moral crucial com um tipo de contato comigo mesmo, com
minha natureza interior, que é vista como em risco de ser perdida, em
parte através de pressões em direção à conformidade externa, mas
também porque, ao assumir uma posição instrumental em relação a

' “Jeder Mensch haat ein eigenes Mass, gleichsam eine eigne Stimmung al-
ler seiner sinnlichen Gefühlc zu einander.” Herder, Ideen, vii.I. In: Herders
Sàmtliche Werke, v. XIII. Ed. Bemard Suphan. Berlim, Weidmann, 1877-1913,
p. 291. 15 v.
38 I 39

mim mesmo, posso ter perdido a capacidade de ouvir essa voz inte­
rior. E, assim, aumenta grandemente a importância desse autocontato
ao introduzir o princípio da originalidade: cada uma de nossas vozes
tem algo exclusivo a dizer. Não apenas não devo encaixar minha vida
às demandas da conformidade externa; não posso sequer encontrar o
modelo pelo qual viver fora de mim mesmo. Apenas posso encontrá-
lo dentro de mim.
Ser fiel a mim significa ser fiel a minha própria originalidade, e
isso é uma coisa que só eu posso articular e descobrir. Ao articular
isso eu também me defino. Estou realizando uma potencialidade que
é propriamente minha. Essa é a compreensão por trás do ideal moder­
no de autenticidade e dos objetivos de autorrealização e autossatisfa-
ção nos quais são usualmente expressos. Esse é o pano de fundo que
confere força moral à cultura da autenticidade, incluindo suas formas
mais degradadas, absurdas ou triviais. É o que dá sentido à ideia de
“fazer suas próprias coisas” ou “encontrar sua própria realização”.
I 41

Capítulo 4 | Horizontes Inescapáveis

Este é um esboço bastante breve das origens da autenticidade.


Fornecerei mais detalhes posteriormente. No entanto, por hora, bas­
ta vislumbrar o que está envolvido na discussão aqui. E, portanto,
quero tomar a segunda afirmação controversa que fiz no final do úl­
timo capítulo. Pode-se dizer qualquer coisa com razão para as pes­
soas que estão imersas na cultura contemporânea da autenticidade?
Você pode falar com razão para as pessoas que estão profundamente
inseridas no relativismo suave ou que parecem não aceitar aliança
alguma maior que o próprio desenvolvimento - digamos, aquelas que
parecem prontas para jogar fora o amor, filhos, solidariedade demo­
crática, a favor de algum avanço na carreira?
Bem, como raciocinamos? Raciocinar sobre questões morais é
sempre raciocinar com alguém. Você possui um interlocutor, e come­
ça pelo lugar onde essa pessoa está ou pela diferença de fato entre
vocês; você não raciocina a partir do zero como se estivesse falando
com alguém que não reconhece qualquer exigência moral. Seria im­
possível discutir sobre o certo e o errado com uma pessoa que não
aceitou exigências morais tanto como seria impossível debater a res­
peito de problemas empíricos com uma pessoa que se recusa a aceitar
o mundo da percepção ao nosso redor.1

1 Desenvolví essa visão de debate moral amplamente em “Explanation and


Practical Reason”. Wider 'Working Paper WP72, Helsinque, World Institute
for Development Economics Research, 1989.
A Ética da Autenticidade I Horizontes Inescapáveis

Mas estamos imaginando discutir com pessoas que estão na


cultura contemporânea da autenticidade. E isso significa que elas
estão tentando moldar sua vida em vista desse ideal. Não somos
deixados somente com os fatos despidos de suas preferências. En­
tretanto, se partirmos do ideal, então podemos indagar: quais são
as condições na vida humana de se realizar um ideal desse tipo? E
o que o ideal propriamente compreendido requer? As duas ordens
de questões entrelaçam-se, ou talvez lancem sombra em ambas. Em
segundo lugar, estamos tentando definir melhor em que consiste o
ideal. Com o primeiro, queremos trazer à tona certas características
gerais da vida humana que condicionam a realização deste ou de
qualquer outro ideal.
Na sequência, quero trabalhar duas linhas de argumento que
podem ilustrar o que está envolvido nesse tipo de questionamento.
O argumento será bastante incompleto, mais na natureza de uma su­
gestão do que uma demonstração convincente pode parecer. O obje­
tivo será dar alguma plausibilidade a minha segunda afirmação, de
que se pode discutir racionalmente sobre tais questões e, consequente­
mente, mostrar que há de fato um propósito na tentativa de entender
melhor no que a autenticidade consiste.
A característica comum da vida humana que quero evocar é o
seu caráter fundamentalmente dialógico. Tornamo-nos agentes hu­
manos completos, capazes de entender nós mesmos e, portanto, de
definir uma identidade através de nossa aquisição de linguagens hu­
manas ricas de expressão. Para os propósitos dessa discussão, quero
tomar “linguagem” em um sentido amplo, cobrindo não apenas as
palavras que pronunciamos, mas também outros modos de expres­
são pelos quais definimos nós mesmos, inclusive as “linguagens” da
arte, dos gestos, do amor e similares. Mas somos introduzidos nestas
últimas pela troca com os outros. Ninguém adquire as linguagens
necessárias para autodefinição por si mesmo. Somos apresentados a
elas através das trocas com outros que importam para nós - o que
42 I 43

George Herbert Mead chamou de “outros significativos”.2 A gênese


da mente humana, neste sentido, não é “monológica”, não é alguma
coisa que cada um conquista sozinho, mas dialógica.
Ademais, este não apenas é um fato sobre gênese, que pode ser
ignorado posteriormente. Não se trata apenas de que aprendemos
as linguagens pelo diálogo e depois podemos seguir usando-as para
nossos interesses sozinhos. Isso descreve a situação até certo ponto
em nossa cultura. Espera-se que nós desenvolvamos nossas próprias
opiniões, perspectivas, posições em relação às coisas, até um grau
considerável através da reflexão solitária. No entanto, não é assim
que as coisas funcionam com as questões importantes, tal como a de­
finição de nossa identidade. Nós a definimos sempre em diálogo, por
vezes em conflito, com as identidades que nossos outros significativos
querem reconhecer em nós. E, mesmo quando superamos alguns dos
últimos - nossos pais, por exemplo - e eles somem de nossa vida, a
conversa com eles continua em nós pelo tempo que vivemos.3
Logo, a contribuição de outros significativos, mesmo quando
acontece no início de nossa vida, continua considerável. Algumas
pessoas podem estar me acompanhando até aqui, mas ainda que­
rem se ater a alguma forma de ideal monológico. Verdade, nun­
ca poderemos nos libertar completamente daqueles cujo amor e
cuidado nos moldaram no começo da vida, mas deveriamos lutar
para nos definirmos sozinhos ao grau mais pleno possível, vindo
a entender da melhor forma possível e, assim, ganhar algum con­
trole sobre a influência de nossos pais, e evitar cair ainda mais em

2 George Herbert Mead, Mind, Self and Society. Chicago, Chicago University
Press, 1934.

3 Essa dialogicidade interior foi explorada por M. M. Bakhtin e por aque­


les que se basearam em sua obra. Ver de Bakhtin, especialmente, Problems
of Dotoyevskys Poetics, Mineápolis, University of Minnesota Press, 1984;
e também Michael Holquist e Katerina Clark, Michail Bakhtin, Cambridge,
Harvard University Press, 1984, e James Wertsch, Voices of the Mind, Cam­
bridge, Harvard University Press, 1991.
A Ética da Autenticidade I Horizontes Inescapáveis

tais dependências. Precisaremos de relacionamentos para satisfazer,


mas não para definir a nós mesmos.
Este é um ideal comum, mas acho que subestima seriamente o
lugar do dialógico na vida humana. Ele quer se confinar tanto quanto
possível à gênese. Esquece como nosso entendimento das coisas boas
da vida pode ser transformado por desfrutarmos delas com pessoas
que amamos, como alguns bens tornaram-se acessíveis a nós ape­
nas através de tal deleite comum. Por causa disso, seria necessário
um grande esforço e, provavelmente, muitos rompimentos bruscos,
para impedir que nossa identidade seja formada pelas pessoas que
amamos. Considere o que queremos dizer com “identidade”. Isto é,
“quem” somos, “de onde viemos”. Como tal, é o pano de fundo con­
tra o qual nossos gostos e desejos, opiniões e aspirações fazem sen­
tido. Se algumas das coisas que mais valorizo são acessíveis a mim
apenas em relação à pessoa que amo, então ela se torna interna a
minha identidade.
Para algumas pessoas isso pode parecer uma limitação, da qual
alguém pode almejar se libertar. Este é um jeito de entender o im­
pulso por trás da vida do eremita ou, para pegar um exemplo mais
familiar a nossa cultura, do artista solitário. No entanto, com base
em outra perspectiva, podemos ver até isso como o almejar de de­
terminado tipo de dialogicidade. No caso do eremita, o interlocutor
é Deus. No caso do artista solitário, a obra em si é endereçada a
uma audiência futura, talvez ainda a ser criada pela própria obra.
A própria forma de uma obra de arte mostra seu caráter como en­
dereçada.1' Mas, independentemente de como alguém se sente a esse
respeito, a formação e manutenção de nossa identidade, na ausência

4 Ver Bakhtin, “The Problem of the Tcxt in Linguistics, Philology and the
Human Sciences”, in: Speeeh Genres and Other Late Essays, ed. Caryl
Emerson e Michael Holquist, Austin, University of Texas Press, 1986, p.
126, para este conceito de “superendereçado”, além de nossos interlocu­
tores existentes.
44 I 45

de um esforço heroico para sair da existência ordinária, permanecem


plenamente dialógicas em nossa vida.
Quero apontar a seguir que esse fato central foi reconheci­
do na crescente cultura da autenticidade. Mas o que desejo fazer
agora é tomar essa característica dialógica da nossa condição, de
um lado, e determinadas exigências inerentes ao ideal da autenti­
cidade, do outro, e mostrar que os modos mais autocentrados e
“narcisistas” da cultura contemporânea são manifestamente ina­
dequados. De maneira mais particular, quero mostrar que modos
que optam pela autorrealização sem consideração (a) às demandas
de nossas ligações com outros ou (b) às exigências de qualquer
sorte emanadas de algo mais ou além dos desejos humanos ou an­
seios são autodestrutivos, que destroem as condições para realizar
a própria autenticidade. Vou supor isso na ordem inversa, e come­
çar pelo (b), argumentando com base nas exigências da própria
autenticidade como um ideal.
(1) Quando conseguimos entender o que é nos definir, determinar
em que nossa originalidade consiste, vemos que temos de tomar como
pano de fundo algum sentido do que c significativo. Definir-me sig­
nifica encontrar o que é significativo na minha diferença dos demais.
Posso ser a única pessoa com exatamente 3.732 fios de cabelo na ca­
beça, ou ter exatamente o mesmo peso que alguma árvore na Sibéria,
mas e daí? Se começo a dizer que me defino por minha habilidade de
articular verdades importantes, ou tocar Hammerklavier como nin­
guém, ou reavivar a tradição de meus ancestrais, então estamos no
domínio de autodefinições reconhecíveis.
A diferença é clara. Entendemos prontamente que os últimos atri­
butos possuem significado humano, ou podem ser facilmente percebi­
dos pelas pessoas que o possuem, ao passo que o anterior não, isto é,
sem alguma história especial. Talvez o número 3.732 seja sagrado em
alguma sociedade; então, ter esse número de fios de cabelo pode ser
significativo. Mas chegamos a isso o ligando ao sagrado.
A Ética da Autenticidade I Horizontes Inescapáveis

Vimos no segundo capítulo como a cultura contemporânea da


autenticidade escorrega em direção ao relativismo suave. Isso dá ain­
da mais força a uma suposição comum do subjetivismo acerca de
valor: as coisas possuem significado não por elas mesmas, mas porque
as pessoas supõem que elas o têm - como se as pessoas pudessem de­
terminar o que é significativo, seja por decisão ou talvez inconsciente
e involuntariamente por apenas sentir-se dessa maneira. Isso é loucu­
ra. Eu não podería simplesmente decidir que a ação mais significativa
é mexer meus dedos do pé na lama. Sem uma explicação especial,
essa não é uma afirmação inteligível (como os 3.732 fios de cabelo
citados). Portanto, eu não sabería qual sentido atribuir a alguém que
supostamente sente que foi assim. O que alguém poderia querer dizer
a respeito de quem disse isso?
Mas, se só faz sentido com uma explicação (talvez a lama seja o
elemento do mundo espiritual, que entra em contato com seus dedos),
está aberto à crítica. E se a explicação for equivocada, não funcionar
ou puder ser substituída por uma melhor? Seu sentir de determinada
maneira pode nunca ser fundamento suficiente para respeitar sua po­
sição, porque seu sentimento não pode determinar o que é significati­
vo. O relativismo suave destrói a si mesmo.
As coisas assumem importância em contraste com as circunstân­
cias de inteligibilidade. Chamemos isso de horizonte. Portanto, uma
das coisas que não podemos fazer, se vamos definir nós mesmos sig­
nificativamente, é suprimir ou negar os horizontes contra os quais
as coisas adquirem significado para nós. Este é o tipo de movimento
autodestrutivo que não raro é realizado em nossa civilização sub-
jetivista. Ao enfatizar a legitimidade da escolha entre determinadas
opções, com frequência nos vemos privando as opções de seus signi­
ficados. Por exemplo, há certo discurso da justificação de orientações
sexuais fora do padrão. As pessoas querem argumentar que a mono-
gamia heterossexual não é a única maneira de alcançar a realização
sexual, que aqueles que estão inclinados a relações homossexuais, por
46 I 47

exemplo, não deveríam se sentir embarcados em um caminho menor,


menos válido. Isso se encaixa bem no entendimento moderno de au­
tenticidade, com sua ideia de diferença, originalidade, da aceitação
da diversidade. Tentarei falar mais dessas ligações na sequência. Mas,
por mais que a expliquemos, é claro que uma retórica da “diferença”,
da “diversidade” (até mesmo do “multiculturalismo”), é fundamental
para a cultura contemporânea da autenticidade.
No entanto, em algumas formas esse discurso escorrega para uma
afirmação da própria escolha. Todas as opções são igualmente válidas
porque são escolhidas livremente, e é a escolha que confere valor. O
princípio subjetivista subentendido no relativismo suave está em jogo
aqui. Contudo, essa implicação nega a existência de um horizonte de
significado preexistente, através do qual algumas coisas valem a pena
e outras nem tanto, e ainda outras que não valem nada, bastante an­
terior à escolha. Mas assim a escolha da orientação sexual perde qual­
quer significado especial. Está nivelada a qualquer outra preferência,
como aquela por parceiros sexuais mais altos ou mais baixos, ou por
loiras ou morenas. Ninguém sonharia em fazer julgamentos precon­
ceituosos a respeito dessas preferências, mas isso porque eles não têm
importância. Eles realmente dependem apenas de como você se sente.
Uma vez que a orientação sexual vem a ser assimilada a eles, que é o
que acontece quando se faz da escolha a razão justificadora crucial, o
objetivo inicial, que era afirmar o igual valor dessa orientação, é subi­
tamente frustrado. A diferença então afirmada torna-se insignificante.
Afirmar o valor de uma orientação homossexual deve ser feito de
maneira diferente, mais empiricamente, alguém pode dizer, levando
em conta a real natureza da experiência e vida homo e heterossexuais.
Não pode ser assumida a priori, sob o argumento de que qualquer
coisa que escolhemos está bem.
Nesse caso a afirmação de valor é contaminada por sua ligação
com outra ideia predominante, que já mencionei como intimamen­
te entrelaçada com a autenticidade, a da liberdade autodeterminada.
A Ética da Autenticidade I Horizontes Inescapáveis

Isto é em parte responsável pela ênfase na escolha como consideração


crucial, e também pelo escorregar em direção ao relativismo suave.
Voltarei a isso depois, ao falar sobre como o propósito da autentici­
dade acaba se desviando.
Mas, por hora, a lição geral é de que a autenticidade não pode
ser defendida de maneiras que colapsem horizontes de significado.
Até o sentido de que o significado da minha vida vem de ela ser es­
colhida - no caso em que a autenticidade é realmente fundamentada
na liberdade autodeterminante - depende da compreensão de que,
independentemente da minha vontade, há algo nobre, corajoso e,
portanto, significativo em dar forma a minha vida. Há um quadro
aqui de como os seres humanos são, colocados entre essa opção pela
autocriação e modos mais fáceis de evitar fazer isso, seguindo o flu­
xo, conformando-se com as massas, e assim por diante, o qual é visto
como verdadeiro, descoberto, não decidido. Horizontes são dados.
Mais ainda: o grau mínimo de generosidade, que sustenta a im­
portância da escolha, não é suficiente como um horizonte, confor­
me vimos no exemplo da orientação sexual. Pode ser importante que
minha vida seja escolhida, como John Stuart Mill afirma em Sobre
a Liberdade,' mas pelo menos algumas opções são mais significati­
vas que outras, a própria ideia de autoescolha cai na banalidade e,
por isso, a incoerência. A autoescolha como ideal faz sentido apenas
porque algumas questões são mais significativas que outras. Eu não
poderia afirmar ser autosselecionador e utilizar todo um vocabulário
nietzschiano de autofazer só porque escolho almoçar bife e batata
frita em vez de poutined’ Quais problemas são significativos, eu não

5 “Se uma pessoa é dotada de qualquer quantidade aceitável de bom-senso


e experiência, a própria maneira de dispor de sua existência é a melhor, não
porque é a melhor em si mesma, mas porque é sua própria maneira.” John
Stuart Mill, Three Essays. Oxford University Press, 1975, p. 83.
6 Prato típico canadense feito de batatas fritas com queijo e molho barbe-
cue. (N.T.)
48 I 49

determino. Se o fizesse, nenhum problema seria significativo. No en­


tanto, assim, o próprio ideal de autoescolher como um ideal moral
seria impossível.
Portanto, o ideal de autoescolha supõe que existem outras ques­
tões de significado além da autoescolha. O ideal não poderia se man­
ter sozinho porque exige um horizonte de problemas de importância,
que ajudam a definir os aspectos nos quais autofazer é significativo.
Seguindo Nietzsche, sou de fato um filósofo verdadeiramente maior
se refaço a tabela de valores. Mas isso significa redefinir valores re­
lacionados a questões importantes, não reelaborar o cardápio do
McDonakPs ou a moda casual do próximo ano.
O agente que procura significado na vida, tentando se definir de
maneira significativa, deve existir num horizonte de questões impor­
tantes. Isso é autodestruição nos modos da cultura contemporânea
que se concentram na autorrealização em oposição às demandas
da sociedade, ou da natureza, que bloqueia a história e os laços de
solidariedade. Essas formas autocentradas “narcisistas” são de fato
superficiais e banalizadas; são “niveladas e restritas”, como Bloom
diz. Mas isso não é porque pertencem à cultura da autenticidade.
Antes, porque vão de encontro as suas requisições. Bloquear de­
mandas emanadas além do self é precisamente suprimir a condição
de significado e, portanto, incorrer em banalização. Na medida em
que as pessoas estão procurando um ideal moral aqui, esse autoen-
carceramento é autoestultificante; destrói a condição na qual o ideal
pode ser realizado.
Posto de outro modo, posso definir minha identidade apenas em
contraste com o conhecimento das coisas que importam. Mas agru­
par a história, a natureza, a sociedade, as exigências da solidariedade,
tudo menos o que encontro em mim mesmo, seria eliminar todos can­
didatos para o que importa. Apenas se existo em um mundo no qual
a história, ou as demandas da natureza, ou as necessidades de meus
pares seres humanos, ou as obrigações da cidadania, ou o chamado
A Ética da Autenticidade I Horizontes Inescapáveis

de Deus, ou alguma outra coisa dessa ordem importa crucialmente,


eu posso definir uma identidade para mim que não é banal. A auten­
ticidade não é a inimiga das demandas que emanam além do self; ela
supõe tais demandas.
Mas, se é assim, há algo que se pode dizer para aqueles que es­
tão paralisados nos mais banais modos da cultura da autenticidade.
A razão não é impotente. Claro, não chegamos muito longe aqui;
apenas mostramos que algumas questões autotranscendentes são in­
dispensáveis fquestão (b) citada]. Não mostramos que qualquer uma
em particular deva ser levada a sério. O argumento até aqui é ape­
nas um esboço, e espero levá-lo (só um pouco) adiante nos capítulos
subsequentes. Por hora, quero voltar ao outro problema, (a), sobre
haver alguma coisa autodestrutiva em um modo de realização que
nega nossos laços com os outros.
50 I 51

Capítulo 5 | A Necessidade de Reconhecimento

(2) Outro eixo comum da crítica à cultura contemporânea da


autenticidade é que ela encoraja um entendimento puramente pessoal
de autorrealização, tornando, assim, as diversas associações e comu­
nidades nas quais a pessoa adentra puramente instrumentais em seu
significado. No sentido social mais amplo, isso é antiético para qual­
quer compromisso forte com uma comunidade. Em especial, torna a
cidadania política, que é o sentido de dever e aliança com a sociedade
política, cada vez mais periférica.*1 No nível mais específico, incentiva
uma visão de relacionamentos na qual estes devem servir à realização
pessoal. O relacionamento é secundário para a autorrealização dos
parceiros. Nessa visão, vínculos incondicionais, designados a durar
para sempre, fazem pouco sentido. Um relacionamento pode durar
até a morte, se continua servindo seu propósito, mas não há sentido
em declarar a priori que deva ser assim.
Essa filosofia foi articulada num livro famoso de meados dos
anos 1970:

Você não pode levar tudo consigo quando parte na jornada da meia-
idade. Você está indo embora. Afastando-se das exigências institucio­
nais e da agenda de outras pessoas. Afastando-se das valorizações e
atribuições externas. Você está abandonando papéis e indo em direção

_______ _________

1 Esse argumento é vigorosamente apresentado em R. Bellah et al., Habits of


the Heart.
A Ética da Autenticidade I A Necessidade de Reconhecimento

ao self. Se eu pudesse dar um presente a todo mundo que parte nesta


jornada, seria uma tenda. Uma tenda para provisoriedade. O dom das
raízes portáteis (...) Para cada um de nós há a oportunidade de surgir
renascido, autenticamente único, com uma capacidade ampliada de
amar a nós mesmos e aceitar os demais (...) Os prazeres da autodes­
coberta estão sempre disponíveis. Embora os entes amados entrem e
saiam de nossa vida, a capacidade de amar permanece.2

A autenticidade parece mais uma vez ser definida aqui de uma


maneira que foca no self, que nos distancia de nossas relações com os
demais. E isso foi dimensionado pelos críticos que citei anteriormen­
te. Alguém pode dizer qualquer coisa sobre isso de maneira racional?
Antes de esboçar o sentido do argumento, é importante ver que
o ideal de autenticidade incorpora algumas noções de sociedade ou,
pelo menos, de como as pessoas devam viver juntas. A autenticidade é
uma faceta do individualismo moderno e uma característica de todas
as formas de individualismo, que não apenas enfatizam a liberdade
do indivíduo, mas também propõem modelos de sociedade. Não con­
seguimos enxergar isso quando confundimos os dois sentidos bastan­
te distintos de individualismo que já discriminei. O individualismo de
anomia e desagregação evidentemente não possui ética social associa­
da a ele; entretanto, o individualismo como princípio moral ou ideal
deve oferecer alguma opinião a respeito de como o indivíduo deveria
viver com os outros.
Assim, os grandes filósofos individualistas também propuseram
modelos de sociedade. O individualismo lockeano nos deu a teoria
da sociedade como contrato. Formas posteriores ligadas a noções de
soberania popular. Dois modos de existência social estão bastante e
evidentemente ligados com a cultura contemporânea da autorrea-
lização. O primeiro é baseado na noção de direito universal: todos
deveríam ter o direito e a capacidade de serem eles mesmos. Isto é o

2 Gail Sheehy, Passages: Predictable Crises of Adult Life. Nova York, Bantam
Books, 1976, p. 364, 513 (itálico no original).
52 I 53

que sustenta o relativismo suave como um princípio moral: ninguém


tem o direito de criticar os valores de outrem. Isso inclina aqueles
imbuídos dessa cultura na direção de concepções de justiça proces­
sual: o limite na autorrealização de qualquer um deve ser a medida
preventiva de uma igual chance nessa realização para os outros.3
Em segundo lugar, essa cultura coloca uma grande ênfase em re­
lacionamentos na esfera íntima, especialmente nos relacionamentos
amorosos. Estes são vistos como sendo o principal lócus de autoex-
ploração e autodescoberta e entre as formas mais importantes de
autorrealização. Tal visão reflete a continuidade de uma tendência na
cultura moderna que está velha há séculos e coloca o centro de gra­
vidade da vida boa não em alguma esfera superior, mas no que quero
chamar de “vida ordinária”, isto é, a vida de produção e da família,
do trabalho e do amor.4 Não obstante, ela ainda reflete outra coisa
que importa aqui: o reconhecimento de que nossa identidade exige
reconhecimento dos outros.
Escrevi anteriormente sobre o modo como nossas identidades são
formadas em diálogo com os demais, em concordância ou conflito
com seu reconhecimento de nós. De certo modo, podemos dizer que a
descoberta e articulação desse fato em sua forma moderna ocorreram
em estreita ligação com o desenvolvimento do ideal de autenticidade.
Podemos distinguir duas mudanças que juntas tornaram inevi­
tável a preocupação moderna com a identidade e o reconhecimento.
A primeira é o colapso das hierarquias sociais, que costumavam ser
a base para a honra. Estou usando “honra” no sentido do antigo re­
gime no qual ela é intrinsecamentc ligada a desigualdades. Para que
alguns tenham honra nesse sentido é fundamental que nem todos a
tenham. Este é o sentido em que Montesquieu a usa na sua descrição

' R. Bellah et al. Observe a ligação entre esse tipo de individualismo e a justiça
processual cm Habits, p. 25-26
4 Discuti toda essa virada da cultura moderna extensamente em Sources ofthe
Self, em especial no capítulo 13.
A Ética da Autenticidade I A Necessidade de Reconhecimento

de monarquia. A honra é, de maneira intrínseca, uma questão de


“preferência”.5 É também o sentido que usamos quando falamos de
honrar alguém, ao dar a essa pessoa uma recompensa pública, diga­
mos The Order of Canada.6*Obviamente esta não valeria a pena se
amanhã decidíssemos ofertá-la a todos os adultos canadenses.
Em oposição a essa noção de honra, temos a noção moderna de
dignidade, agora usada em um sentido universalista e igualitário,
em que falamos da inerente “dignidade dos seres humanos” ou da
dignidade cidadã. A premissa subjacente aqui é que todos tomam
parte nisto. Tal conceito de dignidade é o único compatível com
uma sociedade democrática, e era inevitável que o antigo concei­
to de honra fosse marginalizado. Mas isso também significou que
as formas de reconhecimento igualitário fossem essenciais para a
cultura democrática. Por exemplo, que todos deveríam ser chama­
dos de senhor, senhora ou senhorita - em vez de algumas pessoas
sendo chamadas de cavalheiro ou dama, e outras apenas por seu
sobrenome, ou, ainda mais degradante, por seu primeiro nome - foi
considerado crucial em algumas sociedades democráticas, tal como
os Estados Unidos. E, mais recentemente, por motivos similares, se­
nhora e senhorita colapsaram para Ms.8 A democracia originou uma
política de reconhecimentos iguais, que adquiriu formas variadas

' Montesquieu, “La Nature de 1’Honneur Est de Demander des Préférences et


des Distinctions”. In: De PEsprit des Lois, iivro III, capítulo vii.

6 Medalha de honra ao mérito mais elevada do Canadá. (N. T.)


' O significado desse movimento da “honra” para “dignidade” é discutido de
maneira muito interessante por Peter Berger em seu “On the Obsolescence of
the Concept of Honour”. In: Stanley Hauerwas e Alasdair Maclntyre (eds.),
Revisions: Changing Perspectives in Moral Philosophy. Notre Dame, Univer­
sity of Notre Dame Press, 1983, p. 172-81.

s Na língua inglesa há três opções de pronomes de tratamento para se referir


às mulheres: Mrs. refere-se ao título dado a uma mulher casada e geralmente é
traduzido para o português como “senhora”; Miss refere-se à mulher não casa­
da, traduzido por “senhorita”; e, por fim, Ms., pronome utilizado para referir-se
a uma mulher independentemente de seu estado civil, ou seja, configura uma
54 I 55

ao longo dos anos e que, agora, volta na forma de demandas pelo


status igual de culturas e de gêneros.
Mas a importância do reconhecimento foi modificada e inten­
sificada pelo entendimento da identidade emergente com o ideal de
autenticidade. Isso também é, em parte, uma ramificação do declí­
nio da sociedade hierárquica. Naquelas sociedades antigas, o que
agora chamaríamos de identidade de uma pessoa era, em grande
medida, estabelecida por sua posição social. Ou seja, o pano de
fundo que dava sentido ao que a pessoa reconhecia como impor­
tante era em grande parte determinado por seu lugar na sociedade
e por qualquer papel ou atividades associados a ele. A chegada de
uma sociedade democrática não põe fim a isso, porque as pessoas
ainda podem se definir por seu papel social. No entanto, o que de­
cisivamente mina essa identificação derivada socialmente é o pró­
prio ideal de autenticidade. Conforme emerge, por exemplo com
Herder, ele me convoca a descobrir minha própria maneira original
de ser. Por definição, não pode ser derivado socialmente, mas deve
ser gerado interiormente.
De igual modo, não existe algo como geração interna, entendida
monologicamente, como tentei argumentar acima. O meu descobrir
a minha identidade não quer dizer que a trabalho em reclusão mas
que a negocio através do diálogo, parcialmente exposto, parcialmen­
te internalizado, com outros. E por isso que o desenvolvimento de
um ideal de identidade gerada interiormente dá uma nova e crucial
importância ao reconhecimento. Minha própria identidade depende
crucialmente de minhas relações dialógicas com os outros.
O ponto em questão não é de que essa dependência dos ou­
tros surge com a era da autenticidade. Uma forma de dependência
sempre esteve lá. A identidade derivada socialmente era por sua

opção neutra de tratamento. Em português não temos tal opção neutra quando
se trata do estado civil; temos apenas “senhora” e “senhorita”. (N. T.)
A Ética da Autenticidade I A Necessidade de Reconhecimento

natureza mesma dependente da sociedade. Mas, na era anterior,


o reconhecimento nunca surgiu como um problema. O reconheci­
mento social foi embutido à identidade derivada socialmente pelo
próprio fato de que estava baseada em categorias sociais que todos
aceitavam sem questionamento. O problema acerca da identidade
derivada interiormente, pessoal e original é que ela não aprovei­
ta esse reconhecimento a priori. Deve-se conquistá-lo pela troca, e
pode fracassar. O que surgiu com a Idade Moderna não é a neces­
sidade de reconhecimento, mas as condições nas quais isso pode
fracassar. E é por isso que a necessidade agora é reconhecida pela
primeira vez. Em tempos pré-modernos, as pessoas não falavam de
“identidade” e “reconhecimento”, não porque elas não tinham (o
que chamamos) identidades ou porque estas não dependiam do re­
conhecimento; ao contrário, elas eram então muito problemáticas
para serem tematizadas como tal.
Não surpreende podermos encontrar algumas das idéias seminais
acerca da dignidade do cidadão e do reconhecimento universal, mes­
mo que não nesses termos, em Rousseau, um dos pontos de origem do
discurso moderno de autenticidade. Rousseau é um crítico feroz da
honra hierárquica, das “préférences”. Em uma passagem significativa
do Discurso sobre a Desigualdade, ele destaca o momento inevitável
em que a sociedade toma o caminho da corrupção e da injustiça,
quando as pessoas começam a desejar a admiração preferencial.9 Em
contraste, na sociedade republicana, onde todos podem compartilhar
igualmente levando em consideração a atenção pública, ele vê a fonte

9 Rousseau descreve as primeiras assembléias: “Cada um começa a ver os


outros e a querer ser visto e a estima pública teve um preço. Aquele que
cantava ou dançava melhor; o mais bonito, o mais forte, o mais hábil ou o
mais eloquente se tornou o mais considerado, e esse foi o primeiro passo para
a desigualdade, e ao mesmo tempo para o vício.” Discours sur 1’Origine et
les Fondements de 1’Inégalité parmi les Hommes. Paris, Granier-Flammarion,
1971, p. 210.
56 I 57

da saúde.1011
Entretanto, o tópico do reconhecimento recebe seu pri­
meiro tratamento mais influente em Hegel.11
A importância do reconhecimento é agora universalmente reco­
nhecida de uma forma ou de outra; em um plano pessoal, estamos
todos cientes de como a identidade pode ser formada ou malformada
em nosso contato com outros significantes. No plano social, temos
uma contínua política de reconhecimento igualitário. Ambos foram
moldados pelo crescente ideal da autenticidade, e o reconhecimento
desempenha um papel essencial na cultura que surgiu ao redor dela.
No nível pessoal, podemos ver quanto uma identidade original
precisa e é vulnerável ao reconhecimento dado ou sustentado por ou­
tros significantes. Não é surpresa que, na cultura da autenticidade, os
relacionamentos sejam vistos como a chave da autodescoberta e da
autoconfirmação. Relacionamentos amorosos não são importantes
apenas em razão da ênfase geral na cultura moderna sobre as satisfa­
ções da vida ordinária. Eles também são cruciais porque são a prova
da identidade gerada interiormente.
No plano social, a compreensão de que identidades são formadas
em diálogo aberto, não moldadas por um roteiro social predefinido,
fez a política do igual reconhecimento mais central e estressante. Na
realidade, elevou consideravelmente suas apostas. Reconhecimento
igual não é apenas o modo apropriado para uma saudável sociedade
democrática. Sua recusa pode infligir danos àqueles para os quais ele

10 Ver, por exemplo, a passagem em “Considerations sur le Gouvernement


de Pologne” em que ele descreve o antigo festival público, no qual todas as
pessoas participavam, em Du Contrat Social, Paris, Garnier, 1962, p. 345; e
também a passagem paralela em “Lettre à D’Alembert sur les Spectacles”,
ibidem, p. 224-25. O princípio crucial era de que não deveria haver divisão
entre artistas e espectadores, mas que tudo deveria ser visto por todos. “Mas,
enfim, quais serão os objetos desses espetáculos? O que se mostrará neles?
Nada, se quiserem. (...) coloquem os espectadores como espetáculos; façam
com que eles próprios sejam os atores; deixem que cada um se veja e se goste
nos outros, que todos fiquem mais unidos.”
11 Ver The Phenomenology of Spirit, capítulo 4.
A Ética da Autenticidade I A Necessidade de Reconhecimento

é negado, de acordo com uma visão moderna amplamente difundida.


A projeção de uma imagem inferior ou degradante sobre outrem pode
realmente distorcer e oprimir, na medida em que é interiorizada. Não
somente o feminismo contemporâneo, mas também as relações raciais
e as discussões do multiculturalismo são sustentadas pela premissa
que nega o reconhecimento como uma forma de opressão. Pode-se
questionar se esse fator foi exagerado, mas é claro que o entendimen­
to da identidade e da autenticidade introduziu uma nova dimensão na
política de igual reconhecimento, que agora opera com algo como sua
própria noção de autenticidade, ao menos no que se refere à denúncia
de outras distorções induzidas envolvidas.
Tendo em mente a compreensão do reconhecimento desenvolvida
nos últimos dois séculos, podemos ver por que a cultura da autentici­
dade vem atribuindo precedência aos dois modos de vida coletiva que
já mencionei: (1) no nível social, o princípio crucial é o de equidade,
que requer as mesmas chances para todos desenvolverem a própria
identidade, que inclui - como agora podemos entender com maior
clareza - o reconhecimento universal da diferença, em quaisquer que
sejam os modos em que isso seja relevante para a identidade, seja de
gênero, racial, cultural ou concernente à orientação sexual; e, (2) na
esfera privada, os relacionamentos amorosos formadores de identida­
de têm uma importância crucial.
A pergunta com a qual iniciei este capítulo talvez possa ser colo­
cada desta maneira: pode um modo de vida que é centrado no self,
no sentido que envolve tratar nossas associações como meramente
instrumentais, ser justificado levando em consideração o ideal de au­
tenticidade? Agora talvez possamos reformulá-la ao perguntar se tais
modos favorecidos de viver coletivamente permitirão esse gênero de
ser de uma maneira desvinculada.
(1) No nível social, pode parecer que a resposta é um nítido sim.
Todo reconhecimento das diferenças parece pedir que aceitemos al­
gum princípio de justiça processual. Não exige que reconheçamos
58 I 59

uma forte aliança para com uma república cidadã ou qualquer outra
forma de sociedade política. Podemos “relaxar”, contanto que tra­
temos todo mundo igualmente. De fato, pode até ser afirmado que
qualquer sociedade política fundamentada em alguma noção forte
de bem comum irá, por si mesma, por esse próprio fato endossar a
vida de algumas pessoas (aqueles que apoiam essa noção de bem co­
mum) sobre os demais (aqueles que buscam outras formas de bem), e,
por isso, negar igual reconhecimento. Algo assim, vimos, é a premissa
fundamental de um liberalismo da neutralidade, o qual possui muitos
defensores hoje.
Mas isso é simples demais. Mantendo em mente o argumento
do capítulo anterior, temos de perguntar o que está envolvido em
reconhecer verdadeiramente as diferenças. Isso significa reconhecer
o valor igual de diferentes maneiras de ser. É este reconhecimento de
igual valor que uma política de reconhecimento identitário requer.
Contudo, o que fundamenta a igualdade de valor? Vimos anterior­
mente que o mero fato de as pessoas escolherem diferentes maneiras
de ser não as faz iguais; tampouco o faz o fato de elas se encontrarem
nesses diferentes sexos, raças, culturas. A mera diferença não pode ser
em si mesma o fundamento do valor igualitário.
Se homens e mulheres são iguais, não é porque são diferentes,
mas porque passam por cima das diferenças de algumas propriedades,
comuns ou complementares, as quais são valiosas. Eles são seres ca­
pazes de raciocinar, amar, recordar ou de reconhecer dialogicamente.
Unir-se em um reconhecimento mútuo de diferenças - isto é, do igual
valor de identidades diferentes - exige que compartilhemos mais do
que a crença nesse princípio; temos que compartilhar também alguns
padrões de valor que as identidades referidas conferem como iguais.
Deve haver algum acordo substancial sobre valor, ou então o princí­
pio formal de igualdade será vazio e uma fraude. Podemos expressar
apoio ao reconhecimento igualitário, mas não compartilharemos uma
compreensão de igualdade a menos que compartilhemos algo mais.
A Ética da Autenticidade I A Necessidade de Reconhecimento

Reconhecer diferenças, como autosselecionadas, requer um horizonte


de significado - neste caso, um que seja compartilhado.
Isso não mostra que devemos pertencer a uma sociedade política
comum; do contrário, não reconheceriamos os estrangeiros. E não
mostra por si que devemos levar a sério a sociedade política em que
estamos. Mais necessidades a serem atendidas. Mas já podemos ver
como o argumento pode ir: como desenvolver e cuidar das coisas em
comum de valor entre nós se torna importante, e uma das maneiras
cruciais com que fazemos isso é compartilhando uma vida política
participativa. As próprias demandas de reconhecer a diferença nos
levam além de mera justiça processual.
(2) E quanto aos nossos relacionamentos? Podemos vê-los como
instrumentais às nossas realizações e, portanto, fundamentalmente
como tentativas? Aqui a resposta é mais fácil. Certamente não, se
eles também formarão nossa identidade. Se as intensas relações de
autoexploração serão formadoras de identidade, então não podem
ser, por princípio, tentativas - embora possam, alas?1 de fato romper-
se - nem meramente instrumentais. As identidades na realidade mu­
dam, mas as formamos como a identidade de uma pessoa que viveu
parcialmente e vai completar essa vivência. Não defino uma identida­
de para “eu em 1991”, mas, em vez disso, tento dar sentido a minha
vida como foi e como eu a projeto mais adiante com base no que ela
foi. Minhas relações definidoras de identidade não podem ser vistas,
teórica e adiantadamente, como dispensáveis e destinadas à substitui­
ção. Se minha autoexploração assume a forma de tais relacionamen­
tos em série e em princípio temporários, então não é minha identida­
de que estou explorando, mas alguma modalidade de diversão.
Considerando o ideal de autenticidade, parecería que ter re­
lacionamentos meramente instrumentais é agir de uma maneira

12 Exclamação poética ou literária que expressa sofrimento, preocupação ou


pena. (N. T.)
60 I 61

autoestultificante. A noção de que se pode buscar a realização des­


sa maneira parece ilusória. Em alguma medida, da mesma forma
que se pode escolher a si mesmo sem reconhecer um horizonte de
significado além da escolha.
De qualquer maneira, isso é o que esse argumento incompleto
sugeriría. Não posso afirmar ter estabelecido conclusões sólidas aqui,
mas espero ter feito algo para sugerir que o escopo do argumento
racional é muito maior do que frequentemente se supõe, e, portanto,
que essa exploração das fontes da identidade tem algum propósito.
I 63

Capítulo 6 | O Escorregar para o Subjetivismo

Até agora tenho sugerido uma maneira de olhar para o que foi
chamado de “a cultura do narcisismo”, a disseminação de uma pers­
pectiva que torna a autorrealização o maior valor na vida e que pa­
rece reconhecer poucas demandas morais externas ou comprometi­
mentos sérios com os outros. O conceito de autorrealização aparece
nesses dois aspectos muito autocentrado, daí o termo “narcisismo”.
Estou dizendo que deveriamos ver essa cultura como refletindo par­
cialmente uma ambição ética, o ideal de autenticidade, mas uma que
não permita em si seus modos autocentrados. Antes, tendo em mente
esse ideal, estes parecem modos desviantes e triviais.
Isso contrasta com outras duas maneiras comuns de olhar para
tal cultura. Estas a veem (a) como de fato fortalecida por um ideal
de autorrealização, embora esse ideal seja compreendido como tão
autocentrado quanto as práticas que derivam dele; ou (b) como so­
mente a expressão de autoindulgência e egoísmo, isto é, não moti­
vado por um ideal de forma alguma. Na prática, essas duas visões
tendem a se encontrar e tornar-se uma, porque o ideal suposto por
(a) é tão baixo e autoindulgente a ponto de tornar-se virtualmente
indistinguível de (b).
Agora (a) supõe, na verdade, que, quando as pessoas propõem
uma forma muito autocentrada de autorrealização, elas são bastante
impermeáveis às considerações dos últimos dois capítulos; ou porque
A Ética da Autenticidade I 0 Escorregar para o Subjetivismo

suas ambições nada têm a ver com o ideal de autenticidade que tenho
traçado, ou porque as visões morais das pessoas são independentes
da razão de qualquer maneira. Pode-se supô-los impermeáveis tanto
porque se pensa na própria autenticidade como um ideal muito bai­
xo, uma invocação certamente mais tênue para a autoindulgência,
quanto porque, independentemente da natureza dos ideais contem­
porâneos, se mantém uma visão subjetivista das convicções morais
como meras projeções que a razão não pode alterar.
De qualquer maneira, tanto (a) como, claro, a fortiori, (b) pintam
a cultura do narcisismo como plenamente em paz consigo mesma,
pois em qualquer leitura ela é em teoria exatamente o que é na prá­
tica. Satisfaz as próprias aspirações e, assim, é impermeável à dis­
cussão. Minha visão, pelo contrário, mostra que ela está repleta de
tensões, vive um ideal que não é inteiramente compreendido e que,
devidamente entendido, contestaria muitas de suas práticas. Aqueles
que o vivem, compartilhando de nossa condição humana, podem ser
lembrados daquelas características de nossa condição que mostram
serem essas práticas questionáveis. A cultura do narcisismo vive um
ideal que está sistematicamente vindo abaixo.
Mas, se estou certo, então esse acontecimento precisa de expli­
cação. Por que ele vem abaixo de seu ideal? O que torna a ética da
autenticidade propensa a esse tipo de desvio para o trivial?
Naturalmente, em um nível, a motivação para a adoção de for­
mas mais autocentradas pode ser clara o bastante. Nossos vínculos
com os outros, assim como exigências morais externas, podem estar
facilmente em conflito com nosso desenvolvimento pessoal. As de­
mandas de uma carreira podem ser incompatíveis com as obrigações
para com nossa família, ou com a fidelidade à alguma causa maior ou
a um princípio. A vida pode parecer mais fácil se se puder negligen­
ciar essas restrições externas. De fato, em certos contextos, nos quais
se luta para definir uma identidade frágil e conflituosa, esquecer as
restrições pode parecer o único caminho para a sobrevivência.
64 I 65

Mas conflitos morais desse tipo, presumivelmente, sempre existi­


ram. O que precisa ser explicado é a facilidade relativamente maior
com que essas restrições externas podem agora ser dispensadas ou
deslegitimadas. Onde nossos ancestrais, em um caminho similar de
autoafirmação, teriam sofrido autorreconhecidamente de um inaba­
lável sentimento de transgressão, ou pelo menos de desobediência de
uma ordem legítima, muitos contemporâneos atravessaram tranqui­
lamente sua honesta busca pelo autodesenvolvimento.
Parte da explicação reside na esfera social. Mencionei anterior­
mente, no segundo capítulo, as considerações da cultura moderna que
a derivam da mudança social. Embora eu ache que qualquer explica­
ção simples de único sentido não possa ser consistente, é evidente que
a mudança social teve muito a ver com a forma da cultura moderna.
Determinados modos de pensar e sentir podem eles mesmos facilitar
mudanças sociais, mas, quando isso acontece em grande escala, pode
consolidar esses modos e fazê-los parecer inevitáveis.
Esse é, indubitavelmente, o caso para as diferentes formas de in­
dividualismo moderno. Idéias individualistas desenvolvidas no pensa­
mento e na sensibilidade, em especial de europeus instruídos, durante
o século XVII. Estes parecem ter facilitado o crescimento de novas
formas políticas, que desafiaram as antigas hierarquias, e de novos
modos de vida econômica, os quais deram um lugar maior ao mer­
cado e às empresas empreendedoras. Mas, uma vez que essas novas
formas estão em vigor e as pessoas são educadas nelas, então esse
individualismo é grandemente fortalecido porque está enraizado em
suas práticas cotidianas, na maneira como elas ganham a vida e na
maneira como se relacionam com os demais na vida política. Trata-se
de parecer a única perspectiva concebível, a qual certamente não o foi
para seus ancestrais, os pioneiros nisso.
Tal tipo de processo de entrincheiramento pode ajudar a explicar
o desmoronamento na cultura da autenticidade. As formas autocen-
tradas são desviantes, como vimos, em dois aspectos. Elas tendem a
A Ética da Autenticidade I O Escorregar para o Subjetivismo

centrar a realização no indivíduo, tornando suas afiliações puramente


instrumentais; elas impõem, em outras palavras, um atomismo social.
E tendem a ver a realização apenas como do self, negligenciando ou
deslegitimando as demandas que vêm de fora de nossos próprios de­
sejos ou ambições, sejam elas da história, da tradição, da sociedade,
da natureza ou de Deus; elas fomentam, em outras palavras, um an­
tropocentrismo radical.
Não é difícil ver como ambas as posições passam a ser enrai­
zadas nas sociedades industriais modernas. Desde seus primórdios,
esse tipo de sociedade envolveu mobilidade, inicialmente de campo­
neses da terra para as cidades, e depois pelos oceanos e continentes
para novos países, e, por fim, hoje, de cidade para cidade, seguindo
oportunidades de emprego. A mobilidade é, de certo modo, imposta
a nós. Laços antigos são rompidos. Ao mesmo tempo, a habitação
da cidade é transformada pela imensa concentração populacional
das metrópoles modernas. Pela própria natureza, isso envolve con­
tato muito mais impessoal e casual no lugar de relações mais inten­
sas, cara a cara, em tempos passados. Tudo isso pode apenas gerar
uma cultura na qual a visão de atomismo social se torna cada vez
mais enraizada.
Além disso, nossa sociedade tecnocrática e burocrática dá cada
vez mais importância à razão instrumental. Isso fortalece o atomis­
mo, porque nos induz a ver nossas comunidades, assim como muitas
outras coisas, em uma perspectiva instrumental. Contudo, também
produz antropocentrismo ao nos fazer assumir uma postura instru­
mental para todas as facetas de nossa vida e arredores: para o passa­
do, natureza, assim como para nossos arranjos sociais.
Portanto, parte da explicação para o desvio na cultura da au­
tenticidade deve ser atribuída ao fato de que isso está sendo vivido
em uma sociedade industrial, tecnológica e burocrática. Na verdade,
o domínio da razão instrumental é evidente em uma série de ma­
neiras em várias facetas do movimento de potencial humano, cujo
66 I 67

propósito dominante destina-se a ser a autorrealização. Não raro


nos são oferecidas técnicas, baseadas em descobertas supostamente
científicas, para alcançar a integração psíquica ou a paz de espírito.
O sonho da solução rápida também está presente aqui, como em ou­
tros lugares, a despeito de que, desde os primórdios e ainda hoje, o
objetivo da autorrealização tem sido entendido como oposto àquele
do mero controle instrumental. Uma técnica de solução rápida para
o desapego é a contradição suprema.
Entretanto, o contexto social não fornece toda a história. Tam­
bém há razões internas ao ideal de autenticidade que facilitam o des­
lize. Na realidade, não houve apenas um deslize; mas dois, os quais
tiveram relações complexas, entrecruzadas.
O primeiro é aquele sobre o qual tenho falado aqui, o deslize
para os modos autocentrados do ideal de autorrealização na cultura
popular de nossa época. O segundo é um movimento de “alta” cul­
tura, para um tipo de niilismo, uma negação de todos os horizontes
de significado, que vem ocorrendo há um século e meio. A principal
figura aqui é Nietzsche (muito embora ele usasse o termo “niilismo”
em um sentido diferente, para designar algo que rejeitava), apesar
de as raízes das formas do século XX também se encontrarem na
imagem do “poète maudit” e em Baudelaire. Aspectos dessa linha
de pensamento encontraram expressão em algumas vertentes do
modernismo, e ela emergiu entre escritores que são, não raro, desig­
nados hoje como pós-modernos, como Jacques Derrida ou o tardio
Michel Foucault.
O impacto de tais pensadores é paradoxal. Eles transferem seu
desafio nietzschiano às nossas categorias comuns a ponto de até
“desconstruir” o ideal de autenticidade e a própria noção de self.
Mas, na verdade, a crítica nietzschiana a todos os “valores” como
criados não pode senão exaltar e enraizar o antropocentrismo. No
fim, deixa o agente, mesmo com todas as dúvidas acerca da cate­
goria de “self”, com uma sensação de poder e liberdade ilimitados
A Ética da Autenticidade I O Escorregar para o Subjetivismo

perante um mundo que não impõe norma alguma, pronto para des­
frutar do “jogo livre”1 ou entregar-se a uma estética do self.1
2 Con­
forme essa teoria “mais elevada” se infiltra na cultura popular da
autenticidade - podemos ver isso, por exemplo, entre estudantes,
que são a junção das duas culturas -, ela fortalece ainda mais os
modos autocentrados, dando-lhes certo revestimento de justificativa
filosófica mais profunda.
E, não obstante, tudo isso surge, quero afirmar, das mesmas fon­
tes que o ideal de autenticidade. E como isso seria possível? A in­
vocação da estética de Michel Foucault em uma entrevista anterior
nos aponta a direção correta. No entanto, para fazer as associações
inteligíveis aqui, temos de apresentar os aspectos expressivos do indi­
vidualismo moderno.
A noção de que cada um de nós possui uma maneira original
de ser humano implica que devemos descobrir o que é sermos nós
mesmos. Mas a descoberta não pode ser feita através da consulta de
modelos preexistentes, por hipóteses. Por isso, pode ser feita apenas
articulando-a de novo. Descobrimos o que temos que ser em nós ao
nos tornarmos esse modo de vida, ao dar expressão em nosso discur­
so e ações ao que é original em nós. A noção de que a revelação vem

1 A ligação entre o anti-humanismo de Derrida e um sentido radical e


irrestrito de liberdade emerge em passagens como esta aludida aqui, na
qual ele descreve sua maneira de pensar como alguém que “afirma o jogo
livre e tenta ultrapassar o homem e o humanismo, o nome homem sendo
o nome desse ser, o qual, através da história da metafísica ou da ontote-
ologia - em outras palavras, através da história de tudo de sua história
-, sonhou com a total presença, a fundação reassegurada, a origem e o
fim do jogo”. Derrida, “Structure, Sign, and Play in the Discourse of the
Human Sciences”. In: Richard Macksey e Eugênio Donato (eds.), The
Structuralist Controversy. Baltimore, Johns Hopkins University Press,
1972, p. 264-65.
2 Michel Foucault, entrevista. In: H. Dreyfus e P. Rabinow, Michel Foucault:
Beyond Structuralism and Hermeneutics. Chicago, University of Chicago
Press, 1983, p. 245, 251.
68 I 69

através da expressão é o que quero apreender ao falar do “expressi-


vismo” da noção moderna do indivíduo.3
Isso sugere imediatamente uma analogia próxima, até uma co­
nexão, entre autodescoberta e criação artística. Com Herder e o en­
tendimento expressivista da vida humana, a relação se torna bastan­
te íntima. A criação artística vira a forma paradigmática na qual as
pessoas podem chegar à autodefinição O artista torna-se, de alguma
maneira, o caso paradigmático do ser humano, como agente de auto­
definição original. Desde meados de 1800, tem havido uma tendência
a heroicizar o artista, a ver na vida dele a essência da condição huma­
na e a venerá-lo como um visionário, o criador de valores culturais.
Mas, obviamente, com isso foi-se um novo entendimento de arte.
Não mais definida em particular pela imitação, pela mimêsis da reali­
dade, a arte é agora compreendida mais em matéria de criação. Essas
duas idéias vão lado a lado. Se nos tornamos nós mesmos ao expres­
sar o que somos, e se o que nos tornamos é por hipótese original,
não baseado no preexistente, então, o que expressamos não é uma
imitação do preexistente, mas uma criação. Julgamos a imaginação
como criativa.
Olhemos mais de perto esse caso, que se tornou um paradigma
para nós, no qual descubro a mim mesmo através do meu trabalho
como um artista, através daquilo que crio. Minha autodescoberta
passa por uma criação, pelo fazer de algo original e novo. For­
jo uma nova linguagem artística - um novo modo de pintar, uma
nova métrica ou forma poética, uma nova maneira de escrever um
romance - e, através disso e somente disso, eu me torno o que te­
nho em mim para ser. A autodescoberta requer poiêsis, fazer. Isso
desempenhará um papel crucial em um dos sentidos em que essa
ideia de autenticidade evoluiu.

3 Discuti o expressivismo .longamente em Hegel, Cambridge, Cambridge


University Press, 1975, capítulo 1, e em Sources of the Self, capítulo 21.
A Ética da Autenticidade I 0 Escorregar para o Subjetivismo

No entanto, antes de olharmos para isso, quero observar a íntima


relação entre nossas idéias habituais de autodescoberta e o trabalho
do artista criativo. A autodescoberta envolve a imaginação como arte.
Achamos “criativas” as pessoas que alcançaram originalidade em sua
vida. E o fato de descrevermos a vida de não artistas em termos ar­
tísticos corresponde à nossa tendência de considerá-los, de alguma
forma, conquistadores exemplares da autodefinição.
Contudo, há outra série de razões para essa estreita aproxima­
ção entre arte e autodefinição. Não somente porque ambas envolvem
poiêsis criativa. E também porque autodefinição vem a ser comparada
sem demora com moralidade. Algumas teorias as mantêm firmemente
juntas. Rousseau o faz, por exemplo: “/e sentiment de 1’existence” me
tornaria uma perfeita criatura moral se eu estivesse, todavia, em pleno
contato com ele. Mas, muito cedo, viu-se que isso não era necessaria­
mente assim. As exigências da autoverdade, do contato com o self, da
harmonia dentro de nós, poderíam ser bem diferentes das exigências
de tratamento adequado que se espera de nós em relação aos demais.
De fato, a própria ideia de originalidade e a noção associada de que
o inimigo da autenticidade pode ser a conformidade social impõem a
nós a ideia de que a autenticidade terá de lutar contra algumas regras
externamente impostas. Podemos, é óbvio, acreditar que ela estará em
harmonia com as regras certas, mas está no mínimo claro que existe
uma diferença especulativa entre esses dois tipos de exigência: o de
verdade ao self e o de justiça intersubjetiva.
Isso aparece de maneira cada vez mais clara no reconhecimento
de que as exigências da autenticidade estão intimamente ligadas à
estética. Estamos muito familiarizados com esse termo, e achamos
que a estética sempre foi uma categoria para pessoas, de qualquer
modo, enquanto amaram a arte e a beleza. Mas não é assim. A no­
ção de estética surge de outra mudança paralela no entendimento
da arte no século XVIII, ligada à mudança de modelos de imitação
para criatividade.
70 I 71

Onde a arte é compreendida primariamente como um tipo de


imitação da realidade, ela pode ser definida em relação à realidade
retratada, ou à sua forma de representação. Mas o século XVIII per­
cebe mais um desses deslocamentos em direção ao sujeito, paralelo
àquele que descreví anteriormente ligado à filosofia do senso moral.
A especificidade da arte e da beleza cessa para ser definida em termos
de realidade ou de sua maneira de representação, e vem a ser identi­
ficada pelos tipos de sentimento que desperta em nós, um sentimen­
to de seu próprio tipo especial, diverso do moral e de outros tipos
de prazer. Mais uma vez, é Hutcheson, baseando-se em Shaftesbury,
que é um dos pioneiros nessa linha de pensamento, mas que, ao final
do século, é tornada famosa, quase canônica, através da formulação
dada a ela por Immanuel Kant.
Para Kant, seguindo Shaftesbury, a beleza envolve um sentido de
satisfação, mas que é distinto da realização de qualquer desejo, ou
mesmo da satisfação decorrente da excelência moral. É uma satisfa­
ção por si mesma, por assim dizer. A beleza oferece a própria satisfa­
ção intrínseca. Sua finalidade é interna.
Mas a autenticidade também vem a ser entendida de forma para­
lela, como sua própria finalidade. Ela nasce, como já descreví, de uma
mudança no centro de gravidade da exigência moral em nós: autover-
dade e autoplenitude são vistas cada vez mais não como meios para
ser moral, como independentemente definidas, mas como algo valioso
para o próprio bem. A autoplenitude e a estética estão prontas para
serem unidas, uma unidade à qual Schiller atribuiu uma expressão
imensamente influente em suas Letters on the Aesthetic Education of
Man.A Para esse filósofo, a satisfação da beleza nos dá uma unidade e
plenitude acima das divisões que surgem em nós da luta entre morali­
dade e desejo. Essa plenitude é algo diferente da realização da moral,

4 Friedrich Schiller, On the Aesthetic Education of Man. Edição bilíngue.


Trad. Elizabeth Wilkinso.n e L.A. Willoughby. Oxford, The Clarendon
Press, 1967.
A Ética da Autenticidade I 0 Escorregar para o Subjetivismo

e, ao final, Schiller parece estar insinuando que é mais elevada, porque


nos compromete totalmente de um modo que a moral não pode. Cla­
ro, para ele, as duas ainda são compatíveis, elas se encaixam. Contu­
do, estão prontas para serem contrastadas, pois a plenitude estética é
uma finalidade independente, com o próprio télos, a própria forma de
bondade e contentamento.
Tudo isso contribui para as relações estreitas entre autenticidade
e arte. E ajuda a explicar alguns dos desenvolvimentos da noção de
autenticidade nos últimos dois séculos; em particular, o desenvolvi­
mento das formas nas quais as exigências da autenticidade têm sido
lançadas contra aquelas da moral. A autenticidade envolve origina­
lidade, demanda uma revolta contra a convenção. É fácil ver como
o próprio padrão de moralidade pode ser visto como inseparável da
sufocante convenção. A moral, como costuma ser entendida, obvia­
mente envolve aniquilar muito do que é elementar e instintivo em
nós, muitos de nossos desejos mais profundos e poderosos. Logo,
desenvolve-se um ramo de pesquisa para a autenticidade que se co­
loca contra a moral. Nietzsche, que busca um tipo de autoconstru-
ção no registro da estética, vê isso como bastante incompatível com
a tradicional ética de benevolência de inspiração cristã. E ele tem
sido seguido e excedido em várias tentativas de defender as profun­
didades instintuais, mesmo a violência, contra a ética “burguesa” da
ordem. Exemplos influentes em nosso século são, em suas formas
muito diferentes: Marinetti e os futuristas, Antonin Artaud e seu
Teatro da Crueldade e Georges Bataille. O culto da violência foi
também uma das raízes do fascismo.
Portanto, a autenticidade pode se desenvolver em muitos ramos.
E todos são igualmente legítimos? Penso que não. Não estou ten­
tando dizer que esses apóstolos do mal estão simplesmente errados.
Eles podem estar certos em alguma coisa, uma tensão na própria
ideia de autenticidade, que pode nos puxar em mais de uma dire­
ção. No entanto, penso que as variantes “pós-modernas” populares
72 I 73

de nossos dias, que tentaram deslegitimar horizontes de significado,


como vemos com Derrida, Foucault e seus seguidores, estão de fato
propondo formas desviantes. O desvio assume a forma de esqueci­
mento acerca de todo um conjunto de exigências sobre a autentici­
dade enquanto foca exclusivamente em outras.
Em suma, podemos dizer que a autenticidade (A) envolve (i)
criação e construção, assim como descoberta, (ii) originalidade e, fre­
quentemente, (iii) oposição às regras da sociedade e mesmo poten­
cialmente ao que reconhecemos como moralidade. Contudo, também
é verdade, como vimos, que (B) requer (i) abertura aos horizontes de
significado (visto que de outro modo a criação perde o pano de fundo
que pode salvá-la da insignificância) e (ii) uma autodefinição no diá­
logo. Há que se admitir que tais exigências podem estar em tensão.
Mas o que deve estar errado é um simples privilégio de um sobre o
outro, de (A), digamos, em detrimento de (B), ou vice-versa.
Isto é o que as doutrinas de “desconstrução” da moda envolvem
hoje. Elas enfatizam (A.i), a natureza criativa e construtiva de nos­
sas linguagens expressivas, enquanto esquecem completamente (B.i).
E elas apreendem as formas extremas de (A.iii), o amoralismo da cria­
tividade, ao passo que esquecem (B.ii), sua configuração dialógica,
que nos une aos demais.
Há algo de incoerente acerca disso, porque esses pensadores in­
vestem na perspectiva de fundo da autenticidade, por exemplo, em
seu entendimento dos poderes criativos, autoconstrutivos da lingua­
gem. Trata-se de algo que a filosofia científica da vida humana mais
desengajada não consegue aceitar. Mas querem investir nela, ignoran­
do algumas de suas constituintes essenciais.
De qualquer maneira, esteja certa ou não, podemos ver quão
forte pode ser a tentação de defender esse tipo de teoria. Está implí­
cita nas tensões inerentes ao ideal próprio da autenticidade entre os
lados que identifiquei como (A) e (B). E, uma vez em que se precipi­
ta nessa direção, exaltando (A) sobre (B), algo mais entra em jogo.
A Ética da Autenticidade I 0 Escorregar para o Subjetivismo

A compreensão de valor como criado dá uma sensação de poder e


liberdade. A fascinação com a violência no século XX tem sido um
caso de amor com o poder. Mas, mesmo em formas mais leves, as
teorias neonietzschianas geram um sentimento de liberdade radical.
Isso se liga àquela outra ideia, a qual eu disse estar intimamente
ligada à autenticidade desde o início, de autodeterminação da liber­
dade. Suas relações têm sido complexas, envolvendo tanto afinidade
quanto contestação.
A afinidade é óbvia. A autenticidade é ela mesma uma ideia
de liberdade; envolve a descoberta do projeto de minha vida por
mim mesmo, contra as exigências de conformidade externa. As ba­
ses para uma aliança estão lá. Mas isso é somente o que torna as
diferenças ainda mais fatídicas. Pois a noção de autodeterminação
da liberdade, empurrada até seus limites, não reconhece quaisquer
fronteiras, nada dado que eu tenha de respeitar em meu exercício
de autodeterminação da escolha. Pode ser facilmente tombada nas
mais extremas formas de antropocentrismo. Tem, evidentemente,
uma variante social, formulada no Contrato Social de Rousseau e
desenvolvida de maneira própria por Marx e Lênin, que certamente
ligam o indivíduo à sociedade. Contudo, ao mesmo tempo, essas
variantes empurraram o centramento humano a novas alturas, em
seu ateísmo, e em sua agressividade ecológica, que ultrapassou até
mesmo aquela da sociedade capitalista.5
No fim, a autenticidade não pode, não deveria, continuar com
a liberdade autodeterminada. Ela enfraquece a si mesma. Não obs­
tante, a tentação está compreensivelmente lá. E onde a tradição da
autenticidade sucumbe por qualquer outra razão ao antropocentris­
mo, a aliança facilmente se recomenda, torna-se quase irresistível.
Isso porque o antropocentrismo, ao abolir todos os horizontes de

' Discuti a relação entre essas duas idéias extensamente em Hegel, Cambridge,
Cambridge University Press, 1975.
74 I 75

significado, ameaça-nos com uma perda de sentido e, portanto, com


uma banalização de nosso predicamento. Em certo momento, enten­
demos nossa situação como uma grande tragédia, sozinhos em um
universo silencioso, sem significado intrínseco, condenados a criar
valor. Mas, em um momento posterior, a mesma doutrina, pela pró­
pria tendência inerente, produz um mundo achatado, no qual não
há escolhas muito significativas porque não há quaisquer questões
cruciais. O destino das grandes teorias “pós-modernas” que descrevi
aqui, conforme elas impactam as universidades norte-americanas,
ilustra isso. Elas se tornam tanto mais planas e mais gentis quanto
as originais. Planas, porque servem no final das contas para reforçar
as imagens mais autocentradas da autenticidade. Gentis, porque são
tomadas como suportes para as exigências de reconhecer diferenças.
Foucault, na universidade norte-americana, é, em geral, enfatica­
mente visto como uma figura da esquerda. Este não é necessaria­
mente o caso na França, e menos ainda na Alemanha.6
Em um mundo achatado, em que os horizontes de significado
tornam-se mais fracos, o ideal de autodeterminação da liberdade aca­
ba exercendo uma atração mais poderosa. Parece que o significado
pode ser conferido pela escolha, ao tornar minha vida um exercício
em liberdade, mesmo quando todas as outras fontes falham. A auto­
determinação da liberdade é em parte a solução-padrão da cultura da
autenticidade e, ao mesmo tempo, sua perdição, uma vez que inten­
sifica ainda mais o antropocentrismo. Isso configura um ciclo vicioso
que nos dirige a um ponto em que nosso maior valor restante é a
própria escolha. Mas, como já vimos, isso subverte profundamente

6 Ver o interessante artigo de Vincent Descombes sobre Foucault: A Criticai


Reader, David Hoy (ed.), Oxford, Blackwell, 1986, in: The London Revieiu
of Books, 5 mar. 1987, p. 3, onde ele discute as diferentes percepções de Fou­
cault nos Estados Unidos e na França; e também Jürgen Habermas, The Phi-
losophical Discourse of Modernity, trad. Frederick G. Lawrence, Cambridge,
Mass., MIT Press, 1987.
A Ética da Autenticidade I 0 Escorregar para o Subjetivismo

tanto o ideal de autenticidade quanto a ética de reconhecer a diferen­


ça associada a ele.
Estas são as tensões e fraquezas dentro da cultura da autentici­
dade, que, com as pressões de uma sociedade da atomização, precipi-
tam-na em seu deslize.
76 I 77

Capítulo 7 | La Lotta Continua

Tenho pintado um retrato da cultura da autenticidade como in­


fluenciado, até em suas variantes mais “narcisistas”, por um ideal de
autenticidade, que, entendido corretamente, condena essas variantes.
E uma cultura que sofre de uma tensão constitutiva. Isso contrasta
com a visão comum das formas mais autocentradas de autorrealiza-
ção como mero produto de egoísmo autoindulgente, ou, na melhor
das hipóteses, como acionado por um ideal nada melhor do que as
práticas menos admiráveis.
Por que sustentar minha visão? Bem, a primeira razão é que ela
me parece verdadeira. Esse ideal parece sim, a mim, ainda operante
em nossa cultura, e a tensão parece estar lá. No entanto, quais são
as consequências para nossas ações se minha visão for verdadeira?
Enxergar as coisas da maneira como estou propondo leva a uma po­
sição bem diferente em relação a essa cultura. Uma posição comum
hoje, especialmente entre críticos como Bloom, Bell e Lasch, é olhar
de soslaio para o objetivo da autorrealização como de algum modo
contaminado pelo egoísmo. Isso pode levar facilmente a uma conde­
nação vulgar da cultura da autenticidade. Por sua vez, há aqueles que
estão bastante “inseridos” nessa cultura, para quem tudo está bem
do jeito que está. O quadro sugerido aqui não conduz a nenhuma
delas. Ele sugere que empreendamos um trabalho de recuperação,
que identifiquemos e articulemos o ideal mais elevado por trás das
A Ética da Autenticidade I La Lotta Continua

práticas mais ou menos degradantes, e depois critiquemos tais práti­


cas com base no ponto de vista de seus próprios ideais motivadores.
Em outras palavras, em vez de dispensar tal cultura completamente,
ou apenas aprová-la como é, devemos tentar elevar suas práticas ao
tornar mais palpável aos seus participantes o que realmente envolve
a ética a qual eles aderiram.
Isso significa comprometer-se em um trabalho de persuasão. Não
parece nem possível tampouco desejável, se você assume qualquer dos
outros pontos de vista, mas é a única política apropriada na visão que
venho defendendo. Qualquer campo cultural envolve uma luta; pessoas
com visões diferentes e incompatíveis rivalizam, criticam e condenam
umas às outras. Já existe uma luta ocorrendo entre os incentivadores
e os críticos até no que concerne à cultura da autenticidade. Estou su­
gerindo que essa luta é um engano; ambos os lados estão equivocados.
O que deveriamos fazer é lutar pelo significado de autenticidade e, do
ponto de vista desenvolvido aqui, tentar persuadir as pessoas de que
a autorrealização, muito longe de excluir relacionamentos incondicio­
nais e exigências morais além do self, na verdade as requer em alguma
forma. A batalha não deveria ser pela autenticidade, contra ou a favor,
mas sobre ela, definindo seu significado correto. Deveriamos tentar ele­
var a cultura novamente, mais próxima de seu ideal motivador.
Claro, tudo isso assume três coisas: as três premissas que estabelecí
ao fim do capítulo II: (1) que a autenticidade é verdadeiramente um
ideal que vale a pena defender; (2) que você pode estabelecer em razão
de que ela trata; e (3) que esse tipo de argumento pode fazer diferença
na prática - isto é, você não pode acreditar que as pessoas estão tão
aprisionadas pelos vários desenvolvimentos sociais que as condicionam
à, digamos, atomização e à razão instrumental que não poderíam mu­
dar suas maneiras não importa quão persuasivo você seja.
Espero ter feito algo nos capítulos precedentes para tornar (2) plau­
sível. Mesmo que eu não tenha produzido qualquer argumento irres­
pondível, espero ter mostrado em alguma medida como os argumentos
78 I 79

podem ser desenvolvidos nessa área que poderia convencer-nos. Quanto


ao (3), enquanto todos têm que reconhecer quão poderosamente somos
condicionados pela nossa civilização industrial tecnológica, aquelas vi­
sões que nos retratam como totalmente presos e incapazes de mudar
nosso comportamento aquém do esmagamento de todo o “sistema”
sempre me pareceram descontroladamente exageradas. Mas quero fa­
lar mais a respeito disso no próximo capítulo. Por enquanto, deixe-me
apenas dizer umas poucas palavras sobre (1), o valor desse ideal.
Também não tenho nada de muito novo a dizer sobre isso a esta
altura. Porque me parece que esse ideal, como o entendemos fora de
suas ricas fontes, fala por si. Apenas declararei sem rodeios o que
acredito que emerge de uma consideração completa dessas fontes
(mais detalhada do que pude oferecer aqui).1
Acredito que, ao articular tal ideal ao longo dos últimos dois
séculos, a cultura ocidental identificou uma das potencialidades mais
importantes da vida humana. Assim como outras facetas do individua­
lismo moderno - por exemplo, aquela que nos chama para trabalhar
nossas próprias opiniões e crenças por nós mesmos -, a autenticidade
aponta-nos em direção a uma forma de vida mais autorresponsável.
Permite-nos viver (potencialmente) uma vida mais plena e diferencia­
da, porque mais plenamente apropriada como nossa. Há perigos -
temos explorado alguns deles. Quando sucumbimos a eles, pode ser
que caíamos em algum aspecto abaixo do que estaríamos se esta cul­
tura nunca tivesse se desenvolvido. Mas, em seu melhor, a autentici­
dade permite um modo de existência mais rico.
Contudo, além disso, eu gostaria de dizer algo ad hominem. Pen­
so que todas as pessoas em nossa cultura sentem a força desse ideal,
mesmo aquelas que tenho identificado como “críticas”: pessoas que
acham que toda a linguagem de autorrealização e do encontrar o

1 Tentei desenvolver uma consideração mais completa disso, bem como outras
vertentes da identidade moderna, em Sources of the Self.
A Ética da Autenticidade I La Lotta Continua

próprio caminho é suspeita, nonsense ou um veículo de autoindul-


gência. Pessoas que acham que é nonsense geralmente possuem uma
atitude científica, linha-dura em relação ao mundo. Pensam que os
seres humanos deveríam ser entendidos tanto quanto possível na lin­
guagem da ciência e escolhem as ciências naturais como seu exem­
plo. Então, falar de autorrealização ou autenticidade pode parecer
vago e pouco nítido para elas. Outros críticos, como Allan Bloom, são
humanistas. Eles não partilham dessa visão científica redutora, mas
parecem entender essa linguagem como uma expressão de frouxidão
moral, ou, pelo menos, como refletindo simplesmente uma perda dos
ideais dominantes anteriormente mais rigorosos em nossa cultura.
E, ainda assim, é difícil encontrar alguém que consideraríamos
estar na corrente principal de nossas sociedades ocidentais que, con­
frontadas com as próprias escolhas de vida a respeito de carreira ou
relacionamentos, não conferem peso algum ao que identificaríamos
como realização ou autodesenvolvimento, ou percebendo seus poten­
ciais, ou para o que achariam algum outro termo a partir do espectro
que serviu para articular esse ideal. Eles podem passar por cima dessas
considerações em nome de outros bens, mas sentem sua força. Exis­
tem, é claro, imigrantes de outras culturas, e pessoas que ainda vivem
em encraves muito tradicionais, mas podemos praticamente identificar
a principal corrente cultural da sociedade liberal ocidental em relação
àqueles que sentem o apelo desta e de outras formas principais de
individualismo. Isso é, de fato e com muita frequência, a fonte de bata­
lhas dolorosas e difíceis entre gerações em famílias imigrantes, apenas
porque tais individualismos definem a principal corrente na qual as
crianças estão sendo aculturadas de maneira inevitável.
Não se trata, admitidamente, de um argumento para o valor do
ideal, mas deve induzir alguma humildade em seus opositores. Fa­
ria sentido tentar desenraizá-io? Ou a política recomendada aqui faz
mais sentido em nossa situação, isto é, adotando tal ideal em seu me­
lhor e tentando elevar sua prática a esse nível?
80 I 81

Portanto, minha interpretação fundamenta uma prática bastante


diferente. Envia-nos a uma direção diferente das outras duas. Mas
também oferece uma perspectiva bem diferente das coisas. Na ver­
dade, parece que formas mais autocentradas de realização têm ga­
nhado terreno nas décadas recentes. Foi isso que causou o alarme. As
pessoas parecem, sim, estar vendo seus relacionamentos como mais
revogáveis. O crescimento das taxas de divórcio dá apenas uma in­
dicação parcial do aumento nos rompimentos, pois existe um grande
número de casais não casados em nossa sociedade. Mais pessoas pa­
recem menos enraizadas em suas comunidades de origem, e parece
haver uma queda na participação do cidadão.
Agora, se você pensa que isso representa um novo arranjo que a
geração atual tem apoiado sem problema - ou até, se você acha que
eles apoiaram um abandono dos vínculos tradicionais em favor de
um egoísmo absoluto -, então, você desesperará pelo futuro. Não
parece haver muita razão pela qual a tendência deveria ser revertida.
Seu desespero será intensificado na medida em que atribuir a mudan­
ça aos fatores sociais que mencionei anteriormente: como mobilidade
aumentada, e nosso crescente envolvimento em trabalhos ou situa­
ções sociais que envolvem nosso agir instrumentalmente, mesmo de
maneira manipulada, em relação às pessoas a nossa volta. Pois essas
tendências parecem destinadas a continuar, em alguns casos até mes­
mo se intensificar. E assim o futuro parece prometer apenas níveis de
narcisismo sempre crescentes.
A perspectiva é diferente se você vê esses desenvolvimentos à
luz da ética da autenticidade, pois aí não apenas representam uma
troca de valores que não é problemática para as pessoas concernen­
tes. Antes, você vê as práticas novas e autocentradas como o lugar
de uma tensão erradicável. A tensão provém do sentido de um ideal
que não está sendo plenamente conhecido de verdade. E essa tensão
pode virar uma batalha, em que pessoas tentam articular a escassez
da prática, e criticá-la.
A Ética da Autenticidade I La Lotta Continua

Sob essa perspectiva, a sociedade não está simplesmente se mo­


vendo em uma direção. O fato de que há uma tensão e uma luta sig­
nifica que ela não pode ir longe. De um lado estão todos os fatores,
internos e sociais, que rebaixam a cultura da autenticidade às suas
formas mais autocentradas; do outro, estão a confiança e as exigên­
cias inerentes desse ideal. Uma batalha está articulada, a qual pode
avançar e retroceder.
Isso pode aparecer como uma boa ou má notícia. Será má notícia
para qualquer um que esperava por uma solução definitiva. Nunca
podemos voltar à época antes que esses modos autocentrados pudes­
sem tentar e solicitar pessoas. Como todas as formas de individua­
lismo e liberdade, a autenticidade inaugura uma era de responsabili­
zação, se podemos usar esse termo. Pelo próprio fato de essa cultura
se desenvolver, as pessoas se tornam mais autorresponsáveis. Está na
natureza desse tipo de aumento de liberdade que as pessoas podem
afundar ainda mais, assim como se elevar cada vez mais. Nunca nada
garantirá um movimento sistemático e irreversível até as alturas.
Esse era o sonho de diversos movimentos revolucionários, do
marxismo, por exemplo. Uma vez que se abolisse o capitalismo, so­
mente os grandes e admiráveis frutos do capitalismo floresceríam;
os abusos e as formas desviantes seriam minguados. Mas isso não é
como deveria ser em uma sociedade livre, que de acordo e ao mesmo
tempo nos dará as formas mais elevadas de iniciativa moral autorres-
ponsável e dedicação, e, digamos, as piores formas de pornografia.
A alegação de outrora das sociedades marxistas de que a pornografia
foi simplesmente um reflexo do capitalismo agora foi mostrada pela
ostentação oca que era.
E, assim, isso pode surgir como boa notícia também. Se o melhor
nunca pode ser definitivamente garantido, então nem o declínio nem a
trivialidade são inevitáveis. A natureza de uma sociedade livre é de que
sempre será o lócus de uma batalha entre formas mais elevadas e mais
baixas de liberdade. Nenhum lado pode abolir o outro, mas o limite
82 I 83

pode ser deslocado, nunca de maneira definitiva, mas, pelo menos, para
algumas pessoas por algum tempo, de um jeito ou de outro. Através
de ações sociais, mudança política e do ganho de corações e mentes, as
formas melhores podem ganhar terreno, ao menos por um tempo. De
certo modo, uma sociedade genuinamente livre toma como sua auto-
descrição o slogan colocado adiante em um sentido bem diferente por
movimentos revolucionários como as Brigadas Vermelhas italianas: “la
lotta continua”, a luta continua - na realidade, para sempre.
Portanto, a perspectiva que estou propondo rompe em definitivo
com o pessimismo cultural que cresceu nas décadas recentes e que li­
vros, como os de Bloom e de Bell, alimentaram. A analogia para nossa
época não é a do declínio do Império Romano, visto que decadência
e deslize para o hedonismo tornam-nos incapazes de manter nossa
civilização política. Isso não significa afirmar que algumas sociedades
não possam cair sem pestanejar na alienação e na rigidez burocrática.
E algumas podem de fato perder seu status de quase imperiais. O fato
de que os EUA correm o perigo de sofrer ambas essas mudanças nega­
tivas talvez tenha aumentado, de maneira compreensível, a sustenta­
ção do pessimismo cultural lá.2 No entanto, os EUA não são o mundo
ocidental, e talvez não devessem nem mesmo ser tomados como uma
entidade única, pois é uma sociedade imensamente variada, feita para
meios e grupos muito diferentes. Evidentemente, haverá perdas e ga­
nhos, mas acima de tudo “la lotta continua”.
Quase desnecessário dizer, tampouco estou propondo a visão es-
pelho-imagem, um otimismo cultural do tipo popular nos anos 1 960,

2 A tremenda popularidade destes dois livros, em ambos os casos para a sur­


presa de seus autores, atestam isso. Um é The Closing of the American Mind,
de Bloom, o qual tenho discutido. O outro é The Rise and Fali of the Great
Powers, Nova York, Random House, 1987, de Paul Kennedy, que é precisa­
mente acerca da perda do status quase imperial. Eu também deveria mencio­
nar um filme canadense, Le Déclin de 1’Empire Américain, que jogou com esse
pessimismo cultural e que, de forma não característica para filmes do Québec,
foi um grande sucesso ao sul da fronteira.
A Ética da Autenticidade I La Lotta Contínua

tal como em The Greening of America, de Charles Reich, que viu a


ascensão de uma cultura espontânea, sutil, amorosa e ecologicamente
responsável. Esse sonho surge naturalmente da perspectiva distorcida
dos incentivadores enquanto o pessimista o faz baseado na dos críti­
cos. Quero ficar longe de ambas essas visões, não tanto em um terre­
no comum nem em um terreno completamente diferente. Sugiro que
nesse assunto não olhemos para a Tendência, qualquer que ela seja,
para cima ou para baixo, mas que rompamos com nossa tentação de
distinguir tendências irreversíveis, e vejamos que há uma luta aqui,
cujo resultado continuamente está para ser obtido.
Contudo, se estou certo e a luta é como a descrevo, então o pes­
simismo cultural dos críticos não é apenas equivocado, ele é tam­
bém contraproducente. Porque a condenação radical da cultura da
autenticidade como ilusão ou narcisismo não é uma maneira de nos
aproximar das alturas. Nessas circunstâncias, uma aliança de pessoas
com uma perspectiva científica descompromissada e aquelas com vi­
sões éticas mais tradicionais, assim também alguns proponentes de
uma alta cultura indignados, unem-se para condenar tal cultura. Mas
isso pode não ajudar. Um caminho que talvez ajude a mudar as pes­
soas engajadas nessa cultura (e, em algum nível, isso inclui a todos,
mesmo os críticos, quero afirmar) seria simpatizar com seu ideal ati­
vo e tentar mostrar o que ele realmente requer. Contudo, quando o
ideal é por implicação condenado e ridicularizado juntamente com a
prática existente, as atitudes endurecem. Os críticos são reduzidos à
qualidade de puros reacionários e uma reavaliação ocorre.
Na polarização resultante entre incentivadores e críticos, o que
precisamente se perde é um rico entendimento desse ideal. Ambos, em
um sentido, conspiram para identificá-lo com suas expressões mais
baixas e autocentradas. E contra essa conspiração que o trabalho de
recuperação deve ser feito, o que eu, em certo sentido, tenho esboçado
nos capítulos precedentes.
84 I 85

Capítulo 8 | Linguagens Sutis

Junto com o ideal, uma distinção muito importante fica ainda


mais camuflada nesse debate polarizado, e que é fundamental para
entender a cultura moderna. Em certo sentido, tal cultura viu um
movimento de muitas faces que se poderia chamar “subjetivação”:
isto é, o centro das coisas cada vez mais no sujeito, e de várias ma­
neiras. Coisas que foram um dia estabelecidas por alguma realidade
externa - a lei tradicional, digamos, ou a natureza - agora são re­
feridas como nossa escolha. Questões em que devíamos aceitar os
ditados da autoridade, agora precisamos pensar por nós mesmos.
A liberdade moderna e a autonomia nos centram em nós mesmos, e
o ideal de autenticidade requer que descubramos e articulemos nossa
própria identidade.
Mas existem duas facetas importantes e diferentes para esse mo­
vimento, uma no que diz respeito ao modo e outra no que diz respeito
à matéria ou ao conteúdo da ação. Podemos ilustrar isso com o ideal
de autenticidade. Em um nível, claramente concerne à maneira de
defender qualquer fim ou forma de vida. A autenticidade é autorre-
ferente de maneira evidente: isto tem que ser minha orientação. Mas
não significa que em outro nível o conteúdo deva ser autorreferente:
que meus objetivos devam expressar ou realizar meus desejos ou am­
bições, contra algo que está além destes. Posso encontrar realização
em Deus, ou em uma causa política, ou cultivando a terra. De fato,
A Ética da Autenticidade I Linguagens Sutis

esse argumento sugere que encontraremos realização genuína apenas


em alguma coisa assim, que tem significado independentemente de
nós ou de nossos desejos.
Confundir esses dois tipos de autorreferencialidade é catastrófi­
co. Interrompe o caminho à frente, o qual não pode envolver retornar
para antes da era da autenticidade. A autorreferencialidade de modo
é inevitável em nossa cultura. Confundir as duas é criar a ilusão de
que a autorreferencialidade de conteúdo é igualmente inescapável.
A confusão confere legitimidade às piores formas de subjetivismo.
O desenvolvimento da arte moderna nos dá um bom exemplo de
como esses dois tipos de subjetivação são crucialmente diferentes e,
ainda, quão facilmente eles são confundidos. Já que a arte também é
um terreno crucial para o ideal da autenticidade, como vimos, é espe­
cialmente válido explorar isso aqui.
A mudança de que quero falar aqui remonta ao final do século
XVIII e está relacionada com a substituição da compreensão da arte
como mimêsis para uma compreensão que enfatiza a criação, que
discuti no capítulo VI. Diz respeito ao que poderiamos chamar de lin­
guagens da arte, isto é, os pontos de referência publicamente disponí­
veis que, digamos, poetas e pintores podem representar. Como Shake-
speare podia basear-se nas correspondências, por exemplo, quando,
para nos fazer sentir o horror pleno do ato de regicídio, ele colocava
um servo relatando os eventos “não naturais” que haviam sido evo­
cados em simpatia com este feito terrível: a noite em que Duncan é
assassinado é uma noite de tormenta, com “lamentings heard i’ the
air; strange screams of death"' e permanece escuro apesar de o dia
ter começado. Na terça-feira anterior um falcão foi morto por uma
coruja caçadora, e os cavalos de Duncan tornaram-se selvagens na
noite, “Contending ‘gainst obedience, as they would / Make war with

1 Em uma tradução livre: “Lamentações eu ouvi no ar; estranhos gritos de


morte” e mais adiante: “desobedecendo a ordem natural como se fossem /
fazer guerra contra a humanidade”. (N. T.)
86 I 87

mankind”. De maneira semelhante, pintar poderia basear-se ampla­


mente nos assuntos publicamente entendidos da história secular e
divina, dos eventos e personagens que tinham elevado significado,
por assim dizer, incorporado a eles, como a Virgem e o Menino ou
O Juramento dos Horácios.
No entanto, por dois séculos estamos vivendo em um mundo
no qual esses pontos de referência não mais se mantêm para nós.
Ninguém mais acredita na doutrina das correspondências, como era
aceita na Renascença, e nem a história divina nem a secular possuem
um significado geralmente aceito. Não é que não se possa escrever
um poema sobre essas correspondências. Baudelaire o fez. Trata-se
antes de não poder basear-se na simples aceitação das doutrinas an­
teriormente públicas. O poeta em si mesmo não se submeteu a elas
em sua forma canônica. Ele está chegando a algo diferente, tentando
triangular alguma visão pessoal através dessa referência histórica, a
“floresta de símbolos” que ele vê no mundo ao seu redor. Contudo,
para apreender essa floresta, precisamos entender não tanto a dou­
trina pública de outrora (sobre a qual ninguém se lembra de detalhe
algum), mas, como poderiamos colocar, a maneira em que ela ressoa
na sensibilidade do poeta.
Para mostrar outro exemplo, Rilke fala de anjos. No entanto, seus
anjos não devem ser entendidos de acordo com seu lugar na ordem tra­
dicionalmente definida. Antes, temos de triangular o significado desse
termo por meio de todo espectro de imagens com as quais Rilke arti­
cula seu sentido das coisas. “Who if I cried out would hear me among
the orders ofangels?”,2 inicia as Elegias de Duino. O ser além desses
berros parcialmente define esses anjos. Não chegamos a eles através de
um tratado medieval sobre a classificação de querubim e serafim, mas
temos que passar por essa articulação da sensibilidade de Rilke.

i -----------------------------------------------------------------------------------------------------
2 “Quem, se eu gritasse, entre as legiões de anjos, me ouviria?”, Rainer
Maria Rilke, Elegias de Duino. Trad. Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro,
Globo, 2001.
A Ética da Autenticidade I Linguagens Sutis

Poderiamos descrever a mudança desta maneira: onde a lingua­


gem poética antes podia contar com certas ordens de significado pu­
blicamente disponíveis, agora tem que consistir em uma linguagem
de sensibilidade articulada. Earl Wasserman mostrou como o declínio
da antiga ordem com seu fundo de significados estabelecidos fez ne­
cessário o desenvolvimento de novas linguagens poéticas no período
romântico. Pope, por exemplo, em seu Windsor Forest, podia basear-
se em ultrapassadas visões da ordem da natureza como uma fonte
comumente disponível de imagens poéticas. Para Shelley, esse recurso
não está mais disponível; o poeta tem que articular o próprio mundo
de referências, e torná-las críveis. Como Wasserman explica,

Até o final do século XVIII havia suficiente homogeneidade intelectual


para os homens compartilharem certas suposições (...) Em diversos
graus (...) o homem aceitava (...) a interpretação cristã da história, a
sacralidade da natureza, a grande cadeia do ser, a analogia dos vários
planos da criação, a concepção de homem como microcosmo (...) Estas
eram sintaxes cósmicas no domínio público; e o poeta podia pensar em
sua arte como imitação da “natureza” já que esses padrões eram o que
ele queria dizer com “natureza”.

No século XIX essas fotos do mundo passaram da consciência (...)


A mudança de uma concepção mimética da poesia para uma criativa não
é meramente um fenômeno filosófico crítico (...) Agora (...) um ato for-
mulativo adicional era requerido do poeta (...) Em si mesmo o poema
moderno deve tanto formular a própria sintaxe cósmica quanto moldar
uma realidade poética autônoma que a sintaxe cósmica permita; “nature­
za”, que um dia foi anterior ao poema e disponível para imitação, agora
compartilha com o poema uma origem comum na criatividade do poeta?

Os poetas românticos e seus sucessores têm que articular uma


visão original do cosmo. Quando Wordsworth e Hõlderlin descrevem
o mundo natural ao nosso redor, em The Prelude, The Rhine ou em

Earl Wasserman, The Subtler Language. Baltimore, Johns Hopkins Univer-


sity Press, 1968, p. 10-11.
88 I 89

Homecoming, eles não mais jogam com um gama de referências esta­


belecidas, como Pope ainda pôde fazê-lo em Windsor Forest. Eles nos
tornam conscientes de alguma coisa na natureza para a qual ainda
não há palavras apropriadas.45Os poemas estão encontrando as pala­
vras para nós. Nessa “linguagem mais sútil” - a expressão é empres­
tada de Shelley algo é definido e criado, além de ser manifestado.
Uma linha divisória foi traçada na história da literatura.
Algo semelhante acontece na pintura no início do século XIX.
Caspar David Friedrich, por exemplo, distancia-se da iconografia tra­
dicional. Está à procura de um simbolismo na natureza que não é
baseado nas convenções aceitas. A ambição é deixar “as formas da
natureza falarem diretamente, seu poder liberado por sua ordenação
dentro da obra de arte”.'’ Friedrich também está buscando uma lin­
guagem sutil; está tentando dizer algo para o qual não existem termos
adequados e cujo significado tem de ser procurado em suas obras em
vez de em um léxico preexistente de referências.6 Ele constrói o senso
de afinidade entre nossos sentimentos e cenários naturais do final do
século XVIII, mas em uma tentativa de articular mais que uma reação
subjetiva. “O sentimento nunca pode ser contrário à natureza, é sem­
pre consistente com a natureza.”7

4 Assim, Wordsworth nos fala de como cie “tvould stand / If the night black-
ened ivith a coming storm, / Beneath some rock, listening to notes that are /
The ghostly language of the ancient earth / Or make their dim abode in distant
tuinds” (The Prelude, linhas 307-11). Em tradução livre: “permanecería / Caso
a noite enegrecida por uma tempestade que se aproxima / Embaixo de algum
refúgio, ouvindo as notas que são / A linguagem fantasmagórica da Terra antiga
/ Ou fazer sua morada sombria em ventos distantes”.

5 Charles Rosen e Henri Zerner, Romanticism and Realism. Nova York, Nor­
ton, 1984, p. 58. Este capítulo (2) contém uma excelente discussão sobre a
aspiração romântica a um simbolismo natural.
6 Ibidem, p. 68ss.

Citado em Rosen e Zerner, op. cit., p. 67. Os autores relacionam isso a uma de­
claração de Constable: “Para mim, pintar é apenas outra palavra para sentir”.
A Ética da Autenticidade I Linguagens Sutis

Isso representa uma mudança qualitativa nas linguagens artís­


ticas. Isto é, não é apenas uma questão de fragmentação. Não po­
deriamos descrevê-la apenas dizendo que poetas anteriores tinham
uma linguagem comumente reconhecida e agora cada um tem a sua
própria. Isso faz soar como difícil, se pudéssemos apenas concordar,
poderiamos dar, digamos, à visão de ordem de Rilke o mesmo status
de uma linguagem pública que a velha Cadeia do Ser aproveita.
Mas a mudança tem maior alcance que isso. O que nunca poderia
ser recuperado é o entendimento público de que anjos são parte de
uma ordem ontológica independente de humanos, tendo suas natu­
rezas angelicais quase independentemente da articulação humana, e,
portanto, acessível por meio de linguagens descritivas (teologia, filo­
sofia) que não são de forma alguma aquelas de sensibilidade articu­
lada. A “ordem” de Rilke, pelo contrário, pode vir a ser nossa apenas
através da ratificação na sensibilidade de cada novo leitor. Nessas
circunstâncias, a própria ideia de que tal ordem deveria ser abraçada
para a exclusão de todas as outras - uma exigência que é virtualmente
inescapável no contexto tradicional - perde qualquer força. É mui­
to claro agora como outra sensibilidade, outro contexto de imagens,
pode nos dar uma tomada bem diferente, mesmo no que podemos
não obstante ver como uma visão similar da realidade.
Assim, “anjos” contemporâneos devem se relacionar com o hu­
mano, pode-se dizer a respeito da linguagem, de uma maneira que
seus antepassados não faziam. Eles não podem estar apartados de cer­
ta linguagem da articulação, que é, como se fosse, seu elemento inter­
no. E essa linguagem, por sua vez, é fincada na sensibilidade pessoal
do poeta, e entendida apenas por aqueles cuja sensibilidade ressoa
como a do poeta.
Talvez o contraste possa ser visto mais fortemente se pensarmos
em como também podemos recorrer às intuições individuais para
traçar um domínio público de referências. A linguística pode fazer
uso de nossas intuições linguísticas de gramaticalidade. Tornar isso
90 I 91

disponível em geral exige uma virada reflexiva. Pergunto-me: você


pode dizer “Ela não tem um centavo”? e respondo negativamente.
Mas não há um apelo para falar aqui de “visão pessoal”. O que estou
mapeando aqui é precisamente um pedaço da experiência disponível
de modo público, o que todos nós apoiamos e com o que contamos
enquanto nos comunicamos. O que Eliot, Pound ou Proust, ao con­
trário, me convidam a possuir é uma dimensão pessoal erradicável.
Em relação à discussão anterior, isso significa que uma importan­
te subjetivação aconteceu na arte pós-romântica. Contudo, é clara­
mente uma subjetivação da maneira. Diz respeito a como o poeta tem
acesso ao que quer que ele nos sugere. De forma alguma resulta em
ser uma subjetivação do conteúdo, isto é, que a poesia pós-romântica
deve ser, em algum sentido, exclusivamente uma expressão do self.
Essa é uma visão comum, que parece ter recebido algum crédito por
frases famosas como a da descrição da poesia de Wordsworth como
“o transbordar espontâneo de um sentimento poderoso”. Entretanto,
o próprio Wordsworth estava tentando fazer mais do que articular
seus sentimentos quando escreveu em “Tintern Abbey” sobre

A presence that disturbs me with the joy


Of elevated thoughts; a sense sublime
Of something far more deeply interfused,
Whose divelling is the light of setting suns,
And the round ocean and the living air,
And the blue sky, and in the mind of man:
A motion and a spirit, that impeis
AH thinking things, all objects of all thought,
And rolls through all things. (linhas 94-102)8

s Tradução livre: “Uma presença que me perturba com a alegria / De pensa­


mentos elevados; uma sensação sublime / De algo muito mais profundamente
impregnado / Cuja morada é a luz de sóis poentes / E o contínuo oceano e o
ar vivo / E o céu azul e a mente do homem: / Um movimento e um espírito,
que impelem / Todas as coisas pensantes, todos objetos de todo pensamento /
E desliza através de todas as coisas”. (N. T.)
A Ética da Autenticidade I Linguagens Sutis

E o esforço de alguns dos melhores poetas modernos tem sido


precisamente articular algo além do self. Precisamos pensar apenas
em Rilke em seu “Neue Gedichte” e em um poema como “The Pan-
ther”, onde ele tenta articular as coisas com base no interior delas,
por assim dizer.
A confusão de conteúdo e modo é fácil de realizar, apenas porque
a poesia moderna não pode ser a exploração de uma ordem “objeti­
va” no sentido clássico de um domínio de referências publicamente
acessíveis. E as confusões não se encontram somente com os comen­
taristas. E fácil o bastante concluir que o declínio da ordem clássica
deixa apenas o self para celebrar, e seus poderes. O deslize para o
subjetivismo, e sua mistura de autenticidade com liberdade autode-
terminante, é muito prontamente aberto. Uma grande parte da arte
moderna depende apenas da celebração dos poderes e sentimentos
humanos. De novo, os futuristas vêm à mente como exemplos.
Mas alguns dos melhores escritores do século XX não são subje-
tivistas nesse sentido. Sua agenda não é o self, mas algo além. Rilke,
Eliot, Pound, Joyce, Mann e outros estão dentre eles. O exemplo deles
mostra que o inescapável trajeto da linguagem poética na sensibilida­
de pessoal não precisa significar que o poeta não mais explora uma
ordem além do self. Em seu Elegias de Duino, por exemplo, Rilke
tenta nos contar algo sobre nossos atributos, sobre a relação dos vi­
vos com os mortos, sobre a fragilidade humana e sobre o poder da
transfiguração presente na linguagem.
Então, os dois tipos de subjetivação devem ser distinguidos se
quisermos entender a arte moderna. E essa distinção possui grande
relevância para a luta cultural em curso a que me referi anteriormen­
te. Alguns dos problemas importantes de nossa época, a respeito do
amor e do nosso lugar na ordem natural, precisam ser explorados em
tais linguagens de ressonância pessoal. Para citar um exemplo salien­
te, apenas porque não mais acreditamos nas doutrinas da Grande Ca­
deia do Ser, não precisamos nos ver como colocados em um universo
92 I 93

que podemos considerar simplesmente a fonte de materiais brutos


para nossos projetos. Podemos ainda precisar nos ver como parte de
uma ordem maior que pode fazer reivindicações de nós.
De fato, esta última pode ser pensada como urgente. Ajudaria
grandemente a evitar desastres ecológicos se pudéssemos recuperar
um sentido da exigência que nossos arredores naturais e mais selva­
gens nos fazem. O viés subjetivista, que tanto a razão instrumental
como as ideologias de realização autocentrada consideram dominan­
te em nossa época, torna quase impossível expor o caso aqui. Albert
Borgman aponta quanto do argumento para contenção ecológica e
responsabilidade é escondido em linguagem antropocêntrica.9 A con­
tenção é mostrada como necessária para o bem-estar humano. Isso
é bastante verdadeiro e importante, mas não é toda a história. Nem
captura a extensão completa de nossas intuições aqui, que frequen­
temente nos apontam um sentimento que a natureza e nosso mundo
reivindicam de nós.
No entanto, não podemos explorar efetivamente essas intuições
sem a ajuda que nossas linguagens de ressonância pessoal podem nos
dar. E por isso que o fracasso em reconhecer que elas podem ser usadas
de maneira não subjetiva - a confusão entre os dois tipos de subjeti-
vação - pode ter importantes consequências morais. Proponentes da
razão desengajada ou da realização subjetiva podem abraçar essas con­
sequências de boa vontade. Para eles, não há nada ali além do self a ser
explorado. Críticos radicais da modernidade buscam a antiga ordem
pública, e assimilam visões pessoalmente ressonantes ao mero subje-
tivismo. Alguns moralistas severos, também, querem conter essa área
lúgubre do pessoal, e tendem, da mesma forma, a bloquear junto todas
as suas manifestações, sejam elas subjetivistas ou exploratórias. Re­
conhecemos aqui a coalizão familiar que conspira inconscientemente
para sustentar uma visão baixa e trivializada da ética da autenticidade.

9 Borgman, Technology and the Character of Contemporary Life, capítulo 11.


A Ética da Autenticidade I Linguagens Sutis

Mas, ao bloquear esse tipo de exploração além do self, eles tam­


bém estão nos privando de uma de nossas principais armas na con­
tínua luta contra as formas niveladas e triviais da cultura moderna.
Estão encerrando o tipo de exploração que poderia fazer certas exi­
gências além do self mais palpáveis e reais para nós - por exemplo,
aquelas subjacentes a uma política ecológica mais do que antropo-
cêntrica. Podemos ver novamente como a perspectiva do debate po­
larizado entre incentivadores e críticos, entre otimismo e pessimismo
cultural, pode ser danificada quando se trata de comprometer-se com
o real, batalha incessante para realizar as potencialidades mais eleva­
das de nossa cultura moderna.
Se autenticidade é ser verdadeiro para nós mesmos, é recobrar
nosso “sentimento da existência” , então talvez só possamos alcançá-
lo integralmente se reconhecemos que esse sentimento liga-nos a um
todo maior. Talvez não tenha sido um acidente o fato de, no período
romântico, o sentimento de si e o sentimento de pertencer à natureza
estarem associados.11’ Talvez a perda de um sentimento de posse atra­
vés de uma ordem publicamente definida necessite ser compensada
por um de vinculação mais forte e interno. Talvez seja isso que grande
parte da poesia moderna tem tentado articular; e talvez precisemos de
algumas poucas coisas a mais hoje do que tal articulação.10
*

10 Ver Rousseau, Les Rèveries du Promeneur Solitaire, Vcmc Promenade.


In: Ouevres Completes. Paris, Gallimard, 1959, p. 1045.
94 I 95

Capítulo 9 | Uma Jaula de Ferro?

Tenho discutido extensamente a primeira das três preocupações


acerca da modernidade que delineei no primeiro capítulo. Não tive
muito tempo para me referir às outras duas. Mas minha esperança era
de que a extensa discussão sobre o individualismo da autorrealização
demarcaria as linhas de uma posição geral em relação à modernidade,
que podería talvez ser estendida também às outras zonas de mal-estar.
Neste capítulo, gostaria de indicar brevemente o que isso envolvería
para a dominância ameaçada da razão instrumental.
No que diz respeito à autenticidade, sugeri que as duas posições
simples e extremas dos incentivadores e críticos, respectivamente, de­
vem ser evitadas; essa condenação radical da ética da autorrealiza­
ção é um engano profundo, bem como um simples endosso global de
todas as suas formas contemporâneas. Argumentei que existe uma
tensão entre os ideais éticos subjacentes e as maneiras com que estes
são refletidos na vida das pessoas, e isso significa que um pessimismo
cultural sistemático é tão equivocado quanto um otimismo cultural
global. Antes, encaramos uma luta contínua para perceber modos
mais elevados e plenos de autenticidade contra a resistência de formas
mais niveladas e superficiais.
Algo análogo se mantém para a razão instrumental, minha se­
gunda área principal de preocupação. Aqui, também, há posições
extremas. Existem pessoas que enxergam o advento da civilização
A Ética da Autenticidade I Uma Jaula de Ferro?

tecnológica como uma espécie de declínio consumado. Perdemos o


contato com a terra e seus ritmos, que nossos antepassados tinham.
Perdemos contato conosco e com nosso próprio ser natural, e so­
mos conduzidos por um imperativo da dominação que nos condena
à batalha incessante contra a natureza, a de nosso interior e a que
está ao nosso redor. Tal queixa contra o “desencanto” do mundo foi
articulada repetidamente desde o período romântico, com seu sentido
perspicaz de que os seres humanos foram triplamente divididos pela
razão moderna - dentro de si, entre si e do mundo natural.1 Ela está
presente em nossa cultura hoje de inúmeras formas. Acompanha, por
exemplo, uma admiração pela vida das pessoas pré-industriais, e não
raro com uma posição política de defesa de sociedades aborígenes
contra a invasão da civilização industrial. Também é um grande tema
numa vertente do movimento feminista, associada com a reivindica­
ção de que a posição dominante para com a natureza é “masculina”,
e é uma característica fundamental da sociedade “patriarcal”.
Pessoas com essa visão sentem-se incitadas a entrar em conflito
com os incentivadores convictos da tecnologia, que acham que há
uma solução para todos os nossos problemas humanos, e são im­
pacientes com aqueles que ficam no caminho do progresso do que
parece ser insensatez obscurantista.
Um debate analogamente polarizado é fácil de encontrar aqui.
Contudo, há uma diferença importante: os alinhamentos não são os
mesmos. Grosso modo, os críticos da autenticidade costumam ser de
direita, aqueles que o são em relação à tecnologia, de esquerda. Mais
pertinentemente, alguns (mas não todos) daqueles que são críticos da
ética de autorrealização são grandes apoiadores do desenvolvimento
tecnológico, ao passo que muitos daqueles que “curtem” profunda­
mente a cultura contemporânea da autenticidade compartilham as vi­
sões acerca do patriarcalismo e estilos de vida aborígenes a que acabei

1 Desenvolví a explicação dessas divisões de maneira mais minuciosa em Hegel.


96 I 97

de me referir. Esses alinhamentos cruzados conduzem mesmo a al­


gumas contradições preocupantes. Conservadores direitistas no estilo
norte-americano falam como advogados de comunidades tradicionais
quando atacam o aborto em pauta e a pornografia; mas em suas po­
líticas econômicas eles defendem uma forma descontrolada de capita­
lismo corporativo, o qual, mais do que qualquer outra coisa, ajudou
a dissolver comunidades históricas, tem fomentado o atomismo, que
desconhece fronteiras ou lealdades, e está pronto para fechar uma
cidade mineira ou atacar um hábitat florestal na queda do equilíbrio
comercial. Por sua vez, encontramos apoiadores de uma posição aten­
ta e reverenciai para com a natureza, que iriam para o muro defender
o hábitat florestal, demonstrando-se a favor do aborto em pauta, sob
a alegação de que o corpo de uma mulher pertence exclusivamente a
ela. Alguns adversários do capitalismo selvagem levam o individualis­
mo possessivo mais longe que seus defensores mais tranquilos.
Esses dois debates polarizados são bem diferentes, mas não obs­
tante acho que ambos estão mais ou menos igualmente errados. Os
sacrifícios que a razão instrumental fugitiva nos impõe são bastante
óbvios no endurecimento de uma perspectiva atomística, em nossa
impenetrabilidade na natureza. Aí, os críticos estão corretos. Ainda
assim, não podemos ver o desenvolvimento da sociedade tecnológica
apenas à luz de um imperativo da dominação. Fontes morais mais
ricas o alimentaram. Mas, como no caso da autenticidade, essas fon­
tes morais tendem a se perder de vista, precisamente através do en-
regelamento dos valores atomistas e instrumentalistas. Recuperá-los
pode nos permitir restaurar algum equilíbrio, um em que a tecnologia
ocuparia outro lugar em nossas vidas diferente de um imperativo in­
sistente e irrefletido.
Aqui, mais uma vez, poderia haver uma luta entre modos me­
lhores e piores de viver a tecnologia, como há entre maneiras mais
elevadas e mais baixas de buscar a autenticidade. Mas a luta é ini­
bida, em muitos casos fracassa completamente em começar, pois as
A Ética da Autenticidade I Uma Jaula de Ferro?

fontes morais estão encobertas e longe de vista. E, nessa obstrução,


os críticos têm sua parte, pois a descrição implacável da socieda­
de tecnológica em matéria de dominação exclui essas outras fontes
completamente.
Mas os incentivadores também não ajudam, pois tendem a com­
prar tão profundamente a posição atomista e instrumentalista que
também falham em reconhecer tais forças. Da mesma forma que com
a autenticidade, ambos os lados no debate polarizado estão em uma
conspiração involuntária para manter algo fundamental da visão,
para imputar a visão mais baixa acerca do que disputam - neste caso,
a razão instrumental. Contra eles, precisamos fazer um trabalho de re­
cuperação, para obter uma luta frutífera em nossa cultura e sociedade.
Antes de empreender essa recuperação, há um ponto que não
podemos evitar. Em um grau considerável, o domínio da razão ins­
trumental não é só uma questão da força de determinada perspectiva
moral. Também é o caso de que em muitos aspectos nos encontramos
impelidos a dar-lhe um grande espaço em nossa vida, como mencionei
no início deste livro. Em uma sociedade cuja economia é amplamente
conduzida por forças de mercado, por exemplo, todos os agentes eco­
nômicos precisam dar um lugar importante à eficiência se quiserem
sobreviver. Em uma sociedade tecnológica ampla e complexa, bem
como nas unidades de alto escalão que a compõe - firmas, instituições
públicas, grupos de interesse -, as atividades comuns devem ser geren­
ciadas em algum grau de acordos com os princípios da racionalidade
burocrática se tiverem a pretensão de ser gerenciadas em absoluto.
Portanto, se deixamos nossa sociedade aos mecanismos de “mão invi­
sível” como o mercado ou tentamos gerenciá-la coletivamente, somos
forçados a operar em alguma medida de acordo com as exigências da
racionalidade moderna, adéque-se ela ou não a nossa própria pers­
pectiva moral. A única alternativa parece ser uma espécie de exílio in­
terior, uma automarginalização. A racionalidade instrumental parece
ser apta a depositar suas exigências intermitentes em nós, nas esferas
98 I 99

públicas ou privadas, na economia e no Estado, nas formas comple­


mentares que aqueles dois grandes analistas da modernidade, Marx e
Weber, explicaram.
Agora, isso é muito verdadeiro e importante. Ajuda a dar conta do
poder de atitudes e filosofias atomistas e instrumentais de nossa épo­
ca. O atomismo em particular tende a ser gerado pela visão científica
que continua com a eficiência instrumental, assim como está implícito
em algumas formas de ação racional, tal como a do empreendedor. E,
então, essas atitudes adquirem quase o status de normas, e parecem
resguardadas por uma realidade social que não se pode desafiar.
Mas as pessoas saíram disso para a afirmação de que há algo
inelutável acerca da perspectiva atomista instrumental uma vez que
adentrou nosso tipo de sociedade. Se assim fosse, então muito do
que eu disse nos capítulos anteriores não teria interesse, pois tenho
explorado e explorarei razões para limitar o escopo de considerações
instrumentais, e isto supõe que temos o poder para fazê-lo. Supõe que
temos uma escolha real aqui, mesmo se tendemos a estar cegos para
as opções abertas a nós. Se for realmente o caso de que a sociedade
tecnológica moderna nos aprisiona numa “jaula de ferro”, então tudo
foi em vão. Esse é o terceiro grande desafio ao meu argumento todo,
que delineei ao final do capítulo 2, mas ao qual ainda não me referi
propriamente.
Penso que há uma grande porção de verdade nessas imagens de
jaula de ferro . A sociedade moderna tende sim a nos empurrar na
direção do atomismo e instrumentalismo, tanto ao dificultar restrin­
gir suas oscilações em determinadas circunstâncias quanto por gerar
uma visão que os subestima como estandartes. Mas acredito que a
visão da sociedade tecnológica como uma espécie de destino de fer­
ro não pode ser sustentada. Simplifica demais e esquece o essencial.
Primeiro, a ligação entre a civilização tecnológica e essas normas não
é unívoca. Não se trata apenas de as instituições reproduzirem a fi­
losofia; a perspectiva também teve de começar a ter alguma força na
A Ética da Autenticidade I Uma Jaula de Ferro?

sociedade europeia antes que as instituições pudessem desenvolver-se.


Perspectivas atomistas e instrumentalistas começaram a se espalhar,
pelo menos, entre as classes educadas da Europa ocidental e da Amé­
rica antes da Revolução Industrial. E, de fato, Weber viu a importân­
cia dessa preparação ideológica para o capitalismo moderno.
No entanto, isso pode ser recusado como de interesse puramente
histórico. Talvez tivesse que haver uma mudança filosófica para nossa
sociedade tecnológica surgir, mas, uma vez instaurada, ela se torna
coercitiva. Essa é uma interpretação plausível do que Weber estava
tentando dizer com sua imagem da jaula de ferro.
Contudo, isso parece ser vastamente simplificado também. Os
seres humanos e suas sociedades são muito mais complexos do que
qualquer simples teoria possa dar conta. Verdade, somos empurra­
dos nessa direção. Verdade, as filosofias do atomismo e do instru-
mentalismo tiveram uma vantagem inicial em nosso mundo. Mas
ainda é o caso de haver muitos pontos de resistência, e estes estão
constantemente sendo gerados. Precisamos pensar apenas em todo o
movimento desde a época romântica, que desafiou o domínio dessas
categorias, e, na ramificação desse movimento hoje, que está desafian­
do nossa má administração ecológica. Que esse movimento avançou,
progrediu, embora de maneira incipiente e inadequada, em nossas
práticas permanece como uma refutação parcial de qualquer lei de
ferro da sociedade tecnológica.
A história recente desse movimento nos conta muito acerca tanto
dos limites quanto das possibilidades de nossa desagradável situação.
Um público fragmentado, dividido em suas preocupações, está de fato
à deriva do que parece ser um destino inelutável que leva em direção à
dominância da razão instrumental. Cada pequeno fragmento pode se
importar profundamente com um pouco de suas ameaças ambientais,
com a destruição ou degradação em nome do desenvolvimento. Mas
parece que nisso cada comunidade local ou grupo de cidadãos preo­
cupados se levanta contra a vasta maioria do público, exigindo um
100 I 101

sacrifício no desenvolvimento, e, portanto, PIB por cabeça, para esse


público, em nome de seus interesses minoritários. Assim formulado,
o caso parece não ter jeito: é politicamente uma causa perdida, e não
parece merecer ganhar. As máquinas de políticas democráticas redu­
zem inelutavelmente essas pequenas ilhas de resistência a pó.
Mas, uma vez que um clima de entendimento comum é criado
ao redor da ameaça ao ambiente, a situação muda. Permanecem, é
claro, batalhas entre grupos locais e o público geral. Todos veem a
necessidade de um despejo, mas ninguém o quer em seu quintal. No
entanto, alguns conflitos locais são vistos de uma nova forma, são
diferentemente enquadrados. A preservação de algumas áreas selva­
gens, por exemplo, a conservação de algumas espécies ameaçadas, a
proteção contra alguns assaltos devastadores no ambiente são vistas
como parte de um novo propósito comum. Como frequentemente é o
caso, os mecanismos de inevitabilidade funcionam apenas quando as
pessoas estão divididas e fragmentadas. A situação se altera quando
surge uma consciência comum.
Não queremos exagerar nossos graus de liberdade. Mas eles não
são nulos. E isso significa que entender as fontes morais de nossa ci­
vilização pode fazer diferença, à medida que pode contribuir para um
novo entendimento comum.
Não estamos, de fato, aprisionados. Mas há um declive, uma incli­
nação nas coisas que é muito fácil de decair. A inclinação vem dos fato­
res institucionais que já mencionei, mas também de uma curvatura nas
idéias em si. Vimos algo parecido com isso no caso da autenticidade,
como tentei mostrar no capítulo VI: uma maneira na qual os ideais mo­
rais atribuem a si próprios certa distorção, ou esquecimento seletivo.
Algo parecido também é verdade no caso da racionalidade ins­
trumental, e por razões parcialmente sobrepostas. Descreví algumas
das fontes para a força, em nossa cultura, de um ideal de liberdade
autodeterminante. Somos livres quando podemos refazer as condições
de nossa própria existência, quando podemos dominar as coisas que
A Ética da Autenticidade I Uma Jaula de Ferro?

nos dominam. Obviamente esse ideal ajuda a conferir ainda maior


importância ao controle tecnológico sobre nosso mundo; ajuda a en­
quadrar a razão instrumental em um projeto de dominação, em vez
de servir para limitá-lo em nome de outros fins. Na realidade, ele con­
tribuiu para neutralizar alguns dos limites que ainda existiam para a
devastação tecnológica descontrolada do ambiente, como a recente
história de sociedades marxistas-leninistas mostrou, ideologicamente
desenvolvidas por uma forma desse ideal.
A razão instrumental também cresceu com um modelo livre
do sujeito humano, o qual possui uma grande sustentação em nos­
sa imaginação. Oferece um retrato ideal de um humano que pensa
que se dissociou de sua incorporação confusa em nossa constituição
corporal, nossa situação dialógica, nossas emoções e nossas formas
tradicionais de vida com o intuito de ser racionalidade pura, autove-
rificante. Essa é uma das formas mais prestigiosas de razão em nossa
cultura, exemplificada pelo pensamento matemático, ou outros tipos
de cálculo formal. Argumentos, ponderações, conselhos que podem
afirmar estar baseados nesse tipo de cálculo têm um grande poder
persuasivo em nossa sociedade, mesmo quando esse tipo de raciocínio
não é realmente apropriado ao assunto em questão, como a imensa (e,
penso, desmerecida) saliência de tal tipo de pensamento nas ciências
sociais e estudos políticos atesta. Economistas impressionam legisla­
dores e burocratas com sua matemática sofisticada, mesmo quando
está servindo para embalar pensamento político imaturo com resulta­
dos potencialmente desastrosos.
Descartes foi o mais famoso porta-voz antigo desse modo de
razão desengajada, e ele tomou um passo fatídico que foi ampla­
mente seguido desde então. Podemos achar tal maneira de racioci­
nar uma conquista que vale a pena buscar direcionar para deter­
minados propósitos, algo que conseguimos reter parte do tempo,
muito embora constitucionalmente nosso pensamento seja em geral
incorporado, dialógico, insuflado de emoção, e reflita os modos de
102 I 103

nossa cultura. Descartes resolveu supor que somos essencialmente


razão desengajada; somos puro intelecto, distinto do corpo, e nos­
so modo normal de ver a nós mesmos é uma confusão lamentável.
Alguém talvez consiga ver por que esse retrato o atraía e àqueles
que o seguiram. O ideal parece ganhar força e autoridade quando
supomos que é como realmente somos, em oposição ao objetivo
de tentativas de realização um pouco frágil e local. Portanto, é
muito fácil para nós, em nossa cultura, pensar em nós como razão
essencialmente desengajada. Isso explica por que tantas pessoas
acham pouco problemático que devéssemos conceber o pensamen­
to humano no modelo do computador digital. Essa autoimagem é
realçada pelo sentimento de poder que acompanha uma apreensão
desengajada das coisas.
Então muito, tanto institucional quanto ideologicamente, está a
favor do atomismo e do instrumentalismo. Entretanto, se meu argu­
mento está correto, também podemos lutar contra isso. Uma das ma­
neiras de podermos fazê-lo é por meio da recuperação de algumas das
mais ricas circunstâncias morais das quais a ênfase moderna na razão
instrumental obteve sua ascensão. Não posso desenvolver o argumen­
to aqui, mesmo na extensão de esboço que fiz com a autenticidade,
mas gostaria de indicar, brevemente, como poderia ser.
E obvio que parte do que favorece a razão instrumental é que ela
nos permite controlar nosso ambiente. A dominação fala conosco, seja
apenas porque podemos adquirir mais daquilo que queremos, seja por­
que nivela nosso sentimento de poder, ou porque cabe em algum proje­
to de liberdade autodeterminante. Mas isso não se resume ao “domínio
da natureza”, como alguns críticos parecem sugerir. Há outros dois
contextos morais importantes que eu gostaria de mencionar aqui, dos
quais a ênfase na razão instrumental surgiu.
(1) Já vimos que ela está ligada a um sentimento de nós mes­
mos como razão potencialmente desengajada. Isto se fundamenta em
um ideal moral, o de um pensar autorresponsável e autocontrolado.
A Ética da Autenticidade I Uma Jaula de Ferro?

Há um ideal de racionalidade aqui, que é ao mesmo tempo um ideal


de liberdade, de pensamento autônomo e autogerador.
(2) Outra vertente moral entrou em cena. O que chamei de afir­
mação da vida ordinária, o sentimento de que a vida de produção
e reprodução, de trabalho e família, é que é importante para nós,
também fez uma contribuição crucial, pois nos fez dar importância
sem precedentes à produção das condições de vida em abundância
sempre crescente e o alívio do sofrimento em uma escala sempre
maior. Já no início do século XVII, Francis Bacon criticou as tra­
dicionais ciências aristotélicas por não terem contribuído em nada
“para aliviar a condição da humanidade”.2 Ele propôs um modelo
de ciência fixo cujo critério de verdade seria a eficácia instrumental.
Você descobriu alguma coisa quando pôde intervir para mudar as
coisas. A ciência moderna está essencialmente em continuidade com
Bacon nesse aspecto. Mas o que importa em Bacon é que ele nos lem­
bra de que a confiança por detrás dessa nova ciência não era apenas
epistemológica, mas também moral.
Somos herdeiros de Bacon, atualmente, por exemplo, quando
montamos grandes campanhas internacionais para aliviar a fome ou
para ajudar vítimas de enchentes. Viemos a aceitar uma solidariedade
universal atualmente, pelo menos na teoria, porém imperfeita na nos­
sa prática, e aceitamos isso sob a premissa de um intervencionismo
ativo na natureza. Não aceitamos que as pessoas continuem sendo
vítimas potenciais de tornados ou fomes. Nós os consideramos males
curáveis e preventivos em princípio.
Essa benevolência prática e universal também confere um lugar
crucial à razão instrumental. Aqueles que reagem contra o lugar que
ela assumiu em nossa vida sobre bases estéticas ou de estilos de vida
(e essa foi uma grande parte do protesto ao longo das décadas desde

2 Francis Bacon, Nouum Organum, 1.73, tradução de Francis Bacon: A Selec-


tion ofHis Works. Ed. Sydney Warhaft. Toronto, Macmillan, 1965, p. 350-51.
104 I 105

o século XVIII) são frequentemente taxados pelos defensores como


moralmente insensíveis e sem imaginação, colocando a própria sensi­
bilidade estética acima das necessidades vitais das massas de pessoas
em sofrimento.
Logo, a razão instrumental vem a nós com seu próprio pano de
fundo moral rico. Não foi de forma alguma simplesmente potenciali­
zada uma libido dominandi superdesenvolvida. E, mesmo assim, mui­
to frequentemente parecer servir aos fins de controle maior, de domí­
nio tecnológico. A recuperação de um segundo plano moral mais rico
pode mostrar que não é necessário fazer isso, e ainda que, em muitos
casos, está traindo esse segundo plano moral ao fazê-lo - analoga­
mente à maneira que os modos mais autocentrados de autorrealiza-
ção traem o ideal de autenticidade.
O que essa recuperação envolvería é essencialmente o mesmo que
no caso da autenticidade. Precisamos unir duas ordens de considera­
ções. Baseando-se (a) nas condições da vida humana que precisam
condicionar a realização dos ideais em questão, podemos determinar
(b) o que a realização efetiva dos ideais significaria.
Podemos ver o que esse tipo de reflexo envolve se observarmos
um importante exemplo, do campo dos tratamentos médicos. Sob
(a), notamos que o ideal de razão desengajada deve ser considerado
precisamente como um ideal e não como um retrato da intervenção
humana como realmente é. Somos agentes corporificados, vivendo
em condições dialógicas, habitando o tempo de uma maneira espe­
cificamente humana, isto é, dando sentido a nossa vida como uma
história que liga o passado do qual viemos a nossos projetos futuros.
Isso significa (b) que, se pretendemos tratar de maneira adequada um
ser humano, temos que respeitar essa natureza corporificada, dia-
lógica e temporal. Extensões sem controle da razão instrumental,
como a prática médica que esquece o paciente como uma pessoa, que
não leva em conta como o tratamento relaciona-se com sua histó­
ria e, portanto, com os determinantes de esperança e desespero, que
A Ética da Autenticidade I Uma Jaula de Ferro?

negligencia a relação essencial entre o agente da cura e o paciente -


tudo isso deve ser impedido em nome do segundo plano moral em
benevolência que justifica essas aplicações mesmas da razão instru­
mental.’ Se conseguirmos entender por que a tecnologia é importante
aqui em primeiro lugar, então ela será por si mesma limitada e en­
quadrada por uma ética do cuidado.
O que estamos buscando aqui é um enquadramento alternativo
da tecnologia. Em vez de vê-la puramente no contexto de uma in­
dústria de controle sempre crescente, na constantemente regressiva
fronteira de natureza resistente, talvez animada por um sentimento
de poder e liberdade, temos que entendê-la igualmente no registro
moral da ética de benevolência prática, que também é uma das fon­
tes na nossa cultura das quais a razão instrumental adquiriu sua
saliente importância para nós. Contudo, temos que colocar essa be­
nevolência sucessivamente no enquadramento de um entendimento
próprio da intervenção humana, não em relação ao fantasma da
razão desengajada desencarnado, habitando uma máquina objeti­
vada. Temos que relacionar tecnologia também com o próprio ideal
de razão desengajada, mas agora como um ideal, em vez de um
retrato distorcido da essência humana. Tecnologia a serviço de uma
ética da benevolência para com pessoas de carne e osso; pensamento
tecnológico, calculado como uma conquista rara e admirável de um
ser que vive no meio de um tipo de pensamento bem diferente: viver
a razão instrumental fora desses enquadramentos seria viver nossa
tecnologia de maneira muito diferente.3
4

3 Baseei-me bastante na discussão penetrante em Benner e Wrubel, The Pri-


macy of Caring, que mostra quanto a filosofia pode contribuir para um novo
enquadramento da razão instrumental no gênero que discuto aqui.

4 A questão que coloco aqui em termos de modos alternativos de enqua­


dramento é por vezes posta em matéria de controle: nossa tecnologia de-
senvolve-se descontroladamente, ou nós a controlamos, dispondo-a para
nossos propósitos? Mas o problema dessa formulação deveria ser óbvio. Ela
permanece inteiramente dentro do quadro de dominação, e não permite um
106 I 107

Embora haja uma virada ou deslize na direção da posição da do­


minação, por todos os motivos mencionados anteriormente, nada diz
que temos de viver nossa tecnologia dessa maneira. Os outros modos
estão em aberto. A prospecção que encaramos aqui é uma luta, na
qual esses diferentes modos de enquadramento conflitam. Com a au­
tenticidade, a disputa era entre modos mais nivelados e completos de
autorrealização; aqui opõe os diferentes enquadramentos uns contra
os outros. Mais uma vez, estou propondo que, em lugar de ver nossa
situação como fadada a gerar um desejo por um controle tecnológico
sempre crescente, o que então iremos regozijar ou lamentar depen­
dendo de nossa perspectiva, entendemos como aberta a contestação,
como lócus de luta provavelmente sem fim.
Nessa disputa, compreender nossas fontes morais pode contar,
e mais uma vez o debate polarizado entre incentivadores e críticos
ameaça nos privar de um recurso crucial. É por isso que um trabalho
de recuperação é valido aqui. Há uma batalha pelos corações e men­
tes na qual ele possui um papel a desempenhar.
Contudo, também é verdade que essa batalha de idéias está inex-
trincavelmente ligada, parte fonte e parte resultado, a lutas políticas

posicionamento bem diferente da tecnologia em nossa vida. Chegar ao ápice


da tecnologia implica tomar uma posição instrumental para com ela, pois,
através dela, tomamos essa posição em relação a tudo mais. Ela não abre
a possibilidade de colocar a tecnologia dentro de uma posição não instru­
mental, como vemos, por exemplo, numa ética do cuidado, ou no cultivo de
nossa capacidade para a reflexão pura. Sobre essa questão, ver a discussão em
William Hutchinson, “Technology, Community and the Self”, McGilI Univer-
sity, 1992 (tese de doutorado).
Nessa discussão de enquadramento, eu obviamente emprestei grande parte de
Heidegger; ver em especial “The Question Concerning Technology”, in: The
Question Concerning Technology and Other Essays, trad. William Lovitt,
Nova York, Garland Publishers, 1977. O que considerei que Heidegger está
propondo neste e em outros escritos é algo que chamei de enquadramento
alternativo. Para um desenvolvimento interessante dessa ideia em mais deta­
lhes, a qual também deve gratidão a Heidegger, ver Borgman, Technology and
the Character of Contemporary Life.
A Ética da Autenticidade I Uma Jaula de Ferro?

acerca dos modos de organização social. Dada a importância de


nossas instituições em gerar e manter uma posição atomista e ins­
trumental, não poderia ser de outro modo. E, assim, quero voltar,
em meu último capítulo, à terceira principal área de preocupação
que delineei no início.
108 I 109

Capítulo 10 | Contra a Fragmentação

Argumentei no capítulo anterior que as instituições de nossa


sociedade tecnológica não impõem inelutavelmente sobre nós uma
hegemonia cada vez mais profunda da razão instrumental. Mas é evi­
dente que, deixadas a si mesmas, elas possuem uma tendência de nos
empurrar para essa direção. É por isso que o projeto foi frequente­
mente apresentado como sobressaindo dessas instituições todas. Tal
sonho foi apresentado pelo marxismo clássico e promulgado até certo
ponto pelo leninismo. O plano era dar fim ao mercado e trazer toda a
operação da economia para debaixo do controle consciente dos “pro­
dutores associados”, na fala de Marx.1 Outros alimentam a esperança
de que talvez fôssemos capazes de fazê-lo sem o estado burocrático.
Hoje é evidente que essas esperanças são ilusórias. O colapso das
sociedades comunistas finalmente tornou inegável o que muitos sen­
tiam desde o começo: mecanismos de mercado são, de alguma for­
ma, indispensáveis para uma sociedade industrial, certamente para
sua eficiência econômica e, de maneira provável, também para sua
liberdade. Algumas pessoas no Ocidente festejam que essa lição tenha
finalmente sido aprendida e fazem do fim da Guerra Fria um pretexto

1 “Liberdade neste campo só pode consistir no homem socializado, nos pro­


dutores associados, a racionalidade regulando seu intercâmbio com a Nature­
za, trazendo-a para debaixo de seu controle, em vez de ser controlado por ela
como pelas força cegas da Natureza.” Capital, v. III. Nova York, International
Publishers, 1967, p. 820.
A Ética da Autenticidade I Contra a Fragmentação

para a celebração de suas próprias utopias, uma sociedade livre or­


ganizada cada vez mais através das relações de mercado impessoais,
com o Estado empurrado para um papel residual limitado. Contudo,
isso é igualmente irrealista. Estabilidade e, logo, eficiência não pode­
ríam sobreviver a esta retirada massiva do governo da economia, e
é duvidoso se a liberdade também poderia ainda sobreviver na sel­
va competitiva que um capitalismo realmente selvagem iria originar,
com suas desigualdades e explorações descompensadas.
O que deveria ter perecido junto com o comunismo é a crença
de que sociedades modernas podem funcionar com um único prin­
cípio, seja ele o de planejar de acordo com a vontade geral ou o de
alocações do livre mercado. Nosso desafio é na realidade combinar
de um modo não autoestultificador uma série de maneiras de operar,
que são juntamente necessárias a uma sociedade livre e próspera, as
quais também tendem a impedir uma à outra: alocações de mercado,
planejamento de Estado, provisão coletiva para necessidades, defe­
sa dos direitos individuais, iniciativa democrática efetiva e controle.
Em curto prazo, cada um dos outros quatro modos pode restringir a
eficiência de mercado máxima; em longo prazo, talvez mesmo desem­
penho econômico, mas com certeza justiça e liberdade sofreriam por
sua marginalização.
Não podemos abolir o mercado nem nos organizar exclusiva­
mente pelos mercados. Restringi-los pode ser custoso; não restringi-
los completamente seria fatal. Governar uma sociedade contempo­
rânea é aumentar de maneira contínua um equilíbrio entre pedidos
que tendem a concorrer uns com os outros, encontrar constante­
mente novas soluções criativas enquanto o equilíbrio antigo se tor­
na estultificador. Nunca pode haver na natureza do caso uma solu­
ção definitiva. Nesse aspecto, nossa situação política se assemelha
à situação cultural que descreví anteriormente. A contínua luta cul­
tural entre diferentes perspectivas, diferentes enquadramentos das
ideias-chave da modernidade, emparelha no nível institucional as
110 I 111

exigências conflitantes das distintas e, no entanto, complementares


maneiras de organizar nossa vida comum: a eficiência de mercado
pode ser atenuada pelas provisões coletivas através do estado de
bem-estar social; o planejamento efetivo estatal pode pôr em risco
direitos individuais; as operações conjuntas de Estado e mercado
podem ameaçar o controle democrático.
Mas há mais de um paralelo aqui. Há uma ligação, como indi-
quei. A operação de mercado e do Estado burocrático tende a for­
talecer os enquadramentos que favorecem uma posição atomista e
instrumentalista diante do mundo e dos outros. Que essas instituições
não possam ser nunca abolidas, que temos de viver com elas para
sempre, tem muito a ver com a natureza infinita e insolúvel de nossa
luta cultural.
Embora não haja uma vitória definitiva, existe ganhar ou perder
terreno. O que isso envolve emerge do exemplo que mencionei no
capítulo anterior. Lá observei que a batalha de comunidades isoladas
ou grupos contra a devastação ecológica estava fadada a ser uma luta
perdida até que um tempo em que o entendimento comum e um sen­
timento de propósito comum se formem na sociedade como um todo
a respeito da preservação do meio ambiente. Em outras palavras, a
força que pode reverter a hegemonia galopante da razão instrumental
é (o tipo certo de) iniciativa democrática.
Contudo, isso coloca um problema, pois as operações conjuntas
de mercado e Estado burocrático possuem uma tendência de enfra­
quecer a iniciativa democrática. Aqui retornamos à terceira área de
incômodo: o medo articulado por Tocqueville de que determinadas
condições da sociedade moderna minam a vontade de controle demo­
crático, o medo de que as pessoas virão a aceitar com muita facilidade
serem governadas por um “imenso poder tutelar”.
Talvez o retrato de um despotismo leve de Tocqueville, por
mais que tenha a intenção de distingui-lo da tirania tradicional,
ainda pareça muito despótico no sentido tradicional. Sociedades
A Ética da Autenticidade I Contra a Fragmentação

democráticas modernas parecem longe disso, porque são repletas


de protestos, livres iniciativas e desafios irreverentes à autoridade,
e governos na verdade tremem sim diante da raiva e contento dos
governados, conforme estes são revelados nas pesquisas que os go­
vernantes jamais cessam de fazer.
No entanto, se concebermos o medo de Tocqueville de um modo
um pouco diferente, então de fato ele parece bastante real. O perigo
não é controle despótico de verdade, mas fragmentação - isto é, um
povo crescentemente menos capaz de formar um propósito comum
e levá-lo adiante. A fragmentação surge quando as pessoas se veem
cada vez mais atomisticamente, posto de outro modo, como cada vez
menos ligadas a seus colegas cidadãos em projetos comuns e alian­
ças. Eles podem realmente se sentir ligados aos demais em projetos
comuns, mas isso vem a acontecer mais em agrupamentos parciais do
que na sociedade inteira: por exemplo, uma comunidade local, uma
minoria étnica, os aderentes de alguma religião ou ideologia, os pro­
motores de algum interesse especial.
Essa fragmentação surge parcialmente através de um enfraque­
cimento dos vínculos de simpatia, de uma maneira autoalimentada,
pelo próprio fracasso da iniciativa democrática. Pois, quanto mais
fragmentado um eleitorado democrático é nesse sentido, mais ele
transfere sua energia política para promover seus agrupamentos par­
ciais, na maneira que quero descrever a seguir, e menos possível se
torna mobilizar maiorias democráticas em torno de programas e po­
líticas comumente entendidos. Cresce um sentimento de que o elei­
torado como um todo é indefeso contra o Estado leviatânico; um
agrupamento parcial bem organizado e integrado pode, realmente,
ser apto a fazer uma redução considerável, mas a ideia de que a maio­
ria das pessoas possa expressar e levar adiante um projeto comum se
torna utópica e ingênua. E assim as pessoas desistem. Já debilitada
em simpatizar com os demais, é enfraquecida ainda mais pela falta de
uma experiência comum de ação, e um sentimento de desespero faz
1121113

parecer uma perda de tempo tentar. Entretanto isso, é óbvio, torna-se


impossível, e um círculo vicioso está posto.
Agora, uma sociedade que segue essa rota ainda pode ser, em um
sentido, altamente democrática, isto é, igualitária, e cheia de atividade
e desafio à autoridade, como fica evidente se olharmos para a gran­
de república ao sul. A política começa a tomar um molde diferente,
da maneira como já indiquei. Um propósito comum que permanece
fortemente compartilhado, mesmo que outros atrofiem, é de que a
sociedade é organizada em defesa dos direitos. O estado de direito e
o respeito dos direitos são vistos como muito “da maneira norte-ame­
ricana”, isto é, como os objetos de um forte compromisso comum.
A extraordinária reação aos escândalos de Watergate, que termina­
ram destituindo um presidente, é um testemunho disso.
Em sintonia com isso, duas facetas da vida política assumem uma
saliência cada vez maior. Primeiro, cada vez mais viradas nas batalhas
judiciais. Os norte-americanos foram os primeiros a ter uma lei de
direitos arraigada, aumentada uma vez que provisões contra discri­
minação e mudanças importantes foram feitas na sociedade através
de desafios do tribunal à legislação ou arranjos privados supostamen­
te em violação dessas provisões arraigadas. Um bom exemplo é o
famoso caso de Brown vs. Conselho de Educação, que desintegrou
as escolas em 1954. Nas décadas recentes, mais e mais energia no
processo político norte-americano está se voltando para esse processo
de revisão judicial. Questões, que em outras sociedades são determi­
nadas pela legislação, após debate e, às vezes, compromisso entre di­
ferentes opiniões, são vistas como assuntos apropriados para decisão
judicial à luz da constituição. O aborto é um desses casos. Desde Roe
vs. Wade, em 1973, quando se liberou grandemente a lei do aborto
no país, o esforço dos conservadores, agora chegando de maneira
gradual à realização, tem sido amontoar a corte a fim de obter uma
inversão. O resultado tem sido um impressionante esforço intelectual,
canalizado na revisão política e judicial, que tem feito das faculdades
A Ética da Autenticidade I Contra a Fragmentação

de direito os centros dinâmicos do pensamento político-social nos


campi norte-americanos; e também uma série de batalhas tirânicas
sobre o que costumava ser a relativamente rotineira - ou, pelo menos,
não partidária - questão de confirmação senatorial das nomeações
presidenciais à Suprema Corte.
Paralelamente à revisão judicial e organizada para ela, a energia
norte-americana está canalizada em interesses ou políticas de defesa.
As pessoas se atiram em campanhas de um único problema e traba­
lham furiosamente por sua causa preferida. Ambos os lados são bons
exemplos no debate sobre aborto. Essa faceta se sobrepõe à anterior,
pois parte da batalha é judicial, mas também envolve fazer lobby,
mobilizar opiniões de massa e a intervenção seletiva em campanhas
eleitorais contra ou a favor dos candidatos-alvo.
Tudo isso contribui para uma série de atividades. Uma sociedade
em que isso ocorre é dificilmente um despotismo. Mas o crescimento
dessas duas facetas está ligado, parte efeito e parte causa, à atrofia de
uma terceira, que é a formação de maiorias democráticas em torno de
programas significativos que podem então ser levados a cabo. Nesse
aspecto, o cenário político norte-americano é abismai. O debate entre
os principais candidatos torna-se cada vez mais desconjuntado, suas
declarações ainda mais flagrantemente servindo os próprios propósi­
tos, suas comunicações consistindo cada vez mais dos agora famosos
“trechos de entrevistas”: suas promessas risivelmente inacreditáveis
(“leia meus lábios”) e cinicamente não mantidas, enquanto os ata­
ques a seus oponentes afundam a níveis cada vez mais desonrados,
da mesma forma que ocorre com a impunidade. Ao mesmo tempo,
em um movimento complementar, a participação dos eleitores nas
eleições nacionais declina, e atingiu recentemente 50% da população
eleitoral, bem abaixo da de outras sociedades democráticas.
Algo pode ser dito a favor, e talvez muito possa ser dito contra
este cambaleante sistema. Talvez se possa ficar preocupado acerca
dessa estabilidade de longo prazo, preocupação, isto é, se a alienação
114I 115

cidadã causada por seu sistema representativo cada vez menos fun­
cional pode ser compensada pela grande energia de suas políticas de
interesse especial. O argumento também tem sido de que o estilo de
política torna os problemas mais difíceis de resolver. Decisões judi­
ciais em geral são do tipo em que o vencedor fica com tudo; ou você
ganha ou você perde. Em particular, as decisões judiciais acerca de
direitos tendem a ser concebidas como questões de tudo ou nada.
O próprio conceito de um direito parece pedir por satisfação integral,
se for um direito em absoluto; se não, então nada. O aborto mais uma
vez pode servir como exemplo. Uma vez que o vemos como direito
do feto contra o direito da mãe, há poucos lugares entre a imunidade
ilimitada de um e a liberdade irrestrita do outro. A preferência por
ajustar as coisas de maneira judicial, ainda mais polarizada por cam­
panhas de interesse especial rivais, corta efetivamente as possibilida­
des de compromisso.2 Também podemos argumentar que ela torna
determinados problemas mais difíceis de resolver, aqueles que reque­
rem um amplo consenso democrático acerca de medidas que também
envolverão algum sacrifício e dificuldade. Talvez isso seja parte do
problema norte-americano contínuo de entender sua situação eco­
nômica em declínio através de alguma forma de política industrial
inteligente.3 Mas também me leva ao meu argumento, que é o de que

2 Mary Ann Glendon, em Abortion and Divorce in Western Lau>, Cambridge,


Harvard University Press, 1987, mostrou como isso tem feito diferença para
as decisões norte-americanas nessa questão, quando comparada com aquelas
em sociedades ocidentais comparáveis.
’ Levantei a questão acerca da estabilidade democrática em “Cross-Purposes:
The Liberal- Communitarian Debate”, in: Nancy Rosenblum (ed.), Libera-
lism and the Moral Life, Cambridge, Harvard University Press, 1989. Há
uma boa discussão sobre o deslize para esse pacote cambaleante na políti­
ca norte-americana em Michael Sandel, “The Procedural Republic and the
Unencumbered Self”, in: Political Theory, 12, fev. 1984. Comparei os siste­
mas norte-americano e canadense a esse respeito em “Alternative Futures”,
in: Alan Cairns e Cynthia Williams (eds.), Constitutionalism, Citizenship and
Society in Canada, Toronto, University of Toronto Press, 1985. Há uma boa
/\ Ética da Autenticidade I Contra a Fragmentação

determinados tipos de projetos comuns se tornam mais difíceis de


aprovar onde esse tipo de política é dominante.
Um sistema desequilibrado como esse tanto reflete quanto fortifi­
ca a fragmentação. Seu espírito é de um tipo adverso, no qual a eficá­
cia do cidadão consiste em ser apto a ter seus direitos, quaisquer que
sejam as consequências para o todo. Ambas as políticas de problema
único e de recuperação judicial operam com base nessa posição e a
reforçam ainda mais. Agora o que surgiu além do exemplo do destino
recente do movimento ecológico é que a única maneira de compensar
a oscilação embutida no mercado e na burocracia é por meio da for­
mação de um propósito democrático comum. Mas isso é exatamente
o que é difícil em um sistema democrático fragmentado.
Uma sociedade fragmentada é aquela cujos membros acham cada
vez mais difícil identificar-se com sua sociedade política como uma
comunidade. Essa falta de identificação pode refletir uma perspectiva
atomista, na qual as pessoas acabam enxergando a sociedade como
puramente instrumental. Contudo, ela também ajuda a arraigar o
atomismo, pois a ausência de ação efetiva comum lança as pessoas de
volta a elas mesmas. Essa é talvez a razão pela qual uma das filosofias
sociais mais amplamente sustentadas nos Estados Unidos contem­
porâneos é o liberalismo processual da neutralidade que mencionei
anteriormente (no capítulo II), e que combina bem suavemente com
uma visão atomista.
Mas agora também podemos ver que a fragmentação ajuda o ato­
mismo de outra maneira. Pois o único registro efetivo à oscilação para
o atomismo e instrumentalismo embutidos no mercado e Estado buro­
cráticos é a formação de um propósito comum efetivo através da ação
democrática, a fragmentação na realidade nos incapacita de resistir a
essa oscilação. Perder a capacidade de construir maiorias politicamente

crítica dessa cultura política norte-americana em B. Bellah et al., Habits of


tbe Heart, Berkeley, University of Califórnia Press, 1985, e The Good Society,
Nova York, Knopf, 1991.
116 1117

efetivas é perder seu remo no meio do rio. Você é carregado inelutável­


mente correnteza abaixo, o que aqui significa cada vez mais para uma
cultura enquadrada pelo atomismo e instrumentalismo.
A política de resistência é a política da formação da vontade de­
mocrática. Como contra aqueles adversários da civilização tecnoló­
gica que se sentiram atraídos para uma posição elitista, devemos ver
que uma tentativa séria de se engajar na luta cultural de nossa época
exige a promoção de uma política de fortalecimento democrático.
A tentativa política de enquadrar de novo a tecnologia crucialmente
envolve resistir e reverter a fragmentação.
Mas como você combate a fragmentação? Não é fácil e não há
receitas universais. Depende bastante da situação particular. Mas a
fragmentação cresce à medida que as pessoas não mais se identifi­
cam com sua comunidade política, que seu senso de pertencimento
incorporado é transferido para outro lugar ou atrofia inteiro. E é
alimentada, também, pela experiência de impotência política. E es­
ses dois desenvolvimentos reforçam mutuamente um ao outro. Uma
identidade política minguante torna mais difícil mobilizar efetiva­
mente, e um sentimento de desespero gera alienação. Há um círculo
vicioso potencial aqui, mas podemos ver como ele também poderia
ser um círculo virtuoso. Uma ação comum bem-sucedida pode tra­
zer um senso de fortalecimento e também fortalecer a identificação
com a comunidade política.
Isso soa como dizer que o caminho para o sucesso aqui é se sair
bem, que é verdade mas, talvez, inútil. No entanto, podemos dizer um
pouco mais. Uma das fontes importantes do sentimento de impotên­
cia é que somos governados por estados de larga escala, centralizados
e burocráticos. O que pode ajudar a mitigar esse sentimento é descen­
tralização do poder, como Tocqueville viu. E, assim, em uma descen­
tralização geral, ou uma divisão de poder, como em um sistema fe­
derativo, particularmente baseado nos princípios de subsidiariedade,
pode ser bom para o fortalecimento democrático. E isso é ainda mais
A Ética da Autenticidade I Contra a Fragmentação

verdadeiro se as unidades para as quais o poder é descentralizado já


figuram corno comunidades na vida de seus membros.
Nesse aspecto, o Canadá tem sido afortunado. Temos um sistema
federativo, que tem sido impedido de se envolver com maior centrali­
zação no modelo dos Estados Unidos por nossa diversidade, enquan­
to as unidades provinciais geralmente se ajustam às sociedades regio­
nais com as quais seus membros se identificam. Parece que falhamos
em criar um entendimento comum que possa manter essas sociedades
regionais unidas, e, por isso, estamos diante da possibilidade de outro
tipo de perda de poder, não a que experienciamos quando um grande
governo parece completamente indiferente, mas sim o destino de so­
ciedades menores vivendo à sombra de poderes maiores.
Isso tem sido ultimamente um fracasso em entender e aceitar a
natureza verdadeira da diversidade canadense. Os canadenses são
muito bons em aceitar as próprias imagens da diferença, mas estas
falharam tragicamente em corresponder ao que realmente existe.
Talvez não seja um acidente que esse fracasso venha apenas quando
uma característica importante do modelo norte-americano começa a
ter influência nesse país, na forma de revisão judicial acerca de uma
lei de direitos. Na verdade, pode-se argumentar que a insistência na
aplicação uniforme de um registro que se tornou um dos símbolos da
cidadania canadense foi uma causa importante da dispensa do acordo
de Meech Lake,4 e, portanto, de impedimento da ruptura do país.5
Mas o ponto geral que quero extrair disso é o entrelaçamen­
to de diferentes vertentes de preocupação sobre a modernidade.

4 Esse acordo firmado em 1987 estabelecia a volta da província do Quebec


à família institucional do Canadá, de modo que, com o acordo, o governo
canadense cedia a um pacote de exigências da província, entre elas a possibi­
lidade de adicionar emendas à Constituição, ter maior poder em assuntos de
imigração e nomear juizes para a Suprema Corte. (N.T.)

' Discuti isso extensamente em “Shared and Divergent Values”. In: Ronald
Watts e Douglas Brown (eds.), Options for a New Canada. Kingston, Queen’s
University Press, 1991.
118 1119

O reenquadrar efetivo da tecnologia requer ação política comum para


reverter a oscilação que o mercado e o Estado burocrático engendram
em relação a um atomismo e instrumentalismo maiores. E essa ação
comum requer que superemos a fragmentação e a impotência - isto
é, que direcionemos a preocupação que Tocqueville primeiro definiu,
o deslize na democracia para o poder tutelar. Ao mesmo tempo, as
posições atomistas e instrumentalistas são fatores geradores primá­
rios dos mais degradados e superficiais modos de autenticidade, e,
assim, uma vigorosa vida democrática, comprometida em um projeto
de reenquadrar, também teria um impacto positivo aqui.
O que nossa situação parece pedir é uma luta complexa de mui­
tos níveis - intelectual, espiritual e política -, cujos debates na arena
pública se interligam com aqueles numa série de arranjos institucio­
nais, como hospitais e escolas, onde os problemas de enquadrar a
tecnologia estão sendo vividos de uma forma concreta; e onde tais
disputas sucessivas tanto alimentam quanto são alimentadas pelas di­
versas tentativas de definir em termos teóricos o lugar da tecnologia
e as demandas da autenticidade, e, além disso, o formato da vida
humana e sua relação com o cosmo.
Contudo, para comprometer-se efetivamente nesse debate mul-
tifacetado, é preciso ver o que é bom na cultura da modernidade,
assim como o que é superficial ou perigoso. Como Pascal disse sobre
os seres humanos, a modernidade é caracterizada pela grandeur tanto
quanto pela misère. Apenas uma visão que abarque ambas pode nos
dar o insigtot não distorcido para nossa época de que precisamos ele­
var aos seus maiores desafios.
I 121

índice Remissivo

A e fragmentação, 112
aborto, 97, 113-16 e mobilidade, 66
acordo de Meech Lake, 118 e organização social, 78, 98-99,
agressividade veja ambiente 107-08
alta cultura, 67, 84 c razão instrumental, 96-97, 98,
ambiente 99-100, 103,116,118-19
desastres do, 18, 93 estabelecimento do, 116
e razão instrumental, 15, 93, 97 veja também fragmentação;
na arte, 89 individualismo
preservação do, 100-01, 111, 116 autenticidade
reivindicações do, sobre nós, 92-93 condenação da, um erro, 51, 78,
amor, 92-93 84, 95
e autorrealização, 41, 53 definição da, 73
e identidade, 44-45, 53, 57 degradação de, 25, 31-33, 39, 45-
veja também relacionamentos 46, 65-67, 77, 93
pessoais dialogicidade da, 42-43, 53
antropocentrismo e autorrealização, 25, 39, 63-66, 78
e atomismo social, 65-66 e criação, 70-74
e autenticidade, 67-68, 74-75 e diversidade, 46-47, 58
e horizontes de significado, 74-75 e explicação social científica, 29
e relações com o ambiente, 93, 94 e hedonismo, 25-26
Arendt, Hannah, 16-17 e horizonte de significado, 45,46-50,
Aristóteles, 28-29, 104 72-73,75-76
Artaud, Antonin, 72 e individualismo, 29, 35, 52, 79, 82
arte e liberalismo neutro, 27, 31
dialogicidade da, 44-45 e liberdade autodeterminante, 37-38,
e autenticidade, 72 48, 73-76
e mimesis, 69, 86-87 e narcisismo, 25-26, 45, 63-64, 67,
e poiesis, 69, 70 73, 77, 84
subjetivação do moderno, 85-92 e pós-modernismo, 74-75
artista, 44-45, 69 e razão instrumental, 29, 32
veja também arte e reconhecimento, 55, 57, 60, 73
atomismo social e relações instrumentais, 51, 58, 60,
e antropocentrismo, 65-66 81
e capitalismo de mercado, 111 e relativismo suave, 26-27, 31,46,47
A Ética da Autenticidade I índice Remissivo

e subjetivismo moral, 28, 31, 46, beleza, 71-72


63-64, 92 veja também estética; arte
fontes românticas da, 35-39 Bellah, Robert, 15-16
hostilidade da, à moralidade, 70-74 Bell, Daniel, 77-78, 83
modo e conteúdo da, 85-86 The Cultural Contradictions of
um ideal moral, 25-27, 31, 32-33, Capitalism, 24
39,41-50, 77, 78 benevolência, ética da, 106
valor da, 78-84 Benner, Patrícia, 15-16
veja também cultura da Bloom, Allan
autenticidade; autorrealização sobre autorrealização, 25, 77-80, 83
autodefinição, 69-73 sobre o narcisismo, 49
veja também identidade; sobre o relativismo suave, 23, 31
autorrealização The Closing of the American Mind, 23
autodescoberta, 53, 69-70 Borgman, Albert, 16-17, 93
veja também identidade; Brigadas Vermelhas, 82-83
autorrealização Brown versus Conselho de Educação,
autodesenvolvimento veja 113-14
autorrealização
autoescolha, 48-49 C
veja também identidade; camada de ozônio, 18
autorrealização veja também ambiente
autoindulgência, 13, 26, 63, 79-80 capitalismo
autonomia, 38, 85 abolição do, 82, 96-97
veja também liberdade, aprisionamento pelo, rejeitado, 33,
autodeterminante 99-101
autorrealização c razão instrumental, 17-18, 98-99,
absurdos da, 24-25 111,118-19
e autenticidade, 25,39,41,63, 65-66, estultificação da democracia no,
78, 79-80 110-11, 114-16
e autoindulgência, 26, 63, 79-80 exploração no, 96-97, 109-10
e cidadania, 51, 52-53 veja também mecanismos de
e família, 11-12, 64 mercado
e individualismo, 24, 25, 53, 65 cidadania, 19,32,51,58-59
e narcisismo, 25-26, 45, 49, 63 veja também fragmentação;
e razão instrumental, 66-67 participação política; atomismo
e relações pessoais, 27, 51, 53, 65 social
um ideal moral, 26 ciência
veja também autenticidade aspectos morais da, 104
autorreferencialidade explicação no social, 29, 31
e subjetivismo moral, 86, 92 natural, 79-80
modo e conteúdo da, 86 comunidade, 51, 81, 116-17
veja também fragmentação;
B participação política; atomismo
Bacon, Francis, 104 social
Bataille, Georges, 72 comunismo, 110
Baudelaire, Charles, 67, 87 veja também marxismo
122 I 123

contrato social, 38, 52-53 e autenticidade, 46-47, 58


correspondências, doutrina das, 87 no Canadá, 118
crescimento econômico, 15 veja também multiculturalismo
criação artística, 69-70, 73 Dworkin, Ronald, 27
veja também arte
culto da violência, 72 E
cultura da autenticidade, 41, 42, 75-76 egoísmo, 26
condenação da, um erro, 51, 78, veja também autorrealização
84, 95 Eliot,T. S., 90-92
degradação da autenticidade na, escolha, 47, 75-76
25, 31, 32-33, 39, 45-46, 65-67, veja também autoescolha
77, 93 Estados Unidos
e liberalismo neutro, 27, 31 pessimismo cultural nos, 83
repleta de tensão, 77, 81,95 políticos conservadores nos, 96-97
veja também autencidade revisão judicial nos, 113-14, 118
cultura do narcisismo, 19-20, 63-64 estética, a, 70
repleta de tensão, 64, 77 e autoplenitudc, 71-72
veja também narcisismo veja também arte
expressivismo, 68-73
D
democracia F
e capitalismo de mercado, 109-11 família, 12,26,64, 81
e despotismo suave, 18-19 veja também relacionamentos
fortalecimento na, 117 pessoais
fragmentação da, 112-16 fascismo, 72
igualdade na, 13-14 federalismo, 118
reconhecimento na, 54-55, 57-60 feminismo, 57-58, 95-96
Derrida, Jacques, 67, 72-73 Foucault, Michel, 67, 68, 72-73, 75-76
Descartes, René, 35, 102-03 fragmentação
desconstrução, 67-68, 73 e apatia política, 114
despotismo suave, 18-19,111-12, 114 e atomismo social, 112, 116-17,
Deus, 36, 49-50, 85-86 118-19
diálogo e impotência, 117-18, 119
e autenticidade, 42-43 e políticas de defesa, 114
e criação artística, 73 e revisão judicial, 113-16
e identidade, 43, 53, 55-58 estabelecimento da, 116
veja também reconhecimento resistência à, 117-19
diferença veja também cidadania,
e autenticidade, 46-47 comunidade, participação política,
reconhecimento da, 58, 59-60, 118 atomismo social
veja também diversidade; Friedrich, Caspar David, 89
multiculturalismo futuristas, 72, 92
dignidade, 54-55
direitos universais, 12, 52-53,110, G
114-16 Grande Cadeia do Ser, 12, 88, 90, 92-93
diversidade Guerra Fria, 109-10
A Ética da Autenticidade I índice Remissivo

nas hierarquias sociais, 12-14


hedonismo, 25-26 um ideal moral, 52
veja também narcisismo; veja também atomismo social
autoindulgência indivíduo, 12-14
Hegel, G. W. E, 38, 56-57 veja também individualismo
Herder, Johann, 38, 55, 69 instrumentalismo veja razão
heterossexualidade, 46-47 instrumental; relacionamentos
hierarquias sociais veja sociedade, instrumentais
hierárquica
Hõlderlin, Friedrich J
Homecoming, 88-89 jaula de ferro, 17, 99-102
The Rhine, 88-89 veja também razão instrumental
homossexualidade, 46-47 jacobinos, 38
honra, 53-54 Joyce, James, 92
horizonte de significado justiça processual, 52-53, 58-59
e antropocentrismo, 74-75
e autenticidade, 45-50 K
e identidade, 50-51 Kant, Immanuel, 38, 71
e reconhecimento, 59-60 Kierkegaard, Sõren, 13
negação do, na alta cultura, 67, 84 Kymlicka, William, 27
Hutcheson, Francis, 71
L
I Lasch, Christopher, 77-78
identidade The Culture of Narcissism, 24
dialogicidade da, 43, 53, 55-58 The Minimal Self, 24
e amor, 44-45 Lênin,V. L, 74, 109
e autodefinição, 70-73 liberalismo neutro, 27,31,58-59, 80, 116
e autodescoberta, 53, 68-70 veja também relativismo suave
e autoescolha, 48-49 liberdade
e horizonte de significado, 49-50 autodeterminante
e reconhecimento, 53, 55-58, 60 e autenticidade, 37, 38, 47-48,
nas hierarquias sociais, 53-55 74-76
igualdade, 59-60 e o contrato social, 38
veja também democracia e razão instrumental, 101-02
individualismo e hierarquias sociais, 12
do liberalismo neutro, 80 e mudança social, 30
e autenticidade, 29, 35, 52, 79, 82 e razão intrumental, 18
e autorrealização, 24-25, 52-53, 65 formas mais elevadas e baixas de,
e narcisismo, 14 82-83
e organização social, 107-08 negativa, 19-20
e participação política, 13-14, 18- subjetivação da, 85
19,24 linguagens
e racionalidade desengajada, 35 artísticas, 90
e relativismo moral, 23-24 de articulação, 90
e responsabilidade, 82 de ressonância pessoal, 92-93
expressivismo do, 68-73 e desconstrução, 73
124 I 125

e intervenção humana, 42-43 ueja também diferença; diversidade


Lipovestky, Gilles mundo, desencantamento do, 12-13,
A Era do Vazio, 24 14, 95-96
Livre Mercado ueja capitalismo,
mecanismo de mercado N
Locke, John, 35, 52-53 narcisismo
autodestrutivo, 45
M e autenticidade, 25-26, 45, 63-64,
Mann, Thomas, 92 77, 84
Marx, Karl e autorrealização, 25-26, 45, 49, 63
Manifesto Comunista, 16 e mudança social, 65, 81
sobre a liberdade e subjetivismo moral, 64
autodeterminante, 38, 74 ueja também cultura do narcisismo
sobre a razão instrumental, 98-99, natureza ueja ambiente
101-02 Nietzsche, Friedrich
sobre tecnologia, 16-17 sobre a vulgaridade da
marxismo modernidade, 13
sobre a razão instrumental, 101-02 sobre autoescolha, 48-49
sobre mercados livres, 109 sobre moralidade, 72
sobre pornografia, 82 sobre o niilismo, 67
Mead, George Herbert, 42-43
mecanismos de mercado O
inevitabilidade dos, 98-99, 109-10 organização social, 78, 98, 107-08
razão instrumental nos, 17, 98-99, outros significativos, 43-44
110-11
restrições dos, 110-11 P
ueja também capitalismo participação dos eleitores, 114
medicina, 15-16, 105-106 ueja também participação política
Mill, John Stuart participação política
Sobre a Liberdade, 48-49 apatia em relação a, 13-14, 18-19,
mobilidade social, 66, 8 1 24,32, 81, 114
modernidade e autenticidade, 32
definição da, 11-12 e individualismo, 13-14
patologias da, 14, 19-20 e políticas de defesa, 114
ueja também autenticidade; e razão intrumental, 18-19
individualismo; fragmentação e revisão judicial, 113-16, 118
modos de produção, 29-31 ueja também cidadania;
Montesquieu, Barão de, 53-54 comunidade; fragmentação
moralidade Pascal, Blaise, 119
e autenticidade, 70-74 patriarcado, 95-97
voz interior da, 35-37 pessimismo cultural, 83-84, 95
ueja também relativismo, moral; pintura, 89
subjetivismo moral ueja também arte
mudança social, 29-31 poder, 67-68, 73-74
e crescimento do narcisismo, 64, 81 poesia, 87-90
multiculturalismo, 46-47, 57-58 ueja também arte
A Ética da Autenticidade I índice Remissivo

política de resistência, 117-19 e multiculturalismo, 57-58


políticas de defesa, 114 na democracia, 54-55, 57-58
veja também cidadania, no nível pessoal, 57-58
fragmentação, participação política veja também diálogo
Pope, Alexander Reich, Charles
Windows Forest, 88-89 The Greening of America, 83-84
pornografia, 82, 96-97 relacionamentos instrumentais, 51, 58,
pós-modernismo, 67, 72-75 60-61,81
Pound, Ezra, 90-92 relacionamentos pessoais
Proust, Marcei, 90-91 e autorrealização, 26-27, 51, 53
e identidade, 53, 57
R e reconhecimento, 57-58
razão instrumental veja também amor
aspectos benevolentes da, 104-06 relativismo
deliberação moral, 18 moral
e ambiente, 15, 18, 93, 95-96 autodestrutivo, 24-27, 46
e atomismo social, 96-100, 116, e autenticidade, 26-27, 31,46-47
118-19 e individualismo, 23-24
e autenticidade, 29, 32 e respeito, 23
e autorrealização, 66-67 e subjetivismo moral, 28, 46
c capitalismo de mercado, 17, 98- suave, 23, 27-28, 31, 41, 46-48
99,110-11,118-119 suave
e dominação, 95-98, 101-03, 107 autodestrutivo, 24-25, 27, 46
e liberdade, 18, 30, 103 e autenticidade, 31, 46, 47
e liberdade autodeterminante, 101- e subjetivismo moral, 28, 41
02 um princípio moral, 23, 27, 31,
e medicina, 15-16 52-53
e mudança social, 30, 81 responsabilidade, 82
e ordenamento social, 15 ressonância pessoal, linguagem da,
e participação política, 18-19, 111 92-93
e prestígio tecnológico, 15-16, 97 revisão judicial
e razão desengajada, 102-06 e fragmentação, 113-16
e vida ordinária, 104 no Canadá, 118
jaula de ferro da, 17, 99-102 nos Estados Unidos, 113-16
recuperação da, 98, 105-07 Revolução Industrial, 99-100
resistência a, 100-01 Rilke, Rainer Maria, 87, 90, 92
veja também razão moral Elegias de D nino, 87, 92
razão moral, 18, 28, 41, 50, 78 “Neue Gedichte”, 92
veja também razão instrumental “The Panther”, 92
reconhecimento Roe versus Wade, 113-14
da diferença, 58-60,118 romantismo, 35-39
das hierarquias sociais, 53-56 Rousseau, Jean Jacques
e autenticidade, 55, 57-58, 73 Contrato Social, 74
e feminismo, 57-58 Discurso sobre a Desigualdade, 56-57
e identidade, 53, 55-58, 60 sobre a liberdade
e horizonte de significado, 59-61 autodeterminante, 37-38
126 I 127

sobre a voz interior da moralidade, da arte moderna, 86-93


36-37 c autenticidade, 85, 93
sobre o contrato social, 37-38 maneira e forma de, 85-86, 92
sobre o reconhecimento, 56-57 subjetivismo moral
e autenticidade, 28,31,46, 63-64, 92
s e autorreferencialidade, 86, 92
Santo Agostinho, 36 e degradação ambiental, 93
Schiller, Friedrich e escolha, 46
Letters on the Aesthetic Education c narcisismo, 64
of Man, 71-72 e relativismo moral, 28, 46
Shaftesbury, Earl of, 71 rejeição do, 33, 46
Shakespearc, William, 86-87 Suprema Corte, Estados Unidos, 113-14
Shellcy, Percy Bysshe, 88-89 veja também revisão judicial
significativo, 45
veja também horizonte de T
significado Teatro da Crueldade, 72
sociedade tecnologia
burocrática críticos liberais da, 96-97
aprisionamento pela, rejeitado, e mudanças sociais, 29-30
33,99-101 e nivelamento da vida, 16-17
e razão instrumental, 66-67, glorificação da, 16-17
98-99 melhores e piores modos de viver a,
e autenticidade, 52 97-98
e defesa de direitos, 113 recuperação da, 106, 117-19
hierárquica Tocqueville, Alexis de
e liberdade, 12, 65 sobre a descentralização, 117-18
identidade na, 53-55 sobre a igualdade democrática, 13
reconhecimento na, 53-56 sobre despotismo suave, 18-19, I 12
industrial sobre liberdade política, 19
aprisionamento pela, rejeitado, Trilling, Lionel
33, 99-101 Sincerity and Authenticity, 25
mecanismos de mercado na,
109-10 V
republicana, 56-57 vida animal, 12-14
tecnológica veja também ambiente
aprisionamento pela, rejeitada, vida ordinária, 53, 104
78-79
razão instrumental na, 66-67, 97, w
100 Wasserman, Earl, 88
resistência à, 100-01 Watergate, 113
veja também razão instrumental Weber, Max
sociedades aborígenes, 96 sobre a jaula de ferro, 17
solidariedade, 32, 41, 104 sobre a razão instrumental, 98-99
veja também cidadania; Wordsworth, William
comunidade; democracia The Prelnde, 88-89
subjetivação “Tintem Abbey”, 91
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Taylor, Charles
A ética da autenticidade / Charles Taylor ; tradução de
Talyta Carvalho. - São Paulo : É Realizações, 2011.

Título original: The cthics of authcnticity


Bibliografia.
ISBN 978-85-8033-019-9

1. Civilização moderna 2. Ética 3. Filosofia moderna


4. Self (Filosofia) I. Título.

11-05832 CDD-126

Índices para catálogo sistemático:


1. Ética e autenticidade : Filosofia 126

Este livro foi impresso pela


Cromosete Gráfica e Editora
para É Realizações, em junho
de 2011. Os tipos usados são
da família Sabon I.ight Std
e Frutiger Light. O papel do
miolo é pólen bold 90g, e o
da’capa, cartão supremo 300g.
Taylor argumenta que existem algumas falhas centrais
sérias na cultura moderna das sociedades ocidentais de­
mocráticas, mas não é impossível tentar lutar contra elas.
Não estamos presos em uma “jaula de ferro” de determi­
nismo político e econômico. Em particular, idéias impor­
tam, especialmente aquelas sobre valor e moralidade.
Assim, o filósofo vê as idéias tanto respondendo a con­
textos, ajudando em sua existência, quanto os alterando
uma vez que eles surjam. Ele está claramente prescreven­
do remédios para questões ligadas ao nosso tempo, não

respostas eternas a questões incontestáveis. Esta é uma


força distintiva do livro. E uma obra provocativa, sensí­
vel, que encoraja as pessoas de uma maneira efetiva a se
tornarem mais atenciosas.

CHARLES TAYLOR é professor de Filosofia e Ciên­


cia Política na Universidade McGill, e autor de As Fon­
tes do Self e Argumentos Filosóficos (ambos publicados
pela Loyola).

Outros livros da Coleção Abertura Cultural

• Foucault e a Revolução Iraniana - As Relações de Gênero e as


Seduções do Islamismo
Janet Afary e Kevin B. Anderson

■ Os Caminhos para a Modernidade - Os Iluminismos britânico,


francês e americano
Gertrude Himmelfarb

• Os Intelectuais e a Sociedade
Thomas Sotvell

■ A Guerra Antes da Civilização - O Mito do Selvagem Pacífico


Lawrence H. Keeley
“O livro é de primeira linha. COLEÇ 0
RRERtUR
Taylor é um dos melhores filósofos
CULtUR L
no continente e um dos seus mais

atentos políticos. De fato, eu

o colocaria entre os doze mais

importantes filósofos que escrevem

atualmente, em qualquer parte

do mundo. Este livro o torna

acessível a um público mais amplo.

A escrita de Taylor combina

aqui, como fez no passado,

clareza, vigor e perspicácia, e

é legível para qualquer pessoa

instruída. Sua tentativa de mediar

os incentivadores e críticos é

revigorante, original, bastante

persuasiva e, na minha opinião,

absolutamente bem-sucedida.”

Richard Rorty
Universidade da 'Virgínia

ISBN 978-85-8033-019-9

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