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São Luís
2022
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As autoras
O e-Almanaque será a obra principal desse curso. Acesse o link https://sites.google.com/view/etnomatematicas na
Biblioteca Digital EtnoMatemaTicas (BDEm). Dessa forma, sempre que nos referirmos a ele você possa conhecer um
pouco mais sobre o assunto.
Historicamente, fomos acostumados a ver a matemática como uma ciência pura, abstrata,
que existe dentro de uma lógica própria e tem uma importância inquestionável dada a sua ampla
aplicabilidade. Apesar de todo este destaque, na escola, ela é considerada uma disciplina difícil, cuja
aprendizagem é para poucos inteligentes e, consequentemente, é odiada pela maioria e se mostra
como grande responsável pela reprovação.
Como brasileiros, sabemos que nós sofremos as consequências da colonização europeia e que,
obviamente, foi a visão eurocêntrica que sempre nos apresentaram na escola, deixando de lado
aspectos importantes da história em geral e das ciências, inclusive da matemática. Resistência
e luta não faltam para corrigir os problemas sociais herdados dos colonizadores e para rever e
Sugestão de leitura reescrever a história do Brasil. No contexto da educação, as ações antirracistas têm possibilitado a
Para entender a relação entre valorização de nossas raízes não europeias.
matemática, a educação e o
sociocultural e sua essencia- Nesse contexto, o Programa Etnomatemática critica a posição hierarquicamente superior da
lidade para o Programa Et-
nomatemática, leia o artigo
cultura europeia, ou melhor, de uma cultura sobre as outras, e tem como um de seus princípios a
de D’Ambrosio, Sociedade, transculturalidade.
cultura, matemática e seu
ensino, de 2005, acessando: De certo modo, podemos dizer que o Programa Etnomatemática muito tem contribuído para
https://www.scielo.br/j/ep/a/
TgJbqssD83ytTNyxnPGBT- ampliar esta visão de mundo, ao ir de encontro a uma história e filosofia da matemática que se
cw/?lang=pt&format=pdf autodeterminaram iniciadas na Europa e ao se desenvolver a partir da relação do conhecimento
com o sociocultural.
O que tem mudado com essas resistências e lutas? De que modo o Programa Etnomatemática tem
contribuído? Leia o texto Etnomatemática como filosofia, de Eduardo Sebastiani Ferreira, da página 83 a 86 no
e-Almanaque EtnoMatemaTicas Brasis.
Desde pequenininhos, quando entramos na escola, convivemos com um processo de ensino disciplinar
e aprendemos a julgá-lo como correto e mais adequado. Assim, parece-nos natural que tenhamos uma aula
de educação física, antes de duas horas-aula de matemática, quando somos obrigados a nos concentrar,
mesmo que ainda agitados e suados, e que as duas últimas horas-aula sejam de redação, quando podemos
até ser penalizados se ainda estivermos fazendo algo de matemática porque aquele horário foi destinado para
escrevermos sobre, por exemplo, “O Brasil e a Agenda 2030”.
Mesmo percebendo equívocos nessa organização escolar, muitas vezes achamos que o que vemos em
família, nas brincadeiras e convivência com os amigos, em nossas investidas sociais e culturais não fazem
parte do nosso processo de aprendizagem, e atribuímos à escola o papel mais relevante de nossa formação.
As pesquisas que tomam como referência o Programa Etnomatemática têm sinalizado a riqueza pedagógica
nos diversos contextos socioculturais. No Módulo III, você poderá conhecer práticas pedagógicas orientadas
pelo Programa Etnomatemática desenvolvidas no Brasil e no mundo.
Como essas questões maiores se relacionam com o Programa Etnomatemática? O próprio D’Ambrosio
esclarece essa relação no artigo Etnomatemática, justiça social e sustentabilidade, de 2018, que está disponível
em: https://www.scielo.br/j/ea/a/FTmggx54SrNPL4FW9Mw8wqy/?lang=pt.
Você sabia que, em 1995, D’Ambrosio participava da organização Conferências Pugwash sobre Ciência e
Assuntos Mundiais, quando esta foi laureada com o Prêmio Nobel da Paz? Leia o artigo Pugwash Council e Paz
Mundial, escrito por D’Ambrosio, nas páginas 68 e 69 no e-Almanaque EtnoMatemaTicas Brasis. Já ouviu falar do
chamado Manifesto de Russell-Einstein, de 1955? Confira a tradução feita por D’Ambrosio, da página 70 a 73 no
e-Almanaque EtnoMatemaTicas Brasis.
D’Ambrosio (2009, p. 27) chama de comportamento a interação do indivíduo com a realidade, a ação, o
fazer: “o comportamento é o substrato da ação comportamental [...] é a essência do estar vivo”. Desse entendi-
mento, ele sistematizou o “ciclo vital, no qual, a Realidade dá informações ao Indivíduo que as processa e define
estratégias de Ação (conhecimento) e insere novos fatos na Realidade”, e que pode ser visto em várias de suas
obras (D’AMBROSIO, 2013, p. 52).
Diante do que vimos sobre o Programa Etnomatemática até agora, entendemos, com D’Ambrosio (2011a,
p. 80) que a: “arrogância da certeza” veio como consequência da “crença na regularidade dos fenômenos e do
comportamento”, que levou ao entendimento da ciência moderna “como o corpus de conhecimentos, explica-
ções e práticas que se desenvolveram a partir do século XVI nos países europeus” (p. 80). No entanto, quando
buscamos “entender os fenômenos e o comportamento em toda sua complexidade [reconhecemos a] “incapa-
cidade de conhecimento total” [...] “humildade da busca” (D’AMBROSIO, 2011a, p. 81).
Coerentemente ao que vimos anteriormente, D’Ambrosio (2013) preocupava-se com o risco de uma
proposta epistemológica limitar a Etnomatemática a uma explicação final. Como ele esclarece, conforme
e-Almanaque EtnoMatemaTicas Brasis (2020, p. 17), sua insistência na “denominação Programa Etnomatemá-
tica visa evidenciar que se trata de “entender a aventura da espécie humana na busca de conhecimento e na
adoção de comportamentos”.
Nesse sentido, o esquema do Ciclo Vital, que representa um processo individual, incorporou outros
entendimentos sobre o processo de geração, organização intelectual e social e difusão do conhecimen-
to, considerando a ação do poder, ampliando-se para o Ciclo do Conhecimento (grifo nosso). Concorda-
mos com D’Ambrosio (2013, p. 9) que: “é evidente a dimensão política da etnomatemática” (grifo nosso).
a realidade [entorno natural e cultural] informa [estimula, impressiona] indivíduos e povos que em consequência
geram conhecimento para explicar, entender, conviver com a realidade, e que é organizado intelectualmente,
comunicado e socializado, compartilhado e organizado socialmente, e que é então expropriado pela estrutura
de poder, institucionalizado como sistemas [normas, códigos], e mediante esquemas de transmissão e de
difusão, é devolvido ao povo mediante filtros [sistemas] para sua sobrevivência e servidão ao poder (p. 74).
Até aqui, vimos dois conceitos que não são próprios do Programa Etnomatemática - Transdisciplina-
ridade e Transculturalidade -, mas eles são princípios fundamentais deste programa. E vimos três conceitos
que lhe são próprios e que foram considerados por Sousa (2016, p. 125) como conceitos essenciais: “o próprio
nome do Programa, Etno+Matema+Tica, o Ciclo Vital e o Ciclo do Conhecimento [tendo em vista a] ênfase
nos aspectos epistemológicos-cognitivos da Teoria Geral do Conhecimento” (p. 125). Para a autora: “a cons-
ciência da base biológica do Ciclo Vital, que é a base vital do Ciclo do Conhecimento, que é o núcleo firme do
Programa de Pesquisa Etnomatemática, é a força para arriscarmos empreendimentos pedagógicos orientados por
essa Teoria Geral do Conhecimento” (SOUSA, p. 252).
Nas obras analisadas, Etno+Matema+Tica, Ciclo Vital e Ciclo do Conhecimento foram os conceitos-cha-
ve que mais ocorreram, cujos entendimentos devem ser princípios para teorias e práticas fundamentadas
e/ou orientadas pelo Programa Etnomatemática. Daí, como já vimos, ela os considera conceitos essenciais
etnomatemáticos. No entanto, há muitos outros conceitos-chave que podem ser ditos etnomatemáticos e
outros que servem de princípios ao Programa, a exemplo dos cinco, abaixo, que escolhemos para ilustrar/
representar o seu conjunto conceitual.
“devemos subordinar o sistema de valores a uma ética maior [...] que cruze culturas e que coloque priori-
dade na sustentação do triângulo da vida”. A ética da diversidade - ancorada em “respeito pelo outro com
todas as suas diferenças; [...] solidariedade com o outro [...]; COOPERAÇÃO com o outro [...]” - conduz à
paz, e atingi-la é o objetivo maior da Educação.
Literacia-materacia-tecnoracia
D’Ambrosio (2005, p. 118) traz uma definição bem ampla de currículo como “a estratégia da ação educa-
tiva”, baseado nos instrumentos socioculturais necessários à sobrevivência e transcendência - literacia, mate-
racia e tecnoracia - que representam, respectivamente os instrumentos comunicativos, analíticos e materiais.
Ao introduzir esses conceitos e “propor uma nova conceituação de currículo”, ele acredita “estar respondendo
às necessidades de uma civilização em mudança” (D’AMBROSIO, 2005 , p. 119).
Ninguém vive só! Como já vimos, carregamos e compartilhamos conhecimentos, seguindo o Ciclo
do Conhecimento, e também aspectos culturais. Na republicação de um artigo de 2003-2004, D’Ambrosio
(2011b, p. 208) ressalta o processo de interação dinâmica em que há no encontro de indivíduos e grupos, a
Dinâmica do Encontro, que, “na maioria dos casos, o resultado é a geração de novas formas culturais”. Ele
considera duas fortes relações: as intraculturais, dentro de uma mesma cultura, e as interculturais, envolven-
do culturas distintas. Para ele, “nas relações intra e interculturais reside o potencial criativo da espécie [...] na
diversidade cultural reside o potencial criativo da humanidade” (D’AMBROSIO, 2011b, p. 208). No entanto, nes-
Para D’Ambrosio (2009b, p. 4), “o fenômeno da dinâmica cultural é fundamental”. Buscando rein-
terpretar a história da ciência, ele conclui que “como um organismo, as culturas estão em permanente
transformação [...] sujeita a uma dinâmica muito complexa e constitui um dos temas mais intrigantes
na moderna historiografia das ciências” (D’AMBROSIO, 2009b, p. 4).
D’Ambrosio (2011b) expecta uma nova organização da sociedade, de Paz total, decorrente da
Educação e de esforços para o avanço científico e tecnológico. Para ele, “só se justifica insistirmos em
Educação para todos se for possível conseguir, através dela, melhor qualidade de vida e maior dig-
nidade da humanidade como um todo, preservando a diversidade, mas eliminando a desigualdade
discriminatória” (D’AMBROSIO, 2011b, p. 204).
O pesquisador e o educador que desejem orientar etnomatematicamente seus estudos e/ou práticas de-
vem atentar, dentre outros, à importância: da ética da diversidade; de um currículo cujos projetos considerem
instrumentos socioculturais comunicativos (literacia), analíticos (materacia) e materiais (tecnoracia); de dialo-
gar e conviver com outros das outras áreas, outros interesses, buscando o não aprisionamento em uma gaiola
epistemológica; da educação integral, da educação para a sustentabilidade, para a justiça social e para a paz.
Obviamente, devem atentar, também, às responsabilidades e às lutas imbuídas desses objetos investigativos e
intencionalidades pedagógicas.
Transculturalidade - qualidade do que é transcultural, isto é, que vai além de uma cultura específica ou de
várias culturas, que envolve ou que atravessa e transcende culturas.
Transdisciplinaridade - qualidade do que é transdisciplinar, isto é, que vai além de uma disciplina específica
ou de várias disciplinas, que envolve ou que atravessa e transcende disciplinas.
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