Você está na página 1de 534

Sobre Comportamento

e. Cognição
C7 ! / i s í ó r i a e os c /o a n ç o s, a s e le ç ã o p o r c o n s e y iie n c /c ts e m a ç ã o
(Jty a n iz a d a p o r J K a ria í i í a / t d a rS/loa J ira n d d o

7 á /im a ( '»ristin a de rS ou ta ( ion/e


<

r7 i/rnan(/a S t ío a T lra n d ã o

"jja ra 'Jtup ers/ein tfn gherm a n

Q >yni/iia 7ior<jQ3 de Jlfoura

U e r a Jlte n e ie s d a t^iíoa

cS/m one JlC a i'tin O íia n e

ESETec
Editores Associados
Sobre
Comportamento e
Cognição
Associação Brasileira de Psicoterapia e
Medicina Comportamental

Diretoria gestão 02/03

Presidente: Marid Zilah da Silva Brandão


Vice-presidenle: Fátima Cristina de Souza Conte
1a secretária: Fernanda Silva Brandão
24 secretária: Vara Kuperstein Inßbcrman
1- tesoureira: Vera Lúcia Menezes da Silva
2a tesoureira: Simone Martin Oliani

Ex-presidentes: Bernard Pimentel Ranflè


Hélio José Quilhardi
Roberto Alves Ba naco
Rachel Rodrigues Kerbauy
Hélio José Quilhardi
Sobre
Comportamento
e Cognição
A história c os avanços, a seleção por conseqüências em ação

Volume 11

Organizado por M aria Zilah da Silva Brandão


Fátima Cristina de Souza Conte
Fernanda Silva Brandão
Yara Kuperstcin Ingberman
Cynthia Borges de Moura
Vera Menezes da Silva
Simone M artin Olian

Adélia Maria Santos Teixeira • Ana Lúcia Alcântara de Oliveira Ullan • Ana Lucia Cortegoso • Ana Lucla
Ivatiuk • Ana Paola Lopes Lubl * Ana Paula Vlezzer • Andróa Machado Vienna • Bernard Rangé • Carlos
Augusto de Medeiros • Carlos Eduardo Lopes • Claúdla Balvedl • Cynthla Borges de Moura • Edwlges
Ferreira de Mattos Silvares • Fabiane Cristina Cruz • Fernanda S. Brandão • Giovana Veloso Munhoz da
Rocha • Glsele Dellnskl • Ivan Gross • João Cláudio Todorov • João dos Santos Carmo * Jocelaine Martins da
Silveira • José Antônio Damásio Ablb • Julio Cósar Coelho de Rose • Laércla Abreu Vasconcelos • Lalz H. S.
Ferreira • Lfdla Natalia DobríanskyJ Weber • Lincoln da Silva Glmenes • Lucas Ferraz Córdova * Luciana Assi
de Lima • Luciana Rizo • Maly Delltti • Maria Cristina Antunes * Maria Éster Rodrigues • Marla Stella Coutinho
de Alcântara Gll • Marilza Mestre • Martina Rillo Otero • Maura Alves Nunes Gongora • Olga Mltsue Kubo •
Olivia Justen Brandenburg • Patricia Barbeiro de Moraes • Patrícia Cristina Novakl • Paul T. Andronls • Pedro
Bordinl Faleiros • Rachel Nunes da Cunha • Rachel Rodrigues Kerbauy • Regina Christina Wlelenska • Renata
Grossl * Silvio Paulo Botomó • Solange L. Machado • Sonia B. Meyer • Suely Sales Guimarães • Suzane
Schmldlln Lõhr • T. V. Joe Layng • Tatyana Elisan Bonamigo • Thiago P. de A. Sampaio • Wander C. M. P. da
Silva • Yara Kupersteln Ingberman • Yuristella Yano

ESETec
Editor«» Associados
2003
Copyright desta edição:
ESETec Kditores Associados, Santo André, 2003.
Todos os direitos reservados

Brandão, María Zilah, et al.

Sobre Comportamento e Cognição: A história e os avanços, a seleção por conseqüências


em ação. - Org.María Zilah da Siiva Brandão, Fátima Cristina de Souza Conte, Fernanda Silva
Brandão, Vara Kupersteln Ingberman, Cynthla Borges de Moura, Vera Menezes da Silva, Slmone
Martin Ollane 1* ed. Santo Andró, SP; ESETec Editores Associados, 2003. v.11

540 p, 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2, Behaviorismo
.1. Anéllse do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ESETec E ditores A ssociados

Coordenação editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi


Assistente editorial: Jussara Vince Gomes
Revisão de diagramação: Erika Hongoshi

BIBLIOTECA

Solicitação de exemplares: eset(a}uol.eom.br


Rua Santo Hilário, 3 6 - Vila Bastos - Santo André - SP
CKP0904ÍV400
Tel. (11)4990-5683
Tel/fax: (11)44386866
www.esetec .com.br
Este volume é dedicado aos sócios da ABPMC
que, com o relato de suas experiências,
apresentaram uma amostra
da variação comportamental que pode
produzir um futuro de crescimento.
S u m ário

Apresentação ......................................................................................................... xi

Seção I: Pesquisadores que fizeram parte de nossa história e suas contribuições


à análise do comportamento

Capftulo 1 - O legado de FSK


João Cláudio Todorov (UNB)............................................................ 15
Capítulo 2 - Contribuições de Jack Michael à Análise do Comportamento
Rachel Nunes da Cunha (UNB)........................................................... 21
Capítulo 3 - Contribuições de Israel Goldiamond para o desenvolvimento da
Análise do Comportamento
Lincoln da Silva Gimenes (UNB), T.V. Joe Layng (Headsprout) e Paul
Andronis (Northern Michigan University).......................................... 34
Capítulo 4 - Contribuições de Donald Baer para a Pesquisa e Intervenção
Suely Sales Guimarães (UNB)............................................................ 47

Seção II: AnáHse do Comportamento: contribuições para a clínica


Capftulo 5 - Behaviorismo Radical e interpretação
José Antônio Damásio Abib (UFSCAR)........................................... 57
Capítulo 6 - Itinerário para analisar comportamento verbal encoberto
Maura Alves Nunes Gongora (UEL)............................................... 66
Capítulo 7 - Conceitos disposicionais no Behaviorismo Radical e a mente
imanente
Carlos Eduardo Lopes (UFSCAR).................................................. 82
Capftulo 8 - Avaliando a sessão de terapia: questionário e entrevista pós-
sessão
Maly Delitti (PUCSP)...................................................................... 89
Capítulo 9 - Integridade do tratamento e satisfação do consumidor na clínica
analftlco-comportamental infantil
Laércia Abreu Vasconcelos (UNB)................................................... 118
Capítulo 10 - Tratamento padronizado e individualizado
Yuristella Yano e Sonia B. Meyer (USP) ........................................... 126
Capítulo 11 - Adesão e mudança de comportamento: Análise das interações
verbais terapeuta-cllente nas sessões iniciais
Regina Christina Wielenska e Rachel Rodrigues Kerbauy (USP)......... 130
Capítulo 12 - Diferenciação entre a noção de significado pelo uso e a baseada
em relações de equlvaldncia - Visões comportamentais de
slginificação
Lucas Ferraz Córdova (UNB) e Carlos Augusto de Medeiros (UFMG)... 170
Capitulo 13 - Identificação de fatores relacionados à oposição ao Behaviorismo
Radical
Maria Éster Rodrigues (UNIOESTE-PR)......................................... 179
Capítulo 14 - Compreensão: comparação entre seus usos cotidianos e sua
análise operante - análise operante da compreensão
Carlos Augusto de Medeiros (UFMG)............................................... 196
Capitulo 15 - Estratógias auxiliares em Terapia Comportamental
Maly Delitti (PUCSP)....................................................................... 204
Capítulo 16 - Uso de encobertos na prática clínica
Gisele Delinski e Marilza Mestre (UTP).............................................. 210
Capitulo 1 7 - 0 papel do estudo de caso no hiato teoria/prática
Ana Lúcia Alcântara de Oliveira Ulian (UFBA) e Edwiges Ferreira de
Mattos Silvares (IPUSP)...................................................................216
Capítulo 1 8 - 0 controle aversivo no contexto terapôutico: Implicações óticas
Wander C. M. P. da Silva (UCD)...................................................... 226
Capitulo 19 - Considerações sobre expressividade emocional na prática
clínica: Um levantamento teórico preliminar
Fernanda S. Brandão e Sonia B. Meyer (IPUSP)............................... 232
Capítulo 2 0 - 0 sentimento de culpa e suas implicações para o controle coercivo
do comportamento. Proposição de análise
Solange L. Machado (UTP)e Yara K. Ingberman (UFPR)................... 240

Seção III: A formação


Capítulo 21 - Terapeutas experientes e iniciantes: O que a literatura aponta
sobre eles?
Patrícia Cristina Novaki (UEL)........................................................... 251
Capitulo 2 2 - Supervisão clínica: Um enfoque no comportamento do
terapeuta
Laiz H. S. Ferreira (PUCAMP).......................................................... 258
Capítulo 23 - Condução de atividades lúdicas no contexto terapôutico: um
programa de treino de terapeutas comportamentais infantis
Jocelaine Martins da Silveira (UEL) e Edwiges Ferreira de Mattos
Silvares (IPUSP)............................................................................ 272
Seção IV: Acompanhamento terapêutico
Capitulo 24 - Acompanhamento terapdutíco - da teoria á prática
Andréa Machado Vianna (AMBAN-HC-FMUSP, CAISM) e Thiago P.
De A. Sampaio (AMBAN-HC-FMUSP, ABEM)............................... 285

Capitulo 25 - Acompanhamento terapêutico - A terapia no ambiente do


paciente
Claúdia Balvedi (AMBAN - USPSP)............................................... 294

Capítulo 2 6 - Acompanhamento terapdutíco e clinica escola: um novo


campo de exploração
Fabiane Cristina Cruz (Clínica Green Wood), Luciana Assi de Lima,
Patrícia Barbeiro de M oraes........................................................ 300

Seção V: Aplicações da análise do comportamento na sociedade

Capítulo 27 - A atuação do analista do comportamento com as questões


sociais: Uma reflexão a partir das mudanças nos temas
investigados em publicações entre 1968 e 2002
Martina Rillo Otero (PUCSP) ...................................................... 311

Capítulo 28 - Modelo de redução de risco em Aids: Avaliação de um projeto


de prevenção com jovens
Maria Cristina Antunes (U TP)..................................................... 326

Capitulo 29 - Produção de conhecimento e formação de profissionais:


desafios impostos por organizações de empreendimento
solidário
Ana Lucia Cortegoso (UFSCAR) ............................................... 340
Capitulo 30 - Comportamentos envolvidos em uma cooperativa de serviços
Pedro Bordini Faleiros (UN/MEP) .............................................. 350
Capitulo 31 - A atuação do psicólogo nas instituições jurídicas - A
necessidade de uma fundamentação
Tatyana Elisan Bonamigo (UNOCHAPECO/UNIC - Porto Uniâo)..... 366

Seção VI: Aplicações da análise do comportamento na Educação:


Capítulo 32 - Para uma análise do brincar e de sua função educacional - a
função educacional do brincar
Julio César Coelho de Rose e Maria Stella Coutinho de Alcântara
Gil (UFSCAR)............................................................................... 373
Capítulo 33 - Regras e contingências sociais na brincadeira de crianças
Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil e Julio César Coelho de
Rose (UFSCAR)........................................................................... 383
Capítulo 34 - Atenção positiva como uma possível solução ao problema de
indisciplina na sala de aula
Ivan Gross ................................................................................... 390
Capítulo 35 - Dificuldades de aprendizagem ou dificuldade de ensino? -
Algumas contribuições da Análise do Comportamento
João dos Santos Carmo (UNAMA)................................................ 396
Capitulo 36 - Programas de ensino lineares: desempenhos não lineares
Adólia Maria Santos Teixeira (UFMG) .......................................... 402
Capitulo 37 - Crianças desatentas, hiperativas e impulsivas: como lidar com
essas crianças na escola?
Luciana Rizo e Bernard Rangé (UFRJ).......................................... 422
Capitulo 3 8 - Ansiedade matemática: conceituação e estratégias de
intervenção
João dos Santos Carmo (UNAMA)................................................ 433
Capitulo 39 - Psicopedagogia comportamental como estratégia preventiva
Ana Lucia Ivatiuk (PUC de Campinas - USP)................................. 443
Capitulo 40 - Orientação profissional para adolescentes em situação de
primeira escolha
Cynthia Borges de Moura (UEL).................................................... 447

Capitulo 41 - Programa de atendimento à familia especial brasileira com


base na análise do comportamento
Renata Grossi (UEL)..................................................................... 455

Capítulo 42 - Estilos parentais e desenvolvimento de habilidades sociais


Suzane Schmidlin Lòhr (UFPR/ UnicenP) ................................... 476
Capitulo 4 3 - A transformação do conhecimento em comportamentos
profissionais na formação do psicólogo: as possibilidades nas
diretrizes curriculares
Olga Mitsue Kubo e Sílvio Paulo Botomó (UFSC)............................ 483

Seçáo VII: Interação pais e filhos


Capitulo 44 - Estilos parentais e desenvolvimento da criança e do
adolescente e palmadas e surras: ontem, hoje e amanhã
Lídia Natalia Dobrianskyj Weber, Ana Paula Viezzere Olívia Justen
Brandenburg (UFPR)................................................................... 499
Capítulo 45 - Adoção: Breve análise das relações familiares
Lídia Natalia Dobrianskyj Weber (UFPR)....................................... 512
Capítulo 46 - Interação Pais e Filhos - A observação como instrumento
para identificar práticas parentais
Giovana Veloso Munhoz da Rocha (UFPR.FEPAR ACT)............... 527
Capítulo 47 - Estilo parental e comportamento socialmente habilidoso da
criança com pares
Ana Paola Lopes Lubi (UNICENP)............................................... 536
Apresentação
Mais uma vez, a ABPMC tem a grata tarefa de compilar trabalhos que refletem
os avanços em pesquisa, clinica e reflexão do ano de 2002, em um retrato do que vem
sendo produzido pela comunidade na área da terapia comportamental e cognitiva. O
resultado do esforço desta diretoria já está sendo amplamente reforçado pelos 100 autores
que enviaram suas contribuições neste ano.
O material foi revisado e organizado em blocos, de forma a facilitar o manuseio
dos leitores. No volume 11, iniciamos com a recuperação de importantes autores quo
tiveram influência sobre o pensamento de analistas do comportamento. Em seguida,
passamos a autores que tem influenciado o pensamento e a prática clínica de terapeutas
comportamentais no Brasil, refletindo suas preocupações com princípios teóricos e com
a apreciação de suas práticas. Temos também, aí, trabalhos refletindo preocupação,
demonstrada por analistas do comportamento, com a pesquisa voltada à clinica. Segue-
se com a questão da formação de novos terapeutas e aplicações da análise do
comportamento a trabalhos em educação e na comunidade.
No volume 12, contamos com importantes contribuições teóricas para o trabalho
em clínica, seguidas de relatos de experiências com tratamento. Neste volume, o leitor
vai encontrar, ainda, um tópico sobre psicologia e saúde, e outro sobre relatos de pesquisa
básica e em clínica, que tem enriquecido nossos encontros anuais.
Estes volumes são o retrato deste momento da ABPMC, que é de muita produção
de nossos filiados e de sua disposição em compartilharem, em ambiente não punitivo,
de suas experiências na pesquisa e na clínica, em mais um passo para descrever a
consolidação de suas ações em nosso meio, contribuindo para o estudo e o ensino da
Terapia Comportamental e Cognitiva no Brasil.
As publicações da ABPMC tôm sido ansiosamente aguardadas pela comunidade
dos terapeutas e pela comunidade académica ligada à área, pelo acesso que dão ao
mundo da terapia comportamental em um país como o nosso, onde temos tantas
dificuldades para difundir o que fazemos e o que pensamos. Esperamos, com estes dois
volumes, estarmos mais uma vez atendendo a este anseio em uma cadeia que vem
ampliando a variação comportamental, o que permite a seleção de muitos
comportamentos altamente desejáveis ao progresso da Terapia Comportamental e
Cognitiva.
O sentimento é de extrema satisfação pela oportunidade de fortalecer o
comportamento de compartilhar ricas experiências!

Diretoria da ABPMC
Gestão 2002/2003
Seção I

Pesquisadores que
fizeram parte de
nossa história e suas
contribuições à
análise do
comportamento
Capítulo 1
O Legado de Fred S. Keller

João C láudio Todomv


Universidade C',ifó/ic<i dc Qoiás e L/nlf

Fred S. Keller quase viveu em três séculos. Nasceu em 2 de janeiro de 1899 em


Rural Grove, estado de Nova Iorque, EUA, e morreu em 2 de fevereiro de 1996, em Chapei
Hill, Carolina do Norte, aos 97 anos. Filho de família pobre da zona rural, Keller cresceu
morando pouco tempo em diversas cidades tão pequenas quanto Rural Grove, em Nova
Iorque, na Florida e em Vermont “Quando vovô envelheceu, ele simplesmente mudou a
natureza de seu trabalho. Ao invés de arar a terra ou trabalhar com a foice, ele alimentava
as galinhas, limpava o galinheiro, recolhia os ovos, dava lavagem aos porcos, e fazia
outras coisas úteis ao redor da casa e do celeiro" (Keller, 1982, p. 5). "Tive vários empre­
gos quando jovem. Fui faxineiro de uma igreja, entreguei mercadorias para Mr. Weinauer e
Mr. Harms, e telegramas para Mr. Merker." (Keller, 1982, p. 12).
Em 1915, começou a trabalhar como mensageiro para a Western Union, onde
depois aprendeu o ofício de telegrafista. A familiaridade com o Código Morse viria a ser
útil em sua carreira acadêmica e produzir um marco histórico para a análise do
comportamento: a publicação do artigo inicial, na páginal, do número 1 do volume 1 do
Journal ofthe Experimental Analysis ofBehavior, "The phantom plateau". Aos 18 anos
alistou-se no exército americano e serviu na arma de artilharia na Carolina do Sul,
participando da I Guerra Mundial com o exército de ocupação na França e depois na
Alemanha. De volta aos Estados Unidos utiliza-se de um programa de auxílio a soldados
veteranos e faz seu curso de graduação no Tufts College, ainda sem interesse especial
na psicologia. Só quando lê Psychology from the standpoint ofa behaviorist, de Watson,
Keller se motiva e termina o curso com o bacharelado em psicologia, em 1926. O novo
interesse o leva a Harvard para o mestrado, concluído em 1927. A carreira docente é
iniciada no Tufts College, como instrutor (1929-1931) enquanto faz o doutorado, concluído
em Harvard, em 1931.
O período em Harvard viria a marcar sua vida e a influenciar o desenvolvimento do
que hoje conhecemos como a análise do comportamento. Não há nada melhor para ilus­
trar o papel exercido por Keller do que a dedicatória, escrita de próprio punho por Skinner
na primeira edição de Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/1967), que trans­
crevo a seguir:

Caro Fred,
So estivéssemos no século 18, eu poderia tor escrito uma dedicatória
que seria entendida por qualquer pessoa. Como não ó esso o caso, eu posso
apenas falar à deux (a dois). "Para F. S. Keller" significa "Obrigado por muitas
coisas" - no fim dos anos 20, pela única brisa de behaviorismo em Harvard -
nos anos 30, por nunca faltar com o apoio o por reforços muito necessários (o
que o leigo, coitado, podo apenas chamar de fé) - e nos 40, por mostrar como
uma ciência do comportamento pode ser ensinada. "Ciência e Comportamento
Humano" pôde ser escrito somente porque "Princípios de Psicologia" de Keller &
Schoenfeld foi publicado primeiro.
Um brindo aos anos 50 e 60!
Burrhus, fevereiro de 1953

A tradução é minha, com a inclusão da tradução do francês à deux, assim no


original. Keller introduziu Skinner ao behaviorismo de Watson e acompanhou sua carreira.
Permaneceram amigos por toda a vida. Terminado o doutorado, os amigos se separam.
Enquanto Skinner vai para Minnesota, Keller fica em Nova Iorque como professor na
Colgate University, em Hamilton, de 1931 a 1938. Relações pessoais e profissionais os
mantem em contato e cartas são trocadas com freqüência. É de Keller a primeira
manifestação escrita de que se tem noticia sobre a importância da distinção de dois
tipos de condicionamento (Julie Vargas, comunicação pessoal). Um ano antes de O
Comportamento dos Organismos (Skinner, 1938) Keller publica The Definition of
Psychology (Keller, 1937/1974). Em 1938, foi contratado como professor pela Columbia
University onde ficou até a aposentadoria em 1964, então como chefe do Departamento
de Psicologia.
O trabalho na Columbia University ó interrompido durante a II Guerra Mundial,
quando serve no Corpo de Sinaleiros do Exército e se dedica ao aperfeiçoamento do
ensino do Código Morse. Sua contribuição é retribuída com um Certificado de Mérito
que lhe é entregue pelo Presidente dos Estados Unidos em 1948. Ao longo de sua vida
acadêmica Keller dedicou-se a desenvolver melhores métodos de ensino e de formação
de pesquisadores, mostrando que tanto o ensino quanto a pesquisa são trabalhos de
cooperação e colaboração, que frutificam em ambiente amigável e fraterno. O melhor
exemplo disso é o livro Princípios de Psicologia (Keller & Schoenfeld, 1950/1966), o
primeiro texto didático para o ensino da análise do comportamento, escrito em linguagem
acessivel a alunos de graduação, uma referência histórica. Em 1990, na comemoração
do 40“ aniversário da publicação do livro, a convite do Journal ofthe Experimental Analysis
of Behavior publiquei um pequeno artigo sobre o K&S no Brasil (Todorov, 1990). É de
1954 outro texto didático de Keller, como único autor, voltado para o ensino da psicologia
da aprendizagem (Keller, 1954/1970). A importância de seu trabalho para a análise do
comportamento foi novamente reconhecida no número inaugural do Journal of Applied
Behavior Analysis. Keller foi escolhido para publicar “Good bye teacher..." no número 1 do
volume 1 da revista, em 1968 (Keller, 1968). Se Skinner desenvolveu os fundamentos da
análise do comportamento, Keller foi seu grande propagador. Dentre seus ex-alunos ilus­
tres, estão James Dinsmoor (1990), Eliot Hearst (1997) e Murray Sidman (1996), e, cita­
dos por Keller (1996 a, p. 7), Charles Catania, David Eckerman, Charles Ferster, Leonard
Krasner, Richard Mallot, Kurt Salzinger, John Gilmour Sherman e Thom Verhave.
Ao aposentar-se, em 1964, torna-se Professor Emeritus da Columbia University.
Dentre outras honrarias, recebeu o Distinguished Teaching Award, da American
Psychological Association (1970), o Honorary Doctorate of Science, da Long Island University
(1972), a Distinguished Behavioral Scientist Medal, do Institute for Behavioral Research
(1974), o Distinguished Contribution for Application in Psychology Award, da American
Psychological Association (1975), e Professor Honoris Causa, da Universidade de Brasilia
(1987).
Até o fim dos anos 50, Keller nunca tinha tido qualquer contato com o Brasil,
exceto por uma aluna brasileira que freqüentou suas aulas na Columbia em 1954, Myrthes
Rodrigues do Prado (Keller, 1987a). Em carta datada de 10 de abril de 1959, Myrthes
transmite a Keller o desejo de Paulo Sawaya, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de São Paulo, de convidá-lo para uma visita ao Brasil. De uma
despretensiosa carta de uma ex-aluna surgiu uma intensa correspondência envolvendo
Keller, a Universidade de São Paulo e a Comissão Fulbright no período de muitos meses,
resultando na chegada ao Rio de janeiro "no dia depois do carnaval" de 1961. Era uma
viagem que tinha tudo para não acontecer. O primeiro contato foi informal, feito por pessoa
sem qualquer ligação com a universidade. O contato foi seguido e mantido pelo Diretor da
FFCL, sem participação de professores do Curso de Psicologia. Informações sobre salário
e bolsa, da USP e da Comissão Fulbright, nunca foram seguras, a incerteza sobre o
necessário para cobrir as despesas permaneceu até poucos meses antes da viagem, e só
foram resolvidas depois de Keller comunicar sua desistência em carta de 12 de setembro
de 1960. A USP insistiu no convite durante todo esse tempo, com a interferência pessoal,
entre outros, do geneticista Oswaldo Frota-Pessoa que visitou Keller em Nova Iorque. Em
Congonhas estavam esperando Sawaya, o novo diretor da FFCL, Mário Guimarães Ferri,
e Carolina Martuscelli Bori, assistente da Professora Catedrática de Psicologia Anita Cabral.
Mais uma vez, com o apoio da área biológica, Keller instalou-se na Cidade Univer­
sitária, no Departamento de Fisiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras: “O
meu ensino é no Departamento de Fisiologia da Cidade Universitária: já comecei as aulas
lá. ... Tenho um bom espaço para um laboratório, uma sala de aula, e um escritório"
(Keller, 1987 a, p. 88). Nesse espaço, ensinando em inglês, Keller começou a formar a
primeira geração brasileira de analistas do comportamento: Carolina Martuscelli Bori,
Rodolpho Azzi, Maria Amélia Matos, Margarida Windholz, Mario Guidi, dentre outros.
"In 1961 we started out, in a very small way, which is usually a good idea" (Keller,
1997, p. 94). Começando com pouca coisa, em menos de um ano o interesse pela análise
do comportamento estava consolidado e as primeiras contribuições brasileiras estavam a
caminho; um minidicionário de termos técnicos traduzidos para o português (Azzi, Rocha
e Silva, Bori, Fix & Keller, 1963) e um trabalho experimental sobre atraso de reforço (Azzi,
Fix, Rocha e Silva & Keller, 1964). "Em 1961, com os recursos de que dispúnhamos, a
realização de experimentos somente era possível com um animal por vez, e mesmo assim
com o monitoramento contínuo pelo experimentador (Matos, 1996, p. 110). Keller e seus
primeiros alunos brasileiros mostraram que era possível produzir dados confiáveis em um
assunto relevante, mesmo com equipamento adaptado: "Foi necessário improvisar. Gaio­
las de passarinho transformaram-se em gaiolas viveiros e em caixas experimentais. A
barra era um pedaço de arame dobrado de tal forma que uma das extremidades podia ser
introduzida na caixa. Ao ser pressionada, esta extremidade deslocava a outra para cima,
fazendo-a bater num pedaço de metal preso à parede da caixa. O experimentador, sentado
em um banquinho ao lado, mergulhava um bastão na água e dava-o para o rato lamber"
(Kerbauy, 1983).

A partir dessa primeira experiência, Keller nunca mais se separou dos brasileiros.
Há vários outros relatos de seu impacto no desenvolvimento da análise do comportamento
no Brasil, além dos já citados (Bori, 1996; Zanon & Bori, 1996; Guilhardi & Madi, 1996;
Pessotti, 1996; Zanon, 1996 a, 1996 b, 1997; Gorayeb, 1996; Kerbauy, 1996). A história,
a partir do convite feito por Carolina Bori para que ajudasse na criação do Departamento
de Psicologia da Universidade de Brasília, já foi contada diversas vezes, mas os relatos
de Keller têm um sabor especial. Sua autobiografia, infelizmente, ainda não foi publicada.
Temos disponíveis apenas os artigos publicados, a maioria preparados para conferências,
e centrados no Sistema Personalizado de Ensino (Keller, 1972,1974,1975,1996a, 1996b,
1996c, 1997b, 1997c).
Keller sempre foi um ponto de apoio de brasileiros nos Estados Unidos, come­
çando com Maria Amélia, Maria Inês e Dora, que sairam do curso de graduação da USP
para o doutorado na Columbia University. Ao longo dos anos, deu apoio a vários outros que
por lá se aperfeiçoaram, como Antonio Bento Alves de Morais, Deisy das Graças de
Souza, Jorge Mendes de Oliveira Castro Neto, Júlio César de Rose, Olavo Galvão e Ra-
quel Nunes da Cunha.
Referências

Azzi, R., Rocha, Silva, M. I., Bori, C. M., Fix, D., & Kollor, F. S. (1963). Suggested Portuguese
translations of expressions in operant conditioning. Journal o f the Experimental Analysis of
Behavior, 6, 91-94.

Azzi, R., Fix, D. S. R., Keller, F. S., Rocha, & Silva, M. I. (1964). Exteroceptive control of response
under delayed reinforcoment. Journal o f tho Experimental Analysis of Bohavior, 7, 159-162.

Bori, C. M. (1996). Chapters in the life of Fred S. Keller. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 12,189-190.

Dinsmoor, J. A. (1990). Academic roots: Columbia University, 1943-1951. Journal o f tho Experi­
mental Analysis o f Behavior, 54, 129-149.

Gorayeb, R. (1996). Introdução ao texto de Fred Keller "Imagens da vida do um professor".


Psicologia: Teoria & Pesquisa, 12, 3-4.

Guilhardi, H., & Madi, M. B. B. P. (1996). Professor Keller disse sim... Psicologia: Teoria &
Posquisa, 12, 113-114.

Harzom, P. (1996). In m em oriam -O n departing of our days from Fred Simmons Koller: Skotches
for a portrait of a great man. Rovista Mexicana de Análisis de la Conducta, 22, 5-11.

Hearst, E. (1997), William Nathan Schoenfeld (1915-1996): Innovativo scientist, inspiring teachor,
relentless questioner, complicated man. Journal of tho Experimental Analysis of Bohavior, 67, 1-9.

Keller, F S. (1937). Tho Definition o f Psychology (ed. 1974) (Trad. R. Azzi ).

Keller, F. S. (1954). Learning• Reinforcement theory. Now York: Doubleday.

Keller, D. S. (1958). Tho phantom platoau. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1,1-.

Keller, F S (1968). Good bye toacher... Journal o f Applied Behavior Analysis, 1, 79-89.

Keller, F. S. (1972). Adeus, mostre... Ciência e Cultura, 24, 207-217.

Kellor, F. S. (1974, Octobor). Ten years of personalized instruction. Teaching of Psychology, (1), 4-9.

Keller, F. S (1975). On my experience in Brazil. Boletim de Psicologia, 26(69), 105-110

Keller, F. S. (1977). Summers and sabbaticals: Selected papers in psychology and education.
Campaign, III: Research Press.

Keller, F. S. (1982a). Gotting-old behavior. International Journal of Behavioml Geriatrics, 1, 5-12.

Keller, F S. (1982b). Pedagogue's Progress. Lawronce, KA: TRI Publications.

Keller, F S. (1987a). Itons do um fichário. Psicologia: Teoria e Posquisa, 3, 84-91.

Keller, F. S. (1987b). O nascer do um departamento. Psicologia: Teoria o Posquisa, 3, 198-205.

Keller, F. S. (1996a) Imagens da vida de um professor. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12, 5-10.

Keller, F. S. (1996b). What happoned to the Brasilia Plan in the Unitod States? Psicologia: Teoria
e Pesquisa, 12, 115-119.

Keller, F. S. (1996). Report on tho Brasilia Plan. Psicologia: Teoria o Pesquisa, 12, 193-197.
Kollor, F. S. (1997). Tape for Brazil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 13, 93-94.

Keller, F. S., & Schoenfeld, W. N. (1966). Principles o f Psychology (Trads. C. M. Bori & R. Azzi.).
Now York: Appleton-Century-Crofts. (Trabalho original publicado em 1950.)

Korbauy, R. R. (1983). Keller: o ciontista ensina. In R. R. Kerbauy (Org), F. Fernandes (Coord ),


Keller. Coleção Grandes Cientistas Sociais, 41 (pp. 7-42). São Paulo: Editora Ática

Kerbauy, R. R (1996). Reflexões sobre a obra publicada de Fred S. Koller. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 12, 199-203.

Matos, M. A. (1996). Contingências para a análise comportamental no Brasil. Psicologia: Teoria


e Pesquisa, 12, 107-111.

Pessotti, I. (1996). Fred Keller, um mestre, meu mestre. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12, 1-2.

Sidman, M. (1996) Fred Keller: Rememberings. Journal o f the Experimental Analysis of Behavior,
66 , 1- 6 .

Skinner, B. F. (1967). Science and Human Behavior {Trads. J. C. Todorov & R. Azzi.). New York;
McMillan. (Trabalho original publicado em 1953.)

Todorov, J. C. (1990). The K & S in Brazil Journal o f the Experimental Analysis o f Behavior, 54,
151-152.

Todorov, J. C. (1996). Goodbye teacher, good old friend. Journal o f the Experimental Analysis o f
Behavior, 66, 7-9.

Zanon, C. M. L. C. (1996a). Editorial: um tributo a Fred Keller. Psicologia: Teoria e Pesquisa,


12{ 1), iii-iv.

Zanon, C M. L. C. (1996b). Editorial. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12(2), iii-iv.

Zanon, C. M. L. C., & Bori, C. M. (1996). SBPC 1972: “Relato do Plano Brasilia” por Fred S. Keller.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12, 191-192.
Capítulo 2
Contribuições de Jack Michael à Análise do
Comportamento

Rache/ Nunes da Cunha'


U nti

A preocupação em esclarecer a relação entre o mundo do laboratório e o mundo


fora do laboratório tem merecido a atenção de analistas do comportamento com objetivo
de evidenciar que esta dicotomia é um equívoco. No laboratório, podemos programar
contingências para estudar o comportamento de organismos (humanos e não humanos),
mas isso não significa dizer que o mundo do laboratório è uma realidade tão distinta do
mundo fora do laboratório. Esses ambientes compõem uma única realidade que se diferem
em alguns aspectos. Os eventos que são observados nesses dois ambientes são
explicados ou descritos com os mesmos princípios gerais. No laboratório, utilizamos de
método rigoroso e sistemático para descrever e explicar as relações comportamentais
e, na realidade cotidiana o rigor está sujeito aos limites da complexidade do ambiente.
Entretanto, as questões que investigamos no laboratório, também, têm origens nas nossas
observações fora do laboratório, ou seja, na vida cotidiana. Dessa forma, esses dois
mundos na sua unicidade, em suas particularidades, se completam na busca do
conhecimento. Ter a compreensão destes dois contextos de observação nos permite ter
uma melhor compreensão entre as atividades empírica e aplicada e, conseqüentemente,
podemos entender a preocupação daqueles que buscam diminuir a abismo entres esses
dois mundos.
Entre os analistas do comportamento, há aqueles que fazem pesquisa básica
(visando desenvolver o conhecimento metodológico e teórico-conceitual), outros fazem
pesquisa aplicada (visam desenvolver tecnologias comportamentais), outros são
aplicadores desse conhecimento (utilizam essas tecnologias em suas intervenções),
outros têm interesses pelas questões conceituais e teóricas, outros ensinam e são
formadores de analistas do comportamento e, nesse universo diversificado, há aqueles
que se dedicam a mais de uma dessas questões e, aqui, eu incluo Jack Michael, atualmente,

' A u rm lo v» u Inoitlrnável atunçAo d o D* Jack M k iw e l om nnviar ina tuxto iiâ o puhttcado *o tx o *e u poffll t>(oar*flu) « lrn)otòna « ( « l A n i k *
’ Dof mrtnmento d e P r o c s u o n Pm cotogto1*' Bátricos Irmtltuto d e PttcotoylH
professor de psicologia da Western Michigan


University (WMU), em Kalamazoo, Michigan,
USA.

Figura 1. Jack Michael durante a Convenção Anual


da ABA de 2002 (Foto cortesia de Eckerman)

Jack Michael nasceu no dia 16 de janeiro


de 1926, em Los Angeles, Califórnia, nos Estados
Unidos, filho único do casal Michael. Seu pai era
mecânico de automóvel e sua mãe cuidava das
lidas domésticas. Ele relata ter tido uma infância
muito feliz e muito estável. Seus estudos foram
realizados em Los Angeles desde o primário até
o doutorado (PhD). De 1931 a 1937, Jack Michael
estudou em uma Escola Primária (Elementary School), de 1938 a 1940, foi para a Escola
Intermediária (JuniorHigh School) e, de 1941 a 1943, completou o segundo grau em uma
Escola Secundária (High School). Ele foi muito incentivado pelos pais a estudar e obter
formação acadêmica completa.
Em 1943, começou o curso de Química na University of Califórnia, em Los Angeles
(UCLA), cursou o primeiro e, antes do término do segundo período, foi recrutado para servir
o exército, em junho de 1944. Recebeu treinamento no Texas, em Oklahoma, na Alemanha
e no Japão. A escolha do curso de química foi devido ao seu interesse desde cedo por
ciências, em especial química e biologia. Quando retornou a Universidade em 1946, come­
çou a estudar psicologia. Ele obteve os graus de bacharel em psicologia (B. A., em 1949) e,
neste ano, iniciou seus estudos de pós-graduação, em seis anos obteve os títulos de Mes­
tre (M. A., em 1952) e Doutor (PhD, em1955), pela University of Califórnia, em Los Angeles,
especializando-se em psicologia fisiológica, estatística filosofia da ciência e psicologia geral
e experimental. Jack Michael relata que seu interesse pela psicologia foi devido a uma
eventualidade, de ter comprado e levado consigo para o Japão alguns livros do psicologia.
Segundo Michael, enquanto esteve na UCLA, como estudante, os professores
que mais lhe influenciaram foram: J. A. Gengerelli, John Seward e Hans Reichenbach. À
essa época, a familiaridade de Michael com a abordagem de Skinner vinha das disciplinas
sobre Teorias da Aprendizagem. O interesse pela Análise do Comportamento também
foi acidental, pois possuía um exemplar de Ciência e Comportamento Humano de Skinner
que não havia lido até quando o leu para preparar aulas para uma disciplina introdutória
de psicologia, para alunos de outros cursos da Kansas University. Essa obra de Skinner
viria influenciar a carreira de Jack Michael de modo fundamental. Desde que começou,
em 1955, a ensinar e, posteriormente, a pesquisar sobre os conceitos e teorias na
perspectiva analítico comportamental, tornou-se um analista do comportamento e, hoje,
é um dos eminentes colaboradores da Análise Experimental do Comportamento. Michael
relata que Princípios de Psicologia, de Fred Keiler e Schoenfeld, publicado em 1950, a
Filosofia da Ciência, Estatística Avançada, e disciplinas introdutórias sobre psicologia para
alunos de outros cursos. Michael esteve em Kansas University por 2 anos, de 1955 a
1957.
Em 1957, Michael começou a lecionar na University of Houston (UH), Houston, no
Estado do Texas, onde permaneceu até 1960. Em Houston, Michael teve como colega,
colaborador e amigo Lee Meyerson, com quem começou a aplicar os métodos e os
princípios da análise do experimental do comportamento aos problemas de doenças
mentais e portadores de necessidades especiais (físicas e ou mentais). Alguns de seus
estudantes em Houston como John Mabry, Mont Wolf, Sandra Wolf, Ted Ayllon, Sam
Tombs, Patricia Cork e Lloyd Brooks influenciaram a sua carreira.
No ano de 1960, ele foi convidado para assumir o cargo de Professor Associado
da Arizona State University (ASU), em Tempe, no Estado do Arizona, onde Arthur Staats
liderava o desenvolvimento de um programa comportamental na abordagem skinneriana.
Posteriormente, Lee Meyerson juntou-se com os colegas da ASU. Michael permaneceu
na ASU até o ano de 1967. Durante esses anos na ASU, Michael teve contatos
acadêmicos profícuos com dois eminentes pesquisadores e analistas do comportamento,
Israel Goldiamond e Fred Keller, este último foi responsável pelo seu interesse na área
de ensino para formação de professores e em educação de modo geral. W. Scott Wood,
Albert Neal, Brian Jacobson, Cari Jensen, J. Grayson Osborne, Cari Cheney, Richard
Powers, Larry Sayre, Edward Hanley, Jon Bailey, Tom Brigham, Garry Martin, Gerry
Mertens, Timothy Elsmore são alguns dos estudantes de graduação e pós-graduação
que Jack Michael cita como importantes para seu trabalho acadêmico e, também, refere-
se à influência que ele exerceu sobre a carreira desses profissionais como pesquisadores,
professores e como analistas do comportamento em instituições prestadoras de serviços
e atendimentos.
A continuidade de sua carreira de docente e de pesquisador durante esses últimos
36 anos tem sido na Western
Michigan University (WMU), em
Kalamazoo, no Estado de
Michigan, onde chegou em 1967
e, aos 77 anos de idade aposentar-
se á no dia 26 abril de 2003,
conforme anunciado em WMU
News, mas continuará contribuin­
do para a área com suas pales­
tras, conferências e outras
atividades inerentes à academia.
Em Kalamazoo, os colegas pro­
fessores que mais exerceram in­
fluência sobre seu trabalho foram
Richard Malott, Alan Poling (am-
Figura 2. Da esquerda para direita: Jack Michael. Fred bosamda professores da WMU)e
Keller e dona Francis Keller. Quando da visita de Arthur Snapper. Michael faz refe-
Michael aos Keller. em Chapei Hill, em 12 de agosto rên° a a alguns entre vános de
de 1993. (Foto cortesia de Jack Michael). f eus alu" os daWMU ^ ue também
foram influenciados pela sua ori-

Sobrc (.'omportdrncnlo e CoRniv<lo 23


entação a saber; Norman Peterson, Paul Whitley, Mark Sundberg, Bruce Hesse, Michael
Minervini, Esther Shafer (falecida), Rachel da Cunha e Michael Hixson.
A relação entre Jack Michael e Fred Keller foi além das atividades profissionais,
pois foram grandes amigos ao longo da vida de Keller e, ainda hoje, ó amigo de dona
Francis Keller. Profissionalmente, eles estiveram juntos em duas universidades, na Arizona
State (Jniversity e na Western Michigan University Michael visitava os Keller com
freqüência para alimentar essa relação forte de amizade e discutir análise do
comportamento com o Mestre dos mestres.
Durante esses 48 anos de carreira de docente e pesquisador, Jack Michael tem
desempenhado um papel importante na formação de muitos pesquisadores em análise
experimental do comportamento e em análise aplicada do comportamento, que atuam
em vários outros países, além dos Estados Unidos; tem contribuído com palestras,
conferências e cursos em países como Canadá, México, Bélgica e Brasil; é incontestável
seu legado que pode ser confirmado pelas inúmeras publicações de artigos científicos,
capítulos de livro e livros que tratam de tecnologia instrucional, questões teóricas e
metodológicas da análise do comportamento, comportamento verbal, e, mais
recentemente, Michael tem se dedicado às questões inerentes a terminologia técnica e
ao conceito de motivação.
Como reconhecimento de suas contribuições no campo do ensino, da pesquisa
e da aplicação, Jack Michael recebeu vários prêmios e distinções: Distinguished Teaching
Award, da American Psychological Foundation, em 1971, e da Western Michigan University
em 1985; Distinguished Faculty Scholar Award, da Western Michigan University, em 1989;
proferiu a Master Lecturerna APA Annuai Convention, em 1984; Outstanding Contributions
to the Development of Behavior Analysis (Northern Califórnia Association for Behavior
Analysis)] Foi um dos fundadores da Association for Behavior Analysis (ABA) e a presidiu
no período de 1983 a 1984.

Operações estabelecedoras
Uma das mais importantes contribuições de Jack Michael à Análise do Compor­
tamento tem sido a sua preocupação constante com as questões conceituais e empíricas.
Nesse sentido, no início dos anos 80, Michael aborda o tópico de motivação, como opera­
ções estabelecedoras, embora, considerado um tema relevante da psicologia, estava sen­
do pouco estudado pelos analistas do comportamento.
Michael analisa os motivos que levaram os analistas do comportamento a não
enfatizarem o estudo das variáveis motivacionais como variáveis independentes, por
exemplo: 1) o desenvolvimento dos estudos sobre esquemas de reforçamento, cujo
reconhecimento de seu poder controlador do comportamento é enfatizado em detrimento
das variáveis motivacionais, pois quando descrevemos relações comportamentais a
história de reforçamento é priorizada, geralmente nesses estudos a privação (variável
motivacional - operação estabelecedora) é uma variável de contexto. Verificamos
diferenças imensas na freqüência de resposta geradas por diferentes esquemas de
reforçamento, os esquemas controlam mais poderosamente o comportamento do que o
níveí de privação; 2) o conceito de motivação com freqüência era introduzido como
explanações fictícias por meios dos termos como querer, necessidades e motivos, referindo-
se às causas do comportamento com uma explicação circular, por exemplo, quando falamos
do talento atlético de uma pessoa ou de sua habilidade artística. No que se refere às
necessidades, Michael chama a atenção para não igualar necessidades biológicas com
operações estabelecedoras. É verdade que muitas coisas que necessitamos biologicamente
náo evoca comportamento. Por exemplo, vitamina B - nós moremos devido a sua falta,
mas não mostraremos aumento do interesse em obter a vitamina; 3) o uso freqüente de
reforçadores condicionados (dinheiro, aprovação social), que em geral, estão relacionados
de modo indireto a alguma operação estabelecedora especifica. Os reforçadores
condicionados foram ferramentas importantes no desenvolvimento da área de modificação
do comportamento e há uma larga escalas deles que poderiam ser obtidos sem uma
operação estabelecedora.
O conceito de motivacional foi recuperado por Jack Michael (1982,1993) como
perspectiva conceituai e empírica, fundamentada na sistematização dos princípios da
análise do comportamento. Ao recuperar esta proposta para se estudar motivação,
Michael resgata o conceito de motivação como operações estabelecedoras proposto
por Keller e Schoenfeld (1950/1974), que as definiu como variáveis ambientais
antecedentes que exercem efeitos sobre o comportamento e sobre a eficácia do evento
reforçador. Michael teve o cuidado de enfatizar o tratamento dado por Skinner (1938,
1953) às variáveis motivacionais, como operações de privação, saciação e estimulação
aversiva. Com seu rigor histórico, Michael recuperou Millenson que, em1967, identificou a
variável motivacional como operações de impulsos (saciação e privação). Ele também nos
sugere para que a palavra estimulo seja reservada para descrever eventos ambientais que
afetam os organismos através de seus receptores.
A retomada do conceito de operações estabelecedoras por Michael é uma grande
contribuição à análise do comportamento, por incluir um tipo de variável motivacional apren­
dida que não fora explicitamente identificada pelos tratamentos anteriores de Keller e
Schoenfeld, em 1950; Skinner, em 1938, e 1953 e Millenson, em 1967 (da Cunha, 1993,
1995, 2000). Essa variável motivacional aprendida ó caracterizada, por Michael, como
operações estabelecedoras condicionadas. Nesta perspectiva, “a contribuição de Michael
consiste em um novo instrumento conceituai e metodológico caracterizado como opera­
ções estabelecedoras, especialmente as do tipo condicionadas [ou aprendidas]" (da Cu­
nha, 1995),
Com o conceito de operações estabelecedoras, os analistas do comportamento
têm possibilidades de investigar o controle dessas variáveis motivacionais como varáveis
independentes, proporcionando, de certa forma, o resgate do tópico de motivação pela
análise do comportamento e hoje temos estabelecida uma grande tema de pesquisa.
Dada a relevância do conceito de operação estabelecedora e a relação com o
conceito de estímulo discriminativo, apresento a definição de Michael (1993) que a define
em termos dos seus dois mais importantes efeitos - ó um evento ambiental, operação
ou condição de estímulo que afeta o organismo pela alteração momentânea (a) da
efetividade reforçadora de outros eventos e b) da freqüência de ocorrência de
comportamento do repertório do organismo que ó relevante para aqueles eventos como
conseqüências. O primeiro efeito foi denominado de efeito estabelecedor do reforço e o
segundo, efeito evocativo. Por exemplo, privação de alimento é uma operação estabelecedora
que momentaneamente aumenta a) a efetividade do alimento com uma forma de

Sobre (.’omportamrnlo e ('ohmç<To 25


reforçamento o b) a froqüôncia de tipos de comportamento que tom sido previamente
reforçado com alimento, ou seja, uma operação estabelecedora evoca algum comportamento
que tem sido reforçado com alimento, O efeito evocativo de uma operação estabelecedora
é provavelmente melhor pensado como: a) o resultado de um efeito direto sobre tal
comportamento, b) um aumento na efetividade evocativa de todos os estímulos
discriminativos (S s) para comportamentos que têm sido reforçados com alimento e, c)
um aumento na freqüência de comportamentos que tem sido seguidos por reforçadores
condicionados cuja a efetividade depende da privação de alimento.
Outra contribuição importante de Michael sobre o tema refere-se à classificação
dos tipos de operações estabelecedoras: incondicionadas (por exemplo, privação de
alimento) e condicionadas. As operações estabelecedoras condicionadas constituem a
maior contribuição de Michael sobre o tema de motivação e têm gerado muitas pesquisas.
A demonstração empírica desses dois efeitos da variável motivacional recebeu atenção
de vários pesquisadores (MCPherson e Osborne, 1986, 1988; Lubeck e MCPherson,
1986 ; Alling, 1990 e da Cunha, 1993), em tais demonstrações, pombos têm sido usados
com sujeitos experimentais e têm-se obtido pouco sucesso demonstrativo. A despeito
dos dados obtidos nesses estudos, ainda, ó muito desafiador continuar as pesquisa
sobre o tema no campo da pesquisa básica, pois existe uma necessidade de se
desenvolver delineamentos experimentais para melhor compreender as diferenças
funcionais entre os estímulos com propriedades discriminativas e motivacionais, tão bem
analisadas conceitualmente por Michael, em 1982.
A variável motivacional condicionada tem sido mais estudada no campo da pes­
quisa aplicada, que efetivamente tem demonstrado resultados relevantes para a aplica­
ção. A exemplo disso o Journal ofApIlied Behavior Analysis (JABA), edição de 2000,
volume 33, número 4, foi inteiramente dedicado aos estudos sobre operações. Nesta
publicação Michael amplia sua análise sobre o tema, no artigo intitulado “Implicações e
refinamentos do conceito de operação estabelecedora" no qual ele reconhece que em
seus primeiros trabalhos negligenciou a importância do conceito para a área aplicada e
afirma a importância de Vollmer and Iwata (1991) em demonstrar as implicações deste
conceito para a área aplicada. Uma das aplicações da variável motivacional tem sido para
reduzir a freqüência de comportamentos-problema pela modificação de suas operações
estabelecedoras, tornando-as fraca, como tem demonstrado McGill, 1999 (Cf. Michael,
2000), no sentido de melhorar a qualidade de vida de indivíduos que têm vários tipos de
incapacidades.
Sundberg ( 1993), quando trata da aplicação das operações estabelecedoras, iden­
tifica-as como variáveis independentes poderosas que podem ser manipuladas para mu­
dar uma variedade de comportamentos humanos e reforça importância da contribuição de
Michael para área.
Os efeitos discriminativos dos estímulos devem ser distinguidos dos efeitos de
operações estabelecedoras, distinção esta enfatizada por Skinner e reforçada por Michael.
Essa distinção pode ser identificada no seguinte exemplo: uma pessoa propensa a tomar
um refrigerante e, ao localizar uma máquina de venda automática, procura uma moeda
na bolsa. A máquina é estímulo discriminativo, porque, na sua presença, o comportamen-

l ulHx:k.R C A MoPhoraon, A. (1986, May) ttM tkah^xbrnukwKhptQmorm prcxxKiunm,pttnmmton, m x ipointof vim/. Papor pruMmttmri NtthomooUnu
of Hm f wwfllti Conv«mt1nn nf lhe Association ftx BotmvKx Annlyiin, MttwmiMxi, Whi
to do depósito da moeda pode ser seguido pola lata de refrigerante. Mas, com relação à
moeda, a máquina ó uma operação estabelecedora, porque ela torna a moeda mais
importante, ou seja a máquina de venda torna a moeda uma conseqüência reforçadora
significativa para o comportamento de procurá-la na carteira. Michael enfatiza essa
distinção dizendo que as variáveis discriminativas estão relacionadas à disponibilidade
diferencial de uma forma efetiva de reforçamento dado um tipo particular de
comportamento, e as variáveis motivacionais estão relacionadas à efetividade do evento
reforçador.
A contribuição de Michael em estabelecer a relação entre as atividades empíricas
e aplicadas tem sido demonstrada em seus papéis de professor, orientador e pesquisador,
haja vista que a Western Michigan University deu-lhe o reconhecimento com três prêmios
por distinção ao ensino. Em seu Concepts and Principles of Behavior Analysis, publicada
pela Society for the Advancement of Behavior Analysis (SABA), 1993, há uma seção
dedicada a perspectiva comportamental do ensino universitário que reflete a sua própria
prática e experiência como professor, atestada por vários de seus alunos.
A seguir, apresento as publicações de Michael para auxiliar o leitor no
aprofundamento das questões estudas por ele estudadas. As referências assinaladas
com asteriscos foram, na perspectiva de Michael, mencionadas como as que exerceram
ou continuam exercendo influência sobre a área da Análise do Comportamento. Segundo
Michael, o artigo em co-autoria com Teodoro Ayllon, publicado em 1959, o último desta
lista de publicações, muito provavelmente foi o de maior impacto para a área.

Publicações
Ayllon, I , & Michael, J. (1959). The psychiatric nurse as a behavioral engineer. Journal o f the
Experimental Analysis o f Behavior, 2, 323-344 *

Iwata, B A., & Michael, J. L. (1994). Applied implications of theory and research on the nature of
roinforcemont. Journal of Appliod Behavior Analysis, 27, 183-193.

Iwata, B. A., Smith, R. G., & Michael, J. (2000). Current research on the influence of establishing
operations on behavior in applied settings Journal o f Appliod Behavior Analysis, 33, 411-418.

Meyerson, L., Kerr, N., & Michael, J (1967). Behavior modification in rehabilitation. In S. Bijou &
D. Baer (Eds.), Child development Readings in experimental analysis (pp 214-239). New York:
Apploton-Century-Crofts.

Meyerson, L., Kerr, N., & Michael, J. (1965). A procedure for shaping vocalization in a mute child.
In L P. Ullman & L. Krasnor (Eds ), Case studies in behavior modification (pp 366-3/0) New
York: Holt, Rinehart and Winston.

Meyerson, L., & Michaol, J. (1964). Assessment of hearing by operant conditioning In Report of
the proceedings of the international congress on education of the deaf (pp 237-242). Washing­
ton: U. S. Government Printing Office.

Moyorson, L., Michaol, J., Mowrer, O H., Osgood, C. E., & Staats, A. W. (1961). Learning, behavior,
and rehabilitation. In L. H. Lofquist (Ed ), Psychological research and rehabilitation (pp. 68-111).
Washington: American Psychological Association.

Solirr CompoiUimenlo c C'ognivdo n


Michael, J., & Clark, J. (2001). A few minor suggestions. Journal ofth o Experimental Analysis of
Behavior, 75, 354-357.

Michael, J. (2000). Implications and refinements of the establishing operation concept. Journal
of Applied Behavior Analysis, 33, 401-410,

Michael, J. (1998). The Current Status and Future Directions of the Analysis of Verbal Behavior:
Comments on the Comments. The Analysis o f Verbal Behavior, 15, 157-161.

Michael, J , Hixson, M. D., & Clark, J. (1996). The role of motivation in the S-R issue. Journal of the
Experimental Analysis of Behavior, 67, 239-241.

Michael, J. (1996). In memorium: Fred S. Keller (1899-1996). The Behavior Analyst, 19, 3-5.

Michael, J. (1996). Separate repertoires or naming? Journal o f the Experimental Analysis o f


Behavior, 65, 296-298.

Michael, J. (1995) What every student of behavior analysis ought to know. The Behavior Analyst,
18, 273-284.

Edited book: The reprinted edition of Principles o f Psychology by F. S. Koller and W. N. Schoenfeld.
The B. F. Skinner Foundation is reprinting out-of-print books by Skinner and other out-of-print
books that are important in behavior analysis. The first two reprintings were The Behavior of
Organisms and Verbal Behavior For each reprinting one of the members of the foundation
board takes responsibility for obtaining and editing two new forwards, and doing any other
editing and managing with respect to interactions with the printers. I was responsible for the
reprinting of the Kellor and Schoenfeld text, the third book in our series.

Michael, J., & Shafer, E. (1995). State notation for teaching about behavioral procedures. The
Behavior Analyst, 18, 123-140

Michael, J. (1993). A brief overview of the history of Western Michigan University’s behavioral
programs. Journal o f Applied Behavior Analysis, 26, 587-588

Michael, J. (1993). Concepts and principles of behavior analysis. Kalamazoo: Society for the
advancement of behavior analysis.*

Michael, J. (1993). Establishing operations. The Behavior Analyst, 16, 191-206. *

Michael, J. (1993). Author's response. The Behavior Analyst, 16, 229-236.

Michael, J. (1991). A behavioral perspective on college teaching. Tho Behavior Analyst, 14, 229-
239 *

Michaol, J. (1991, Summer). Historical antecedents of behavior analysis. The ABA Newsletter, 7-
12 . *

Michael, J. (1988). Establishing operations and the mand. The Analysis o f Verbal Behavior, 6, 3-
9. *

Michael, J., & Shafer, E. (1988). State notation for behavioral contingencies. Kalamazoo, presently
being published privately.

Michael, J. (1986). Repertoire-altering effects of remote contingencies. Tho Analysis o f Verbal


Behavior, 4, 10-18.
Michael, J. (1985). Two kinds of verbal behavior and a possible third. The Analysis o f Verbal
Behavior, 3, 2-5. *

Michael, J. (1985). In C. F. Lowe, M. Richelle, D. E. Blackman & C. M. Bradshaw (Eds.), Behaviour


analysis and contemporary psychology (pp. 159-164). London: Lawrence Earlbaum Associates,
Ltd.

Michael, J. (1984). Behavior analysis: radical perspective. In B. L. Hammonds (Ed.), Master


lecture series, v. 4: Psychology of learning (pp 95-121). Washington: American Psychological
Association. *

Michael, J. (1984). Verbal behavior. Journal of the Experimental Analysis o f Behavior, 42, 363-
376. *

Michael, J. (1983). Evocative and repertoire-altering effects. VB News, 2, 21-23.

M ichael, J., W hitley, P, & Hesse, B. (1983). The pigeon parla n ce p rojoct.
VB News, 2, 6-9.

Michael, J. (1982). Distinguishing between discriminative and motivational functions of stimuli.


Journal o f tho Experimental Analysis o f Behavior, 37, 149-155. *

Michael, J. (1982). Skinner’s verbal operants: Some new categories. VB Nows, 1, <].*

Michael, J (1980). On terms: The discriminative stimulus or Sn. Tho Behavior Analyst, 3, 47-49. *

Michael, J. (1980). Flight from behavior analysis. The Behavior Analyst, 3, 1-21. *

Michael, J. (1979). Reinforcement magnitude and the inhibiting effect of reinforcement. Journal
o f the Experimental Analysis of Behavior, 32, 265-268.

Michael, J. (1977). Book review: The open university, by Walter Perry. Journal o f Personalized
Instruction, 2, 248-251.

Michael, J. (1977). Radical behaviorism as a way of life. In J. Krapfl & E. Vargas (Eds.), Behaviorism
and ethics. Kalamazoo; Behaviordelia.

Michael, J. (1975). An advanced laboratory in experimental analysis of bohavior. Teaching of


Psychology, 2, 1965-1969.

Michael, J. (1975). Quality control in a profession. In W. S. Wood (Ed ), Issues in evaluating


behavior modification. Champaign: Research Press.

Michael, J. (1975). Positive and negative reinforcement, a distinction that is no longer necessary;
or better ways to talk about bad things. Behaviorism, 3, 33-45. *

Michael, J. (1974). Statistical inference for individual organism research: mixod blessing or
curse? Journal o f Applied Behavior Analysis, 7, 647-653. *

Michael, J. (1974). Tho essential components of effective instruction and why most collego teaching
is not. In F. Kellor & E. Ribes (Eds.), Behavior modification (pp. 163-176). New York: Academic Press.

Michael, J. (1970). Rehabilitation. In C. Neuringer & J. Michael (Eds.), Behavior modification in


clinical psychology (pp. 52-85). New York: Appleton-Century-Crofts.*

Michael, J. (1969). Management of behavioral consequences in education. Revista Interamericana


do Psicologia, 3, 205-252.
Michael, J. (1967). The relevance of animal research. In R. Schiefelbusch, R. Copeland & J.
Smith (Eds.), Language and mental retardation (pp. 81-91). New York: Holt, Rinehart and Winston.

Michael, J. (1963). Guidance and counseling as the control of behavior. In E. Landy & P. Perry
(Eds.), Guidance in American education: Backgrounds and prospects (pp. 71-83). Cambridgo:
Harvard Univorsity Pross.

Michael, J. (1963). Laboratory studies in operant behavior. New York: McGraw-Hill *

Neuringer, C., & Michael, J. (Eds.). (1970). Behavior modification in clinical psychology. Now
York: Appleton-Century-Crofts.

Smith, R., Michaol, J., & Sundborg, M. L. (1996). Automatic reinforcement and automatic
punishment in infant vocal behavior. The Analysis o f Verbal Behavior, 13, 39-48

Sundberg, M., & Michael, J. (1983). A response to U. T. Place. VB News, 2, 16-20.

Sundberg, M. L., Michaol, J., Partington, J. W., & Sundberg, C. A. (1996). The role of automatic
reinforcement in early language acquisition. The Analysis o f Verbal Behavior, 13, 21-37.

Sundberg, M., & Michael, J. (2001). The benefits of Skinner's analysis of verbal behavior for
children with autism. Bohavior Modification, 25, 698-724.

Sundby, S., Dickinson, A M., & Michael, J. (1994). Evaluation of a computer simulation to assess
subject preference for different typos of incentive pay. Journal of Organizational Bohavior Management

Vaughan, M. E., & Michael, J (1982). Automatic reinforcement: An important but ignored concept.
Behaviorism, 10, 217-227. *

Wraikat, R., Sundberg, C. T., & Michael, J. (1991). Topography-based and selection-based ver­
bal bohavior: A further comparison The Analysis o f Verbal Behavior, 9, 1-17.

Michaol considera muito importante suas aulas, conferências e palestras, acreditando que
suas preleções tenham muito mais impacto do que seus trabalhos publicados. Como amos­
tra dessas contribuições, apresento suas apresentações em público entre 1999 e 2001

Palestras e Conferências proferidas entre 1999 e 2001

Michael, J. (2001, October 4). Motivation from a Behavioral Perspective: What does it moan to want
something? Keynoto Address, 10th Annual Conference on Research and Applications related to
Developmental Disabilities, Sponsored by St. Amant Centre, Winnipeg, Manitoba, Canada.

Michael, J. (2001, Soptember 21). The Benefits o f Skinner's Analysis o f Verbal Behavior for
Children With Autism Invited Presentation at the annual conference of the Florida Association
for Behavior Analysis, Sarasota, FL.

Michael, J. (2001, September 20) An Introduction to Skinner's Elementary Verbal Relations.


Invited address presonted at the annual conference of the Florida Association for Behavior
Analysis, Sarasota, FL.

Michael, J. (2001, August 10). Advanced topics in behavior analysis. 6 hour presentation at the National
Autism Conference and Pennsylvania Autism Institute, State College, PA.

Michael, J. (2001, May 27). Avoidance in Terms of Stimulus Transition, Response-produced Stimulus
changes, and Motivative Variables Part of a symposium titled The Avoidance Controversy, at the
annual conference of the Association for Behavior Analysis, New Orleans, LA.
Michael, J. (2001, May 27). The Elementary Verbal Operants. An invited tutorial at the annual conference
of the Association for Behavior Analysis, New Orleans, LA.

Michael, J. (2001, May 26). An Introduction to the Association for Behavior Analysis. This was a one-
hour welcome presentation, a part of tho 25th annual conference of the Association for Behavior
Analysis in Now Orleans, LA. This is the newcomer’s program, started by Scott Wood, and mo and
given every year at the beginning of the conference.

Michael, J. (2001, March 9). Why bohavior does not occur as we would like: "Cognitive Sins of Momory"
from a bohavioral perspective Invited addross at tho annual conference of the Behavior Analysis
Association of Michigan, Ypsilanti, Michigan.

Michael, J. (2001, February 5). Strokes of genius: Conceptual and practical breakthroughs in bohavior
analysis. Invited address presented at the annual conference of tho California Association for Bohavior
Analysis, San Francisco, California.

Michael, J. (2000, September 22). Forgetting and remomboring from a behavioral perspective.
Invitod addross presented at tho annual conference of tho Florida Association for Bohavior
Analysis, Daytona, Florida.

Michaol, J. (2000, September 21 ). Strokos of genius: Conceptual and practical broakthroughs in bohavior
analysis. Keynote address presented at the annual conforenco of tho Florida Association for Behavior
Analysis, Daytona, Florida.

Michael, J (2000, May 29). Teaching B. F. Skinner's writings. Panel discussion at tho annual conference
of tho Association for Behavior Analysis, Chicago, Illinois.

Michael, J. (2000, May 27). An Introduction to the Association for Behavior Analysis. This was a one-
hour welcome presentation, a part of the 25th annual conference of tho Association for Bohavior
Analysis in Chicago. This is the newcomer’s program, started by Scott Wood, and mo and given every
year at the beginning of tho conference.

Michael, J. (2000, March 9). Why behavior doos not occur as we would like: 'Cognitive Sins of Memory"
from a behavioral perspective. Invited address at the annual conference of the Bohavior Analysis
Association of Michigan, Ypsilanti, Michigan.

Michael, J. (2000, Fobruary 5). Strokes of genius: Conceptual and practical breakthroughs in behavior
analysis Invitod address presented at tho annual conference of tho California Association for Bohavior
Analysis, San Francisco, California

Michael, J. (1999, October 29). Strokes of Genius: Conceptual and Practical Breakthroughs in Bohavior
Analysis. Invited addross at tho annual conference of tho Bohavior Analysis Socioty of Illinois (BASIL).

Michael, J. (1999, September 23). Skinner's Analysis of Private Events-The Basis o f Radical
Bohaviorism Bonus Mastor Lecture presented at tho annual conference of the Florida Association for
Behavior Analysis, Tampa, FL.

Michael, J. (1999, September 23). Sklnnor's Interpretation o f Language Complexities: Beyond


the Mand and tho Tact. Invitod Mastor Lecture presented at tho annual conferonco of tho Florida
Association for Behavior Analysis, Tampa, FL.

Michaol, J. (1999, May 29). Reflections on Twenty-Five Yoars of ABA: Past, Present, and Future. Part
of a panel discussion at the annual conference of The Association for Behavior Analysis in Chicago.

Michael, J., Hixson, M., & Shafor, E. (1999, May 27). Language Research in Autism: Implications
for Our Understanding o f Verbal Behavior Fifty minutes invitod address at the annual conference
of Tho Association for Behavior Analysis in Chicago.
Michael, J. (1999, May 27). Scott Wood and I did a ono-hour welcome presentation, An Introduction
to the Association for Behavior Analysis This was a part of the 25th annual conference of the
Association for Bohavior Analysis in Chicago. This is the newcomer’s program, started by Scott
Wood, and given overy year at the beginning of the conference.

Michael, J. (1999, March 18) Distinguishing Between Discriminative and Learned Motivativo
Functions of Stimuli. Fifty minutes invited address presented at the annual conference of The
Behavior Analysis Association of Michigan (BAAM).

Referências
Ailing, K. L. (1990) The effects o f a conditioned establishing operation on performance o f two
component chain. Dissertação de mestrado. Westorn Michigan University, Kalamazoo, Ml.

da Cunha, R. N. (1993). An experimental demonstration of the transitive conditioned establishing


operation with pigeons. Tese de doutorado. Western Michigan University, Kalamazoo, Ml.

da Cunha, R. N. (1995) Motivação e análise do comportamonto Temas em Psicologia, 3, 11-18.

da Cunha, R. N. (2000). Motivação: uma tradução comportamontal. In R. C. Wiolenska (Org.), Sobre


Comportamento e Cognição - questionando a teoria e as intervenções clinicas em outros contex­
tos, Vol. 6 (1st od., pp. 78-82). Santo André: ESETec Editores Associados.

http:/www.Wmich edu/psychology/faculty/michael.html (em 15/04/2003).

Iwata, B. A., Smith, R. G., & Michael, J. (2000). Current research on thoir influence of establishing
operations on behavior in applied settings. Journal o f Applied Behavior Analysis, 33, 411-418.

Kellor, F. S., & Schoenfold, W N (1974) Princípios de psicologia - Um texto sistemático na


ciôncia do comportamento (Trads. C. M. Bori & R. Azzi). São Paulo: Editora Pedagógica Univer­
sitária. (Trabalho original publicado om 1950.)

McPherson, A , & Osborne, J G. (1986). The emergence of establishíng-stimulus control.


Psychological Record, 36, 375-386.

McPhorson, A., & Osborno, J. G. (1988). Control of behavior by an establishing stimulus. Journal
of the Experimental Analysis of Behavior, 49, 213-227.

Michael, J. (1982). Distinguishing between discriminative and motivational functions of stimuli


Journal of the Experimental Analysis o f Behavior, 37, 149-155.

Michael, J. (1988). Establishing operations and the mand. The Analysis o f Verbal Bohavior, 16,
191-206.

Michael, J. (1993). Establishing Operations. The Behavior Analyst, 16, 191-206.

Michael, J. (2000). Implications and refinements of establishing operation. Journal o f Applied


Behavior Analysis, 33, 401-410.

Millenson, J. R. (1967). Principles o f behavioral analysis. New York: Macmillan.

Skinner, B. F. (1938). The Behavior o f Organism. New York: Applenton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (2000). Ciôncia e Comportamento Humano (Trads. J. C. Todorov & R. Azzi.). São
Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953.)
Sundberg, M. L. (1993). The applications of establishing operations. Tho Behavior Analyst, 16,
211-214.

Vollmor, T. R., & Iwata, B. A. Establishing operations and reinforcement effects. Journal o f Applied
Behavior Analysis, 24, 279-291.

WMU News. http:/www.wmich.edu/wmu/news/2002/0212/0203-162.html (15/04/2003).

Sobrr C'omportumcntoeCofjmv'Jo 33
= - Capítulo 3
Contribuições de Israel Qoldiamond para o
desenvolvimento da Análise do
Comportamento1

Lincoln dd Silva C/imencs


UnH
T.V.Joe Layng
/ Icddsproul, Inc.
Pdu! 1. Andronis
Northern Michigdn L/n/vcrsily

Israel Goldiamond nasceu na Ucrânia em 1 de novembro de 1919 e faleceu em


Chicago em 19 de novembro de 1995, aos 76 anos, deixando esposa, a socióloga Betty
Johnson Goldiamond, alóm de duas filhas e um filho. Veterano da Segunda Guerra
Mundial, começou seus estudos tardiamente, tendo obtido seu título de doutor em 1955,
pela University of Chicago, na área de percepção.

Figura 1. Israel Goldiamond com a esposa, Betty Goldiamond, em


sua residência em Chicago, em maio de 1993 (foto de L. Gimenes).

* l-A to IrHtMiltX) è d t t d le a d o á m u tr tó d u d o A f t a n ia r l a C o u ü n tK ) M lb e fcí) A n a in u r t a f c * a prttTKtira a h ir u i l> ra«étattti o r i o n t u d a p o r Itw ael G o H t n m o n f l , » a U n lv iiraD y


o f C h i c a g o , I w id o u o n d u id o m u d o u k M u d o e » n 1 9 / 9
Seu primeiro posto de professor foi na Southern Illinois University, onde começou
sua carreira de analista do comportamento, a partir de uma associação com Nathan Azrin e
outros analistas do comportamento que lá trabalhavam. Suas outras afiliações foram na
Ari/ona State University, na Johns Hopkins University, no Institute for Behavioral Research,
onde atuou como diretor e, a partir de 1968, na University of Chicago onde permaneceu até
sua aposentadoria, em 1994. Nessa sua trajetória, teve oportunidade de trabalhar com ou­
tras figuras expoentes da Análise do Comportamento, como Fred Keller, Joe Brady, Arthur
Bachrach, Jack Michael, S. Pliskoff, Murray Sidman, entre outros. Essas associações fo­
ram fortuitamente reproduzidas no primeiro conselho editorial do Journal of Applied Behavior
Analysis, que pelo menos por sua importância histórica - talvez a mais brilhante constela­
ção de analistas do comportamento - merece uma apreciação especial.

Quadro 1. Primeiro Conselho Editorial do Journal of Applied Behavior Analysis (1968: Vol. 1, No. 1)

Montrose M Wolf, University of Kansas, Editor


Donald M. Baer, University of Kansas, Editor Associado
Victor G. Laties, Univorsity of Rochoster, Editor Exocutivo
Teodoro Ayllon, University of Pennsylvania
Nathan H. Azrin, Anna State Hospital
Albert Bandura, Stanford University
Wesley C. Becker, University of Illinois, Urbana
Jay S. Birnbrauer, University of North Carolina
Charles B. Ferster, Georgetown University
Israel Goldiamond, University of Chicago
James G. Holland, Univorsity of Pittsburgh
Fred S. Keller, Western Michigan University
Peter J. Lang, University of Wisconsin
Ogden R. Lindsley, University of Kansas
O. Ivar Lovaas, University of California at Los Angeles
Jack L. Michael, Western Michigan University
Gerald R Pattorson, University of Oregon
Todd R Risley, University of Kansas
James A Sherman, Univorsity of Kansas
Murray Sidman, Massachusetts General Hospital and Harvard Medical School
Gerald M. Siegel, University of Minnosota
B. F. Skinner, Harvard University
Joseph E. Spradlin, Parsons Research Center
Arthur W. Staats, University of Hawaii

Em 1970, Goldiamond sofreu um acidente automobilístico que o deixou paraplégico


e preso a uma cadeira de rodas. Isso, entretanto, não o removeu de suas atividades de
ensino, de pesquisa e de terapeuta; pelo contrário, passou a ser um contribuidor também
na área de necessidades especiais e um advogado ferrenho do deficiente físico.
Em 1974, Goldiamond foi o primeiro presidente da Midwestern Association for Behavior
Analysis (MABA), que foi a precursora da Association for Behavior Analysis (ABA).
A bibliografia de Goldiamond reflete as diferentes áreas pelas quais ele incursionou,
tendo orientado dezenas de alunos de pós-graduação advindos de diferentes áreas do
conhecimento. As teses por ele orientadas foram tanto teóricas quanto em pesquisa básica
animal e humana, e pesquisa aplicada. O seu programa de treinamento considerava a
importância de expor seus alunos a essas três vertentes da análise do comportamento.
Pessoalmente, Izzy (após a utilização desse nome durante 20 anos de convivên­
cia, ó muito dificil nos referirmos a ele como Goldiamond. O faremos apenas em respeito
a formalidade deste trabalho) era uma pessoa de personalidade bastante forte, algumas
vezes até mesmo turrão, e um defensor incondicional do behaviorismo radical. Mas com
uma visão periférica privilegiada capaz de assimilar aquilo que de proveitoso as outras
disciplinas podiam contribuir para o desenvolvimento da área. Mesmo um guerreiro
imperdoável nas batalhas com os críticos da Análise do Comportamento, sabia também
ser generoso nas oportunidades que oferecia aqueles que tiveram a chance de conviver
academicamente com ele. Harzen (1995) foi bastante feliz em seu curto obituário ao
salientar algumas das características de Goldiamond.
Elo era um homem de cultura, e era um professor que, ao invés de
treinar seus estudantes, os educava. Por meio deles, a sua influôncia se esten­
de à muitas partes do mundo. Eu não o conhecia muito bem, mas acredito que
sua vida pessoal ó merecedora de uma biografia que seria uma fonte de
encorajamento para muitos: espero que um de seus estudantes a escreva um
dia. Todos nós, behavioristas ou não, que temos dovotado muito de nossas
vidas buscando entender as ações humanas, perdemos um expoente entre nós.
Peter Harzen

Para fins do presente capítulo, as contribuições de Goldiamond serão consideradas


em três apreciações de diferentes trabalhos marcantes que ainda hoje são essencialmente
contemporâneos.

A Matriz segundo Goldiamond: uma nova visão de mundo


Em um filme de sucesso recente (Matrix), o personagem principal, Neo, é con­
frontado com um desafio que ninguém antes dele conseguiu superar. É, neste momento,
que o treinamento de Neo e sua nova visão de mundo se fundem e, pela primeira vez, ele
realmente “vê" a Matriz naquilo que ela realmente é, no lugar daquilo que ele uma vez
pensou que ela fosse. Ele perscruta na Matriz, vendo as variáveis representando as rela­
ções funcionais que explicam como as pessoas que residem na Matriz a vêem e sentem.
Aqueles que têm tido sorte o suficiente para mergulhar nos três trabalhos clássicos de
Israel Goldiamond, Perception (1962), Response Bias and Perceptual Communication
(1964a), e Perception Language and Conceptualization Rules (1966), têm freqüentemente
experimentado algo similar à epifania de Neo. Simplesmente ler os trabalhos, ou ser
informado sobre eles, pouco provavelmente produzirá tal compreensão do tipo Neo.
Devemos, como Neo teve que aprender, vivenciá-los.
Relendo os trabalhos para preparar este capítulo, ficamos surpresos de como
esses trabalhos modelaram nossas vidas e nossa visão de mundo. Foi um retorno a
nossas raízes, à análise procedimental que a princípio pode parecer demasiadamente
precisa e lógica, mas de fato fornece uma riqueza e apreciação pelas variáveis
responsáveis pela maneira como vemos o mundo, e mais - como nós explicamos o que
nós vemos. Goldiamond foi um apaixonado pelo estudo de percepção. Ele amava sua
precisão e as questões levantadas. Ele foi talvez o primeiro a entender que os
procedimentos e muitos experimentos em percepção podiam esclarecer perguntas criadas
por analistas do comportamento, e que a análise do comportamento podia esclarecer
muitas das excelentes perguntas geradas por investigadores de percepção. Isso foi muito
além do uso de métodos experimentais operantes para obter dados perceptivos de sujei­
tos não-verbais como pombos, ou empregar procedimentos perceptuais ou da Teoria de
Detecção de Sinais (ver Green & Swets, 1973) para elucidar perguntas comportamentais.
Ao invés disso, forneceu um quadro de referência sistemático baseado no trabalho de
ambas as áreas para prover uma compreensão da complexidade do responder discriminativo
e o que nós dizemos sobre isto. Goldiamond fornece uma explicação de controle de
contingência ponto a ponto, que de uma vez abarca o conceito de significado e ao mesmo
tempo o desconstrói na matriz contingencial.
Goldiamond descreve as variáveis críticas que se devem considerar quando tentan­
do entender comportamento discriminativo complexo. Entre essas estão os conceitos de
classe de estímulos, incluindo relações de estlmulo-estímulo, relações de resposta-respos-
ta, controle discriminativo instrucional e abstracional e a restrição e expansão de classes
alternativas de estímulo-resposta, controle de estímulos dimensional pelo qual as respostas
podem ser restringidas, freqüência de resposta ou viés, variáveis de estado - aqueles even­
tos "motivadores” (Goldiamond mais tarde as chamou de variáveis potenciadoras) que vie­
ram a ser descritos como operações estabelecedoras (e mesmo mais recentemente nova­
mente como eventos motivadores) que tomam as relações de contingência efetivas, uma
variável pouco considerada, mas extremamente importante, o critério de avaliação formal ou
informal do investigador (ou da natureza) ou "crivo de apuração," e a variável que funde todas
as outras em uma função comum, conseqüências contingentes. Ele nos inicia em uma
jornada de descoberta que, embora não descrita explicitamente a não ser em referência á
Teoria de Detecção de Sinais, eventualmente nos dirige para seu brilhante artigo de 1975,
Altemative Sets, e seu trabalho posterior estendendo sua aplicação para a compreensão de
fenômenos clínicos complexos.
Não é como cada uma dessas variáveis operam sozinhas, mas como elas ope­
ram juntas que dá ao tratamento realizado por Goldiamond seu poder e elegância. Em seu
artigo de 1964, aprendemos como a apresentação parcial de estímulos pode operar, da
mesma forma que instruções, para enviesar ou restringir nossas alternativas de resposta,
e canalizar uma história de responder para interagir com condições atuais de estímulos
para produzir uma classe de respostas que iguala-se a uma classe de estímulos como
requerido pelas contingências conseqüenciais reinantes. Vemos como variáveis de crivo
de avaliação podem ser mudadas para alterar nossa interpretação de dados ‘‘empíricos",
incluindo o "efeito de festa” (cocktail party effecf). Ele nos ensina a lição valiosa que
configurações de apresentação de estímulos (afora os estímulos propriamente ditos) podem
agir para fornecer controle instrucional sobre o comportamento (isto é, canalizar uma
história de respostas à categorizações) e produzir padrões de comportamento que parecem
requerer variáveis mediacionais (necessidades, impulsos, pensamentos etc.), ou variáveis
relacionais supra controladoras hipotéticas para explicá-los (como no caso de relações de
estímulo-estímulo no pré-condicionamento sensorial). Nós entendemos as diferenças
procedimentais que definem percepção subliminar e subcepção, e como essas diferenças
podem ser controladas, analisadas, e explicadas. Nós podemos começar a entender o
locus de controle em instrução hipnótica, e em relações S-S hoje investigadas sob o
rótulo, "equivalência de estfmulos."
Em seu artigo de 1966, Goldiamond nos introduz às diferenças e igualdades entre
perceptos e conceitos e sua relação com abstração, como também a interação entre
controle de estímulos instrucional, abstracional, e dimensional. Ele fornece um programa
de demonstração que mostra como estímulos podem ser seqüenciados para transferir
controle de estímulos de uma dimensão de identificação de letras para uma de "significa­
do” apresentando estímulos de modo a canalizar o treinamento passado de categorização
para facilitar não só a transferência de controle de letras para significado, mas em última
instância rejeitar corretamente uma palavra (SA) contendo a letra que começou a série
como S . Começamos a ver que nossas classificações, classes de estímulos, classes de
respostas, crivos de apuração, e motivações, são todos intrincadamente ligados para
construir o mundo que nós pensamos que conhecemos.
Por último, vemos que a análise não é só importante para a investigação de
laboratório, mas é importante para a investigação clínica também. Muito do esforço de
diagnóstico clínico é governado pelo interrogatório sobre a percepção do indivíduo - do
mundo e de si mesmo. O que governa como o mundo é percebido, ou como estímulos
ambíguos vindos de outros ou do próprio indivíduo guiam seu responder? Goldiamond
oferece um caminho para contatarmos o mundo perceptivo de nossos pacientes ou clien­
tes, especificar as variáveis relevantes, entender que os comportamentos que estamos
observando são resultados destas variáveis e assim podem ser mudados. Nós também
aprendemos que a melhora de um indivíduo pode ser tanto uma função da congruência do
crivo de apuração como qualquer outra coisa, isto é, nós sabemos que nossos pacientes
alcançaram “insight" quando eles começam a descrever a matriz de relações que define
seu mundo da mesma forma que nós o faríamos.
Finalmente, começamos a ver como as variáveis e as relações descritas nestes
três grandes trabalhos juntam-se em uma matriz de relações para nos prover um meio
para fazer contato com o "contexto" que nós freqüentemente nos esforçamos tão arduamente
para investigar. Como notado anteriormente, a visão de Goldiamond da matriz de relações
não envolve simplesmente se aplicar análise de contingência comportamental para resolver
problemas perceptivos, ou abordagens perceptivas para esclarecer análise de contingência
comportamental, ao invés disso fornece uma descrição da matriz que inclui todas elas.

Alternativo Sets: Uma mudança no paradigma


Ao longo de sua carreira, o foco de Goldiamond, quer em seu trabalho experimen­
tal, teórico, ou aplicado, foi na definição e análise precisas de relações complexas de
contingências, e em particular, relações não-lineares. Como apresentado anteriormente,
em seus primeiros trabalhos analisou os tipos de matrizes de relações de conseqüências
que governam os produtos de vários arranjos procedimentais usados comumente em ex­
perimentos de percepção e de escolha (ver, por exemplos, Goldiamond, 1958; 1959a;
1962; 1964; 1966; Goldiamond e Hawkins, 1958).
Estas análises forneceram uma visão seminal importante mas essencialmente
molar das matrizes de relações encontradas em percepção, processos de decisão, e
conceitualizaçâo, áreas até então amplamente negligenciadas na análise experimental
do comportamento. Mas esses vantajosos aspectos de visão molar nos é de grande
ajuda para racionalizar somente os tipos de matrizes de relações relativamente estáticas
que nós podemos arranjar sob condições altamente controladas de laboratório, ou para
interpretar os resultados daquilo que nós classifica m o s como m atrizes de relações
similares em ambientes naturais amplamente não controlados. Eles freqüentemente
resumem produtos comportamentais gerais para uma janela temporal fixa, em lugar de
descrever interações continuas mais dinâmicas entre variáveis no fluxo comportamental,
e portanto, podem ser limitados em sua utilidade para a análise de controle demandada
pelos problemas fluidos e complicados tipicamente encontrados em situações aplicadas
(uma distinção que Goldiamond, em suas conferências em Chicago, comparava à
distinção entre hidrostática e hidrodinâmica). Esta limitação foi superada com o artigo
de Goldiamond (1975) conhecido como “Alternative sets!'.
Este é talvez o trabalho teórico mais importante de Goldiamond, mas também o
mais difícil e provavelmente menos lido. O artigo é importante por várias razões, e em vários
níveis. De uma perspectiva científica, nos introduz a uma visão molecular (e explicitamente
procedimental) de mecânica da contingência que conduz para um produto molar na matriz
de relações; disseca o fluxo comportamontal em termos de matrizes parciais formalmente
definidas, e explica simultaneamente contingências concorrentes e a interação dinâmica
entre suas variáveis definidoras no transcorrer do tempo. O valor real desta abordagem,
porém, não está simplesmente no fornecimento de uma análise formal elegante e explícita
do fluxo comportamental (algo que ambos os modelos cognitivo e etológico de sistemas de
respostas hierárquicas também reivindicam fazer). A formulação de conjuntos alternativos é
amarrada tanto á exatidão das definições procedimentais de uma ciência empírica do com­
portamento, quanto à resolução dos tipos de problemas complexos tratados por analistas
do comportamento aplicados trabalhando em férteis (e ruidosos) ambientes naturais.
Goldiamond explicou esta análise usando um inventivo sistema de notações parecido com
conjuntos de registros de eventos planos simultâneos descrevendo mudanças coordenadas
em estados do ambiente e do comportamento, com relógios e contadores adicionados para
definir requisitos de freqüência ou temporais da contingência. O sistema nos permite planejar
experimentos que de outra forma poderiam não nos ocorrer, e para reavaliar e melhor solu­
cionar dados experimentais problemáticos e quebra-cabeças explicativos advindos de arran­
jos experimentais de laboratório traçados em termos de condições não-lineares (como es­
quiva não-discriminada). Restringe nossas próprias respostas analíticas, face à matrizes de
contingência complexas, à relações entre variáveis contingenciais explícitas e manipuláveis
que agem em consonância ao longo do tempo. Enquanto formulações tradicionais tratam
instâncias do comportamento principalmente no contexto de uma álgebra de variáveis intra-
contingência (como estímulos instrucionais, esquemas de reforço, variáveis motivacionais,
e assim por diante), a análise de conjuntos alternativos de Goldiamond fornece um cálculo
de relações entre-contingências.
A mudança de paradigma proclamada pela formulação de conjuntos alternativos
de Goldiamond (1975) ainda não penetrou substancialmente nas áreas experimentais,
teóricas, ou aplicadas da ciência comportamental. O estilo de apresentação do artigo
mais se assemelha a um texto de matemática do que à tradicional psicologia
comportamental, mas o resultado do domínio de seu poder analítico é exatamente paralelo
à contribuição da matemática para a engenharia física e mecânica, e pode nos levar a uma
ciência imensamente mais acreditável e uma tecnologia comportamental mais útil do que
pode os benefícios limitados de uma tradicional psicologia comportamental. Como outras
inovações e técnicas importantes e mudanças nas visões de mundo, esta é difícil de
apreender e difícil de encampar, mas provavelmente nos fomece um aumento quântico em
nossa habilidade para entender e controlar comportamento.
De um ponto de vista mais diretamente prático, a formulação dos conjuntos alter­
nativos subsidia e racionaliza um trabalho anterior, mas não menos importante, que nos
leva “em direção a uma Abordadagem Construcional" de problemas sociais e
comportamentais (outra obra-prima de Goldiamond subapreciada que ainda não teve o
impacto na área como deveria ter tido).

Abordagem Construcional: um modelo terapêutico baseado em fundamentos


éticos
A Abordagem Construcional de Goldiamond ó predicada na ubiqüidade, e
transparência resultante, de contingências concorrentes nas quais os sérios problemas
sociais e comportamentais estão sempre inseridos. Colocando estes problemas diretamente
no contexto de seus conjuntos alternativos de relações de contingência nos força a tratar
as relações entre-contingências controladoras envolvidas. Além disso, também remete à
discussão social mais ampla das preocupações sobre graus de liberdade comportamental
levantadas pela possibilidade de controle comportamental prescritivo, de uma maneira
melhor articulada e tecnicamente mais satisfatória do que a exploração pioneira apresentada
por Skinner (1971). A análise de Goldiamond fornece, em termos de matrizes de
contingências e alternativas disponíveis, um exame transparente e completamente iluminado
das implicações éticas e legais de tecnologias comportamentais efetivas (em verdade,
entre suas preocupações explicitas na Abordagem Construcional estão as questões
levantadas pelo controle social prescritivo sobre o comportamento individual).
Apesar de sua preciosidade, a Abordagem Construcional não teve ainda o impacto
que poderia ter tido na área. Parece, no entanto, que continua a despertar interesses e
começa a ser resgatada. Recentemente, o artigo original foi reimpresso em Behavior and
Social Issues (vol. 11, 2002) acompanhado de comentários por especialistas na área. A
densidade do trabalho é refletida no tamanho do mesmo, com certeza um dos mais longos
artigos publicados em periódicos (84 páginas). Isso, além do enorme número de notas de
rodapé (88), talvez tenha contribuído para dificultar a sua leitura bem como sua utilização
em disciplinas de graduação e pós-graduação. Na sua originalidade e complexidade o
texto, trata de tópicos como a Constituição americana, contratos sociais, análise experi­
mental do comportamento, o modelo médico, instrução programada, liberdade civil, teoria
de detecção de sinais, entre outros. Mas, como afirmou Knapp (2002),
...quantos ontre nós estavam preparados para tô-los integrados numa formula­
ção que ó conceituai e teórica, que direciona a atividade do terapeuta num nível
geral de formulação de problema e geração de soluções, mas que também cria
um procedimento de entrevista que leva a um programa de tratamento (ensino)
acompanhado de registros clínicos (manifestos em formulários específicos),
tudo isso racionalizado com uma ótica integrada (p. 199).

Comentando sobre o artigo de Goldiamond, Glenn (2002) salienta uma importante


característica da proposta construcional: embora analítico-comportamental por natureza,
outras orientações teóricas poderiam também desenvolver modelos construcionais. Reco­
nhecendo as abrangências de sua proposta, Glenn afirma que:
Goldiamond reconhecia a possibilidade inerente de so trabalhar com outros
profissionais para desenvolver uma abordagem construcional para resolver pro­
blemas sociais através da mudança dos amplos sistemas nos quais os agen­
tes de mudança comportamental operam. Ele devo tor sido um dos primeiros
analistas do comportamento, depois de Skinner, a descrever como contingênci­
as culturais tanto limitam quanto sustentam as contingências comportamentais
que explicam o comportamento dos indivíduos (p. 203).

Bibliografia de Israel Goldiamond


A seguir apresentamos a bibliografia completa de Israel Goldiamond. Uma leitura
cuidadosa dos títulos produzidos por Goldiamond nos permite apreciar as diferentes áreas
pelas quais ele transitou, demonstrando as diversas possibilidades da Análise do Com­
portamento. O objetivo dessa apresentação é despertar o leitor para conhecer e desfrutar
a obra de um dos mais entusiastas analista do comportamento. (A utilização de um O
indica que o trabalho foi traduzido para a língua portuguesa.)

Andronis, P. T., Layng, T V., & Goldiamond, I. (1997). Contingency adduction of “symbolic
aggression" by pigeons. The Analysis of Verbal Behavior, 14, 5-17.

Azrin, N. H., Holz, W., Ulrich, R., & Goldiamond, I. (1961). The control of contont of conversation
through reinforcement. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 4, 25-30.

Azrin, N. H., Holz, W., & Goldiamond, I (1961). Response bias in questionnaire reports. Journal
o f Consulting Psychology, 25, 324-26.

Eysenck, H. J. (Ed.). (1964). Experiments in Behavior Therapy. Oxford: Pergamon.

Flanagan, B., Goldiamond, I., & Azrin, N. H. (1959). Instatement of stuttering in normally fluent
individuals through operant procedures. Science, 130, 979-81.

Gimenes, L. S., Andronis, P. T., & Goldiamond, I. (1987) Estudo de algumas variáveis do proce­
dimento na defecação induzida por esquomas de reforçamento. Psicologia; Teoria e Pesquisa,
3(2), 104-116.

Gimenes, L. S., Andronis, P. T., & Goldiamond, I. (1988). Defecação induzida por esquema
múltiplo de reforçamento. Ciência e Cultura, 40(11), 1121-1123.

Goldfried, M. R., & Morbaum, M. (Eds). (1973). Behavior Change through Self-Control. New York:
Holt, Rinehart, & Winston. Hartung, M (Ed ). (1973). SelbstKontrolle (od trad.). Munich: Urban &
Schwartzenberg.

Goldiamond, I. (1955). Serial effect as a function o f type o f indicator used. Tese de doutorado não
publicada. The University of Chicago.

Goldiamond, I. (1958). Indicators of perception. I. Subliminal perception, subception, unconscious


perception; an analysis in terms of psychophysical indicator methodology. Psychological Bulletin,

Sobrr C'orriporf.imonfo c
55, 373-411. Roimpresso em: The Bobbs-Morrill Reprint Series in the Social Sciences. (1965).
Indianapolis: Bobbs-Merrill.

Goldiamond, I., & Hawkins, W. F. (1958) Vexierversuch: the log relationship between word-
frequency and recognition obtained in the absence of stimulus words. Journal o f Experimental
Psychology, 56, 457-63.

Goldiamond, I. (1959a). The hysteria over subliminal advertising as a misunderstanding of


science. American Psychologist, 14, 598-99. (Condensação de: Statement to the New Jersey
Commission to Study Subliminal Projection. Final Report o f the Commission. Trenton, NJ: State
Superintendent of Public Documents, May 1959, pp. viii-xii.)

Goldiamond, I. (1959b). Visual signal detection, perception, and response variablos as functions
of dovolopmont and montai rotardation. Rolatório Final; U S Office o f Health, Education, &
Welfare, Cooperative Research Project, 776(6471), 1-179. Carbondale; Southern Illinois
Univorsity, 1959.

Goldiamond, I., & Flanagan, B. (1959) Operant stuttering: the use of delayed feodback as
aversive stimulus in the operant control of stuttering. Journal o f the American Speech and
Hearing Association, 1, 93

Goldiamond, I. (1960a). Blockod spoech communication and delayed feedback: an experimen­


tal analysis. AFCCDD, Technical Report, 60-37.

Goldiamond, I. (1960b). The temporal development of fluent and blocked spoech communication.
AFCCDD, Technical Report, 60-38.

Goldiamond, I., & Malpass, L. F (1961). Locus of hypnotically induced changes in color vision
responses. Journal o f the Optical Society o f America, 1117-21.

Goldiamond, I. (1962a). Perception. In A. J. Bachrach (Ed.), I/?e experimental foundations of


clinical psychology. New York: Basic Books, 280-340. (*)

Goldiamond, I. (1962b). Machine definition of ongoing silent and oral reading rate. Journal o f the
Experimental Analysis o f Behavior, 5, 363-67.

Goldiamond, I. (1962c). The maintenance of ongoing fluent verbal bohavior and stuttering. Journal
o f Mathotics, 1(2), 57-95.

Goldiamond, I., Atkinson, C. J., & Bilger, R. C. (1962). Stabilization of bohavior undor prolonged
exposure to delayed auditory feodback Science, 135, 437-38.

Goldiamond, I. (1963). A multi-purpose perceptual devico. Journal o f the Experimental Analysis


of Behavior, 6, 291-92.

Goldiamond, I (1964a). Response bias in perceptual com m unication In D isordors o f


Communication. Research Publications of the Association for Research in Nervous and Mental
Diseases, 42, chap., 23.

Goldiamond, I (1964b). A research and demonstration procedure in stimulus control, abstraction,


and environmental programing. Journal of the Experimental analysis o f Behavior, 7, 216.

Goldiamond, I. (1965a). Stuttering and fluency as manipulatablo operant responso classes. In


L. Krasner & L. P. Ullman (Eds.), Research in Bohavior Modification. New York: Holt, Rinehart, &
Winston (*). (Reimpresso em Sloane, H. N., & MacAuloy (Eds.). (1968). Operant Procoduros in
remedial Speech and Language Training. Now York: Houghton-Mifflin.)

Goldiamond, I. (1965b). Justified and unjustified alarm over behavioral control. In O. Milton (Ed.),
Bohavior Disorders: Porspoctives and Trends {pp. 237-61). New York: J. B. Lipincott.

Goldiamond, I. (1965c). Architectural space and media in the planning o f learning processes.
University of Iowa: Tenth Annual Audiovisual Leadership Conference.

Goldiamond, I (1965d). Self-control procedures in personal behavior probloms. Psychological


Roports, 17, 851-68 [Monograph Supplement 3-V 17], (Reimprosso om: Ulrich, R. W., Stachnik,
T. J., & Mabry, J. H. (Eds.) (1965). The Control o f Human Behavior. Chicago: Scott Forosman, and
Company.)

Goldiamond, I., & Pliskoff, S. (1965). Music education and tho rationale underlying programed
instruction. Music Education Journal, (4), 43-47, 190-95.

Goldiamond, I., Dyrud, J., & Miller, M. (1965). Practice as rosoarch in professional psychology.
Canadian Psychologist, 6a( 1), 110-128.

Goldiamond, I. (1966). Perception, language, and conceptualization rules. In B. Kleinmuntz


(Ed.), Problem Solving, chap. 8. Now York: John Wiley & Sons.

Goldiamond, I., & Dyrud, J E. (1966). Reading as operant behavior. In J. Money (Ed.), Tho
disabled Reader: Education o f the dyslexic Child, chap. 7. Baltimore: Johns Hopkins.

Goldiamond, I. (1968) Moral behavior: a functional analysis. Psychology Today, 2(9), 31-34, 69-
70. (Reimpresso em: Readings for Psychology Today. (1969). Del Mars, CA: CRM Books.)

Goldiamond, I. (1968). Programs, paradigms, and procedures. In H. L. Cohen, I. Goldiamond, J.


Filipczak & R Poofey (Eds ), Training Professionals in Procedures for tho Establishment o f
Educational Environments: a Report on the CASE Training Institute (CTI). Silver Spring, MD:
Institute for Behavioral Research.

Goldiamond, I., & Dyrud, J. E. (1968). Some applications and implications of behavioral analysis
for psychotherapy In J. M. Shlien (Ed ), Research in Psychotherapy (pp. 54-89). Washington:
American Psychological Association

Goldiamond, I. (1969). Applications of operant conditioning. In C. A. Thomas (Ed.), Current


Tronds in Army Medical Service Psychology (pp. 198-231). Department of tho Army, Fitzsimmons
General Hospital

Goldiamond, I. (1970). (Section Ed ). Human Control over human Bohavior (pp. 254-406). In
Werthoimer, M. (Ed.), Confrontation: Psychology and the Problems of Today. Glenview: Scott
Forosman, and Company.

Goldiamond, I. (1973?). A diary of solf-modification. Psychology Today, 11, 95-102. (Traduzido


om: Psychologie (Paris), 1974.)

Goldiamond, I. (1974). Toward a constructional approach to social problems: ethical and


constitutional issues raised by applied bohavior analysis. Behaviorism, 2(1), 1-84. (Reimpresso
om: Behavior and Social Issues, 11, 108-197, 2002. Reimpresso condensado em; Franks, C.
M., & Wilson, G. T. (1975). (Eds ), Annual Review o f Behavior Therapy, Theory, and Practice, 5.
New York: Brunner-Mazel.
Goldiamond, I. (1975a). Alternative sets as a framework for behavioral formulations and research.
Behaviorism, 3(1), 49-85.

Goldiamond, I. (1975b). Singling out behavior modification for legal regulation: some effects on
patient care, psychotherapy, and research in general. Arizona Law Roviow, 17( 1), 105-26.

Goldiamond, I. (1975c). Self-image and self-concepts N ational Paraplegia Foundation


Conference Procoodings (pp. 74-83). Washington, D.C. (Trabalho original publicado em 1974.)

Goldiamond, I. (1975d). A constructional approach to self control. In A. Schwartz & I, Goldiamond


(Eds ), Social casework: a behavioral approach (pp. 131-192) New York: Columbia University.

Goldiamond, I., & Schwartz, A. (1975). The Smith case. In A. Schwartz & I. Goldiamond (Eds.),
Social casework: a behavioral approach (pp. 131-192). New York: Columbia University.

Goldiamond, I. (1976a). Protection of human subjects and patients: a social contingency


analysis of distinctions betweon research and practice, and its implications. Behaviorism,
4(1), 1-41. (Publicado como: Goldiamond, I. On the usefulness of intent for distinguishing
between research and practice, and its replacement by social contingency. The Belmont Report:
Ethical Principles and Guideline for the Protection o f Human Subjects o f Biomedical and
Behavioral Research, Appondix Vol. II, pp 14-73. DHEW Publication No.(OS) 78-0014. Wa­
shington: Government Printing Office.

Goldiamond, I. (1976b). Singling out self-administered behavior therapies for professional


overview American Psychologist, 31, 142-47.

Goldiamond, I. (1976c). Self-reinforcement. Journal of Applied Behavior Analysis, 9, 509-14.


(Reimpresso em: Franks, C. M., & Wilson, G. T. (Eds.). (1977). Annual Review o f Behavior
Therapy, Theory, and Practice, 5. New York: Brunner-Mazel.)

Goldiamond, I. (1976d). Fables, armadyllics, and self-reinforcement. Journal o f Applied Behavior


Analysis, 9, 521-525.

Goldiamond, I. (1976c). Coping and adaptive behaviors of the disabled. In G. L. Albrecht (Ed.),
The sociology o f physical disability and rehabilitation (pp. 97-138). Pittsburgh: University of
Pittsburgh.

Goldiamond, I., A Grip, J. (1976). Where do we go from here? A television series on eight half-
hour cassettes, with work books. City Colleges of Chicago: Learning Resources Laboratory.

Goldiamond, I. (1977a). Insider-outsider problems: A constructional approach. Rehabilitation


Psychology, 22, 103-16.

Goldiamond, I. (1977b). Literary behavior analysis. Journal o f Applied Behavior Analysis, 10,
527-529.

Goldiamond, I. (1977c). A crucial experiment resubmitted. American Psychologist, 32, 669-671.

Goldiamond, I. (1978a). The professional as a double-agent. Journal o f Applied Behavior


Analysis, 11, 178-184.

Goldiamond, I. (1978b). A programming contingency analysis o f mental health. Presidential


address (audio-recording, Midwost Association for Behavior Analysis), 4th Annual Convention
of the Midwest Association for Behavior Analysis, Chicago, IL.
Goldiamond, I. (1979). Bohavioral approaches and liaison psychiatry. Psychiatric Clinics of North
America, 2(2), 379-401

Goldiamond, I. (1984). Training paronts and ethicists in nonlinear bohavior analysis. In R. F.


Dangel & R. A. Polster (Eds.), Parent Training: Foundations of Research and Practice (pp. 504-
546). New York: Guilford.

Layng, T. V., Andronis, R T., & Goldiamond, I. (1999). Animal models of psychopathology: tho
ostablishment, maintenance, attenuation, and persistence of hoad-banging by pigeons. Journal
of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 30(1), 45-61.

Moore, R., & Goldiamond, I. (1964). Errorless establishment of visual discrimination using
fading procedures. Journal o f the Experimental Analysis o f Bohavior, 7, 269-272. Reimpresso
em: Bijou, S. W., & Baer, D. M. (Eds ). (1967). Child Development: Readings in experimental
Analysis. Now York. Appleton-Century-Crofts.

Pliskoff, S. S., & Goldiamond, I. (1966). Some discriminative properties of ratio performance in
tho pigeon. Journal o f tho Experimental Analysis o f Behavior, 9, 1-9.

Rnyfield, F., Segal, M., & Goldiamond, I. (1982). Schedule-induced defecation. Journal of the
Experimental Analysis o f Behavior, 38, 19-34.

Rosenberger, R B., Fischman, M., & Goldiamond, I (1969). Eye movemont as an operant under
discriminative and reinforcing control Communications in Behavior Biology, 4, #11690053.

S. Saporta (Ed.). (1961). Psycholinguistics. Now York: Holt, Rinohart, & Winston. (Reproduzido
de Flanagan, B., Goldiamond, I., & Azrin, N. H. (1958). Operant stuttering: tho control of stuttoring
behavior through response contingent consequences, Journal o f the Experimental Analysis o f
Bohavior, 1, 173-77.)

Sarason, I. G. (Ed ). (1962). Contemporary Research in Personality. Princeton: Van Nostrand.

Sarbin T. (Ed.). (1961). Studies in Behavior Pathology. Now York: Holt, Rinehart, & Winston.
(Roproduzido do Isaacs, W., Thomas, J., & Goldiamond, I. (1960). Application of oporant
conditioning procedures to reinstate verbal behavior in psychotics. Journal o f Spoech and Hearing
Disorders, 25, 8-12.).

Staats, A. W, (Ed ) (1964). Human Learning. New York: Holt, Rinehart, & Winston

Ullman, P., & Krasner, L. (Eds ). (1965). Case Studies in Behavior Modification. New York: Holt,
Rinehart & Winston.

Whitehead, W. E., Renault, P. F., & Goldiamond, I. (1975) Modification of human gastric acid secretion
with operant-conditioning procedures. Journal of Appliod Bohavior Analysis, 9(2), 74-83.

Referências*
Glenn, S. (2002). Retrospective on Goldiamond's "Toward a construcional approach to social
problems". Behavior and Social Issues, 11, 202-203.

* A » lotiHéncWR qim no loxto so tx o cm IratwltKJS do («nkllnitiorKj p o d « » «nr kxjik/jM li» iu i aoçâo BtWioymftB d«> Iiw im i I G otdlw uond
Green, D. M., & Swets, J. A. (1973). Signal detection theory and psychophysics (2nd ed.).
Huntington, NY: R. E. Krieger Pub. Co., Inc.

Harzen, P. (1995). Israel Goldiamond. [Capturado em 20 de setembro do 2002 de http://


www.geocrawler.com/mail/thread.php3?subject=lsrael+Goldiamond&list=].

Knapp, T. (2002). The Constitution as source and model: the ethical construction of new repertoires
through contingency contracting. Behavior and Social Issues, 11, 198-201.

Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf.
Capítulo 4
Contribuições de Donald Baer para a
Pesquisa e Intervenção

Sue/y Sâ/cs C/uinmrães


UnivcrsuLuk Jc lirasílid

Tive a honra e o privilégio de ser orientada por Don


Baer durante meu doutorado na Universidade de Kansas, no
início da década de 1990. Após retornar ao Brasil, só voltei a
estar com Don, rapidamente, em setembro de 2001, durante
a X Reunião da ABPMC, em Campinas. Naquela ocasião, Don
estava no Brasil a convite da Universidade Católica de Goiás,
por um curto período de tempo e com a agenda cheia. Ainda
assim, insisti muito para que ele visitasse a Universidade de
Brasília, mas sua curta estadia no país e a programação
fechada não permitiram. Entretanto, obtive dele o compromisso
de que retornaria ao Brasil como professor convidado da UnB
e, animada pela promessa, iniciei a preparação de sua vinda
junto ao CNPq e aos colegas. A greve deflagrada pelas universidades federais em 2001
atrasou a definição de uma data, pois o calendário acadêmico para 2002 ficou rm aberto
até o início do ano, quando finalmente pude enviar a Don uma proposta mais detalhada e
informações básicas sobre a categoria de professor visitante. O CNPq oferecia uma
modalidade de visita por menos tempo do que três meses e outra por mais de três meses
até dois anos. Informei as duas, mas obviamente sugeri a segunda.
Em torno do dia 14 de abril, recebi a resposta de Don propondo vir por um mês,
"no mês mais frio de 2003", se meus colegas e eu quiséssemos. Dizia estar lisonjeado
com o convite para lecionar na UnB, mas que havia optado por se aposentar da Universi­
dade de Kansas, em junho de 2002, justamente porque queria fazer algumas coisas atra­
entes - diferentes de lecionar, pesquisar e supervisionar - que vinha planejando ao longo
dos últimos 55 anos. Como havia desenvolvido uma leve condição cardíaca há algum
tempo, concluiu que se quisesse fazer aquelas coisas atraentes seria melhor começar
logo. Por esse motivo, estaria conosco por um mês apenas.
Entretanto, a mim parece que atividades interessantes e atrativas na vida de Don
Baer, jamais excluiriam ensinar e pesquisar. Assim, ele incluiu em seus planos mais uma
vinda ao Brasil quando estaria, como sempre, partilhando seus excepcionais conhecimentos
e sabedoria, ensinando e orientando. Apressei-me então em fazer os arranjos necessários
em minha primeira proposta para ajustá-la ao período de um mês e gerar algum tempo livre
para que Don conhecesse um pouco mais do Brasil, preservando as visitas a algumas
outras de nossas universidades. Entretanto, antes que eu concluísse meus acertos e
respondesse a Don que sim, estaríamos muito honrados em tê-lo conosco por um mês,
ele veio a falecer.
Assim que recebi a notícia do falecimento, meu primeiro pensamento - passado o
enorme choque - foi de que Don jamais faria aquelas atividades atraentes que havia planejado
para quando se aposentasse. Então, de volta a meus dias de estudante de pós-graduação
na pequenina cidade de Lawrence, em Kansas, lembrei-me de sua explicação simples e
natural para o grande trabalho que fazia e sua extraordinária capacidade para entender e
visualizar delineamentos de pesquisa, relações e implicações entre variáveis ou argumentar
sobre propostas de intervenção ou pressupostos teóricos: “estou apenas brincando em meu
playground". E era verdade. Todos que tiveram o privilégio de conviver com Don sabem que a
pesquisa e a vida acadêmica eram para ele atividades divertidas que desempenhava com
alegria e entusiasmo. Retornei a meu primeiro pensamento uma vez mais: talvez Don
realmente não lamentasse muito aquelas coisas atraentes que deixou de fazer, pois ele
continuou se divertindo em seu playground ao longo dos 55 anos em que planejava outras
atividades também atraentes. Eu penso que durante aqueles anos todos, Don emitiu um
comportamento de escolha que estava sendo efetiva e positivamente reforçado. Talvez a
força desse reforçador fosse maior para essas atividades do que para aquelas - e por isso o
grande responsável pela grandiosidade quantitativa e qualitativa da obra deixada por Don.
Ao longo de sua trajetória como analista do comportamento, Don Baer contribuiu
de modo substancial e direto para o desenvolvimento e fortalecimento da analise aplicada
do comportamento tanto no nível básico e conceituai quanto no nível aplicado e na produção
do conhecimento. Logo após seu falecimento, Ed Morris, então chefe do Departamento de
Desenvolvimento Humano e Vida Familiar da Kü, publicou um breve histórico da trajetória
de Don, descrevendo sua rápida projeção no campo da análise do comportamento, cujas
datas usarei para destacar algumas das mais relevantes e reconhecidas de suas várias
contribuições para a psicologia científica. Longe de ser completo, esse destaque aponta
apenas exemplos, suficientes para mostrar o impacto da passagem de Don Baer pelo
campo da análise aplicada do comportamento e por conseqüência, sobre a vida das pessoas.
Don Baer nasceu em 25 de outubro de 1931, na cidade de Saint Louis, no estado
de Missouri. Graduou-se aos 19 anos, pela Universidade de Chicago, e lá obteve também
seu título de Ph.D. em psicologia experimental, sob a orientação de Jacob Gewirtz, em
1957. Doutor aos 26 anos, Don foi contratado pela Universidade de Washington onde, em
parceria com Sidney Bijou, iniciou um brilhante trabalho em análise experimental do
comportamento infantil, que viria a ser um dos grandes pilares de suas contribuições para
a área. A edição revisada da obra mais conhecida desses dois autores (Bijou & Baer,
1961) foi traduzida para o português sob o título O desenvolvimento da criança: uma
análise comportamental, publicado pela editora EPU. Foi por esta obra, que muitos de
nós tivemos como leitura em Psicologia da Infância, que os dois autores ficaram conheci­
dos no Brasil.
Em 1965, Don foi para a Universidade do Kansas, a convite de Francis Horowitz,
trabalhar na estruturação do Departamento de Desenvolvimento Humano e Vida Familiar,
onde viria a ser, 10 anos depois, o primeiro recipiente do “RoyA. Roberts Distingished
Professor ofHuman Development and Family Life at KL/' - título conferido por premiação
a docentes altamente qualificados, cuja contribuição em sua área de trabalho seja de
especial relevância e reconhecimento.
Dois anos após sua admissão na
Universidade de Kansas, Don publicou, em co-
autoria com R. Peterson e Jim Sherman, um dos
artigos mais citados do Journal of Experimental
Analysis of Behavior (JEAB), "The development of
imitation by reinforcing behavioral similarity to a
model” (Baer, Peterson & Sherman, 1967). Neste
mesmo ano, foi fundado o Journal of Applied
Behavior Analysis (JABA), de cuja idealização Don
participou ativamente. Em 1968, saiu o primeiro
número da revista onde, em co-autoria com Mont Wolf e Todd Risley, ele publicou o trabalho
pioneiro e o mais citado do JABA desde sua criação - “Some current dimensions of
applied behavior analysis” (Baer, Wolf & Risley, 1968). Este artigo é uma referência quase
obrigatória nos cursos de pós-graduação e nas discussões conceituais sobre a análise
aplicada do comportamento. Anos depois, com Trevor Stokes, Don publicou o segundo
artigo mais citado do JABA - "An implicit technology of generalization" (Stokes & Baer,
1977). Don foi editor associado da revista em seu primeiro biênio e editor no biênio seguinte,
1970-1971. Após o término de seus mandatos, esteve sempre presente e disposto a
colaborar sobre questões da revista, conforme a solicitação de seus pares.
De 1980 a 1981, Don foi o presidente da Association for Behavior Analysis- ABA
- e, de 1983 a 1984, presidente da Society for the Experimental Analysis of Behavior-
SEAB-, cuja filiação é condicionada a convite formalizado pelos membros da diretoria e
tem duração limitada em oito anos. Don participou por duas vezes deste seleto grupo.
Além desses cargos, Don foi também editor associado e colaborador de diferentes periódicos
especializados, como o Journal of Experimental Child Psychologye o American Journal of
Mental Deficiency.
Autor de mais de 200 obras em análise do comportamento humano (oito livros, 62
capítulos e 138 artigos) e orientador de mais de 150 estudantes de pós-graduação oriundos
de toda parte do mundo, Don influenciou direta ou indiretamente não apenas o pensamento
atual em análise comportamental aplicada, mas também a maneira pela qual os estudos
sobre o desenvolvimento humano têm sido conduzidos. Internacionalmente reconhecido,
ele foi professor visitante em diferentes países, entre eles Austrália, Japão, Espanha,
Nova Zelândia, Noruega e Brasil. Agora em 2003, já aposentado, além de professor visitante
nosso, ele seria também professor convidado na Polônia.
Seus constantes e pontuais questionamentos sobre conceitos relevantes (Riegler
& Baer, 1989), controle e equivalência de estímulos, implicações da modificação do
comportamento, requerimentos para generalização e manutenção de ganhos, avaliação e
identificação de comportamentos alvo e de objetivos importantes para intervenção (Baer,
1988a), entre tantos outros, fizeram vários dos pilares necessários para a construção da
ponte entre a teoria o a intervenção (Baer, 1982). Na pesquisa aplicada, o rigor metodológico
associado a delineamentos exatos, interpretações claras, novos e muitos questionamentos,
a busca constante do próximo passo, contribuíram tanto para a geração do conhecimento
quanto para o aprimoramento e inovação de metodologias adequadas ao estudo do
desenvolvimento humano (Hains & Baer, 1989).
Don foi especialmente lúcido na análise de métodos e delineamentos experimentais
(Baer, 1977; Hains & Baer, 1989), análise e apresentação de resultados, com rica
contribuição sobre o valor de resultados gráficos (Parsonson, & Baer, 1978). Seus
questionamentos e desafios eram um constante estimulo à pesquisa e sugeriam a busca
pela compreensão do desenvolvimento normal e a geração de procedimentos eficazes
baseados em pesquisa empírica, para a educação precoce da criança, e intervenção em
desabilidades desenvolvimentais como autismo infantil e comportamento aberrante crônico.
Seus trabalhos e argumentos eram claros e fundamentados: a pesquisa básica e aplicada
(Baer, 1978) eram a fonte de referência sobre a qual Don estimulava o próximo passo,
questionando de um jeito todo seu: "o que vem depois?" (Baer & Bushell 1981). Suas
contribuições aplicam-se de modo geral a toda área da análise comportamental aplicada
e em especial ao desenvolvimento da criança (Baer, 1988b; Baer & Guess, 1971). O
principal legado de suas propostas para intervenção inclui forte ênfase na análise da interação
entre comportamento e ambiente (Baer, 1997; Baer & Pinkston, 1997), definição de
comportamentos alvo, planejamento, implementação e avaliação de programas construídos
para obter a generalização e permanência dos ganhos (Baer, 1981; Silverman, Anderson,
Marshall & Baer, 1986; Warren, Baxter, Anderson, Marshall, & Baer, 1981).
O trabalho produtivo e a dedicação de toda uma vida ao campo da análise do
comportamento, renderam a Don Baer um rico número de
homenagens, as mais diversas. Por exemplo, recebeu em 1987
o Don HakeAwardóa Divisão 25 da APA (Divisão de Análise
do Comportamento), por seu trabalho de associação entre a
pesquisa básica e a pesquisa aplicada; em 1989, recebeu o
Burlington Northern Foundation Award da Universidade de
Kansas por seu desempenho como professor; em 1993 também
na Universidade de Kansas foi premiado pelo Edna A. Hill Child
Development Center por sua liderança intelectual e realização
em pesquisas; em 1995, recebeu o Award for Outstanding
Contribuitions to Behavior Analysis, da Associação para a
Análise do Comportamento da Califórnia; em 1996, recebeu o
Edgar A. Doll Award, da Divisão 33 da APA (Divisão de Retardo
Mental) pelo trabalho voltado às pessoas portadoras de
deficiências; em 1996, recebeu o Lifetime Achievement Award, da Associação para a
Análise do Comportamento da Flórida, por suas contribuições pioneiras e excepcionais à
análise conceituai e aplicações em análise do comportamento; em 1997, foi o primeiro
recipiente do Distinguished Service to Behavior Analysis Award, da Associação Internaci­
onal para Análise do Comportamento; em 2001, recebeu o prêmio de pesquisador da
Associação Americana de Retardo Mental, por suas contribuições ao conhecimento em
ciência comportamental e aplicações ao campo do retardo mental e desabilidades. E, em
2002, seu departamento na KU instituiu o prêmio intitulado “Donald M. Baer Faculty Award",
a ser conferido a um professor do Departamento de “Human Development and Family Life",
quo soja, a Gxomplo de Don Baer, reconhecido por sua excepcional contribuição á análise
experimental do comportamento, análise aplicada do comportamento ou análise conceituai
do comportamento - quando relevantes à compreensão e possível aperfeiçoamento de
qualquer aspecto do desenvolvimento humano, ao longo da vida.
A última disciplina lecionada por Don, "Systematic Analysis of Behavior“ , minis­
trada em parceria com Edward Morris - que gentilmente me enviou o programa - teve
como tema sua própria obra. Don elencou os temas que desejava discutir e os alunos
selecionaram os textos. A escolha dos temas descreve os interesses de Don naquela
ocasião e mostra claramente uma síntese de sua obra: Classes de Respostas e
Generalização, Equivalência de Estímulos, Desenvolvimento, Treinamento da Linguagem,
Desabilidades Desonvolvimentais, Auto-Controle e Análise Comportamental Aplicada.
Consistente ao longo da vida acadêmica, rigoroso, comprometido e disponível. Essa
é a imagem que claramente emerge de qualquer revisão, mesmo rápida e superficial, que
alguém faça sobre a grande obra deixada por Don Baer - um legado inestimável que nos
permite e estimula a crescer, como profissionais e pesquisadores, em benefício da pessoa em
desenvolvimento. A obra de Don estimula a união de esforços entre pesquisadores da área
básica e aplicada para compreender o comportamento humano em suas diferentes formas de
ocorrência, como requisito básico para a geração de intervenções eficazes - promotoras,
preventivas e corretivas - que contribuam para o desenvolvimento de pessoas mais felizes.
Don faleceu repentinamente em casa, no dia
28 de abril de 2002, devido a uma falha cardíaca,
exatamente duas semanas após receber uma grande
homenagem de seus colegas, alunos e ex-alunos, em
vista de sua aposentadoria prevista para junho. A co­
munidade científica e, em especial, a psicologia cientí­
fica perdeu um dos grandes nomes de sua área no
século 20. Todos nós, que tivemos o privilégio de parti­
lhar sua companhia e receber seus ensinamentos, fi­
camos do alguma forma órfãos. Pelo muito que apren­
di, pela enorme diferença que fez em minha vida profis­
sional ter sido sua aluna, por tudo que tenho podido
retransmitir a meus alunos, pelos meus acertos (os erros são de minha exclusiva respon­
sabilidade) e pelo grande apreço que tinha a ele, a morte repentina de Don deixa-me
profundamente chocada. Lamento imensamente a maneira como as coisas aconteceram
e tenho um profundo sentimento de perda - por mim mesma, por todos aqueles que
amavam Don Baer, pela comunidade científica e pela ciência da psicologia.
Quando deixei o Brasil para fazer doutorado em outro país, eu dizia a meus amigos
e colegas que iria trabalhar com uma grande estrela. Esta grande estrela, no inicio de
seus 70 anos e brincando ativamente no playgroud da ciência do comportamento humano,
parou de brincar - mas deixou os brinquedos, as regras dos jogos e ensinou-nos como
usá-los. Compete agora a nós, que usufruímos desse legado, continuar seu trabalho de
aprendizado sobre o comportamento humano, à luz de seus ensinamentos. A grande
estrela não está mais aqui, mas seu brilho sim - para sempre...
Obrigada, Don.
Por tudo.
Agradecimentos:
A autora agradece ao professor Lincoln Gimenes (UnB), por idealizar esta mesa e
pelo convite para homenagear Don Baer durante o XI Encontro da ABPMC, ao prof. Edward
Morris (KU), por sua disponibilidade em enviar material para este trabalho, à professora
Rachel Cunha (UnB) por seu empenho em obter fotografias do acervo de seu ex-orientador,
prof. Jack Michael, e ao prof. João Cláudio Todorov, que escreveu uma das trôs cartas que
a recomendaram para o doutorado sob a orientação de Don Baer.

Referências
Baer, D. M. (1977). Perhaps if would be better not to know everything. Journal o f Applied Bohavior
Analysis, 10, 167-172.

Baer, D. M. (1978). On the relation between basic and applied research. In A. C. Catania & T. A.
Brigham (Eds ), Handbook o f applied behavior analysis: Social and instructional processes (pp.
11-16). New York: Irvington.

Baor, D. M. (1981). How to plan for generalization. Lawrence, KS: H & H Enterprises.

Baer, D M. (1982). Applied behavior analysis. In G. T. Wilson & C. M. Franks (Eds.), Contemporary
Behavior Therapy (pp. 277-309). NewYork: Guilford.

Baer, D. M. (1988a). If you know why you're changing a behavior, you'll know when you've changed
It enough. Behavioral Assessment, 10, 219-223.

Baer, D. M. (1988b). The future of behavior analysis in educational settings. In J. C. Witt, S. N.


Elliott & F. M. Gresham. Handbook o f Behavior Therapy in Education (pp. 823-828). NY: Plenum.

Baer, D. M. (1997). Some meanings of antecedent and environmental control. In D. M. Baer & E.
M. Pinkston (Eds.), Environment and Bohavior (pp. 15-29). Boulder, CO: Westview Press.

Baer, D. M., & Bushell, D. (1981). The future of bohavior analysis in the schools? Consider the
recent past, and then ask a different question. School Psychology Review, 10, 259-270.

Baer, D M., Peterson, R. F, & Sherman, J. A. (1967). The development of Imitation by reinforcing
behavioral similarity to a model Journal of Experimental Analysis of Behavior, 10, 405-416.

Baer, D. M,, Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior
analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1.

Baor, D. M., Wolf, M M., & Risley, T. R. (1987). Some still current dimensions of applied behavior
analysis. Journal o f Applied Behavior Analysis, 20, 313-327.

Baer, D. M., & Guess, D. (1971). Receptive training of adjectival inflections in mental retardates.
Journal o f Applied Behavior Analysis, 4, 129-139.

Baer, D. M., & Pinkston, E. M. (1997), Environment and Behavior. Kansas: Westview Press.

Bijou, S. W., & Baer, D. M. (1961). Child Development, vol. 1:A Systematic and Empirical Theory.
New York: Appleton-Century-Crofts.

Bijou, S. W., & Baer, D. M. (1989). O desenvolvimento da criança: uma análise comportamental.
São Paulo: EPU.
Hains, A. H., & Baer, (1989). Interaction effects in multi-element designs: Inevitable, desirable,
and ignoble. Journal o f Applied Behavior Analysis, 22, 57-69,

Parsonson, B. S., & Baer, D. M. (1978). The analysis and presentation of graphic data. In T.
Kratochwill (Ed.), Single Subject Research. New York: Academic Press.

Riegler, H. C., & Baer, D. M. (1989). A developmental analysis of rule-following. In H. W. Reese


(Ed.), Advances in Child Development and Behavior, Vol. 21 San Diego: Academic Press.

Stokes, T. F., & Baer, D. M. (1977). An implicit technology of generalization. Journal o f Applied
Behavior Analysis, 10, 349-367.

Silverman, K., Anderson, S. R., Marshall, A. M., & Baer, D. M. (1986). Establishing and generalizing
audience control of new language repertoires. Analysis and Intervention in Developmental
Disabilities, 6, 21-40.

Warren, S. F., Baxter, D. K., Andorson, S. R., Marshall, A. M., & Baer, D. M. (1981). Generalization
and maintenance of question-asking by severely retarded individuals. Journal o f the Association
for the Severely Handicapped, 6, 15-22.

Algumas outras obras muito relevantes de Don Baer:


Baer, D. M. (1976). The organism as host Human Development, 19, 87-98.

Baer, D. M. (1982). The imposition of structure on behavior and the demolition of behavioral
structures. In D. J. Bernstein (Ed.), Response Structure and Organization. Nebraska Symposium
on Motivation. Lincoln, NE: University of Nebraska Press.

Baer, D. M. (1993). A brief, selective history of the Department of Human Development and
Family Life at the University of Kansas: The early years. Journal of Applied Behavior Analysis, 26,
569-572.

Baer, D. M . (1981). A flight of behavior analysis. The Behavior Analyst, 4, 85-91.

Baer, D. M. (1982). The imposition of structure on behavior and the domolition of behavioral
structures. In D. J. Bernstein (Ed ), Response Structure and Organization, Nebraska Symposium
on Motivation (pp.217-254). Lincoln, NE: University of Nebraska Press.

Baer, D. M. (1982). The role of current pragmatics in the future of generalization technology. In R.
B. Stuart (Ed.), Adherence, compliance, and generalization in behavioral medicine. New York:
Brunner/Matzel.

Baer, D. M. (1984). Does research on solf-control need more control? Analysis and Intervention
in Developmental Disabilities, 4, 211-218.

Baer, D. M. (1986). In application, frequency is not the only estimate of the probability of behavioral
units. In T. Thompson & M. D. Zeiler (Eds.), Analysis and Integration of Behavioral Units (pp.117-
136). Hillsdale, NJ: Erlbaum

Baer, D. M. (1994). Applied behavior analysis. In A. M.Colman (Ed.), Companion Encyclopedia of


Psychology (pp. 397-414). New York: Routledge.

Baer, D. M., & Deguchi, H. (1985). Generalized imitation from a radical-behavioral viewpoint. In S.
Reiss & R Bootzin (Eds ), Theoretical Issues in Behavior Therapy (pp. 179-217). New York:
Academic Press.

Sobrr C'omportdmcnto eCognise 53


Baer, D. M., Williams, J. A., Osnes, P. G., & Stokes, T. F. (1984). Programming generalized
correspondence using delayed reinforcement as an indiscriminable contingency. Journal o f
Applied Behavior Analysis, 17, 429-440.

Baer, D. M., Wolf, M M., & Risloy, T. R. (1987). Some still-current dimensions of applied behavior
analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 20, 313-327.

Bijou, S. W., & Baer, D. M. (1977). Now Developments in Behavioral Research. Now York: John
Wiley & Sons Inc

Bijou, S. W., & Baer, D. M. (1978). Behaviour Analysis o f Child Development. New York: Prentice-
Hall.

Bijou, S. W., & Baer, D. M. (1967). Operant methods in child behavior and development. In S. W.
Bijou & D. M. Baer (Eds.), Child Development: Readings in Experimental Analysis (pp. 333-404).
New York: Appleton-Century-Crofts.

Horner, R. D., & Baer, D. M. (1978). Multiple-probe technique: A variation of the multiple baseline.
Journal o f Applied Behavior Analysis, 11, 189-196.

Riegler, H. C,, & Baor, D. M. (1989). A developmental analysis of rule-following. In H. W. Reese


(Ed.), Advances in Child Development and Behavior, Vol. 21. San Diego: Academic Press.

Rogers-Warren, A., & Baer, D. M. (1976). Saying and doing: The verbal mediation of social
behaviors. Journal of Applied Behavior Analysis, 9, 335-354.

Rosales-Ruiz, J., & Baer, D. M. (1996). A behavior-analytic view of development. In S. W. Bijou &
E. Ribes (Eds.), Now Directions in Behavior Development (pp. 155-180). Reno: Context Press.

Rosales-Ruiz, J., & Baer, D. M. (1997). Behavioral cusps: A developmental and pragmatic concept
for behavior analysis. Journal o f Applied Behavior Analysis, 30, 533-544.
Seção II

Análise do
Comportamento:
contribuições para
a clínica
Capítulo 5
Behaviorismo Radical e Interpretação

lo$é Antônio Pam Afio A bib


Universidade / ederal de São C ar/os

A interpretação fundada na linguagem de uma ciência demarca um espaço legitimo


de sentido, e, via de regra, silencia aquele em que a ciência, ela mesma, também é
fundada por um ato de interpretação. Esse procedimento esconde as acepções
historicamente constituídas da interpretação, empobrecendo a compreensão da ciência.
A filosofia da ciência é interpretação da ciência e o Behaviorismo Radical é filoso­
fia da ciência do comportamento, logo, ó interpretação da ciência do comportamento. Por
sua vez, a ciência do comportamento ó a interpretação da mais diversa ordem de objetos:
ciência do comportamento e behaviorismo radical operam no âmbito e no círculo
inultrapassável da interpretação.
Este ensaio examina a interpretação que o Behaviorismo Radical faz da ciência
do comportamento e sugere que o descritivismo ó insuficiente para caracterizar essa
filosofia. Esse exame mostra ainda não só que a ciência do comportamento interpreta
mas também que a terapia comportamental opera no círculo inultrapassável da interpreta-
ção, pois é ciência ou análise do comportamento.
Começamos esse exame apresentando as acepções historicamente constituí­
das da interpretação e as relações desses sentidos com a ciência do comportamento.

Interpretação e Ciência do Comportamento


A hermenêutica é a disciplina que estuda a interpretação. A palavra hermenêutica
vem do verbo grego hermeneuein e do substantivo grego hermeneia, traduzidas
respectivamente como interpretar e interpretação. O texto clássico de Aristóteles (s.d./
1984) De Interpretatione (Da Interpretação) intitula-se PeriHermeneias.
Interpretar é dizer algo e explicar o que se diz (Palmer, 1969/1986). É possível
simplesmente dizer algo sem explicar o que se díz. Sem explicar o que dizem, os oráculos
anunciam algo, os artistas aludem a algo. Dizer é trazer ou levar mensagens. Ou ainda, é
aludir. Esse sentido anunciativo e alusivo da interpretação adquire sua acepção enunciativa
e declarativa com a explicação do que se diz. Explicar é perguntar pelo significado do que
se diz e responder com um enunciado ou uma declaração. Pergunta-se: qual é o significado
dessa mensagem ou dessa pintura? E, quando é possível, responde-se com enunciados
e declarações.
Skinner (1931/1999) anunciou que fazer ciôncia do comportamento é descrever. O
que significa descrever? A filosofia da ciôncia pergunta o que ó ciôncia e uma de suas
respostas consiste em anunciar que ciência é descrição. O que significa isso, descrição?
Interpreta-se porque se visa a compreender o que é estranho - seja porque é distante, ou
porque é pouco familiar. Interpreta-se porque se visa também a compreender o que ó
obscuro. Se é preciso perguntar o que ó ciência, é porque sua prática nào ó suficientemente
clara para que, sem polêmica, seja possível anunciar e enunciar, de uma vez por todas,
seu significado. É difícil compreender o que é ciência. Para alguns, é descrição; para
outros ó instrumento conceituai; ou ainda, é declaração verdadeira ou falsa sobre a realidade
(Nagel, 1961; Rorty, 2000/s.d.).
Esses avisos sobre a ciência são diferentes? Pretende-se que sim: são
proclamações distintas. Já nesse sentido, no qual não se sabe ainda o que significam,
são interpretações da ciência. Ainda que fosse só um anúncio, já seria interpretação.
Não é interpretação por causa da multiplicidade de afirmações. É interpretação por
definição. Porque interpretar é simplesmente dizer algo. Se houver algo que “funde” o
conhecimento, esse algo consiste na interpretação, no simples dizer algo. Mas é preciso
explicar também o significado do que foi dito ou do que está sendo dito. O que significa
dizer que ciência do comportamento é descrição? O significado se desdobra na
diversidade dos anúncios e na variedade de cada anúncio. Se perguntarmos: o que
significa dizer que a ciência é descrição? Há uma variedade de sentidos historicamente
constituídos. É preciso explicar, interpretar de novo, isto: a ciência do comportamento é
descrição. Há um dizer sobre a ciência do comportamento: é descrição. E há uma
explicação: não é nem fenomenalismo nem fisicalismo. O descritivismo do Behaviorismo
Radical passa ao largo das duas acepções de tradução que são a marca registrada da
filosofia descritivista da ciência: não recorre a declarações na linguagem dos conteúdos
sensoriais introspectivamente observados (a linguagem dos dados sensoriais, os sense-
data) ou da coisa fisicalista (a linguagem das coisas, propriedades e eventos da experiência
ordinária) para traduzir declarações referentes a entidades hipotéticas.
O descritivismo do behaviorismo radical refere-se à descrição das relações funcionais
entre o comportamento e o ambiente. Nessa interpretação da descrição, descrever é explicar.
Esta é a novidade: explica-se quando se descreve. E, quando se examina essa explicação,
nota-se que a noção de causa está excluída da explicação, explica-se pela condição: as
condições que participam das relações funcionais que são descritas. Operam-se dois
deslocamentos nesse descritivismo. Primeiro, a explicação pergunta pelas condições e não
pela ação da causa. Segundo, como explicar significa descrever um fenômeno - verbi gratia,
o comportamento a explicação exclui declarações hipotéticas, cujo valor de verdade decide-
se com declarações descritivas fenomenalistas ou fisicalistas.
Ao dizer, ‘a ciência do comportamento é descrição’ e ao explicar o significado de
‘descrição’, a interpretação elimina e inclui. Ao dizer, elimina interpretações realistas e
instrumentalistas da ciência; ao explicar, elimina o descritivismo fenomenalista e fisicalista.
Ao dizer, inclui o descritivismo; e ao explicar, inclui a descrição e a explicação como
relação funcional.
D izer que interpretar ó explicar ó um modo legítimo de a la rg a r o conceito do
explicação. Quer dizer, explicar é interpretar. O ato inaugural da interpretação tem esta
duplicidade: diz-se algo e explica-se o que se diz. E a explicação pode se desdobrar
perguntando-se pelas condições, como se verifica no Behaviorismo Radical.
O Behaviorismo Radical é interpretação no terceiro sentido historicamente cons­
tituído desse termo: o de tradução. Traduzir é mediar. Uma língua, por exemplo, traduz
outra língua. A lingua que traduz é um medium. Existe algo que é dito em uma língua que
não se compreende porque não se conhece a língua. Naturalmente, pode-se recorrer à
língua que se conhece para compreender aquilo que é dito na língua que não se conhece.
Mas de que adianta fazer isso se não se conhece a língua na qual algo está sendo dito?
Procura-se um intérprete, um tradutor, um mediador, um Hermes (o deus mensageiro,
alado): alguém que conheça ambas as línguas. Mesmo com esses dois veículos, o intér­
prete e a língua que traduz, ainda assim permanece a questão de se é possível compreen­
der o que uma diz, na outra. Traduttori traditori. reconhece Skinner (1974). Tradutores são
traidores. Entenda-se bem: não só Hermes, mas também a língua que traduz.
É a linguagem do mentalismo que Skinner (1974) pretende traduzir na linguagem
do comportamento. Referindo-se às expressões mentalistas, afirma: “Eu as traduzo em
comportamento" (p. 19, meu grifo). Com cautela, todavia: traduttori traditori\ Pois considera
tão imprudente e insensato fazer traduções exatas do léxico mentalista quanto o é pedir
a um físico que faça o mesmo com ’flogisto', ‘éter’, ‘vis viva'. Por essa comparação, pode-
se pressentir o traduttori traditori: uma certa disposição de Skinner, o intérprete, com
respeito ao valor do léxico mentalista. Mas essa comparação pode ser interpretada de
outro modo: a tradução exata pode trair os usos mentalistas. E trata-se disto: traduzir os
"usos mentalistas” (p. 19). Pressente-se outro traduttori traditori: a linguagem do
comportamento. Com efeito, “talvez não haja equivalentes comportamentais exatos,
certamente nenhum com as insinuações e contextos dos originais" (p. 19).
Um exemplo notáveí disso que Skinner está dizendo encontra-se em sua
interpretação do pensar. Realiza uma interpretação detalhada dessa atividade em vários
momentos de sua obra e, no livro Tecnologia do ensino, reflete demoradamente sobre o
pensamento produtivo, um conceito elaborado por Max Wertheimer, um psicólogo da Gestalt.
O pensamento produtivo é de importância crucial no estudo do pensamento, porque abor­
da o cerne do processo de resolução de problemas: como resolver problemas para os
quais não existem soluções conhecidas? Os famosos problemas heurísticos. Basica­
mente, a resposta de Max Wertheimer apoia-se no fenômeno do insight, amplamente
estudado por outro psicólogo da Gestalt Wolfgang Kõhler. A interpretação de Skinner
consiste no exame de exemplos comportamentais de usos do termo pensar. Com esse
procedimento, mostra, convincentemente, como a atividade ‘pensar’ consiste em técni­
cas de autogoverno para tomar decisões, criar e solucionar problemas heurísticos (Skinner,
1968). Em uma apreciação sobre sua interpretação dessa atividade, aponta limites: o de
só ter considerado alguns usos do termo e poucos exemplos desses usos. Mais usos ou
mais tipos de pensar devem ser investigados, especialmente porque é imprudente defen­
der a existência do pensamento produtivo, tendo em vista que nem todas as suas expres-
sões foram explicadas. Porém, "seria [igualmente] imprudente negar a possibilidade do
pensamento realmente produtivo" (p. 140, meu grifo). Skinner mantém-se fiel a seu pro­
grama de interpretação: traduttori traditori.
Há fortes indícios para manter separados, de um lado, os conceitos de ciência do
comportamento e análise cientifica do comportamento - ou simplesmente o conceito de
análise do comportamento como sinônimo de ciência do comportamento e de análise
científica do comportamento e, de outro lado, o conceito de interpretação. Contudo, ao
referir-se ao cõmportamento verbal, Skinner (1957) usa as expressões interpretação do
comportamento verbal ou ciência do comportamento verbal, e, em 1968, chama
sua interpretarão da atividade pensar de análise cientifica. Ciência, análise e interpreta­
ção são termos sinônimos? A ciência interpreta? Traduz e trai? A análise interpreta?
Traduze trai?
Quando Skinner (1974) apresenta declaradamente seu projeto de interpretação
como tradução, diz duas coisas: Primeiro, que seu interesse não é com predição e controle
(embora, como se sabe, ele tenha também um forte interesse na predição e controle do
comportamento). Segundo, que a interpretação transgride: ultrapassa limites e não pode
ser tão precisa quanto se desejaria que fosse. A interpretação, diz ele, é especulação.
Mas é necessária “para planejar métodos que possam conduzir um assunto a um controle
mais adequado" (p. 19). Em suma, a interpretação é transgressão ou especulação e
limita-se com a predição e o controle, embora possa vir a contribuir para o estudo mais
controlado de um assunto.
Skinner (1974) critica um escritor que diz que a especulação não deve fazer
parte da ciência, se não puder ser submetida à investigação experimental. Se fosse as­
sim, corre a crítica de Skinner, boa parte da física atômica ou da astronomia não seria
ciência. Ciência não se resume apenas á descrição de relações funcionais entre variáveis
que podem ser manipuladas, medidas, previstas e controladas. Ciência transgride tais
limites. Com a transgressão da interpretação, Skinner alarga o conceito de ciência do
comportamento. O Behaviorismo Radical está dizendo mais coisas sobre a ciência: a
interpretação torna-se mais complexa. Mas, então, ‘o que está sendo dito’ o que signifi­
ca? Qual é a explicação disto?: a ciência interpreta.
Em parte, já sabemos: a ciência traduz. O que ainda não dissemos foi que nem
sempre se molda a tradução em relações funcionais observáveis. Se assim fosse, a
interpretação seria reduzida à predição e ao controle: não seria transgressiva. A tradução
da linguagem mentalista em linguagem comportamental é transgressiva porque infere,
porque refere-se a processos, estados e eventos comportamentais que não são observa­
dos como o são as relações funcionais, que permitem predição e controle. Três exem­
plos: primeiro, quando interpreta eventos privados, infere a existência de estados corpo­
rais, de estímulos e respostas privadas que acompanham estímulos e respostas públicas,
cuja investigação está reservada à fisiologia: trata*se de assunto da fisiologia, cabe-lhe a
tarefa de planejar métodos para um estudo mais controlado desses estados (Skinner,
1957,1989). Segundo, quando interpreta a atividade de pensar, Skinner (1968) infere a
existência de comportamentos encobertos (verbais ou não), encadeamentos encobertos,
estímulos discriminativos encobertos, reforços condicionados encobertos, auto-
estimulações, auto-reforços, cabendo à análise do comportamento (ou à interpretação) a
elaboração de métodos para um estudo mais controlado desses assuntos. Terceiro, Skinner
(1978) infere como contingências de sobrevivência poderiam ter modelado o comporta­
mento fílogenótico, utilizando evidências fornecidas pela teoria da deriva continental e pela
expansão do assoalho oceânico. Em inferências desse último tipo, é necessário construir
tactos supostamente parecidos com os tactos aos eventos originais - como se faz na
teoria da evolução, valendo-se, nesse caso, das evidências da geologia, da paleontologia
e da genética (Skinner, 1957). Esse último exemplo é especialmente significativo, porque
sugere inequivocamente que é suficiente que uma inferência seja plausível para que seja
considerada legítima. Daí o valor do acúmulo de evidências oriundas das mais diversas
fontes, quando se trata de inferir processos e eventos impossíveis de serem estudados
segundo os cânones de um método mais controlado.
Infere-se para explicar:"... é usualmente inferido para explicar..." (Skinner, 1978,
p. 164). Com a interpretação, Skinner argumenta a favor da explicação inferencial ou
indireta do comportamento. (E trata-se certamente de um nível de explicação que ó
compatível com a explicação "direta" ou “não-inferencial" do comportamento: a explicação
com variáveis que podem ser preditas e controladas.) Skinner distende a interpretação e
amplia a explicação: há um percurso que vai da "explicação direta" para a explicação
indireta: são complementares: não há dualidade. O interesse de Skinner pela interpretação
visa a alargar a explicação e não a delimitar dois campos: o campo da explicação e o
campo da predição e controle. A explicação já opera na esfera da predição e do controle,
cujo valor já seria inegável e inestimável, mesmo se não houvesse a explicação inferencial.
O Behaviorismo Radical diz algo sobre a ciência do comportamento e explica o que
diz. Diz ainda que essa ciência traduz. Diz que a ciência do comportamento descreve, explica
o que entende por descrever, e depois diz que, com sua linguagem, traduz a linguagem
mentalista. Com isto diz que a ciência do comportamento descreve e infere. Pois traduzir é
inferir. A ciência do comportamento é fundada por um ato de interpretação nos três sentidos
historicamente constituídos desse termo: o de dizer, explicar o que diz, e traduzir.

Interpretação e Terapia Comportamental


A terapia comportamental ocorre no círculo das interpretações. Isso ó plausível,
desde que três coisas sejam admitidas. Primeiro, que a terapia comportamental se faz
com a análise do comportamento. Segundo, que a análise do comportamento é
interpretação. Terceiro, que o que a pessoa com dificuldades diz seja entendido como
interpretação. Certamente, todos concordam com o primeiro enunciado. E a esta altura
pode-se até mesmo compreender e aceitar a última condição, embora necessite ser
detalhada, o que será feito mais adiante. O ponto talvez mais discutível seja o segundo:
a análise do comportamento è interpretação?
Sabemos que a análise do comportamento é ciência do comportamento, quer
dizer, é análise científica do comportamento, seja de casos simples ou complexos; nos
casos simples, a análise segue o estilo da cláusula ceteris paribus: isto é assim tudo o
mais sendo invariável; nos casos complexos, a análise segue o estilo da combinação
de princípios garantidos pela análise anterior (Skinner, 1953/1965). Ouvimos Skinner
(1974) dizer que a interpretação ó especulação, que produz inferências com o fito de
explicar o comportamento. Finalmente, sabemos que Skinner (1974) tem dois interesses:
o interesse da predição e controle do comportamento e o interesse da interpretação.
Seria tentador dizer que a análise do comportamento se refere ao interesse da
predição e controle e que a interpretação refere-se ao interesse da explicação. Isso não
seria, porém, recomendável. Primeiro, corre-se o risco de comprimir o conceito de
explicação, limitando-o a inferências mediadoras entre eventos ou tipos de eventos
temporalmente separados. Segundo, Skinner ( 1968,1974) não só chama a interpretação
de análise científica, como também diz que a ciência Interpreta. Finalmente, alarga a
noção de ciência do comportamento (a ciência do comportamento trata com relações
funcionais “diretamente observáveis" e com inferências) e congrega os interesses da
interpretação e da predição e controle em um projeto unificado de pesquisa. Portanto, dá
no mesmo dizer: ciência do comportamento, análise científica do comportamento, análise
do comportamento, interpretação. Quer dizer, a análise do comportamento é interpretação.
Uma pessoa conta suas dificuldades a um terapeuta na linguagem vernacular:
não o faz na linguagem da ciência do cérebro, da psicologia cognitiva, ou da análise do
comportamento. O termo vernáculo vem do latim vemaculue significa ‘de escravo nascido
na casa do senhor’, 'de casa’, ‘doméstico’, ‘próprio do pais’, ‘nacional’, ‘linguagem genuína',
‘isenta de estrangeirismos', ‘castiça’, ‘pura’ (Aurélio, 1986). Trata-se de uma linguagem
cuja existência é bem anterior ao aparecimento de filósofos e cientistas (Skinner, 1990).
Em uma interessante investigação etimológica do léxico vernacular, Skinner (1989) sugere
como originalmente os termos desse léxico aludiam a comportamentos e contingências
de reforço. Apropriada por filósofos e psicólogos cognitivistas, a linguagem vernacular
transformou-se na linguagem mentalista. A linguagem do mentalismo é a linguagem
vernacular refinada. No caso da psicologia cognitiva, surge em duas versões, ao menos: a
da psicologia cognitiva introspeccionista, como a que se vê no livro Princípios de psicologia
de William James, e a da psicologia cognitiva contemporânea, que abandonou a
introspecção para apoiar-se em constmtos teóricos (Skinner, 1989,1990). Skinner condena
essa apropriação: “Uma versão refinada do vernacular para o estudo da vida mental
dificilmente é mais útil do que a versão leiga, especialmente quando a teoria começou a
substituir a introspecção" ( 1990, p. 1210). Propõe então uma volta às origens, defendendo
que a análise do comportamento poderia contribuir para "clarificar as contingências de
reforço às quais o vernacular alude" (1990, p. 1210).
A linguagem da análise do comportamento está mais próxima da linguagem
vernacular do que a linguagem da psicologia cognitiva em qualquer de suas versões -
embora não seja de todo claro se essa afirmação não enfrentaria dificuldades, no caso da
psicologia cognitiva introspeccionista: por exemplo, no caso de uma psicologia como a
de William James. Próximo da linguagem da pessoa que conta suas dificuldades, a tarefa
do terapeuta é a de, como disse Skinner, “clarificar as contingências de reforço às quais o
vernacular alude", e mais, é também a de “planejar ambientes melhores - ambientes
pessoais que poderiam resolver os problemas existentes e ambientes mais amplos ou
culturas nas quais haveria menos problemas" (Skinner, 1990, p. 1210).
O início do trabalho do terapeuta comportamental é este: alusões: referências
indiretas e vagas. Clarificar é diminuir o caráter vago e indireto das alusões. Quer dizer, é
explicitar melhor o que está implícito naquilo que está dito nas alusões. A linguagem
vernacular, como toda linguagem, diz algo, interpreta. Só isso já seria suficiente para dizer
que há interpretação. Mais importante, contudo, é que a proximidade da linguagem vernacular
com a linguagem da análise do comportamento acarreta duas conseqüências importantes
para a terapia comportamental. Primeiro, esvazia o discurso da verdade: ambas as lingua­
gens são legítimas. Não se trata de afirmar esta é verdadeira (a linguagem do terapeuta) e
aquela é falsa (a da pessoa que conta suas dificuldades). Óbvio: porque a função da
terapia é clarificar e não falsificar. Segundo, a dupla ruptura eplstemológica (Santos,
1995/2000). A ciência do comportamento constitui-se como ruptura epistemológica: como
linguagem comportamental, e não como refinamento da linguagem vernacular. Com a
terapia comportamental, dá-se a oportunidade de uma segunda ruptura epistemológica. A
funçáo de clarificação da terapia ocorre na relação entre o terapeuta e a pessoa com
dificuldades. Com a análise compartilhada de contingências, o terapeuta ensina e a
pessoa aprende a analisar contingências. A pessoa passa a dominar a linguagem da
análise do comportamento. Aí está a segunda ruptura epistemológica. É com ela que a
pessoa pode então modificar seus ambientes pessoais e os ambientes mais amplos
chamados de culturas. Quer dizer, com essa segunda ruptura epistemológica, a terapia
comportamental contribui para ultrapassar o nlvel propriamente individual da terapia (o de
modificar ambientes pessoais) para alcançar os ambientes mais amplos (as culturas),
usualmente os ambientes que dão origem a muitos dos problemas dos indivíduos. A
terapia adquire uma importante função social e pode contribuir para a evolução das culturas
porque "as ‘mutações’ que são responsáveis por sua evolução [de uma cultura], são as
novidades, as inovações, as idiossincrasias que surgem no comportamento dos indivíduos”
(Skinner, 1968, p. 171). Em uma palavra, com a segunda ruptura epistemológica, a terapia
comportamental pode contribuir com a educação para formar pessoas criativas.

O Behaviorismo Radical é um instrumentalismo filosófico?


A ciência do comportamento produz? Não parece insensata essa pergunta? A
ciência do comportamento descreve. Logo, produz: produz conhecimento. E produz mais
conhecimento quando infere. Qual é então o sentido dessa pergunta? A descrição e a
inferência são próprias da ciência e espera-se que mais cedo ou mais tarde seja possível
fazer este tipo de pergunta: esta descrição ou esta inferência é verdadeira ou falsa? A
ciência do comportamento utiliza duas estratégias para lidar com objeções: a de combinar
princípios estabelecidos experimentalmente para explicá-las e a de manter-se aberta a
objeções legítimas. Por exemplo, a legítima proposição de que nem todo pensamento é
linguagem subvocal não foi importante para Skinner (1968) afirmar que sua interpretação
da atividade pensar é diferente da interpretação de Watson (1924/1930), porque pensar
pode ser atividade encoberta não-verbal? Skinner (1957,1968) interpreta a atividade ‘pen­
sar’ com a combinação de principios estabelecidos experimentalmente e com a modifica­
ção introduzida pelo conceito de atividade encoberta não-verbal.
As dificuldades representadas por objeções conduzem ao aperfeiçoamento
conceituai. Com esse aperfeiçoamento, avoluma-se a produção de conhecimento: Skinner
(1957, 1968) realiza uma interpretação mais ampla de ‘pensar’ do que Watson (1924/
1930). Não só a construção de instrumentos conceituais - como no caso do conceito de
atividade encoberta não-verbal -, mas também o recurso aos instrumentos conceituais de
outras disciplinas é de máxima importância para elevar o nível inferencial de uma ciência.
Um bom exemplo foi o uso que Skinner (1978) fez da teoria da deriva continental e do
conceito de expansão do assoalho oceânico para inferir como poderia ter ocorrido a mode­
lagem do comportamento filogenético. O nível de inferência torna-se elevado na exata
medida em que as inferências são produzidas e legitimamente admitidas no corpo teórico
da ciôncia do comportamento com base tão-somente na sua plausibilidade: não há como
verificar se sâo verdadeiras ou falsas. Skinner passa ao largo do critério adstringente do
realismo cientifico, a interpretação ortodoxa da ciôncia: a interpretação que diz que a
ciôncia consiste de um conjunto de declarações verdadeiras.
Se os princípios e conceitos da ciôncia do comportamento produzem objetos
intelectuais, por exemplo, 'a modelagem filogenótica do comportamento’, sobre os quais
não operam os juízos de verdadeiro ou falso, então esses princípios e conceitos mais se
parecem com instrumentos do que com declarações. Quer dizer, assim como não cabe
perguntar se os objetos materiais produzidos por um instrumento material qualquer, um
serrote por exemplo, são verdadeiros ou falsos, também não cabe perguntar se os objetos
intelectuais produzidos por instrumentos intelectuais, princípios e conceitos, são verdadeiros
ou falsos. Não parece mais pertinente perguntar quais são os objetos que o instrumento
produz? E, se são plausíveis, novos, úteis ou belos?
O Behaviorismo Radicai interpreta a ciôncia do comportamento e o desenvolvi­
mento da ciôncia do comportamento alarga o sentido de sua própria filosofia: de filosofia
descritivista da ciência do comportamento, o Behaviorismo Radical, passando ao largo do
realismo, e sem renegar o descritivismo, transforma-se em filosofia instrumentalista da
ciência do comportamento. Com a tradução e a inferência, o ato de interpretação do
Behaviorismo Radical, que diz e explica o que ó a ciência do comportamento, é
reinterpretado; adquire o sentido de instrumentalismo filosófico.

Referências
Aristóteles. (1984). Dg interpretatione (Trad. J. J. Ackrill.). In J. Barnes (Org.), The complete
works of Aristotle (pp. 23-58). New Jersey: Princenton University Press. (Trabalho original publi­
cado s,d.)

Ferreira, A. B. de H. (1986). Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janoiro: Nova Fronteira.

Nagel, E. (1961). The structure of science: Problems in the logic of scientific explanation. Now
York: Harcourt, Brace & World.
Palmer, R. E. (1986). Hermenêutica (Trad. M. L. R. Ferreira.). Lisboa: Edições 70. (Trabalho
original publicado s.d.)
Rorty, R. (2000). Pragmatismo: A filosofia da criaçào o da mudança. Belo Horizonte: UFMG.
(Trabalho original publicado s.d.)

Santos» B. de S. (2000). Pela mào de Alice: O social e o político na pós-modernidade. São


Paulo: Cortez. (Trabalho original publicado em 1995.)
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: The Froo Press. (Trabalho origi­
nal publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1968). The techonology of teaching. Now York: Meredith Corporation.

Skinner, B. F. (1974), About behaviorism. New York: Alfred A Knopf.


Skinner, B, F. (1978). Reflections on behaviorism and society. New Jersey: Prentice-Hall,

Skinner, B. F. (1989). The origins of cognitive thought. American Psychologist, 44, 13-18.

Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind? American Psychologist, 45, 1206-
1210.

Skinner, B. F. (1999). The concept of the reflox in the description of behavior. In B. F. Skinner
(Org.), Cumulative record (pp. 475-503). Cambridge: Copley Publishing Group. (Trabalho origi­
nal publicado s.d.)

Watson, J. B. (1930). Behaviorism. Chicago: The University of Chicago Press. (Trabalho original
publicado em 1924.)
Capítulo 6
Itinerário para analisar comportamento
verbal encoberto

Maura Alves Nunes Qongora


UH

Neste ensaio, pretende-se circunscrever o espaço da análise do comportamen­


to verbal encoberto no domínio do Behaviorismo Radical. Trata-se de um estudo dentro
do campo do pensamento. Em nossa prática clínica, temos nos deparado por um lado,
com a necessidade de interpretar comportamento verbal encoberto e, por outro lado, com
as insatisfatórias explicações cognitivas desse tema, somadas à carência de uma análise
comportamental apropriada nos manuais e textos de Psicologia clínica em enfoque
comportamental. Temos buscado a solução investigando os textos skinnerianos.
Apresentamos aqui alguns dos resultados dessa investigação.
Skinner (1957, 1974, 1989) trata do tema - comportamento verbal encoberto -
dentro do campo do pensamento, um campo amplo e complexo; nossa meta aqui ó torná-
lo mais acessivel. Construímos uma espécie de itinerário para demonstrar quais concei­
tos precisam ser minimamente compreendidos como condição para uma compreensão
mais completa da concepção skinneriana de comportamento verbal encoberto.
O itinerário inclui diversos níveis conceituais: Inicia-se com a concepção skinneriana
de mente na qual se insere a mente cognitiva; depois restringe-se ao campo do
pensamento; restringe-se mais ainda ao campo do pensamento verbal; para, finalmente,
limitar-se à mais restrita parte do campo do pensamento verbal: o comportamento ver­
bal encoberto, este entendido ainda como comportamento verbal encoberto, vocal. An­
tes, porém, de apresentar o campo do pensamento, o itinerário ó ampliado com a introdu­
ção de mais alguns conceitos fundamentais para a compreensão da visão skinneriana de
pensamento. São incluídos conceitos relativos ao campo do comportamento verbal, o
qual é interpretado sob a ótica do modelo operante de análise do comportamento e,
também, o conceito de comportamento encoberto, todos eles com implicações para a
análise específica do comportamento verbal encoberto. Observando-se os temas que
integram o itinerário, pode-se deduzir que não é possível examiná-los aqui em profundida­
de; cada um deles será rapidamente enfocado, apenas no que parecer relevante para
elucidar noções envolvidas no exame do comportamento verbal encoberto.

ôó Metura Alves Nune* C/ongOM


0 Behaviorismo Radicai e a Mente Cognitiva
O Behaviorismo Radical defende que, para ser completa, uma ciência do compor­
tamento deveria dar conta de explicar também aqueles fenômenos psicológicos até então
explicados pelas demais ciências, tradicionalmente, denominadas psicológicas. Além de
propor a ciência do comportamento como uma alternativa ao estruturalismo e ao
desenvolvimentismo, Skinner (1945/1984,1974,1989) centrou seu debate com as ciênci­
as chamadas mentalistas, especialmente a Psicanálise e a Ciência Cognitiva. Ele refutou
nas ciências mentalistas, principalmente, a concepção de mente como “agente causal"
do comportamento e como "local" para a ocorrência de eventos e processos mentais. Ele
refutou, ainda, a suposição de que os processos mentais ocorrem de maneira totalmente
oculta e inacessível à observação direta. O tema aqui tratado - comportamento verbal
encoberto - insere-se nesse debate com os mentalistas, particularmente, com a Ciência
Cognitiva. Desse modo, um primeiro passo do itinerário sugere a compreensão da posição
Behaviorista Radical adotada em substituição à concepção mentalista de mente.
Skinner (1945/1984, 1974, 1989) propôs um outro modo de se compreender a
mente: que os eventos e processos mentais passassem a ser compreendidos como atividade
não mais de uma “entidade" denominada mente, mas sim atividade da pessoa. Tudo
aquilo que se diz que a mente faz deveria ser compreendido como aquilo que a pessoa
faz. Exemplificando, mentalistas supõem que "repressão”, “racionalização", "pensamen­
to” e “lembrança" são processos mentais (atividade da mente), o autor sugere que “repri­
mir", “racionalizar", "pensar” e “lembrar" sejam compreendidos como atividado da pessoa,
como comportamentos que as pessoas apresentam, provavelmente, para lidar com situa­
ções ambientais repressoras, aversivas, problemáticas, e assim por diante.
A pessoa, no Behaviorismo Radical, é entendida como um sistema unitário e
individualizado, como um organismo que adquiriu um repertório complexo de comporta­
mento em uma história particular de reforçamento. Com a noção de "pessoa comportante",
refuta-se a noção dualista da mente como "entidade” que funciona como “agente" originador
do comportamento e como "local" das atividades mentais; mas preserva-se a análise de
eventos e processos mentais interpretando-os como atividade da pessoa em interação
com o ambiente, em outras palavras, interpretando-os como comportamento. Nos exem­
plos anteriores, preserva-se a análise dos comportamentos de reprimir, racionalizar, pen­
sar e lembrar. Para Abib (2001), ao fazer essa interpretação, B. F. Skinner propõe, de fato,
outra filosofia da mente, na qual ela é concebida e descrita em termos comportamentais.
Pode-se indagar, ainda, como é possível ao Behaviorismo Radical preservar a
análise de fenômenos mentais e, ao mesmo tempo, refutar a mente da concepção
mentalista? A resposta skinneriana é para que se analise a maneira pela qual as pessoas
em geral (e também os mentalistas) se utilizam, em sua fala cotidiana, de termos e
expressões mentais (relativas à mente). O ponto de partida é analisar a linguagem vernacular,
aquela do homem comum e as contingências ou contextos nos quais essa linguagem é
utilizada. Os exemplos são infindáveis, mas só para ilustrar podem ser lembradas expres­
sões como "mente aberta" - para referir-se, provavelmente, a um padrão flexível de com­
portamento observável; ou "personalidade narcisista" - para descrever, provavelmente, um
modo individualista de agir. Pressupõe-se que são as contingências nas quais os termos
são utilizados que dão o seu significado, sendo assim, cada uma dessas expressões só
pode ser compreendida no contexto cultural e imediato em que forem utilizadas. Analisa-
se a linguagem não na sua estrutura como em geral o fazem os lingüistas, mas nos seus
efeitos práticos nas interações entre as pessoas (Skinner, 1945/1984).
Em resumo, na perspectiva Behaviorista Radical, compreender a mente é inter­
pretado como compreender os usos que as pessoas fazem dos termos mentais ou da
linguagem mentalista; ao se fazer isto, verifica-se, então, que os eventos e processos aos
quais os termos mentais se referem podem ser compreendidos como comportamento.
Verifica-se, além disso, que tais comportamentos podem apresentar-se tanto em ocorrências
encobertas (privadas) quanto abertas (públicas).
Finalmente, ao se considerar os usos dos termos mentais, verifica-se que o próprio
termo mente é submetido a múltiplos usos. Por exemplo, enquanto na concepção
psicanalMca o uso desse termo envolve eventos e processos predominantemente
emocionais e motivacionais, tais como os mecanismos psíquicos de defesa, conflitos,
sentimentos e desejos; na concepção cognitiva, mente envolve predominantemente
processos relativos ao conhecimento - inteligência, raciocínio, propósitos, idéias,
pensamento, atenção, percepção, memória e outros processos denominados "cognitivos".
Considerando-se que o tema aqui desenvolvido se insere no campo do “pensamento",
trata-se de uma discussão cujo debate principal se dá em torno da mente cognitiva e,
mais especificamente, dos processos mentais superiores, conforme são denominados
os processos cognitivos acima.
Concluídas essas considerações gerais sobre a análise comportamental da mente,
pareceria lógico que o próximo passo no itinerário seria apresentar o campo do pensa­
mento. No entanto, a peculiaridade da concepção skinneriana de pensamento exige a
compreensão prévia de mais alguns conceitos do Behaviorismo Radical; seguem, então,
algumas considerações sobre a "análise operante do comportamento verbal" e “do com­
portamento encoberto".

Comportamento verbal: Alguns fundamentos da noção operante de pensa­


mento
O campo do comportamento verbal é extremamente amplo, pretende-se assinalar
aqui apenas algumas suposições da teoria operante do comportamento verbal, necessárias
à compreensão do campo do pensamento e com as quais se pode avançar na compreensão
de comportamento verbal encoberto. Antes de continuar, porém, um esclarecimento: Skinner
(1957) estendeu o conceito de comportamento verbal para além do comportamento vocal,
mas, para facilitar a exposição, sempre que forem utilizadas, neste ensaio, as expressões
"comportamento verbal" e "comportamento verbal encoberto", subentende-se que o sentido
ô restrito ao de comportamento verbal vocal; nas raras vezes em que essas expressões
venham a referir-se a comportamento verbal não vocal, tais como gestos ou ações, isto
será explicitado.
Skinner (1974) afirma que o mentalismo surgiu, em grande parte, para explicar os
"mistérios" escondidos pelo comportamento verbal; estudá-lo seria o único caminho para
desvendar os processos mentais superiores explicando-os à luz da análise comportamental.
No Behaviorismo Radical, todo o comportamento verbal, vocal ou não, aberto ou encober­
to, é explicado pelo modelo operante de análise comportamental e, com ele, o modelo
funcional de explicação do comportamento em geral (Skinner, 1957; 1974). Nessa
perspectiva, comportamento verbal deve ser analisado como operantes verbais e, na
qualidade de operante, deve ser compreendido como resultado de contingências
ontogenéticas, além das filogenóticas e das culturais. Do ponto de vista funcional, o com­
portam ento verbal operante é explicado pelas variáveis que atuaram em contingências
passadas, nas quais foi m odelado, e pelas variáveis em vigor, quando da sua ocorrência.
As variáveis em jogo são múltiplas e nem sempre familiares.
O comportamento verbal tem uma especificidade: embora operante, ele não age
diretamente sobre o meio físico e, por isso, depende da mediação de um ouvinte para ser
reforçado. Por outro lado, suas ocorrências são facilitadas, porque não dependem
diretamente de apoio do meio físico.

Aquisição do comportamento verbal


Analisar o comportamento verbal nos moldes do modelo operante implica entendê-
lo como comportamento que não é simplesmente eliciado por um estímulo (caso dos
respondentes), mas é constituído por respostas verbais que passam a ocorrer sob o con­
trole discriminativo de estímulos após um processo de modelagem. Em uma comunidade
verbal, arranjos especiais de contingências verbais são responsáveis pela construção do
repertório verbal apresentado por seus membros em qualquer momento dado. A comuni­
dade verbal reforça, de maneira generalizada, relações estímulo-resposta verbal, o que
resulta em um repertório comum de respostas verbais entre os membros de uma mesma
comunidade verbal, um repertório sob o mesmo controle de estímulos, ou seja, um repertório
verbal discriminativo. Dito de outro modo, a aquisição de todo o repertório verbal eficaz
está na dependência de práticas especiais, públicas, de cada comunidade verbal. Nessas
práticas, as relações comportamentais (relações de contingência) são fortemente
condicionadas, uma vez que nelas é possível o reforço diferencial de respostas verbais
apropriadas a cada situação. Em geral, mesmo as comunidades mais simples são exigentes
ao estabelecer o controle discriminativo - respostas “erradas" são punidas - o repertório
resultante é sofisticado e eficaz para assumir diferentes formas, conforme o controle de
variáveis em vigor. O comportamento verbal pressupõe um repertório verbal condicionado
para ser reforçado quando emitido (Skinner, 1957).

Funções do comportamento verbal


As teorias da linguagem, em geral, estudam a fala entendendo-a como um veicu­
lo para expressar idéias ou transmitir significados ou informações que se encontram,
supostamente, dentro do indivíduo. A análise funcional do comportamento verbal constitui-
se em um enfoque completamente diferente; analisa a maneira como cada indivíduo usa a
língua em episódios de interações verbais, estando sob o controle tanto da comunidade
verbal quanto de sua própria história pessoal e das variáveis atuais em vigor.
Compreender o comportamento verbal como ocorrências ou episódios é muito
diferente de entender a língua, pois ela existe independentemente de alguém a utilizar. O
comportamento verbal é o uso da língua. Em uma análise funcional, cabe investigar quais
variáveis maximizam a probabilidade de ocorrência de um dado comportamento verbal,
inclusive na forma aberta ou encoberta. Skinner (1957) sugeriu cinco tipos de classificações
do comportamento verbal conforme sua função: mando, tacto, intraverbal, textual e ecóico.
Alóm de apresentar uma análise detalhada das possíveis variáveis envolvidas em cada
uma dessas classificações, ele enfatiza também, entre outras, as variáveis da audiência e
a função autoclítica e organizadora do comportamento verbal. Essas funções serão
explicitadas mais adiante em seção específica sobre as funções do comportamento verbal
encoberto.
Antes de concluir, resta enfatizar que Skinner (1957) interpretou o comportamento
verbal como parte integrante do repertório operante total da pessoa. Ele considerou que
respostas verbais, embora apresentem uma forma especial e possam ser analisadas,
funcionalmente, enquanto classes comportamentais, participam também de outras classes
e de cadeias comportamentais que envolvem respostas não verbais. Em um simples cum­
primento, podemos observar que a pessoa diz “como vai" enquanto "estende a mão";
temos uma resposta verbal (como vai) ocorrendo juntamente com uma ação (estender a
mão). Neste exemplo, ambas as respostas compõem a classe de comportamento
funcionalmente relevante - cumprimentar. O ponto crítico aqui é considerar as
particularidades do comportamento verbal sem, no entanto, tratá-lo à parte do
comportamento operante e, principalmente, sem cair na dicotomia entre comportamento
verbal e não verbal ou, entre fala e ação. Nas seções posteriores, serão melhor detalhadas,
com ilustrações, a integração de fala e ação em cadeias comportamentais complexas.

Comportamento encoberto: Subsídios para a análise operante do pensa­


mento
Skinner (1953/1998; 1957; 1989) denominou encobertas todas aquelas atividades
ou respostas que ocorrem de modo oculto ou acessível apenas á própria pessoa, mas
cuja aquisição está na dependência de contingências públicas que as modelem. Isto
inclui, entre outras, as respostas verbais subvocais, inaudíveis, conhecidas amplamente
como "pensamento"; todas as respostas às quais nos referimos como imaginação ou
fantasia e o comportamento de sonhar.
O comportamento encoberto, da mesma forma que o aberto, pode ser verbal
(vocal e não vocal) ou não-verbal. Em Skinner (1957), o critério para que um comportamen­
to seja considerado verbal é a dependência da mediação de um ouvinte para ser reforça­
do. Com esse critério, ele classifica toda a fala encoberta (pensamento) como comporta­
mento verbal, uma vez que, neste caso, pressupõe-se que a própria pessoa possa fazer o
papel de falante e ouvinte para si mesma (uma questão que será retomada mais adiante).
Esse autor admite, ainda, a possibilidade de ocorrer comportamento encoberto verbal
mas não vocal sem, contudo, se estender em sua análise. A possibilidade ele demonstra
com um exemplo: ao viajarmos no banco traseiro de um carro e, de repente, freiarmos
com nossos pós, podemos inferir que estávamos "dirigindo encobertamente". Tratar-se-ia,
neste caso, de um comportamento encoberto e não vocal, mas "verbal", porque mediou a
ação de uma pessoa, ainda que a mesma pessoa.
Os demais comportamentos encobertos, tais como fantasiar, imaginar e sonhar
são considerados não-verbais. Skinner (1957, 1974) explica-os como comportamento
perceptivo especial, por ocorrerem na ausência da estimulação percebida. Um exemplo
seria alguém imaginar um mapa das ruas que levam a um certo endereço; ao imaginar, a
pessoa “vê" as ruas de maneira encoberta mesmo estando distante dessas ruas.
Em toda a obra de B. F. Skinner, encontra-se relativamente pouco espaço dedica­
do ao comportamento encoberto. Isto pode ser explicado, ao menos em parte, por dois
motivos: por um lado porque ele dedicou-se arduamente em demonstrar a importância dos
eventos públicos como um domínio legítimo para ser observado e estudado diretamente e
do qual é possível derivar importantes leis capazes de explicar o comportamento como um
todo; por outro ládo, porque ele interpretou o comportamento encoberto com os mesmos
princípios e conceitos derivados da análise dos comportamentos abertos. Ou seja, ele
defende que em ambas as formas de ocorrência, aberta ou encoberta, os comportamen­
tos são da mesma natureza, seguem os mesmos princípios, não sendo necessária uma
teoria diferente para explicar cada uma delas. Em ambas as formas, o que se encontra
são comportamentos operantes e, como tais, selecionados em contingências públicas de
reforçamento. Neste sentido, è um equívoco considerar o comportamento aberto e enco­
berto como classes funcionais necessariamente distintas, menos ainda, interpretar,
dicotomicamente, uma forma como causa da outra. Este ponto deverá ficar um pouco
mais claro, em seção posterior, quando serão especificadas algumas variáveis responsá­
veis pelas ocorrências abertas ou encobertas do comportamento verbal.
Considerando-se o exposto a respeito do "comportamento verbal" e do "comporta­
mento encoberto", pode-se concluir que toda a análise operante e funcional do comporta­
mento verbal aplica-se tanto às ocorrências dos comportamentos verbais abertos quanto
às suas ocorrências encobertas. Deste modo, uma tese Behaviorista Radical a respeito
do "comportamento verbal encoberto" pode ser assim resumida: Comportamentos verbais
encobertos são adquiridos em contingências verbais públicas; ao falar consigo mesmo,
encobertamente, cada indivíduo utiliza seu repertório verbal adquirido nos arranjos de con­
tingências públicas próprias de sua comunidade verbal. Em vista disso, comportamentos
verbais encobertos estão sujeitos aos mesmos controles de variáveis das formas abertas,
ou, seja apresentam as mesmas funções dessas formas, a saber, funções de tacto, man­
do, intraverbal e todas as outras.

Behaviorismo Radical e o campo do pensamento


Continuando o itinerário para esclarecer conceitos relevantes à compreensão do
comportamento verbal encoberto, procura-se delinear, nesta seção, o campo de estudo do
pensamento. Pode-se afirmar, em termos bem gerais, que o campo de estudo do pensa­
mento cobre "todos os usos" que são feitos e outros que ainda poderão vir a ser feitos do
termo pensamento. Neste sentido, é um campo aberto como o ê todo o campo da análise
comportamental de usos de termos mentais. Todavia, nem todos os usos são de interes­
se para uma análise comportamental. Serão apresentados aqui apenas aqueles cuja in­
terpretação comportamental possa trazer alguma contribuição para a ciência do compor­
tamento.
Usos do Termo Pensam ento
O uso mais comum do termo pensamento é aquele em que o sentido é o de fala
subvocal ou fala encoberta, referindo-se àquilo que uma pessoa diz para si mesma; trata-
se de verbalizações acessíveis apenas à própria pessoa, a não ser que ela as torne
públicas falando-as em voz alta ou as escrevendo. Nessa concepção de pensamento
exclui-se todo comportamento aberto, seja verbal ou não, e todo comportamento encober-
ío “não-verbal” e "verbal não vocal". Pode-se afirmar que este é o uso mais popular e
também o mais restrito desse termo (conforme se verificará mais adiante); ó, ainda, o uso
de escolha para ser desenvolvido neste ensaio. Entretanto, na concepção skinneriana,
esse uso não cobre todo o campo do pensamento, ao contrário, Skinner (1957, 1974,
1989) afirma que comportamento verbal encoberto refere-se apenas a uma “pequena par­
te" do campo do pensamento. O campo todo ficará melhor esclarecido, na seqüência,
com a apresentação de vários outros usos desse termo.
Em mais um uso, o termo pensamento cobre toda forma de fala; ou seja, além
de toda fala encoberta (caso descrito anteriormente), inclui também toda a fala aberta.
Esse uso eqüivale, portanto, a comportamento verbal vocal, sejam em ocorrências abertas
ou encobertas. Skinner (1957) denominou-o "pensamento verbal", isto porque, conforme
se demonstrará nos próximos tópicos, há outros usos para o termo pensamento os
quais incluem ações ou outros comportamentos não-verbais.
Pensamento pode referir-se também a todo comportamento encoberto. Este
uso inclui: o comportamento verbal encoberto (vocal), que seria, ainda, o caso do primeiro
uso descrito; possíveis comportamentos encobertos verbais mas não vocais (estes apenas
assinalados por Skinner com o exemplo já citado de "dirigir o carro encobertamente”) e
comportamento encoberto não verbal tal como imaginar, fantasiar e sonhar.
Uma utilização mais técnica do termo pensamento é aquela que se refere aos
principais processos cognitivos ou, mais especificamente, aos processos mentais supe­
riores. Esse uso inclui, basicamente, os processos cognitivos conhecidos como atenção,
percepção, memória, resolução de problemas, escolha, formação de conceitos, formulação
de idéias, criatividade, entre outros. Ao apresentar a análise comportamental de cada um
desses processos cognitivos, Skinner (1974,1989) os nomeia com uma linguagem apropri­
ada aos processos comportamentais, a saber, nomeia-os com verbos e não mais com
substantivos; por exemplo, atentar, perceber, memorizar, pensar, e assim por diante.
Não cabe aqui apresentar uma análise comportamental de cada um desses pro­
cessos cognitivos, uma vez que eles foram incluídos somente com o intuito de delimitar e
ilustrar o campo do pensamento. Além disso, suas análises são em geral extensas, mas
o leitor interessado as encontrará em todos os textos skinnerianos sobre pensamento.
Segue apenas um pequeno exemplo para demonstrar que nas análises skinnerianas do
pensamento enquanto interpretação comportamental de processos cognitivos, estão en­
volvidos, além de comportamento verbal encoberto e aberto, muitos comportamentos não-
verbais, o que inclui ações públicas e comportamentos não verbais encobertos.
A título de ilustração, segue um exemplo bastante simples de um dos processos
mentais superiores-resolução de problemas. Para Skinner (1953/1998,1957,1968,1989),
alguém tem um problema quando está motivado (seja por privação ou pela presença de
estimulação aversiva) para responder de um certo modo, mas faltam-lhe condições para
fazê-lo. Um exemplo seria uma pessoa estar motivada para comprar um carro novo, mas
não poder fazê-lo de imediato por não ter nem o valor monetário exigido, nem escolhido
um dos carros disponíveis no mercado. A resolução do problema incluiria muitas respostas
que deveriam ser emitidas para produzirem a condição necessária para a emissão da
resposta final - comprar o carro novo. Entre inúmeras seqüências possíveis, pode ocorrer
o seguinte: a pessoa diz silenciosamente para si mesma que seu carro já está velho,
dando muita despesa e que é melhor pensar em comprar outro (definido o problema, o que
segue é procura e execução da solução); pega um jomal na estante; examina na seção de
automóveis quais os disponíveis no mercado; lê os preços silenciosamente, pega a calcu­
ladora e faz vários cálculos sobre a diferença entre os preços de três carros que já esco­
lheu; compara os valores dos carros novos com o do seu carro atual; constata quanto
falta; pensa mais um pouco, em silêncio, comparando as características dos três carros
novos; permanece em dúvida; pensa que seria melhor consultar o seu mecânico, liga para
o mecânico e pede a opinião dele sobre a mecânica dos carros, bem como sobre o
consumo de combustível de cada um; depois, diz para si mesma: "preciso de um emprés­
timo, será que conseguirei? Só perguntando para saber, vou ligar para o banco"; liga para
o banco e informam-lhe que este assunto precisa ser tratado pessoalmente e com um
gerente; solicita para agendarem horário com um gerente; no horário marcado vai ao ban­
co e planeja um empréstimo pedindo um tempo para assiná-lo, a fim de pensar mais um
pouco; passa rapidamente nas agências de dois dos carros escolhidos, examina-os e faz
um teste drive com cada um; reserva um deles; volta para casa e vai ocupar-se de outras
coisas; entretanto, os dois carros que viu "não lhe saem da cabeça”, continua, ora imagi­
nando "o visual" de cada um dos dois carros testados, ora comparando os preços e vanta­
gens de cada um...; no dia seguinte, ao tomar o café da manhã, inesperadamente, ocor­
re-lhe parte da solução final: já decidiu qual carro vai comprar; vai ao banco e assina o
empréstimo.
Com o carro escolhido e o dinheiro na mão, o problema está resolvido; as
respostas descritas na seqüência acima permitiram que se produzisse as condições ne­
cessárias para a resposta final, ou seja, a solução do problema - comprar um carro novo.
Importante verificar que na descrição comportamental do processo de resolução
de problema, o pensar não se limita nem a comportamento verbal nem a comportamento
encoberto. No exemplo acima há alternâncias de comportamento verbal e não-verbal,
ambos em ocorrências tanto abertas quanto encobertas, em cadeias de comportamentos
operantes. Skinner (1957) entende que cadeias desse tipo são especialmente relevantes
para o campo do pensamento porque, em geral, constituem-se em cadeias de comporta­
mento eficaz ou produtivo. Pode-se verificar nesse exemplo que é função das respostas
verbais, organizar o comportamento como um todo, ou em outros termos, coordenar as
cadeias comportamentais. Entretanto, sem as ações o comportamento verbal seria uma
espécie de delírio, completamente ineficaz; enquanto que sem o comportamento verbal é
pouco provável que tais ações viessem a ocorrer de modo coordenado e eficaz.
Outro ponto a considerar é que, ao resolver o problema, em cada uma das clas­
ses de resposta da seqüência, a pessoa emitiu respostas que já existiam com certa
probabilidade em seu repertório. Isto quer dizer que solucionar problemas eficientemente
pressupõe um amplo repertório de respostas previamente adquiridas, mas esta é uma
consideração que já diz respeito a outro uso do termo pensamento descrito em seguida.
Por enquanto, importa assinalar que na visão skinneriana o comportamento verbal só pode
ser compreendido como parte do comportamento total da pessoa; isto também se aplica,
naturalmente, à análise do campo do pensamento.
Um último ponto a ser considerado quanto á interpretação comportamental de
processos cognitivos, é o de que seria um equívoco tomar tal interpretação como simples
substituição da concepção mentalista destes processos. Nesta, eles são considerados
importantes causas iniciais de comportamento, enquanto na análise comportamental,
embora especiais, eles são, ainda, comportamentos que precisam ser explicados por
contingências ambientais. Contudo, são especiais porque o campo do pensamento, jun­
tamente com o do autocontrole, inclui a explicação dos processos comportamentais de
autodeterminação ou autogoverno, nos quais partes do repertório de uma pessoa ó res­
ponsável por mudanças ambientais que evocam outras partes do repertório, na mesma
pessoa, como foi visto no exemplo anterior. Todavia, essas relações entre partes de um
mesmo repertório, analisadas extensamente por Skinner (1953/1998,1957,1968,1974,
1989) no campo do pensamento, embora envolvam relações funcionais, não equivalem à
concepção causal mentalista.
Finalmente, um último uso do termo pensamento refere-se à totalidade dos com­
portamentos de uma pessoa. Neste último sentido, compreende-se o pensamento de
alguém a partir de tudo o que essa pessoa já fez em sua vida, independentemente de que
ela tenha falado ou não sobre isso. Para Skinner (1957), quando estudamos o pensamento
humano, estudamos o comportamento humano no sentido mais amplo possível; para ele
essa é a melhor forma de compreender comportamentalmente o pensamento. Ele cita um
exemplo - estudar o pensamento de Júlio César equivale a estudar a soma total de suas
respostas ao mundo complexo em que ele viveu; dizer que ele pensava que podia confiar em
Brutus, independe dele ter ou não dito isto. Ele simplesmente se comportava, verbalmente
ou não, como se Brutus fosse de confiança. Continuando, Skinner (1957) entende que o
registro verbal feito por uma pessoa não é seu pensamento, ele (o registro) pode contar um
pouco de seu comportamento não verbal e, desse modo, auxiliar na compreensão de seu
pensamento. Sobre isso o mesmo autor afirma: “No tocante à ciência do comportamento,
o homem que pensa é simplesmente o homem que se comporta" (p. 452). Nesta concep­
ção, a qualidade ou eficácia do pensamento de alguém está na dependência da qualidade
ou da eficácia de seu repertório total; além disso, com ela cai por terra ao menos duas
concepções tradicionais a respeito do pensamento: a concepção de que todo pensamento
é oculto e a de que as pessoas sempre pensam primeiro e depois agem.
Resumindo, pode-se afirmar que, para o Behaviorismo Radical, o campo de estu­
do do "pensamento" corresponde aos diversos "usos” que são feitos desse termo; trata-se
de um termo que, em geral, se refere à mente, mais especificamente, á mente cognitiva.
Contudo, nem todos os usos são de interesse para a compreensão do comportamento
humano. Os usos de maior interesse incluem o comportamento verbal vocal aberto e
encoberto, mas não só, na visão skinneriana, os dois últimos usos descritos (processos
cognitivos e totalidade do comportamento) são considerados os mais produtivos na com­
preensão de processos comportamentais complexos, especialmente aqueles relaciona­
dos com a produção de condições pessoais denominadas autogoverno, liberdade, origina­
lidade ou criatividade, entre outras. Ao delimitar o campo do pensamento, Skinner (1957,
1968,1989) dá ênfase às cadeias de comportamento eficaz ou produtivo. Sobre isso ele
lembra que o fato das pessoas, enquanto organismos vivos, comportarem-se continua­
mente, resulta em ocorrências de comportamentos nem sempre relevantes para o indiví­
duo ou para seu ambiente sociocultural. No entender do autor, esses comportamentos
pouco relevantes não são de interesse para o campo do pensamento. Quanto ao primeiro
uso descrito, comportamento verbal encoberto, tema central deste ensaio, sua relevância
está em suas especificidades, conforme se poderá constatar mais adiante.
Do exposto, fica mais fácil afirmar que o comportamento verbal encoberto, repre­
senta uma pequena (mas importante) parte do campo do pensamento. De todos os usos
descritos, é o mais restrito, o mais comum e a forma mais fácil de ser identificada e, em
geral, a que desperta maior interesse. Pode-se afirmar, além disso, que na visão Behaviorista
Radical, ao compreendermos e aprofundarmos o estudo dos campos acima descritos -
do comportamento verbal, do comportamento encoberto e do pensamento-já compreen­
deremos quase tudo sobre comportamentos verbais encobertos. Entretanto, a compreen­
são do pensamento verbal na sua forma encoberta, exige, ainda, uma análise especifica.

Especifidade do comportamento verbal encoberto


O que se pode considerar específico em uma análise do comportamento verbal
encoberto? Conforme Skinner (1957,1989), tal especificidade se restringe às contingências
ou variáveis que determinam quando e quais ocorrências do comportamento verbal devem
assumir a forma aberta ou encoberta. Contudo, cabe observar ainda que grande parte
desta análise refere-se ao comportamento encoberto em geral e não apenas ao verbal.
Uma análise das especificidades do comportamento verbal encoberto fundamenta-
se em dois pressupostos. Primeiro, respostas verbais podem variar em um continuo de
altura desde o gritar até a possibilidade de fala completamente inaudível ou subvocal (que
se recolhe para o nível encoberto), podendo, em geral, passar facilmente de um extremo de
altura para o outro (do modo aberto pnra o encoberto e vice-versa). Em outros termos, o
limite entre a possibilidade de ocorrências abertas ou encobertas, em geral, é tênue.
Em segundo lugar, é preciso admitir que uma pessoa possa ser, ao mesmo tempo,
falante e ouvinte para si mesma, o que torna possível o diálogo consigo mesma (solilóquio).
Dizer que uma mesma pessoa faz o papel de falante e ouvinte não é fazer referência à
pessoa no sentido biológico, mas a dois repertórios em uma mesma pessoa, uma vez que
esta adquiriu tanto o repertório de falante quanto o de ouvinte; trata-se, na mesma pessoa,
de um “eu" falando com o “mim". Falamos freqüentemente para nós mesmos porque, entre
outras coisas, somos nossa melhor audiência; no solilóquio, falante e ouvinte possuem a
mesma história, a mesma experiência, o mesmo repertório e a mesma motivação; além
disso, no solilóquio, o ouvinte tende a não censurar mas a concordar com o falante (Skinner,
1957). O mesmo autor lembra que as variáveis responsáveis pela ocorrência do solilóquio
são diferentes daquelas responsáveis pelas ocorrências encobertas do comportamento ver­
bal. Por isso, embora o solilóquio ocorra predominantemente de maneira encoberta (pelas
razões descritas a seguir), ele também ocorre, eventualmente, de maneira aberta.

Variáveis responsáveis pelas ocorrências encobertas do comportamento


verbal
A conveniência - as pessoas se comportam continuamente e o comportamento verbal
também tende a ser contínuo. Se toda fala ocorresse de forma aberta, ou melhor
dizendo, se tudo o que pensamos verbalmente de maneira encoberta viesse a ocorrer
de maneira aberta, provavelmente seríamos muito barulhentos e irritantes. O excesso
de barulho (que tenderia a ser punido) parece um bom motivo para que grande parte
do “falar contínuo" ocorra de maneira encoberta.
O interesse e a confidencialidade - se atentarmos para nosso pensamento verbal encoberto,
verificaremos que grande parte dos assuntos que aparecem ou sobre os quais nos
debatemos, dizem respeito apenas a nós mesmos. Em outras palavras, grande
parte da fala encoberta pode ser de interesse para o falante e não ser de nenhum
interesse para outros ouvintes; ou mais, podem ser confidencias. A privacidade ó
outro importante motivo para grande parte de nossa fala permanecer encoberta.
A audiência - já deve estar claro que, em geral, cada pessoa parece ser a melhor audiên­
cia para si mesma o que aumenta a probabilidade do falar encoberto. Contudo,
outros problemas com a audiência também podem levar a pessoa a recolher sua
fala para o nível oculto, por exemplo, a pessoa pode encontrar-se em uma situação
de isolamento social na qual não haja ouvintes disponíveis. Ou um falante pode
estar entre outras pessoas que não constituem uma audiência apropriada, por
exemplo, tratar de um assunto técnico entre pessoas leigas, ou encontrar-se entre
pessoas que não falam a mesma língua, ou, ainda, um adulto encontrar-se entre
crianças etc. Em resumo, tanto na falta de audiência quanto na presença de uma
audiência inapropriada, o comportamento verbal tende a recolher-se para o nível
encoberto.
Quanto ao isolamento, cabe acrescentar que a fala isolada exige “realimentação”,
ainda que ocasional, na comunidade verbal pública pois, do contrário, corre o risco de se
tornar ineficaz, (distorcida, idiossincrática ou autística) em relação às práticas sociais.
Considerando a função organizadora do comportamento verbal, o isolamento social pode
resultar em sérios problemas de adequação social para amplos segmentos do repertório
total de uma pessoa.
Comportamento irrelevante - conforme já assinalado acima, o comportamento verbal tende
a ser contínuo, em decorrência disto, grande parte da fala encoberta é intraverbal
(naquela forma em que simplesmente uma resposta "puxa" a outra) ou, ainda, pode
ser apenas repetição do que ouvimos (por exemplo, uma música ouvida repetidas
vezes), nesses e em outros casos a fala tende a ocorrer de forma encoberta
simplesmente porque é de pouco interesse até para o próprio falante. Note-se que
falas desse tipo seriam também de pouco interesse para o campo de estudo do
pensamento, uma vez que não se constituem em comportamento eficaz ou produtivo.
A rapidez - todo comportamento verbal produz auto-estimulação imediata. Falar
encobertamente é ainda mais rápido e produz, também de modo mais rápido, a
auto-estimulação. Por isso, é um modo de falar muito prático em certas ocasiões;
além disso, ao não exigir apoio ambiental, permite ao falante encontrar ou testar
soluções e respostas, também de forma mais rápida, para qualquer tipo de problema,
evitando assim as conseqüências sociais punitivas que tenderiam a ocorrer para os
erros ou inadequações.
A esquiva da punição - um bom e freqüente motivo para o comportamento
permanecer encoberto são as contingências punitivas em vigor. Quanto mais intensa a
punição mais o comportamento punido tende a recolher-se para a forma encoberta. Isso
tende a ocorrer tanto com comportamentos não-verbais (as fantasias visuais e os sonhos,
por exemplo), quanto com comportamentos verbais, por exemplo, os denominados
"pensamentos obsessivos". Mas o ponto importante neste caso é poder experimentar e
errar, sem ter que assumir as conseqüências; ao tornar o comportamento aberto, assu­
me-se as conseqüências. Por isso, o comportamento encoberto pode vir acompanhado
da sensação de liberdade.
Foram apresentadas algumas das possíveis variáveis indicadas por Skinner (1957,
1974) como responsáveis pelas ocorrências encobertas do comportamento verbal; outras
tantas variáveis respondem pelas ocorrências abertas desse comportamento. De qualquer
modo, é a comunidade verbal quem arranja as contingências de reforço que controlam, em
última instância, quando e quais respostas verbais devem ser emitidas em uma ou outra
forma, ou mesmo quando mudar de forma. Tourinho (1997) lembra, ainda, que para o
Behaviorismo Radical, a forma aberta ou encoberta do comportamento tem relação com
práticas culturais; neste caso, não são as conseqüências pessoais que importam, mas a
sobrevivência da própria cultura.
Eventualmente, as variáveis que controlam as ocorrências encobertas do compor­
tamento verbal podem sofrer a concorrência de algumas outras variáveis (entre elas, altos
níveis de ansiedade, privação social) as quais levam para a ocorrência aberta, o comporta­
mento que sob o controle da comunidade verbal prevalente deveria ser encoberto. Ou seja,
aparece publicamente o comportamento que se esperaria fosse mantido no domínio priva­
do; trata-se do "pensar em voz alta" ou do “conversar sozinho", cujo modo inesperado e
inapropriado de ocorrência tende a ser punido pela comunidade verbal.
Finalmente, resta pontuar que se um tipo de comportamento esteve por muito
tempo em uma única condição (encoberto ou aberto) poderá demorar para adequar-se
à outra condição. Um exemplo pode ser a estranheza de uma pessoa ao ensaiar uma
palestra em voz alta não havendo audiência, ou, ao contrário, uma pessoa que pela
primeira vez ê solicitada a tornar pública uma opinião sobre si mesma.

As funções do comportamento verbal nas ocorrências encobertas


Já foi assinalado que na análise Behaviorista Radical, comportamentos verbais
encobertos apresentam as mesmas funções amplamente descritas para as ocorrências
de comportamento verbal aberto (Skinner, 1953/1998, 1957, 1989). Segue-se, a título
de ilustração, a descrição de algumas das funções do comportamento verbal em
ocorrências encobertas.
A função de tactos - a rapidez na estimulação imediata, permite que respostas
verbais encobertas na forma de tactos, ou melhor dizendo de autotactos, tenham o efeito
de ajudar o falante a identificar, rapidamente, características importantes de uma situação
nova ou complexa na qual se encontre envolvido e ser reforçado por isso. Tactos podem ter
um efeito importante para comportamentos subsequentes, uma vez que nomear, categorizar
e identificar coisas ou eventos, torna-os menos aversivos e mais familiares. O tacto enco­
berto, em geral, tem a função de esclarecer rapidamente uma situação o que aumenta a
probabilidade de ocorrência de outros comportamentos apropriados a esta situação. Um
exemplo - ao acordar de manhã em um dia em que programou uma atividade ao ar livre,
alguém pode ouvir o barulho da chuva e pensar rapidamente (falar a si mesmo de forma
encoberta): "está chovendo" esse tacto pode ter a função de aumentar a probabilidade da
pessoa saltar da cama e apressar-se em tomar providências, seja para desmarcar a atividade,
mudá-la de local ou outra providência apropriada à situação.
A função de mandos - respostas verbais encobertas podem também funcionar
automaticamente como mandos, ou melhor, como automandos. Trata*se, por exemplo,
de comandos, ordens e conselhos para si mesmo. Semelhante ao que ocorre com os
autotactos, os automandos aumentam a probabilidade de comportamentos ató então pou­
co prováveis, sendo reforçados por isso. Em uma situação de debate em grupo, por exem­
plo, alguém que raramente se expõe, diz a si mesmo que tem que ser a próxima pessoa
a falar. Ou, ao contrário, alguém que tende a falar demais pode dizer a si mesmo para
calar-se ou para aguardar que outros falem primeiro. Essas auto-instruções tendem a
estimular as ações abertas mais apropriadas à situação, nesse exemplo, o expressar-se
ou o calar-se. Em síntese, tanto no caso de automandos como no de autotactos, o com­
portamento encoberto pode ser interpretado como um precorrente (comportamento
preliminar ou incipiente) o qual, em uma cadeia comportamental, torna o comportamento
subsequente, aberto, mais efetivo ou mais provável (Skinner, 1968).
A autocorreção - esta é uma atividade importante que toma o comportamento verbal
eficiente e na qual se aplica, em grande parte, a denominada função autoclítica do
comportamento verbal (Skinner, 1957). Trata-se de uma atividade crítica que rejeita o
comportamento verbal impróprio e vai corrigindo-o ató alcançar uma formulação apropriada
quanto aos efeitos esperados sobre o ouvinte. Para tanto, o falante utiliza critérios públicos de
correção. Essa atividade, em geral, é muito rápida e feita, preferencialmente, de forma encoberta.
Quando, nessa atividade se aplica a função autoclítica, o falante utiliza o comportamento
verbal para alterar a função de outro comportamento verbal. Por exemplo, alguém me convida
para ir à praia no próximo final de semana e eu respondo rapidamente "sim, eu vou”; mas,
imediatamente eu examino meu "estado motivacional" e constato estar pouco motivada para
ir, então, rapidamente, eu penso (fala encoberta) “talvez eu vá", em seguida eu digo (fala
aberta) para quem me convidou “talvez eu vá". O “talvez” aqui tem a função autoclítica de
mudar o sentido, ou melhor, a função da afirmação anterior; a resposta do ouvinte frente a "eu
vou" deve ser bastante diferente da resposta a “talvez eu vá". Naturalmente, todas as falas aqui
poderiam ser abertas mas é bem mais provável que a primeira ocorrência da correção autoclítica
“talvez eu vá" seja encoberta, devido à sua rapidez e para ser testada antes de ser verbalizada
abertamente para o ouvinte, no caso, o emissor do convite. A autocorreção tende a ocorrer de
maneira encoberta porque, entre outras coisas, funciona também como esquiva de possíveis
punições pela comunidade verbal
A função organizadora - o comportamento verbal encoberto pode ter funções
importantes em cadeias complexas de comportamento, ao intercalar-se com comportamento
verbal aberto e com ações e assim tomar parte nas ocorrências de cadeias comportamentais
de "pensamento produtivo". No exemplo de solução do problema (comprar um carro) descrito
em seção anterior, pode-se verificar a função organizadora do comportamento verbal, com
destaque para suas ocorrências encobertas. O fato é que, devido á sua rapidez e produção
de auto-estimulação imediata, o comportamento verbal, na sua forma encoberta, pode
maximizar, também, a função organizadora do comportamento verbal.
Apesar desta sessão ter como título geral “especificidade do comportamento verbal
encoberto", tratou-se também aqui das variáveis que controlam "todo o comportar-se en­
cobertamente, seja comportamento verbal ou não" e de "funções do comportamento verbal
encoberto" que nada mais são que aquelas mesmas “funções do comportamento verbal
aberto". Isto só demonstra que há muito pouco de específico nas explicações skinnerianas
de "comportamento verbal encoberto" e que, portanto, a sua compreensão envolve outros
campos de conhecimento, conforme se tem procurado demonstrar ao longo deste texto.
Considerações finais
Uma vez situada a análise comportamental do pensamento no debate com os
teóricos da mente cognitiva, parece oportuno, para finalizar, retomar algumas questões
desse debate.
Skinner (1957; 1987; 1989) alerta para a dificuldade em se manter a análise
comportamental de cadeias complexas de comportamento (semelhantes à exemplificada
quanto ao problema para se comprar um carro novo) sem cair nos modelos cognitivos,
principalmente os mediacionais. Quanto a isso ele lembra que, em primeiro lugar, nesses
modelos o que se encontra no nível encoberto não são comportamentos, mas, constructos
teóricos ou entidades de natureza cognitiva (sistemas de crenças, esquemas cognitivos,
matriz de transformação da informação, atitude, espectativa, "pensamento"...) através dos
quais se faz a ligação entre o ambiente e o comportamento, ambos, considerados fenôme­
nos apenas de domínio público. Em segundo lugar, mesmo nos modelos mediacionais nos
quais se considera que as contingências ambientais participam na formação de sistemas
cognitivos ou de cognições, pressupõe-se que estes adquirem "autonomia" em relação ao
ambiente público e passam a determinar, por si mesmos, os sentimentos e as ações. Por
exemplo, diz-se que um sistema de crenças ou uma expectativa é que determinam o que
uma pessoa sente ou faz, independentemente do ambiente atual.
Na análise comportamental, em primeiro lugar, o que se encontra no nível enco­
berto não são constructos teóricos mas ocorrências de comportamento, essas ocorrên­
cias “existem", sendo sua única particularidade, serem observáveis diretamente apenas
pela própria pessoa. Os constructos são invenções, não são ocorrências, não são com­
portamento. Isto implica uma grande diferença entre ambas as visões. No behaviorismo
radical, as ocorrências do mundo encoberto são tratadas do mesmo modo que as do
mundo público, ou seja, são consideradas parte do ambiente do indivíduo e, como tais,
também analisadas enquanto estímulos e respostas envolvidos em relações de contingência,
em continuidade com o ambiente de domínio público. Ou seja, as ocorrências de
comportamento encoberto participam, juntamente com ocorrências abertas, de amplas
classes comportamentais ou se constituem elos de cadeias comportamentais. Desse
modo, entre as possíveis relações funcionais que explicam cadeias complexas de
comportamento, geralmente se verifica, por um lado que partes dessas cadeias ocorrem
de modo aberto e outras partes de modo encoberto; por outro lado, verifica-se também que
um elo encoberto (classe de resposta) pode determinar a ocorrência de outro elo em nível
aberto, de maneira semelhante à suposição cognitiva. Mas, mesmo neste caso, tais
relações são possíveis porque essas classes encobertas são, ainda, modeladas e mantidas
por contingências sociais públicas de reforço, principalmente as verbais. Os elos abertos,
finais, produzem os reforços necessários à manutenção das cadeias totais.
Em segundo lugar, isto que se acaba de dizer demonstra que o comportamento
verbal encoberto não adquire "autonomia" em relação ao ambiente público para determinar
outros comportamentos. Como afirma Skinner (1989): no modelo de seleção por
consequências pressupõe-se que os comportamentos operantes são modelados e
mantidos por contingências de reforço e é no ambiente de domínio público que as
contingências de reforço acontecem. Só para exemplificar, já foi citado anteriormente
que a fala encoberta depende de “realimentação" na comunidade verbal pública para
não perder a sua funcionalidade, tornando-se ideossincrática.
Algumas questões surgem porque ao enfocar os comportamentos complexos,
como é o caso do pensamento, juntamente com o do autogoverno ou do autocontrole,
Skinner (1953/1998; 1957; 1974; 1989) aponta para um processo comportamental no qual
uma parte de um repertório passa a controlar outra parte do repertório, na mesma pessoa.
Essa é, conforme o autor, uma das funções do comportamento verbal encoberto. Veja, por
exemplo, as funções de automando e autotacto ou, ainda a função organizadora do
comportamento verbal. Entretanto, nisto, não há nada de “cognitivo", uma vez que, o
repertório verbal que controla outros repertórios está, por sua vez, sob o controle da
comunidade verbal pública que o modelou e que o mantém. Até porque, em uma mesma
pessoa, tanto nas ocorrências de comportamento encoberto quanto aberto, encontra-se,
como já foi explicado em seção anterior, o mesmo repertório verbal adquirido nas contin­
gências públicas arranjadas pela comunidade verbal. Desse modo, quando se fala em
relação "comportamento - comportamento", é preciso lembrar que o comportamento ver­
bal controla outro comportamento porque produz auto-estimulação imediata; na qualida­
de de operante, produz a modificação ambiental necessária para aumentar a probabilida­
de do outro comportamento. Ou seja, funciona como “elo” em cadeias comportamentais.
Continuando o debate, Skinner (1987) afirma que o problema com os teóricos
cognitivistas ó que eles tomam para analisar apenas uma parte muito restrita do episódio
comportamental e, com isso, eles deixam de apreender relações importantes que ocorrem
no episódio comportamental total. Por exemplo, ao analisar sentimentos e ações de uma
pessoa em função de seu sistema de crenças, eles encontram, entre esses eventos,
legitimas relações funcionais, as mesmas que se encontraria em uma análise
comportamental. Naturalmente, uma análise comportamental que verificasse os usos de
termos mentais e os traduzisse para termos comportamentais (analisasse crença como o
comportamento de acreditar). Todavia, como eles não “ampliam” esse "recorte" do episódio
comportamental, deixam de observar as complexas contingências que modelam e mantêm,
o “sistema de crenças" e, desse modo, perdem a compreensão do episódio comportamental
total. Em decorrência disso, o autor entende que, se comparada à análise comportamental,
a explicação cognitiva é muito restrita porque abrange apenas parte da seqüência causal,
o que a leva a considerar, equívocadamente segundo o autor, elos da cadeia causal como
causas iniciais. Em geral, esse tipo de análise é estendido ao "pensamento" com o sentido
aqui interpretado de "comportamento verbal encoberto".
Em resumo, do ponto de vista teórico, há que se enfatizar, na concepção
comportamental aqui apresentada, que o pensamento, entendido como comportamento
verbal encoberto, embora possa entrar no controle ou na organização de outros comporta­
mentos, não ó causa inicial destes, não origina o comportamento manifesto. Espera-se,
também, ter esclarecido que a análise Behaviorista Radical não pressupõe dicotomia, no
que se refere às relações funcionais, entre comportamento aberto e encoberto.
Do ponto de vista prático, pretendeu-se contribuir com a tendência em expansão
no Brasil de subsidiar a prática clinica com a visão do behaviorismo radical. Embora
dirigida a um dos usos do termo pensamento, a exposição aqui apresentada contemplou
a explicação de diversos conceitos pouco encontrados nos denominados manuais de
"psicoterapia comportamental". Tais conceitos podem ser de grande auxilio para uma
análise comportamental apropriada de certos casos clínicos, entre os quais se pode citar
os casos de TOC (transtorno obsessivo compulsivo), os quais tendem a envolver compor­
tamentos verbais encobertos repetitivos e intrusivos. Em outro exemplo, elucidar as variá-
veis responsáveis pelo comportamento vir a ocorrer na forma encoberta, pode contribuir
para a compreensão de clientes cujos problemas clínicos envolvam a atividade encoberta,
ainda que não verbal, tais como os que envolvem sonhos e fantasias perturbadoras. Alóm
disso, compreender as funções do comportamento verbal encoberto, entre elas o tacto e
o mando, pode ser muito útil na implementação de certos procedimentos terapêuticos,
entre eles, aqueles que envolvem estratégias de autoconhecimento ou de autocontrole.
Com o itinerário aqui traçado, espera-se ter demonstrado que a compreensão do
comportamento verbal encoberto, conforme a visão Behaviorista Radical, não pode se dar
nem à parte da compreensão do modelo operante de análise do comportamento em geral,
nem à parte da análise dos campos do pensamento e do comportamento verbal.

Referências
Abib, J. A. D. (2001). Arqueologia do Bohaviorismo Radical e o conceito de monto. In H. J.
Guilhardi, M.B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição:
Expondo a Variabilidade (pp. 20-35). Santo André: ESETec Editores Associados.
Skinner, B. F. (1984). The operational analysis of psycological terms. The Behavioral and Brain
Sciences, 7, 547-553. (Trabalho original publicado em 1945.)
Skinner, B. F. (1998). Ciência e comportamento humano (Trads. J. C. Todorov & R. Azzi ). São
Paulo: Edart. (Trabalho original publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Applenton-Century-Crofts.


Skinner, B. F. (1968). The Technology of Teaching. New York: Applenton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. Now York: Alfred, A. Knopf.

Skinner, B. F. (1987). Whatever Happned to Psychology as the Science of Behaviour? American


Psychologist, 42, 780-786.
Skinner, B. F. (1989). Origins of Cognitive Thought. In B. F. Skinner (O rg), Recentissues in the
analysis of behavior (pp. 13-25). Columbus: Merril Publishing Company.
Tourinho, E. Z, (1997). O conceito de comportamento encoberto no behaviorismo radical de B.
F. Skinner. In R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Aspectos teóricos,
metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp. 267-
271). Santo Andró: ESETec Editores Associados.
Capítulo 7
Conceitos disposicionais no Behaviorismo
Radical e a mente imanente

Carlos tduardo Lopes


Universidade federa! de São Carlos

O objetivo desse trabalho é tentar mostrar que, ao contrário do que muitos


comentadores acreditam, Skinner não elimina a mente de sua explicação do
comportamento humano; ao contrário, ele a explica de um modo "especial", propriciando
um estudo científico da mente. Para esclarecer esse ponto, contaremos com o auxílio
de Gilbert Ryle, um dos principais representantes da filosofia analítica da Escola de
Oxford, que tem uma proposta interessante em relação à questão da mente.
Começaremos, então, examinando essa proposta.

Ryle e o conceito de disposição


Segundo Ryle (1949/1980), a mente que surge durante a defesa do dualismo de
substâncias tem origem em um erro de linguagem ou, nas palavras de Ryle, em um erro
categorial. Ao se deparar com o uso dos conceitos mentais, os teóricos verificam que
eles não se referem á atividade do corpo (às respostas observáveis) e, assim, postulam
a existência de uma substância mental, cuja atividade, ao contrário do corpo, é inacessível
à observação por outra pessoa, que não o “dono" da mente. A proposta de Ryle é que os
conceitos mentais referem-se a disposições, que são de um "tipo lógico errado para
ser visto ou não, registrado ou não" (p. 33, grifo meu); os defensores da mente
substancialista cometem esse erro por estarem comprometidos com uma ontologia que
considera a substância a categoria primordial, sendo assim, se os conceitos não se
referem à substância corporal, têm que se referir a uma outra substância: a mental.
O importante para compreender a proposta de Ryle é saber o que são disposições.
Por isso tentaremos definir esse conceito através de duas características básicas, que
parecem ser as mais importantes, ilustrando cada uma delas com exemplos:
1. disposições e ocorrôncias - para compreender as disposições o primeiro passo é
distingui-las das ocorrências. Quando dizemos que alguém ó fumante, não queremos
dizer com isso que essa pessoa está fumando nesse exato momento, mas que ela fuma
freqüentemente. Estamos assim descrevendo um padrão comportamental - uma
disposição e não a ocorrência de um "comportamento atual". Isso não quer dizer que
as ocorrências particulares não têm nenhuma importância na interpretação do
comportamento, pelo contrário, é a partir delas que podemos falar de estados ou
disposições. Mas o importante é não confundir a descrição de disposições com a
descrição de ocorrências - o que seria cometer um erro categorial. Quando dizemos:
"ele está fumando agora", estamos ainda descrevendo um comportamento, no entanto,
essa descrição tem uma restrição temporal importante, está circunscrita a uma
ocorrência. Um pequeno esquema pode esclarecer melhor esse ponto:
Dadas as descrições,
1. Ele está fumando um cigarro agora.
II. Ele ó um fumante.
Temos que para II ser verdadeira, I tem que ser verdadeira em algum momento.
Sendo assim, enquanto "fumando" refere-se a uma ocorrência, “fumante" refere-se a
uma disposição.
A diferenciação entre disposições e ocorrências é de tipo lógico, sendo assim,
existem alguns adjetivos atribuídos freqüentemente às ocorrências que não podem ser
atribuídos às disposições. São exemplos desses adjetivos: público, privado, observável e
inobservável. Apenas ocorrências podem ser observáveis ou inobserváveis; parece ser
simples perceber que é um erro lógico dizer que alguém ó um "fumante privado", no entanto,
freqüentemente, afirma-se que a inteligência, enquanto trabalho da mente, é privada ou
inobservável, embora, "inteligência", geralmente, possa ser interpretada como uma
disposição. Retomarmos esse ponto mais adiante.

2. disposições e causalidade - Outra importante característica das disposições diz respeito


à causalidade do comportamento. É um erro comum atribuir papel causal às disposições;
as respostas são atualizações das disposições e isso é diferente de dizer que são causadas
por elas. Um outro exemplo pode elucidar essa questão: imaginemos uma pedra que
atinge uma vidraça e a quebra. Podemos interpretar essa situação d'zendo que a vidraça
era frágil e quebrou-se. Será que é correto atribuir a causa da quebra da vidraça à sua
fragilidade? Não, a causa da quebra foi a pedra atirada e não a propriedade "frágil". Quando
dizemos que o vidro é frágil estamos atribuindo uma propriedade disposicional a ele, que é
o mesmo que dizer: "quando recebe uma pancada razoável, ele fica em pedaços", em
outras palavras, estamos descrevendo o comportamento do vidro. A fragilidade ó uma
qualidade do vidro e, portanto, não pode modificar seu estado atual - não ó a qualificação
que causa sua quebra, isso seria o mesmo que afirmar que quando qualifico o vidro como
frágil ele, automaticamente, quebra a pedra que atinge o vidro ó a causa da atualização
da disposição, no caso, ficar em pedaços.
Voltando à característica anterior, disposições não podem ser causas de
ocorrências, pois elas pertencem a categorias lógicas distintas. Tudo se dá como se
disposições e ocorrências pertencessem à planos paralelos, podendo haver, assim, um
espelhamento entre eles, mas nunca uma intersecção - um não pode causar o outro.
Transpondo essa idóia para o campo da Psicologia, mais especificamente para a
questão da mente, encontramos um tipo de mente interpretado em termos de disposições.
Seria possível aqui uma discussão deveras longa a respeito da comparação entre mente
substancialista e mente disposicional, o que exigira um depuramento do conceito de
substância; entendendo que isso não faz parte do objetivo central do trabalho esse ponto
não será abordado com muito detalhamento, basta dizer, aqui, que enquanto em um
primeiro caso - mente substancialista - temos uma mente transcendente, no segundo -
mente disposicional - defende-se uma mente imanente. Cabe aqui um pequeno parêntese
para tentar elucidar os termos imanente e transcendente. Esses dois termos tem uma
tradição filosófica muito forte, desde Aristóteles, passando por Spinoza e Kant e chegando
aos dias atuais (Ferrater Mora, 1986). Tentemos delimitar um pouco o modo como estes
termos são aqui empregados.

Transcendência versus imanência


Entende-se por imanente uma característica que pertence ao objeto, sendo as­
sim, dizer que a mente é imanente ao comportamento é dizer que ela é uma característica
do comportamento, ou em outras palavras, é admitir a existência de comportamentos
mentais. Já quando falamos de transcendência, entende-se que existe um outro objeto
que está para além de um primeiro e que se relaciona com esse de alguma forma; nesse
contexto, o que se tenta esclarecer ó justamente essa relação, uma vez que o objeto
transcendente, muitas vezes é diretamente inacessível. Transpondo a discussão para o
campo psicológico, ao dizer que a mente é transcendente ao comportamento afirmamos
que comportamento e mente são coisas intrinsecamente diferentes, mas que, no entanto,
se relacionam de algum modo; essa relação, geralmente, permite que se parta do com­
portamento observado e infira-se a mente. Tornando essa discussão mais próxima do
Behaviorismo Radical, basta lembrar o que Skinner (1950) escreve sobre as teorias da
aprendizagem; ele considera como teoria "qualquer explicação de um fato observado que
apela para eventos ocorridos em algum outro lugar, com algum outro nível de observação,
descrito em termos diferentes e mensurados, ainda que em dimensões diferentes” (p.
193) . Do mesmo modo que a aprendizagem, o comportamento mental não deve ser
explicado por uma teoria, pois ambos são fenômenos imanentes ao comportamento. Fa­
zer uso de uma teoria para explicar o comportamento mental ó considerar a mente como
algo que está por trás do comportamento, é considerar mente e comportamento como
tendo status ontológicos distintos - no caso do mentalismo, considerar que a mente é um
ente mais primordial do que o comportamento, ou seja, que o comportamento pode ser
reduzido à mento.

Conceitos disposicionais no Behaviorismo Radical


Partamos, agora, para a análise dos conceitos disposicionais no Behaviorismo
Radical, com o intuito de verificar a relevância do conceito de disposição para essa teoria.
Essa análise será dividida em duas partes: conceitos internos à teoria e conceitos
mentais interpretados pelo Behaviorismo Radical.

' \ M « raaMltHr qiiti liklmtor crtttca. MfwcMtutfTMKita. m teoria* cnmprtMndldmi dm m x n k i cxxii a daftnlçAo tuprm M m U t (trantMwidnntaHi) t n i ii tdpôtoao alguma
Im o dnvfl tofjltlmur h HflrmaçAo dtt qtj« m m autor A a<MVfcx> ou anti toóritx) (irf SW nnw , 1060)
Conceitos dísposícionaís internos ao behaviorismo radical
Analisaremos, aqui, um dos principais conceitos do behaviorismo radical com o
intuito de provar que se trata de um conceito dísposícíonal e que, além disso, está
intimamente relacionado com muitos outros conceitos, principalmente mentais, trata-se
do repertório comportamental.
Sabe-se que o repertório não pode ser interpretado como um depósito de
comportamentos localizados no sujeito e - complementamos dizendo nem em qualquer
outro lugar; isso porque, se o repertório ó uma disposição, ele não pode ter localização,
pois isso ó uma característica das ocorrências. Mas, seguindo a análise, verifiquemos se
o repertório respeita as características das disposições. Parece ser evidente que o repertório
não pode ser uma ocorrência; dizer que alguém possui certo repertório ó o mesmo que
dizer que ele apresenta uma certa tendôncia, possibilidade, probabilidade ou disposição
para comportar-se de determinadas maneiras em certas situações - não é, portanto, dizer
que essa pessoa está fazendo algo, mas sim que ela tem a capacidade de fazer (verifica-
se, nesse ponto, a proximidade que há entre os conceitos de repertório comportamental
e conhecimento, basta lembrar que no livro About Behaviorism, o conceito de repertório
é tratado no capítulo 9 - "Knowing").
Uma vez que possuir determinado repertório é apresentar uma tendência ou pro­
babilidade de comportar-se de determinada maneira, não é possível dizer que ele é causa
do comportamento, isso seria o mesmo que afirmar que a probabilidade de resposta é a
causa da ocorrência dessa resposta. Sendo assim, parece razoável interpretar o repertó­
rio comportamental como um conceito disposicional. Vale ressaltar que ele é uma dispo­
sição complexa e determinável - está em constante mudança e é atualizada por muitas
ocorrências (respostas) diferentes.

Conceitos interpretados pelo Behaviorismo Radical como disposições


Já em relação aos conceitos mentais interpretados pelo behaviorismo radical como
disposições, podemos citar as emoções, os traços de personalidade e a inteligôncia.
Em relação ás emoções e traços, uma rápida incursão pelo Science and Human Behavior
nos revela um forte indício de que esses conceitos podem ser interpretados como
disposições; os subtítulos: "emoções não são causas" e “traços não são causas", satisfazem
a segunda característica das disposições. No entanto, a primeira característica é um pouco
mais controversa: dizer que emoção é um conceito disposicional é afirmar que a tristeza,
por exemplo, não se resume ao choro, ao sentimento ou a qualquer outra ocorrência, seja
ela pública ou privada; todas essas ocorrências, e outras não citadas, podem estar presentes
ou não durante o estado “tristeza"; a ausência do sentimento, por exemplo, não desqualifica,
necessariamente, a afirmação do sujeito de que ele está triste. Vale lembrar que quando
a comunidade ensina o sujeito a descrever um estado emocional, ela não está sob controle
dos sentimentos desse sujeito, mas sim das respostas emocionais que sáo observadas.
Sendo assim, pode haver uma discrepância entre o que ensinado pela comunidade e o que
ó aprendido pelo sujeito - descrição de uma disposição e descrição de uma ocorrência,
respectivamente -, a pergunta que resta é, quem está certo?
' t-rn um (Mlinoiru momonto, aaaa (Ntraco mk uma txw pnryiiiitn No anlanto. (MM«ando mH» ■ raapoHu, podamoa (wwtxrtxM quo ò lirriH Ikm quonlAo nu oxiiIh
madkla om quu no« cria um paaudo pruWerTia; nAo 6 axrofc) porgunbu (mia vaniadn. »«ia do indMduo, Mt^a da comunkltide. nn Hohnvkiftamo Kadicnl, oIh
dnvn m * nutxstltuldfl polan variAvota qua «witroiam o (xxnportamontn A« variévata qua oortrolam falanto a ouvtnt» «Ao («Hdnlfla, no nritanto, toso nAo Ingttlmu
n parguntu a rwipolto de qual dolo* eatá corto (d Sklnnar, 1B67); aacolhar por algum dala» é aproxim ara« da uma poatçAo rnaNata, o quo, na noaaa
IntfirpnitavA», nflo 6 compotlvol com n Hahavtortaino Radical
Em relação aos traços de personalidade, não há muito o que acrescentar, a dife­
rença ó que eles são geralmente mais estáveis ou duradouros do que as emoções; se­
guindo o exemplo anterior, estar triste é um estado emocional que pode ser tanto uma
característica de uma pessoa melancólica (ou seja um traço), quanto um estado relacio­
nado à morte de um ente querido. No primeiro caso, espera-se que esse estado dure
muito mais tempo e tenha uma freqüência muito maior do que no segundo. Essa duração
está intimamente relacionada com as contingências que estão operando no momento;
falamos de traços quando as contingências são relativamente estáveis produzindo, as­
sim, determinado estado, com alta freqüência. Falamos de emoções quando uma nova
contingência passa a operar e, conseqüentemente, surge certo estado.
No que diz respeito à inteligência, ela pode ser considerada um traço de persona­
lidade, e Skinner (1953) indica um processo interessante que pode ser o responsável por
muitas confusões que surgem ao tentar estudar esse conceito: “começamos com "com­
portamento inteligente", passamos primeiro para "comportamento que mostra inteligên­
cia", e então para "comportamento que ó o efeito da inteligência" (p. 202). Nesse proces­
so, surge inteligência como uma entidade transcendente ao comportamento, que inicial­
mente era uma qualidade do comportamento (imanente). O substantivo "inteligência" pode
ser usado em discussões sobre o assunto, no entanto, ele refere-se a uma disposição
para se comportar de certas maneira: "podemos expressar diferenças de inteligência como
diferenças no repertório, na exposição a variáveis, ou em freqüência de mudanças" (pp.
198-199). Nos dois casos a inteligência não pode ser causa do comportamento: no
primeiro, porque ela é qualidade do comportamento, e no segundo, porque o único uso
permitido do substantivo é disposicional, que, por definição, não pode ser causa do
comportamento.

Conclusão
A aceitação da mente transcendente gera uma série de problemas que são extintos
quando passamos a aceitar a mente imanente. Podemos citar como exemplo já bem
conhecido a criação das dicotomias, público/privado, externo/interno, físico/mental, entre
outras. Ao passarmos a aceitar a existência da mente imanente dissolvemos todas essas
dicotomias que consideram comportamento e mente como coisas totalmente distintas.
A atividade mental é comportamento, e a mente, nesse caso, passa a ser
interpretada como uma disposição atualizada por respostas que podem manifestar-se
de modo público ou privado, mas em nenhum dos casos criamos uma diferença que
justifique a interpretação da mente como transcendente ao comportamento. Ao
assumirmos a mente imanente ao comportamento não estamos com isso proibindo todo
e qualquer uso dos termos público e privado, aberto e encoberto . Estamos apenas res­
tringindo o uso desses adjetivos ás ocorrências e com isso tentando evitar um erro categorial
que tem como conseqüência a criação de uma mente transcendente; continuamos, as­
sim, a aceitar que as respostas podem ser abertas ou encobertas (ou, como o próprio
Skinner emprega algumas vezes, públicas ou privadas), pois tratam-se de atualizações.
No entanto, a mente imanente ou a qualificação “mental" de alguns comportamentos,

O im m m o n f lo p o d u tie r d ito u m r o lu ç â o m o r to rc n o » I n t a m o o i u l t m o , iim p o n tu s In tiw tm * o u o x to r tm » » ô p o d o m # n r a c o ita s m o d la n to u m p o n to d e


(irfd fA n c id , o u u m a tu u U d u d a , * \u u u e }« « n U tc to r * o <vomp<>rtsni\w\U>. o tm j* a p tu x W n w w , n u v m n ttn tu , <)• u m » p o a tç fto r» » W » ta , ln c © tn p » \W » l c o m o
llit f m v lr x lm n o H n d le a ! ( d n o tH 1 )
refere-se a uma disposição e, por esse motivo, não pode ser considerada nem pública
nem privada, nem interna nem externa, ela é simplesmente uma probabilidade de ocorrên­
cia de determinadas respostas em certos contextos. Ilustrando com um exemplo: diante
de um problema uma pessoa emite precorrentes que, através de um encadeamento, pos­
sibilitam a emissão da resposta consumatória - que resolve o problema. Esses precorrentes
podem ser considerados como mentais, não apenas porque, na maioria das vezes, mani-
festam-se de modo encoberto, mas porque são parte crucial no processo de resolução do
problema, tornando a solução mais rápida.
A proposta, portanto, é que a psicologia que tem a pretensão de ser uma ciência
- que é o caso da análise experimental do comportamento - deve abandonar a mente
transcendente e passar a aceitar a mente imanente. Watson (1924/1930) defendeu a
primeira parte dessa proposta, no entanto, falhou ao achar que deveria negar qualquer
tipo de mente. Os problemas que o mentalismo tentam responder há séculos não podem
ser simplesmente desprezados com a justificativa de que a mente não existe, isso
condenaria a psicologia a ser extremamente restrita, como aconteceu, por exemplo,
com o behaviorismo metodológico, que ao invés de tentar interpretar a mente em termos
de comportamento, simplesmente a desprezou; com isso o behaviorismo metodológico
tornou-se cada vez mais distante do que se pode chamar de uma teoria psicológica, pois
os assuntos psicológicos - relativos á mente - nunca poderiam ser estudados.
O itinerário defendido, aqui, é o seguinte: a partir da aceitação da mente imanente
passa-se então a uma interpretação dos conceitos mentais. Os conceitos mentais que
puderem ser “traduzidos" a partir dessa concepção de mente, podem ser estudados em
termos de comportamento e, conseqüentemente, de modo científico; os termos que não
podem ser analisados através desse tipo de mente devem ser abandonados sem nenhum
tipo de preocupação, pois referem-se a fantasmas.
Uma vez que o Behaviorismo Radical aceita a mente imanente ao comportamen­
to, o analista do comportamento não precisa ficar constrangido diante da pergunta: “você
estuda a mente?"; a resposta é “sim, e a estudo de modo científico". O estudo da mente
dá-se através do comportamento, mas, ao contrário do que acredita o mentalismo, esse
estudo é direto; a mente não é algo que está por trás do comportamento, ela não só
pertence ao campo do comportamento, como é diretamente acessada através dele.
Todo o caráter fantasmagórico da mente é dissolvido, assim como uma série de outros
problemas criados pelos defensores da mente transcendente.

Referências
Forrator Mora, J. (1986). Diccionario de Filosofia (4 volumes). Madri: Alianza Editorial.

Ryle, G. (1980). The Concept of Mind. New York: Penguin Books. (Trabalho original publicado
em 1949.)

Skinner, B. F. (1950). Are Theories of Learning Necessary? Psychological Roviow, 57, 193-216.
Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York: McMilIan.

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New Jersey: Prentice-Hall.


Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-
Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Appleton-Century-Crofts.

Watson, J. B. (1930). Behaviorism. Chicago: The University of Chicago Press. (Trabalho original
publicado em 1924.)
Capítulo 8
Avaliando a sessão de terapia: Questionário
e entrevistas pós-sessão

M a ly D elitti
Pontifícia Universidade C'atólica de SJo Paulo

Os efeitos da terapia como um conjunto de sessões freqüentemente produz alte­


rações de repertório e ó possível mensurar os resultados gerais comparando o cliente
consigo mesmo em dois momentos: no início e no final desse processo. Entretanto, a
terapia é freqüentemente considerada um processo contínuo de desenvolvimento do com­
portamento do cliente que ó observado pelo terapeuta por semanas, meses ou anos.
Porém, as mudanças mais complexas no repertório do cliente podem ocorrer de modo
lento e, por isso, a habilidade de discriminar pequenas alterações pode constituir-se em
um reforçador intermediário para manter o comportamento do terapeuta. Uma questão
freqüentemente levantada por terapeutas e pesquisadores refere-se á avaliação de ses­
sões específicas consideradas como a unidade de análise.
Há vários anos, têm sido realizadas pesquisas que avaliam os resultados de tera­
pia. Eysenck (1952) fez um dos primeiros estudos de análise dos efeitos da terapia compa­
rando a um tratamento placebo. Em seu trabalho, enfatizou a necessidade de estabelecer
uma linha de base e a utilização de uma unidade de medida comum e objetiva. Em outro
trabalho, Eysenck (1966) apresentou um resumo do uso bem sucedido da terapia
comportamental aplicada a diversos problemas, como ansiedade e fobias. Garfield (1981),
reconhece a importância do trabalho de Eysenck (1952), mas questiona alguns aspectos do
mesmo para a avaliação da terapia. São consideradas a questão dos instrumentos de me­
dida e a dificuldade de explicitar o grau de mudança obtida, já que Eysenck (1966) utilizou-
se de critérios como grau de ajustamento profissional e de relacionamento social dos indiví­
duos e, ainda segundo Garfield (1981), estes critérios não são suficientemente objetivos.
Greenberg e Pinsof (1986), fazendo considerações metodológicas acerca de pes­
quisa em clínica, afirmam que níveis ordenados do que ocorre em uma sessão de terapia
e no contexto da relação terapêutica devem ser operacionalizados para que a pesquisa do
processo terapêutico possa ser realizada. Segundo estes autores os eventos que ocor­
rem durante uma sessão e na interação terapeuta-clíente podem ser ordenados segundo
níveis hierárquicos e operacionalmente definidos. O 1* nívelé o do conteúdo temático; o 20
nível envolve as emissões verbais definidas como uma verbalização que um dos compo­
nentes da díade dirige ao outro; o 3onível inclui episódios que são constituídos de diferen­
tes emissões verbais que contribuem para a mudança do cliente e que podem ser clara­
mente distintos de outros eventos terapêuticos. Por exemplo, uma explicação teórica feita
pelo terapeuta, ou a análise de um registro de comportamento do cliente, seguido de uma
explicação sobre a funcionalidade daquele comportamento; no 4onível estão os chama­
dos eventos de mudança, episódios que podem criar condições de se atingir objetivos
terapêuticos e que quando se repetem em diferentes sessões constituem um padrão de
mudança. Por fim, o 5o nivela borda o relacionamento terapeuta-cliente e descreve as
qualidades que ambos atribuem á sua interação.
Neste trabalho, percebe-se que a distinção em diferentes níveis, proposta por
estes autores é muito útil para fins didáticos, mas que, na prática da pesquisa em clínica,
estes se superpõem e se completam. Na análise dos resultados, foram usados vários dos
níveis propostos por estes autores, como conteúdo temático, eventos de mudança, e
principalmente a interação terapeuta- cliente como um sistema de controle recíproco de
comportamentos.
Greenberg e Pinsof (1986) propõem duas formas diferentes de identificar episódi­
os ou eventos. O primeiro ó o método empírico-racional onde as sessões de um terapeuta
experiente são analisadas para identificar eventos relevantes para a mudança. Outro mé­
todo é puramente empírico e consiste na análise seqüencial de dados observacionais com
o objetivo de identificar fatores de mudança.
Terapeutas e investigadores em clínica (Stiles, 1980, Elliotte Wexler,1994, Bergin,
1971, 1994) afirmam que cada sessão ou uma determinada sessão pode ter um efeito
específico, um impacto maior ou menor sobre determinados padrões comportamentais e
estados internos decorrentes do cliente. A este respeito questões são colocadas por
clínicos e pesquisadores da abordagem comportamental: a mesma sessão é avaliada
igualmente por clientes e terapeutas? Os clientes e os terapeutas ficam sob controle dos
mesmos estímulos durante a interação terapêutica? Sessões avaliadas pela díade
terapeuta cliente como mais "leves" ou mais “tranqüilas” ou sessões consideradas mais
“difíceis" se relacionam a mudanças comportamentais específicas dos clientes?
Segundo Barker, Pistrang e EHioU (1994), sempre que possível, deve-se utilizar
múltiplos métodos para mensurar as variáveis, métodos estatísticos e dados qualitativos.
Estes autores afirmam que na pesquisa sobre resultados da terapia é importante utilizar
medidas de auto-relato e de observação e também avaliar a mudança da perspectiva do
cliente, do terapeuta e de outros significativos, o que os mesmos chamam de triangulação.
Esta postura vem sendo adotada por inúmeros pesquisadores interessados em clínica,
que consideram os métodos qualitativos adequados a seus objetivos (Morrow-Bradley e
Elliott, 1986; Patton, 1990).
Stiles (1996), assim como os autores citados anteriormente, propõe abordagens
empíricas para avaliação de terapia e afirma que a pesquisa sobre resultados de terapia
requer múltiplas medidas e métodos variados. Este autor relaciona os resultados a variá­
veis como aliança terapêutica e habilidades do terapeuta, e enfatiza a importância de
dados empíricos que apoiem os procedimentos utilizados.
Na realidade, a preocupação sobre avaliação de procedimentos terapêuticos sempre
existiu e vários clínicos desenvolveram instrumentos para avaliação de determinadas vari­
áveis ou de repertórios específicos que se alteram durante a terapia.
Wolpe (1973,1976) desenvolveu um inventário de medos, no qual uma série de
eventos ou situações ó avaliada por uma escala que deve ser aplicada no inicio e no final
do procedimento de dessensibilização sistemática. Lazarus (1975, 1977), elaborou um
questionário de história vital que, sendo aplicado no início da terapia, fornece dados acer­
ca da história de vida dos clientes. Medidas padronizadas, como o inventário de Depres­
são de Beck, Ward, Mendelson, Mock e Erbaugh (1961), são aplicadas a um cliente
deprimido no início e ao final de um procedimento avaliando, assim, o efeito das variáveis
introduzidas. Rathus (1973), propôs um questionário de avaliação de comportamentos
assertivos, que é respondido pelo cliente no início do treino assertivo e Stuart e Stuart
(1972), desenvolveram um inventário de avaliação para terapia conjugal que o casal deve
preencher no início da terapia. Mintz e Kiesler (1982), analisaram o efeito de uma terapia
comparando o comportamento do indivíduo no início e no final da mesma e utilizaram para
seu estudo uma escala que media a obtenção de objetivos terapêuticos.
A literatura mostra, portanto, que há vários procedimentos de medida dos efeitos
do processo terapêutico. Hayes, Nelson e Jarrett (1987), estudaram a qualidade da avali­
ação inicial e Addis e Jacobson (1996), relatam os resultados da terapia de depressão,
traçando relações entre as causas que os indivíduos atribuem à depressão e o resultado
da terapia. Seus instrumentos de medida são o Inventário de Depressão de Beck (Beck et
al. 1961), a Escala Hamilton de Depressão (Hamilton, 1960) e o Questionário de Razões
para Depressão (Addis, Truax e Jacobson, 1995). Estes autores afirmam que seus dados
indicam a necessidade da utilização de múltiplas medidas para avaliação dos resultados.
Terapeutas Comportamentais, (Kerbauy, 1980; Banaco, 1993; Margotto, 1998; Kerbauy,
1999) referem-se ao impacto das sessões de terapia. Estes pesquisadores estudam o
comportamento verbal que cliente e terapeuta emitem durante a sessão e investigam
quais as variáveis envolvidas. Também é comum o cliente relatar que certa sessão foi
fundamental para seu processo terapêutico (por exemplo, “nunca me esquecido dia que
você me falou...” ou "na segunda vez que eu estive aqui, aconteceu uma coisa que foi
muito importante..."). Entretanto, estudos que avaliem ou analisem o impacto de uma
determinada sessão de terapia são mais escassos na literatura.
Um dos instrumentos usados para a avaliação de uma sessão específica de tera­
pia é o Questionário de Avaliação de Sessões (Session Evaluation Questionnaire - SEQ)
proposto por Stiles (1980). Este questionário tem duas partes. A primeira parte avalia a
sessão e cada frase começa com a frase: "Esta sessão foi..." e, a segunda parte avalia os
sentimentos associados à mesma, e cada frase ó iniciada com “Neste momento eu me
sinto..." Cada parte consiste de 11 pares de adjetivos que nomeiam diferentes emoções.
O questionário, que consiste de 22 adjetivos, foi respondido por terapeutas e clientes após
sessões de terapia individual. Em seu estudo, Stiles (1980) indagava se o impacto da
sessão, isto é, o efeito imediato da mesma sobre as avaliações e estados internos dos
indivíduos, variava segundo algumas dimensões comuns e se propôs a medir dois fatores:
a) profundidade - superficialidade, que parece descrever o processo da sessão;
b) dificuldade - facilidade, que descreve os resultados da sessão sobre os estados
internos de clientes e terapeutas O autor comparou as respostas dos clientes e
dos terapeutas em relação à mesma sessão para levantar dados consensuais quanto
à qualidade de sessões.
Stiles (1980) considerou que, para influir efetivamente sobre a prática clinica, as
pesquisas sobre os resultados da terapia deviam ser executadas no mesmo momento em
que as decisões terapêuticas são tomadas, isto ó, durante as interações terapeuta-clien-
te que ocorrem a cada instante. Este autor pressupõe que sessões específicas possam
ter efeitos que serão discriminados pelos participantes imediatamente, ainda que os efei­
tos sobre as mudanças na vida do cliente possam requerer mais tempo ou depender de
outros fatores ausentes no momento exato da sessão. Não se pode afirmar que o julga­
mento que cliente ou terapeuta fazem sobre o valor de uma sessão seja diretamente
relacionado ao efeito terapêutico desta. Entretanto, Stiles (1980) procurou estabelecer
empiricamente a relação entre as duas dimensões estudadas (dificuldade e profundidade)
e os efeitos da sessão de terapia e, assim, explorar que técnicas ou processos interacionais
exerciam influência sobre aquelas dimensões, a partir de uma unidade de análise mais
simples - a sessão - ao invés do processo terapêutico como um todo.
Na avaliação do processo terapêutico, isto é, o que ocorre em uma sessão e as
reações do cliente esta, alguns recursos podem ser utilizados. O registro da sessão em
áudio e vídeo tape dá ao pesquisador a oportunidade de observar detalhes do processo ou
de momentos específicos da interação cliente-terapeuta.
No ensino de terapia na universidade, é possível ter um observador presente na sala
ou atrás de espelho unidirecional. Entretanto, na situação terapêutica de consultório esse
procedimento raramente é possível porque o cliente não concorda, ou a situação torna-se
atípica. Uma terceira pessoa participando da sessão poderia torná-la artificial criando pro­
blemas para a dupla terapêutica. Assim, a melhor maneira de registrar os comportamentos
dos envolvidos ó através da gravação em vídeo e áudio. Além disso, o pesquisador não
precisa se preocupar em fazer registros, ficando assim sob controle das contingências
naturais da sessão. Rogers, (1957), foi o primeiro autor a relatar o uso de gravação de
sessões como forma de estudar aspectos do processo terapêutico, especialmente a empatia.
Carmichael (1966) ao utilizar gravação de sessões, alertou para o fato que embora muitos
clientes não tenham problemas em ser gravados em áudio ou vídeo, alguns terapeutas são
relutantes e se esquivam de gravações, talvez por se sentirem ameaçados em relação à sua
auto-estima. Em sua pesquisa, tanto o terapeuta quanto o cliente relatavam nervosismo
frente á antecipação da gravação, mas quando esta começava, os indivíduos se envolviam
na sessão e se esqueciam da gravação. Kiesler (1973), afirmou que, no início, o procedi­
mento de gravação pode ter algum efeito sobre o comportamento dos indivíduos, mas este
autor acredita que este procedimento deve ser usado porque os registros podem ser revistos
a qualquer momento, sendo representações acuradas dos eventos observáveis.
O formato deste trabalho, de empregar uma escala citada na literatura (Stiles,
1980, Elliott e Wexler 1994), fazer, mediante sorteio, entrevistas pós-sessão, procurar os
trechos referentes às falas da entrevista nas sessões anteriores e selecionar para análise
só os trechos em que houve concordância (juizes - pesquisador) é baseado no modelo de
pesquisa em clínica que vem sendo proposta por Kerbauy (1996,1999), no laboratório de
Comportamento e Saúde da USP.
Para fazer a análise das interações verbais que ocorrem entre terapeuta e cliente
durante as sessões, as quais são gravadas em áudio e vídeo tape e, a partir das conside-

n M .ily Pelilti
rações feitas sobre o uso de análise de interações verbais e da necessidade de desenvol­
ver estratégias de avaliação de terapia comportamental, foram realizados dois estudos. O
objetivo foi investigar a utilização de três tipos de instrumentos para avaliação de sessões:
1) Questionário de Avaliação de Sessões - SEQ (Stiles 1980);
2) Entrevistas pós-sessão realizados com clientes e terapeutas - EPS;
3) Análise da interação verbal ocorrida entre a dupla terapeuta-cliente nas sessões ante­
riores a aplicação da entrevista e do questionário.
Os objetivos do Estudo I são: verificar a validade da adaptação deste questionário
para os clientes e terapeutas comportamentais brasileiros e avaliar sessões especificas
de terapia com o questionário traduzido e com isto contribuir para o desenvolvimento de
metodologias e/ou técnicas de avaliação da prática clinica. As perguntas que se procurou
responder foram:
• Todas as sessões de terapia têm o mesmo impacto?
• A mesma sessão ó avaliada igualmente por clientes e terapeutas?
• Sessões avaliadas pela díade terapeuta-cliente como mais "leves” ou mais “tranquilas"
ou sessões consideradas mais "difíceis" se relacionam a mudanças comportamentais
específicas dos clientes?
Estas questões podem ser resumidas, na pergunta que parece ser mais relevan­
te: quais recursos o terapeuta pode utilizar para identificar o impacto de uma sessão
específica sobre os comportamentos do cliente e sobre as mudanças comportamentais
subseqüentes destes?
No Estudo II, é feita a análise das entrevistas e dos resultados da 1a parte do Estudo
I (SEQ) e sua relação com a interação terapeuta-cliente, com o objetivo de desenvolver
estratégias de avaliação de sessões de terapia no contexto da relação terapeuta-cliente.

Estudo r 1
O Questionário foi traduzido e testou-se a fidedignidade da tradução.
Participaram 10 terapeutas comportamentais com média de 17 anos de experiên­
cia e outros 10 terapeutas comportamentais com experiência média de 6 anos. Foram
avaliadas 60 sessões de terapia realizadas em consultórios particulares, com clientes de
ambos os sexos. Dois outros psicólogos participaram como juizes.
O Questionário de Avaliação de Sessões (Session Evaluation Questionnaire -
SEQ) proposto por Stiles (1980), tem duas partes.
Primeira parte: avalia a sessão e cada frase começa com a frase: "Esta sessão
foi...".
Segunda parte: avalia os sentimentos associados à mesma, e cada frase é inici­
ada com "Neste momento eu me sinto...".

' Trabalho (xibllcado (min HttvtatM fVasikWM do Twapta ComportiirT»ntal o ('.ogntttv« (?003) NA* 4
Cada parte consiste de 11 pares de adjetivos que nomeiam diferentes emoções.
Foram avaliados dois fatores:
• profundidade - superficialidade, que parece descrever o processo da sessão;
• dificuldade - facilidade, que descreve os resultados da sessão sobre os estados inter­
nos de clientes e terapeutas.
Foram comparadas as respostas dos clientes e dos terapeutas em relação à
mesma sessão para levantar dados consensuais quanto à qualidade de sessões.
O SEQ mensurou o impacto da sessão sobre o cliente e o terapeuta, segundo os
índices propostos.No trabalho de Stiles (1980) os resultados indicaram o tempo de expe­
riência influiu nos resultados o que não se observou no presente trabalho. Isto é, a experi­
ência do terapeuta não foi uma variável determinante.
Observou-se consistência entre este estudo e o de Stiles (1980) em relação à
primeira parte do Questionário, isto é, avaliação da qualidade da sessão. Percebeu-se
também os terapeutas têm mais facilidade de discriminação, o que pode decorrer da sua
prática clínica, supervisão e autoconhecimento (terapia pessoal). Além disso, deve-se
ressaltar que o questionário de Stiles não descreve comportamentos emitidos pelo cliente
ou pelo terapeuta, o que impede a identificação e análise de padrões funcionais.

Estudo II
A Psicologia, ao estudar o comportamento humano, observa os indivíduos ou faz
perguntas a eles. Entre os instrumentos de auto-relato em pesquisa empregam-se ques­
tionários, escalas e entrevistas, entre outros, que são úteis para pesquisar a prática clíni­
ca. Esses instrumentos podem ampliar o estudo de respostas encobertas, tanto em situ­
ações nas quais os dados observáveis não estão disponíveis, quanto para a obtenção da
história de aprendizagem ou a aquisição de padrões de comportamento.
Enquanto instrumento de pesquisa, a entrevista é um tipo de interação verbal que
tem o objetivo de coletar informações. Usualmente, o entrevistador possui um roteiro ou
questões que orientam a coleta de dados.
Matarazzo, Wiens e Saslow (1972), realizaram uma série de estudos sobre com­
portamento verbal em entrevista, relacionando variáveis como duração da fala do terapeuta,
do cliente e da interação, tempo de silêncio, verbalizações mínimas e interrupções. Estes
autores sugeriram que as medidas de tempo fossem combinadas com medidas de con­
teúdo para que a terapia pudesse ser compreendida mais eficazmente.
Além destas variáveis em relação à clínica, existe a necessidade de pesquisar
outros aspectos para o entendimento do processo de terapia. Um destes aspectos é a
qualidade da interação terapeuta-cliente a partir da avaliação de cada membro da diade. A
inclusão de um terceiro observador daria maior objetividade a esta avaliação, mas incluiria
uma outra variável, aumentando a complexidade da situação.
A partir da proposta deste trabalho, que é desenvolver uma estratégia de avaliação
que possa ser usada por terapeutas em sua situação de consultório, foram utilizadas
entrevistas de avaliação, realizadas por observadores independentes, com cada membro
da diade. imediatamente após o término da sessão. Nestas entrevistas, procurou-se for­
mular questões que aumentassem a probabilidade de se obter informações sobre compor­
tamentos aprendidos na sessão, sua forma de aquisição e seus possíveis efeitos na
situação natural.
Para poder comparar os resultados obtidos neste estudo com as respostas ao
questionário de avaliação de sessões (SEQ) abordado no Estudo I, toda vez que foi reali­
zada a entrevista pós-sessão, o cliente também respondeu ao SEQ, tendo sido alternada
a ordem de apresentação dos dois instrumentos.
No Estudo II, pretendeu-se também avaliar os eventos relacionados à mudança de
comportamentos, através da análise da interação e do controle recíproco de comporta­
mentos da diade terapêutica, e relacionar estes eventos com a avaliação que cliente e
terapeuta fazem das sessões. Os dados foram obtidos a partir da metodologia proposta
por Kerbauy (1996), isto é analisando trechos das sessões imediatamente anteriores às
ocasiões em que foram aplicados os dois instrumentos: o questionário de avaliação de
sessão (SEQ) e as entrevistas pós-sessão (EPS).
Foram utilizadas categorias de respostas e para cada categoria foi colocado um
exemplo extraído da situação real. Deve-se ressaltar que uma verbalização pode conter
mais do uma função e. neste caso, esta foi analisada segundo cada uma de suas funções.

Método
Participantes
Participaram deste trabalho uma terapeuta (a própria autora), de orientação
behaviorista, com 20 anos de experiência clínica e um cliente adulto, do sexo masculino,
com 25 anos, identificado como N. (para garantir o anonimato), com curso colegial com­
pleto. Sua queixa principal consistia em uma dificuldade de se expressar, o que o levava a
evitar ou adiar uma série de situações e lhe trazia muitas conseqüências negativas, como
perda de emprego, brigas com a namorada e com os pais.
O participante recebeu explicações sobre o caráter de sigilo da pesquisa e da
utilização dos dados, tendo concordado e assinado o Termo de Consentimento Informado
(ver modelo em Anexo 1).
Também participaram como entrevistadores dois psicólogos. Com o objetivo de mo­
delar o comportamento dos entrevistadores e tomar menores as diferenças individuais quanto
ao comportamento verba) dos mesmos, estes foram treinados previamente polo pesquisador,
através de reforçamento diferencial e ensaio comportamental da situação de entrevista.
Outros dois psicólogos, que não haviam participado de nenhuma parte desta pes­
quisa participaram como juizes para verificar a correspondência entre os conteúdos relata­
dos nas entrevistas pós-sessão e os trechos encontrados nas sessões pelo pesquisador.

Equipamento
Foi utilizada uma câmara de vídeo VHS com tripé e um gravador de áudio (com
fitas K7) para registro das sessões e entrevistas pós-sessão.
Procedimonto
O atendimento foi realizado no Laboratório de Comportamento e Saúde do Depar­
tamento de Psicologia Experimental da USP. As sessões foram gravadas em áudio e
vídeo e as fitas foram transcritas para análise posterior.
Com o objetivo de descrever os padrões de interação entre terapeuta e cliente e
as possíveis mudanças destes padrões, foram realizadas quatro entrevistas ao longo do
processo terapêutico. Para aumentar a probabilidade da amostra ser aleatória, as entre­
vistas pós-sessão ocorreram de acordo com o seguinte esquema: imediatamente após a
1Msessão foi feita uma entrevista, depois, duas sessões ocorreram sem realização de
entrevistas pós-sessão. Após duas sessões realizadas sem entrevista posterior, foi reali­
zado sorteio e em caso positivo, foi realizada nova entrevista. Em caso negativo, foi feito
um novo sorteio na sessão seguinte, até que o resultado fosse positivo e nova entrevista
fosse realizada. Neste dia, recomeçou o esquema de alternância de duas sessões e,
então, novo sorteio foi realizado.
Qualquer análise dos resultados deve levar em conta o fato do terapeuta ser um
participante diferenciado por estar envolvido com o estudo. Além disso, embora não sou­
besse quando ocorreria uma entrevista pós-sessão, o terapeuta sabia quando não haveria
sorteio e, conseqüentemente, entrevista pós-sessão O cliente e o terapeuta foram entre­
vistados por observadores independentes e treinados. A cada coleta de dados houve a
troca inter-entrevistadores. O esquema de entrevistas foi o seguinte:
1fl entrevista: - » entrevistador A com terapeuta.
- » entrevistador B com cliente.
2ã entrevista: - » entrevistador A com cliente
-> entrevistador B com terapeuta, e assim sucessivamente.
Em cada aplicação, os entrevistadores fizeram as seguintes questões ao terapeuta
e cliente:
1) o que você considerou mais importante na sessão? (isto ó, o que o cliente e o terapeuta
avaliaram como a variável e/ou procedimento mais relevante naquela sessão) e,
2) o que você (ou o seu cliente) pode levar para a vida? (ou seja, o que cada membro da
díade considerou que seria generalizado e utilizado pelo cliente em situação natural).
Estas entrevistas também foram gravadas em áudio e vídeo e em seguida trans­
critas para análise. O terapeuta só teve acesso às respostas do cliente após o término de
todas as entrevistas. Sempre que foi realizada a entrevista pós-sessão, o cliente também
respondeu ao SEQ (Estudo I), tendo sido alternada a ordem de apresentação dos dois
instrumentos. Por exemplo, na 1fl vez, o cliente respondeu ao SEQ e depois fez a entrevis­
ta, na 2a, fez a entrevista e em seguida respondeu ao SEQ e assim sucessivamente. Para
efeito de análise, os dados provenientes destas duas diferentes medidas foram relaciona­
dos com os obtidos no registro da interação verbal cliente-terapeuta durante as sessões
de terapia.
O Quadro 2 resume a primeira parte do procedimento.
Quadro 2. Esquema de Coleta de Dados. (Os asteriscos indicam a ocasião em que houve
sorteio para determinar a ocorrência ou não de EPS e SEQ).

ORDEM 0 A 8 E S 8 A 0 1* INSTRUMENTO 2aINSTRUMENTO


1* SEQ EPS

2* - •

3 - •
*4» EPS SEQ

5* - •

Ö* - -

V* - -

*8* SEQ EPS

9* - *

10* * -

* 11» - -

• 12« - -

*13* EPS SEQ

Após a realização de todas as entrevistas pós-sessão, as respostas do terapeuta


e o cliente foram encaminhadas aos psicólogos-juizes, que receberam instruções para
procurar nas sessões imediatamente anteriores a cada entrevista o conteúdo dos relatos
de cada participante. Cada um dos juizes avaliou 2 entrevistas pós-sessão e suas respos­
tas foram comparadas ás do pesquisador.

Resultados
1- Questionário de Avaliação de Sessões - SEQ (Stiles, 1980)
Baseando-se no estudo de Stiles (1980), os fatores valiosa, profunda, cheia e
especial compuseram o indice profundidade e os fatores tranqüila, fácil, agradável e
suave compuseram o índice dificuldade. Os dados obtidos com a 2* parte do questioná­
rio de avaliação de sessões não foram considerados porque o objetivo desse trabalho não
inclui a análise detalhada de eventos encobertos.
Na Análise Fatorial foram derivados dois índices que seriam utilizados em todas
as análises posteriores: Dificuldade e Profundidade. O índice Profundidade é formado pela
média dos escores nos itens valiosa, profunda, cheia e especial. O índice Dificuldade é
formado pela média dos escores nos itens tranqüila, fácil, agradável e suave. Uma análise
de variância multivariada (MANOVA) levando em conta o papel e a experiência revelou um
efeito principal do fator papel (Pillai's Trace = 0.068, p < 0.05). Análises de variância
isoladas para cada um dos índices revelaram que essa diferença se deve principalmente a
diferenças entre clientes e terapeutas quando avaliam o a dificuldade da sessão [F(1,118)
= 8.122, p< 0.01].
A fim de podermos utilizar esses índices, foi feita uma estimativa da distribuição
dos escores dos dois índices, para terapeutas e clientes (Tabela 4). É importante notar
que essa distribuição está baseada na amostra deste estudo. Essa distribuição permite
situar a avaliação feita pelo terapeuta e pelo cliente no Estudo II, a partir da distribuição de
freqüência dos escores obtidos. Assim, entre os percentuais 25 e 75, temos 50% dos
escores. Essa transformação permite dizer que esses escores mais freqüentes represen­
tam os valores mais próximos da módia e, portanto, podem ser considerados como avali­
ações das sessões, feitas por terapeuta e cliente, como de dificuldade e profundidade
médias. As categorias extremas (nada difícil/ muito difícil, e nada profunda/ muito profun­
da) são representadas por uma freqüência baixa de ocorrência (5%), o que significa que
apenas 5% da amostra apresentou escores muito altos ou muito baixos em relação à
avaliação das sessões, segundo os índices propostos. Destaca-se que essa distribuição
está baseada na amostra deste estudo.

Tabela 4. Distribuição dos escores em percentis.

Papal Indico
5 10 25 50 75 90 95
Percentis
Terapeuta 1,25 1,50 2,00 2,50 3,25 3,75 4,50
Profundidade .. . ... ... .
Cliente 1,00 1,25 1,50 2,00 ’ 2,75 3,50 4,75
Terapeuta 1,25 1,50 2,00 2,75 4,00 5,00 5,50
Dificuldade
Cliente i,õõ~ 1,25 XoF 2,75 ’ 3 50 5,00 5,50
• —— ► <4-— ► 4 ——► <4- — ► —► <- ► 4—
Categoria
Nada Pouco Baixa Média Alta Muito
Extr.

A Tabela 4 apresenta a distribuição dos fatores Profundidade e Dificuldade, para


terapeutas e clientes, em percentis. A partir desta distribuição pode-se classificar o esco­
re obtido no índice de Profundidade em Nada Profunda (Prof<;l.25, para terapeutas;
Prof<1.00 para clientes), Pouco Profunda (1.25<Profé1.50, para terapeutas; 1.00<Prof<1.25
para clientes), Baixa Profundidade (1.50<Prof<2.00, para terapeutas; 1.25<Profc1.50 para
clientes), Média Profundidade (2.00<Profé3.25, para terapeutas; 1.50<Profé2.75 para cli­
entes) Alta Profundidade (3.25<Profé3.75, para terapeutas; 2.75<Profé3.50 para clientes),
Muito Profunda (3.75<Prof^4.50, para terapeutas; 3.50<Profé4.75 para clientes) e Extre­
mamente Profunda (Prof>4.50 para terapeutas; Prof>4.75 para clientes). O índice de Difi­
culdade pode ser classificado em Nada Difícil (Difél.25, para terapeutas; Difél.00 para
clientes), Pouco Difícil (1.25<Dife1.50, para terapeutas; 1.00<Difé1.25 para clientes), Bai­
xa Dificuldade (1.50<Difé2.00, para terapeutas; 1.25<Difé2.00 para clientes), Módia Difi­
culdade (2.00<Dife4.00, para terapeutas; 2.00<Difé3.50 para clientes), Alta Dificuldade
(4.00<Difé5.00, para terapeutas; 3.50<Difé5.00 para clientes), Muito Difícil (5.00<Difé5.50,
para terapeutas; 5.00<Difé5.50 para clientes) e Extremamente Difícil (Dif>5.50 para
terapeutas; Dif>5.50 para clientes).
Terapeutas
Papel
índice Conteúdo Dificuldade
Clientes Conteúdo .290* .146
Dificuldade .057 .472**

** - p< 01; * - p< 05


Dificuldade T-C, moderadamonte correlacionados
Conteúdo T-C, fracamente correlacionados

A Tabela 6 apresenta os índices atribuídos por terapeuta e cliente às quatro ses­


sões avaliadas. De uma maneira geral percebe-se pouca variação dos índices de Profun­
didade e Dificuldade (profundidade e dificuldade média) atribuídos pelo terapeuta. Para o
cliente, há diferenças: o índice de Profundidade indica que as sessões em geral apresen­
taram uma profundidade média, |á a 4a sessão apresenta pouca profundidade. O índice de
Dificuldade inicialmente indica que as sessões 1 e 4 foram avaliadas como altamente
difíceis pelo cliente, já as duas últimas avaliações indicam uma diminuição do grau de
dificuldade da sessão.

Tabela 6. índices de Profundidade e Dificuldade para Terapeuta (T) e Cliente (C) nas ses­
sões avaliadas pelo SEQ.

Indlce 1aSessão 4 aSessão 8 aSessão 13’ Sestfo


T C T C T C T C
2.75 1.75 2.25 1.25 2.5 2.75 2.25 2.25
Profundidade
Média Média Média Pouco Média Média Média Módia
2.25 4.50 2.75 3.75 2.25 " 3 30 2.25 2.75
Dificuldade
Média Alta Média Alta Média Média Média Média

Categorias: Profundidade (nada superficial, pouco superficial, média, superficial, muito


superficial. Dificuldade (nada difícil, pouco difícil, módia, difícil, muito difícil).

Os valores indicam as fronteiras entre as categorias, assim para Profundidade-


Terapeuta, valores abaixo de 1,5 incluem 10% da amostra, se o valor for acima de 1.25 e
abaixo de 1.5 indicam uma sessão profunda.

2- Análise das Trechos das Sessões e das Entrevistas Pós-Sessão


Tratamento dos dados
Para proceder à análise dos resultados das entrevistas pós sessão, estes foram
organizados da forma descrita a seguir.
1) As falas de cada sessão foram numeradas de acordo com a sua emissão nas sessões.
2) Procurou-se nas sessões anteriores os trechos que continham os fatos relatados nas
entrevistas.
3) Em seguida, a partir da leitura das sessões, foram construídas categorias de
verbalizações tanto do terapeuta quanto do cliente e para cada categoria foi colocado
um exemplo extraído da situação de terapia. Deve-se ressaltar que uma verbalização
pode se adequar a mais do que uma categoria e, neste caso, esta foi analisada segun­
do cada uma das categorias. As categorias elaboradas estão descritas abaixo.
4) A partir das categorias observadas foram construídas tabelas para mostrar a relação
entre respostas do terapeuta e do cliente.
5) Foi construída uma figura que relaciona os escores do questionário de avaliação de
sessão (Estudo I) e a freqüência de ocorrência das categorias de respostas observa­
das (Estudo II).

Categorias de respostas do terapeuta


T- QUES- Investiga, faz questões sobre comportamentos ou eventos.
"O que aconteceu naquela situação?" O que você sentiu"?
T- INF - Informa teórica ou tecnicamente.
Terapeuta informa sobre conceitos de aprendizagem, o processo terapêutico ou
outros assuntos abordados pelo cliente.
"Uma lei da Psicologia é que nos somos o produto de nossa história de vida, de
tudo que vamos aprendendo. Isto é muito bom, porque significa que o que não foi aprendi­
do ou foi errado pode ser modificado na terapia. Você já está percebendo isto não é?"
T- CONS+- Terapeuta libera conseqüência positiva.
Terapeuta emite comportamentos verbais que indicam incentivo, apoio, concor­
dância em relação ao comportamento verbal do cliente.
"Muito bem você realmente entendeu o que a gente conversou. Isto facilita nosso
trabalho. Por isso que eu gosto de atender gente inteligente".
T- REG - Terapeuta questiona possíveis regras do cliente.
"Agora você está me falando de novo aquilo que você sempre pensa: Não sei me
expressar, não vão me entender, não vai dar certo - aquelas idéias que fazem você parali­
sar e não se expressar. O que será que você pode fazer para não ficar paralisado?"
T- SENT-Terapeuta expressa sentimentos.
"Estou gostando muito de atender você. Acho que nossa relação está ótima".

Categorias de respostas do cliente


C- QUES - Cliente questiona ou solicita informações.
Cliente solicita informações teóricas ou práticas pedindo opinião do terapeuta.
T á bom, mas o que a Sra. acha disto que eu fiz? E isto que minha mãe fala, que
eu não tenho personalidade, o que a Sra. acha? Eu tenho ou não”?
C- INF - Cliente Informa sobre situações, comportamentos e sentimentos que
identificou em si mesmo.
“Ontem eu lembrei do que a Sra. disse, não adiei, fiz a ligação telefônica que
precisava e o resultado foi que eu consegui falar com o cara. Foi bom".
C- CONS+ - Cliente libera conseqüência positiva.
Cliente concorda com o terapeuta, elogia ou relata sucesso que atribui à terapia.
"Deu certo. A Sra. sabia que ia ser assim, a Sra. tem bola de cristal?" (rindo).
C- REG - Cliente enuncia regras.
“Mas veja só, eu sempre acho que se o carinha fez besteira uma vez, vai fazer
sempre, não tem jeito e eu tenho que me afastar".
C- SENT - Cliente exprime sentimentos na sessão ou relata expressão sentimen­
tos fora da sessão.
"Falei para a minha namorada que tinha ciúmes mesmo e nem me importava se
ela achava isto babaca. Eu sinto e ponto”.
Após a categorização das respostas, foram construídos protocolos nos quais a
análise das interações entre cliente e terapeuta durante a sessão, foram relacionadas aos
resultados dos questionários de pós-sessão - SEQ, e às respostas dadas pelo terapeuta
e pelo cliente às entrevistas pós-sessão - EPS). Os dois psicólogos, que participaram
como juizes para verificar a correspondência entre os conteúdos relatados nas entrevistas
pós-sessão e os trechos encontrados nas sessões pelo pesquisador receberam o mate­
rial sem as categorias de resposta.
Para esta análise, as verbalizações identificadas pelo pesquisador e peíos juizes
nas sessões anteriores como sendo aquelas que continham as respostas identificadas
nas entrevistas (EPS) foram comparados. Considerou*se apenas aqueles em que houve
concordância total.
As discordâncias encontradas ocorreram porque os juizes consideraram um nú­
mero maior de verbalizações que o pesquisador. Os dados discordantes, isto ó, que os
juizes registraram a mais que o pesquisador, foram as seguintes verbalizações: 1a EPS-
r^s: 36, 37, 39,40; 2a EPS-n°s: 51, 52, 59,60, 61, 62, 77, 78, 81, 82; 3* EPS-nfls:20,21,
22, 52, 53, 63, 95, 97, 98; 4* EPS-n“s: 111, 112.
Verificando os registros observa-se que os dados que discordaram decorreram de
situações nas quais os juizes identificaram verbalizações que: se referiam aos mesmos
eventos, com mais detalhes (1a EPS: 36, 37, 39, 40; 2* EPS: 77, 78, 81, 82), continuam
ou dão seqüência ao mesmo tema (2a EPS: 51,52,59,60,61,62; 3a EPS: 20,21,22,52,
53), dão detalhes das situações (3a EPS: 95, 97, 98; 4a EPS: 111, 112), definem o término
de um tema (3a EPS: 63). Esta discordância talvez possa ser explicada pelo que já ressal­
tado anteriormente: o treino do pesquisador, seu conhecimento do estudo, ou a provável
busca de parcimônia do mesmo.
Em uma outra tentativa de analisar a interação terapeuta cliente como uma for­
ma de controle recíproco de respostas verbais, procurou-se observar a relação entre as
respostas verbais da dupla terapêutica, ou seja, verificou-se a freqüência de relações entre
cada categoria de resposta de um membro da díade em relação às categorias de resposta
do outro membro. Com este objetivo, as categorias de resposta do terapeuta foram cruza­
das com as categorias de respostas do cliente e construídas tabelas de dupla entrada em
cujas células foram computadas as freqüência de ocorrências das categorias. A Tabela 7
apresenta a freqüência de ocorrência das categorias de respostas do terapeuta seguidas
das respostas do cliente e a Tabela 8 mostra a freqüência de ocorrência das categorias de
respostas do cliente seguidas das categorias de respostas do terapeutas.
Tabela 7. Freqüência das categorias de verbalizações do cliente que se seguiram às
verbalizações do terapeuta durante as quatro sessões analisadas.
1i, 41, 8 * Ê wmsm----------------------------------------
INTERAÇÕES TERAPEUTA-CLIENTE
T \C C -Q U E S C - INF C -C O N S + C -R E G C -S E N T

T -Q U E S 2 53 2 4 17

T - INF 1 16 8 0 3
T -C O N S+ 0 16 7 0 5
T -R E G 0 3 0 1 0

T -SE N I 0 0 0 0 0

Na tabela 7, pode-se observar que a maioria das questões que o terapeuta faz são
seguidas de respostas que dão informações (53), sobre fatos ou eventos e algumas se
referem a sentimentos (17). Estes dados parecem indicar que as questões do terapeuta
buscavam investigar as respostas verbais do cliente e suas relações com as contingências,
mais que apenas a expressão de sentimentos. Esta observação corrobora a afirmação já
feita neste trabalho, que o terapeuta priorizou a instalação de respostas alternativas do
cliente em vez de enfatizar respostas verbais descritivas do sentimentos. Quando o terapeuta
dá informações, o cliente responde dando outras informações (16) ou liberando conseqüên­
cia positiva (8), concordando ou elogiando a terapia. Por outro lado, quando o terapeuta
libera conseqüência positiva o cliente informa (16), libera também conseqüência positiva (7)
ou expressa sentimento (5). A categoria questionar regras do terapeuta ó seguida de res­
postas de dar informações (3) ou de verbalizações sobre as regras enunciadas.

Tabela 8. Freqüência das categorias de verbalizações do terapeuta que se seguiram às


verbalizações do cliente durante as quatro sessões analisadas.

w m m íSM m Ê m m
C\7 T - QUES T * INF T - CONS* T-R E G T-SENT
C -Q U E S 2 0 0 0 0
C - INF 37 9 20 1 0
C - CONS+ 2 5 3 0 1
C -R E G 3 0 1 1 0
C -S E N T 14 6 5 0 0
Quando se analisa a relação entre as categorias de resposta do cliente e as
subseqüentes do terapeuta (Tabela 8) percebe-se que a maior ocorrência é da categoria
dar informações (67). Em seguida a estas respostas, o terapeuta faz novas questões (37),
para esclarecer ou aprofundar as informações, libera conseqüências positivas (20), elogi­
ando ou concordando, dá informações (9) que procuram esclarecer o relato do cliente e,
em uma ocasião, analisa a regra enunciada por ele. A categoria questionar ocorre em
freqüência baixa (2 vezes: uma na 1a e uma na 13* sessão), se refere a pedidos de escla­
recimento em relação a fatos ou conceitos explicados e são seguidas por novas questões
do terapeuta. Pode-se considerar que a baixa ocorrência destas respostas, pelo menos
nos trechos analisados neste trabalho, caracterizam o papel do cliente como falante ou
como aquele cujas respostas de fornecer informações são modeladas na terapia. Da
observação da tabela 8, pode-se notar ainda que quando o cliente libera conseqüência
positiva para o terapeuta este dá informação (5), libera conseqüência positiva (3) concor­
dando com o cliente ou questiona o cliente (2), de modo geral, para facilitar a discrimina­
ção do cliente quanto à própria mudança ou às relações entre suas respostas e as conse­
qüências. Quando o cliente enuncia regra (5) o terapeuta faz questões para entender a
situação (3) discute o conteúdo da própria regra (1), ou libera conseqüência positiva (1) em
relação ao fato do cliente ter trazido uma boa situação para análise. A categoria de res­
postas expressar sentimentos ocorre 16 vezes e ó seguida por questões (14) do terapeuta,
que procura traçar relações entre os sentimentos relatados pelo cliente, outras respostas
e/ou contingências relacionadas a eles. Outras respostas de expressão de sentimentos,
são seguidas por informações do terapeuta quanto ao conteúdo do que foi expresso ou a
relações contingênciais (6) ou de elogios e concordância do terapeuta (5).
Com o objetivo de relacionar os resultados dos dois estudos foi construída a figura
1, na qual em cada eixo estão os resultados de um estudo: no primeiro eixo estão a
freqüência de ocorrência das categorias de resposta (Estudo II) e no segundo eixo os
escores das respostas ao questionário (Estudo I).

Figura 1. Categorias de respostas e escores apresentados por cliente e terapeuta nas


sessões 1, 4, 8 e 13.
"d U T ü U E S

■■TCO N S

■ H T IN F

t m iT R E G

■■TSENT

■■CSFN T

■ ■ IC IN F

M H CO NS+

CZUCQUES

CCaCREG

-• -T P R O F

-♦ -C P R O F

“ •-T D / F

C D IF
A Figura 1 mostra que a categoria C-INF foi a mais apresentada nas quatro ses­
sões analisadas, com aparente tendência crescente nas três primeiras medidas e um
pequeno decréscimo na quarta. Em relação ao terapeuta, a categoria mais apresentada
foi a T-QUES, com decréscimo na freqüência na segunda sessão analisada e aumento na
terceira e quarta, inclusive em comparação com a primeira sessão.
A categoria C-SENT aparece com maior freqüência na primeira sessão analisada,
e parece decrescer nas seguintes (4a, 8a e 13a).
As categorias T-CONS+ e T-INF parecem apresentar uma tendência crescente
nas três primeiras sessões analisadas (1,4 e 8) e, na 13a sessão, um decréscimo, inclu­
sive em comparação com a primeira sessão.
Em relação aos escores do Questionário de Avaliação de Sessões (SEQ), perce­
be-se que na sessão 1, o grau de dificuldade e profundidade (4,5) apresentado pelo cliente
foi maior que o apresentado pelo terapeuta (2,25), enquanto que o grau de profundidade
apresentado pelo terapeuta (2,25) foi maior que o apresentado pelo cliente (1,75). Quanto
à dificuldade, nota-se que o cliente tende a avaliar as sessões analisadas sempre como
mais difíceis que o terapeuta, apesar de parecer considerar as sessões menos difíceis
com o passar do tempo (sessões 4 - 3,75,8 - 3,3 e 13 - 2,75), enquanto a avaliação do
terapeuta mantém-se aparentemente constante (2,25; 2,75; 2,75 e 2,25). Em relação à
profundidade, nas duas primeiras sessões analisadas, o terapeuta pareceu avaliar as
sessões como mais profundas que o cliente (sessão 1:2,75 - terapeuta e 1,75 - cliente;
sessão 2:2,25 - terapeuta e 1,25 - cliente). Na sessão 8 (3a avaliação), o cliente avalia a
sessão como mais profunda que o terapeuta (2,75 - cliente e 2,5 - terapeuta) e, parece
que o responsável por tal inversão é o cliente, pois o terapeuta, aparentemente, avalia a
profundidade das sessões analisadas de maneira semelhante (2,75; 2,25 e 2,5) enquanto
o cliente passa de uma avaliação nos valores de 1,75 e 1,25 nas sessões 1 e 4 para 2,75
na sessão 8 (3a avaliação). Na sessão treze, terapeuta e cliente têm critério de avaliação
de profundidade igual (2,25).

Entrevistas pós-sessão e sessões


Neste estudo pretendeu-se avaliar os eventos relacionados à mudança de com­
portamentos, através da análise da interação e do controle recíproco de comportamentos
da díade terapêutica, e relacionar estes eventos com a avaliação que cliente e terapeuta
fazem das sessões. Com este objetivo, os foram analisados trechos das sessões imedi­
atamente anteriores às ocasiões em que foram aplicados os dois instrumentos: o questi­
onário de avaliação de sessão (SEQ) e as entrevistas pós-sessão (EPS). Apresenta-se a
seguir a análise feita com os dados da 1aentrevista pós - sessão. A análise completa dos
de dados encontram-se no trabalho original.*

Primeira entrevista pós-sessão


A primeira entrevista pós-sessão foi realizada ao término da 1* sessão de atendimen­
to. Na primeira sessão o terapeuta esclareceu os aspectos de sigilo e falou sobre o caráter de
pesquisa de seu trabalho, isto é, a necessidade de gravar as sessões, aplicar o Questionário
' Im ie da doutorado aproaorUactu ao IPUSP, »ob ortontaçAo da Dra Kachel H Kurtmiy
de avaliação de sessões e fazer a Entrevista pós-sessão. O cliente concordou com esta
estratégia, bem como com a utilização dos dados para trabalho de pesquisa. Em seguida, o
terapeuta passou a investigar os motivos que fizeram o cliente procurar terapia. A partir do
relato do cliente, conclui-se que sua queixa referia-se a um padrão de antecipação de situa­
ções de punição e conseqüentemente à emissão de respostas de esquiva que consistiam em
não emitir o comportamento adequado. O cliente adiava ou desistia e, em seguida, ficava triste
por não ter feito o que queria ou deveria. O terapeuta nesta sessão fala em aprendizagem por
conseqüências e ressalta que o cliente poderá mudar seus comportamentos. As respostas à
primeira entrevista pós sessão estão sumarizadas no quadro abaixo.
Quadro 3. Resumos do conteúdo relatado por cliente e terapeuta na 1fl EPS.

Relatos do cliente durante a primeira EPS

- Expressa sentimento: “Gostei de falar o que sinto" e “sou assim fechado”.


- Aprendizagem de conceito: “Entender que a gente não nasce assim e, por isso, pode
mudar.

Relatos do terapeuta durante a primeira EPS

- Afirma o início de um bom relacionamento com o cliente e vinculo.


- Inicio da coleta de dados: "Começaram a surgir dados sobre o que é o problema do
cliente".
- Terapeuta identifica comportamento de esquiva diante de estímulo aversivo “Ele
procrastina os comportamentos porque antecipa punições”.
- Terapeuta relata ter iniciado o ensino de conceitos de aprendizagem.

A entrevista pós sessão, EPS, mostra que o cliente expressou sentimento: “gos­
tei de falar o que sinto” e relatou a aprendizagem de um conceito: "entender que a gente
não nasce assim e por isso pode mudar". O terapeuta relata o início de um bom relaciona­
mento terapêutico e vínculo. Identifica respostas de esquiva do cliente e ressalta o início
do ensino do conceito de aprendizagem de acordo com as verbalizações do cliente. O
terapeuta e o cliente parecem ressaltar temas semelhantes dessa sessão na EPS.
Os trechos desta sessão, que o pesquisador e o juiz identificaram como conten­
do os dados da entrevista pós sessão estão descritos a seguir.

Trecho 1
No primeiro trecho da sessão referente a esta EPS o terapeuta investiga (13 T-
QUES, 15 T-QUES) os antecedentes familiares e solicita a descrição do comportamento
(17 T-QUES). Quando o terapeuta procura investigar os encobertos do cliente (19 T-QUES),
este responde (20 C-INF) expondo a opinião de sua mãe. Na verbalização rV121 (21 T-
QUES) o terapeuta faz uma pergunta (“e você, o que acha?”) que pareceu ter a função de
mudar o foco da terapia para o cliente, o que ele pensa e fala de seu comportamento. O
cliente diz que acha a mesma coisa que a mãe (22 C-INF) e a partir da verbalização 23, o
terapeuta passa a investigar as respostas abertas (23 T-QUES) e encobertas (27 T-QUES)
relacionadas ao padrão de esquiva e adiamento do cliente.
13 T-QUES- "Sua mãe está no H.C. Porquô?"
14 C-SENT - "Tô procurando me conhecer para não ficar como minha mãe que
teve que tomar remédios".
15 T-QUES - "O que sua mãe ieve?"
16 C-SENT - “Depressão... e ela achou que eu tinha este meu jeito de ser era
melhor eu fazer tratamento para não ficar como ela”.
17 T-QUES - "E como ó este seu jeito de ser?”
18 C-SENT- “Não tenho confiança em mim... fico com medo... acho que vou errar
no trabalho...".
19 T-QUES-"Você duvida da sua capacidade? É isso?"
20 C-INF - “ó, minha mãe fala isto".
21 T-QUES - "e você, o que acha?"
22 C-INF - "é mais ou menos isso... Eu acho que é isso...."
23 T-QUES - "Você pode me dar um exemplo?"

Trecho 2
Da verbalização 27 a 34, terapeuta e cliente estão envolvidos na análise do padrão
de comportamento do cliente. O terapeuta questiona (27 T-QUES), levanta alguns possíveis
padrões de resposta encoberta (29 T-QUES), e após suas perguntas (31 e 33 T-QUES) e o
cliente responde e dá informações (30,32 e 34 C-INF) que indicam que o cliente discrimina
que seu problema está na antecipação e maximização das conseqüências de seu possível
comportamento, como vemos na transcrição a seguir. Além disso pode-se concluir que o
período anterior à emissão da resposta é mais difícil, o que ó indicativo de um possível
controle por regras, como costuma ocorrer em repertórios de fuga / esquiva.
27 T: E o que você fica pensando?.
28 C: Eu fico com medo de errar... alguma coisa .... de fazer, de atrapalhar o
serviço dos outros.
29 T: E se errar, o que aconteceria? O que você pensa, você leva bronca..., atra­
palha o serviço do outro o que mais?
30 C: Eu não..., eu não sentia nenhum nó assim, é mais insegurança de errar...
31 T: E daí você acaba fazendo ou acaba não fazendo?
32 C: Acabei fazendo, é sempre assim..., e depois que eu vou..., depois de um
tempo assim eu me habituo, e eu acho que era besteira do que eu tava com medo...
33 T: Então, quer dizer antes, o período do antes que é o difícil?
34 C: E depois quando eu começo que eu vejo, que dá certo, faço... posso errar
uma coisinha, mas é uma coisa normal.
Trecho 3
No próximo trecho, o terapeuta (59 T-INF) associa dois estímulos verbais “age” e
"comportamento" e o cliente responde expressando sentimento de medo (60 C-SENT). O
terapeuta continua a investigar e procura definir o sentimento de medo do cliente (61 T-
QUES; 63 T-QUES).
Na verbalização 65 o terapeuta questiona (65 T-QUES) o momento de início deste
medo (começou desde criança ou mais tarde). O terapeuta coleta informações sobre a
aquisição dos padrões de resposta do cliente e das possíveis conseqüências dos mesmos.
59 T-INF - "... então desde quando você age deste jeito ou tem este comporta­
mento?"
60 C-SENT - "... eu tinha medo das coisas... eu tenho medo, agora eu melhorei
bem, antes era pior..."
61 T-QUES - "Medo de que?"
62 C-SENT - “ eu tenho medo de uma coisa no geral... tenho medo de não dar
certo..."
63 T-QUES - “De não dar certo?"
64 C-INF - "é, disso aí...M
65 T-QUES - "Desde criança ou começou depois?”

Trecho 4
O terapeuta libera conseqüências positivas (69 T-CONS+ T-QUES) enfatizando a
importância da utilização do termo comportamento e investiga o padrão de comportamen­
to do pai como modelo. O cliente descreve (70 C-INF) o padrão do pai, comparando com
o da mãe, salientando que a mãe sempre antecipa conseqüências aversivas.
A pergunta do terapeuta (71 T-QUES) parece facilitar a discriminação pelo cliente
acerca das conseqüências diferentes dos padrões de comportamento do pai e da mãe. O
cliente relata que o padrão do pai tem conseqüências positivas (72 C-INF) encobertas:
"sofre menos, não tem preocupação."
68 C-INF - "minha mãe também é assim... Não sei se este meu lado tem a ver
com o comportamento dela".
69 T-CONS+ T-QUES - "Gostei de ouvir comportamento, porque; é uma palavra
que usamos muito em terapia e significa tudo que a gente faz e também o que a gente
pensa. Como é o comportamento do seu pai"?
70 C-INF - "Meu pai é mais tranqüilo, pensa positivo, minha mãe sempre pensa
o pior".
71 T-QUES-"Cada um pensa e fala de um jeito... Qual jeito você acha melhor?"
72 C-INF - “Eu acho o do meu pai, né? Sofre menos, não tem preocupação..."
Trecho 5
Nas verbalizações seguintes, o terapeuta e o cliente analisam juntos qual foi o
modelo mais influente para ele (77 T-QUES e 78 C-INF) e, em seguida, o terapeuta (81 T-
INF) explica o conceito de aprendizagem mostrando que a mãe do cliente foi um modelo
mais influente e ao mesmo tempo elogia o cliente (83 T-QUES T-CONS+). O terapeuta
enfatiza que o conceito de aprendizagem é importante porque a situação de terapia pode
propiciar uma nova aprendizagem (85 T-INF). O cliente concorda, mostra-se animado com
a possibilidade de mudar e elogia o terapeuta (86 C-CONS+).
77 T-QUES -"... só que você tem mais a ver com a sua mãe..."
78 C-INF - "É, tenho mais a ver com minha mãe".
79 T-CONS+ - "Antes você falou uma coisa interessante: não sei se este compor­
tamento tem a ver com minha mãe".
80 C-CONS+- "Isso mesmo".
81 T-INF - "Eu posso lhe dizer que somos hoje resultado da nossa vida. O comporta­
mento é aprendido. Você acha melhor o jeito do seu pai?"
82 C-INF - “é, acho que o jeito dele ó melhor, aliás, o comportamento dele é, né?"
83 T-CONS+ T-QUES-"Isso mesmo. Você entende. Mas parece que você apren­
deu mais o jeito da sua mãe, não é?"
84 C-INF - “Penso que é coisa da minha mãe... Ela sempre, desde criança, ficava
preocupada... pensava sempre o pior".
85 T-INF - "Isso mesmo, e isto faz com que a terapia seja promissora porque o
que aprendeu, pode aprender diferente. Se aprendeu da mãe um jeito X, você pode, com a
terapia, aprender outro jeito que seja melhor pra você".
86 C-CONS+ - “Ta ótimo. Que bom que dá pra mudar isto. A senhora sabe que eu
estou gostando muito dessa nossa terapia?"
87 T-CONS+ T-SENT - “Ótimo, eu também estou gostando de atender você.
Bem, a idéia de aprendizagem e reaprendizagem é a base do trabalho. Agora me conta
mais da sua família..."

Trecho 6
A interação entre cliente e terapeuta enfoca o questionamento, por parte do
terapeuta (119 T-QUES) do relacionamento do cliente com a namorada. O cliente relata
sentimento de ciúme e brigas com a namorada (120 C-SENT, 122C QUES), o terapeuta
procura verificar se o problema do cliente (antecipação de Sav) também ocorre nesta
situação afetiva (121 T-QUES e 123 T-QUES). O cliente informa (124 C-INF) que com a
namorada não se verifica o padrão de antecipação.
119 T-QUES- “Como você se dá com ela?" (referindo-se á namorada).
120 C-SENT - "Eu me dou bem com ela... só tenho um pouco de ciúmes e brigo
bastante com ela por causa disto".
121 T-QUES -"... isto de antecipar, a idéia de que não vai dar certo, ficar inseguro
com ela, também acontece isso? Em relação a ela?”
122 C-QUES - “Em relação a ela?Se eu antecipo coisas também"?
123 T-QUES -"É . O ciúme ocorre por causa de seu comportamento de antecipar
coisas ruins?"
124 C-INF - “Alguma coisa que eu vou fazer e acho que vai dar errado? Não, com
ela não acontece isso não.."

Trecho 7
O terapeuta (141 T-QUES) faz uma pergunta e traça as relações entre a resposta
do cliente e as conseqüências ambientais. O cliente refere-se ao seu comportamento e
relata sentimento (142 C-SENT C-INF). O terapeuta libera conseqüência positiva (143 T-
CONS+), mostrando entender os sentimentos do cliente. Em seguida o terapeuta mostra
como existe relação entre a resposta do cliente e as conseqüências ambientais (147 T-
INF). Na verbalização seguinte (149 T-INF) o terapeuta dá informações teóricas sobre o
conceito de conseqüênciação e o cliente concorda (150 C-CONS+).
141 T-QUES - "Então você está me dando um exemplo de coisas, no caso, ae
meninas que você perdeu por estas dúvidas, por achar que não ia dar certo..."
142 C-SENT C-INF - "É, esse meu jeito de inferioridade, de que não ia conseguir,
sabe?"
143 T-CONS+ - "Ok! Entendi, acho que você percebeu bem um aspecto do seu
comportamento.
144 C-SENT C-INF - "Era meio tímido, por causa dessa insegurança que eu
tenho, achava que não ia conseguir e deixava quieto..."
145 T-CONS+ - "Pois ó, que chato, entendo como você se sentia".
146 C-INF - “Por causa desse meu jeito, sabe?"
147 T-INF - "Daí a gente percebe que a tua insegurança como você está chaman­
do, tua timidez traz conseqüências e conseqüências ruins".
148 C-CONS+ - “É isto e por isso eu estou aqui".
149 T-INF - "Isso, para mudar isso, porque esta é uma lei da Psicologia, que os
comportamentos da gente têm conseqüência. Então a gente tem que perceber como vai
se comportar para que as conseqüências sejam as melhores possíveis para a gente".
150 C-CONS+ - "Lógico! Entendi bem isso".

Discussão
O objetivo desse trabalho foi analisar alguns instrumentos que o terapeuta pode
utilizar para avaliar o efeito de uma sessão específica sobre as respostas do cliente e
sobre as mudanças comportamentais subseqüentes. Procurou-se também investigar al­
gumas variáveis que atuam na interação verbal que ocorre entre terapeuta e cliente.
Os resultados de terapia costumam ser avaliados fazendo a comparação do re­
pertório do cliente no inicio e no final do processo. Nesse estudo, propõe-se que a sessão
de terapia seja considerada o foco da análise, pois existem sessões que o terapeuta e/ou
cliente avaliam como mais relevantes, ou com especial importância para a mudança
comportamental. Foram analisados os comportamentos da dlade cliente terapeuta e o
controle recíproco, bem como a modelagem de um repertório verbal comum em sessões
avaliadas com dois instrumentos: o questionário de avaliação de sessões (SEQ - Stiles,
1980) e entrevistas pós-sessào (EPS). Elliot e Wexler (1994) analisando o impacto de
sessões específicas de terapia diferenciam entre o impacto que ocorre quando o cliente
percebe melhora de seu comportamento e o que decorre da relação terapêutica. Essa
escala, que é respondida pelo cliente após a sessão é composta de frases como, por
exemplo: "Definição de problemas para eu trabalhar: como resultado desta sessáo eu
agora tenho clareza do que necessito mudar em minha vida ou o que preciso discutir mais
na terapia, quais são os meus objetivos". Estes autores relacionam sua escala com o
trabalho de Stiles (1980) quanto à dimensão profundidade. Fica claro que essa escala é
uma junção das duas partes do SEQ, e poderia ser objeto de estudos posteriores.
A partir dos resultados desse trabalho, pode-se concluir que o Questionário de
Avaliação de Sessões - SEQ pode ser um instrumento útil para obtenção de informações
sobre como o cliente e o terapeuta avaliam a sessão, segundo os índices propostos,
profundidade e dificuldade. Além disso, parece claro que o terapeuta modelou o repertório
verbal do cliente, o que se percebe pela crescente similaridade das avaliações dos mes­
mos. Na última aplicação, ambos apresentaram os mesmos índices. Entretanto, em rela­
ção á segunda parte do SEQ, que se propõe a avaliar o impacto da sessão sobre encober­
tos da dupla terapêutica, parece não ser possível afirmar que haja relação entre a sessão
e os encobertos do terapeuta e do cliente após a mesma. Esses encobertos podem estar,
e freqüentemente estão sob controle de outras variáveis, além das presentes na sessão
de terapia, tais como a história de aprendizagem e as contingências de manutenção.
Além disso, avaliações semânticas, como a realizada pelo questionário utilizado no Estu­
do I não oferecem descrições de comportamentos abertos e/ou encobertos do cliente e do
terapeuta em sua interação verbal.
No Estudo II, foram realizadas entrevistas com os membros da diade terapêutica
com o objetivo de investigar quais variáveis ou aspectos da interação terapêutica estão
sendo consideradas mais relevantes para o cliente e para o terapeuta naquela sessão.
Deve-se notar que para a utilização das entrevistas deve-se tomar alguns cuidados. O
primeiro diz respeito à escolha das perguntas, que dependem do objetivo da pesquisa,
mas não devem ser genéricas ou abertas se o objetivo é obter dados passíveis de siste­
matização e avaliação. No presente trabalho, as questões das entrevistas eram destina­
das a verificar quais aspectos daquela sessão específica eram considerados mais rele­
vantes pelo cliente e pelo terapeuta, e quais comportamentos eram generalizados para a
situação natural.
Outro cuidado refere-se ao treino dos entrevistadores, que devem emitir respostas
verbais semelhantes, e se comportar com a máxima neutralidade para não interferir nas
respostas verbais dos participantes. Para este estudo tomou-se o cuidado de treinar os
entrevistadores para aumentar a probabilidade que ambos utilizassem as mesmas
verbalizações e não reforçassem diferencialmente as respostas dos entrevistados. Po­
rém, não se pode afirmar que, pelas características pessoais e comportamentais dos
entrevistadores, não tenha havido reforçamento diferencial. Tomou-se o cuidado de revezar
os entrevistadores.
A sessão de terapia è uma situação onde "ocorre uma grande quantidade de
modelagem mútua em confrontos face a face" (Skinner, 1989,1995, p. 110). Na verdade, o
terapeuta poderia falar sobre o que acontece em seu trabalho citando Skinner (1947, p.
75-76):"... espero que isto ocorra com vocês como uma mudança em seu comportamento
verbal (...) Instalei alguns comportamentos novos em vocês. Vocês irão agora, espero
como um resultado de terem estado aqui, falar sobre comportamento... Construí em vocês
um repertório verbal...".
Ferster (1979) afirma que a terapia é um tipo de interação social que envolve o
controle recíproco do comportamento dos indivíduos envolvidos, e o "primeiro aspecto a
ser estudado consiste em saber como terapeuta e cliente alteram o comportamento um
do outro, no contexto da sessão de terapia". Esse autor também ressalta que outro as­
pecto importante consiste em investigar se e como os comportamentos verbais que são
emitidos como resultado da terapia podem alterar os comportamentos emitidos em situa­
ção natural. Ferster (1979) afirma ainda que a terapia possibilita que o cliente fale de seus
eventos internos e "à medida que o terapeuta torna-se um ouvinte há a possibilidade do
cliente observar os determinantes de seus comportamentos e de quais variáveis são fun­
ção" (p.280).
A interação entre terapeuta e cliente é essencialmente verbal, e uma dificuldade
usualmente ressaltada por pesquisadores está em diferenciar o que está sendo verbalizado
do próprio comportamento verbal. O cliente, na sessão terapêutica, relata para o terapeuta
uma série de situações de sua vida. O comportamento verbal de descrever comportamen­
tos emitidos em situação natural é usualmente seguido de reforçamento arbitrário. À me­
dida que o cliente vai falando com o terapeuta, observa-se que ocorre uma modelagem do
repertório verbal do mesmo. Este aspecto pedagógico ou instrucional da terapia, ficou
evidente neste trabalho, o que se conclui a partir da observação das respostas ao SEQ e
as EPS, que indicam uma similaridade cada vez maior nas verbalizações dos participan­
tes da dupla terapêutica. Ficou claro também que o terapeuta modelou e deu modelo de
comportamento verbal inclusive através do uso de registros escritos de comportamento.
Nas sessões de terapia analisadas neste trabalho, como na terapia de modo
geral, as verbalizações que o terapeuta e o cliente emitem constituem categorias de
respostas que se alternam constantemente dependendo do papel que cada um desempe­
nha na interação. De fato, o desenvolvimento da terapia depende das interações dos reper­
tórios de falante e de ouvinte (Skinner, 1957) do terapeuta e do cliente.
O terapeuta é, às vezes, o interlocutor ou falante questionando ou fornecendo
informações. Neste papel, suas verbalizações adquirem múltiplas funções em relação ao
cliente: fornece estímulos que criam condições para discriminação de contingências, ques­
tiona regras, coleta informações sobre aprendizagem e as contingências que mantém o
repertório comportamental. Quando assume o papel de ouvinte, o terapeuta responde ao
cliente a partir de seu referencial teórico, das hipóteses que formulou e das contingências
da relação terapêutica. Por sua vez, o cliente também assume os papéis de falante e
ouvinte. Nesta situação fornece informações sobre fatos de sua história de aprendizagem,
suas respostas atuais e suas conseqüências, concorda ou não com o terapeuta, faz
questões sobre fatos ou propostas do mesmo. As respostas verbais do cliente dependem
de seu repertório comportamental, das contingências que atuam na situação natural e as
que decorrem da relação terapêutica. Com base nestas considerações, e a partir da ob­
servação da Figura 1, percebe-se que nesse trabalho as respostas emitidas com maior
freqüência foram questionar (T-QUES) por parte do terapeuta e dar informações (C-INF)
por parte do cliente, o que é o esperado em terapia. A categoria de respostas expressar
sentimentos (T-SENT, C-SENT) dos dois membros da dupla terapêutica foi emitida com
baixa freqüência. Este resultado é coerente com a proposta da terapia comportamental,
onde a análise das contingências e a instalação e/ou ampliação de repertórios é, na
maioria das vezes, mais relevante que a análise de sentimentos ou, pelo menos, estão
juntas, pois os sentimentos são entendidos como decorrentes de situações
comportamentais. Observa-se, contudo que o cliente expressa seus sentimentos positi­
vos em relação ao trabalho terapêutico e ao terapeuta em várias sessões. Embora esse
tipo de resposta verbal seja usual em sessões de clinica, parece que nas sessões anali­
sadas o cliente as expressa com freqüência alta. Esta freqüência talvez possa ser explicada
pelo fato de o cliente ter iniciado a terapia em um momento em que tomava decisões
importantes em sua vida e porque o terapeuta especificava sua apreciação quanto ao
cliente estar se conhecendo, e fazia elogios descritivos de inúmeros comportamentos.
A análise das interações verbais nas diferentes sessões de terapia mostra tam­
bém, que as intervenções do terapeuta criaram condições para que o cliente discriminas­
se comportamentos mantidos por contingências e, portanto "inconscientes" (Skinner,1989,
1995; Zettle, 1990). Tais comportamentos, cujas condições de aquisição e manutenção
podem não ser discriminadas pelo indivíduo, são relatados na sessão. A partir das inter­
venções do terapeuta, o cliente vai identificando as variáveis que controlam seus compor­
tamentos, e adotando estratégias para aprender novos comportamentos que serão emiti­
dos na situação natural. Quando o comportamento alternativo é emitido e as conseqüên­
cias se alteram, o cliente volta a relatar na sessão o novo padrão. Existem, portanto, dois
padrões comportamentais com diferentes conseqüências, um ó o dizer para o terapeuta e
o outro ó o fazer ou emitir o comportamento na situação natural. A correspondência entre
o dizer e o fazer é objeto de estudo de muitos pesquisadores (Catania, 1998,1999; Hübner,
1997; Hübner e Dias, 2002). Paniagua (1990), estudando vários procedimentos sobre a
correspondência entre o dizer e o fazer, analisou vários experimentos com condições
diferentes de reforçamento: a) reforço para correspondência fazer - dizer, b) reforço da
correspondência dizer - fazer, c) reforço iniciado pelo dizer e d) reforço por comportamen­
tos intermediários. Sua análise indica que o reforço da correspondência dizer - fazer foi
mais efetivo que o reforço da correspondência fazer - dizer e que o reforço do comporta­
mento iniciado pelo dizer ou por comportamentos intermediários sempre foram superiores
aos outros procedimentos.
Entretanto, seria muito simplista entendera complexidade do que ocorre no pro­
cesso terapêutico como um treino de verbalizações. Na verdade, a verbalização do cliente
na sua interação com o terapeuta pode e freqüentemente está sob controle de outras
variáveis estranhas à situação da sessão. Reforçar o comportamento verbal do cliente
durante a sessão e antes da situação de emissão do comportamento não-verbal corres­
pondente, não ó suficiente para a sua manutenção. Muitas vezes, as verbalizações do
cliente estão sob controle aversivo e suas respostas verbais têm a função de fuga/esquiva.
Ou então são relatos que o cliente supõe que o terapeuta gostaria de ouvir, estando sob
controle do possível efeito reforçador da atenção do terapeuta. Parece, portanto, que na
situação terapêutica existe um terceiro elo na seqüência dizer - fazer. O cliente diz, a
partir da intervenção do terapeuta vai para a situação natural e emite o comportamento,
isto é, "faz" e entra em contato com novas contingências. Depois, o cliente volta a dizer
para o terapeuta, e esse relato verbal fica sob controle das contingências da sessão
terapêutica. A partir destes dados pode-se concluir que, na sessão, o terapeuta modela
um comportamento verbal, que aumenta a auto-observação do cliente e este, quando vai
para situação natural emite as categorias correspondentes de comportamento, as conse­
qüências se alteram e este volta e relata ao terapeuta as novas contingências. O terapeuta,
por sua vez, libera conseqüências positivas para as novas verbalizações e o repertório do
cliente se amplia, o que ó um dos objetivos da terapia.
As pesquisas em terapia (Beck, Ward, Mendelson, Mocke Erbaugh, 1961), 1961,
Mintz e Kiesler, 1982) freqüentemente referem-se ao processo terapêutico como um todo,
e os resultados são avaliados a partir do conjunto de sessões. Entretanto, o instante em
que são tomadas as decisões do terapeuta, isto é, o momento da interação terapeuta-
cliente, também vem sendo objetivamente estudado nos últimos anos (Banaco, Kovac,
Zamignani, 1995; Margotto, 1998). Qual a melhor maneira de conduzir a sessão? É mais
importante enfocar as dimensões da relação terapêutica ou os problemas específicos
trazidos pelos clientes? Estas questões são importantes, mas dificilmente podem ser
respondidas objetivamente, pois dependem da história de vida do terapeuta e da relevân­
cia da decisão escolhida naquele momento. Como temos salientado, com respaldo na
literatura, responder a estas questões exige pesquisa com metodologia adequada, que
pode envolver o registro em áudio e vídeo e posterior análise de sessões, a utilização de
questionários, descrições de sessões, lista de assuntos tratados, descrições e análise
de interações cliente terapeuta.
No 1o estudo deste trabalho, foi testado um questionário de avaliação de sessões
terapêuticas e os resultados indicaram que é útil sua utilização como um primeiro instru­
mento de sondagem. Foram obtidos dados relevantes quanto á consistência interna deste
instrumento. Além disso, os terapeutas forneceram dados mais consistentes sobre seus
estados internos, o que pode indicar maior objetividade dos mesmos, em função de maior
treino discriminativo. Posquisas posteriores, quo analisem com maiores detalhes outras
variáveis da interação, ou que comparem diferentes terapeutas com o uso destes instru­
mentos de avaliação, e sem os mesmos poderão fornecer dados mais precisos sobre o
impacto de uma determinada sessão sobre o processo de terapia.
O Estudo II propõe-se a desenvolver uma estratégia de avaliação de sessões
através do uso de entrevistas pós-sessáo (EPS), realizadas com o terapeuta e o cliente
após sessões específicas sorteadas como amostra. Neste trabalho, as entrevistas foram
realizadas por entrevistadores independentes, mas não se exclui a possibilidade do pró­
prio terapeuta fazê-las, o que pode propiciar o desenvolvimento de uma estratégia mais
adequada á prática clínica. Neste caso, o terapeuta faria a entrevista (oral ou escrita) com
seus clientes e, em seguida, responderia às mesmas perguntas. Evidentemente, é preci­
so atentar para o viés que representa o fato do terapeuta ser também participante. Entre­
tanto, a vantagem prática do emprego destas entrevistas como um instrumento iniciaíde
avaliação de sessões, que o terapeuta pode utilizar em seu cotidiano de forma rápida e
razoavelmente simples parece justificar sua utilização.
Barker e cols. (1994), afirmam que a pesquisa auxilia no desenvolvimento da
clinica quando desenvolve e testa novos procedimentos e que a prática clinica pode levar
ao avanço das pesquisas porque fornece dados e um campo de aplicação de novas técni-
cas. Pode-se também ressaltar que a prática clínica enfatiza a complexidade do compor­
tamento humano, contrapondo-se à tendência de algumas pesquisas que exigem um
maior controle metodológico em detrimento de estudar a complexidade do comportamen­
to que ó emitido na situação clínica.
Pesquisadores brasileiros têm estudado as contingências da relação terapêutica
como uma das variáveis da prática clínica. Vários estudos vem sendo desenvolvidos atra­
vés da análise do comportamento verbal do terapeuta, do cliente ou do supervisor, registrados
em áudio ou vídeo. Kerbauy (1980) afirma que embora a situação terapêutica não seja
controlada, nem livre de variáveis estranhas é necessário estudá-la objetivamente. Margotto
(1998), estudou as mudanças que ocorreram no curso da sessão terapêutica e os fatores
que determinaram a tomada de decisão do terapeuta e Silveira ( 1997), estudou a queixa
do cliente como condição para analisar a interação terapêutica. Wielesnka (1989) anali­
sou as cadeias de verbalizações do terapeuta para estudar o processo de supervisão
clínica. Banaco (1993) estudou o impacto do cliente sobre o comportamento do terapeuta,
enfatizando que "comportamentos do tipo encoberto têm também sua parcela de determi­
nação dos comportamentos expressos, tanto pelo cliente quanto pelo terapeuta, na ses­
são clínica e, conseqüentemente, na qualidade do atendimento" (p.71 ).
Além das conclusões decorrentes dos dados obtidos, deve-se ressaltar os as­
pectos positivos e as dificuldades que foram encontradas na execução do trabalho.Os
terapeutas, por estarem envolvidos na situação, freqüentemente têm dificuldade de discri­
minar claramente a relação entre seus comportamentos e os resultados dos mesmos.
Neste estudo, as conseqüências positivas foram um refinamento do repertório de observa­
ção e avaliação dos dados do terapeuta enquanto pesquisador, o que trouxe um aprimora­
mento do seu repertório clinico. Por outro lado, deve-se lembrar que na análise dos dados
o fato do pesquisador - participante ser um observador diferenciado Por exemplo, já foi
discutido, que na análise da interação verbal durante a 8a sessão, o pesquisador ficou sob
controle de seu papel de terapeuta e fez perguntas que podem ter influído na entrevista
pós-sessão. Por conhecer os dias dos sorteios e ser autor do projeto, sua participação
não pode ser considerada isenta. Entretanto, na pesquisa em clínica, este fato não invali­
da as conclusões decorrentes da análise dos dados.
Concluindo, ressalta-se que as pesquisas em clínica ainda que complexas, estão
sendo mais freqüentes. Um dos ganhos da pesquisa em terapia é a crescente sofistica­
ção dos instrumentos de avaliação da intervenção e dos resultados da terapia. A tarefa
dos pesquisadores, em suas áreas de especialidade, é replicar e testar as medidas já
conhecidas e continuar a explorar as possibilidades de medidas novas. A troca constante
das duas áreas de conhecimento trará o crescimento e desenvolvimento da Análise do
Comportamento Aplicada aos problemas clínicos, com ganhos para a prática clínica e
para a formação dos novos pesquisadores e clínicos.

Referências

Addis, M. E., Traux, P., & Jacobson, N. S. (1995). Why do people think they are depressed? The
Reasons for Doprossion Questionnaire. Psychotherapy, 32, 476-483.

Addis, M. E., & Jacobson, N. S. (1996). Reasons for depresslon and the process of outcomo
of cognitive - behavioral psychotherapies. Journal o f Consulting and Clinicai Psychology, 64,
1417-1424.
Banaco, R. A. (1993). O Impacto do Atendimento sobre a Pessoa do Terapeuta. Temas em
Psicologia, 2, 71-79.

Banaco, R. A. (1996, June). Pesquisa em clinica comportamental. Cadernos de Pesquisa:


registro e anotações, 94-106

Banaco, R., Zamignani, D. R., & Kovac, (1997). O estudo de eventos privados através de relatos
verbais do terapeutas. In R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento o Cognição: Aspectos
teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitlvista
(pp. 289-302). Santo Andró: ESETec Editores Associados.

Barker, C., Pistrang, N., & Elliott, R. (1994). Research Methods in Clinical and Counseling
Psychology. New York: Wiley & Sons.

Bock, A. T., Rush, A. G., Shaw, B. F., & Emery, G. (1982). Terapia Cognitiva da Depressão (Trad.
V. Riboiro). Rio de Janeiro: Zahar Editores. (Trabalho original publicado em 1979.)

Bergin, A. E., & Garfield, S, L. (1994). Handbook of Psychotherapy and Behavior Change. New
York; Wiloy & Sons

Carmichael, H. T. (1966). Sound-Film Recording of Psychoanalytic Therapy: a Therapists


Experience and Reaction. In L. Gottschalk & A. Auorbach (Eds.), Methods o f Research in
Psychotherapy (pp. 50-59) New York: Appleton-Century - Crofts.

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição (Trads. D. G.


Souza ct al.) Porto Alegre, ARTMED Editora. (Trabalho original publicado em 1998.)

Elliott, R., & Wexler, M. M. (1994). Measuring the Impact of Sessions in Process - Experiential
Therapy of Depression: The Session Impacts Scale. Journal of Counseling Psychology, 41(2),
166-174.

Eysenck, H. J. (1952). The Effects of Psychotherapy: an Evaluation, Journal o f Consulting


Psychology, 16, 319- 324.

Eysenck, H J. (1966). The Effects of Psychotherapy. New York: International Science Press.

Ferster, C. B. (1979). Psychotherapy from the Standpoint of a Behaviorist. In J. D. Keohn (Ed ),


Psychopathology in Animals (pp. 279-303). Now York: Academic Press

Garfiold, S. L. (1981) Evaluating the Psychotherapies. Behavior Therapy, 12, 295-307.

Greenberg, L. S., & Pinsof, W. (1986). The Psychothorapoutic Process: a Research Handbook.
Now York: Guilford Press.

Hamilton, M. (1960). A rating scale for depression. Journal of Nourology, Nourosurgery and
Psychiatry, 23, 56-61.

Hayes, S. C., Nolson, R. C., & Jarrett, R. (1987). Troatmont Utility of Assessment: a Functional
Approach to Evaluating the Quality of Assessment. American Psychologist, 42, 963-974.

Hübner, M. M (1997). Comportamento Verbal e Prática Clinica. In R. Banaco (Org.), Sobre Com­
portamento e Cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação om Análise do Com­
portamento e Terapia Cognitivista (pp. 135-137). Santo Andró: ESETec Editores Associados.

Hübner, M. M. (1997). Conceituaçâo de comportamento verbal e seu papol na terapia. In R. A.


Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Aspectos teóricos, metodológicos o de
formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp, 277-281). Santo André:
ESETec Editores Associados.

Hübner, M. M., & Dias, F. C. (2002). Effects of social reinforcement of tacts about reading upon
the timo of reading. Toronto Annual Meeting of Association for Behavior Analysis.

Kerbauy, R. R. (1980). Avaliação da Intervenção Terapêutica. Ciência e Cultura, 33, 829-834.

Kerbauy, R. R. (1996). Pesquisa em Terapia Comportamental. Cadernos de pesquisa: Registro


e anotações, 5, 84-93.

Kerbauy, R. R. (1999). Posquisa em Terapia Comportamental: problemas e soluções. In R. R.


Kerbauy & R. C. W ielenska (Orgs ), Sobre C om portam ento e C ognição: P sicologia
Comportamontal o Cognitiva - Da reflexão teórica à diversidade na aplicação (pp. 61-68).
Santo André: ESETec Editores Associados.

Kiesler, D. J. (1973). The process of psychotherapy. Chicago: Aldine.

Kiesler, D. J. (1979). An Interpersonal Communication Analysis of Relationship in Psychotherapy.


Psychiatry, 24, 299-311.

Lazarus, A. (1977). Terapia Multimodal do Comportamonto (Trad. U. C. Arantes ). São Paulo:


Editora Manole. (Trabalho original publicado em 1975.)

Margotto, A. (1998). Identificando Mudanças na Interação Verbal em Situação Clínica". Disser­


tação de mestrado, realizada sob orientação de Rachel Kerbauy, no Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo, São Paulo.

Matarazzo, J. D., Wiens, A. N., & Saslow, G. (1972). "Estudos sobro o Comportamento Verbal em
Entrevista". In L. Krasner & L. P. Ullman, “Pesquisas sobre Modificação de Comportamento".
(Trad. C. M. Bori). Editora da Universidade de São Paulo. (Trabalho original publicado em 1966.)

Mintz, J., & Kiesler, D. J. (1982) Individualized Measures of Psychotherapy Outcome. In P. C.


Kendall & J. N. Butchor (Eds ), Handbook of Research Mothods in Clinical Psychology (pp. 85-
96). New York: Wiley & Sons.

Paniagua, F. A. (1990). A procedural analysis of correspondence training techniques. The


Behavior Analyst, 13, 107-119.

Patton, M. Q. (1990). Qualitative evaluation and research methods. Newbury Park, CA: Sage.

Rathus, S. A. (1973). A Thirty-Item Schedule for Assessing Assertive Behavior. Behavior Therapy,
4, 289-406.

Rogors, C. R. (1957). The necessary and sufficient conditions of therapeutic personal change.
Journal o f Counseling Psychology, 21, 93-103

Silveira, J. M. (1997). A Queixa como condição para análise da interação terapeuta-cliente.


Dissertação de mestrado. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Skinner, B. F. (1947). A psychological analysis o f verbal behavior. Class notes made by R.


Hofforline in a course at Columbia University.

Skinner, B. F, (1957), Verbal Behavior. New York: Appleton-Contury-Crofts.

Skinner, B. F. (1980). Contingências do Reforço: Uma análise teórica (Trad. R. Moreno.). São
Paulo: Editora Abril. (Trabalho original publicado em 1969.)
Skinner, B. F. (1995). Questões Recentes na Análise Comportamental (Trad. A. L. Neri.). Campi­
nas: Papirus Editora. (Trabalho original publicado em 1989.)

Stiles, W. B. (1980). Measurement of the Impact of Psychotherapy Sessions. Journal o f Consulting


and Clinical Psychology, 48, 176-185.

Stiles, W. B. (1996). When More of a Good Thing Is Better: Repply lo Hayes et a). (1996). Journal
of Consulting and Clinical Psychology, 64(5), 915-918.

Stuart, R. B., & Stuart, F. (1972). Marital Pre-Counseling Inventory. New York: Research Press.

Wolpe, J. (1976). Prática da Terapia Comportamental (Trad. W. G. Clark Jr.). São Paulo: Ed.
Brasil (Trabalho original publicado em 1973.)

Zettle, R. D. (1990). Ruled Governed Behavior: A Radical Behaviorism Reply to the Cognitive
Challenge. The Psychological Record, 40, 41- 49.
Capítulo 9
Integridade do tratamento e satisfação do
consumidor na
clínica analítico-comportamental infantil
Laércia Abreu Vasconcelos
Universidade de liras/lia

A integridade de uma intervenção psicológica ó uma variável fundamental para o


avanço do conhecimento em psicologia, mais especificamente, da clinica analitico-
comportamental infantil, a qual será considerada neste capítulo. Em outras palavras, a
integridade do tratamento psicológico possibilita a obtenção de validade interna do
tratamento, isto é, a atribuição dos resultados obtidos às manipulações de variáveis
implementadas pelo terapeuta/cliente e validade externa, alcançada pelas replicações
do tratamento por diferentes terapeutas, em diferentes contextos, evidenciando a
generalidade de uma relação funcional, a força de uma técnica (Gresham, Gansle & Noell,
1993).
A integridade do tratamento refere-se à correspondência entre o procedimento de
intervenção programado e sua aplicação ou, à precisão e consistência na qual uma variá­
vel independente (VI) é implementada. Ameaças à integridade do tratamento podem advir
de diferentes fontes, tais como, de uma definição inadequada da VI, da ausência de
avaliações constantes ao longo do tratamento e de algumas características do ambiente
onde uma intervenção é aplicada. Por exemplo, o fluxo de diferentes pessoas no contexto
de tratamento pode alterar a implementação dos procedimentos planejados devido ao
desconhecimento das pessoas dos critérios que orientaram a seleção dos passos de
uma determinada intervenção.
A integridade do tratamento é a "extensão em que a implementação de uma VI se
aproxima ou se iguala ao valor pré-especificado. O nível de integridade pode ser obtido
pelo registro da ocorrência da implementação de cada componente do tratamento e cálcu­
lo da porcentagem de componentes de tratamento implementados” (Gresham, Gansle &
Noell, 1993, p. 262). A estimativa da integridade do componente pode ser feita dentro de
uma sessão ou entre diferentes sessões. Uma outra alternativa é a estimativa da integri­
dade da sessão, na qual é feita o registro da precisão de implementação de todos os
componentes. O número de sessões de observação e a reatividade da observação são
variáveis importantes a serem consideradas. Sugere-se que os registros dos dados sejam
feitos intra-sessão e intersessões em um esquema de tempo variável, com testes rápidos
no ambiente de tratamento. Ademais, informações gerais sobre os objetivos da observa­
ção apresentadas aos indivíduos observados poderão evitar efeitos reativos, isto é, a
maximização da integridade devido à observação (Gresham, Gansle & Noell, 1993).
A análise funcional é um dos instrumentos centrais utilizados na clínica analítico-
comportamental infantil, o qual depende de medidas precisas de ambas as variáveis
independente, as descrições precisas de tratamentos experimentais, e variável
dependente (VD), um comportamento alvo a ser adquirido e/ou fortalecido. Sturmey
(1996) apresenta uma excelente revisão, dos últimos quinze anos, dos conceitos e
técnicas voltados para a análise funcional, com apresentação de exemplos clínicos. As
raízes experimentais do analista do comportamento evidenciam o distanciamento de
seu trabalho de intervenções orientadas por manuais de tratamento para problemas
específicos. O analista do comportamento utiliza-se de uma interação entre pesquisa e
avaliação comportamental em seu trabalho aplicado (Cautilli & Rosenwasser, 2002;
Wilson, 1996, 1997).

Alguns aspectos fundamentais da clínica analítico-comportamental infantil


A avaliação comportamental pode ser feita por meio de diferentes dimensões do
comportamento, por exemplo, as respostas do cliente poderão ser analisadas via medidas
que envolvam o tempo como a taxa, a distribuição do tempo gasto entre diferentes
alternativas, a latência, duração da resposta; medidas de freqüência, de preferência ou
distribuição de respostas entre determinadas alternativas, medidas de precisão, entre
outras. A avaliação comportamental é feita por meio de medidas diretas e indiretas do
comportamento do cliente. Portanto, entrevistas com pessoas que possam contribuir
para o histórico da criança em diferentes áreas ou que poderão estar diretamente
envolvidas no processo terapêutico e a observação direta da criança em diferentes
contextos são estratégias utilizadas.
O processo terapêutico na clínica analítico-comportamental infantil pode ser dividido,
para fins didáticos, em três grandes momentos - a avaliação comportamental inicial,
registrando a história de vida da criança em diferentes áreas tais como saúde, social,
acadêmica e a história do contexto familiar no qual está inserida. A queixa ó cuidadosamente
analisada junto ao(s) responsável(eis) pela criança. Um segundo momento é caracterizado
pela análise dos dados obtidos na avaliação inicial e a discussão e implementação da
intervenção. O momento final é dedicado à retirada dos procedimentos implementados na
intervenção e à análise da generalização de estímulos, a preocupação que os
comportamentos adquiridos sejam emitidos em outros contextos no ambiente natural da
criança (e.g., Gadelha, 2003). Alguns autores distinguem entre avaliação funcional, nas
etapas iniciais do processo terapêutico, e a análise funcional, nas etapas constituídas
pela intervenção programada, nas quais o terapeuta atribui diferentes valores á VI e observa
a relação com a VD, um comportamento alvo a ser modelado e/ou fortalecido, aumentando
sua probabilidade futura de ocorrência (e.g., Watson & Gresham, 1998). Ou, ainda, propõe-

' Vor tamtrtrn iinAllwm h|mihkkiIimIw por Okvokn (2002) «obro m oOtçM» do procaMO taMupAuttco ao discutir a utM/açio dn mtarprotaç&Mi pok> tnrapeuta
MlWtlitk» CIHTIfXMtaíTMHrtuI
se a utilização da análise funcional indicando as diferentes etapas do processo terapêutico
nas quais ela é aplicada (e.g., Cavalcante, 1999, Cone, 1997, Micheletto, 1995).
O terapeuta analítico-comportamental infantil tem diferentes procedimentos de
acompanhamento que são selecionados de acordo com a queixa apresentada e o grupo
familiar. Os critérios de seleção de procedimentos de intervenção tôm dois grandes objetivos
evitar que os custos excedam os benefícios, o que poderia contribuir para o abandono do
tratamento, e maximizar a integridade do tratamento. Portanto, o terapeuta pode atuar
diretamente junto à criança e o(s) responsável(eis) ou pode atuar diretamente junto à
criança com sessões mais espaçadas com seu(s) responsável(eis) ou, ainda, pode atuar
apenas junto ao(s) responsável(eis) pela criança.

A integridade do tratamento
A análise dos estudos publicados no Journal of Applied Behavior Analysis (JABA)
entre 1968 a 1990 mostra a necessidade de apresentação de descrições mais completas
dos procedimentos, de definições operacionais dos tratamentos e da utilização de medi­
das de integridade para facilitar a história replicativa (Gresham, Gansle & Noell, 1993).
Uma revisão dos estudos publicados de 1968 a 1980 (Peterson, Homer & Wonderlich,
1982) constata o relato da integridade das intervenções em apenas 20%, em 108 dos 539
estudos e definição operacional da VI em 16% ou em 86 dos estudos. Resultados
semelhantes foram também obtidos posteriormente. Uma revisão de 1980 a 1990 de
Gresham, Gansle & Noell (1993) incluiu estudos que avaliaram o efeito do tratamento
sobre o comportamento na população de faixa etária menor do que 19 anos de idade. Os
autores utilizaram definições da VI em quatro dimensões: verbal (instruções e/ou
comentários do terapeuta), física (o terapeuta conduz a criança a uma atividade), espacial
(o local e suas específicidades, onde a criança desenvolverá suas atividades) e temporal
(a duração dos eventos). Se as informações apresentadas em um determinado estudo
permitissem replicação, então, a definição operacional foi considerada presente. O controle
da integridade do tratamento deveria estar presente em 100% das ocasiões durante uma
condição de tratamento, havendo monitoração dos eventos nas novas contingências
implementadas com a apresentação de índices numéricos da integridade.
Gresham, Gansle & Noell (1993) observaram que de um total de 158 estudos
somente 54, o que representa 34%, forneceram definição operacional da VI e, menos
ainda, 25 estudos, 15,8%, mediram sistematicamente e relataram os níveis de integridade
de 100% ou com uma média de 93,8%. A ausência de descrições completas das
manipulações da VI dificulta a atribuição das mudanças do comportamento ao tratamento,
o leitor não tem acesso às eventuais mudanças que podem ter sido implementadas, a
pequenos detalhes, por exemplo, algumas alterações na apresentação de um reforço que
podem ser fundamentais na replicação dos resultados obtidos.
Essa revisão de 1980 a 1990 mostrou também que os anos de 1982,1985 e 1988
foram aqueles que tiveram as maiores porcentagens de estudos que apresentaram
definições operacionais da V). Um interessante paralelo com esse dado é o momento
histórico em que a análise funcional passa a ser amplamente utilizada nos estudos
publicados no JABA, no início da década de 90. O período de 1968 a 2000 mostra um
salto de zero para 22 estudos que citaram o termo análise funcional, considerando que no
JABA o termo avaliação funcional não é utilizado (Dunlap & Kincaid, 2001). No início da
década de 90, observa-se também um significativo aumento do número de estudos publi­
cados sobre o comportamento social disfuncional, comportamentos agressivos, por exemplo,
os quais utilizam procedimentos de reforçamento. Há uma tendência crescente da seleção
de procedimentos de reforçamento em oposição aos procedimentos baseados em punição
para os comportamentos de autodestrutivos e comportamentos agressivos (Pelios, Morren,
Tesch & Axelrod, 1999). Assim, o início da utilização marcante da abordagem funcional,
no final da década de 80, coincide também com o aumento de estudos de comportamentos
sociais.
Finalmente, ao considerar as áreas que se beneficiam da apresentação de altos
índices de integridade do tratamento é possível dizer que todos os contextos de aplicação
fazem parte deste conjunto. Na clínica infantil sabe-se das dificuldades de generalização
dos comportamentos sociais adaptativos para outros ambientes, após a retirada dos tra­
tamentos, com crianças diagnosticadas com o Transtorno de Déficit de Atenção/
Hiperatividade TDAH (e.g., Barkley, 1998; Vasconcelos, 2002). Entretanto, uma das per­
guntas potencialmente importantes a ser respondida nesses estudos refere-se ao nível de
integridade dos tratamentos.
A consultoria comportamental, na visão analítico-comportamental é uma outra
área que ilustra a importância da integridade do tratamento. O consultor utiliza medidas
diretas e indiretas para avaliação da implementação do tratamento feita pelo consultante.
O treino para aplicação dos procedimentos de intervenção, feedbacks constantes, obser­
vações aleatórias, freqüentes e breves do desempenho do consultante e uma avaliação
contínua dos dados monitorados ao longo de todo o processo são pontos fundamentais
que caracterizam a consultoria analítico-comportamental, os quais podem contribuir para
o obtenção de altos níveis de integridade do tratamento (Noell & Witt, 1997).
A clínica analítico-comportamental infantil, independente do procedimento
selecionado de intervenção é altamente beneficiada pela apresentação de altos índices de
integridade de seus tratamentos. Isso é verdade desde a estratégia de treinamento dos
pais, a qual tem uma extensa literatura de estudos publicados (e.g., Silvares & Marinho,
1998; Marinho, 2000), às estratégias que envolvam mais diretamente a criança ou a am­
bos, crianças e seus responsáveis.
Portanto, a análise da integridade do tratamento, os aspectos teóricos, assim
como os aspectos metodológicos, as estratégias de coletas de dados, as medidas sensí­
veis que possam resultar em estimativas confiáveis constituem-se um quadro relativamen­
te incipiente de pesquisas. A análise dos estudos publicados no JABA desde a sua
fundação reflete a necessidade de maiores investimentos empíricos. Sugere-se iguais
tratamentos às variáveis dependentes e independentes no sentido de descrições comple­
tas tanto dos comportamentos alvo a serem analisados quanto dos procedimentos
implementados (Gresham, Gansle & Noell, 1993). Finalmente, a integridade do tratamen­
to é fundamental para os casos que envolvam questões legais, assim como para o avanço
de toda a ciência do comportamento.

A satisfação do consumidor
O segundo tema a ser abordado, a validade social dos tratamentos na clínica
analítico-comportamental, também mostra a necessidade de investimentos de pesquisas
e, sobretudo, de revisões conceituais. Os instrumentos de avaliação do comportamento
do consumidor precisam de aprimoramento. Em geral, os estudos têm utilizado questio­
nários para avaliação das respostas do consumidor quanto ao tratamento recebido.
A validade social é analisada a partir de três pontos relativos ao processo
terapêutico: (1) a definição do problema ou dos objetivos, (2) os procedimentos de intervenção
selecionados e (3) os resultados obtidos. Analisa-se a significância social dos objetivos
da intervenção, a aceitabilidade dos procedimentos e a importância social dos efeitos
produzidos pela intervenção (Gresham & Lambros, 1997). A avaliação da significância
social dos objetivos é feita considerando os valores do cliente e quanto aqueles objetivos
são socialmente significantes ou triviais para ele. Entretanto, caso haja uma resposta
negativa ela não deve ser considerada como invalidade social mas, como um indicador de
desaprovação de alguns aspectos da intervenção (Baer, 1987, citado em Gresham &
Lambros, 1997).
Para Hawkins (1991), o que está sendo medido é a satisfação do consumidor,
a qual pode ser obtida por meio da opinião de uma segunda fonte, havendo assim, valida­
ção social dos objetivos da intervenção. Porém, mais uma vez, a ausência de acordos
entre o terapeuta e o cliente não reflete, necessariamente, invalidade dos objetivos, proce­
dimentos ou resultados. Hawkins propõe a substituição do termo validade social por vali­
dade habilitativa definida como a extensão dos efeitos terapêuticos para outras áreas
na vida do cliente. É a maximização dos benefícios gerais e minimização dos custos tanto
para o indivíduo como para outras pessoas. A validade habilitativa refere-se a mudanças
em uma classe de respostas, as quais, por sua vez, influenciam positivamente outras
classes de respostas. Mas ainda resta a dificuldade de se estabelecer a validade dos
julgamentos do consumidor. Ao considerar a validade social dos procedimentos de inter­
venção observa-se que a integridade da implementação de um tratamento pode se tornar
um índice da aceitabilidade social dos procedimentos. As crianças podem não receber as
melhores intervenções devido à insatisfação de pais e professores com os procedimentos
de tratamento. Os motivos para rejeição de intervenções legitimas podem variar desde a
falta de habilidades para a implementação do tratamonto à questões filosóficas. Finalmen­
te, a validade habilitativa, por sua vez, pode tornar-se um índice da validade social dos
resultados obtidos de um tratamento.
Outros fatores também são propostos para a análise dos efeitos terapêuticos.
Fawcett (1991) sugere a classificação das mudanças de comportamento em
proximais, intermediárias e distais, em outras palavras, mudanças nos comportamentos
alvo, em comportamentos concomitantes ou efeitos positivos em comportamentos colaterais,
e mudanças a longo prazo em função dos efeitos anteriores, respectivamente. Além disso,
o desempenho da criança pode ser especificado em diferentes níveis, a saber, o deficiente,
o normativo e o ideal e qualquer mudança do nível deficiente em direção aos níveis superiores
poderia ser considerada socialmente importante. Kazdin (1977) apresenta três estratégias
de avaliação da importância social dos efeitos de uma intervenção. Ele propõe a
comparação social, as avaliações subjetivas e os procedimentos combinados. A
primeira estratégia de avaliação compara o comportamento da criança após a intervenção
com seus pares, a segunda, constitui-se em uma avaliação qualitativa dos objetivos,
procedimentos e resultados, e a estratégia de avaliação do tipo combinado é a soma de
critérios quantitativos e qualitativos da mudança do comportamento (Gresham & Lambros,
1997).
Foxall (2000) propõe um modelo de análise do comportamento do consumi-
dor baseado na história de aprendizagem do indivíduo e no ambiente no qual ocorre o
comportamento do consumidor. A história de aprendizagem determina os estímulos
discriminativos do comportamento corrente e os seus potenciais reforçadores e/ou punidores
(Skinner, 1982). Entre os reforçadores, estáo o reforçamento utilitário, relacionado aos
resultados práticos, a todos os benefícios mediados por um serviço, por exemplo. Um
segundo tipo de reforço ó o informacional, que ó simbólico, cultural, e é, em geral, media­
do pelos comportamentos de outras pessoas, as quais apresentam feedbacks ao consu­
midor, sinalizando a apropriação de seu comportamento. É a significância social do com­
portamento do consumidor que ó mediada por outras pessoas, resultando em status soci­
al, prestígio e aceitação. A aquisição e a manutenção do comportamento modelado por
contingências ocorro, em geral, por meio do reforçamento utilitário, enquanto o comporta­
mento governado por regras ocorre por meio do reforçamento informacional.
Portanto, Foxall apresenta um modelo, com raízes no Behaviorismo Radical, que
considera categorias de contingências que resultam da combinação (1) da extensão do
ambiente no qual o comportamento do consumidor é emitido, o qual pode ser aberto ou
fechado, no sentido de controlar um padrão específico de comportamento, (2) do
reforçamento utilitário ser relativamente alto ou baixo e (3) do reforçamento informacional
ser relativamente alto ou baixo As categorias de contingências resumem padrões de
reforçamento que mantêm uma determinada resposta do consumidor em diferentes
situações. São tentativas de explicação do comportamento do consumidor que estão
sendo consideradas, respeitando-se os princípios do Behaviorismo Radical de evitar
teorização prematura (Foxall, 2000).
A satisfação do consumidor é um ponto complexo na clínica psicológica infantil.
Inicialmente, os direitos da criança devem ser assegurados. O terapeuta deve planejar
ocasiões nas quais a discussão dos direitos da criança será desenvolvida juntos ao(s)
responsável(eis) pela criança. Nessas ocasiões, é fundamental observar qual o conceito
de infância que a família adotou. É historicamente recente a mudança da visão da criança
baseada em compaixão-sogregação, inferioridado-subordinação para um sujeito pleno do
direitos (Mendez & Costa, 1994). A mudança do conceito de infância, o respeito pelos
direitos da criança e do adolescente têm sido gradualmente implementados, especialmente
a partir do Estatuto da Criança o do Adolescente. Mendez e Costa mostram que uma
mudança cultural da visão da criança depende de ações conjugadas de pelo menos três
grandes áreas: (1) políticas publicas, (2) ações sociais, por exemplo, organizações não
governamentais e centros de estudos voltados para a defesa dos direitos da infância, e (3)
o mundo jurídico-institucional.
A análise da satisfação do consumidor na clínica analítico-comportamental infantil
deverá considerar pelo menos duas fontes de informação, a criança e um responsável por
ela. O construto validade habilitativa ê útil ao mostrar os benefícios que a criança obteve
que repercutiram de forma positiva em seu desempenho em outras áreas. A análise dos
reforços utilitários e informacionais também poderão trazer informações sobre os benefícios
do serviço de atendimento psicológico e os feedbacks sociais recebidos pela criança,
respectivamente. A existência do reforçamento informacional apresenta o dado de
significância social dos objetivos, procedimentos e/ou resultados terapêuticos obtidos. A
análise dos benefícios resultantes do processo terapêutico para o responsável pela criança
completará o quadro do comportamento do consumidor. A relação terapeuta-responsável
pela criança também rosultará na modelagem de comportamentos destes adultos, poden­
do maximizar as trocas positivas no meio familiar e em outros contextos. Assim, os
resultados do processo terapêutico ao considerar os comportamentos da criança serão
somados aos potenciais ganhos obtidos por um ou mais adultos envolvidos diretamente
no processo. É possível dizer que a abordagem funcional na clínica analítico-comportamental
tem uma função educativa. Os pais passam a utilizar esta forma de análise ao considerar
seus próprios comportamentos, assim como os comportamentos da criança. Havendo,
assim, a promoção de autoconhecimento por parte destes e a promoção de descrições
mais fidedignas dos comportamentos da criança sem a utilização de rótulos. Assim,
reforçadores utilitários e informacionais também poderão estar sendo contingentes aos
comportamentos dos adultos na clínica analítico-comportamental infantil.

Referências
Barkley, R. A. (1998). Attention-deficit hyperactivity disorder. A handbook for diagnosis and
treatment (2nd ed ). New York: Guilford.
Cautilli, J., & Rosenwasser, B. (2002). A review of Peter Sturmey’s functional analysis in clinical
psychology. Behavioral book reviews, Association for Behavior Analysis [from http://www.apa.org/
monitor/octOO/workplce.htmlJ
Cavalcante, S. N. (1999). Análise funcional na terapia comportamental: Uma discussão das
recomendações do behaviorismo contextualista. Dissertação não publicada. Belém, Pará.
Cone, J D. (1997). Issues in functional analysis in behavioral assessment Behavior Research
and Therapy, 35, 259-275.
Dunlap, G., & Kincaid, D (2001). The widening world of functional assessment: Comments on
four manuals and beyond. Journal of Applied Behavior Analysis, 34, 365-377.
Fawcett, S. (1991). Social validity: A note ori methodology. Journal of Applied Behavior Analysis,
24, 235-239.
Foxall, G. R (2000). Consumer situation; An oporant interpretation. In J. C Leslie & D. Blackman,
Experimental and applied analysis of human behavior (pp. 293-312). Rono, Nevada: Context.
Gadelha, Y. A (2003). Fortalecimonto e generalização de comportamentos sociais do crianças
com deftciôncia auditiva. Dissertação não publicada. Universidade de Brasilia, Brasília.
Gresham, F. M., Gansle, K. A., & Noell, G. H. (1993). Treatment integrity in applied behavior
analysis with children. Journal of Applied Behavior Analysis, 26, 257-263.
Gresham, F. M., & Lambros, K. M (1997). Behavioral and functional assessment. In T. S. Watson
& F. M Gresham, Handbook of child behavior therapy (pp. 3-22). Now York: Plenum.
Hawkins, R. (1991). Is social validity what we are interested In? Argument for a functional
approach. Journal of Applied Behavior Analysis, 24, 205-213
Kazdin, A. (1977). Assessing the clinical or applied significance of behavior change through
social validation. Behavior Modification, 1, 427-452.
Marinho, M. L. (2000). Intervenção comportamental para pais e crianças em cllnica-escola:
efetividade, limitações e prevenção da desistência. In R. R. Kerbauy, Sobre Comportamento e
Cognição, Vol. 5, (pp.247-256). Santo André: ESETec Editores Associados.
Mondez, E. G., & Costa, A. C. G. (1994). Das necessidados aos direitos. São Paulo: Malhoiros.
Micheletto, N. (1995). Uma questão de conseqüências: A elaboração da proposta metodológica
de Skinner. Tese não publicada. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
Noell, G. H., & Witt, J. C. (1997). Toward a behavior analytic approach to consultation. In T. S.
Watson & F. M. Gresham, Handbook of child behavior therapy (pp. 41-57). New York: Plenum.
Oliveira, S. C. M. (2002). A interpretação na terapia comportamental: um estudo exploratório
com uma terapeuta em treinamento. Tese não pulicada. Universidade de Brasilia, Brasilia.
Pelios, L., Morron, J., Tesch, D., & Axelrod, S. (1999). The impact of functional analysis mothodology
on treatment choice for self-injurious and aggress©{3e behavior. Journal of Applied Behavior
Analysis, 32, 185-195.
Peterson, L., Homer, A., & Wonderlich, S. (1982). The integrity of independent variables in behavior
analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 15, 477-492.
Silvares, E. F. M., & Marinho, M. L. (1998). Ampliando la intervención psicológica a la famllia em
la terapia conductual infantil. Psicologia Conductual, 6, 617-627.
Skinner, B. F. (1982). Sobro o bohaviorismo. São Paulo: Cultrix.
Sturmey, P. (1996) Functional analysis in clinical psychology Now York: Wiley.
Vasconcelos, L. A. (2002). Análise comportamental do transtorno de dóficit de atenção e
hiperatividade: implicações para a avaliação e tratamento. In H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P.
P. Queiroz & M. C. Scoz (Eds ), Sobre Comportamento e Cognição, Vol. 10 (pp. 144-154). Santo
André: ESETec Editores Associados.
Watson, T. S., & Gresham, F. M. (1998). Handbook of child behavior therapy. New York: Plenum
Press.
Wilson, G. T (1996). Manual-based treatments: the clinical application of research findings.
Behaviour Research and Therapy, 34, 295-314.
Wilson, G. T. (1997). Treatment manuals in clinical practice. Behaviour Research and Therapy,
35, 205-210.
Capítulo 10
Tratamento padronizado e individualizado

YuristeUà Yano
i/s r
Sonia H. M eyer
(*/'

Temos observado muito na prática clinica o uso de tratamentos padronizados,


principalmente em terapia comportamental cognitiva. Este consiste, basicamente, em
procedimentos terapêuticos específicos focalizados na queixa trazida pelo cliente. Em
geral, o tempo de tratamento é curto (12 a 18 sessões) e o seguimento de tarefas é
fundamental para o progresso terapêutico. Outra característica deste tipo de tratamento ó
que está baseado em manuais de tratamento que partem de avaliações estabelecidas a
partir de topografias de respostas (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979; Clark, 1986). Estudos
têm demonstrado que este tipo de tratamento tem propiciado bons resultados (Telch &
Lucas, 1994, Huppert, Bufka, Barlow, Gorman, Shear& Woods, 2001).
Apesar disso, o uso de tratamento padronizado tem sofrido muitas críticas pelas
suas características, tais como, utilizar critérios estabelecidos no DSM, o que pode: a)
uniformizar por demais as pessoas; b) permitir uma análise superficial, já que múltiplos
problemas podem estar relacionados à queixa e; c) cada caso pode diferir na intensidade
e combinação dos critérios diagnósticos. Sendo assim, classificar comportamentos (usar
rótulos) através destes critérios prontos pode dificultar ou mascarar as diferenças relevantes
de cada cliente, fornecendo uma visão reduzida e única (Hayes & Follette, 1992).
Outro ponto criticado é o uso de manuais ou protocolos de tratamento. Estes
descrevem técnicas que ajudam, por exemplo, estudantes de Psicologia a aplicar
procedimentos necessários a uma intervenção. Porém, a crítica não está nas descrições
das técnicas em si, mas no fato destes instrumentos não ensinarem quando devemos
aplicá-las, se é que isso é possível. A tomada de decisão do terapeuta em usar uma
técnica, ou escolher a melhor, só ocorre se houver uma análise anterior e, se assim for, os
resultados provavelmente serão benéficos (Banaco, 1999).
Geralmente, esses manuais têm sido usados em pesquisa para garantir que to­
dos os pesquisadores/terapeutas utilizem os mesmos procedimentos nas intervenções,
controlando assim esta variável (Schulte, Künzel, Pepping & Schulte-Bahrenberg, 1992).

126 Vurislclki YtinoeSonia B. Meyer


Porém, existem diferenças entre situação de pesquisa e a prática clínica, pois, nem todo
caso requer os mesmos passos do tratamento. Há casos onde componentes destes
podem ser contraproducentes.
Além disso, o resultado da ênfase na topografia do comportamento (utilizado em
tratamentos padronizados) pode gerar a escolha de um procedimento (uso de técnicas),
normalmente baseado em sinais e sintomas relatados pelo cliente. Às vezes, o resultado
desta intervenção é, aparentemente, satisfatório, porém a longo prazo, tal resultado pode
não se manter (Jacobson, Schmaling, Holtzworth-Munroe, Katt, Wood e Follette (1989). O
comportamento alvo pode retornar ao nível inicial se tiver outra função, ou mesmo ser
substituído por outro. É preciso lembrar que um padrão de resposta semelhante pode ser
proveniente de histórias diferentes, como também apresentar funções adaptativas distintas.
Sendo assim, o novo repertório pode não se manter, como também não se generalizar
para outros contextos.
A curta duração do tratamento padronizado também nos deixa dúvidas quanto às
possibilidades de generalização e manutenção dos ganhos terapêuticos, bem como se
esta variável permitiria a abrangência de outros comportamentos relacionados. Seligman
(1995) aponta que a melhora, resultante de tratamentos psicoterápicos, é maior quando
dura mais de seis meses, quando comparados a uma duração menor. Para complementar,
fica a dúvida quanto ao tipo de relação estabelecida entre terapeuta e cliente. Não se sabe
qual é a qualidade das relações estabelecidas em um tratamento curto e focalizado.
Segundo Rounsaville, Chevron, Prusoff, Elkin, Imber, Sotsky e Watkins, 1987 (apud Wilson,
1997), o terapeuta que utiliza tratamentos padronizados pode apresentar dificuldades em
estabelecer aliança terapêutica, uma vez que, em geral, este tipo de tratamento é de curta
duração e, além disso, por focalizar a atenção nos procedimentos, acabaria por dar menor
atenção à formação do vínculo a ser estabelecido com o cliente.
Apesar das colocações anteriores, vantagens podem ser apontadas (Eifert 1996):
a) este tipo de instrumento (DSM) descreve problemas que podem ser diferenciados de
outros por ter critérios estabelecidos, bem como ser útil porque alerta pesquisadores e
clínicos sobre um conjunto de comportamentos que aparecem nos indivíduos com algum
grau de regularidade; b) manuais ou protocolos de tratamento descrevem detalhadamente
e operacionalizam técnicas efetivas. Em alguns casos, podem oferecer medidas para ser
avaliadas antes, durante e após o tratamento, tornando-se assim instrumento valioso para
treinar estudantes, por se tratar de guia para dirigir a atuação clínica; c) neste tipo de
tratamento o terapeuta mantém a atenção focalizada no problema, permitindo uma mudança
mais rápida; d) por propiciar resultados rápidos, tem sido alvo de interesse de companhias
de seguros e governos, por implicarem menor custo.
Alguns autores (Goldfried & Wolfe, 1998; Jacobson & Hollon, 1996, apud Wilson,
1997) sugerem que usar da flexibilidade em tratamentos padronizados pode ser uma
alternativa, já que permitiria algum grau de individualização, como por exemplo, a utilização
de diferentes estratégias (várias técnicas) adequando às características idiossincráticas
do cliente; avaliações constantes da resposta do cliente ao tratamento, levar em conta a
fase de mudança e outras variáveis relevantes. Hickling e Blanchard (1997) sugerem que,
no início do tratamento, poder-se-ia utilizar estratégias padronizadas e, à medida que
necessidades diferenciadas do cliente fossem aparecendo (levantadas por meio de análise
individualizada), cada clínico seguiria passos específicos, com base em seu julgamento
clínico, de modo a implementar estratégias que atendessem às tais necessidades do
cliente.
Dada às questões apontadas quanto ao uso de tratamentos padronizados e, prin­
cipalmente, pelos dados da literatura quanto a não manutenção e generalização dos gan­
hos obtidos, os individualizados parecem ser os mais indicados, por propiciarem estas
possibilidades. Neste tipo de tratamento individualizado, o terapeuta pode trabalhar com­
portamentos que abrangeriam outros a serem generalizados e mantidos. Também permite
uma flexibilidade, o que lhe possibilita lidar com a imprevisibilidade presente nos processos
individuais. Além disso, o terapeuta pode seguir regras genéricas que podem ser úteis e,
por serem genéricas, ele continuaria sensível às contingências, ao contrário se as regras
fossem rígidas, como geralmente ocorre quando o terapeuta segue manual de tratamento.
No entanto, há de se ressaltar que para a condução de uma terapia, baseada em
análise das contingências, é preciso muito treinamento, habilidade do terapeuta, além de
tempo para que se possa conduzi-la (Eifert, 1996).
Da mesma maneira, a literatura também tem nos mostrado bons resultados com
os tratamentos individualizados (Emmelkamp, Bouman & Blaauw, 1994; Jacobson et al.,
1989; McKnight, Nelson, Hayes e Jarrett, 1984).
Hickling e Blanchard (1997) apontam que tratamentos individualizados para deter­
minados problemas (casos mais complexos) têm sido mais efetivos do que tratamentos
manualizados (padronizados). No entanto, Emmelkamp, Bouman, e Blaauw (1994) não
encontraram diferenças ao comparar estes tipos de tratamentos. Realizaram uma pesquisa
em terapia de casal e concluíram que o tratamento padronizado foi tão efetivo quanto um
individualizado. Após seguimento de seis meses, o tratamento individualizado foi superior.
Isso mostra que, a longo prazo, os tratamentos individualizados têm permitido a
generalização para outros contextos, podendo assim manter os ganhos. Este dado é
bastante significativo, já que a manutenção dos resultados é um dos objetivos da terapia
comportamental.
Finalizando, não pretendemos aqui criticar o uso de tratamentos padronizados, já
que eles têm proporcionado resultados satisfatórios, mas sim conhecer mais sobre a
importância de cada tratamento, saber qual deles seria o mais indicado nos diversos tipos
de problemas ou estabelecer em que condições cada um destes tratamentos seria mais
útil. Para tanto, pesquisas que definam os tipos de tratamentos precisariam ser realizadas
para que termos maior confiabilidade nos resultados, já que há dados contraditórios na
literatura.

Referências
Banaco, R. A. (1999). Técnicas cognitivo-comportamentais e análise funcional. In R. R. Kerbauy
& R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição - Psicologia Comportamental e
Cognitiva - da reflexão teórica à diversidade na aplicação. Santo Andró: ESETec Editores
Associados.

Beck, A. T., Rush, A. J., Shaw, B. F., & Emery, G. (1979). Cognitive therapy of depression. New
York: Guilford.

1 2 8 Yuriifelld Y a n o c Sonia B. M c y c r
Clark, D. M. (1986). A cognitive approach to panic. Behavior Research and Therapy, 24, 461-70.
Eifert, G. H. (1996). More theory-driven and less diagnosis-based behavior therapy. J. Bohav.
Ther. & Exp. Psychiat., 27(2), 75-86.
Emmelkamp, P. M., Bouman, T. K., & Blaauw, E. (1994). Individualized versus standardized
therapy: a comparative evaluation with obsessive-compulsivo patients. Clinical Psychological
and Psychotherapy, 1, 95-100.
Goldfried, M. R., & Wolfe, B. E. (1998). Toward a more clinically valid approach to therapy research.
Journal of Consulting and Clinical Psychology, 66(1), 143-150.
Hayes, S. C., & Follette, W. C. (1992). Can functional analysis provide a substitute for syndrome
classification? Behavior Assessment, 14, 345-365.
Hickling, E. J., & Blanchard, E. B. (1997). The private practice psychologist and manual-based
treatments: A case study in the treatment of pos-traumatic stress disorder secondary to motor
vehicle accidents. Behaviour Research and Therapy, 35, 191-203.
Huppert, J. D., Bufka, L. F., Barlow, D. H., Gorman, J. M., Shear, M, K., & Woods, S. W (2001).
Therapists, therapist variables, and cognitive-behavior therapy outcome in a multicenter trial for
panic disorder. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 69, 747-755.
Jacobson, N. S., Schmaling, K B., Holtzworth-Munroe, A., Katt, J. L., Wood, L. F., & Follette, V M.
(1989) Research structured vs. clinically flexible versions of social learning-based marital therapy.
Behavior Research and Therapy, 27, 173-180.
McKnight, D. L., Nelson, R. O., Hayes, S. C., & Jarrett, R. B. (1984). Importance of treating
individually-assessed responso classes in the amelioration of depression. Behavior Therapy,
15, 315-335.
Schulte, D., Kunzel, R., Pepping, G., & Scholte-Bahrenbert, T. (1992). Tailor-made versus standart
therapy of phobic patients. Advances in Behaviour Research and Therapy, 24, 67-92.
Seligman, M. E. P (1995) The effectiveness of psychotherapy. The consumer reports study.
American Psychologist, 50(12), 965-974.
Telch, M. J., & Lucas, M A. (1994). Combined Pharmacological and Psychological Treatment of
Panic Disorder: Current Status and Future Directions. In B. E. Wolfe & J. D. Maser (Eds.), Treatment
of Panic Disorder: A Consensus Development Conference (1st ed., pp.177-197). Washington,
DC: American Psychiatric Press.
Wilson, G. T. (1997). Treatment manuals in clinical practice. Behaviour Research and Therapy,
35, 205-210.
Capítulo 11
Adesão e mudança de comportamento:
Análise das interações verbais terapeuta-
cliente nas sessões iniciais
Regina Ch ris ti na Wielenska
n \ /s r
Prof* Pr*. Rache! Rodrigues Kerbauy
n x /s r

A terapia comportamental ocorre por meio da interação, predominantemente verbal,


entre terapeuta e cliente e os resultados da intervenção são influenciados por um conjunto
amplo de variáveis. Numa perspectiva histórica, nota-se um descompasso de décadas entre
o advento da análise experimental do comportamento e o da pesquisa e prática da terapia
comportamental, nos moldes como são exercidas atualmente.
Dollard e Miller (1950) realizaram uma das primeiras análises da prática clinica de
orientação psicanalítica com os princípios da aprendizagem. Algum tempo após, Skinner
(1953/1978) publicou a primeira análise estritamente comportamental da terapia, ainda sem
dispor de dados experimentais sobre a prática da terapia comportamental. Analisando a interação
terapeuta-cliente e sua função sobre processos de mudança, Skinner afirmou que

“o poder inicial do terapeuta (...) se origina de que a condição do paciente é


aversiva o de que, portanto, qualquer promessa de alívio é positivamente
reforçadora. (...) As promessas de auxílio, vários indícios que tornam essas pro­
messas eficazes, o prestígio do terapeuta, relatórios de melhora de outros paci­
entes, ligeiros sinais do melhora no próprio paciente, indícios de sabedoria do
terapeuta om outras matérias, tudo entra no processo.” (p. 348)

Se o resultado da terapia depende, entre outros fatores, das sucessivas interações


entre os participantes, seria preciso identificar os fatores, relacionados ao cliente ou terapeuta,
que afetariam a construção e manutenção da relação terapêutica e as conseqüências, so­
bre os resultados do tratamento, dos diferentes padrões de interação durante as sessões.
Estas questões possuem desdobramentos. Por exemplo, por quais, mecanismos o terapeuta

t-Bte capitulo Lmnota m na trxui da (k&rtunKio (ta Rayitu» C W w tnnak* aproaoriCada a o I K J ü P M n M tw iiiw i) d« 2002, aot) orionürçAo da P ro P Dr* K a d m l
Nodrtgue« Ktxttauy o «ti a(rtiprt«lo rtw l/ado no m aw no ano. no XI hncontm da A B P M C , em L ondrtna. P urunA
influencia os comportamentos do cliente, dentro e fora da sessão? A interação terapêutica
parece ter múltiplas funções: é veículo para a coleta dos dados necessários à análise funci­
onal e por meio dela ocorre a aplicação de um ou mais procedimentos. A análise de aspec­
tos do relacionamento terapêutico, o reconhecimento de seus mecanismos de funciona­
mento e a definição de seus efeitos sobre os participantes ampliaria a chance de sucesso
clínico e facilitaria a formação de terapeutas.
Discutindo o relacionamento terapeuta-cíiente: aígumas das contribuições
Ferster (1966, 1967, 1979) foi um dos primeiros analistas do comportamento a
desenvolver a análise funcional das intervenções psicoterapêuticas, partindo da observa­
ção direta do trabalho clínico. No seu ponto de vista, as primeiras contribuições
comportamentais para o estudo das doenças mentais partiram de pesquisadores atuan­
tes no laboratório animal que, depois, se interessaram por aplicar o conhecimento produ­
zido aos problemas humanos. A capacidade de modificar o comportamento segundo os
princípios do condicionamento operante estabeleceria, para Ferster, a fronteira entre a
ciência natural e a prática clinica. Segundo ele, seria difícil estimar o quanto da terapia é
governado pela teoria ou pela interação e descoberta com o paciente.
Segundo Ferster, a vantagem da descrição comportamental seria tornar visível e
cientificamente comunicável (ao terapeuta) cada pequeno componente de uma interação
terapêutica complexa. Ferster também acrescenta que o enfoque comportamental recai
sobre um desempenho operante, uma classe de atividades definida pela alteração produ­
zida no ambiente, o reforçador, o qual terá a capacidade de aumentar a probabilidade de
ocorrência desta resposta. O terapeuta atuaria de modo similar, facilitando a ocorrência
de um comportamento do cliente, que será mantido, no contexto natural, por conseqüên­
cias não mediadas pelo terapeuta.
Ferster realizou estudos observacionais em situação natural (Ferster e Simmons,
1966; Ferster, Culbertson e Perrot-Boren, 1968/1978), demonstrando a existência de sutis
relações de controle reciproco entre uma terapeuta psicodinâmica, Jeanne Simmons, e
sua cliente, uma criança autista. A terapia seria uma interação na qual o reforçamento do
comportamento do terapeuta, derivado dos progressos no repertório da criança, seria tão
importante quanto os desempenhos da criança reforçados pelas contingências ou instruções
dispostas pelo próprio terapeuta.
Ferster destacou a importância co comportamento verbal na psicoterapia. Segundo
ele, caberia ao pesquisador identificar como o terapeuta e o cliente modificam o compor­
tamento um do outro no exato momento da interação e explicar como os comportamentos
verbais que emergem da terapia seriam capazes de produzir melhoras nos problemas do
cliente.
Na terapia, o ouvinte faz um contraponto ao falante. Propriedades estáveis do
repertório do terapeuta forneceriam reações que sustentam e modelam a fala do cliente, a
qual reflete, em especial no início do tratamento, o controle exercido pelos ouvintes parti­
cipantes de sua história passada. A reatividade diferencial do terapeuta, um ouvinte treina­
do, teria a capacidade potencial de remediar partes do discurso do cliente. E o controle
estrito entre ouvinte e falante, a dupla paciente-terapeuta, cria uma situação na qual os
reforçadores são naturais, mantidos pelas propriedades estáveis dos repertórios de am­
bos. O repertório inicial do paciente seria relativamente insensível às reações do terapeuta
por ser um operante negativamente reforçado, um comportamento verbal controlado pela
privação e pela estimulação aversiva. O contexto terapêutico protegido, criaria, segundo
Ferster, capacidades sociais que modificariam a interação do cliente com outras pesso­
as, em vários contextos.
As análises funcionais do terapeuta sobre as interações ocorridas na sessão
ensinariam o paciente a identificar novas alternativas para seu comportamento fora do
consultório. A habilidade de amplificar contingências em vigor através do comportamento
verbal, seria, por fim, utilizada pelo paciente para formas públicas de seu comportamento
fora da sessão. Assim, ocorreria o aumento de sua capacidade de maximizar a freqüência
de reforçamento positivo e a redução do controle aversivo.

Estudos sobre a relação terapeuta-cllente: mais perguntas do que res­


postas
Nas décadas seguintes ao trabalho pioneiro de Ferster, surgiram contribuições
que associavam princípios teóricos comportamentais a exemplos extraídos da prática
clínica que começava a se difundir em alguns países.
São desta época as idéias de Kanfer e Phillips (1970/1975), para os quais a
relação interpessoal estabelecida na maioria dos tratamentos, influencia o processo e o
resultado, independentemente das técnicas ou teoria de mudança de comportamento
empregadas. Goldfried e Davison (1975) também contribuíram para o entendimento da
atividade clínica comportamental. Segundo eles, o terapeuta conceitua os problemas
comportamentalmente e faz as devidas traduções ao interagir, de forma calorosa e empática,
com o cliente. Esses são exemplos de trabalhos mais antigos, que especificam regras
sobre a interação terapeuta- cliente e ilustram determinados conceitos por meio de análi­
ses pontuais de relatos de sessões clínicas.
Uma tentativa mais recente de discussão teórica do relacionamento terapêutico é o
trabalho de Follette, Naugle e Callaghan (1996), uma seleção, baseada no Behaviorismo
Radical, dos componentes funcionais do relacionamento terapêutico. Os autores conside­
ram que as explicações sobre a importância do relacionamento terapêutico baseiam-se
mais na teoria de psicoterapia do que em dados experimentais e buscaram aspectos rele­
vantes da relação cliente-terapeuta, incluindo seus efeitos sobre a mudança, a maneira
como o terapeuta se torna reforçador ao longo do processo, e um método para avaliar
empiricamente se a eficácia do tratamento é função de aspectos especificáveis do relacio­
namento terapêutico.
Com o avanço da pesquisa clínica comportamental e/ou cognitivo-comportamental,
surgiram trabalhos voltados à identificação, mensuração e análise de variáveis especifi­
cas, como veremos a seguir.

Uma questão recorrente: a eficácia da psicoterapia e a identificação de


variáveis que expliquem seu sucesso
Wampold, Mondin, Moody, Stich, Benson e Ahn (1997) submeteram à meta-
análise os resultados de 113 pesquisas sobre a eficácia de psicoterapias (em diferentes
orientações teóricas, com populações e problemas clínicos distintos). Segundo eles, os
tratamentos considerados de primeira linha se assemelham em termos de sua eficácia,
sendo as diferenças entre eles atribuíveis a efeitos dos terapeutas ou de comparações
entre os tratamentos e a condição controle, de não-tratamento.
Outros autores discutiram a questão da não-adesão à terapia. Entre eles, Sbrocco,
Carter e Albano (1995), que analisaram funcionalmente a não-adesão à terapia. Para eles,
um déficit de habilidades do cliente, sua forma de aproveitamento do tempo disponível na
sessão, reações emocionais exacerbadas, a presença de crenças disfuncionais e certas
restrições sociais são importantes fatores de não-adesão.
Muitas vezes, os terapeutas identificam um descompasso entre o sucesso dos
tratamentos relatados na literatura, e o mundo real da prática clínica, afastado dos contro­
les próprios da pesquisa. Raw (1993), num artigo não-experimental, questiona se a pes-
quisa em psicoterapia nos ensinaria algo sobre a psicoterapia. Relata que no início de sua
prática clínica parecia não conseguir que seus pacientes tivessem melhoras significativas
em apenas 10 ou 20 sessões, tal como descrevia a literatura que estudava. Para Saul
Raw, "psicoterapia e pesquisa definitivamente não são a mesma coisa" e não seria dese-
jável fazer uma correspondência ponto a ponto entre as descobertas da pesquisa clínica e
o trabalho com clientes reais em situações clínicas complexas.
Em grande número de pesquisas, coletou-se dados por meios indiretos (escalas,
inventários, testes ou entrevistas estruturadas). A atividade clínica se apóia com menor
freqüência nestas ferramentas e nem sempre é viável fazer transposições diretas entre
resultados de pesquisa e a aplicação clínica.
Keijsers, Hoogdum e Schaap (1994) identificaram preditores de sucesso da terapia
comportamental-cognitiva para o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Aqui, a preocupa-
ção com o sucesso clínico circunscreveu-se a uma população clínica definida. Com base na
combinação das seguintes variáveis: intensidade inicial da depressão, duração dos sinto­
mas de TOC, motivação dos pacientes e avaliação dos terapeutas sobre a relação terapêu­
tica, foi possível prever corretamente o resultado do tratamento (sucesso/insucesso) em
80% dos casos. Segundo a pesquisa, embora um terapeuta tenha pouco ou nenhum contro­
le sobre o tipo ou intensidade dos sintomas do cliente ao iniciar o tratamento, poderia
motivar o cliente, através do relacionamento terapêutico e de outros recursos.
Pesquisando o relacionamento terapêutico, Dolinsky, Vaughan, Luber, Mellman e
Roose (1998) estudaram, por meio de uma escala de cinco pontos, fatores de ajuste em
duplas terapeuta-cliente. Em 66% das vezes, houve acordo entre as duplas a respeito da
qualidade do ajuste, considerado positivo para 58% dos pacientes e 56% dos terapeutas.
Para os dois grupos, o ajuste positivo se correlacionou com percepções de que "a terapia
está progredindo", "há a sensação de que os participantes sabem como agir" e de que o
terapeuta "é bastante ativo nas sessões". Neste estudo, o ajuste positivo correlacionou-se
a um nível elevado de atividade do terapeuta. Os dados sugerem que terapeutas ativos
seriam melhor aceitos pelos clientes, independente do quanto um participante parecesse
semelhante aos olhos do outro.
Alexander, Barber, Luborsky, Crits-Christoph e Auerbach (1993) pesquisaram os
critérios que pacientes consideram relevantes para a escolha de um terapeuta. Ao início
da terapia, os clientes tinham a chance de trabalhar por duas sessões consecutivas com
dois terapeutas, quando então optariam pelo profissional com o qual dariam prossegui­
mento ao tratamento. Cada terapeuta seria o primeiro para um cliente e o segundo para o
outro. Todos os pacientes foram entrevistados por um mesmo pesquisador após as ses-
sões 2 e 4, e ao final do tratamento. Na opinião dos clientes, os atributos mais relevantes
para um terapeuta seriam relacionados ao modo como a interação se estabelece entre os
participantes, independente de suas características demográficas.
Um trabalho de Luciano e Herruzo (1992) considera com<^ similar a adesão a
prescrições médicas ou à psicoterapia. Os autores analisaram os componentes relevan­
tes do comportamento de adesão. Segundo eles, a adesão seria um comportamento
governado por regras, e que dependeria de uma série de condições para se estabelecer.
Neste modelo, a relação terapêutica surge como um dos fatores que influenciam a ade­
são, possuindo relativa importância como variável de controle do sucesso do tratamento.
Há autores que focalizam mais diretamente a relação terapeuta-cliente, coletando
informações extraídas de registros em áudio ou vídeo das sessões. Por exemplo, Schindler,
Hohenberger-Sieber e Hahlweg (1989) estudaram registros em áudio da interação entre
terapeutas comportamentais e seus clientes. Os resultados mostraram que, entre os
terapeutas, predominou como estilo de interação o do profissional que busca e fornece
informações, é empático e se interessa pelos aspectos emocionais do cliente. Os clien­
tes, por sua vez, predominantemente fizeram descrições de seus problemas e solicitaram
informação e conselhos. Segundo os autores, o terapeuta que mais demonstrar respeito e
consideração pelo cliente terá um cliente menos silencioso. Pelos dados, um cliente faz
auto-revelaçóes ao expressar sentimentos negativos e positivos, permanecendo pouco
em silêncio e fornecendo respostas mais longas. Para os terapeutas, a cooperação do
cliente se revelaria pelos relatos de sucesso, e por taxas reduzidas de meras descrições
do problema. Para o cliente, o terapeuta apropriado demonstra interesse pelo caso, de­
monstra estar envolvido quando provê encorajamento e é pouco diretivo. Para demonstrar
competência, o terapeuta precisa apenas confirmar, por meio de seus atos, o pressuposto
inicial (do cliente) sobre sua competência profissional.
Sexton, Hembre e Kvarme (1996) fizeram uma microanálise seqüencial da interação
em terapia breve para identificar o processo de formação da aliança terapêutica a cada
etapa do tratamento. O estudo demonstrou que a aliança terapêutica se estabeleceu e
permaneceu estável logo na sessão inicial, fenômeno relacionado ao mútuo envolvimento
emocional dos participantes no processo da terapia. Pacientes com aliança forte reagiram
ao terapeuta com menores índices de rejeição. A aliança forte se revelava por um relacio­
namento positivo, focado no cliente, seguido por uma intervenção ativa do terapeuta, o
qual é "ouvido" pelo cliente. Quando se atinge um nível de acordo mútuo, encaminha-se a
mudança bem-sucedida. Para os autores, o repertório de entrada dos participantes deter­
minaria em grande parte a qualidade da aliança.
Outros pesquisadores concentraram-se na busca de variáveis específicas. Um
estudo, por exemplo, focalizou os atributos do terapeuta favorecedores da exposição dos
clientes a eventos ansiogênicos. Williams e Chambless (1990) estudaram a relação entre
características do terapeuta e os resultados da exposição in vivo no tratamento de trans­
torno do pânico e agorafobia. Apresentaram maiores progressos os clientes que percebe­
ram seus terapeutas como mais autoconfiantes e interessados no bem-estar do cliente
(envolvidos no tratamento). Segundo os autores, a capacidade do terapeuta de lidar com
situações estressantes aparentando confiança pode ter sinalizado aos clientes de que
eles também conseguiriam fazê-lo durante a exposição.
No consultório, há clientes que apresentam, diante do terapeuta, a mesma dificul­
dade de relacionamento que vivenciam em suas vidas. Muran, Segai, Samstag e Crawford
(1994) avaliaram se a existência, prévia ao início da psicoterapia, de dificuldades do clien­
te em estabelecer relacionamentos influenciaria a qualidade da relação na terapia cognitiva
breve. Os resultados demonstraram correlação positiva entre inassertividade ou proble­
mas de submissão do paciente e sua maior tendência a concordar com os parâmetros do
tratamento. De um modo geral, encontrou-se relação positiva entre ser amigável-submis-
so e a formação da aliança terapêutica. Também se correlacionam com a aliança mais
sólida os pacientes com esquiva social e que concordam com as tarefas propostas. Paci­
entes com personalidades hostis e dominantes (conforme critérios diagnósticos) foram
pouco capazes de construir a aliança terapêutica. Os dados sugerem fortemente que o
repertório interpessoal do cliente afetaria o tipo de relação construída na terapia.
Muran, Safran, Samstag, Gorman, Twining e Winston (1995), interessados nos
efeitos da relação terapêutica sobre os resultados do tratamento, estudaram a validação
de medidas intermediárias de mudança do cliente, definindo-as como elos entre mudan­
ças moleculares na sessão e o resultado final da terapia cognitiva. A principal conclusão
deste estudo foi que os mais poderosos preditores da mudança de comportamento foram
as mudanças nas cognições e a qualidade da aliança terapêutica.
Em discussões de casos clínicos, constata-se que os clínicos aprendem a avaliar
o sucesso de suas sessões iniciais segundo critérios variados. Partindo desta perspecti­
va, Frontman e Kunkel (1994) analisaram a descrição escrita que terapeutas, com diferen­
tes orientações teóricas, forneceram sobre uma experiência bem-sucedida de sessão
inicial. Identificaram duas categorias amplas, "percepção de si mesmo positiva" e “colabo­
ração". A primeira inclui a demonstração, por parte do cliente, de suas forças e a auto-
avaliação que o terapeuta faz de seu desempenho. A segunda categoria compreende a
adesão às normas interacionais desejadas, o estabelecimento do relacionamento na tera­
pia, e o progresso na resolução de problemas. No total, os terapeutas parecem, essenci­
almente, ter feito uso destas categorias ao descreverem o sucesso da sessão. Este dado
nos fornece pistas do que seria um evento positivamente reforçador para o terapouta,
descoberta importante para a análise dos mecanismos envolvidos na relação terapêutica.
Herman (1997) investigou se a semelhança entre o cliente e terapeuta seria
preditora do impacto das sessões iniciais em 43 díades de cliente e terapeuta. Quão mais
similar as impressões relatadas pelos membros da díade, mais os clientes consideraram
as sessões positivas e estimulantes. Nenhum resultado apontou que diferenças entre os
participantes se correlacionassem com níveis maiores de satisfação do cliente ou com
um melhor relacionamento terapêutico.
O humor pode ter um impacto positivo sobre a terapia, possuindo funções distin­
tas, definidas pelo contexto de sua ocorrência. Bernet (1993) discutiu a importância do
humor na avaliação e tratamento psiquiátrico de crianças e adolescentes. Segundo o
autor, o humor na terapia teria seu papel reconhecido no estabelecimento do vinculo, na
avaliação do funcionamento cognitivo, do desenvolvimento social e do funcionamento psi­
cológico, na exploração de sentimentos e no manejo da resistência. Através do humor,
ficaria claro para o cliente que ele e o terapeuta possuem algo em comum e também se
facilitaria o desafio e interrupção de certas pressuposições que o cliente apresenta na
terapia. Por fim, contribui também para a melhora da relação terapeuta cliente. Para Bernet,
o humor colabora na construção da relação terapêutica, é um instrumento de avaliação
inicial e funciona como técnica de tratamento.
Em outro estudo sobre o mesmo tema, Franzini (2000) analisou o humor como
uma estratégia para enfrentamento do estresse, depressão, conflitos interpessoais e ou­
tros problemas graves. O pesquisador enviou um questionário a terapeutas comportamentais
e/ou cognitivos sobre o uso do humor na terapia e vida pessoal, os quais foram solicitados
a quantificar, numa escala de 7 pontos: sua apreciação do humor fora da terapia, seu
papel de iniciador do humor e seu senso de humor global. A maioria definiu-se como fortes
apreciadores do humor, iniciadores freqüentes e com nível médio ou superior de bom
humor. Mais de 90% dos informantes relataram uso intencional do humor na terapia
comportamental. Atribuiu-se 17 funções ao humor, sendo respostas mais freqüentes "au­
xiliar a construir o relacionamento com o cliente", "demonstrar o pensamento ilógico ou
irracional" e “partilhar, com o cliente, de uma experiência emocional positiva". Entre as
demais funções destacaram-se: mostrar o terapeuta como uma pessoa comum, fornecer
ao cliente um modelo do uso do humor, reduzir a tensão de um momento, auxiliar na
discussão de tópicos amedrontadores, permitir a comunicação através de metáforas, etc.
A despeito de dados obtidos, o autor alerta para a falta de pesquisas controladas sobre o
uso do humor na terapia comportamental.
Estórias e metáforas parecem ter função similar ao humor, como analisa Otto
(2000) em um artigo teórico sobre o uso de estórias e metáforas na terapia comportamental-
cognitiva. Para ele, uma estória seria capaz de organizar um material, tornando seu con­
teúdo interessante e mais facilmente assimilável e presentaria um conteúdo afetivamente
denso de forma mais aceitável e confortável para o cliente. As estórias evocariam menos
comportamentos defensivos do que instruções diretas, fornecem novas maneiras de exa­
minar um tema difícil e facilitam aplicar os ensinamentos a situações reais de vida. Otto
recomenda que uma estória seja formulada em consonância com as características do
ouvinte. Metáforas teriam funções similares: resumem um conceito que será usado pelo
cliente em momentos críticos de sua vida. Estórias e metáforas amplificam, segundo
Otto, o efeito das intervenções e facilitariam a generalização do que se aprende na sessão
para a vida cotidiana. O desafio atual, segundo o autor, é a elaboração de pesquisas
sistemáticas sobre a função destes recursos terapêuticos.

Quais dados coletar? Problemas e soluções de pesquisa


Através de instrumentos indiretos para coleta de dados, Heppner, Rosenberg &
Hedgespeth (1992) pesquisaram como os clientes constróem e interpretam o processo de
mudança ao longo do tempo; qual o conteúdo e valência dos pensamentos ocorridos
imediatamente ao término das sessões de aconselhamento e compararam o real conteú­
do das sessões com os pensamentos de clientes e terapeutas ocorridos logo após as
mesmas. Os conselheiros foram percebidos como facilitadores do processo, capazes,
atraentes e confiáveis. Um tema freqüente dos pensamentos dos clientes na pós-sessáo
era sobre formas mais efetivas de lidar com seus problemas, um dado compatível com a
visão da terapia como um tipo de experiência de aprendizagem. Sinais de que os clientes
foram expostos a uma nova perspectiva (ou que esclareceram sua situação de algum
modo) e os componentes afetivos da terapia (como o apoio emocional) foram auxiliares da
mudança. Foram relatados como benefícios inesperados do aconselhamento as mudan­
ças no modo de encarar o aconselhamento (relatavam surpresa com o alivio ou a sensa­
ção de receber apoio) ou na compreensão dos seus processos psicológicos. Os dados
sugerem que os clientes continuaram a pensar sobre a terapia no intervalo inter-sessões
(refletindo sobre a sessão, colocando em prática algo que foi aprendido, ou pensando
sobre temas para futuras sessões). Os terapeutas foram considerados “pessoas com
quem posso falar abertamente a meu respeito". Os clientes perceberam a competência
dos terapeutas através de perguntas e interpretações propiciadoras do auto-exame e da
aprendizagem. Com maior freqüência, os clientes pensaram sobre si mesmos, a relação
terapêutica ou a experiência de estar em terapia. A ausência do tema relacionamento
terapêutico no conteúdo das sessões contrasta com sua alta freqüência após a sessão,
para clientes e terapeutas. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que o uso dos
instrumentos de coleta de dados pode ter influenciado o próprio processo terapêutico.
Uma visão alternativa seria a de que os clientes podem se sentir como invasores (ou, até
se sentiriam expostos e vulneráveis se fossem mais transparentes com o terapeuta) e
abordassem diretamente a questão do relacionamento com os terapeutas.
Através de um procedimento incomum, foi investigado o impacto de sessões de
diferentes orientações teóricas e estilos, ministradas por um mesmo terapeuta a seu
cliente. Stiles, Shapiro e Firth-Cozens (1988) submeteram 40 pacientes a um delineamen­
to experimental no qual 21 deles foram submetidos a quatro sessões de terapia interpessoal-
psicodinâmica, seguidas de quatro sessões de terapia cognitivo-comportamental (sempre
sob os cuidados do mesmo terapeuta com o qual iniciaram o tratamento). Com os 19
pacientes restantes, houve apenas a inversão da ordem de apresentação das abordagens
terapêuticas utilizadas. O objetivo foi avaliar o impacto dos dois tipos de tratamentos
(denominados "prescritivo" e "exploratório", conforme sua suposta finalidade) segundo a
avaliação dos clientes, dos terapeutas e de juizes independentes (com acesso aos registros
de áudio das sessões). Os resultados indicaram que Sessões de exploração foram consi­
deradas mais profundas apenas para terapeutas e juizes e foram mais desconfortáveis
para todos. As sessões prescritivas foram consideradas mais suaves e fizeram os clien­
tes se sentirem de maneira mais positiva. Na condução do tratamento exploratório, os
terapeutas criaram o desconforto esperado, mas suas intervenções pareceram menos
profundas do que desejavam. O fato dos clientes não considerarem mais profundas as
sessões exploratórias precisa ser colocado em paralelo ao fato dos clientes perceberem
menos mudanças através desta modalidade de tratamento. Resultados como este nos
levam a pensar nos riscos de terapeuta e cliente entrarem em choque na terapia se rea­
gem de modo oposto a um mesmo estilo de intervenção. O que se recomenda ao terapeuta
é prestar atenção ao modo do cliente avaliar o processo, de forma a criar uma condição
igualmente confortável e produtiva para o profissional e seu cliente.
Há relativa escassez de estudos controlados com crianças e seus pais sobre o
relacionamento terapêutico. Kendall e Southam-Gerow (1996) pesquisaram os efeitos de
longo prazo do tratamento cognitivo-comportamental de crianças e adolescentes com
transtorno de ansiedade. Os resultados indicaram benefícios de longo prazo do tratamen­
to, com manutenção dos ganhos. Foram encontrados indícios de que a relação terapêuti­
ca e poder falar com alguém sobre os problemas foram percebidos como componentes
valiosos do tratamento. Além disso, as crianças demonstraram que recordavam e continu­
avam a fazer uso de aspectos específicos dos procedimentos utilizados no tratamento.
Para as crianças, ser capaz de lembrar de componentes teoricamente importantes do
tratamento se correlacionou positivamente com o sucesso do tratamento e a manutenção
da melhora observada nos follow-ups.
Das transcrições à análise funcional: a identificação de classes de res­
posta
Relatos de caso documentam os atendimentos (geralmente ocorridos em contex­
tos institucionais) e podem ser apresentados em eventos ou publicados em periódicos.
Possuem uma função didática, são material de estudo para terapeutas em formação.
Estes registros podem conter inúmeros viéses: omissões, distorções e imprecisões, que
afetariam a qualidade dos dados e a possibilidade de fazer análises ponto a ponto da
sessão. Para contornar o problema, registra-se as sessões, em áudio ou vídeo. Transcri­
ções de sessões, úteis para exames sucessivos, são um recurso utilizado em investiga­
ções da prática clínica, como já se demonstrou anteriormente. Com as transcrições, um
terapeuta pode, mesmo sem o supervisor, rever seu trabalho sempre que precisar, sem
perdas substanciais na forma original dos dados. Um exemplo desta maneira de trabalhar
é a Psicoterapia Analítica Funcional, de Kohlenberg e Tsai (1991/2001), elaborada a partir
da análise de interações terapêuticas. A respeito desta linha de pesquisa, Kerbauy (1999)
afirma que

"a proposta do pesquisa da interação terapeuta-cliento ó fator primordial para a


comproonsáo das condições de mudança om terapia comportamental (...) A
análise da interação terapeuta-cliente pode esclarocer e desafiar a identificação
do variáveis relevantes no processo terapôutico. Em nossos estudos temos
encontrado quo a orientação teórica do terapeuta e o ensino da análise funcional
ó o que propicia mudanças específicas em curto tempo." (p. 67)

Pesquisas brasileiras como as de Wielenska (1989), utilizando registros de


sessões de supervisão, Margotto (1998), Banaco, Zamignami e Kovac (1999) e Kerbauy
e Silveira (2000), baseadas em registros de sessões de terapia, ilustram alguns dos
benefícios dos registros diretos de sessões para investigação da prática clínica
comportamental.
Ao transcrever suas sessões e proceder a micro e/ou macroanálises das interações
verbais mantidas com o cliente, o terapeuta se torna um pesquisador da própria prática
clínica, reexaminando as transcrições sob controle de uma questão de seu interesse.
Schaap, Bennun, Schindler e Hoogduin (1993), ao revisarem os trabalhos sobre
relação terapêutica na abordagem comportamental, classificaram os trabalhos de acor­
do com a contribuição científica de cada um. Segundo os autores, o primeiro grupo
compõe-se de trabalhos que demonstram o modo como cliente e terapeuta valorizavam
o relacionamento que construíam nas sessões. O segundo refere-se a trabalhos teóri­
cos, baseados em conceitos comportamentais e comportamentais-cognitivos. O tercei­
ro grupo ó caracterizado por contribuições empíricas, compostas por descrições de
casos clínicos, prescrições de interação terapeuta-cliente e estudos que envolveram
algum tipo de controle experimental. Seguindo esta classificação, uma investigação da
relação terapêutica e de seus prováveis efeitos sobre a adesão ao tratamento, como a
que será aqui proposta, talvez mescle características dos trabalhos do segundo grupo,
mais teóricos, com as do terceiro, que abrange descrições clínicas e diferentes graus
de controle de variáveis.
Sessões são eventos ricos em oporantes vorbais, para os quais a análise de
contingências se ajusta perfeitamente como ferramenta de estudo. Segundo Skinner (1969/
1980):

"um operante é sempre uma rosposta à qual um reforço é dado contingentemente


a propriedades que definem sua participação como membro de uma classe. (...)
Só observando muitos casos podemos identificar as propriedades de estímulos
e respostas que entram nas contingências." (p. 269)

O refinamento da análise da interação terapeuta-cliente depende da coleta de


dados por um período extenso (por exemplo, ao longo de algumas sessões). Desse modo,
são reveladas mudanças nos padrões interativos que não seriam observadas apenas pela
análise de uma sessão isolada. Para Skinner (1969/1980), no estudo de um processo
comportamental

“deve haver alguma propriedade definidora disponível para o observador poder


identificar as ocorrôncias. A ônfase sobre a ocorrência de uma unidade que
possa ser repotida distingue uma análise experimontal do comportamento de
relatos históricos ou anedóticos." (p. 303)

Esta afirmação nos conduz ao estudo longitudinal da interação verbal terapeuta-


cliente, em busca de regularidades comportamentais. Referindo-se ao comportamento
verbal, não necessariamente o emitido em sessões de terapia, Skinner (1957/1978) sali­
enta que uma unidade de comportamento seria constituída por uma resposta funcional­
mente relacionada com uma ou mais variáveis independentes. O operante verbal seria
uma unidade de comportamento do falante individual. O dado básico seria a probabilidade
de que uma resposta venha a ocorrer num certo momento. Cada operante verbal pode ser
concebido como tendo, sob circunstâncias específicas, uma probabilidade de emissão
que pode ser determinada. Para se descrever por inteiro um episódio de fala, precisamos
mostrar que o comportamento do ouvinte proporciona realmente as condições que tínha­
mos suposto na explicação do comportamento do falante. Surge a necessidade de descri­
ções distintas, mas interligadas, tanto do comportamento do ouvinte como do falante,
para que a explicação do comportamento verbal fique completa. Uma análise da interação
terapeuta-cliente, na perspectiva proposta por Skinner, sempre incluirá, na construção da
contingência, contribuições verbais de ambos os participantes da sessão. A análise da
interação verbal nos moldes acima descritos se compatibiliza com o conceito de reforço
generalizado (Skinner, 1957/1978):

“o reforço generalizado coloca o comportamento do falante sob o controle do


moio ambiente (...) é provável que o comportamento verbal nunca seja completa­
mente independente da condição de um falante em particular. (...) Entro os im­
portantes efeitos especiais do comportamento verbal estão as reações emocio­
nais do ouvinte. O ouvinte que ri está disposto a agir de um modo positivamente
reforçador ” (p. 182-189)
Skinner apresenta as relações funcionais como esquemas classificatórios. Em
sua proposta, identifica a forma de uma resposta e o contexto de sua ocorrência. Assim,
pode-se definir subclasses recorrendo às mesmas contingências de reforço que caracte­
rizam os tipos principais de operantes verbais.
Referindo-se à contingência, Skinner (1969/1980) afirmou que:

"uma formulação das interações entre um organismo e o seu meio ambiente,


para ser adequada, deve sempre especificar trôs coisas: (1) a ocasião na qual
ocorreu a resposta, (2) a própria resposta e (3) as conseqüências reforçadoras.
As relações entre elas constituem as contingências de reforço." (p.180)

Portanto, pesquisar interações terapeuta-cliente eqüivale a focalizar relações de


funcionalidade entre os desempenhos verbais dos participantes da sessão. Baum (1994/
1999) esclarece, com outras palavras, a natureza operante do comportamento verbal. Sua
análise, como a de Skinner, ajusta-se ao estudo de interações terapeuta cliente por meio
da identificação de classes de operantes verbais. As distintas classes de respostas ver­
bais emitidas numa sessão de terapia são identificadas pelo pesquisador de acordo com
seus efeitos sobre os participantes e do contexto no qual elas ocorrem. Baum (1994/
1999) auxilia o pesquisador na tarefa de identificação de classes ao afirmar que:

"O mesmo operante verbal contém muitas vorbalizações, cada uma das quais é
estruturalmente única. Todas as verbalizações que pertencem ao mesmo operante
verbal, a ele pertencem, em parto, porquo cada uma delas tem o mesmo efeito
sobre o ouvinte. (...) Tal como no caso de outros operantes, a segunda parto da
definição de um operante vorbal, além de seus efeitos, é o contexto em que ele
ocorre. Verbalizações estruturalmente semelhantes podem pertencer a operantes
verbais diferentes, dependendo do contexto. A variação no contexto pode modular
as variações estruturais do operante que provavelmente ocorrerão." (p. 152)

No presente estudo, as transcrições das sessões iniciais de um terapeuta expe­


riente foram submetidas a um procedimento no qual o próprio terapeuta examinou suas
interações com o cliente, identificou análises funcionais e os controles atuantes sobre
dois fenômenos: a relação terapêutica e a adesão do cliente à terapia.
Foram objetivos da pesquisa:
a) identificar classes funcionais de respostas verbais dos participantes, sinalizadoras
dos aspectos da relação terapêutica relacionados à adesão do cliente à terapia e
sua aceitação dos procedimentos clínicos;
b) identificar, através da análise funcional das verbalizações emitidas nas primeiras
sessões, os controles públicos e encobertos das interações entre o terapeuta e
seu cliente;
Método
Participantes
• Cliente (C): sexo masculino, 37 anos, curso superior incompleto, residente em São
Paulo, vendedor autônomo, casado pela segunda vez, pai de três filhos.
• Terapeuta (T): a própria pesquisadora (P) atuou como terapeuta, em função dos
objetivos do trabalho. Ao inicio do atendimento de C, sua experiência era, respecti­
vamente, de dezessete e quatorze anos, como terapeuta e supervisora.
• Um psicólogo-colaborador, de abordagem comportamental, com experiência clíni­
ca e de pesquisa superior a 20 anos, que atuou no estudo para identificar, com
base nas definições fornecidas por T, as ocorrências dos membros de classes de
respostas operantes e dos eventos comportamentais.

Local do atendimento e equipamento utilizado


Utilizou-se uma sala do Laboratório de Comportamento e Saúde do Departamento
de Psicologia Experimental do IPUSP para a realização de todas as sessões, iniciadas
em maio de 1998.
Uma câmera de vídeo VHS e um gravador, com fita cassete de 60 minutos, foram
utilizados para registro das sessões. Ambos os equipamentos eram ligados por T ao
início da sessão. Em algumas ocasiões, conforme registrado nas transcrições, ruídos
advindos de obra num terreno anexo ao local, afetaram a qualidade das gravações.

Procedimento
Encaminhamento para terapia: interessado em fazer terapia, R. buscava aten­
dimento gratuito devido a limitações financeiras. Foi encaminhado ao Laboratório de Com­
portamento e Saúde do IPUSP. A terapia foi oferecida sem ônus financeiro, em sessões
semanais, pelo tempo necessário, sob condição de que C aceitasse as normas
especificadas no termo de consentimento informado. Aceita a proposta, combinou-se
local e data da sessão inicial.

Transcrição dos registros em áudio: foram registradas e transcritas todas as


verbalizações de C e T nas dez primeiras sessões. Decidiu-se que a transcrição e análise
dos dados começariam após a 10a sessão, pois o terapeuta seria também o pesquisador,
fazendo análise das sessões por ele realizadas. Dessa forma, seria evitado qualquer viés
decorrente da coleta dos dados.
Nas transcrições, os trechos incompreensíveis das verbalizações, todos com bre­
ve duração, foram sinalizados com a expressão "inaudível”. Assegurando-se o cumpri­
mento do contrato terapêutico, informações que colocariam em risco o anonimato do
cliente foram substituídas por "X X X" e acompanhadas por uma descrição genérica de seu
conteúdo original.
Enumeração das verbalizações: atribuiu-se um número a cada verbalização dos
participantes. Assim, “1T” corresponde à 1a verbalização da terapeuta em cada sessão,
enquanto "1C” representa a 1a verbalização do cliente naquele dia. Certas verbalizações
foram interrompidas por eventos diversos (por exemplo, risos de T e C, ou o fim do lado A da
fita). Decidiu-se atribuir o mesmo número, acompanhado de uma letra distinta (A, B, etc.) a
cada trecho da verbalização interrompida. Por exemplo, na sessão 1, a verbalização 140 de
C, entremeada por risos, foi desmembrada em 140AC e 140BC.

Seleção das interações verbais e identificação de classes funcionais de


respostas: através de sucessivas leituras, foram analisadas por P as transcrições das
quatro primeiras sessões. Cada verbalização e padrão interativo foram considerados
como potenciais unidade de resposta, sujeitas à análise funcional. Foram selecionadas
as interações verbais mais provavelmente relacionadas à construção da relação tera­
pêutica e à mudança de comportamento. A escolha das verbalizações ocorreu sob con­
trole de três fatores: a literatura disponível sobre as questões da pesquisa (que forneceu
pistas sobre aspectos relevantes), o exame das próprias transcrições e a experiência
clínica de T, profissionalmente capaz de identificar alguns dos comportamentos seus e
de clientes correlacionados com permanecer em terapia e mudar o comportamento.
As interações verbais selecionadas foram inseridas em relações de tríplice con­
tingência, tornando-se membros de classes de respostas operantes. Assim, o exame
ponto a ponto da transcrição especificou instâncias de relacionamento terapeuta cliente
funcionalmente relacionadas a conseqüências específicas: permanecerem terapia, planejar
e mudar o comportamento.
Ao final do processo, P obteve oito classes de resposta, nomeadas como: "Pro­
duzir Humor" (H), "Interromper e formar co-autoria" (ICA), "Mudar para outro tema" (OT),
"Parafrasear ou reproduzir" (PR), "Perguntar, com ou sem resposta" (QR e QNR), "Forne­
cer informação não solicitada" (FINS), “Concordar, aprovar ou valorizar" (CAV), "Discordar,
reprovar ou desvalorizar" (DRD), que serão definidas na seção Resultados.
A essas classes de respostas, foram também acrescentadas todas verbalizações
de C, dirigidas a T, sobre planos de mudança ou seus relatos de mudanças ocorridas após
o início da terapia. Estes dois eventos verbais forneceriam a T informações sobre os
eventuais progressos de C na terapia e foram denominados: "C planeja, na sessão, a
mudança comportamental" (PM) e "C relata mudança comportamental, ocorrida em con­
texto fora da sessão" (RM). Um terceiro evento (denominado "T emite verbalização sobre
sua formação, experiência clínica ou outros aspectos de sua prática acadêmica e profis­
sional" (FVP) pareceu também relevante porque descrições da própria prática profissional
de T, quando apresentadas a C (e acompanhadas de outras ações clinicamente apropria­
das) poderiam modificar a qualidade do relacionamento terapêutico, já que o cliente seria
informado sobre a formação do terapeuta, os tipos de casos já atendidos, sucessos al­
cançados, etc. e receberia sinais indiretos da habilidade do terapeuta de auxiliar na supe­
ração dos problemas.
Para avaliar se as definições dos eventos permitiriam identificar as mesmas interações
selecionadas pelo pesquisador nas transcrições das sessões, um psicólogo-colaborador
recebeu cópia das definições e foi instruído a identificar, nas transcrições, quais verbalizações
pertenceriam às classes de resposta e aos eventos definidos por P. Com esse cuidado
metodológico, P definiu as classes e eventos e identificou suas ocorrências nas sessões, e
o procedimento de identificação das ocorrências foi realizado pelo colaborador. Da classifi­
cação final adotada no estudo, constaram apenas as verbalizações avaliadas do mesmo
modo por P e pelo colaborador (houve diferença inferior a 5% das ocorrências).

Definições, resultados e análise dos dados


A análise dos dados visou identificar classes de respostas de T e C que modifi­
cassem a probabilidade de C aderir à terapia e dela se beneficiar.
Foram definidas abaixo as oito classes funcionais de resposta, nomeadas com
siglas distintas, conforme as respostas tenham sido emitidas por T ou C. Cada definição
será acompanhada pela especificação da provável contingência de três termos envolvida
no caso. As Figuras nos auxiliarão a comparar as freqüências totais das classes em cada
uma das quatro sessões. As classes foram assim definidas:

1. Produzir Humor (H)


Respostas H são as verbalizações de um participante que, na interação com o
outro, resultaram em risadas de ambos. Denominou-se
• H T-C as verbalizações de T, durante interação com C, que resultaram em risadas
dos participantes:
• H C-T as verbalizações de C, durante interação com T, que resultaram em risadas
dos participantes.
Esta definição não contempla verbalizações que resultaram em risadas de ape­
nas um dos participantes. Em determinada interação interações, T "não riu junto com o
paciente, que fizera um comentário jocoso sobre si mesmo", T preferiu expressar empatia
pelo desconforto que C deve ter sentido ao viver o episódio relatado na sessão. As respos­
tas H participariam de uma contingência como:
S° R C
VERBALIZAÇÃO DE T ------VERBALIZAÇÃO H DE C ------ RISADAS DE T E C
VERBALIZAÇÃO DE C ------VERBALIZAÇÃO H DE T ------ RISADAS DE T E C
Respostas H facilitariam construir o vinculo terapêutico na medida em que:
• serviriam, para T, como instrumento auxiliar na avaliação da qualidade de seu rela­
cionamento com C;
• sinalizariam a disposição do interlocutor de atuar de modo positivamente reforçador
ou, ao menos, não-punitivo;
• seriam uma estratégia (acidental ou planejada) de enfrentamento da aversividade;
• permitiriam ao terapeuta discutir temas difíceis ou amedrontadores para o cliente.
• facilitaram a C relatar seus erros, dóficits, anseios, fantasias ou temores de forma
atenuada, menos aversiva.
O início da sessão 1 foi marcado por um comentário de T sobre sua inabilidade
para manejar a câmera, o que resultou em risos dos participantes. Logo após a primeira
resposta HT, C emitiu duas verbalizações H. Outras oito respostas HC foram emitidas
apenas na segunda metade da sessão, e as duas respostas HT restantes ocorreram em
paralelo às três últimas respostas HT da sessão 1. A primeira resposta H da sessão pode
ter rompido o clima de estranhamento entre cliente e terapeuta, provável em início de
terapia. Com o andamento da sessão, C revelou que buscava apoio, na terapia, para
vencer o medo. Não conseguia superar seus problemas sozinho, e buscou auxílio da
terapeuta, indicada pela amiga de ambos. Logo após a primeira ocorrência de H, emitida
por T, foi a vez de C emitir uma resposta H. C emitiu outras respostas H em momentos
posteriores da sessão. No total, T e C emitiram, respectivamente, 3 e 10 respostas. Infere-
se, pela sua freqüência (10 ocorrências), que respostas H já fariam parte do repertório de
entrada de C. T apenas sinalizou que a emissão de respostas de humor na sessão seria,
provavelmente, isenta de punições e teria, como conseqüência, o riso partilhado. Em
nossa cultura, dar risadas juntos, especialmente sobre um problema relatado por um dos
participantes, pode facilitar a discussão dos problemas do interlocutor, fazer C e T se
sentirem mais próximos, gerar cumplicidade e predispor C à aceitação tanto dos seus
problemas, como, também, a partilha dos problemas de sua vida.
Ocorreram freqüências similares da resposta H para T e C (respectivamente, 4 e
5 respostas) na sessão 2. Nota*se que três das quatro respostas HT se concentraram na
segunda metade da sessão, enquanto que as respostas HC se distribuíram com maior
uniformidade ao longo do tempo. Nesta mesma sessão, atividades comuns de C foram
relatar suas dificuldades, descrever sintomas e responder às perguntas de T a este respei­
to. Todas estas situações trazem aversividade para clientes e poderiam gerar tensão e
desconforto na sessão. Respostas H seriam negativamente reforçadas com risadas dos
participantes e se tornariam um dos recursos disponíveis para os participantes para
enfrentamento de dificuldades. Com o humor, um momento da sessão pode tornar-se
menos aversivo para T e/ou C. Outra possível explicação é que as risadas de T eliciariam
em C um estado emocional menos compatível com reações de medo, vergonha, tristeza
ou desamparo. Por sua vez, as risadas de C talvez sinalizem a T que o relacionamento
terapêutico se caracterizaria por reduzida aversividade.
T emitiu respostas H em freqüência superior a C na sessão 3. A maioria das
respostas H T-C se concentrou na segunda metade da sessão, enquanto que as respos­
tas de C ocorreram ao longo de toda a sessão. Talvez a maior freqüência de respostas H
emitidas por T seja função do tipo de atividade mais comum nesta fase: a apresentação da
perspectiva comportamental do problema e de seu tratamento. Respostas H, que produ­
zem humor, seriam uma ferramenta para atenuar um momento de aversividade para os
participantes e provavelmente facilitariam a construção da relação terapêutica.
Na sessão 4, T e C emitiram, respectivamente, um total de 8 e 10 respostas H. As
respostas de T ocorreram, principalmente, na segunda metade da sessão, padrão contrário ao
das respostas H C-T. Em seu transcurso, a sessão foi pontuada +por interações H, o que pode
ter atenuado o impacto eventualmente aversivo das ações de cunho psicoeducacional de T.
A Figura 1 mostra que, com exceção da sessão 3, a emissão de respostas HC
ocorreu em freqüência superior às de T. O fato da terapeuta dispor, em seu repertório, de
mais alternativas de ação nas sessões do que o cliente, torna respostas HT menos prováveis
(estas seriam substituídas por outras respostas sem efeito de humor, como fornecer
explicações, fazer perguntas, etc.). Para C, o humor pode ser ferramenta de uso corrente
em sua vida de representante comercial e respostas H foram sua maneira de enfrentamento
inicial da terapia.
A freqüência de respostas H dos participantes nas sessões analisadas sugere que
o relacionamento não-punitivo estabelecido entre os participantes ao longo das duas ses­
sões iniciais deu margem a crescentes manifestações de informalidade ou humor nas ses­
sões segurntes. Uma segunda explicação seria o fato de que, nas sessões 3 e 4, T discutiu
ativamente os problemas de C. Nestas sessões, T começou a apresentar ao cliente um
plano terapêutico. Foi explicado a C que a exposição gradual a estímulos aversivos teria
papel central no tratamento. Pela freqüência de respostas H, é possível supor que o humor
facilitou o enfrentamento das respectivas dificuldades de T e C na sessão. T precisava
analisar a queixa do cliente, propondo a ele uma conduta que lhe parecesse lógica e aceitá­
vel, menos geradora de esquivas (nota-se que T "falava sobre coisas difíceis com humor"). A
proposta de tratamento apresentada por T é paradoxal. Na perspectiva de grande parte dos
clientes, a exposição gradual ao que se teme seria um tratamento contrário ao senso co­
mum. Geralmente, fóbicos aceitam se expor “somente depois do medo passar", e recusam
a "se expor exatamente para viver o medo até ele passar".
Em suma, nas quatro sessões ocorreu um total de 26 respostas HT-C e 32 HC-T,
cuja provável função seria remover ou atenuar alguma forma de estimulação aversiva. Para
C, a aversividade teria origem no desconhecimento entre os participantes, no repertório
verbal insuficiente para descrever seus sintomas e na emocionalidade eliciada pelo próprio
relato de suas dificuldades. Para T, uma fonte de aversividade seria a necessidade de
propor a C uma conduta terapêutica para enfrentamento dos problemas descritos na queixa.
E como T fez dos atendimentos a fonte de dados para pesquisa, também se preocupava
em garantir o desenvolvimento paralelo do trabalho acadêmico. Imagina-se que o exercício
simultâneo das funções de terapeuta e pesquisadora seria uma fonte adicional de
aversividade para C nas sessões. Neste caso, a emissão de respostas HT-C facilitaria o
exercício da dupla função.
O riso partilhado pelos participantes pode ter adquirido, para C, propriedades
reforçadoras para ações relacionadas à posterior aceitação do diagnóstico e do tratamento,
quando T e C se tornariam cúmplices na meta de restituir a C sua qualidade de vida.
2. Interromper a verbalização do interlocutor e completá-la, produzindo uma
verbalização em co-autoria (ICA).
Respostas da classe ICA são aquelas nas quais um interlocutor interrompe a
verbalização do outro, conclui esta verbalização (iniciada pelo outro), e produz uma
verbalização completa, não contestada pela outra parte. Denominou-se:
* ICA T-C as verbalizações emitidas por T;
* ICA C-T as verbalizações emitidas por C.
A definição inclui encadeamentos complexos de respostas ICA, nos quais a frase
completa-se apenas após duas ou mais interrupções dos participantes.
As respostas ICA fariam parte de uma contingência como:
S° R C
C INICIA VERBALIZ.— T INTERROMPE C, TERMINA VERBALIZ. DEC — SURGE
FRASE COMPLETA

T INICIA VERBALIZ. — C INTERROMPE T, TERMINA VERBALIZ. DE T — SUR­


GE FRASE COMPLETA
Infere-se que interações ICA tenham como função sinalizar a um dos participantes
que suas idéias foram prontamente compreendidas e aceitas pelo interlocutor, o que seria
demonstrado pela produção, em dupla, de uma sentença, cuja forma e conteúdo finais pare­
cem satisfazer a T e C (ao menos, não há contestação). C apresentava sintomas clínicos de
ansiedade desde o início da vida adulta e não encontrava explicações e soluções satisfatórias
na comunidade verbal Havia buscado outra terapia anteriormente, sem adesão ao tratamento.
Segundo c, não aceitou as explicações e a proposta terapêutica oferecidas. Encontrar um
profissional que lhe entenda a ponto de completar suas verbalizações satisfatoriamente pode
ser um alívio para C. Em paralelo, T recebia confirmações de que C lhe entendia, concordava
com suas colocações, sempre que completava de modo apropriado as frases da terapeuta.
As ocorrências de ICA se distribuíram mais equitativamente entre T e C nas sessões
2 e 3 (com freqüências menores para T do que na sessão 1). A sessão 1, caracterizada pelo
estabelecimento do contrato e exposição da queixa, controlou a emissão mais freqüente de
respostas ICA T-C, mas nas sessões seguintes T precisou omitir ações de outra natureza
para obter dados sobre o cliente e lhe fornecer informações relevantes. Nas sessões seguin­
tes, não bastaria a T apenas ser capaz de completar acuradamente alguma verbalização de C,
o que se demonstra pelo predomínio, nestas sessões, de freqüências maiores de respostas
de outras classes (ver freqüências nas Figuras referentes a outras classes).
Ocorreram 16 respostas ICA T-C justamente na sessão 4, quando T delineou para
C um plano geral de tratamento, pautado na técnica (de certo modo, aversiva) de exposi­
ção aos estímulos ansiogênicos. Respostas ICA T-C podem ter informado a C que a
proposta terapêutica se baseava no conhecimento preciso que T possuía dos problemas
apresentados e demonstrava que T compreendia a maneira de pensar de C. Respostas
ICA de T podem ter aumentado a probabilidade de C aceitar o tratamento, o qual parecia
feito "sob medida" para suas necessidades.
■ cliriile

so ss rto 1 M ís s r ti)/ s iV í.ln \ s ig ilo 4

f In . I K e s n o s t / i s I C A f ln t u r u m i M M i M . o m i i l H i i ' ) d o ! «■ C. m s s^ ssô es 1 A

A Figura 2 mostra baixa freqüência de respostas ICA C-T, provavelmente porque C


não seria capaz de completar verbalizações de T assim que a terapia começou. C desconhe­
cia a terapeuta e teria pouca condição, naquele primeiro contato, de prever o que se esperava
dele. Considerando-se, ainda, que C era pouco familiarizado com os princípios da exposição
(gradualmente apresentados por T na sessão 4) explica-se a reduzida freqüência de respostas
ICA C-T na sessão 4. A maioria das respostas ICA de T ocorreu nestas mesmas sessões.

3. Emitir verbalização com tema diferente do que estava sendo abordado


pelo interlocutor, alterando o tema da conversa (OT)
Respostas OT são verbalizações cujo tema é, de algum modo, diferente ao da
verbalização anterior do interlocutor, e que resultaram na mudança de assunto na sessão.
Denomina-se:
• OT T-C a resposta emitida por T;
• OT C-T a resposta emitida por C.
As respostas OT fariam parte de uma contingência como:
s" R C
C VERBALIZA SOBRE TEMA X — T EMITE VERBALIZAÇÃO COM TEMA Y — C
VERBALIZA SOBRE TEMA V (T mudou o tema)
T VERBALIZA SOBRE TEMA X — C EMITE VERBALIZAÇÃO COM TEMA Y — T
VERBALIZA SOBRE TEMA Y (C mudou o tema)
Vale lembrar que, em ambos os casos, a conseqüência imediata é que o tema
novo prevaleceu. Esta mudança poderia ser uma forma de T ou C evitarem, na sessão,
temas eventualmente necessários, mas aversivos. O exame de cada instância refutou
esta possibilidade. O que parece ter ocorrido foi um ajuste dos participantes a temas que
lhes pareciam de maior interesse ou relevância para o andamento da sessão.
T emitiu 21 respostas OT, uma freqüência muito superior à de C na sessão 1, com
apenas uma resposta OT. Tal dado pode se relacionar com o fato dos temas abordados na
sessão estarem, primordialmente, sob controle de decisões clínicas de T, a qual direcionava os
temas das verbalizações de C, desde o momento em que solicitou a C que apresentasse sua
queixa. Neste caso, parece ter havido, por parte de T, a modelagem e o reforçamento diferencial
do comportamento verbal de C. A aplicação destes procedimentos clínicos baseou-se nos crité­
rios de T para manter ou modificar o tema abordado. O mesmo tipo de controle sobre os temas
abordados foi utilizado por T ao longo das sessões 2,3, e 4, porém com freqüências inferiores à
da sessão inicial. Este dado sugere que C, por meio do reforçamento diferencial provido por T na
primeira sessão, aprendeu a verbalizar sobre temas de interesse de T.
T emitiu 10 respostas OT, uma freqüência bastante acima das 3 respostas OTC-
T emitidas na sessão 2. Ao contrário das respostas OT de C, concentradas quase ao final
da sessão, as respostas OT T-C distribuíram-se ao longo de todo o encontro. Os dados
sugerem o predomínio da diretividade temática exercido por T. C começa a exercer controle
ativo sobre mudanças de tema apenas ao final da sessão, quando já estava claro que T
era pouco inclinada a fazer uso de controle aversivo na sessão.
T emitiu 14 respostas OT, enquanto C emitiu 6 na sessão 3, na qual novamente
predominou a mudança de tema por parte de T. É também possível notar que, comparando-
se às sessões anteriores, C passou a controlar um número crescente de mudanças de
tema, ainda que em freqüências inferiores às de T.
T escolhe, desde o início, os temas da sessão, sob provável controle da relevância
clínica dos mesmos. Com a evolução do tratamento e paralela ausência de punições, C
passa também a redirecionar os temas abordados.
Ocorreram dez respostas OT C-T na sessão 4, caracterizando uma freqüência
superior às seis respostas emitidas por T. A modelagem do comportamento verbal de C,
exercida por T nas sessões anteriores, parece suficiente para reduzir as ocasiões nas quais
T precisou redirecionar o tema da sessão 4 Por outro lado, C aprendeu que seria possível
intervir sobre o rumo temático da sessão, e oferecia a T material de interesse clínico.

■ dionte

WíSS/U) 1 sessAo 2 s u s s flo 3 M J S S /iO 4


Ficj. 3 - Rc*spf)sti)s OF (mudar dc* toma) de í o C nos sessôos 1 4
Conforme sugere a Figura 3, C passou a exercer controle progressivo sobre mu­
danças no tema abordado a cada sessão. O fato de ocorrem cada vez mais respostas OT
T-C nas sessões 1-4 parece demonstrar que respostas OT T-C não seriam uma manifes­
tação de controle aversivo ou arbitrário de T sobre C, mas sim um processo no qual os
participantes emitem sinais de que determinado tema lhes ó relevante o bastante para ser
introduzido e mantido em dado momento da sessão. Em suma, a função de OT pode ser
a de assegurar a discussão de temas efetivamente do interesse de ambos os participan­
tes, não caracterizando uma disputa de poder entre eles.
A decisão final parece estar principalmente sob o controle das decisões clinicas
de T, que aceitava mudanças de tema propostas por C, desde que estas lhe parecessem
ter relevância clinica, conforme demonstra a maior ocorrência das respostas OT de C a
cada sessão.

4. Parafrasear ou reproduzir literalm ente trecho de verbalização do


interlocutor (PR):
São as verbalizações que reproduzem um trecho da verbalização anterior do
interlocutor, preservando seu conteúdo e modificando, ou não, sua forma. Denominou-se
• PR T-C as respostas emitidas por T;
• PR C-T as respostas emitidas por C.
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), uma paráfrase é
“interpretação ou tradução em que o autor procura seguir mais o sentido do texto que a
sua letra", definição compatível com a descrição das respostas PR (já que faz referência à
modificação da forma de apresentação de um mesmo conteúdo).
As respostas PR fariam parte de uma contingência como:

S° R C
C VERBALIZA X ------T REPRODUZ OU PARAFRASEIA TRECHO DE X ------ C
CONCORDA E DEMONSTRA ESTAR SOB CONTROLE DE T
T VERBALIZA X ----- C REPRODUZ OU PARAFRASEIA TRECHO DE X ------ T
CONCORDA E DEMONSTRA ESTAR SOB CONTROLE DE C
Pode-se inferir as seguintes conseqüências para respostas PR: o diálogo ganha
fluidez, demonstra-se ao interlocutor que se está atento às suas palavras e que há, de alguma
forma, entendimento ou concordância com suas idéias. Resumindo, a emissão de PR sinaliza
aos participantes haver um controle recíproco do comportamento verbal dos participantes.
T emitiu 43 respostas PR, para 33 respostas de C na sessão 1. As respostas de
ambos os participantes ocorreram uniformemente ao longo da sessão. A freqüência e a
distribuição uniforme sugerem que respostas PR já eram funcionais fora do contexto da
interação terapêutica para os dois participantes. Apenas teria ocorrido o reforçamento
recíproco, para manutenção na sessão, de respostas PR. Numa sessão inicial, PR é uma
resposta provável, que requer quase nenhum conhecimento prévio entre os participantes,
bastando o controle exercido pela interação verbal.
Respostas PR dos dois participantes ocorreram ao longo de toda a sessão 2,
com 18 T-C e 11 C-T. A redução nas freqüências apresentadas por TeC , comparadas à
sessão 1, provavelmente deve-se ao predomínio de outras respostas mais complexas,
que dependem do conhecimento prévio entre os participantes.
Na sessão 3, ocorreram 11 PR T-C e 17 PR C-T, enquanto que na sessão 4, T
emitiu apenas 5 PR, pois o predomínio de interações psicoeducacionais é menos compatível
com esta resposta. C emitiu 13PR, cujo efeito seria informar a T que está de acordo com
as propostas apresentadas.

---- ------— T - - i— u ..■TLf. , rL.v^ ., --------- t-r*— ■— r


41

wvnAo 1 j vssA o I vm A o 4

I H| 4 M rs p i» M m l'W i(i4 < o u H tjH íM lu /l») <ln 1 1* ( m is v*ssTM«s 1 4

A Figura 4 informa o total de respostas PR nas quatro sessões. As freqüências


acumuladas (77 e 74 ocorrências, respectivamente para T e C) revelam a provável funcionalida­
de da classe. Por sucessivas vezes, um participante emitia uma resposta PR, demonstrando
o controle exercido pela verbalização do outro, na ausência de estimulação aversiva na interação.
Talvez respostas PR auxiliem a validar o discurso do interlocutor, por meio do reforçamento
reciproco das verbalizações dos participantes e da construção de uma linguagem em comum,
facilitadora da terapia. Em termos de pré-requisitos, as respostas PR exigem menor conheci­
mento prévio acerca do interlocutor do que respostas como IAC e, são, portanto, mais prová­
veis de ocorrer desde o começo da interação. A tendência ao decréscimo de respostas PR ao
longo das 4 sessões está provavelmente atrelado á possibilidade de emitir respostas mais
complexas a partir do aprofundamento do contato entre TeC. Reproduzir, de maneira literal ou
não, a verbalização do interlocutor sinaliza aceitação, compreensão ou concordância, mas
não bastaria para sustentar o diálogo à medida em que a terapia avançasse. A ocorrência, em
paralelo, de respostas de outras classes demonstra a necessidade de emitir respostas mais
complexas para se alcançar outros resultados na sessão.

5. Dirirgir pergunta ao interlocutor, obtendo, ou não, resposta (QR/QNR)


Denominou-se:
• QR T-C as respostas nas quais a terapeuta faz uma pergunta ao cliente e recebe
resposta:
• QNR T-C as respostas nas quais a terapeuta faz uma pergunta ao cliente e não
obtém resposta:
• QR C-T as respostas nas quais o cliente faz uma pergunta ao terapeuta e recebe
resposta;
• QNR C-T as respostas nas quais o cliente faz uma pergunta ao terapeuta e não
recebe resposta.
As respostas QR e QNR fariam parte de contingências como:
Sn R C
NÃO ESPECIFICADO — T DIRIGE PERGUNTA A C — C RESPONDE
NÃO ESPECIFICADO — C DIRIGE PERGUNTA A T — T RESPONDE
NÃO ESPECIFICADO — T DIRIGE PERGUNTA A C — C NÃO RESPONDE
NÃO ESPECIFICADO — C DIRIGE PERGUNTA A T — T NÃO RESPONDE
Buscou-se estabelecer aqui uma oposição funcional entre respostas QR e QNR.
As primeiras pressupõem que T ou C reforce o perguntar do interlocutor, fornecendo-lhe,
contingentemente à pergunta, uma informação relevante. Por outro lado, perguntar algo e
permanecer sem resposta (QNR) parece menos compatível com um relacionamento
terapêutico de qualidade, configura uma forma aversiva de interação. Um diálogo recipro­
camente reforçador na sessão supõe, entre outros aspectos, que perguntas dirigidas a
uma das partes sejam, na maior parte das ocasiões, seguidas por respostas apropriadas
do interlocutor.
Entretanto, responder a perguntas poderia ser inócuo ou prejudicial para o anda­
mento da terapia se a informação obtida não tivesse relevância alguma. A análise das
respostas de C ás perguntas de T, mostra que, em sua maioria, elas foram essenciais
para T formular o caso e propor o tratamento. Quanto às respostas de T às questões de C,
há o predomínio de informações que esclarecem dúvidas de C sobre a natureza dos seus
sintomas e a maneira apropriada de enfrentá-los, caracterizando uma interação
psicoeducacional, favorável ao tratamento.
Foram registradas 57 respostas QR T-C na sessão 1. Apenas outras 4 questões
de T permaneceram sem resposta na interação com C. Este emitiu 14 respostas QR e
apenas uma resposta QNR. Ambos os participantes emitiram respostas em todos os
segmentos da sessão, mas a frequência maior de QRT-C produz a maior densidade des­
tas respostas. Dirigir perguntas ao cliente é atividade comum, e fundamental, em início de
tratamento, caracteriza a coleta de dados. A alta freqüência de perguntas respondidas por
C comprova o sucesso do comportamento de coletar dados de T. Nota-se que C passou a
fazer mais perguntas ao longo da segunda parte da sessão, talvez sob efeito da ausência
de controle aversivo sob seu comportamento verbal e do maior conhecimento adquirido
sobre as regras vigentes na terapia, que lhe foram gradualmente apresentadas por T na
sessão1.
Na sessão 2, as perguntas emitidas por T e C receberam resposta do interlocutor.
Ocorreram 24 respostas QRT-C e 12 QRC-T. Ainda predominam as perguntas de T, que
prossegue coletando dados, e C emite mais respostas QR do que na sessão anterior.
Parece que C está em condição de “saber o que perguntar", e aprendeu que este lhe é um
direito assegurado na sessão.
Na sessão 3, é mantido o padrão interativo da sessão anterior, com respostas QR
e ausência de QNR. Ocorreram 37 QRT-C e 14 QRC-T. Ainda é mais comum que o
terapeuta dirija questões ao cliente do que o contrário, como demonstram as 14 respostas
QRC-T.

1BOH1
2«OHi
3 DONUT

Como demonstra a Figura 5, o comportamento de perguntar foi uma atividade


predominante para T (a qual emitiu um total de 179 respostas QR ou QNR nas quatro
sessões), tipo de resposta compatível com a etapa de coleta de dados. C também emitiu
esta resposta em todas as sessões (num total de 61 respostas QR e QNR), em freqüência
inferior a T. É digno de nota que, sem prejuízo ao andamento das sessões, apenas 5
perguntas de T e quatro de C não foram respondidas (ou seja,respostas QNR foram
infreqüentes). Em termos gerais, o padrão interativo revelado pela classe (ou seja, as
perguntas feitas foram, quase sempre, respondidas pelo interlocutor) parece atender a
parte das demandas dos participantes na sessão. Receber a atenção do interlocutor (sob
a forma de resposta) quando dirige a ele uma pergunta, possivelmente beneficia o
relacionamento terapêutico.

6. Na ausência de solicitação prévia, fornecer ao interlocutor informação


considerada clinicamente relevante (FINS)
FINS são as respostas nas quais um dos participantes fornece ao outro uma
informação que não lhe fora solicitada pelo interlocutor. Denomina-se
• FINS T-C as respostas emitidas por T;
• FINS C-T as respostas emitidas por C.
As respostas OT fariam parte de uma contingência como:
s" R C
C NÃO PERGUNTOU SOBRE TEMA X — T INFORMA SOBRE TEMA X —
INFORMAÇÃO X AUXILIA NA TERAPIA
T NÃO PERGUNTOU SOBRE TEMA X — C INFORMA SOBRE TEMA x —
INFORMAÇÃO AUXILIA NA TERAPIA
Respostas FINS teriam por funçào informar a cada participante sobro a disponibi­
lidade do outro de contribuir para a sessão, sem que a pessoa fosse controlada por um
questionamento prévio. É relativamente comum a ocorrência de interações terapêuticas
nas quais um cliente se queixa do terapeuta que "não abre a boca”, não comenta nada,
não lhe fornece dicas ou outra forma de auxilio verbal. Terapeutas, por vezes, se queixam
de alguns clientes lacônicos, com os quais sentem dificuldade de obter informações. Esta
classe, FINS, procura quantificar a ocorrência de interações opostas a este padrão aversivo
de relacionamento, ou seja, busca identificar a ocorrência de verbalizações de natureza
informativa, que não foram geradas por uma pergunta imediatamente anterior do interlocutor.
Coube a T, no papel de pesquisadora, avaliar se as verbalizações dos participantes seriam
clinicamente relevantes, supostamente capazes de auxiliar na condução do caso. Ou
seja, apenas com a análise da informação fornecida demonstra-se a provável contribuição
das respostas FINS para o resultado do tratamento. Como se apreende pelas transcri­
ções (ver anexos), vários dos dados utilizados na análise funcional e no planejamento
terapêutico decorreram da emissão de respostas FINS.
As verbalizações de incentivo ao discurso (frases como "hum-hum") ou acenos de
cabeça, sorrisos e olhares seriam outro tipo de conseqüência reforçadora dispensada às
respostas FINS. Mas sua função seria de sustentar o discurso do interlocutor, e não se
relacionaria com o uso clinico da informação oferecida. No presente estudo, optou-se pela
investigação das verbalizações e salientar que a atenção social fornecida às verbalizações
do interlocutor e o tipo de informação obtida foram controles prováveis das respostas FINS.
As respostas FINS C-T da sessão 1 ocorreram em freqüência bem superior à de
respostas FINS T-C (respectivamente, 57 e 28 respostas). Este dado sugere que C se
dispôs, desde o início da terapia, a colaborar no tratamento, falando sobre seus proble­
mas e aspectos de história de vida que julgasse relevantes. Tal disponibilidade do cliente
pode ter favorecido à terapeuta a avaliação do provável sucesso de sua intervenção e
também propiciado a construção de um relacionamento terapêutico reciprocamente
reforçador. De qualquer modo, uma das atribuições de T foi informar ao cliente sobre
aspectos que julgasse relevantes para o momento, e o fez logo ao início e, depois, na
segunda metade da sessão.
Verifica-se que T e C apresentaram freqüências similares de respostas FINS (47
para T e 42 para C). Coube a T fornecer explicações, descrever aspectos do problema e
do tratamento. C, por sua vez, teria como papel fornecer informações a T, o que parece ter
ocorrido através das respostas FINS, dispensando perguntas prévias de T. As respostas
dos participantes se distribuíram de modo uniforme no desenrolar da sessão 3.
Constata-se a emissão de 43 respostas FINS T-C e 48 respostas FINS C-T na
sessão 3, indicando que ambos os participantes forneceram ao interlocutor dados que
julgaram relevantes. FINS foi uma resposta freqüente provavelmente em função da ação
psicoeducacional de T e dos planos ou relatos de mudança de C.
Os dados referentes à sessão 4 refletem a maior incidência de respostas FINS T-
C, cujo total foi bastante superior ao das emitidas por T (respectivamente, 101 e 37). Este
dado pode ser explicado se considerarmos que, na sessão 4, T explicava a C a racional da
exposição e, paralelamente, discutia alternativas de ação. Então, C teve menos oportuni­
dades para emissão de FINS, visto que T forneceu extensas e freqüentes explicações
durante a consulta.
| IIN S I

I I INS C
4/

B i
m « T HN»C

MISSflO 1 MM/tO i

l i ( | (i M irspriM .’i<. UNS ( to r n iv «« m h * r r u i( , n o r r t o v ih c . it iu jd )


(In I n C ' M i v w f r n 1 *

A figura 6 mostra que no total das 4 sessões, houve 155 ocorrências de FINS T-C
para 248 respostas FINS C-T. Estes resultados sinalizariam que T foi capaz de manter as
respostas FINS C-T, não restringindo verbalizações de conteúdo não previsto ou diferente
dos que havia escolhido. Por sua vez, C demonstrou manter as respostas FINS de T, por
meio de respostas de outras classes emitidas contingentemente às verbalizações de T.
Assim, manteve-se relativamente estável a freqüência de FINS T-C, como atesta a Figura 6.
Salienta-se que na sessão 4 , com o advento de progressos clínicos relatados a T, houve
oportunidade para C emitir FINS em freqüência bastante superior à das domais sessões.

7. Verbalizar concordâncía/aprovação/valorização do conteúdo o verbal


ou de algum atributo/comportamento do interlocutor (CAV)
CAV são respostas nas quais um dos participantes sinaliza verbalmente que
concorda com/aprova uma verbalização anterior do interlocutor, ou que valoriza algum
comportamento ou atributo do mesmo. Assim,
• CAV T-C são as respostas emitidas por T;
• CAV C-T são as respostas emitidas por C.
As respostas CAV fariam parte de uma contingência como:
S° R C
OPINIÃO, AÇÃO, ATRIBUTO DE C — T CONCORDA/APROVAA/ALORIZA — C
SENTE-SE ACEITO, VALIDADO POR T
OPINIÃO, AÇÃO, ATRIBUTO DE T — C CONCORDA/APROVA/VALORIZA — T
SENTE-SE ACEITA POR C
Talvez os elogios e as demonstrações verbais de concordância e aprovação emitidos
por T funcionem, para C, como sinais de forte aceitação do outro e de ausência de punição,
eliciando estados usualmente nomeadas como de "conforto, bem estar" na sessão. Respos­
tas CAV serviriam, principalmente como contexto de apoio para a expressão mais aberta de
desconforto, dificuldades, "erros" cometidos, ou de outros aspectos que, na linguagem cotidi­
ana, costuma-se denominar negativos. Uma questão a considerar é que membros da classe
CAV não teriam um efeito tão poderoso sobre os participantes da relação se não ocorressem
paralelamente a outros tipos de respostas na sessão. Elogios “caldos do céu”, ou expressões
de aprovação vagas e pouco criteriosas poderiam gerar desconfiança ou algum outro subproduto
emocional aversivo. No caso presente, havia correspondência temática entre as respostas
CAV e as respostas paralelas pertencentes às demais classes.
Para T, o fato de C afirmar que as condições do encaminhamento lhe pareceram
um “bom sinal" pode ter funcionado como um primeiro sinal explícito de aceitação da
terapia, e facilitado, com isso, seu trabalho durante as etapas iniciais do atendimento.
Como houve várias demonstrações de correspondência entre as ações verbais de C na
sessão, foi possível preservar a credibilidade das respostas CAV C-T, propiciando a T
sentir-se adequada em suas práticas profissionais com aquele cliente específico. Por
exemplo, C afirmava concordar com as normas do contrato inicial e, após ter precisado
faltar a uma sessão, mencionou por conta própria que iria pagar a multa prevista, solicitando
fazê-lo quando recebesse o pagamento. Em outra ocasião, disse que precisava ver sentido
num tratamento para sujeitar-se a ele, depois afirmou concordar com as explicações de T
e relatou ter enfrentado o medo (de passar mal, caso ficasse trancado no banheiro).
Identificou-se na sessão 1 freqüências de respostas CAV bastante similares entre
os participantes (47 l-C e 49 C-T). Ou seja, no decorrer da sessão 1, houve demonstra­
ções recíprocas e freqüentes de aprovação/aceitação interpessoal.
As respostas CAV T-C na sessão 2 apresentaram freqüência inferior às emitidas
por C. Ocorreram 22 respostas CAV T-C e 40 CAV C-T. Houve evidente demonstrações de
concordância com T, o que deve ter sugerido a provável adesão de C ao tratamento. O fato
de T não se furtar a emitir respostas CAV ao longo de toda a sessão talvez tenha
demonstrado a C que T o respeitava e aceitava suas idéias e problemas.
Ocorreram 19 respostas CAV T-C e 3! CAV C-T na sessão 3. A freqüência superior
de CAV emitidas por C sugere que ele expressou amplamente, no decorrer da consulta,
estar de acordo com T, sugerindo a manutenção bem-sucedida do vínculo terapêutico. A
freqüência menor de CAV T-C talvez se explique pela diversidade de estratégias de
construção do relacionamento terapêutico que fariam parte do repertório profissional de T,
conforme atestam outros tipos de respostas emitidas por ela na sessão (por exemplo, rir
com C, e não de C, ou reconhecer o quanto ele se empenhou em dadas situações).
Na sessão 4 houve 33 respostas CAV emitidas por T, para 37 CAV C-T. A interação
continuou, nesta sessão, permeada de demonstrações explicitas de concordância e apro­
vação recíprocas, sugerindo ser mutuamente reforçador o contato entre T e C.

1 *«svOn ) v*s/k> .1 wnsAo 4


K(| I ■ R n sp n stíij CAV (c o fx c*(l/i, /i|W»v/i, viiloo/n) «lo I «' ( . fins w>»Ain 1 4
A Figura 7 mostra que ocorreram mais respostas CAV nas sessões 1 e 4, com
taxas ligeiramente inferiores nas demais sessões. No total, T emitiu 121 CAV, um pouco
menos que as 157 CAV C-T. Estes valores sinalizam que todas as sessões foram amplamente
permeadas por demonstrações de aceitação e concordância entre os participantes.

8. Verbalizar discordância /reprovação/desvalorização de algum atributo


ou comportamento (verbal ou não-verbal) emitido pelo interlocutor (DRD)
DRD sáo as respostas nas quais um participante verbaliza que discorda de/reprova
uma verbalização anterior do outro, ou que desvaloriza algum comportamento ou atributo
do interlocutor. Assim,
• DRD T-C são as respostas emitidas por T;
• DRD C-T são as respostas emitidas por C.
As respostas DRD fariam parte de uma contingência como:
S° R C
OPINIÃO, AÇÃO, ATRIBUTO DE C — T DISCORDA/REPROVA/DESVALORIZA
C — C SENTE-SE REJEITADO, CRITICADO POR T
OPINIÃO, AÇÃO, ATRIBUTO DE T — C DISCORDA/REPROVA/DESVALORIZA
T — T SENTE-SE REJEITADO, CRITICADO POR C
Em nossa cultura, expressões verbais de critica, desvalorização ou reprovação de
algum atributo ou ação do interlocutor geralmente funcionam como eventos aversivos,
cujos subprodutos comportamentais e emocionais poderiam prejudicar o relacionamento
terapêutico. A freqüências de respostas DRD, como demonstram as Tabelas 29, 30, 31 e
32, foram extremamente baixas, se comparadas com respostas de outras classes. No
total das quatro sessões, T e C emitiram, respectivamente, 17 e 10 respostas DRD.
A análise do conteúdo das verbalizações DRD T-C revela que as respostas
ocorreram em contextos de baixa ou nenhuma aversividade. Por exemplo, dizer a C "Você
ria, mas sofria" seria uma forma de validação do sofrimento do cliente. Ou, quando T
sugere a C não utilizar uma abordagem radical de enfrentamento, explica que o tratamento
não exige tanta aversividade para ser eficaz. Em suma, os eventos DR de T podem ter
protegido o cliente, ao lhe sinalizar alternativas melhores de ação ou de interpretação dos
fatos, ao invés de funcionarem como estímulos aversivos com função punitiva.
Por outro lado, C expressou discordância, principalmente quando T parecia lhe fazer
propostas terapêuticas difíceis ou demasiadamente desagradáveis. As verbalizações DRD C-
T foram circunscritas a pontos claramente definidos, e podem ter auxiliado T a calibrar suas
propostas, que foram prontamente modificadas (por T) em função da reação de C.
Para T e C, portanto, respostas DRD não trouxeram prejuízos ao tratamento,
foram legítimas expressões da diversidade de pensamento entre os participantes,
controlados por uma construção, a dois, de soluções terapêuticas.
Na sessão 1 ocorreram 2 respostas DRD T-C e apenas uma DRD emitida por C,
configurando uma freqüência reduzida de explicitações de discordância entre os participantes.
Ocorreram, na sessão 2, duas respostas DRD de T e apenas uma de C, novamen­
te sinalizando baixa freqüência de respostas DRD.
T emitiu 8 respostas DRD na sessão 3, exatamente quando apresentou a C a
paradoxal proposta de exposição a estímulos ansiogênicos. A reação de oposição,
desconforto e discordância é compatível com a atividade ocorrida. Com respostas DRD C-
T foi possível a T calibrar suas propostas, atenuar a aversividade e recuperar a confiança
de C. Nesta sessão, ocorreram 3 respostas DRD C-T.
As expressões de discordância de C na sessão 3 provavelmente foram reforçadas
por T, pois na sessão 4 ocorreram 5 respostas DRD. Foram registradas também 5 respostas
DRD T-C, provavelmente com função de reforçar diferencialmente as verbalizações de C.

■ UHDt
■ DKO C

\m%n<> 1 v v .n o i u m flo J « n \fl< > 4


ili|. H - Nn\|H>slin D R ü (d isc o rd ii m iK o v it) (In T n C n m sm \0 < n 1 4

Como se verifica pela Figura 8, a terapia teve início com baixas freqüências de
DRD, se comparadas a respostas de outras classes. Deve-se atentar que nas sessões 3
e 4 houve um aumento relativo das respostas DRD, sugerindo, talvez, o conforto dos
participantes em expor eventuais divergências de idéias.
Outros três eventos comportamentais foram acrescentados à análise de dados,
para identificar comportamentos dos participantes que mantivessem provável correlação
com os resultados iniciais da terapia. Embora não se caracterizem como respostas de
classes bem definidas, a decisão de incluí-los deveu-se à função inferida de cada um nas
sessões. Selecionou-se três tipos de eventos:
• eventos FVP T-C são as verbalizações de T sobre sua vida profissional que aumen­
tariam a probabilidade de C reconhecer T como uma profissional qualificada para
conduzir o tratamento;
• eventos PM C-T são verbalizações de C sobre planos de mudança comportamental,
que informariam a T sobre a disponibilidade de C se engajar na terapia;
• eventos RM C-T são os relatos de C sobre mudanças de seu comportamento fora da
sessão, ocorridas, supostamente, sob efeito da terapia, os quais sugerem a T que
suas intervenções começaram a influenciar o funcionamento do cliente fora da sessão.
A seguir, as definições dos três eventos comportamentais escolhidos,
9. Terapeuta emite verbalização sobre sua formação, experiência clinica
ou outros aspectos de sua prática acadêmica ou profissional (FVP T-C)
FVP são as verbalizações de T, ocorridas na sessão, referentes à sua formação
acadêmica ou aspectos de sua prática profissional;
S° R C
(INESPECÍFICO) — T RELATA SOBRE FORMAÇÃO/EXPERIÊNCIA — C VALO­
RIZA INTERVENÇÕES POSTERIORES DO TERAPEUTA

10. Cliente planeja, na sessão, a mudança comportamental (PM C-T)


PM são as verbalizações de C, produzidas sob efeito da terapia, referentes a
modificações que pretende introduzir em sua vida para reduzir ou eliminar a queixa.

S" R C
(INESPECÍFICO) — C RELATA PLANO DE MUDANÇA — T DISCUTE O PLANO,
EXPRESSA APROVAÇÃO, SUGERE ALGO A MAIS, ETC.

11. Cliente relata mudança comportamentel ocorrida em contexto fora da


sessão (RM C-T)
RM são as verbalizações de C, emitidas na sessão, referentes a relatos de mu­
danças de seu comportamento, ocorridas na sua vida cotidiana, e que, ao seu ver, seriam
decorrentes da terapia;
S° R C
(INESPECÍFICO) — C RELATA MUDANÇA COMPORTAMENTAL — T AVALIA
IMPORTÂNCIA DA EXPERIÊNCIA, SALIENTA VANTAGENS, EXPRESSA ALEGRIA, ETC.

Registra-se a ocorrência, na sessão 1, de 12 eventos FVP e nenhum PM ou RM.


Parece correto afirmar que, ao início da terapia, T teve oportunidade de se apresentar como
profissional a C e isto justifica os eventos FVP emitidos por ela. Por outro lado, seria impos­
sível a C relatar, nesta ocasião, qualquer efeito da terapia sobre seu comportamento.
Na sessão 2 houve a ocorrência de oito respostas FVP de T e nenhum plano ou
relato de mudança de C. Ou seja, T faz comentários sobre casos similares já atendidos,
e sobre seu trabalho clínico, o que demonstraria ao cliente que há solução para seu
problema e que a terapeuta está qualificada para o exercício de sua função.
Na sessão 3, T continua a mencionar sobre sua experiência profissional, sinali­
zado por 14 respostas FVP T-C. Surgiram na sessão os primeiros sinais de que a inter­
venção estaria sendo eficaz, já que C emitiu 17 PM e 8 RM.
Na sessão 4 houve a redução na ocorrência de FVP T-C, já que a emissão de
respostas com outras funções, mais necessárias na sessão, competiram com a ocorrên-
cia de respostas desta classe. Tambóm continuam a ocorrer planos e relatos de mudan­
ça, como atestam as 9 PM T-C e as 15 RM T-C. Vale notar que PM e RM predominaram
na segunda parte da sessão
Outro dado de interesse seria a identificação das classes de resposta emitidas mais
freqüentemente pelos participantes em cada sessão, o que será facilitado pela tabela 1.
Tabela 1. Freqüências de respostas de T e C nas sessões 1-4

CLASSE SESSÃO SESSÃO SESSÃO SESSÃO TOTAL DE


S 1 2 3 4 RESPOST
AS
NAS
SESSÕES
1-4
HT-C 3 4 11 8 26
HC-T 10 5 7 10 32
ICA T-C 27 " 8 11 16 62
ICA C-T 3 6 9 3 21
OT T-C 21 10 . 14 6 51
OT T-C 1 3 6 10 20
PR T-C 43 18 11 5 77
PR C-T 33 11 17 13 74
QR T-C 57 24 37 56 174
QR C-T 14 12 14 17 57
QNRT- 2 0 0 2 4
C
QNRC- 1 0 0 3 5
T
FINS T- 28 47 43 37 155
c
FINS C- 57 42 48 101 248
T
CAV T-C 47 22 19 33 121 j
CAV C-T 49 40 31 37 157
DRDT-C 2 1 2 8 5 I 17
DRDC-T] 1 I" 1 3 [ 5 I 10

Na sessão 1, T emitiu 57 QR e 47 CAV, caracterizando o inicio da terapia como


permeado por perguntas freqüentes de T, todas respondidas por C. Também na sessão 1,
T demonstrou freqüentemente concordar ou aprovar C. Houve, ainda, alta freqüência de
FINS C-T (101 ocorrências) e CAV C-T (37 ocorrências), demonstrando a disponibilidade
de C relatar seus problemas e fornecer dados de história de vida e sua aprovação/
concordância com T. A predominância de CAV sugere que o vínculo terapêutico é construído
em paralelo âs informações fornecidas por C e às verbalizações de C, completadas
corretamente por T.
Na sessão 2, T emitiu 47 FINS, algo próprio de atividades psicoeducacionais e fez
muitas perguntas a C, todas respondidas por ele (24 respostas QR). Ou seja, a coleta de
dados de T mesclou-se com atividades informativas para C. Para ele, houve predomínio de
42 respostas FINS e de 40 CAV. Isto significa que C, nesta sessão, fornecia muitas
informaçãoes a seu respeito, colaborando com o processo ativamente, e claramente
expressava a T sua concordância.
T emitiu 43 respostas FINS na sessão 3 (portanto, T continua a exercer uma ação
psicoeducaciona) e fez muita perguntas (37 respostas QR-C), respondidas satisfatoriamente
por C. Nesta sessão, C principalmente emitiu FINS (48 respostas) e CAV (31 ocorrências).
Na sessão 4, predominaram, para T, QR (56 respostas) e FINS (37 ocorrências),
desempenho similar ao da sessão anterior. Padrão semelhante ao da sessão 3 também
ocorreu com C, que emitiu 101 FINS e 37 CAV.
Observando as maiores freqüências no total das 4 sessões, verifica-se que QR,
FINS e CAV foram as respostas mais freqüentes deT (na ordem, total de 174,155e 121
ocorrências). CAV também foi comum para C, embora superada em freqüência por FINS
(respectivamente, 157 e 248 ocorrências).

sossrto 1 scissrto 2 sossflo 3 sossflo A


Tiq. 9 - Frequfincin do eventos FVP (verbali/fu sobro
viria profissional) de I n;»s sessOos 1-4

A Figura 9 mostra que eventos FVP foram mais freqüentes nas sessões 1 e 3. Na
primeira sessão, T apresentou-se profissionalmente, o que explica as 12 ocorrências de
eventos FVP de T. Por outro lado, T fez menção a casos similares já atendidos
(estabelecendo um paralelo entre os casos tratados e o problema de C) e, com isso,
produziu os 14 eventos FVP na sessão 3.
s**sv1o 1 ? víssAo 3 stíssflu 4

h(|. 10> frtxnK^ncui fl<> («ventos l*M (|)l/in<íjtir miJtJíJrK,;)) ck; C nm soss<">es 14

A Figura 10 mostra que nas sessões 3 e 4 surgiram as primeiras verbalizações


sobre planos de mudança de C. Provavelmente, as interações estabelecidas nas duas
sessões anteriores produziram os sinais de mudança em C, antes incapaz de imaginar
mudanças em seu estado.

viviflo 1 u w / to ? sm sA o 3
ti(| 11 M(M)uOiv.ln (1t> oviHitni HM (rHntnr rw ulnn gn) ditC. r im s « sv > i* 1 4

A figura 11 mostra a ocorrência de oito eventos RM de C na sessão 3, seguidos


por 15 na sessão 4. Como seria esperado, nas sessões 1 e 2 não houve relato de progresso.
Entretanto, as interações ocorridas nestas sessões provavelmente desenvolveram em C o
repertório mínimo necessário ao enfrentamento das dificuldades. Respostas RM de C
sinalizam a T o acerto no rumo do tratamento e permitem a C receber incentivo para
manutenção dos esforços e generalização dos ganhos terapêuticos.

Discussão
Pesquisas de laboratório buscam o controle de variáveis ao planejar procedimentos.
E, dessa forma, retiram um fenômeno de seu contexto natural. Numa etapa seguinte,
essas variáveis são extrapoladas para a situação natural. É arrojado dizer que em terapia
comportamental se encontre, na própria sessão, a regularidade do laboratório. Transformar
a sessão terapêutica em uma sessão de pesquisa de laboratório, no caso específico,
seria um retorno às origens da terapia comportamental, quando seus iniciadores queriam
vê-la como atividade de pesquisa. Nesta perspectiva, a sessão terapêutica seria objeto da
análise e a identificação de seqüências verbais na sessão propiciaria verificar os padrões
de comportamento do terapeuta e cliente e os fatores de mudança. No presente estudo, a
construção de classes de respostas permitiu explicar a forma de trabalhar em terapia
comportamental e os mecanismos controladores da adesão ao tratamento e mudança.
Os resultados aqui obtidos poderiam esclarecer e remediar as falhas das intervenções e
facilitar ao terapeuta desenvolver tratamentos eficazes e dar pistas sobre como alterá-los,
de acordo com os princípios da aprendizagem e os comportamentos relatados e emitidos
pelo cliente na sessão. Esse ponto de vista é parte da proposta clínica, por exemplo, de
Kholenberg e Tsai (1991/2001). Em sua proposta de trabalho, o terapeuta precisa ser
capaz de responder apropriadamente aos comportamentos clinicamente relevantes do
cliente na sessão.
A habilidade clínica de responder ao cliente de modo apropriado precisaria ser
treinada e um procedimento de auto-monitoração das sessões como o que foi proposto
aqui pode ter valor para a formação de terapeutas. Programas de autocontrole foram ex­
tensivamente adotados no combate de problemas clínicos diversos e se mostraram impor­
tantes facilitadores da mudança (por exemplo, Kerbauy, já em 1972, discutiu amplamente
o papel da automonitoração para controle do comportamento alimentar). Registrar e ana­
lisar o dado coletado tem um custo de resposta alto, mas isto resulta em descobertas que
compensam sua adoção, especialmente em supervisão, pesquisa clinica e formação de
terapeutas.

Há correspondência entre as classes de resposta e a literatura da área?


Em termos gerais, houve congruência entre os padrões encontrados de relação
terapeuta cliente nas quatro sessões e as descrições da literatura da área sobre um
relacionamento terapêutico favorável à adesão e mudança..
Observou-se que as interações H, iniciadas por T ou C, tiveram funções similares
às descritas por Bernet (1993), Franzini (2000) e Otto (2000). Embora não tenham sido
interações predominantes na sessão, a distribuição das rerspostas H sugere que as res­
postas de T e C trouxeram conforto à relação entre os participantes, atenuando a aversividade
ou demonstrando a inclinação dos participantes a interagirem de modo positivamente
reforçador, como apontara Skinner. O fato da freqüência de respostas H ser suplantada
por respostas de várias outras classes indica que o relacionamento terapêutico não se
caracterizou como uma troca de amenidades entre T e C. O humor teve foi um dos coad­
juvantes na construção da relação terapêutica e da adesão de C ao tratamento, facilitando
o desempenho dos participantes em momentos aversivos (ao fornecer informações de
história de vida, por exemplo). Se a sessão fosse uma troca de risos, desacompanhada
de outras formas de interação relacionadas a intervir sobre a aversividade atuante sobre C,
haveria prejuízo dos resultados.e poderíamos duvidar de sua eficácia para o estabeleci­
mento de uma relação terapêutica duradoura. Skinner (1957/1978) analisou o humor de
maneira similar, afirmando que ele (o humor) permitiu "o aparecimento de respostas ante­
riormente fracas por causa da punição" (p. 343) e que sua outra função seria mostrar que
“um acontecimento é menos irritante quando é aceito com humor" (p. 344).
PR foi outro recurso para construção do relacionamento terapeuta-cliente, em­
pregado por ambos os participantes nas quatro sessões. Na sessão inicial, para ambos
os participantes, PR foi uma resposta mais freqüente do que nas sessões seguintes. As
freqüências progressivamente menores a cada sessão resultam, possivelmente, da crescente
prevalência de outras classes. Em outros termos, na medida em que T e C construíram
seu relacionamento, foi possível interagir recorrendo menos vezes a meras paráfrases ou
reproduções da fala do interlocutor para demonstrar atenção e interesse. Outras respostas
se tornaram mais prováveis, como fazer perguntas pertinentes (QR, principalmente), ou
emitir respostas como CAV ou FINS.
Em termos de pré-requisitos para o desempenho da sessão, os participantes
precisaram acumular conhecimentos sobre o interlocutor para emitirem outras respostas
como ICA (cuja função ó parcialmente similar a PR: informar ao falante que o interlocutor
está sendo controlado pela fala do outro). Por sua vez, respostas PR dependeriam apenas
do controle exercido pela fala imediatamente anterior de T ou C. Embora não conhecesse
o cliente, a experiência profissional de T a colocou em vantagem para intervir na sessáo.
Os clientes atendidos, os relatos de caso lidos, as teorias sobre funcionamento psicológico
e os dados de pesquisa facilitaram ao terapeuta parafrasear (PR) com maior habilidade,
bem como se antecipar ao fim da sentença do cliente (ICA). Na medida em que a terapia
prosseguiu, C passou a emitir respostas ICA. Provavelmente ele aprendeu duas coisas ao
longo do tempo. A primeira, que interromper o interlocutor e completar sua sentença era
aceito como forma do interação. Além disso, C aprendeu a completar com precisão as
falas de T, após adquirir alguma experiência com a emissão de PR, resposta precursora
de ICA, e que já era parte de seu repertório inicial. Ferster já apontara que ser entendido
pelo terapeuta é o objetivo do cliente. Verbalizações como ICA T-C e PR T-C, cuja função
é mostrar ao cliente que o terapeuta lhe entende, reforçariam o comportamento FINS de
C. Por sua vez, os relatos sobre problemas e história de vida dirigidos a T na sessão
seriam os reforçadores para respostas de T como QR. Os estudos de Schindler e cols.
(1989), Heppnerecols. (1992), Alexanderecols. (1993), Kendallecol. (1996), Dolinskye
cols. (1998) corroboram a relevância de classes como PR e ICA para a manutenção do
relacionamento entre T e C.
A questão da diretividade de T ao conduzir a sessão não impediu C de controlar
reciprocamente a interação com T. Ao inicio da terapia, mudanças de tema (OT) foram
respostas apenas de T. Com o passar do tempo, C introduz outras vertentes temáticas na
sessão, às quais T não se opôs. Este dado insinua que T ativamente conduziu a sessão,
inclusive ao concordar, ou não, com a mudança temática de C. Assim, T controla a
permanência de um tema da sessão, mesmo quando, aparentemente, C teria induzido a
mudança. A diretividade de T também se revela pela emissão freqüente de FINS e QR. A
terapeuta conhecia pouco o cliente, mas sob efeito acumulado do atendimento de casos
semelhantes, aprendeu a oferecer as informações que preenchem a demanda dos clientes.
Um exemplo foi a resposta FINS T-C a respeito do papel das variáveis filogenéticas para
as reações de medo: C expressou claramente ter entendido e concordado com a explicação.
A literatura examinada apontou que clientes preferiam terapeutas afetivos e ativos
(por exemplo, o trabalho de Sexton e col., de 1996). Este dado nos leva a perguntar como
que respostas diretivas de T(OT, FINS), prevalentes nas sessões, seriam compatíveis
com o conforto de C na sessão e sua adesão ao tratamento. No caso das respostas
diretivas como as da classe FINS, o tipo de informação oferecido ao interlocutor precisa
ser relevante e atraente (em forma e conteúdo). Este deve ter sido o caso na interação
analisada, pois T não era interrompida por C ao emitir FINS e, além disso, C consequenciou
FINS T-C com CAV C-T. Respostas FINS não foram emitidas apenas por T. Na realidade,
FINS C-T predominou nas quatro sessões, demonstrando que T foi capaz de manter estas
respostas do cliente por meio da atenção dispensada a elas. Como o cliente dispunha de
um repertório interpessoal bastante requintado, modelado em situação natural, também
pode fornecer reforçamento a ações de T em níveis suficientes para manter a qualidade da
relação e facilitar seu trabalho. Muran e cols. (1995) já demonstraram que um preditor da
mudança de comportamento do cliente seria a qualidade da relação terapêutica, dado que
se aplica ao presente estudo.
Entende-se que a forma de atenuar efeitos indesejáveis da diretividade do
terapeuta foi a freqüência também elevada de FINS C-T. Para T e C, o acolhimento era
expresso, de imediato, sob a forma de respostas do interlocutor como PR, ICA, CAV e
mesmo FINS. A médio prazo, o uso clinico da informação solicitada tornou o processo
de mudança uma experiência de parceria entre os participantes. A diretividade de T
seria apenas reflexo de sua experiência profissional, uma forma de facilitar o andamento
da sessão e a emissão, em paralelo, de respostas coadjuvantes como PR e CAV impe­
diu que C fosse invalidado por T.

CAV e DRD: classes necessárias e complementares


No senso comum, concordar, aprovar e valorizar são considerados opostos a
discordar e reprovar. Não parece ser o caso nas sessões pesquisadas. É fato que foi alta
a freqüência de CAV para ambos os participantes, em todas as sessões, o que sinaliza a
qualidade do contato entre T e C, permeado de expressões de aceitação reciproca.
Paralelamente, houve a possibilidade da expressão de discordâncias ou desaprovações a
respeito de pontos específicos. Um exemplo é o da sessão 2 na qual T disse ao cliente
que preferia chamar o medo de anão, e não de gigante, expressão que o cliente havia
utilizado um pouco antes. Ao emitir a resposta DRD, explicou a razão da mudança proposta
e continuou a expressar aceitação das demais falas do cliente. Isto atenuou um eventual
efeito supressivo das respostas DRD de T sobre as verbalizações de C. Pelo contrário, a
expressão de discordância de T serviu de reforçamento diferencial para o estabelecimento
de um repertório verbal em comum, favorável à redução de reações emocionais de medo.
Quanto à função de respostas DRD de T, percebe-se que, ao garantir a possibilidade da
emissão de DRD C-T, a terapeuta obtém sinais que lhe permitem ajustar suas propostas
de intervenção. Isto ocorreu, por exemplo, quando T sugeriu a C que levasse embora o
resumo da sessão para discutir com a esposa. Como C expressou rejeição da proposta,
T acrescentou que esta era apenas uma idéia, a qual o cliente poderia, ou não, seguir. É
interessante notar que, na sessão subseqüente, C relata a conversa com a mulher, para a
qual mostrou o resumo das explicações de T. Ou seja, embora inicialmente houvesse
expressado desagrado, acatou uma sugestão não-coercitiva de T.
Outra forma de mensurar indiretamente a qualidade do relacionamento terapêutico
é a baixa freqüência de QNR. Para T e C , á maioria das perguntas foi oferecida uma
resposta completa, atrelada ao contexto no qual se formulou a pergunta. Em uma das
sessões, T já finalizava a sessão, quando C relatou dúvidas sobre o pânico e seu trata­
mento. T preferiu gastar alguns minutos mais e prosseguiu, deixando pronto o tema para
a próxima sessão. Este respeito pela pergunta ou dúvida do interlocutor tornaria o relaci­
onamento mais confortável e produtivo. Como Schindler e cols. (1989) já salientaram, um
terapeuta que demosntra respeito e consideração pelo cliente terá um cliente mais falan*
te, participante ativo na sessão.

Características principais do padrão interativo e suas conseqüências


Na sessão 1, T emitiu principalmente QR, ou seja, o comportamento de interrogar
o cliente resultou em respostas relevantes fornecidas por C. Para um terapeuta, conforme
apontou a literatura, um dos reforçadores para as ações de T emitidas durante a consulta
é a possibilidade de analisar melhor o caso (utilizando os dados coletados) e prover boas
soluções para o cliente. Outros reforçadores seriam a remuneração, a admiração do clien­
te e, principalmente, as mudanças de comportamento do cliente. Respostas CAV tam­
bém são uma conseqüência reforçadora para "o perguntar, informar ou o responder", des­
de que ocorram de maneira não arbitrária. Ou seja, o elogio, a expressão de concordância
ou a aprovação precisam ser consistentes e especificas. Por exemplo, as ocorrências de
verbalizações M uh-uh" apenas seriam CAV se o interlocutor se mantivesse atento ao
interlocutor e demonstrasse coerência entre seu comportamento geral na sessão. Uma
análise similar aplica-se a respostas PR, não basta ecoar as palavras do interlocutor, é
preciso “se apropriar” delas na terapia.
Na sessão 2, T alternou entre FINS e QR, a primeira é resultado das ações
psicoeducacionais e a segunda caracteriza a coleta de dados. C teve oportunidade de
prosseguir com a emissão de FINS, alimentando o terapeuta com dados relevantes e
reagiu aos FINS T-C com muitas emissões de CAV.
Na sessão 3 repetiu-se a interação descrita na sessão 2, mas com prevalência de
FINS C-T sobre CAV C-T. Na sessão 4, foi a vez das respostas QR T-C ocorrerem mais do
que as FINS T-C. E o cliente se manteve como na sessão anterior, emitindo mais respos­
tas FINS do que CAV.
Este padrão interativo, moderadamente permeado de humor, em que ambos os
participantes são ativos na sessão e trocam informações relevantes parece se correlacionar
com os sinais de mudança verificados nas sessões 3 e 4. Os relatos de T do tipo FVP,
mais do que demonstrarem a C que T seria capaz de lhe auxiliar, serviram para C conhe­
cer outros casos similares ao seu, estabelecer paralelos e acreditar numa solução real
para os problemas relatados na queixa. Relatos FVP fora de contexto poderiam, inclusive,
intimidar ou aborrecer um cliente. A baixa taxa de QNR mostra, por sua vez, a sintonia
entre os participantes e a disponibilidade interpessoal reinante na sessão.
O sucesso das intervenções pareceu depender da capacidade dos participantes
modelarem o comportamento verbal do interlocutor, sem aversividade, com expressões
recíprocas de respeito, admiração e solidariedade. Para o profissional, a informação e a
recompensa mais relevante sobre a adequação de seus atos surgiu sob a forma de relatos
de mudança, resultado da adesão do cliente à proposta terapêutica.
Um dado de Williams e Chambless (1990) a respeito do atendimento de
agorafóbicos, pode explicar parte dos resultados. Segundo eles, um terapeuta que de­
monstre confiança ao se desempenhar em situações estressantes e expresse interesse
pelo cliente terá mais sucesso em procedimentos de exposição com os clientes. Como T
reagiu com humor às próprias dificuldades na filmagem das sessões e validou as dificulda­
des relatadas por C (ao ser punido na infância, ao sair de ônibus enfumaçado, ao ficar
trancado no banheiro, etc.), pode ter fornecido a C um modelo de enfrentamento que
colaborou para a extinção de suas reações de medo.
Boa parte das respostas FINS e QR de T se referiram ao treino de autofalas para
C, em situação natural, conseguir se expor pelo tempo recomendado pelo procedimento
clínico. Metáforas e estórias utilizadas por T nos moldes descritos por Otto (2000), apre­
sentaram conteúdos afetivamente densos e aversivos de maneira mais confortável, resu­
mindo ao cliente um princípio terapêutico. Desse modo, foi possível aumentar a adesão de
C ao tratamento através do controle por regras apresentadas por T de forma mais palatável,
menos aversiva e arbitrária, nos moldes propostos por Luciano e Herruzo (1992).

Reagrupando funcionalmente as classes


A descrição e análise das sessões por meio de classes funcionais de resposta
e da identificação de eventos correlatos ao progresso clínico pareceu servir aos objetivos
iniciais deste trabalho. Em primeiro lugar, as classes permitiram a descrição das res­
postas de um participante já acompanhadas do contexto de sua ocorrência e da análise
de suas conseqüências de curto, médio ou longo prazo. Obteve-se, assim, a análise
das variáveis principais propiciadoras de uma sessão bem-sucedida (definida como a
que resulte no bem-estar dos participantes e facilite, ao mesmo tempo, o processo de
mudança).
Em termos gerais, parece apropriado dividir as classes em dois agrupamentos: o
primeiro grupo inclui “classes descritoras dos aspectos interpessoais da relação terapêu­
tica". Dele fariam parte as respostas PR, ICA e CAV, predominantemente isentas de
aversividade e essenciais para a construção da relação de colaboração, respeito e admi­
ração recíprocos na terapia. As respostas QR, FINS, OT e DRD parecem se ajustar à
descrição dos comportamentos necessários aos procedimentos de avaliação e interven­
ção e formariam o grupo “das classes de respostas técnicas, relacionadas com a aplica­
ção de procedimentos".
Os resultados da terapia dependeriam da composição equilibrada entre ocorrênci­
as simultâneas de respostas dos dois grupos para ambos os participantes da sessão. O
predomínio das classes "técnicas” tornaria a sessão pouco confortável, emocionalmente
fria, impessoal e mecânica. A ocorrência apenas de respostas ‘interpessoais” remove a
natureza profissional e cientificamente embasada das ações do terapeuta e afetaria nega­
tivamente as chances de mudança. Será interessante analisar outras interações entre a
mesma terapeuta com outros clientes, de forma a verificar se este padrão interativo misto
continuaria, ou não, a predominarem seu trabalho. Também se recomenda, para investi­
gações futuras, que estas classes e eventos tenham sua ocorrência verificada em ses­
sões de outros terapeutas, com diferentes populações e problemas clínicos diversos,
avaliando-se sua aplicabilidade em contextos como o da prática clínica privada, de clíni-
cas-escola e de pesquisas diversas sobre a relação terapeuta cliente.
Referências

Alexander, I. B., Barber, J P., Luborsky, L., Crits-Christoph, P., & Auerbach, A. (1993). On what
bases do patients choose their therapists? Tho Journal o f Psychotherapy Practice and Research,
2(2), 135-146.

Banaco, R. A, Zamignani, D. R., & Kovac, R. (1999), O estudo de eventos privados atravós de
relatos verbais de terapeutas. In R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição, Vol. 1.
Santo André: ESETec Editores Associados.

Baum, W. M. (1994/1998). Compreender o behaviorismo. Sâo Paulo: Artmed.

Bernet, W. (1993). Humor in evaluating and treating children and adolescents. Tho Journal of
Psychotherapy Practice and Research, 24(4), 307-317.

Dolinsky, A., & Vaughan, S. C. (1998). A match made in heaven? A pilot study of patient-therapist
match. Tho Journal o f Psychotherapy Practice and Research, 7(2), 119-125.

Dollard, J., & Miller, N. E. (1950). Personality and psychotherapy. New York: McGraw-Hill.

Houaiss, A., & Villar, M. S. (2001). Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objotiva.

Ferstor, C. B. (1967). Transition from animal laboratory to clinic. Tho Psychological Record, 145-150.

Forster, C B., & Simmons, J. (1966). Behavior therapy with Children. The Psychological Record,
65-71.

Forster, C. B., Culbertson, S., & Perrot-Boren, M. C. (1968/1978). Princípios do comportamento


(Trads M. I, R. e Silva, M. A. de C. Rodrigues & M. B. L. Pardo). São Paulo- Hucitec.

Ferster, C. B. (1979). Psychotherapy from tho standpoint of a behaviorist. In J. D. Khoen (Org.),


Psychopathology in animals - Rosoarch and clinical implications, (pp. 279-303). Now York:
Academic Press.

Follette, W. C., Naugle, A. E., & Callaghan, G. M (1996). A radical behavioral understanding of the
therapoutic relationship in effecting change. Bohavior Therapy, 27, 623-641.

Franzini, L. R. (2000). Humor in bohavior therapy. The Bohavior Therapist, 23(2), 25-28.

Frontman, K C., & Kunkel, M. A. (1994). A grounded thoory of counselors’ construal of success
in tho initial session. Journal of Counseling Psychology, 41(4), 492-499.

Goldfriod, M., & Davison, J. (1975). Clinical behavior thorapy. New York: Holt, Rinehart and
Winston.

Heppner, P. P., Rosenberg, J. I., & Hedgespeth, J. (1992). Three methods in measuring tho
therapeutic process: Client's and counselors’ constructions of the therapoutic process versus
actual thorapeutic events. Journal o f Counseling Psychology, 39(1), 20-31.

Herman, S. M. (1997). Therapist-client similarity on the Multimodal Structural Profile Inventory as


a predictor of early session impact. The Journal o f Psychotherapy Practice and Research, 6(2),
139-144.

Kanfer, F. H., & Phillips, J. S. (1970/1975). Os princípios da aprendizagem na terapia


comportamental (Trad. Sup. Thereza Pontual de Lemos Mettel). São Paulo: EPU.
Keijsers, P. J., Hoogduin, A. L., & Schaap, P. D. R. (1994). Predictors of treatment outcome in
the behavioural treatment of obsessive-compulsive disorder. British Journal o f Psychiatry,
165, 781-786.

Kendall, P. C., & Southam-Gerow, M. A. (1996). Long-term follow-up of a cognitive-behavioural


therapy for anxiety disordered youth. Journal o f Consulting and Clinical Psychology, 64(4),
724-730.

Kerbauy, R .R. (1972). Autocontrole: Manipulação de Condições Antecedentes e Conseqüentes do


Comportamento Alimentar. Tese de Doutoramento, Parte I. Universidade de Sâo Paulo, Sâo Paulo.

Kerbauy, R. R. (1999). Pesquisa em terapia comportamental: problemas e soluções. In R. R.


Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre comportamento e cognição, Vol. 4. Santo André:
ESETec Editores Associados.

Kerbauy, R. R., & Silveira, J. M (2000). A interação terapeuta-cliente: uma investigação com
base na queixa clínica. In R. R. Kerbauy (Org ), Sobre comportamento e cognição, Vol. 5. Santo
André: ESETec Editores Associados.

Kholenberg, R. J., & Tsai, M. (1991/2001). Functional analytic psychotherapy. New York: Plenum.
(Ed. em língua portuguesa: Terapia analítico funcional (Trad. Sup. R. R. Kerbauy.). Santo André:
ESETec Editores Associados.)

Luciano, M. C., & Herruzzo, J (1992). Some relevant components of adherence bohavior. Journal
o f Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 21(2), 117-124

Margotto, A. (1998). Identificando mudanças na interação verbal em situação clínica. Disserta­


ção de mestrado defendida no IPUSP, sob orientação de Rachel Rodrigues Kerbauy. Universi­
dade de São Paulo, São Paulo

Muran, J. C., Segal, Z. V., Samstag, L. W., & Crawford, C. E. (1994). Journal o f Consulting and
clinical Psychology, 62(1), 185-190.

Muran, J. C., Safran, J. D., Samstag, L. W., Gorman, B. S., Twining, L., & Winston, A. (1995).
Linking in-session change to overall outcome in short-term cognitive therapy. Journal o f Consulting
and Clinical Psychology, 63(4), 651-657

Otto, M W. (2000). Stories and metaphor in cognitive-behavior therapy. Cognitive and Behavioral
Practice, 7(2), 166-172.

Raw, S. (1993, March). Does psychotherapy research teach us anything about psychotherapy?
The Behavior Therapist, 75-76.

Sbrocco, T., Carter, M M., & Albano, A. M. (1995, May). A Functional analysis of non-adherence.
The Behavior Therapist, 98-99.

Schaap. C., Bennun, I., Schindler, L., & Hoogduin, K. (1993). The therapeutic relationship in
behavioural psychotherapy. Now York: Wiley.

Schindler, L., Hohenberger-Sieber, E,, & Hahlweg, K. (1989). Observing client-therapist interaction
in behaviour therapy: Development and first applications of an observational system. British
Journal of Clinical Psychology, 28, 213-226.

Sexton, H. C., Hembre, K., & Kvarme, G. (1996). The interaction of the alliance and therapy
microprocess: A sequential analysis. Journal o f Consulting and Clinical Psychology, 64(3),
471-480.
Skinner, B. F. (1978). Ciência e comportamento humano (Trads. J. C. Todorov & R. Azzi.). São
Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal (Trad. M. da P. Villalobos.). São Paulo: Cultrix -


EDUSP. (Trabalho original publicado em 1957.)

Skinner, B. F. (1980). Contingências do Reforço: uma Análise Teórica. In Os Pensadores (Trad.


R. Moreno ). São Paulo: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1969.)

Stiles, W. B., Shapiro, D. A., & Firth-Cozens, J. A. (1988). Do sessions of different treatments have
different impacts? Journal o f Counseling Psychology, 35(A), 391-396.

Wampold, B., Mondin, G. W. , Moody, M. M., Stich, F., Benson, K., & Ahn, H. (1997). A meta­
analysis of outcome studiescomparing bona fide psychotherapies: Empirically, "all must have
prizes". Psychological Bulletin, 122(3), 203-215.

Wielenska, R C. (1989) A investigação de alguns aspectos da relação terapeuta-cliente em


sessões de supervisão. Dissortação de mestrado apresentada ao IPUSP, sob orientação de
Luiz Cláudio Mendonça Figueiredo.

Williams, K. E., & Chambless, D. L. (1990). The relationship between therapist characteristics
and outcome of in vivo exposure treatment for agoraphobia. Behavior Therapy, 21, 111-116.
Capítulo 12
Diferenciação entre a noção de significado
pelo uso e a baseada em relações de
equivalência
Visões comportamenlais de significação

l ucas Ferra/ Córitova


Unli
Carlos A ufiusto de Medeiros
U/MC}

O presente estudo vem com o intuito de apresentar e contrapor duas formas


distintas de interpretar a noção de significado dentro da Análise do Comportamento (i.e.
Significado pelo uso; significado baseado em Relações de Equivalência). Para tanto, se
fez necessário uma rápida apresentação de propostas também distintas dentro da filosofia
da linguagem (i.e. a proposta de John Stuart Mill; a proposta de Wittgenstein em
Investigações Filosóficas).

Teoria de significado de nome próprio


A tentativa de explicação da noção de significação apresenta uma extensa histó­
ria de investigação teórica no campo da filosofia e lógica. Estudos com o intuito de escla­
recer o assunto vêm sendo realizados desde a filosofia grega clássica e durante toda a
alta idade Média. Porém, a primeira importante estruturação do assunto foi apresentada
por John Stuart Mill (1843), na qual este propôs uma teoria sistematizando a noção de
significação.
Mill (1843) inicia suas investigações acerca da noção de significado enfocando
primordialmente palavras isoladas, considerando-as como sendo a unidade básica para a
analise da linguagem. Segundo Mill, assim como é aprendido primeiramente o alfabeto
para se aprender a soletrar, a compreensão das sentenças também se ciaria a partir da
decomposição das significações de suas palavras constituintes. Mill considera todas as
palavras como nomes próprios, indicando, assim, uma relação direta e de posse entre a
palavra e seu referente. Conseqüentemente, uma determinada palavra ou conjunto de
palavras, sejam sujeitos ou predicados, estariam para seus referentes assim como um
nome está para o individuo nomeado por este. O significado da palavra "bola" estaria para
o objeto bola, da mesma forma que o nome "João" está para o individuo batizado de João.
A compreensão de uma dada palavra se daria, segundo Mill, devido a possibilidade da
substituição do referente pela palavra. Portanto, o significado de uma determinada palavra
seria o conjunto de referentes nomeados por ela, permitindo compreender uma palavra
pela sua relação com um referente.
A tese da noção de significado com base na relação símbolo/referente representa
a forma predominante de lidar com a linguagem na história do conhecimento, possuindo
fortes influências nas abordagens contemporâneas do tratamento cientifico e filosófico do
assunto. Entretanto, esta noção enfrenta criticas ferrenhas, pertinentes e contundentes
de diversos autores dentro e fora da psicologia. Gilbert Ryle (1957) sistematiza as principais
criticas direcionando-as à teoria de significado de nome próprio, proposta por John Stuart
Mill. Inicialmente, para Ryle o significado de uma proposição não se daria a partir da
simples soma dos significados de suas unidades. O significado da sentença "o pau d'água
morreu de cirrose" não seria a simples soma dos significados de cada uma de suas
unidades ("o"; “pau"; "d'água’’; "morreu”; "de"; "cirrose") analisadas em separado.
Uma outra objeção de Ryle (1957) à teoria de significado de nome próprio diz
respeito a noção de que todas as sentenças são meras listas de palavras, abrindo a
possibilidade de se atribuir significado a uma sentença como esta: "A mala amor estô­
mago bola". De acordo com a teoria de significado de nome próprio, esta seria uma frase
munida de significado porque todas as suas palavras componentes possuem um refe­
rente, este seria independente da relação entre as palavras dentro da sentença e a
soma de seus referentes seria igual ao significado da sentença. Para Ryle, não so
poderia conceder significado a uma sentença deste tipo por ela não poder ser julgada
como verdadeira ou falsa.
Segundo Ryle (1957), freqüentemente são formuladas frases que não necessaria­
mente estariam nomeando algo que exista, como por exemplo "O primeiro homem a pisar
em marte é brasileiro" Neste caso, o significado da sentença supra citada não pode de
forma alguma ser relacionado com algo ou alguém nomeado por ela, ou seja um referente,
já que esta não o possui. Contudo, tal frase não deixa de apresentar significado por poder
ser julgada como falsa ou verdadeira.
Ryle (1957) argumenta ainda que, dentro da perspectiva de Mill, frases como "A
rainha dos baixinhos” e "A mãe da Sacha" nomeariam o mesmo referente (no caso, a
apresentadora Xuxa), porem, segundo Ryle, cada uma apresenta significado distinto, não
podendo, assim, uma ser substituída pela outra em todos os contextos.
Finalmente, Ryle (1957) ressalta o fato de existirem palavras que não nomeariam
algo, mas que possuem significado, como é o caso dos verbos, advérbios, adjetivos,
preposições, conjunções e pronomes. No caso da sentença "isto é bonito", ela seria
facilmente compreendida e julgada como verdadeira ou falsa mesmo não sendo possível
indicar um referencial concreto e/ou único para o adjetivo "bonito".
Significado pelo uso: Wittgensteln e Skinner
Uma visão distinta da teoria de significado de nome próprio, ainda dentro da filoso­
fia, foi apresentada pelo chamado “segundo Wittgenstein” (Hallett, 1977). Para Wittgenstein
(1953), a significação de uma expressão não corresponderia a uma entidade denotada por
ela, ou uma coisa nomeada, mas sim o uso desta expressão:

Pode-se, para uma grande classe de utilização da palavra “significação" - se


nâo para todos os casos de sua utilização - explicá-la assim: a significação do
uma palavra ó seu uso na linguagem". (Wittgenstein, 1953. pag.43).

A compreensão da noção de significado defendida por Wittgenstein em Investiga­


ções Filosóficas (1953) deve ser entendida a partir da dimensão dada pelo autor ao con­
ceito de uso, isto ó, os papeis que a expressão verbal exerce em diferentes contextos e
se esse uso obedece às regras do que ele chama de “jogo da linguagem":

"Quando os filósofos usam uma palavra - "saber", "ser", "objeto", "eu", "proposi­
ção", "nome" - e procuram apreender a essência da coisa, deve-se sompre
perguntar: essa palavra é usada de fato desse modo na língua em que ela
existe?" (Wittgonstoin, 1953 pag.66)

Segundo Day (1969), Skinner, partilhando das idéias apresentadas por Wittgenstein,
se opõe a qualquer tentativa de abordar o problema da linguagem enquanto sistema de
representação do mundo. Ambos os autores não vêem a linguagem como algo especial,
mas sim aprendida e mantida como todo e qualquer comportamento no qual a análise
deve se ater sobre a conseqüência e ocasião em que este comportamento ocorre. Os
trechos a seguir exemplificam claramente como Wittgenstein e Skinner, respectivamente,
tratam a linguagem como comportamento:

"Comandar, perguntar, contar, tagarelar pertencem à história de nossa natureza


assim como andar, comer, beber, jogar." (Wittgenstein, 1953. pág. 36).

"Uma concepção muito mais produtiva é a de que o comportamento verbal ó


comportamento. Tom caráter especial tão-só porque é reforçado por seus efeitos
sobre as pessoas - de início, outras pessoas, mas eventualmente o próprio
falante." (Skinner, 1974 pág.79)

Skinner (1957) afirma que "os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por
sua vez são modificados pelas conseqüências de sua ação" (pág. 15). Segundo Skinner,
no comportamento verbal, esta ação sobre o mundo ó realizada de forma indireta, onde
uma comunidade verbal, treinada a responder a estímulos verbais, ó a mediadora de con­
seqüências ao falante. Skinner aborda o comportamento verbal enquanto respostas
operantes, ou seja, como função de contingências de reforçamento. Para Skinner, a no­
ção de significado deve ser entendida dentro desta perspectiva, como a relação funcional
entre a resposta verbal e a contingência em que esta está inserida. Isto é, o significado de
palavras ou frases seria o conjunto de circunstâncias nas quais estas são emitidas e que,
pelo menos ocasionalmente, são reforçadas pela comunidade verbal. O significado então,
mantêm relação tanto com variáveis históricas de condicionamento, quanto com variáveis
mantenedoras atuais. “Uma resposta verbal significa algo no sentido de que o falante está
sob controle de circunstancias particulares" (Skinner, 1977, pag. 8). Skinner (1945), refe­
rindo-se ao significado dos termos psicológicos, argumenta que:

"O que queremos saber no caso de vários termos psicológicos tradicionais é,


primeiro, a condição específica de estimulação sob a qual elos são emitidos
(isso corresponde a "achar os referentes") e, segundo (e isso ó uma questão
sistemática muito mais importante), por que cada resposta é controlada por sua
condição correspondente." (pag. 272).

Skinner (1957) afirma que o significado não é propriedade da variável dependente


mas sim da variável independente ou seja, das condições sob as quais o comportamento
ocorre. Com isso Skinner enfatiza a busca por relações funcionais tanto da aquisição
quanto da manutenção da resposta verbal em detrimento da busca por "significados con­
cretos" enquanto propriedade da palavra.

"Os sons representados na ortografia inglosa como gato ou as marcas gato não
possuom significado em sl\ nem é possível colocar significado dontro delas,
para muni-las com significado. Como estímulos, auditivo ou visual, elas podem
ter um lugar na contingência de reforçamento, e como um resultado especial,
respostas podem vir a estar sob o seu controle emitidas por aqueles que as
escutam ou as lôem. Produzi-las sob certas circunstâncias ó também reforçado
de maneiras especiais. Como respostas, as circunstâncias que controlam a
sua aparição são o seu significado. Como estimulo, o seu significado ó o
comportamento sob o seu controle (Skinner, 1980 pag. 114).

Portanto, para Skinner (1980), as palavras controlam o comportamento por si só,


enquanto estímulo, independente de seu referente. Conseqüentemente, as respostas que
as palavras evocam no ouvinte são o seu significado. De forma similar, ao se analisar o
comportamento do falante, o significado de uma palavra enquanto resposta está nas cir­
cunstâncias nas quais esta é emitida, as quais não implicam um referente.
As palavras não possuem significado independente da sua função comportamental,
e possuem a sua função comportamental independente da sua relação com um referente.
Ela já ó um estímulo que controla o comportamento do ouvinte por si só e, ao mesmo
tempo, se trata de uma resposta emitida pelo falante controlada por diversas outras variá­
veis que não um referente.
A noção de significado com base numa explicação funcionalista do comporta­
mento verbal torna-se claro em Skinner quando este apresenta o conceito de independên­
cia funcional dos operantes verbais. Para Skinner, os operantes verbais apresentados por
ele (i.e. Tacto; Mando; Intraverbal; ecóico; Textual; Copia; Ditado) são adquiridos de forma
funcionalmente independente, ou seja, a aprendizagem de uma determinada função para
uma resposta verbal não implicaria na emissão desta nas demais funções. Isto evidencia
a oposição de Skinner com uma “aprendizagem de significado" (símbolo/referente) o que
implicaria numa dependência funcional dos operantes verbais, ou seja, a aprendizagem do
significado de uma dada palavra permitiria o uso desta em diferentes funções.
A unidade básica de analise da linguagem para Skinner, deixa de ser, portanto, a
palavra isolada, e passa a ser a resposta verbal, podendo esta ser composta de palavras,
sentenças, parágrafos, ou mesmo livros.
Contudo, apesar da importância da proposta Skinneriana, ela não levou a um
número desejável de pesquisas acerca do assunto (de Rose, 1994), por razões que fogem
o escopo do presente trabalho. A noção sustentada por Skinner não foi inteiramente acei­
ta inclusive dentre os analistas do comportamento, favorecendo a formulação de concep­
ções distintas de significado dentro da tradição Analítico Comportamental.

Significado baseado nas relações de equivalência


Sidman (1971) observou a emissão de comportamentos novos dentro de um con­
texto de igualação de acordo com o modelo (matching-to-sample). Desde então, Sidman
passou a estudar tais comportamentos novos ou emergentes sob o rótulo de Relações de
Equivalência (Sidman 1986). A Relação de Equivalência surgiu como uma tentativa de expli­
cação dos analistas do comportamento para os comportamentos novos (de Rose 1994),
isto é, adquiridos sem a necessidade de reforçamento direto, outrora descritos sob a rubrica
de processos cognitivos. O conceito de Relações de Equivalência compreende a descrição
de performances sob o controle de relações arbitrarias entre estímulos, as quais obedecem
as propriedades de conjunto da matemática: reflexividade, simetria e transitividade (Sidman
& Tailby, 1982). Um indivíduo que fosse diretamente treinado a escolher a palavra escrita
"casa" na presença do desenho de uma casa e, posteriormente, tambóm diretamente treina­
do a escolher a palavra escrita em francês "maison" na presença do desenho da casa seria
capaz, sem a necessidade de treino direto, escolher o desenho da casa na presença do
desenho da casa, a palavra "casa" na presença da palavra “casa", a palavra "maison" na
presença da palavra "maison" - propriedade de reflexividade: o desenho da casa na presen­
ça da palavra “casa", o desenho da casa na presença da palavra "maison” - propriedade de
simetria: a palavra “maison" na presença da palavra "casa" e a palavra “casa" na presença da
palavra "maison" - propriedade de transitividade (Figura 1).

Fig. 1 Representação esquemática do paradigma de equivalência do estímulos. As setas


continuas representam as relações treinadas. As setas tracejadas representam as
relações emergentes.
Para se dizer que um conjunto de eventos faz parte de uma mesma classe de
equivalência é necessário que se observe a emissão do desempenho compatível com as
três propriedades de equivalência (Sidman & Tailby, 1982). Os eventos pertencentes a
uma mesma classe de equivalência são substituíveis, ou seja, podem exercer novas funções
nunca diretamente treinadas anteriormente exercidas pelos outros membros da classe.
Para dar conta da substitutabilidade, esta concepção abdica da distinção entre estímulos,
respostas, e reforços, no dominio simbólico das relações de equivalência. Isto quer dizer
que para que haja substitutabilidade entre os eventos de uma contingência estes não
podem estar atrelados a suas respectivas funções (i.e. estimulo, resposta, reforço), o que
permite a observação da emergência comportamentos novos.
Para Sidman (1990), essa substitutabilidade entre eventos e a possibilidade de
responder a um estímulo como se ele fosse outro ó uma alternativa possível para se
explicar o comportamento verbal. O significado e, conseqüentemente, a linguagem, pode­
riam ser explicados através de relações entre estímulos e respostas que fazem parte da
mesma classe de eventos equivalentes.

"Tal relação bidirecional entre estímulos provô as bases para o significado


roferoncial: a palavra é o símbolo para o referento e o reforento ó o significado da
palavra porque ambos são membros da mesma classe do equivalência. Nesse
sentido, equivalência de estímulo transforma discriminaçõos condicionais nflo-
linguisticas em um processo semântico" (Wulfert e Hayes, 1988, pág. 126)

"No caso mais simples, uma palavra vem a ser equivalente ao que ela "representa"
[stands for]. É por isso que as pessoas chamam de “símbolos” (...) eu não considero
"símbolo" uma explicação para nada, mas eu o considero como um nome para uma coisa
real, um fenômeno observado que exige explicação.
Está realmente incorreto falar sobre significado nestes casos? Deveríamos inventar
algum outro termo para substituí-lo? Eu acredito que o paradigma de equivalência demonstra
uma maneira em que símbolos vêm a ser estabelecidos como tal, um modo que palavras
podem vir a "significar” o que elas "representam" [stands for] (...) eu acredito que o fenômeno
é importante por si, e eu penso que eles sáo também “uma propriedade especial da
linguagem" no sentido que eles ajudam a fazer a linguagem tão poderosa quanto ela ó."
(Sidman, 1994. pag. 563).
Símbolos verbais e os objetos que estes representam seriam agrupados em clas­
ses de equivalência, possibilitando a substituição de um estímulo por outro. Ou seja,
eventos (e.g., estímulos condicionais e discriminativos, respostas e conseqüências) que
fazem parte de uma mesma classe de equivalência poderiam trocar de função no controle
de um sobre o outro dentro de uma contingência de três ou mais termos. E é justamente
dentro dessas classes de equivalência que, segundo Sidman, o significado se encontra.
O indivíduo seria capaz de responder a um estímulo verbal não por este apresentar uma
função dentro de um determinado contexto, e sim por fazer parte da mesma classe do
objeto que este representa, respondendo ao estimulo verbal como se esse fosse o objeto.
Discussão
Apesar de ambas as noções de significado fazerem parte da tradição analítico
comportamental, diferem consideravelmente entre si. Para Skinner, o significado estaria
diretamente relacionado ao conceito de relação funcional, que norteia toda a sua explicação
acerca do comportamento, enquanto, para Sidman, o significado deveria ser entendido
dentro da noção de eventos equivalentes.
Aparentemente, a visão do significado com base em classes de equivalência
guarda mais semelhanças com a idéia de significado e referente apresentada por Mill,
pois a relação “A significa B" seria substituída sem maiores problemas pela relação "A é
equivalente a B". Aprender o significado não envolve aprender respostas verbais ou
comportamento de ouvinte discriminado, em outras palavras, aprender a se comportar, e
sim envolve formar relações de equivalência ou nome próprio entre palavras e seus referentes.
Uma vez estabelecidas estas relações, o indivíduo seria capaz de se comportar
simbolicamente utilizando as palavras no lugar dos seus referentes. Tanto para Sidman
quanto para Stuart Mill, o indivíduo só seria capaz de responder adequadamente a uma
palavra ou conjunto de palavras caso essa fizesse parte de uma relação direta com o
estímulo não-verbal. Portanto, a compreensão, para esses dois modos de encarar a signi­
ficação, envolveria obrigatoriamente um responder simbólico. Esta noção contraria a con­
cepção Skinneriana da compreensão enquanto mero responder discriminado.
O significado com base em Relações de Equivalência se distancia da proposta
Behaviorista Radical a partir do momento em que modifica a noção de funcionalidade do
comportamento verbal como apresentado por Skinner Ao devolver à palavra o status de
unidade de análise de significado, e de entidade portadora de significado em si, a noção
de significado baseado em relações de equivalência rompe com a abordagem Skinneriana
de significado. O abandono da distinção de estímulos e respostas dentro do contexto
simbólico das relações de equivalência atribui o significado à palavra independente da sua
função comportamental. Ao se falar em significado baseado em relações de equivalência,
se distancia da noção de função do comportamento verbal, já que o interesse passa a ser
o de verificar quais eventos partilham as mesmas classes de equivalência das palavras. E
ainda, ao se fazer referencia a eventos equivalentes para explicar o comportamento verbal,
a noção de funcionalidade perde sentido, ou seja, para se compreender uma resposta
verbal é necessário que ela faça parte de uma classe de equivalência (note-se aqui a
semelhança com a noção símbolo/referente) e não que ela apresente uma dada função
dentro de um determinado contexto. Tal noção de significado apresenta semelhanças
com visões estruturalistas da linguagem, algo que Skinner constantemente se preocupou
em negar.
Aparentemente, Mill e Sidman tomaram como base para as suas formulações
acerca da significação, a observação do comportamento de humanos já verbais. Este tipo
de população exibe uma grande incidência de comportamentos novos, induzindo a
conclusões acerca de um caráter complexo do comportamento verbal que não ó observado
quando este começa a ser adquirido por crianças pré-verbais. Além disso, sustenta a
concepção de que a linguagem ou o comportamento verbal exigem outras ferramentas de
análise (e.g., relações de equivalência) para serem explicados a contento. Contudo, uma
outra possibilidade seria a de que, para que os indivíduos passem a apresentar comporta­
mentos novos, ó necessário que estes possuam uma grande experiência com o compor-
tamento verbal, que é adquirida quando são inseridos em sua comunidade verbal. Conse­
qüentemente, os modelos de explicação dos comportamentos simbólicos gerados a partir
de observações de humanos verbais não são capazes de explicar como os indivíduos
aprendem a se comportar simbolicamente. A análise funcional do comportamento verbal
proposta por Skinner se preocupa principalmente com a aquisição do comportamento
verbal, sem deixar, contudo, de explicar comportamentos complexos com conceitos como
extensões do tato, extensões do mando, quadros autoclíticos, abstração, respostas
multicontroladas, entre outros. Neste sentido, a proposta Skinneriana parece ser mais
abrangente que as anteriores, e vários dos conceitos apresentados em seu livro sobre o
tema comportamento verbal ainda merecem receber uma investigação empírica mais
completa antes de se propor novas ferramentas de análise para lidar com a questão do
significado.

Referências

Day, W. F. (1969). On certain similarities between the "Philosophical Investigations" of Ludwig


Wittgenstein and tho operationism of B. F. Skinner. Journal o f Experimental Analysis o f Behavior,
12, 489-506.

De Rose, J. C. (1994). Pesquisa sobre comportamento vorbal. Psicologia Teoria e Pesquisa,


10, 495-510.

Hallet, G. (1985) A companion to Wittgonstein’s: Phylosophical Investigations. Ithaca: Cornol


University (Trabalho original publicado em 1977 )

Mill, J. S. (1979). Sistema de lógica indutiva e dedutiva o outros textos. São Paulo; Abril Cultural.
(Trabalho original publicado em 1843.)

Ryle, G. (1957). Tho thoory of meaning In C. A Mace (Org), British Philosophs in tho Mid-Century
(pp. 239-264). Londres; George Allen & Unwin.

Sidman, M. (1971). Reading and auditory-visual equivalences. Journal o f Speech and Hearing
Research, 14, 4-13.

Sidman, M. (1986). Functional analysis of emergent vorbal classes. In T. Thompson & M. D.


Zeiler (Eds.), Analysis and integration of behavioral units (pp. 213-245) Hillsdale, NJ: Lawrence
Erlbaum Associates.

Sidman, M (1990). Equivalence relations: Where do they come from? In D. E. Blackman & J.
Lejeune (Eds.), Behavior analysis in theory and practice: Contributions and controversies (pp.
93-114). Hillsdalo, NJ: Lawronce Erlbaum Associates.

Sidman, M (1994). Equivalence Relations and Behavior: A research story. Boston, MA: Authors
Cooperative, Inc., Publishers.

Sidman, M., & Tailby, W. (1982). Conditional discrimination vs matching to sample: An expansion
of the testing paradigm. Journal o f the Experimental Analysis o f Bohavior, 37, 5-22.

Skinner, B. F. (1972). The Operational Analysis of Psychological Terms. In B. F. Skinner (Org.),


Cumulative Rocord (pp. 370-380). New York: Appleton-Century-Crofts. (Trabalho original publi­
cado em 1945.)
Skinner, B. F. (1957). Verbal Bohavior. Now York: Apploton-Contury-Crofts.

Skinner, B. F. (1974), About Behaviorism. New York: Alfred, A. Knopf.

Skinner, B. F. (1977). Why I am not cognitive psychologist. Behaviorism, 5, 1-10.

Skinner, B. F. (1980). The meaning of meaning. In R. Epstein (Org.), Notebooks, B. F. Skinner (p.
114). Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall.
Capítulo 13
Identificação de fatores relacionados à
oposição ao Behaviorismo Radical: Análise
do relato verbal de ex-analistas do
comportamento1
M aria fater Rodrigues
1/N/OhS 1h /í 'dmpus Cdsídvel'-PR.

Diversos autores fazem referência a um fenômeno de oposição ao Behaviorismo


Radical/Análise do Comportamento. Estes trabalhos fornecem informações sobre
inúmeras variáveis relacionadas a essa situação. Procedemos ao agrupamento dos
trabalhos em 3 grandes classes.

Grupo 1: Fatores produtores de equivoco sobre a abordagem (presença de


equívoco ou de elementos que facilitariam sua ocorrência).
Os autores consideram serem possivelmente relacionados a três fatores:
(Ausência de conhecimento, insuficiência de conhecimento, inacuracidade de
conhecimento, deturpação, equívoco, etc.; seja em relação ao autor da crítica, seja em
relação aos meios, formas e alcance da divulgação do conhecimento sobre a abordagem).
• Misperceptions ou percepções negativas e enviesadas sobre a abordagem (Ex.: Otta
et al., 1983; Woolfolk, Woolfolk e Wilson, 1977),
• Misunderstandings ou conhecimento inacurado/datado ou ainda incorreto (Ex.: Morris,
1985; Yousef, 1992),
• Desconhecimento ou falta de informação (Ex.: Morris, 1985; Yousef, 1992),
• Misrepresentations ou deturpações (Ex.: Nakamura, 1997; França, 1997),
• Misconceptions ou concepções equivocadas (Ex.: Morris, 1985; Carrara, 1998),
• Texto didático e curso (Ex.: Yousef, 1992; Todd e Morris, 1983, Morris, 1985; Miraldo,
1985),
' O |Hmuinto trabatlv) 6 hwmtMk) rut dkMHHti*v*o d« mmtradn (prt* gmritJiiçAn «trtctu sunau) pola autotH Ôbanca oxnminmlom tin Pontifícia
Urwvnnudwla Catòkca dn Sâo Pauto, ixxno «xlgénol« parcial para obten^Ao <k>tituk) da Mantrn om hducavAo Pttk»iooii« do t-ducuçAo. ortonliiçâo da
PrrifN [> h Mnlania Moro/ - lcint»non<Çpfattui oonri bf
Mídia divulgando imagem negativa (Ex.: Morris, 1985).

Linguagem e terminologia
• Aspectos da linguagem da teoria em questão, bem como suas diferenças em relação
a linguagem de pares e da população em geral (Ex.: Deitz e Arrington, 1983; Hickey,
1994; Foxx, 1996; Banaco, 1997).

História e desenvolvimento da abordagem


• História de desenvolvimento da abordagem (Miraldo, 1985 e Carrara, 1998)
• Complexidade crescente da obra de Skinner (Carrara, 1998 e Moxley, 1998)

Grupo 2: Fatores de Discordância


Discordâncias filosófico - epistemológicas
• Concepção de Homem: Problema Corpo - Mente, Modelos de ser humano, Concepção
de liberdade humana, entre outros (Ex.: Otta et al., 1983; Silva, 1987; Hickey, 1994;
Miguel & Nakamura, 1996)
• Diferenças em concepção de comportamento humano (Ex.: Miguel & Nakamura, 1996;
Hickey, 1994; Micheletto & Sério, 1993),

Discordâncias metodológicas
• Características metodológicas da produção de conhecimento da abordagem e de con­
cepção de ciência (Ex.: Miraldo, 1985)
• Função social e aplicação do conhecimento produzido pelas pesquisas, incluindo aqui
a inserção dos membros em lutas democráticas e posicionamentos políticos em geral
(Ex.: Banaco, 1997, Carrara, 1998)
Outros
• Diferenças entre valores e princípios (Hickey, 1994 e Foxx, 1996),
• Modelo médico e doenças mentais (Hickey, 1994).

Grupo 3: Fatores ligados aos analistas do comportamento - Nos dois casos


anteriores, equívocos e discordâncias, os fatores são relativos ao sujeito que critica.
Aqui, concentramos os aspectos relativos aos próprios analistas do comportamento e
que podem contribuir para a criação e manutenção de atitudes de oposição, sejam elas
baseadas em equívocos, em discordâncias ou outro fator. Os fatores ligados aos analistas
do comportamento seriam (não conclusivamente) os relacionados a uma ausência de
estratégias ou com estratégias inadequadas para lidar com as deturpações correntes. Em
suma, a uma deficiência no gerenciamento da dificuldade de interagir com o público exter-
no (Morris, 1985; Foxx, 1996; Moxley, 1998). Também inclufmos aqui uma outra dificulda­
de relativa ao público interno ou aos próprios pares (Banaco, 1997).

Mótodo
Foram cinco os Sujeitos entrevistados na pesquisa e os critérios para a escolha
dos mesmos foram: 1) Existência de produção/atuação acadêmica e profissional pautada
no Behaviorismo Radicaç/Análise do Comportamento, 2) Indicação de seus nomes a
partir da consulta a profissionais de referência na área (com produção atual ativa e
reconhecida pela comunidade, e que pudessem indicar indivíduos que já houvessem
tido formação e produção na área, com posterior modificação de sua orientação teórica),
3) Como critério adicional, em caso de dúvidas, seria realizada consulta à literatura,
procurando publicações do mesmo autor, pautadas em diferentes orientações teóricas,
em diferentes períodos.
O roteiro de entrevista foi elaborado com base na classificação de fatores de
oposição efetuada anteriormente a partir da revisão de literatura. Também incluímos
questões de caracterização dos Sujeitos, que levantassem informações sobre sua história
com a abordagem.
As entrevistas foram transcritas literalmente e o tratamento dos dados consistiu
em construir, inicialmente, uma Tabela de Fatores de Oposição para cada Sujeito,
onde listamos as classes e subclasses configuradas em prováveis fatores de oposição,
juntamente com todos os trechos da entrevista que trouxessem menção àqueles aspectos.
As Tabelas de Fatores de Oposição serviram à consecução de Roteiros Sintéticos
de Fatores para cada Sujeito, como passo preliminar à análise das entrevistas por
Sujeito. Com base nesses roteiros e nos trechos de fala dos Sujeitos contidos nas Tabelas
de Fatores de Oposição, efetuou-se a análise das entrevistas de cada Sujeito.
Após essa etapa procedeu-se à confecção de um Roteiro Sintético único,
englobando as informações contidas nos roteiros anteriores e, em seguida, a uma tabela
única com informações temáticas baseadas no roteiro de entrevista, incluindo informações
sobre características básicas de todos os Sujeitos. O Roteiro Sintético Único e Tabela
de características básicas dos 5 Sujeitos, deram subsídios (juntamente com as
informações incorporadas por todo o trabalho anterior da pesquisadora), para a análise
geral das entrevistas e conclusões.
A seguir, apresentaremos um resumo dos resultados por sujeito, algumas
conclusões e possíveis desdobramentos do trabalho.

Sujeito 1
O conjunto de informações oferecidas pelo Sujeito 1 permite levantar a hipótese
de que talvez nunca tenha se identificado total e completamente com o Behaviorismo,
pelo menos não com o Behaviorismo Radical skinneriano, e de não ter havido opção
anterior pela abordagem, uma vez que a teoria da Aprendizagem Social (um tipo de
Behaviorismo cognitivo) era a única abordagem ensinada mais aprofundadamente na sua
graduação, antes de sua formação subseqüente na Análise do Comportamento.
Algumas afirmações do Sujeito 1, como quando atribuiu um papel passivo ao sujei­
to no Behaviorismo, poderiam ser interpretadas como equívocos, podendo ser classificadas
como rneias verdades, se tomadas descontextualizadamente, isto é, se olhadas sepa­
radamente da apresentação dos pressupostos dos quais parte, diferenciados dos do
Behaviorismo (em concepção de homem, de comportamento e de determinação, por exem­
plo). No entanto, um dos objetivos do trabalho foi justamente tentar desvendar quais são os
fatores geradores de discordâncias para com o Behaviorismo e quais são as premissas das
quais essas discordâncias partem, e aqui há indicadores que permitem mostrar que o Sujei­
to 1 não está cometendo equívocos, porque seus pressupostos são diferentes dos do
Behaviorismo e de acordo com eles, suas afirmações sobre Behaviorismo são pertinentes.
Uma afirmação crítica sobre o Behaviorismo, ainda que descontextualizada, não pode ser
apenas descartada como equívoco sem uma maior reflexão sobre o tema.
A pressão do mercado de trabalho contra a pertinência de um Doutorado na área
Experimental, relatada pelo Sujeito 1, ainda que não tenha se constituído em fator fundamental
no rompimento com a abordagem, ó informação que permite refletir sobre o pequeno impacto
da abordagem behaviorista (conforme também apontado pelo Sujeito 2), e mesmo da
Psicologia Experimental, em trabalhos aplicados, especificamente o trabalho educacional.

Sujeito 2
Pelo conjunto de informações levantadas na entrevista com o Sujeito 2, podemos
resumidamente dizer que existem divergências básicas em relação ao Behaviorismo,
principalmente em fatores filosófico-epistemológicos, fatores metodológicos e em
concepção sobre forma de aplicação da teoria behaviorista.
Em relação aos fatores filosófico-epistemológicos, há divergências e
discordâncias em concepção de homem, de comportamento e de determinação humana.
O Sujeito 2 põe muita ênfase na subjetividade, como determinante humano e como
objeto de estudo. Concebe o homem constituído por e em processos subjetivos com
auto-propriedades inernas, ainda que existam fatores biológicos e sociais determinantes.
O homem seria, ainda, essencialmente atravessado por conflitos que o constituem,
estando longe do equilíbrio, sendo instável, conflituoso e contraditório. Não adere e nunca
aderiu ao Behaviorismo Radical como Filosofia da ciência do comportamento humano e
como Filosofia com raízes no Funcionalismo pragmatista americano.
Quanto aos fatores metodológicos, discorda quanto aos objetivos das ciências
humanas, no que se refere à criação de técnicas de intervenção. Diverge sobre o que
seria o objeto de estudo da Psicologia - para ele, a subjetividade - , além de divergir a
respeito da possibilidade da extensão das conclusões obtidas com animais em laboratório,
para o campo da linguagem e do comportamento humano (não continuidade interespócies).
Sobre aplicação da teoria e sua função social, ele tem discordâncias, antipatias e
criticas várias, entre elas, o que considera como pretensão do trabalho de Skinner, de
poder explicar tudo a que se propõe. Diverge sobre existirem influências sociais do traba­
lho de Skinner/AEC e do Behaviorismo Radical em geral e em relação a uma suposta
pretensão do behaviorista de intervir como alguém à parte das contingências, com
possibilidade pensada de controle do comportamento humano. Considera o impacto social
do Behaviorismo muito pequeno e não crê que possa dar resposta a problemas humanos.
O conjunto das informações da presente entrevista permite afirmar que o Sujeito 2
possui um grande conhecimento de Behaviorismo Radical e de AEC. Todos os sujeitos
entrevistados possuem possibilidade reduzida de apresentarem equívocos sobre a
abordagem, mas as opiniões deste sujeito em especial, sobre o Behaviorismo, dificilmente
poderiam ser confundidas com equívocos, configurando-se claramente em discordâncias.
As críticas são contextualizadas, ou seja, quase sempre explicita com bastante clareza
quais são os pressupostos do Behaviorismo e os seus próprios, bem como a diferença
entre ambos em relação aos pontos em que existem divergências.

Sujeito 3
O Sujeito 3 apresenta um extenso rol de diferenças básicas, arroladas nas se­
guintes categorias: fatores filosófico-epistemológicos; função social e aplicação do co­
nhecimento: dificuldades em relação à comunidade behaviorista e fatores relacionados ao
público externo.
Concebe o homem como agente da própria história, livre e responsável por suas
próprias escolhas, e essa concepção permeia quase todas as diferenças teóricas
apontadas. Discorda do que considera ser uma visão de homem como reagente no
Behaviorismo, numa visão semelhante à do Sujeito 1. Vê uma diferença qualitativa
fundamental entre o homem e outros animais, e o Behaviorismo trataria do lado animal do
ser humano, lado em que, na opinião do Sujeito 3, existe uma continuidade interespócies.
Acredita em livre-arbítrio como possibilidade de escolhas (concepção possivelmente
proveniente de uma opção filosófica existencialista), embora não totalmente independento
de determinações.
Sobre determinação, divorge da ênfase na determinação externa no Behaviorismo,
que favoreceria a idéia de um homem passivo (reagente) e sem escolhas. Concebe a
linguagem (e não comportamento verbal), inserida na cultura, como um dos determinantes
(externo/interno) básicos do homem. Concebe o ambiente determinador no Behaviorismo
como controle por contingências imediatas, que não incluem contextos maiores como a
cultura, a linguagem (comportamento verbal) e biologia. Considera a possibilidade de existir
determinação por fatores internos em igual proporção aos externos, em contraposição à
visão de homem determinado exclusivamente por um ambiente externo no Behaviorismo.
A concepção de comportamento humano para o Sujeito 3 ó de uma conexão
entre sujeito e mundo. Não tem segurança sobre eventos internos serem comportamento
(para isso teria que modificar sua concepção não processual de comportamento) e critica
a teoria pela ausência de preocupação com eventos encobertos (segundo elo na
contingência tríplice). Discorda sobre possibilidade de previsibilidade de todos os aspectos
do comportamento, especialmente do comportamento humano, baseando-se em conceitos
como os de singularidade, complexidade e autodeterminação do comportamento, incom­
patíveis com a previsão.
Considera o Behaviorismo uma abordagem excessivamente simples (como a lin­
guagem formalizada da abordagem, contingência tríplice que possibilita estabelecer rela­
ções que explicam o comportamento e o modelo empírico) em relação ao que ele conside­
ra complexo (ampliação do pensamento, inclusão de uma multiplicidade variáveis e de dife­
rentes conceitos teóricos etc.).
Diverge também em fatores metodológicos, em decorrência de sua concepção de
homem. O homem seria um objeto de estudo diferente dos demais em complexidade, variabi­
lidade e como conseqüência, em previsibilidade. Não considera a metodologia das ciências
naturais apropriada para o estudo do homem e sua subjetividade, sendo apropriada apenas
para o estudo dos aspectos regulares animais.
Tem uma série de criticas em relação à forma de aplicação da teoria e do conheci­
mento, no consultório, no ensino programado e no que julga ser a minimização do papel do
professor em Skinner. Chegou a declarar que a teoria favorece posicionamentos políticos mais
reacionários e até totalitários, muito embora tenha explicitado que o problema não é da teoria
e sim de sua má utilização. Elogia aplicações da Modificação do Comportamento em escolas,
especialmente as que atendem deficientes mentais.
Também critica a comunidade behaviorista em vários aspectos como o excesso de
rigidez, e a posse de um discurso considerado pouco abrangente e repetitivo. Considera o
grupo behaviorista de difícil relacionamento por desvalorizar e ter preconceito em relação a
pensamentos diferentes e divergentes; pelas lutas pelo poder na academia e pelo que consi­
dera serem características de grupos minoritários: a presunção, a arrogância e o fechamento
do grupo. Relata ter presenciado maus usos da teoria na vida pessoal e profissional por parte
de pelo menos um colega e um professor.
Outros aspectos relacionados á comunidade behaviorista seriam a sua linguagem
excessivamente purista e a punição à utilização de palavras mentalistas numa quase nega­
ção da subjetividade. Alôm disso, a linguagem behaviorista seria excessivamente técnica e
desconedada da linguagem das pessoas em geral, dificultando a própria divulgação da teoria.
Menciona algumas dificuldades com comunidade externa, envolvendo alunos e
principalmente colegas de outras abordagens, revelando que não era de bom tom ser
identificado como behaviorista na Psicologia em geral.
A exemplo do Sujeito 1, efetua algumas críticas ao Behaviorismo que também pode­
riam ser classificadas como equívocos, á primeira vista. Um exemplo seria quando classifica
a concepção de homem para o Behaviorismo como reagente/passivo; ou quando circunscreve
as contingências analisadas pela teoria como imediatas. No entanto, assim como o Sujeito 1,
ele parte de pressupostos muito diferenciados dos do Behaviorismo ao efetuar tais críticas,
embora não defina com tanta clareza a diferença entre esses seus pressupostos e os do
Behaviorismo. A sua concepção de homem, por exemplo, é de fato muito diferenciada da
concepção behaviorista (incluindo elementos como escolha, liberdade, determinação, entre
outros); portanto, faz sentido que classifique o homem behaviorista como passivo dentro da
sua concepção, embora não faça sentido dentro da concepção behaviorista, que parte de
outras premissas, ou ainda, oferece outro significado aos mesmos termos.
Uma outra questão que se levanta, sobre a qual vale a pena refletir, é se de alguma
forma o clima intelectual e acadêmico que vivenciou não permitia de fato justificar esse tipo de
leitura, configurando-se em uma espécie de limitação da comunidade e/ou da teoria dentro de
um determinado momento.

Sujeito 4
O conjunto de informações permite-nos verificar que o Sujeito 4 tem principalmen­
te e fundamentalmente divergências filosófico-epistemológicas em relação ao Behaviorismo
Radical que se configuram em identificação de lacunas sobre tomas de interesse cognitivo,
para os quais não encontrou suporte teórico satisfatório. Divide o funcionamento humano
em dois níveis, um animal e um humano, e o Behaviorismo trataria de questões relacionadas
ao lado animal. No lado especificamente humano, e esse é um ponto fundamental, o
Behaviorismo não responderia questões sobre pensamento e linguagem, evolução e
desenvolvimento do pensamento verbal. Também relata sua insatisfação com a não resposta
a questões sobre a relação entre pensamento/raciocínio e emergência do ato consciente
e pensamento lógico, bem como fenômenos cognitivos em geral. Limita a teoria behaviorista
à análise de funções elementares. Critica a equivalência de estímulos por se basear em
arranjos experimentais que apenas constatam a existência de pensamento lógico, mas
não explicam sua progressão ou emergência. Um terceiro ponto fundamental de divergência
para o Sujeito 4 é que, em sua opinião, o conceito de história não é incorporado pela teoria
do reforço e pelo Behaviorismo em geral.
Pelo relato possibilita levantar a hipótese de que os pontos a seguir também se
configurem em fatores de oposição à abordagem: diferenças metodológicas (abertura
quanto ao objeto de estudo da Psicologia, priorizando a consciência como de seu
interesse); divergências quanto à forma de aplicação da teoria e do conhecimento (críticas
à Modificação do Comportamento como a criação de situações muito artificiais na
pesquisa/intervenção, estendendo a crítica à aplicação de teorias em geral) e dificuldades
em relação à comunidade externa, mais especificamente, retaliação/demissão no trabalho
com a razão explícita de ser behaviorista (embora identifique perseguição politica -
ditadura militar - como razão implícita).
Refere-se também a algumas criticas padrão ao Behaviorismo, que denomina
panfletárias, diferenciando sua posição de posições que pretendem, por exemplo, associar
o Behaviorismo ao Positivismo e a posicionamentos políticos mais reacionários, num
autêntico exemplo de falácia, equívoco ou puro desconhecimento sobre a abordagem.

Sujeito 5
O Sujeito 5 possui predominantemente discordâncias teóricas para com o
Behaviorismo. Eíe difere em concepção de homem, que define como pró-ativo,
discordando do homem que ele pressupõe como reativo no Behaviorismo. Rejeita a
simplicidade da teoria behaviorista, definida como existência de poucos conceitos e pouca
organização teórica, bem como dos pressupostos filosóficos positivistas que, a seu ver,
embasariam os behaviorismos em geral, mais do que qualquer outra teoria psicológica.
Difere ainda em concepção de determinação. O homem seria autodeterminado e
a construção do conhecimento pelo homem faz parte de sua definição de sujeito. Discorda
do Behaviorismo Radical pelo suposto desprezo aos determinantes biológicos e psicológicos
do homem e negação da subjetividade/estados interiores.
Menciona ainda o afastamento excessivo em relação aos seus objetivos iniciais
em Psicologia que se traduziu em insatisfação com o contato com o subjetivo proporcio­
nado pela abordagem behaviorista. Define o projeto epistemológico do Behaviorismo como
calcado na recusa/negação do psicológico e entendendo o psicológico como experiência
subjetiva e diferente de comportamento. Afirma que a frase de Skinner sobre a objeção do
Behaviorismo aos estados interiores como irrelevantes para uma análise funcional do com-
portamento, seria um aviso de que a ciência é uma construção arbitrária que escolhe o
que interessa, avisando o que não interessa ao caso específico do Behaviorismo Radical
(a subjetividade).
Tem restrições metodológicas advindas das divergências em concepções
epistemológicas (concepção de homem, comportamento, ciência e conhecimento). Discor­
da em relação ao objeto de estudo da Psicologia que, para o Sujeito 5, seria a experiência
pessoal e a construção do significado, ao invés do comportamento. Diverge ainda em rela­
ção a uma concepção de conhecimento cumulativo, concepção essa decorrente de uma
concepção positivista de ciência e de uma falta de visão histórica do homem, aspectos que
afirma existirem no Behaviorismo. Critica o Behaviorismo pelo objetivo de construir conheci­
mento e intervir na realidade, o que equivaleria a pretender possuir o Olho de Deus (seme­
lhante ao Sujeito 2 ao criticar a função social do Behaviorismo). A possibilidade de intervir na
realidade e sair mexendo no mundo e brincando de Deus foi também citada como um
aspecto anterior de adesão inicial à abordagem.
Em relação a outros fatores (aplicação social do conhecimento, comunidade in­
terna), não apresenta nenhum ponto de divergência fundamental.
Poderíamos comentar, sobre o Sujeito 5, algo semelhante ao que comentamos em
relação aos sujeitos 1 e 3, a possibilidade de se confundir algumas de suas afirmações com
equívocos ao invés de discordâncias. Um exemplo seria a negação do subjetivo pelo
Behaviorismo. Ainda que o Behaviorismo negue algo em relação ao subjetivo, o sujeito não
explicita exatamente o que ó negado, dando a entender que o Behaviorismo negue e recuse
tudo, quando recusa a utilização dos fatores internos/subjetivos como fatores determinantes,
causais, explicativos do comportamento aberto. A subjetividade no Behaviorismo é algo a
ser explicado e não a explicação, e o Sujeito 5 não parte dessa premissa ao efetuar a sua
crítica ou ao formular a sua discordância. Isso fica evidente quando é questionado mais
especificamente sobre em que consistiria essa recusa/negação da subjetividade, se seria
negada em si ou na explicação do comportamento (comportamento tomado como possuin­
do dimensões subjetivas no Behaviorismo). O Sujeito 5 evidencia que não parte dessas
premissas, não efetua essa diferenciação, consideranda-a verdadeira ou pertinente so­
mente dentro do próprio Behaviorismo e não fora dele (em outras abordagens).
Outro momento em que um aspecto semelhante fica claro, é quando menciona não
se preocupar com uma definição de comportamento e sequer se interessar por ela. Nesse
caso, poderíamos afirmar que existe uma divergência? Ou o sujeito simplesmente não utiliza
o conceito? Por outro lado, não podemos deixar de levar em consideração que um dos
fatores de rompimento com a abordagem, mencionado pelo Sujeito 5, foi o afastamento da
possibilidade de contato com o subjetivo, não proporcionado pelo estudo do comportamento.
Seria possível criticar o Behaviorismo tomando como base o estudo do comportamento e
não da experiência subjetiva, sem se preocupar com a definição de comportamento e de
subjetividade para a teoria criticada e sem se importar com ela? São questões que não
poderíamos responder no momento mas que nos incitam à reflexão.

À guisa de conclusão
A análise do relato verbal dos sujeitos do presente estudo não permite afirmações
nem generalistas, nem conclusivas a respeito de qualquer fator que tenha sido apontado,
e nom sobro qualquer estratégia do explicação e/ou intervenção no fenômeno de oposição
à abordagem behaviorista.
Os fatores de oposição apontados pela literatura, situados nos grupos
apresentados na contextualização do problema de pesquisa, foram quase todos
apontados pelos sujeitos analisados como fatores de oposição para si ou para colegas.
Excetuando-se os equívocos, não analisados, foram encontrados fatores de oposição
em discordâncias teóricas: filosófico-epistemológicas (concepção de homem, de
determinação e de comportamento humano): em diferenças metodológicas (produção
de conhecimentos): em função social e aplicação do conhecimento (não incorporada em
diferenças metodológicas, conforme previsto à princípio): em fatores ligados aos analistas
do comportamentos (dificuldade relativa ao público interno e linguagem, mais
apropriadamente situada para estes sujeitos na comunidade behaviorista, do que em
equívocos) e fatores ligados à comunidade extema, pouco mencionados por estes sujeitos.
Alguns fatores de oposição não previstos também apareceram. Entre eles, discordâncias
teóricas gerais como as relacionadas à identificação filosófica atual explícita, à opinião
sobre o tratamento dado à linguagem/comportamento verbal, além do relato sobre mudanças
eventuais que a teoria tenha sofrido.
Podemos supor que os cinco sujeitos, em particular, não apresentam predominante
equívocos sobre o Behaviorismo, mesmo nos aspectos que se assemelham ao que é
considerado como mito e deturpação por Bass (1998), De Bell e Harless (1992) e mesmo
Skinner (1974/1993). O conteúdo destas afirmações (entre outras) foi comparado com as
diversas concepções que o sujeito tem (expostas na análise individual), sobre vários as­
pectos relacionados à crítica que efetua, e pudemos perceber que são freqüentemente
coerentes com suas concepções de homem, de determinação, de ciência, entre outras já
analisadas. As afirmações ou os fatores, isolados ou no caso de um ou outro sujeito (não
todos), podem ser interpretados como meros equívocos, mas, em conjunto com as demais
concepções do sujeito, adquirem uma coerência interna que torna essa classificação
difícil de sustentar e, de certa forma, desnecessária. De fato, os sujeitos partem de
concopções e premissas muito diferenciadas das do Behaviorismo, alguns explicitam e
contextualizam essas diferenças, outros nem tanto, porém consideramos importante
analisar a crítica, suas relações com as demais concepções do sujeito, bem como com
aspectos da própria teoria e prática behaviorista, antes de qualquer classificação.
No entanto, ao ouvir/ler uma crítica acerca do Behaviorismo, o ouvinte/leitor quase
sempre não terá a oportunidade de efetuar a contraposição entre as premissas acima
mencionadas. Também não poderá, exceto com certa dificuldade, ter acesso ao conjunto
de concepções do sujeito que efetua a crítica, que o possibilite analisar sua coerência
interna. Sendo assim, é importante pontuar que, para ser levada à sério, a crítica deve ser
contextualizada. Isso não ocorre com freqüência. O crítico, por vezes, sequer especifica
qual o tipo de Behaviorismo está criticando, se o Metodológico, o Radical ou qualquer
outro. Caso efetue distinções entre premissas e não as evidencie, corre o risco de ter a
sua fala completamente desqualificada, pois não seria possível identificar uma crítica baseada
em discordância, o que supõe conhecimento sobre o objeto criticado.
Os sujeitos aqui analisados oferecem exemplos de como concepções negativas
podem não estar sempre baseados em conceitos incorretos sobre a abordagem, confor­
me já apontado para estudantes por Miraldo (1985) e Miguel e Nakamura (1996).
Também consideramos importante ressaltar que há grandes possibilidades de
terem atuado ou estarem atuando, para alguns ou todos sujeitos aqui estudados, variáveis
relacionadas à história de desenvolvimento da abordagem, e complexidade crescente
da obra de Skinner, conforme apontado por Miraldo (1985), Moxley (1998) e Carrara
(1998), bem como em variáveis relacionadas às suas histórias particulares com a
abordagem. É importante ressaltar que a formação e a atuação profissional dos sujeitos
no Behaviorismo ocorreu predominantemente nos anos 1970 e inicio dos anos 1980. O
Behaviorismo então não era o mesmo de hoje. O livro de Skinner intitulado Sobre o
Behaviorismo teve a sua edição original em 1974 e Questões recentes na Análise
Comportamentalè ainda mais recente, teve sua edição original em 1989 e foi publicado no
Brasil pela primeira vez em 1991. Este último livro traz alguns aspectos particularmente
importantes do que poderiamos chamar de produto final da obra de Skinner, incluindo o
estabelecimento de relações mais próximas com a Biologia (seleção natural e conceito
de reforço) do que poderiam supor os que atribuem relações mais próximas do
Behaviorismo com a Física, por exemplo, ou ainda dos que acham que o Behaviorismo
despreze a biologia.
Não iremos, nesse momento, ater-nos a discorrer sobre as mudanças que o
Behaviorismo Radical sofreu nesse período, mas ó possível supor que o Behaviorismo
que os sujeitos conheceram permitisse de alguma forma o estabelecimento das relações
e críticas acima reproduzidas. Embora argumentos como desprezo à biologia, à
subjetividade e aos fatores internos, em geral, por vezes pareçam possuir apelos mais
emocionais do que intelectuais, se for possível estabelecer essa distinção, não ó
propriamente emocional o tom das críticas efetuadas pelos sujeitos de modo geral.
É importante ressaltar que não pretendemos afirmar que os equívocos não
existam, isso não seria possível. Mas também não ó possível afirmar que tenham sido
predominantemente equívocos os fatores de oposição que apareceram no relato verbal
dos sujeitos da presente pesquisa. Primeiramente pela formação, vivência acadêmica e
profissional que tiveram com a abordagem, e com a comunidade behaviorista. Em
segundo lugar, porque ó no mínimo difícil sustentar que uma crítica feita a aspectos
constitutivos de uma abordagem reflita desconhecimento sobre ela. Um bom exemplo
seria a crítica ao lugar do acaso na determinação, realizada pelo Sujeito 2, um lugar
existente na Análise do Comportamento, do qual o crítico tem ciência, mas do qual
discorda, considerando-o insuficiente.
Os sujeitos ressaltam inúmeros aspectos positivos da teoria e da comunidade
behaviorista, bem como da aplicação de conhecimentos. Também destacam um enorme
leque de discordâncias, algumas das quais se constituem em fortes fatores de oposição.
Existem aspectos idiossincráticos e outros relativamente comuns; dentre os últimos,
ressaltam várias facetas de argumentação.
Em linhas gerais, os resultados mostraram que a concepção de homem que os
sujeitos atribuem ao Behaviorismo Radical é de um homem passivo, reagente e reativo,
baseando-se em concepção de atividade e passividade bastante diferentes da contida
na teoria behaviorista, que inclui aceitação de determinação por fatores internos, como
escolhas relativamente independentes de contingências e uma certa dose de livre-arbítrio.
Com a aceitação desses pré-requisitos para julgar o homem como ativo, não é de se
admirar que considerem o homem, no Behaviorismo, passivo. Também não é possível
dizer que exista engano ou equívoco na afirmação, mas, sim, uma enorme diferença de
pressupostos que não passa pela questão de maior ou menor conhecimento sobre o
Behaviorismo, mas, sim, de concordar ou não com os seus pressupostos.
A subjetividade não é algo a ser somente explicado, mas é fonte de explicação
sobre o homem. Indo além, a explicação que a subjetividade proporciona não é sobre o
comportamento, porque não ó o comportamento que está em questão para o crítico.
Não é esse o seu objeto de estudo (são vários outros, mas não o comportamento). A
concepção de comportamento do Behaviorismo é apenas diferente da deles, e não
desconhecida. Existe ou discordância para com a definição de comportamento
(considerada muito ampla), ou então total desinteresse pelo tema e pela palavra, que
não fazem parte do escopo teórico psicológico atualmente assumido.
Os sujeitos declararam não serem dualistas (pelo menos não estabelecem divisão
entre mente e corpo ou espírito e matéria, conforme a questão feita), mas assumem a
existência de divisão do homem em diferentes níveis de funcionamento, diferentes níveis
de organização da matéria, reconhecem diferentes manifestações humanas regidas por
diferentes leis. Arriscaríamos dizer que existiria até, em alguns casos, a divisão entre
aparência e essência ao tratar a natureza. Portanto, são dualistas e não monistas. Não
assumem a existência de apenas um gênero de substância regida pelos mesmos
princípios. Outra diferença de fundo.
Com todas as diferenças em concepção de homem, de determinação, de
comportamento e de subjetividade acima lembradas, também não surpreende o fato de
considerarem linguagem como não comparável a comportamento operante e não
controlada pela contingência tríplice e, portanto, não equiparada a comportamento verbal.
A insatisfação com o tratamento dado ao tema pelo Behaviorismo Radical constitui-se,
sem dúvida, em fator de oposição.
Diferem em escopo teórico, pressupostos filosóficos, epistemológicos e, como não
poderia deixar de ser, em fatores metodológicos também. Além de o objeto de estudo ser
diferente, os objetivos da ciência diferem, assim como os métodos de estudo. Não preten­
dem nem mensurar, nem descrever e nem prever o comportamento e sim explicá-lo, recor­
rendo para isso a interpretações que envolvem determinação por fatores internos. Alguns
também não pretendem nem explicar, nem intervir, nem criar técnicas de intervenção sobre
a realidade. Ou por desacreditar da possibilidade de se chegar a estabelecer conhecimen­
tos e técnicas que permitam essa intervenção, ou por considerar o homem, a priori,
conflituoso, sendo desejável que isso ocorra para o seu próprio desenvolvimento. O argu­
mento da impossibilidade de se intervir na realidade tem diversas facetas, incluindo impos­
sibilidade cientlfico-metodológica de dominar a quantidade e complexidade de variáveis (com­
plexidade contingencial) que constituem fenômenos humanos (sociais, políticos, educacio­
nais etc.), até incorreção política (ao pretender controlar comportamento) e ética (atuar
com possibilidade pensada de ocupar posição estratégica nas transformações sociais).
Os fatores de oposição metodológicos têm, portanto, estreitas semelhanças com
os de função social e aplicação do conhecimento. E se esses sujeitos não relatam
considerar o Behaviorismo reacionário, também não relatam muita coisa a favor de seu
envolvimento em lutas democráticas, atribuindo eventuais influências a características
individuais e não da teoria. A propósito, a distinção entre a adesão ao Behaviorismo e à
AEC (sujeito2) foi inesperada, mas bastante coerente com a argumentação do crítico.
A concepção de ciência não foi suficientemente investigada para esses sujeitos,
mas pelo conjunto de informações ofertadas provavelmente diferiria da do Behaviorismo.
A concepção de conhecimento é diferente, o papel do sujeito na produção de
conhecimento, de si próprio e da realidade também difere (confundindo-se com
autodeterminação e não relação sujeito e ambiente). Além disso, o homem não teria
aspectos em comum, além dos muito elementares, com outros animais. Aí, confirmam-
se a descontinuidade interespécies e uma espécie de dualismo, que divide o
funcionamento humano em dois níveis, um deles o animal. Sendo assim, o homem seria
um objeto de estudo diferente dos demais, em complexidade, variabilidade e
previsibilidade. O homem é de certa forma imprevisível, porque singular e livre, e capaz
de efetuar escolhas. Livre para, até mesmo, escolher se livrar das contingências.
De fato, seria difícil dizer que o homem não tenha características bastante parti­
culares, especialmente no que se refere a comportamento verbal. Aspectos como com­
plexidade, variabilidade e previsibilidade (entre outros não mencionados) constituem-
se, de fato, em grandes desafios, especialmente metodológicos. Nesse sentido, a crítica
é particularmente útil para favorecer reflexão sobre os aspectos criticados, com vistas
até mesmo a um fortalecimento ou aprimoramento da abordagem, conforme nos orienta
Carrara (1998).
Um grupo de fatores em que também se concentram muitos fatores de oposição,
embora, com menor unanimidade, é o relacionado à comunidade interna, a dos próprios
analistas do comportamento. Esse fator é dos menos analisados pela literatura e provavel­
mente dos mais controvertidos e passíveis de discussão e reações negativas (da comunida­
de e dos opositores), mas não pudemos nos furtar a considerá-lo. A comunidade é tanto
amada quanto odiada, por vezes pelo mesmo sujeito. Dois dos sujeitos apresentaram
forte oposição nesse agrupamento em especial, embora as críticas aos objetivos de ciência
e de aplicação do conhecimento, efetuadas por outros sujeitos, nos pareçam por vezes um
tanto semelhante. Em ambos os casos, surgem termos como pretensão, arrogância,
supervalorização do próprio conhecimento e variações em torno do mesmo tema. Caracte­
rísticas positivas são apontadas, como rigor, seriedade e qualidade na produção acadêmica,
mas críticas severas também aparecem, entre elas o intenso policiamento da linguagem,
gerando punição ao uso de palavras mentalistas de uso corrente em nossa cultura. Banaco
(1997) já havia apontado que a comunidade é por vezes implacável nesse sentido e não
aceita um meio componente. Esse meio componente poderia ser objeto de discussão
mais detalhada, mas, em todo o caso, o que os sujeitos relatam é que foram alvo de retali­
ação interna mais do que externa, ao contrário do que se poderia supor.
A questão da punição do grupo pelo próprio grupo, ou entre subgrupos, caso não
seja uma idiossincrasia da experiência dos sujeitos desta pesquisa, nos parece particu­
larmente problemática, em parte porque especialmente delicada do ponto de vista huma­
no, ótico e acadêmico e, em outra parte, porque não ajuda muito na dissolução de oposi-
ções, sejam relativas a equívocos, sejam relativas a discordâncias. Ao contrário, podem
acirrar as existentes e provocá-las onde não ocorrem, reduzindo o número de adeptos e
impedindo, senão a produção, pelo menos a divulgação mais ampla da abordagem e a
interlocução com diferentes comunidades acadêmicas e a sociedade em geral.
Quanto às limitações de época gerando fatores de oposição, como no caso das
críticas em relação ao tratamento da subjetividade nos anos 1970, vale lembrar que se houve
mudanças, avanços ou acréscimo em conhecimentos e interesses investigativos, cabe á
comunidade behaviorista, em primeiro lugar, a divulgação de resultados de pesquisas recen­
tes sobre esse tema e outros. Caso não tenha havido mudanças em aspectos que possam
ser aprimorados, cabe também à comunidade behaviorista atuar no sentido de ampliar o seu
trabalho em pontos ainda não suficientemente explorados e sobre os quais existe demanda
social e acadêmica.
O Behaviorismo Radical tem características ligadas ao seu processo de evolução
histórica e a própria obra de Skinner possui uma complexidade crescente (Moxley, 1998).
Vale enfatizar que conceitos muito importantes na obra de Skinner foram publicados num
período relativamente recente. Sendo assim, os sujeitos que tenham tido uma formação
situada num tempo anterior ao da produção e divulgação de determinados conceitos mais
atuais podem possuir um conhecimento correto para a época e incorreto para o período
atual.
Provavelmente, a maior parte das criticas é, de fato, uma profusão de equívocos sobre
a abordagem, conforme amplamente acordado pela literatura (embora não com unanimidade).
No entanto, constatar a profusão de equívocos não nos diz nada sobre o seu conteúdo, a sua
instalação e a sua manutenção. Para responder a perguntas como: Por que mitos e equívocos
sobre a abordagem? Por que mitos e equívocos recorrentes em aspectos específicos? Como
desfazer os mitos e equívocos? Precisaremos efetuar, no mínimo, uma maior análise sobre o
nosso próprio comportamento e questionarmos a eficiência com que a comunidade behaviorista
tem divulgado seus conhecimentos ou tem tratado de assuntos de relevância social, assim
como temas polêmicos, conforme nos alertam Morris (1985), Banaco (1997), Foxx (1996)
entre outros. Para isso, precisamos analisar o conteúdo da crítica e a sua história de desen­
volvimento na história da Psicologia, da abordagem e de sujeitos concretos que dela fazem
parte. Equívocos, mal-entendidos ou mitos (caso se pretenda manter essa denominação)
parecem constituir-se mais em uma conseqüência de deficiência da própria comunidade, no
gerenciar seu relacionamento profissional/acadêmico com públicos interno e externo, do que
uma deficiência posta em outro lugar.
Ainda que as características de rigor e seriedade acadêmica, apontadas por quase
todos os sujeitos, sejam de fato definidoras da comunidade (e provavelmente são), não se
constituem em privilégio desta comunidade em especial e não garantem que o conhecimen­
to produzido por ela ultrapasse os limites do grupo. Caso se deseje disseminar, com correção,
a abordagem, torná-la útil e utilizada pela sociedade mais ampla, é necessário criar estraté­
gias de análise e de intervenção no fenômeno. Conforme já mencionado por autores como
Morse e Bruns (1983) é necessário que analistas do comportamento criem estratégias para
o gerenciamento de fatores de oposição, especialmente os relativos a eles próprios como
comunidade, uma vez que há fortes indícios de sua participação no vôo de colegas para fora
da Análise do Comportamento. Morris (1985) também supôs que a oposição pudesse ser
uma decorrência da insensibilidade de analistas do comportamento em relação a diferenças
em linguagem, valores e preocupações prevalecentes na cultura e disseminação/divulga­
ção da abordagem.
Também não consideramos adequado esperar que os demais, especialmente
quando possuem discordâncias, tenham a preocupação de contextualizar suas críticas,
seu vocabulário e desfazer problemas com a nossa linguagem. Essa é uma tarefa para
os interessados, por assim dizer, conforme já apontado por Deitz e Arrington (1983) ao
mencionar os problemas de comunicação (possivelmente gerando equívocos e
discordâncias) relacionados ao uso de palavras cunhadas por meio do que os filósofos
chamam de revisão conceituai.
Entre as estratégias que a comunidade behaviorista poderia criar, consideramos
particularmente importante a criação de material, incluindo material didático para alunos
de Psicologia, Pedagogia e áreas afins, que divulgue informações sobre a abordagem, a
partir de um exame cuidadoso de quais são os possíveis pontos relativos à própria
abordagem passíveis de oposição e com uma dose de diplomacia ao tratar de aspectos
polêmicos. De modo algum, o material deve se resumir a rebater críticas tradicionalmente
dirigidas á abordagem ou a tratá-las como mera confusão, equívoco, deturpação ou
falta de informação. Essa estratégia, pelas conseqüências que tem produzido, já
demonstrou a sua ineficiência.
A compilação de absurdos sobre o Behaviorismo, por meio da análise de textos
didáticos, de preenchimento de questionários ou de análise de respostas a questões, é um
passo necessário e bastante importante no estudo do fenômeno de oposição ao
Behaviorismo Radical/Análise do Comportamento, assim como na possibilidade de criação
de estratégias de intervenção, mas certamente não é suficiente. Estudos desse tipo têm
sido feitos na área (Todd e Morris, 1983; Yousef, 1992), e é importante que continuem
existindo estudos dessa natureza. Até o presente momento, o único registro conhecido de
um estudo brasileiro sobre tratamento razoavelmente amplo dado ao Behaviorismo em
textos didáticos é o de Gioia (2001), no que se refere à abordagem behaviorista radical
transmitida pelo livro de Psicologia direcionado à formação de professores. Um estudo
desse tipo com textos didáticos direcionados à formação de psicólogos seria uma sugestão
de estudo especialmente relevante. Temos o exemplo de França (1997) que analisou Alvitte
e apontou a necessidade de esclarecermos determinadas verdades que são ensinadas
sobre a abordagem e que se fundam em aspectos talvez mais próximos de equívocos do
que de reais discordâncias. De fato, o conhecimento do crítico/opositor sobre a teoria criticada
é, em qualquer circunstância, condição sine qua non para podermos situar sua crítica como
gerada por discordância.
Porém, a principal contribuição do presente trabalho e seu caráter inovador residem
em não tratar a crítica e a oposição como meros equívocos, examinando o conteúdo da
oposição de sujeitos menos passíveis de cometê-los, por possuírem uma história de formação
e atuação na abordagem behaviorista. Interessante ressaltar que os sujeitos não efetuaram
apenas críticas, mas também muitos elogios em diferentes aspectos, alguns chegando a
relatar influências que perduram até o presente momento, advindas de sua formação e atuação
anterior na abordagem. Foi extremamente esclarecedor verificar como uma crítica aparente­
mente equivocada adquiria contornos de discordância a partir de sua exploração na entrevista
e na análise posterior. Essa verificação não é de modo algum generalizável, nem entre os ex-
behavioristas e muito menos aos críticos e/ou opositores em geral.
A existência de discordâncias não anula, por assim dizer, a existência de críticas
infundadas ou mal fundadas, e a literatura é pródiga em discorrer sobre as últimas. Os
próprios sujeitos da presente pesquisa mencionaram a existência de inúmeras criticas-
padrão, do tipo panfleto, falácia ou equivoco (Behaviorismo e Positivismo, oposição
entre métodos quantitativos e qualitativos, atribuição de incompatibilidade com
posicionamentos políticos progressistas e tantas outras aqui não mencionadas).
Apenas não consideramos possível nos furtar a esse debate, generalizando como
não pertinentes todas as críticas, e como mal informados, todos os críticos.
Inúmeros desdobramentos poderiam advir de um trabalho como o aqui apresenta­
do, desde sugestões para futuras pesquisas, entre elas estudos que ampliem o número
de fatores passíveis de ocorrência e exames mais detalhados de cada um dos fatores aqui
apontados, dentre outros que eventualmente possam existir. Destacamos especialmente
a necessidade do estudo de fatores relacionados ao desenvolvimento histórico da aborda­
gem e à complexidade crescente da obra de Skinner, relacionando a história da aborda­
gem com o exame do tipo e extensão do impacto que obteve em diferentes áreas (teóri­
cas, aplicadas, científicas ou da sociedade em geral).

Referências
Banaco, R. A. (1997). Podemos nos beneficiar das ciências do comportamento? In R. A. Banaco
(Org), Sobre Comportamento e Cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em
Análise do Comportamento e torapia cognitivista. Santo Andró: ESETec Editores Associados.

Bass, R. (1998). Clarifying some common m isrepresentations o f Behavior Analysis: A


collaborative project sponsored by the BALANCE Special Interest Group o f the Association for
Behavior Analysis - International. [Online ] Disponível: http://www.carthage.edu/departments/
teachba/ [Capturado em 20 mar. 1998].

Carrara, K. (1998). Behaviorismo Radical: Crítica e Metacrftica. Marflia: Unesp publicações e


São Paulo; Fapesp.

De Bell, C. S., Harless, D K. (1992, April). B. F. Skinnor: Myth and Mispercoption. I eaching of
Psychology, 19(2), 68-74.

Deitz, S M., & Arrington, R. L. (1983). Factors confusing languago use in the analysis of behavior.
Behaviorism, 11, 117-132.

França, A C C. (1997) A análise comportamental aplicada à educação: um caso do deturpa­


ção acerca do pensamento de B. F Skinner Psicologia da Educação [Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da PUC-SP.] Vol. 5, 2° sem.

Foxx, R. M. (1996, Spring). Translating the Covenant: The behavior analyst as ambassador and
translator. The Behavior Analyst, 19(2), 147-161.

Gioia, P. S. (2001). A abordagem behaviorista radical transmitida pelo livro de psicologia


direcionado à formação de professores. [Programa Estudos Pós-Graduados em Educação:
Psicologia da Educação, Pontifícia universidade Católica de São Paulo - SP, Orientação da
Dra. Melania Moroz.] Tese de doutorado.

Hickey, P. (1994, Summer). Resistance to Behaviorism. The Behavior Therapist, 150-152.

Micheletto, N., & Sério, T. M* A. (1993) Homem: Objeto ou sujeito para Skinnor. Temas em
Psicologia, 2, 11-21.

Miguel, C. F. A., & Nakamura, M. F. (1996). A concepção do aluno de psicologia da PUC-SP


sobre o Behaviorismo Radical e seus possíveis determinantes. Programa de Iniciação Científi­
ca - (PUC-SP) CNPq. Orientação da Dra. Maria Amália Pie Abib Andery (PUC-SP). Texto não
publicado.
Miraldo, C. M. V. (1985). Conhecimonto e crenças de estudantes de Psicologia acerca da Análi­
se Experimental do Comportamento. Dissertação de mestrado em Psicologia Experimental.
Instituto de Psicologia, Universidade do São Paulo, sob orientação da Dra. Carolina Martuscelli
Bori.

Morris, E. K. (1985, Spring). Public information, dissémination and Behavior Analysis. The
Behavior Analyst, 1(8), 95-110.

Morse, L. A., & Bruns, B. J. (1983, Spring). Nurturing Behavioral Repertoires within a Nonsupportive
Environment. The Behavior Analyst., 6(1), 19-25.

Moxley, R. A. (1998, Spring). Why Skinner is difficult. The Behavior Analyst., 1(21), 73-91.

Nakamura, M. F. (1997). O Conhecimento do aluno sobre o Behaviorismo Radical e sua con­


cepção de Psicologia. Monografia para Conclusão do curso de Psicologia, sob orientação da
Dra. Tereza Maria Pires Sério. Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo.

Otta, E., Leme, M. A. V. S., Lima, M. da P. P., & Sampaio, S. M. R. (1983). Profecias auto-realizado-
ras em sala de aula: Expectativas de estudantes de Psicologia como determinantes não-
intencionais de desempenho, Psicologia, 9(2), 27-42.

Silva, M" T. A. (1987). Aquóm da Liberdade; Um problema no ensino do Análise Experimental do


Comportamento. Psicologia, 13(1), 5-10.

Skinner, B. F. (1993). Sobro o Behaviorismo (9th ed.). São Paulo: Editora Cultrix. (Trabalho
original publicado em 1974 )

Todd, J. T., & Morris, E. K. (1983, Fall). Misconception and Miseducation: Presentations of Radi­
cal Behaviorism in Psychology Textbooks. The Behavior Analyst., 6(2), 153-160.

Woolfolk, A. E., Woolfolk, R. L., & Wilson, T. (1977) A Rose by any other name... : Labeling Bias
and Attitudes Toward Behavior Modification. Consulting and Clinical Psychology, 45, 184-191.

Yousef, J. M. S. (1992, August). Arabic Studont's Understanding of Skinner s Radical Behaviorism.


Psychological Reports, 71(1), 51-56.
Capítulo 14
Compreensão: comparação entre seus usos
cotidianos e sua análise operante -
análise operante da compreensão

Cdrlos Augusto t/e Medeiros


Universii/th/efedera! t/v Minas C/erais

Compreensão: Trata-se de um conceito muito importante para a psicologia e


para a filosofia pela sua intima relação com linguagem. A compreensão tem sido encarada
como um processo cognitivo intermediário ao comportamento precedido por
verbalizações. Inicialmente, o indivíduo entraria em contato com uma verbalização, e o
processo de compreensão faria com que este acessasse o significado das palavras
inclusas na verbalização e, para então de posse dos significados, ficar sob o controle do
que foi dito. Também se relaciona com a comunicação no sentido que é compreendida
enquanto processo mediador que permite que as idéias ou proposições na mente do
falante se tornem comuns à mente do ouvinte. Contudo, o presente trabalho interpreta
estas noções de compreensão como revisões conceituais (Harzen & Miles, 1978), no
sentido em que modificam os limites do conceito de compreensão forjado e utilizado
pelos falantes cotidianos.
Atualmente, na Análise do Comportamento, as discussões sobre o conceito de
compreensão receberam ênfase, sendo utilizado para diferenciar como humanos
respondem aos estímulos verbais. A noção de Skinner (1957/1978) acerca do
comportamento de ouvinte como um mero responder discriminado não foi bem recebida
por todos os analistas do comportamento, levando-os a proporem outras alternativas de
como os indivíduos respondem sob o controle de estímulos.
Segundo Sidman (1990), não é suficiente que o indivíduo exiba o comportamento
sob o controle de um estímulo verbal para se falar em compreensão. Para Sidman, as
palavras somente exercem o controle sob o comportamento de ouvintes verbais por
fazerem parte da mesma classe de equivalência de seus referentes. Com a noção de
substitutabilidade, as palavras, ao fazerem parte da mesma classe de equivalência dos
seus referentes, controlam as mesmas respostas. Em conclusão, pode-se dizer que a
compreensão dos estímulos simbólicos seria dependente das classes de equivalência
entre os estímulos simbólicos e seus referentes.
Hayes e Hayes (1989) defendem que o seguimento regras depende de sua com­
preensão, que se dá pelo quadro relacional de coordenação formado pela regra e a contin­
gência descrita por ela. Poderia-se dizer, portanto, que o referente de uma regra seria a
contingência descrita pela regra, e o ouvinte somente compreenderia a regra caso esta
fizesse parte da mesma classe de equivalência ou quadro relacional por coordenação da
contingência descrita pela regra. Hayes e Hayes defendem que Skinner (1969/1984), ao
definir o que são regras, ou seja, estímulos discriminativos verbais que especificam as
contingências, não deixa claro o que representa "especificam as contingências". Para
Hayes e Hayes, as regras somente especificam contingências quando fazem parte da
mesma classe de equivalência das contingências.
Devany, Hayes e Nelson (1986) discordam da interpretação de Skinner de que os
estímulos simbólicos têm meras funções discriminativas no controle do comportamento
do ouvinte:

“From the stand point of the listener, this analysis [análise funcional do comporta­
mento verbal] essentially views symbols as discriminative stimuli and not o f special
interest in their own right.
Symbols used by humans, however, appear to be more flexible than discriminative
stimuli as typically conceived“ (Devany e cols., 1986, pág. 243).

Horne e Lowe (1996) também discordam da concepção Skinneriana de que o com­


portamento de ouvinte não é verbal em nenhum sentido especial. Para tais autores, ver o
comportamento de ouvinte como desprovido de um caráter simbólico limita o poder explicativo
da análise do comportamento em lidar com desempenhos emergentes no âmbito verbal.
Segundo Horne e Lowe, o comportamento de ouvinte é verbal, onde a compreensão de uma
palavra requer a emissão de um comportamento de falante (Nomeação).
Como já mencionado, para Skinner (1989/1995), o comportamento de ouvinte não é
necessariamente verbal em nenhum sentido especial. Contudo, a abordagem de Skinner
acerca do termo compreensão não se resume a um responder aos estímulos verbais. Skinner
(1957/1978,1974/2000) aborda o conceito fazendo análises operantes dos comportamen­
tos relacionados à compreensão. Como defensor da noção de significado pelo uso (Day,
1969), Skinner tenta definir funcionalmente os comportamentos que servem de S‘ para a
emissão da resposta verbal compreensão. Ao faze-lo, Skinner, provavelmente, revisou o
conceito de compreensão. Neste sentido, é importante verificar até que ponto Skinner modi­
ficou os limites do conceito. Para conduzir esta verificação, o presente trabalho comparou
sua abordagem do conceito de compreensão com os usos apresentados pelo filósofo da
linguagem Gilbert Ryle (Ryle, 1949). Ryle ao longo da sua obra se especializou em discutir
a pertinência dos usos que psicólogos e filósofos faziam dos termos psicológicos. Para
tanto, ele pesquisou e apresentou à lógica dos usos cotidianos dos conceitos.
Os objetivos do presente trabalho foram, portanto, verificar:
• A coerência entre os usos do termo apresentados por Skinner e seus usos cotidianos;
• Se a compreensão envolveria, necessariamente, o comportamento verbal.

<ki<MUtdoouvtntm.m<M
f ) n p o n to «tM Mm » v á »itntxéj* m m « ic t t ln t o n t o c o m o mtlnnjêo* d m o rtT M rm ttvrm o m n tt In U tro m a ti p o r u i a ó Slmôokmuttttzmdaep o r
h u m a n o « , o n tm ta n k ) . p a re ç a m mm in u K o m a la fte x lv o w d o q u « o a e a tlm u lo a d ta c rln iln a ttv o a p r a v liim u n t» a m c flM c k m
Primeiro Uso - Responder apropriado à verbalização de alguém
Este uso envolve a emissão de comportamento de ouvinte sob o controle discrimi­
nado de estímulos verbais. Para que a compreensão ocorra, neste caso, o ouvinte teve de
ser reforçado no passado emitindo determinadas respostas na presença dos mesmos
estímulos verbais. Por exemplo:
1. Pode-se dizer que Moe compreendeu o que Homer disse quando deu uma
cerveja para ele mediante a verbalização:
- Hei Moe, me dá uma cerveja?
Ao dar a cerveja para Homer, é possível concluir que Moe compreendeu o que
Homer dissera, uma vez que emitiu um responder apropriado à verbalização de Homer.
Mas, para que a verbalização de Homer tivesse esta função discriminativa sobre o com­
portamento de ouvinte de Moe, foi necessário que Moe tivesse recebido reforços no pas­
sado por emitir respostas similares na presença de verbalizações semelhantes. Contudo,
se Moe não tivesse reforçado o mando de Homer, não significaria obrigatoriamente que ela
não o compreendera. É importante notar que um estimulo discriminativo não produz obri­
gatoriamente a emissão de uma resposta operante específica como ocorre no condiciona­
mento clássico. Como será exemplificado adiante, Moe poderia ter demonstrado compre­
ensão emitindo diversas outras respostas.
Este primeiro uso, contudo, não se restringe apenas aos comportamentos
operantes. Determinadas respostas verbais adquirem funções eliciadoras por condiciona­
mento respondente por evocarem a emissão da visão condicionada (Skinner, 1953/1994)
ou por diretamente exercerem a função de estímulo condicionado. Um exemplo interes­
sante deste uso ocorreu quando o autor deste trabalho estava aplicando um procedimento
de dessensibilização sistemática a um caso de vaginismo. Quando as cenas descritas
continham a palavra '‘penetrar" ao invés de "inserir", a cliente relatava um nível muito mais
alto de respostas de ansiedade. De acordo uma análise estrutural, as duas palavras seri­
am consideradas sinônimas neste contexto, contudo, a palavra “penetrar" possuía fun­
ções eliciadoras não partilhadas pela palavra “inserir". Pode-se dizer, portanto, que cada
pessoa possui uma relação íntima com cada palavra dependendo da sua história, e o
controle que uma palavra exerce sobre o comportamento de ouvinte não depende neces­
sariamente de uma relação símbolo referente.
O seguinte exemplo ilustra este primeiro uso de compreensão baseado em uma
resposta reflexa: Pode-se dizer que Marge Simpson compreendeu um livro de contos
eróticos ficando sexualmente excitada ao lê-lo. Ficar sexualmente excitada neste caso
evidenciou um responder apropriado à verbalização do autor do conto.
Ryle (1949) aborda compreensão como conceito disposicional aberto, isto é:

"(...) ele [quem compreende] não está num momento particular em processo de
fazer ou passar por qualquer coisa, mas, que ole é capaz de fazer certas coisas,
quando a necessidade surge, ou que ele tende a fazer ou sentir certas coisas em
situações de certo tipo." (Ryle, 1949, p 112)
Este uso apresentado por Ryle ó perfeitamente compatível com o primeiro uso de
Skinner. Ambos autores não encaram a compreensão enquanto um processo que medeie
outros comportamentos. Considerar a compreensão como um conceito disposicional aberto
significa se comportar apropriadamente à verbalização de alguém dadas certas condições,
e que a compreensão pode ser evidenciada por um amplo conjunto de comportamentos
distintos. Por exemplo, ao se dizer que Moe compreendeu o mando de Homer, pressupõe
que Moe entregará a cerveja (e.g., responder apropriado) quando houver uma operação
estabelecedora (necessidade) ou um Sd (situações de certo tipo). Novamente, Moe poderia
ter compreendido o mando de Homer mesmo sem ter entregado a cerveja a ele, por
exemplo: "sinto muito Homer, mais a cerveja está quente", neste caso, Moe não deu a
cerveja para o Homer pela falta de S ou situações de certo tipo.
Os usos dos dois autores também lidam satisfatoriamente com o seguimento de
regras. Por Exemplo: Homer aconselha Bart:
“Oh Bart, não faça faculdade, você é muito burro para isso. Veja, você pode ter
sucesso profissional como o meu".
Neste caso, pode-se dizer que Bart compreendeu a regra se, ao fim de seu
colegial (Sd ou situação de certo tipo), ingressar diretamente no mercado de trabalho.
Neste caso, pode-se dizer que compreender uma regra è conceito disposicional, no
sentido em que mudará a probabilidade de emissão de determinado comportamento
quando o ouvinte se deparar com a contingência descrita pela regra.
É importante ressaltar que em todos esses exemplos a compreensão foi
evidenciada pela emissão de comportamentos não verbais segundo a definição de Skinner
(1957/1978) de comportamento verbal.
O principio polar deste uso (Harzen & Miles, 1978), ou seja, o quê não seria
considerado compreensão, diz respeito à noção de "apropriado". Não compreender no
exemplo do Moe e do Homer seria evidenciado por Moe entregar leite para o Homer, por
exemplo. Neste caso, Moe não emitira um responder apropriado, respondendo como se
não estivesse sob controle das verbalizações do Homer. É evidente que é necessário
supor que existam operações estabelecedoras ou necessidade para que Moe entregue
a cerveja para o Homer, em outras palavras que ele a entregaria se tivesse compreendido.

Segundo Uso - Emitir a mesma resposta verbal


Pode-se dizer que alguém compreendeu o que foi dito ao dizer a mesma coisa, ou
dizer com outras palavras (Skinner, 1974/2000). Este uso, diferentemente do anterior, envolve
a emissão de uma resposta verbal (intraverbal ou tato). Para ocorrer a compreensão, de
acordo com esse uso, é necessário que o ouvinte possua alguma familiaridade com os
eventos que controlaram o comportamento verbal do falante. Conseqüentemente que tenham
a probabilidade de dizer as mesmas coisas sob as mesmas circunstâncias.
Por exemplo: O Médico do Homer Simpson estava lhe explicando como conduziria a
operação de ponte de safena a qual Homer seria submetido. A primeira tentativa de explicação
não fora compreendida por Homer, que acusou o médico de estar utilizando uma linguagem
muito técnica. O mesmo ocorreu com as outras duas tentativas emitidas pelo médico. Homer
somente compreendeu quanto o doutor disse: “Vamos dar uma garibada no seu tique e taque".
Apesar o aspecto caricatural do exemplo, é inegável que os médicos freqüentemente
não são compreendidos porque muitas vezes desconsideram os seus pacientes enquanto
audiência (Medeiros, 2002; Medeiros, no prelo). As suas descrições das causas dos
sintomas dos pacientes são ocasionadas por aspectos que o paciente não domina, como
a anatomia do corpo humano, nomes de vlrus, bactérias, inflamações, etc. Neste sentido,
o paciente dificilmente conseguiria dizer as mesmas coisas que o médico, mesmo estan­
do em contado com os mesmos S não-verbais. Contudo, quando dois médicos conver­
sam entre si possuem uma probabilidade muito maior de serem compreendidos, pois já
possuem uma probabilidade de dizer as mesmas coisas sob o mesmo conjunto de cir­
cunstâncias ambientais. No exemplo anterior, quando o módico passou a considerar o
Homer enquanto audiência conseguiu emitir uma verbalização que exerceu controle sob o
seu comportamento, no sentido em que o Homer conseguiria dizer as mesmas coisas.
Novamente é observada uma concordância entre os usos de Skinner e Ryle.
A semelhança se dá pelo fato de que dizer as mesmas coisas com as outras
palavras implica que o ouvinte já tinha probabilidade de dizer as mesmas coisas. A com­
preensão nesse caso envolveria a familiaridade com o que controlou a verbalização.
Curiosamente, tanto Ryle (1949) quanto Skinner (1974/2000,1957/1978) utilizam
o termo familiaridade. Para Ryle (1949):

"Compreensão é, em parte, sabor como. O conhecimento que é exigido para com­


preender performances inteligentes de um tipo específico ó algum grau de compe­
tência em performances deste tipo (...) a capacidade do apreciar uma performance è
uma do tipo de capacidade para executa-la" (Rylo, 1949, pag. 53-54).

Segundo Skinner (1957/1978): "compreendemos qualquer coisa que nós mesmos


teríamos dito em relação ao mesmo estado de coisas" (Skinner, 1957/1978, pag, 331).
O princípio polar deste uso diz respeito à ausência de familiaridade ou competên­
cia para dizer a mesma coisa, como ilustrado no exemplo do Homer e seu médico. Além
disso, este uso exclui o mero comportamento ecóico como evidência de compreensão.
Para compreender, não é suficiente repetir o que foi dito, é necessário que se consiga
dizer as mesmas coisas sob as mesmas circunstâncias.
Este uso, apesar de se constituir em um dos exemplos paradigmáticos de com­
preensão, é um caso especial de uma categoria mais ampla, que seria o 3o Uso.

Terceiro Uso - Compreender o comportamento de alguém


Tanto Skinner quanto Ryle admitem que nem o comportamento compreendido
nem a resposta que evidência compreensão são necessariamente verbais. Sendo assim,
é possível compreender eventos, sejam eles comportamentos ou não, que não são
necessariamente verbais. Entretanto, novamente, este uso também exige um “grau de
competência" ou uma "probabilidade de resposta” em "performances deste tipo”.
No seguinte exemplo, pode-se concluir de diferentes formas se Bart compreende
ou não o comportamento de seu pai, tentando trocar o pneu de sua bicicleta.
A compreensão seria evidenciada por um grande conjunto de respostas de Bart
(i.e., conceito disposicional aberto) ao observar o Homer consertar do pneu da bicicleta:
• Bart poderia começar a rir das trapalhadas do pai;
• Poderia ir ajudá-lo;
• Poderia instruir o Milhouse como fazê*lo corretamente;
• Poderia predizer o comportamento da bicicleta a seguir;
• Poderia ató constatar o erro sem conseguir verbalizá-lo.
Estes comportamentos não esgotam as evidências de compreensão, mas possu­
em algo em comum:
Bart teria que, necessariamente, possuir alguma competência quanto a trocar o
pneu de uma bicicleta. É importante ressaltar que a competência não precisa ser
exatamente igual à de quem se comporta. Em outras palavras, Bart não precisaria
consertar o pneu da bicicleta, nem mesmo ser capaz de fazê-lo, contudo, necessitaria ter
alguma competência quanto a pneus e bicicletas.

Quarto Uso - Compreender as razões da ocorrência de um evento


Um uso muito comum do termo compreensão ocorre quando os indivíduos com­
preendem as razões dos eventos. Por Exemplo: Homer tenta ligar um carro que insiste
em não pegar.
Rapidamente, o comportamento de virar a chave entrará em extinção e o Homer
emitirá vários comportamentos:
• Checará os cabos da bateria;
• Checará os fusíveis;
• Verificará se a bateria tem carga, etc.
Suponha-se que o carro náo pegara devido á falta de combustível. A compreensão
de Homer acerca das razões do evento pode ser demonstrada de diferentes maneiras:
• Dizer: “é incrível, carros sem gasolina não funcionam!"
• Comprar gasolina.
• Roubar gasolina do Ned Flanders, etc.
O polar deste uso no exemplo acima seria morder o volante, chamar um
mecânico, trocar os cabos e a bateria, etc. Isto é, quaisquer comportamentos que indiquem
que ele não está sob o controle das razões do evento.
Apesar de Ryle não mencionar este exemplo diretamente, a visão de compreen­
são como saber como e conceito disposicional aberto permite a explicação deste uso.
Pode-se dizer que Homer, ao compreender as razões do carro não ter pegado tende a se
comportar de algumas formas em situações específicas (e.g., posto de gasolina, carro
do Ned Flanders, etc.) quando a necessidade surge (e.g., precisar sair com o carro). A
noção de compreensão enquanto saber como também envolveria uma competência em
performances desse tipo, ou seja, ter visto carros que não funcionaram sem gasolina no
passado, por exemplo.

Quinto Uso - Compreender como uma pessoa se sente.


Compreender como uma pessoa se sente implica um outro aspecto muito contro­
verso que se trata das expressões das emoções (Darwin, 1872/1978), e como as pessoas
aprendem a descrever o que é sentido privadamente (Skinner, 1945). Neste caso, a com­
preensão é especialmente dificultada pelas descrições estarem, especialmente, sob o
controle de eventos privados. Como discutido em Skinner (1945), é a comunidade verbal
que ensina os seus membros a descreverem o que sentem privadamente. Para tanto, ela
utiliza informações incompletas e imprecisas advindas de eventos e comportamentos pa­
ralelos à condição privadamente experienciada (i.e., acompanhamento público, resposta
colateral, extensões do tato e redução da resposta). Como não é possível um treinamento
ostensivo, o vocabulário destinado a descrever as emoções é muito menos preciso.
Um outro fator complicador da compreensão neste caso é que a mera descrição
do sentimento não tem meios de induzir quem compreende a sentir-se da mesma maneira
(Skinner, 1974/2000), a não ser que sejam manipuladas operações emocionais para
tanto (Skinner, 1953/1994). Conseqüentemente, a compreensão, neste caso, dificilmente
poderia envolver um grau de competência na mesma performance como no 2" Uso. Contu­
do, também existe um saber como do tipo de como a pessoa se sentiu no passado em
condições semelhantes, mas nesse caso, o ouvinte teria de emitir respostas controladoras
(e.g., se imaginar na mesma situação) para conseguir se sentir de maneira semelhante.
Ryle (1949) não discute especificamente este uso, mas, a sua noção de compre­
ensão como uma espécie de saber como pode lhe ser aplicada.

Conclusões
Foi observado um grande número de concordâncias entre os usos apresentados e
discutidos pelos dois autores. Sendo assim, ó possível concluir que os usos de Skinner
se aproximam dos usos cotidianos do termo. Ambos os autores remontam à noção de
que compreender não ó tornar um significado comum, pois ambos lidam com a noção de
significação pelo uso (Ryle, 1957). Para ambos autores, cada pessoa possui uma relação
íntima com cada expressão verbal, o que impossibilita uma compreensão perfeita do
tipo - partilhar significados, uma vez que a compreensão não se dá por uma captura de
significados, em sim pelas performances emitidas sob o controle de eventos.
Os exemplos apresentados por Skinner e Ryle demonstram claramente uma
desvinculação do conceito de compreensão à emissão de respostas verbais. Novamente,
nem os eventos a serem compreendidos, nem as respostas que evidenciam a
compreensão precisam ser verbais. Neste sentido, pode-se dizer que os analistas do
comportamento citados acima revêem o conceito do compreensão ao atrela-lo ao compor­
tamento verbal.
Um outro ponto importante foi a conclusão de que compreensão se trata de um
conceito disposicional aberto, relacionando-se com um grande número de diferentes con­
ceitos comportamentais como comportamento de ouvinte discriminado; discriminação
operante; generalização respondente; Intraverbais e tatos; etc. Para se descrever o com­
portamento com o uso destes conceitos é essencial que se conduza a análise funcional
de cada exemplo específico. A compreensão enquanto conceito disposicional aberto,
também só mantém o seu poder preditivo caso se analise qual o uso do termo em ques­
tão. Ao contrário dos conceitos comportamentais mencionados anteriormente, o termo
compreensão não possui definições precisas e teve os seus usos contaminados pelas
numerosas revisões conceituais que sofreu. Revisões estas que induzem à noção de
causalidade interna e de processos mediacionais, ou seja, se constituindo no tipo de
explicação que Skinner e Ryle mais se preocuparam em negar. Sendo assim, não parece
aconselhável manter o seu uso para uma descrição científica do comportamento. O con­
ceito de compreensão precisa ser estudado enquanto conceito utilizado pelo falante coti­
diano. Contudo, para uma análise científica do comportamento é preferível utilizar os con­
ceitos comportamentais princípios comportamentais já mencionados.

Referências
Darwin, C. H. (1998). Expressions o f emotions in man and animal. New York: Oxford University
Press. (Trabalho original publicado 1872.)

Day, W. F. (1969). On certain similarities betwoen the "Philosophical Investigations" of Ludwig


Wittgenstein and the oporationism of B. F. Skinner. Journal o f Experimental Analysis o f Behavior,
12, 489-506.

Dovany, J. M., Hayes, S. C., & Nelson, R. O. (1986). Equivalence class formation in language-able
and languago-disablod childron. Journal of the Experimental Analysis o f Behavior, 46, 243-257.

Harzem, P., & Milos, T. R. (1978). Conceptual issues in Operant Psychology. Now York: Wiley.

Hayes, S C., & Hayes, L. J. (1989). The verbal action of the listener as a basis for rule-governance.
In S. C. Hayos (Org.), Rulo-govemod behavior cognition, contingencies, and instructional control
(pp. 153-190). New York: Plenum

Horne, P., & Lowe, F. (1996). On the origins of naming and other symbolic behavior. Journal of
Experimental Analysis o f Behavior, 65, 185-241.

Medoiros, C. A. (2002) Análise funcional do comportamento verbal na clínica comportamental.


In A. M. S. Teixoira, A. M. Ló Sónôchal-Machado, N. M. S Castro & S. D. Cirino (Orgs ), Ciônciado
comportamento: conhecer o avançar (pp. 176-187). Santo André: ESETec Editores Associados.

Medoiros, C. A. (no prelo). Comportamento verbal na clinica comportamental. Revista Brasileira


do Terapia Comportamental o Cognitiva.

Ryle, G. (1949). The concept o f mind. London: Hutchinson & Co.

Rylo, G. (1957). The theory of meaning. In C. A. Mace (Org ), British Philosophs in the Mid-Century
(pp. 239-264). Londres: George Allen & Unwin.

Sidman, M. (1990). Equivalence relations: Where do they come from? In D. E. Blackman & J.
Lejeune (Eds.), Behavior analysis in theory and practice: Contributions and controversies (pp.
93-114) Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.

Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review,


52, pp. 270-277, 291-294.
Skinner, B. F. (1978). O comportamonto verbal (Trad. M. P. Villalobos.). São Paulo: Cultrix. (Tra­
balho original publicado em 1957.)

Skinner, B. F. (1984). Contingências de reforço (Trad. R. Moreno, 2nded.). SãoPaulo: Abril


Cultural. (Trabalho original publicado em 1969.)

Skinner, B. F. (1994). Ciência e comportamento humano (Trads. J. C. Todorov & R. Azzi, 9th ed.).
São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1995). Questões recentes na análise comportamental (2nd ed.).Campinas:


Papirus. (Trabalho original publicado em 1989.)

Skinner, B. F. (2000). Sobre o behaviorismo (Trad. M.P. Villalobos.) São Paulo: Cultrix. (Trabalho
original publicado em 1974.)
Capítulo 15
Estratégias auxiliares em terapia
comportamental

M a íy Deíitti
Pontifícia L/mvcrsidadc C'atóíica dcSào Paulo

Os indivíduos que procuram terapia, freqüentemente, não aprenderam determina­


dos padrões comportarnentais em sua história de vida, e o terapeuta pode, na situação de
terapia, modelar novos comportamentos. Existe um controle recíproco de comportamentos
na dupla terapêutica, isto é, o terapeuta fica sob controle do comportamento do cliente e
vice-versa. De modo geral, o terapeuta procura utilizar reforçamento natural, o que facilita
a generalização do novo repertório para outras situações. Na realidade, o reforçamento
social liberado pelo terapeuta ê natural e eficaz no contexto da relação terapêutica e
também costuma ser similar aos reforçadores que ocorrem na vida do cliente. Este autor
afirma que ainda que técnicas comportarnentais especificas sejam eficazes para a mudança
comportamental, "a relação terapêutica freqüentemente é uma fonte importante de resultados
clínicos". Rosenfarb (1992), considera que os comportamentos que os clientes emitem
durante a sessão devem ser atentamente analisados pelo terapeuta e sugere alguns
aspectos que deveriam ser pesquisados, tais como as discrepâncias entre comportamento
verbal e não verbal do cliente, e o comportamento do terapeuta como parte do controle
recíproco e, portanto, como SDS para o comportamento do cliente.
Outro aspecto que deve ser lembrado ó que as pessoas, quando vão procurar
terapia freqüentemente acreditam que os eventos encobertos (sentimentos, pensamentos,
etc.) são a causa de seus problemas. Entretanto, esta não ó a premissa da Análise do
Comportamento. Na verdade, os eventos encobertos são comportamentos da mesma
natureza que os comportamentos observáveis e a única diferença entre eles é o acesso.
Para acessar eventos encobertos e/ou dados da história passada, que podem dar
informações sobre a história de aprendizagem de padrões comportarnentais o terapeuta
depende do relato verbal do indivíduo. O comportamento verbal na clínica tem sido muito
estudado por pesquisadores e clínicos como (Rosenfarb, 1992; Kõhlenberg e Tsai, 1987)
que se referem à importância da discriminação e expressão de sentimentos do cliente e
terapeuta e à relevância da instrução verbal do terapeuta na instalação e manutenção de
repertórios comportarnentais. No contexto da relação terapêutica, a mudança ocorre, fun-
damentalmente, devido à interação verbal entre cliente o terapeuta. Por exemplo, o terapeuta
pode apontar incoerências entre o comportamento verbal e o não-verbal do cliente, pode
investigar sentimentos, ou pode analisar se o comportamento verbal emitido na sessão é
similar ao que o cliente apresenta em seu ambiente natural. É, portanto, necessário estu­
dar também o papel do terapeuta como uma fonte de reforçamento e como parte do
sistema de controle reciproco, isto é, fornecendo SDs para mudança de comportamento
do cliente, reforçando seus comportamentos e, ao mesmo tempo, tendo seu próprio com­
portamento reforçado por ele.
Estas questões só podem ser analisadas pesquisando a própria situação de tera­
pia, quando as interações comportamentais terapeuta-cliente (ou cliente-terapeuta) ocor­
rem de forma natural.
Neste sentido, Ferster (1979), em um artigo clássico, afirma que

"os ospecialistas em clinica parecem so comunicar com sucesso entre si o


freqüentemente considera-se que algo importante está sondo comunicado
quando um clínico está falando. Mas freqüentemente ó difícil conhecer om
detalhes que parto da terapia causa benefício ao cliente. Como ó difícil descrovor
o que está acontecendo, a comunicação efetiva perece ocorrer entro pessoas
que já sabem muito do que ostá sondo dito" (p.283).

Para Ferster (1979), como a Análise do Comportamento é uma ciência natural, ó


importante que se desenvolva uma linguagem que permita observar e descrever os eventos
comportamentais na situação em que ocorrem e analisar as mudanças ambientais que
esses eventos produzem no indivíduo, no ambiente e em outras pessoas.
Ferster (1979), também afirma que "os comportamentos que ocorrem na terapia
são um dado objetivo, no qual a maior parte das atividades e seus reforçadores podem ser
observadas por ambas as partes "(p. 296). Para o autor, o papel do terapeuta ó criar
condições que possibilitem ao cliente relatar processos encobertos e observar aspectos
de suas respostas, seus antecedentes e seus conseqüentes. Ele destaca que a observa­
ção das interações verbais na sessão de terapia ó fundamental para que a ciência do
comportamento possa embasar a prática clínica. Esta observação pode ser dividida em
dois aspectos: o primeiro aspecto refere-se à compreensão de como cliente-terapeuta
alteram o comportamento um do outro e o segundo aspecto envolve a investigação de
como os comportamentos verbais que resultam da terapia influem na vida diária do cliente.
Hübner (1997), a partir da proposta de Skinner (1957) para o comportamento
verbal, em seu trabalho "Comportamento Verbal e Prática Clínica" ressalta a utilidade e
validade do uso do verbal na situação clínica. A autora afirma que ouvir e registrar as falas,
dentro de um referencial de análise funcional é uma excelente fonte de dados e o ouvir
uma fala, sem puni-la, já é uma forma de aumentar a probabilidade de que os comporta­
mentos verbais encobertos sejam analisados nas sessões. O terapeuta pode ser bem
sucedido em mudar regras, preconceitos e outros eventos encobertos, iniciando pela
mudança do comportamento verbal do cliente.
Para ter acesso aos eventos encobertos via relato verbal, o terapeuta
freqüentemente faz uso de estratégias que podem facilitar a emissão do relato verbal
sobre fatos que podem ser evitados pelo cliente por fuga/esquiva ou por falta de discrimi­
nação dos mesmos.
Alguns terapeutas comportamentais consideram que a análise do relato de so­
nhos pode ser útil como uma destas estratégias auxiliares. No contexto da Análise do
Comportamento sonhar é um evento privado e o relato de sonho é comportamento aberto
que descreve um evento privado que ocorreu no passado.
Utilizando a Análise Funcional dos relatos de sonhos o terapeuta pode ter acesso
á história pessoal do cliente e criar condições para evocar respostas emocionais na ses­
são (CRB), as quais, podem ser modificadas no contexto terapêutico. É importante res­
saltar que na Terapia Comportamental: o que importa não é o que o cliente sonha, mas
em como o que ele sonha se relaciona com o seu contexto. Isto é, análise do relato
de sonhos é entendida como uma análise contextuai de relato de eventos privados. Algu­
mas das perguntas que o terapeuta pode fazer quando o cliente relata um sonho são as
seguintes:
* Como você relaciona este sonho com o seu momento de vida.
* Porque você resolveu relatá-lo nesta sessão?
Estas questões podem criar oportunidade de auto-observação e discriminação
de funções comportamentais "inconscientes" (Skinner, 1953) que podem estar atuando.
Apresenta-se a seguir um exemplo de análise de relato de sonho na prática clínica.

Caso Clinico
Cliente B., mulher muito bonita, 39 anos, separada, dois filhos de 11 e 8 anos,
executiva de multinacional. Falou para a terapeuta que preteria um terapeuta homem, mas
que seu chefe havia feito a indicação.
Queixa: "Sinto-me só, sem amigas, me relaciono mal com as colegas de trabalho.
Com os homens sempre me dou muito bem, pois, qualquer homem, jovem ou velho, sempre
é um homem".
No decorrer da terapia, observou-se que B. era extremamente sedutora com qual­
quer homem, mantendo vários casos amorosos durante o casamento e depois dele. Esta
cliente queixava-se que os homens não a levavam a sério, só queriam sexo e os parceiros
de trabalho após efêmeras relações deixavam de respeitá-la profissionalmente.
Sua relação com mulheres sempre foi muito complicada. Sua mãe era alcoólatra e
violenta e a irmã mais velha se casou muito cedo para sair de casa. Nunca teve uma amiga
próxima e os homens sempre a cortejaram, ela achava fácil se relacionar com eles.
A terapia se centrou na análise de seu repertório e na instalação de um novo reper­
tório social, na busca de amizade com mulheres e melhora no relacionamento desta cliente
com sua irmã e outras pessoas significativas do sexo feminino. Além disso, procurou-se
estabelecer relações diferentes com os homens, isto ó, com respeito e amizade, e para tal
ela passou a emitir comportamentos incompatíveis com os usuais, considerados “sensuais"
por ela, ( vestir sempre roupas provocantes, se aproximar fisicamente, tocar no ombro ou no
braço, etc.).
Relato de Sonho
"Eu estava dando uma festa em meu novo apartamento, estava cheio de gente.
Mas, eu me sentia sozinha. Fiquei andando pelo apartamento e quando cheguei ao banheiro
encontrei você (a terapeuta) lá tomando vinho. Ficamos conversando e eu me senti bem".
A partir da análise deste relato, e dos outros dados da história de vida concluiu-
se que a figura feminina era sinalizadora de punição e ansiedade e a que a cliente havia
desenvolvido um repertório de sedução reforçado pelos homens.
Em uma das últimas sessões de atendimento, a cliente disse para o terapeuta:
“Estou bem, tenho amigas, não muitas, mas boas. Coloquei você no meu banheiro
e me senti tranqüila, acho que depois que me senti íntima de você, perdi a dificuldade de
me relacionar com mulheres".
Além de relatos de sonhos, terapeuta pode se utilizar vários recursos para
melhorar seu trabalho. Metáforas verbais, fotografias, desenhos e fantasias podem ser
estratégias úteis na prática clínica. O importante é que o clinico saiba discriminar bem os
Sds fornecidos por seu cliente e saiba ser sensível às contingências da sessão. O caso
que se segue mostra como o terapeuta imitou a classe de comportamento verbal do
cliente(poesia) e com isto facilitou o vínculo terapêutico.
Cliente: homem, 44 anos, jornalista, entra no consultório e assim que se senta
diz para o terapeuta:
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada, todos os meus conhecidos tem
sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil...
O terapeuta respondeu:
“Sou um evadido. Logo que nasci fecharam-me em mim, ah, mas eu fugi. Se a
gente se cansa do mesmo lugar, do mesmo ser porque não se cansar?...’’.
Após esta fala do terapeuta, o cliente falou:
- "Até que enfim encontrei o terapeuta que eu tanto procurava. Alguém que conhece
Pessoa e me respondeu perfeito".
Os dois poemas, o primeiro de Álvaro de Campos (Heterônimo de Fernando Pessoa)
e o segundo, do próprio Fernando Pessoa, facilitaram a comunicação e o estabelecimento
do vínculo terapêutico.
É claro que os terapeutas não precisam conhecer ou gostar de poesia (ainda que
cultura geral seja indispensável), e que haveria outras formas de estabelecer um bom
relacionamento com o cliente, mas este foi um exemplo de padrão de interação verbal que
usualmente não é a usada na clínica (recitar não é papel do terapeuta) e que neste caso
se mostrou efetiva.
O próximo exemplo é de um caso em que um poema foi utilizado para facilitar o
acesso aos eventos encobertos.
Poema como SD para acessar encobertos.
Cliente: Homem, advogado, 50 anos, procura a terapia relatando descontentamento
com a vida, cansaço por ser tão racional, sente vontade de largar tudo.
Este cliente apresentava um comportamento verbal muito bem estruturado, objetivo
e racional e sempre respondia ao terapeuta que não conseguia identificar seus sentimen­
tos. Estava, nas sessões discutindo a sua dificuldade de tomar decisões profissionais
porque achava que iria se arrepender se fosse ousado,
“melhor ser covarde do que me arriscar, mas me sinto infeliz por pensar assim"
(sic).
Após algumas sessões o terapeuta pediu que o cliente lesse, na sessão um
trecho de um poema de Álvaro de Campos que é o seguinte:
“Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse dito as frases que só agora, no meio sono elaboro-

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido...


Mas não disse não ou não disse sim...

Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse

Mas só agora o que nunca foi nem será para trás me dói...".

Depois que o cliente leu o poema de Álvaro de Campos, (Fernando Pessoa) o


terapeuta pediu que este fizesse comentários, relacionando o poema com a sua própria
vida. O cliente se emocionou e passou a relatar sentimentos e contar sua história de vida.

O uso de poesias como descrição de padrões de comportamento


Cliente: Mulher, 37 anos, artista, com queixa de instabilidade profissional, falava
muito por metáforas e reclamava da falta de sensibilidade das pessoas que eram muito
frias e objetivas. Havia relatado vários comportamentos de procrastinação e sempre que o
terapeuta procura analisar seu comportamento ela dizia que aquilo era muito objetivo e
que ela não funcionava assim. Ao final de uma sessão ela pediu ao terapeuta que falasse
o que achava dela, mas pediu:
"esqueça a psicologia, fale com o coração...".
O terapeuta leu para ela o poema de Fernando Pessoa que começa assim:
"DEPOIS DE AMANHÃ, sim, só depois de amanhã...
Levaroi amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível: mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso."......................................................................
A cliente disse:
- "Você agora me entendeu completamente e eu me sinto mais segura na terapia".
Depois desta fala a terapeuta falou para a cliente que a poesia era uma lingua­
gem, mas que a linguagem da análise do comportamento ou da ciência que embasava a
prática clínica era mais clara, precisa e adequada para a situação de terapia. A partir
deste fato, a cliente não mais emitiu os comportamentos de fuga/ esquiva que apresenta­
va antes.
Concluindo pode-se afirmar que o terapeuta comportamental pode se valer de
diferentes situações ou produtos da vida cotidiana para atingir os seus objetivos. O que
é importante é que este tenha sempre claro porque está utilizando tais estratégias, se
estas são coerentes com os princípios da Análise do Comportamento e com os princípios
éticos. Com estes cuidados, a criatividade ó valiosa.

Referências
Campos, A., de. (Fornando Pessoa). (1976). Ficções do interlúdio. Rio de Janeiro: Editora Nova
Aguiar.

Ferster, C. B. (1979). Psychotherapy from the Standpoint of a Behaviorist. In J, D. Keehn (Ed.),


Psychopathology in Animals (pp 279-303). Now York: Academic Press.

Húbner, M. M. (1997). Comportamento Verbal e Prática Clínica. In R. Banaco (Org.), Sobre Com­
portamento e Cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Com­
portamento e Terapia Cognitivista (pp. 135-137). Santo André: ESETec Editores Associados.

Kõhlenberg, R. J., & Tsai, M (1987). Functional Analytic Psychotherapy. In N. S. Jacobson (Ed),
Psychotherapy in Clinical Practice: Cognitive and Behavioral Perspectives (pp. 388-443). New
York; Guilford Press.

Pessoa, F. (1976). Obra Poética. Rio do Janeiro: Editora Nova Aguiar.

Rosenfarb, I. S. (1992). A Behavior Analytic Interpretation of the Therapeutic Relationship. The


Psychological Record, 42, 341-354.

Skinner, B. F. (1947). A psychological analysis o f verbal behavior. Class notes made by R.


Hofforline in a course at Columbia University.

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.


Capítulo 16
Uso de encobertos na prática clínica

C/tse/e Delinski'
M tin l/d M estre'

Na ótica behaviorista, comportamento pode ser entondido como a relação entre


eventos do ambiente (S), resposta comportamental (R) e estímulo do ambiente (C). Estes
comportamentos podem ser abertos ou encobertos.
Comportamento aberto diz respeito às ações motoras observáveis e a fala (verbal
ou não verbal); já comportamentos encobertos, segundo Delitti (1993), dizem respeito ao
pensar, sonhar, sentir e intuir. São eventos que não podem ser observados, ou acessados
diretamente, pois ocorrem internamente e são conhecidos apenas por quem os vivência.
Contudo, a premissa de que todo comportamento humano está sujeito à contingência é
válida tanto para abertos, quanto para encobertos.
Skinner já dizia:

"Não há necessidade de supor que os eventos que acontecom sob a pelo do um


organismo tenham, por esta razão, propriedades especiais". Pode-se distinguir
um evento privado por sua acessibilidade limitada, mas não, polo que sabomos,
por qualquer ostrutura ou natureza especiais (1978, p. 149).

De fato, só se tem acesso aos encobertos de uma pessoa através de seu relato
verbal. Banaco (1999) diz que a cultura (comunidade verbal) é quem possibilita ao homem
ter acesso aos seus encobertos, porém, nem sempre esta cultura vai propiciar um repertório
comportamental adequado para que o sujeito discrimine com precisão estes eventos; ó a
comunidade verbal que nos ensina a descrever o que fazemos, o que pensamos e o que
sentimos (Skinner, 1989 in Meyer, 2001).

| P sic ó lo g a Clinica, póo gru d u a n d u om P alco p txlag og ln polti P U C P R


Pslcrtloga Clinica, M a stro eni P h Ic o o q Im Etxparlmadtal poln U SP / S P , D o u to ra n d a * n i Hmtrtri« puln U F P R

210 C/ísde Dclimkl o M.iril/.i Mcslir


Partindo-se do pressuposto de que os encobertos são mecanismos que o homem
possui para perceber os processos comportamentais e sua história de reforçamento, mesmo
que as informações percebidas não sejam precisas (por causa da aprendizagem social),
dentro da prática clínica, as informações que o cliente traz acerca de seus sentimentos,
sonhos e fantasias fornecem pistas ao terapeuta para completar a Análise Funcional do
comportamento em questão (Banaco, 1999; Meyer, 2001).
Skinner (1989) afirma que existem muitas boas razões para as pessoas falarem
sobre seus encobertos. O que elas dizem dão dicas quanto ao comportamento passado e
as condições que o afetaram, ao comportamento presente e às condições que o afetam e
às condições relacionadas com comportamento futuro. O autoconhecimento tem um valor
especial para o próprio indivíduo. A pessoa está mais “consciente de si mesma" pelas
perguntas que lhe fizeram e está numa melhor posição para predizer e controlar seu
próprio comportamento.

Fantasia
Fantasia podo ser definida como o ato ou função de formar imagens ou
representações por percepção direta ou pela memória. Se mostra útil pois favorece a
identificação das seqüências de comportamentos abertos e encobertos; também fornece
pistas de quais variáveis estes comportamentos são função (Regra, 2001).
Tem sido muito empregada em psícoterapía comportamental com crianças e ado­
lescentes, mas alguns terapeutas (Mestre, comunicação pessoal, 2001), vêm utilizando o
"fantasiar" e o relato de fantasias, como técnica terapêutica também com adultos e princi­
palmente no trabalho com famílias e/ou grupos terapêuticos. O conhecimento do que são
comportamentos encobertos e, no caso a fantasia, auxilia ao terapeuta a escolher as
técnicas de intervenção, favorece o reconhecimento por parte do cliente destes comporta­
mentos desadaptativos e de seus possíveis fatores determinantes e ajuda a encontrar
novos padrões de comportamento mais adaptativos.

Sonho
O sonhar possui três funções ao seres humanos: 1) biológica: de descarga de
energia armazenada ou da estimulação recebida durante o dia mas que não teve função
para a pessoa. É como se fosse uma “limpeza da lixeira” de um computador. São os
sonhos desconexos e dos quais não temos lembranças. 2) reorganização de lembranças
funcionais: são as experiências vividas, ou o que se percebe da vivência alheia, e que
pode auxiliar na construção de novas regras ou na reconstrução e/ou extinção de velhas
normas. 3) discriminativos: funcionam como possibilitadores de compreensão de
estímulos que a pessoa percebeu mas ou não havia decodificado por sua atenção ter
estado focada em estímulos concorrentes ou por ter lhe faltado condições de análise da
mensagem contida, por falta de repertório.
Neste sentido, o sonhar funcionaria como a fantasia, a diferença é que o primeiro
ocorre em estado de repouso, dormindo; a segunda ocorre com o organismo acordado,
embora o "senso comum" costume dizer que quem "sonha acordado" vive no "mundo da
fantasia" (Mestre, comunicação pessoal, 2001).
Então, sonhar ó entendido como a capacidade de ver na ausôncia da coisa vista.
Está sob controle da estimulação do ambiente naquele momento, da história de vida da
pessoa e do seu estado de privação e emoção.
Os sonhos podem conter elementos de contingências passadas, podem ajudar o
terapeuta a obter dados relevantes sobre o cliente (Meyer, 1992). A análise dos sonhos
permite ao terapeuta, não só realizar uma melhor análise funcional, mas providencia também
uma boa medida de avanço terapêutico. (Mestre, comunicação pessoal, 2001).

Intuição
Intuir diz respeito a capacidade de pressentir, pela qual se chega a uma verdade
sem fazer uso da razão. Skinner disse que intuições são comportamentos regidos por
contingências, para as quais nenhuma regra foi ainda formulada. Diz respeito a leitura de
estímulos discriminativos que estão no ambiente mas que não são percebidos pela
consciência (Meyer, 1992).
Por treino seletivo, o ambiente proporciona que algumas pessoas desenvolvam
uma maior capacidade de percepção discriminativa, refinada, de estímulos imperceptíveis
para a maioria das outras pessoas. Por exemplo, um indígena que viva na selva terá maior
desenvolvimento da percepção de mudanças ambientais que lhe indiquem a proximidade
de temporal do que um cidadão urbano. Se colocado na cidade, ele poderia conservar a
capacidade de “leitura" de tais estímulos; para o urbano pareceria algo de extraordinário
um indígena, em pleno dia de sol, dizer que vai dar temporal e acertar na previsão. Mães
costumam "intuir" acerca das amizades dos filhos. Estes podem não gostar de ouvi-las
dizer que fulano ou siclano não ó boa companhia e, meses depois verem confirmadas as
"previsões" maternas sobre aquela pessoa. Nada de mágico, apenas a mãe, pela experiência
de vida "intuiu" estímulos invisíveis para o filho.
Saber mais sobre as intuições do cliente poderá fazer com que o terapeuta saiba mais
sobre este; é importante também, treinar o cliente para a decodificação das próprias "intuições".

Sentimento
Sensações são respostas fisiológicas que um organismo apresenta (por exemplo,
frio e calor). Emoções são respostas reflexas, inatas, dizem respeito a capacidade que
uma pessoa tem de vincular-se, afastar-se ou atacar alguém; segundo Millenson (1967),
são três as emoções básicas: amor (capacidade de formar vínculo), raiva e medo. O
sentimento surge da relação do sujeito com o ambiente; é o desenvolvimento das emoções
básicas, em graus variados de intensidade e freqüências, de acordo com a história do
sujeito. Brandão (2001 - comunicação pessoal) diz ainda que sentimento é o que se
aprende culturalmente, é aquilo de que se tem possibilidade de falar a respeito, e só
aprendemos na relação com o outro. Skinner (1991), afirma que “palavras que designam
sentimentos não são ensinadas com tanto sucesso quanto as palavras que designam
objetos". Além disso, fala da dificuldade de distinguir sentimento de sua causa, porque as
duas coisas acontecem juntas, ou quase. Porém, os eventos responsáveis pelo que
fazemos e sentimos fica num passado distante. Segundo ele, é preciso entender, pela
análise do comportamento, os papéis dos ambientes passado e presente.
Mestre (comunicação pessoal, 2001) apresenta a idéia de que as emoções são
respondentes à estimulação ambiental associados a aproximação e/ou fuga/esquiva de
fatos, objetos ou situações, que ocorrem simultaneamente as contingências operantes e
que servem para descrevê-las. Sentimento é outra categoria de comportamento encober­
to. Implica em uma associação entre as emoções, primárias: medo, amor e raiva, que
acompanham as contingências operantes e os pensamentos (regras) culturais que se
têm acerca de tais emoções e ações. Assim os sentimentos se “vestem" de valores que
se atribui às emoções. As emoções são despidas de tais valores, a pessoa as sente e
pronto. Os sentimentos vêm carregados daquilo que o grupo cultural selecionou como
"verdades". Assim, para nossa cultura, medo e raiva são emoções (sentimentos) ‘negati­
vos’ e o amor um sentimento ‘positivo’. No entanto, os três podem ser funcionais ou
disfuncionais para aquele que os sente, de acordo com qual situação, fato, objeto ou
pessoa esteja associado. (Mestre, comunicação pessoal, 2001).
Kerbauy (2000) diz que, dentro do Behaviorismo Radical, Skinner descreveu
detalhadamente alguns pressupostos no estudo das emoções, entre eles:

a) o que se sente é tão importante quanto o que se faz; sentimento ó um tipo de ação
sensorial;
b) as palavras que designam os sentimentos são mais difíceis de ensinar do que a
nomeação de objetos;
c) temos sentimentos porque alguma coisa ocorreu;
d) sentimos quando estamos nos comportando ou até antes, por isso, sentimentos
são confundidos com causas;
e) é relevante o papel do ambiente passado e presente;
f) só se muda a emoção, mudando o que se faz.

Vale ressaltar que na prática clínica, os clientes procuram terapia porque seus
sentimentos lhes causam sofrimento, muitos vêm com a "certeza" de que os encobertos
são a causa de seus problemas, assim, segundo Delitti (1993), uma das funções do
terapeuta ó possibilitar que o cliente perceba que seus encobertos são apenas um elo da
contingência que está relacionada com outros eventos internos e externos.
Meyer (2001) lembra que em Sobre o Behaviorismo Skinner descreve vários sen­
timentos que ocorrem de forma associada aos processos comportamentais. Veja alguns
exemplos:
Tabela 1: Exemplos de sentimentos, suas prováveis contingências e conseqüências.

Sontlmonto Contingência Conseqüência

Fó Ato ó q uase sem pre Reforçado Certoza do que seró bem -sucecidada
Confiança
Poder/Domlnlo

Perda do confiança Ato não é reforçado (extinção) Desencorajam ento


Perda de certeza
Perda do poder
D e p re ssã o
F ru atração Falta de reforço Tendência a atacar o sistem a
Saudade Falta de reforço Falta de uma ocaslâo aoroDriada
Am bição Ato ó força Intermitente Fortalecimento da resposta
Persistência
Entusiasm o
C om p u lsão
AbuliH (apatia) Intervalo longo entre Reforços Falta de vontade ou incapacidade para agir
Inibição/Embaraço C o n s e q ü ê n c ia s as ve/es Dim inuição na freqüência do
Timidez reforçadoras, a s vezes punitivas Comportamento
M edo
Cm/fofa
C iúm e Am eaça de perda de relação
Invojn Am eaça de perda Raiva dirigida a o parceiro
Raiva Am eaça à sobrevivência Inferioridade, ressentimento, desaprovação
Irritação Ato é punido M anifestações a gre ssiva s
Criticas, insultos, atribuições de culpa, perda
Vergonha Punição por iguais de reforçador social
Pecad o Punição por instituição religiosa
Culpa Punição pelo governo

Fonte: Bussab, 2000; Kerbauy, 2000; Leite, 2000; Meyer, 2001.

Meyer (2001) reafirma que os sentimentos fazem parte da condição humana,


reconhecê-los e aceitá-los faz parte do autoconhecimento. Muitos clientes acreditam que
se expressarem sentimentos destrutivos, agirão destrutivamente. O terapeuta deve mostrar-
lhes que é possível agir de maneira distinta ao sentimento; deve também mostrar a ele que
as emoções não são imutáveis, que quando o contexto em que elas ocorrem muda, elas
também deixam de ser as mesmas.

Trabalho com encobertos


"Vivenciar ou fugir destes encobertos é um sonho ou um pesadelo da humanida­
de, dependendo do sentimento e do ponto de vista. Porém, evitá-los é impossível até o
momento, para o ser humano. Isso acontece pela funcionalidade desses comportamentos
para a evolução filogenética e cultural da nossa espécie. É difícil aceitar essa condição
humana" (Brandão, 2000, p. 225). Assim, ó função do terapeuta fazer com que o cliente se
sinta forte na sua condição de ser humano: sentir, pensar, agir e saber que todas estas
instâncias comportamentais são imprescindíveis. Para isto, é necessário que, como
terapeuta, ele observe indícios de que seu cliente possa estar evitando sentir e/ou expor
seu sentimentos. Quando isso ocorre ele pode retornar aos estímulos dos quais seu
cliente parece estar se esquivando, ou encorajá-lo a expressar seus afetos e as lembran­
ças difíceis.
Quando se aumenta a tolerância emocional, o cliente fica mais forte (limiar de
sofrimento aumenta), mais corajoso (aumenta probabilidade de ocorrência do
comportamento de enfrentamento), mais rico (vivência muitas situações que antes evitava
e aprende novos repertórios) e mais sábio (aprende a discriminar as contingências que
afetam seu comportamento).

Referências
Banaco, R. A. (1999). O acesso a eventos encobertos na prática clínica: um fim ou um meio?
Revista Brasileira do Terapia Comportamental e Cognitiva, 1(2), 135-142. Campinas: Átomo.

Brandão, M. Z S. (2000). Os sentimentos na interação terapeuta-cliente como recurso para a


análise clínica. In R. R. Kerbauy (Org.), Sobre Comportamento e Cognição, Vol. 5, cap. 26 (pp.
222-228). Santo Andró: ESETec Editores Associados.

Bussab, V. S. R. (2000). Agressividade: a perspectiva etológica. In R. R. Kerbauy (Org ), Sobre


Comportamento e Cognição, Vol. 5, cap. 24 (pp. 201-210). Santo Andró: ESEToc Editores Asso­
ciados.

Delitti, M (1993). O uso de encobertos na terapia comportamental. Temas de Psicologia, 2, 41-


46. Sociedade Brasileira de Psicologia.

Kerbauy, R. R. (2000). Autocontrole: acertos e desacertos na pesquisa o aplicação. In R. R.


Korbauy (Org ), Sobre Comportamento o Cognição, Vol. 5, cap. 23 (pp. 192-200). Santo Andró:
ESETec Editores Associados.

Leite, S. M. C. S. (2000). Ciúme e inveja: a visão comportamental. In R. C. Wielenska (Org.),


Sobro Comportamento e Cognição, Vol. 6, cap. 9 (pp 74-77). Santo Andró: ESETec Editores
Associados.

Meyer, S. B. (1992). Sonhos, sentimentos e intuições. Palestra proferida na 1* Jornada Clínica


Comportamental. Instituto de Psicologia da USP-SP.

Meyer, S. B. (2001). Sentimentos e emoções no processo clínico. In M. Dolitti (Org ), Sobre Com­
portamento e Cognição, Vol. 2, cap. 21 (pp. 183-189). Santo Andró: ESETec Editores Associados.

Regra, J. (2001). Fantasia; Instrumento de disgnóstico e tratamento. In M. Dolitti (Org.), Sobre


Comportamento e Cognição, Vol. 2, cap. 10 (pp. 103-110). Santo André: ESEToc Editores Asso­
ciados.

Skinner, B. F. (1978). Ciôncia e Comportamento Humano (3rd ed.). São Paulo: Edart.

Skinner, B. F. (1991). Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus.


Capítulo 17
O papel do estudo de caso no hiato
teoria/prática

Ana Lúcia Alcântara de Oliveira Ulian


L/niversidade Federa!da Hahia
Fdwiges Ferreira de Mattos Silvares
Universidade de São Paulo

A constatação de que a metodologia experimental tradicional é, possivelmente,


uma das principais causas da separação entre clínica e pesquisa levou os interessados
nesta questão a voltarem sua atenção, como será feito aqui, para novos métodos que
enfatizam especialmente o caráter ideográfico das questões clínicas.
Embora a ciôncia psicológica tenha nascido num clima de orientação ideográfica,
com predomínio dos estudos de caso em Psicofísica, Psicologia Experimental e Psicologia
da Aprendizagem, seu desenvolvimento posterior reverteu tal orientação para a nomotética.
(Kazdin, 1982; Néri, 1987).
A orientação dominante - a nomctética - aplicada às questões clínicas tinha por
referência os métodos das ciôncias biológicas (muito distintas das psicológicas) e delas
trazia o delineamento de grupos comparativos com medidas de significância estatística
que falavam de um indivíduo médio que não existia e assim afastava os clínicos da pesquisa
na área.
Os psicólogos clínicos, segundo Hayes (1986), entretanto, têm como meta
primordial o entendimento do individual; daí terem uma necessidade ímpar de estudos que
envolvam análises de casos individuais.
As autoras concordam com Hayes (1986) sobre o que afirma acima e também
quando diz que apesar da ciôncia clínica necessitar de muitas análises individuais terminou
com poucas análises de grupos, tudo em nome da validade externa (generalidade). Esta
atitude por parte especialmente dos pesquisadores-clínicos, ainda segundo Hayes (1986),
tem: “a) ajudado a separação entre a prática e a pesquisa clinica; b) impedido o
clinico de contribuir com conhecimento básico e legitimo no seu campo e c)
produzido pesquisa que não ó aplicável de forma máxima à situação clinica”.
(Hayes, 1986, p.181).
O objetivo deste texto é demonstrar uma forma de proceder dentro de uma orien­
tação ideográfica de maneira a obter um saber clínico válido, com base em análises indi­
viduais e que ao mesmo tempo rompa com as ameaças á validade interna e externa. Em
outras palavras, o objetivo é mostrar, como o próprio título do trabalho indica, o papel do
estudo de caso no hiato teoria/prática.
A atitude das autoras insere-se no movimento que fez sobreviver um tipo de pes­
quisa de orientação ideográfica em contrapartida à metodologia tradicional, de orientação
nomotética; movimento esse que julgou ser necessário um retorno ao individual. Diverge,
entretanto, um pouco desse movimento, como se verá mais adiante, especialmente por­
que darão grande valor ao tipo de estudo de caso denominado A-B, como uma forma de
produzir conhecimento em Psicologia Clínica.
A valorização da pesquisa de orientação ideográfica, não nasceu com Skinner,
mas por certo, herdou dele a ônfase no delineamento sujeito único e na valorização do
estudo de caso. De fato, Skinner (1953/1989) teve forte influência na introdução e
justificativa da tese de que o estudo de caso ó de extrema importância para o
desenvolvimento do estudo do comportamento. Diz ele:

"A suposição de que há no comportamento a ordem do dado cientifico se defronta


algum as vezes com outra objeção. A ciôncia se ocupa do geral, mas o
comportamento do indivíduo é necessariamente único. A "história de caso" tem
riquezas e características que estão em nítido contrasto com os princípios gerais”.
(Skinner, 1953/1989, p. 30).

A pesquisa derivada da Análise Experimental do Comportamento ficou conhecida


como Análise Aplicada do Comportamento e tem entre seus objetivos o de determinar
se intervenções baseadas na aplicação dos princípios básicos do comportamento são
efetivas. Diferentemente da pesquisa básica, que tem o objetivo de determinar os
princípios do comportamento e identificar as variáveis que influenciam as ações dos
seres vivos, a Análise Aplicada do Comportamento teria, segundo Baer, Wolf e Risley
(1968) sete dimensões características, a saber:
1. Aplicada: quando se realiza tendo em vista o interesse que a sociedade mostra pelo
tema em questão ao invés de interesses puramente teóricos:
2. Comportamental: quando fornece medidas explícitas dos dados comportamentais
em questão:
3. Analítica: quando demonstra de modo convincente que eventos são responsáveis
pela ocorrência de um dado comportamento:
4. Conceituai: quando mostra como seus procedimentos são derivados de princípios
básicos da Análise Experimental do Comportamento:
5. Tecnológica: quando especifica todos os procedimentos de maneira a tornar possível
sua reprodução;
6. Efetiva: quando produz efeitos práticos e intensos;
7. Generalizável: quando demonstra resultados para outros comportamentos, outros lu­
gares e se mantém no tempo.

1. Delineamentos de caso único


Com o desenvolvimento da Análise Aplicada do Comportamento, os delinea­
mentos de caso único, sem sombras de dúvidas, foram ganhando cada vez terreno
maior na Psicologia Clínica por terem evidenciado que o entendimento do individual se
encontra entre um dos pontos que mais a caracteriza. Entretanto, o mais poderoso
deles em termos de controle, o delineamento experimental de caso único (A-B-A), apre­
sentou dificuldades para seu uso na clínica. Também conhecido como sujeito como seu
próprio controle, toma uma linha de base do comportamento-problema apresentado,
aplica um procedimento (tratamento) e depois retira este tratamento voltando às condi­
ções da linha de base. O controle sobre a variável independente (VI) é justamente esta
reversão, isto é, a possibilidade de observação do comportamento (variável dependente
- VD) sem a interferência do procedimento numa situação igual a que existia antes da
aplicação do mesmo.
A princípio e teoricamente, esta possibilidade parecia ser uma vantagem deste
tipo de delineamento porque estaria mostrando a efetividade do procedimento (foi deveras
o procedimento a causa da mudança no comportamento, isto é, o procedimento produziu
um efeito real). Mas esta possibilidade é justamente também a sua desvantagem. Como
fazer reversão no ambiente natural? Considerações éticas importantes vêm à tona. Como
retirar um procedimento (um tratamento que foi aplicado num cliente) para garantir que foi
ele o responsável por uma melhora observada? E mesmo que este impedimento ético
fosse superável, a própria natureza do processo que envolve mudança (aprendizagem)
parece ser irreversível.
Dessa forma outros delineamentos (variações do tipo A-B-A) tentando preservar
certo controle sobre a VI e para garantir controle sobre a VD, foram desenvolvidos. São
diversos os tipos de delineamentos que se encaixam nessa categoria. O mais popular deles
é o tipo A-B, considerado por Campbell e Stanley (1966) como quase-experimental e o mais
factível para a pesquisa clínica, pois não faz reversão, assim como os demais chamados,
Linha de base múltipla, Critério móvel e Alternados (Poling, Method & Lesage, 1995).
É válida a preocupação básica subjacente a estes procedimentos acerca da
efetividade do tratamento. De fato é imprescindível verificar se um procedimento, um
tratamento, produz efeito. Mas a realidade é que a aplicação da maioria desses métodos,
desses tipos de pesquisa, no cotidiano da prática clínica vai além das possibilidades
reais do terapeuta que acaba, quando muito, utilizando o mais pobre deles, o delineamento
tipo B ou estudo de caso tradicional, sem nenhum tipo de controle.
As exigências do delineamento experimental de caso único e seus derivados
(exceto o Tipo A-B), adotados pelos pesquisadores de terapia, dificultam sua adoção
pelos clínicos, embora apresentem um caráter ideográfico necessário à atividade que
eles desenvolvem.
Fruto dessas dificuldades, o velho estudo de caso tradicional, com possibili­
dades atuais de preocupações com controles (efetividade e eficácia), que não existi­
am antes do desenvolvimento da metodologia tradicional, tôm recebido cada vez maior
atenção.
São raras as ocasiões em que, por circunstâncias naturais, há possibilidade de
exercer o tipo de controle necessário num delineamento de reversão ou num delineamento
de linha de base múltipla, na clinica. Nesse sentido, não é de se admirar que haja poucos
estudos brasileiros exemplificando essa coincidência. Em levantamento não exaustivo
sobre o assunto foram encontrados dois: um de Guilhardi (1987) sobre treino de habilida­
des sociais no cliente, primeiramente no trabalho e depois em casa e outro de Regra
(2000) sobre controle de agressividade.
No estudo de Guilhardi (1987) a intervenção volta-se inicialmente para a aquisição
de habilidades na situação de trabalho (relacionamento com o chefe) e depois, a pedido
do cliente, para o contexto do lar (relacionamento com o cônjuge). O desempenho assertivo
do cliente adquirido no trabalho não foi generalizado para a situação de casa (o repertório
assertivo com o chefe deveria mesmo ser diferente do adequado com o cônjuge). Assim,
foi possível introduzir um treinamento assertivo específico para o relacionamento com o
cônjuge, o que fez com que o desempenho assertivo melhorasse também em casa, ob­
tendo-se naturalmente, um delineamento de linha de base múltipla, com o mesmo cliente,
a mesma classe de resposta, em situações diferentes. Para alegria do clínico e para o
desenvolvimento do conhecimento cientifico as medidas demonstraram o controle exerci­
do pelo tratamento desenvolvido.
No estudo de Regra (2000) a remoção da cliente da instituição em que recebia a
intervenção possibilitou o indesejável retorno da mesma às condições de linha de base,
isto é, a criança foi transferida para outra instituição, que segundo a mãe, manteria o
mesmo estilo de atendimento a custo menor, mas em contato posterior, a terapeuta sou­
be que os comportamentos agressivos da cliente tinham aumentado de freqüência, obten­
do-se assim, casual e naturalmente, um delineamento tipo A-B-A. Nesse caso apenas a
ciência lucrou com a demonstração da efetividade do procedimento.
Não é de surpreender o pequeno número de trabalhos nos quais o clínico casual­
mente implementa o controle que lhe permite relacionar sua ação com as mudanças
comportamentais do cliente á medida que se processa o tratamento, pois ó quase impos­
sível na prática exercer tal controle. Além das dificuldades práticas de controle, questões
éticas estão envolvidas, pois quando um terapeuta ó solicitado a ajudar é porque as afli­
ções de quem o procura já estão no auge. Assim, na maioria dos casos, é muito difícil
construir uma linha de base antes da introdução de um tratamento, mas a despeito disso
parece existir um intenso interesse pelos estudos de caso tipo A-B em terapia. Demons­
tração deste fato pode ser observada por meio de uma revisão, promovida por Barrios &
O'Dell (1998) que aqui será apresentada sob a forma de uma tabela. Nesta serão incluídos
os tipos de delineamentos e as formas de tratamento relativos aos medos infantis, utiliza­
dos num período de mais de 70 anos.
Tabela I. Levantamento relativo aos tipos de tratamento comportamental e tipos
de delineamento de caso único utilizados para tratamento de medo infantil no período de
1920-1998. (Baseada em Barrios & O’Dell, 1998).

Tipos de tratamento

Manejo de contingências
Tipos de delineamento

Tratamento combinado
Dessensibilização

Porcentagem
Auto Manejo
Exposição

Modelação

Total
A-B 29 14 3 12 4 17 79 45%
Linha de base múltipla 4 4 3 2 1 10 24 14%
Tempo seriado 1 1 2 01.5%
Reversão 2 2 00.6%
Tratamentos Alternados 1 1 38%
Experimental com controle de grupo 9 3 27 2 13 12 66
Total 43 21 33 19 18 40 174
Porcentagem 25% 12% 19% 11% 10% 23%

Uma análise, ainda que superficial, da Tabela I, põe em evidência concreta o que
foi afirmado anteriormente. Em 174 estudos sobre tratamentos comportamentais do medo,
encontrados no periodo de 1920 a 1998, há o predomínio do delineamento tipo sujeito
único (pelo menos 100 estudos utilizam essa metodologia). Dentre esses delineamento o
do tipo A-B é o preferido (45% ou 79 estudos optam por essa forma de estratégia de
controle em seu trabalho). Dessa forma, vemos a importância de discutir os ganhos com
a continuidade dos estudos de caso tipo A-B.
Antes de prosseguir na presente reflexão, cabe um aparte de esclarecimento. As
considerações feitas sobre a Tabela I e a seguir sobre outros tipos de estudos de caso,
puderam ser desenvolvidas sobre os “ombros largos" da metodologia tradicional e do
delineamento experimental de caso único, num processo dinâmico de construção de
conhecimento que caracteriza a ciência.

1. Outros tipos de estudos de caso: fragílídades e soluções


Segundo Silvares e Banaco (2000, p.33) “ainda não há consenso sobre como
proceder no estudo de caso, mas em geral ele se constitui no relato fiel e

220 A na f úcm Afcánfard deOlivrir.ti/lutnrf ifwiflcs f crrrír.i tic Sifv.irrs


sistemático do que foi feito com o cliente durante o processo terapôutico”. Tal
registro pode ser feito com gravador ou vídeo-cassete (com o consentimento do cliente) ou
mesmo de forma mnemónica (mais precária, mas mais viável e realística).
Este tipo de estudo de caso é chamado por Backer, Pistrang e Elliott (1994) de
estudo de caso narrativo. Estes mesmos autores ainda classificam os estudos de caso
em estudo de caso sistemático (que reúne, organiza e encontra regularidade em dados
similares de várias experiências clínicas) e estudo de caso de passagem de tempo (que
descreve o efeito de um processo terapêutico sobre um problema psicológico, por exemplo,
depressão, fobia, ansiedade etc.) que são modelos que apresentam preocupação em
demonstrar a eficácia e a efetividade dos tratamentos usados.
Mas como tornar isto possível? Como medir a eficácia e a efetividade nos estudos
de caso? Se eles têm a vantagem de estar no ambiente natural e preservando os aspectos
éticos, têm a desvantagem da falta de controle sobre a VI que está sendo utilizada, que é
o tratamento. Como saber se foi ele e não outras variáveis que influenciaram a alteração
do comportamento? (medida da validade interna). Como saber se aquele procedimento
tem poder de generalização, para outros comportamentos, outros ambientes e ao longo
do tempo? (medida da validade externa). Como saber se não foi o viés técnico do terapeuta,
suas características pessoais, suas expectativas, suas "dicas" inadvertidas que
influenciaram as mudanças? (medida da validade de construto).
As variáveis que poderiam ameaçar a validade interna em um estudo de caso,
segundo Kazdin (1982), são as seguintes:
a) História: A variável história refere-se a qualquer evento (diferente da intervenção) que
ocorra ao mesmo tempo em que ela e que possa influenciar os resultados ou possam
justificar o padrão de dados que de outro modo seriam atribuídos á intervenção. Eventos
históricos podem incluir: crise em família, mudança de emprego, de professor ou de
companheiro, perda de poder ou qualquer outro evento.
b) Maturação: Refere-se a toda mudança ao longo do tempo em que a intervenção se
processa e que possa resultar de processos internos do sujeito. Tais processos
podem incluir o envelhecer, o fortalecer, o tornar-se mais sadio, mais esperto ou
mais entediado ou cansado;
c) Teste: Diz respeito a qualquer mudança que possa ser atribuída aos efeitos da
avaliação repetida. O testar em si constitui uma experiência que dependendo da
medida pode levar a mudanças sistemáticas em desempenho;
d) Instrumentação: Qualquer mudança que ocorra no instrumento de medida ou no
procedimento de avaliação ao longo do tempo. Tais mudanças podem resultar do
uso de observadores humanos cujos julgamentos acerca do cliente ou critério
para computar um comportamento podem mudar ao longo do tempo;
e) Regressão estatística: Qualquer mudança de uma ocasião de avaliação para outra
que possa ser devida à reversão dos escores em direção à média. Se os clientes
obtêm escores muito elevados em uma ocasião, seus escores podem mudar em
direção à média numa segunda testagem.
Com o objetivo de avaliar a influência dessas ameaças á validade interna num
estudo de caso, Kazdin (1982) apresenta uma tabela decisória na qual classifica os estu-
dos de caso em tipos I, II ou III, de acordo com as possibilidades que apresentam de
eliminação destas cinco ameaças. As perguntas que o clinico deve fazer ao examinar os
dados que foram produzidos com sua prática são as seguintes:
a. Os dados são objetivos?
b. Houve avaliação continua dos comportamentos, isto é, tem medidas repetidas?
c. É possível observar estabilidade do problema apresentado?
d. Os efeitos da intervenção são imediatos e acentuados?
e. Há pelo menos mais de um caso tratado da mesma forma?
Tabela II. Tipos de casos hipotéticos e ameaças à validade interna por eles afas­
tadas em função de suas características (Kazdin, 1998).

Objeto de análise Tipos de caso


Tipo I Tipo II Tipo III

Características do caso
Dados objetivos + + +

Avaliação continua + +

Estabilidade do problema - +

Efeitos imediatos e acentuados + -

Múltiplos casos - +

Principais ameaças á validade interna eliminadas


História ? +

Maturação ? +

Teste + +

Instrumentação + +

Regressão estatísca + +

Nota:
+ indica que a ameaça á validade interna provavelmente está controlada.
- indica que a ameaça á validade interna provavelmente não está controlada.
? indica que a ameaça á validade interna pode permanecer sem controle.
Se apenas uma dessas questões for respondida positivamente o estudo de caso é
classificado como tipo I, se pelo menos três questões forem respondidas positivamente,
como tipo II e se mais de três forem assim respondidas, é do tipo III (Tabela II). Obviamente
os estudos de caso do tipo III são mais confiáveis do que os de tipo II e estes mais confiáveis
que os de tipo I. Isto porque, como a própria tabela busca demonstrar, o número das ameaças
que são possíveis de afastar está na dependência de quais perguntas antes o clínico pode
responder. Assim, se o clínico tem dados objetivos e medidas repetidas do comportamento,
mas não sabe nada acerca da estabilidade do problema ainda que tenha dados de mudança
comportamental acentuados não consegue afastar as ameaças de história e maturação.
Se, entretanto, ele tem dados de estabilidade do problema e múltiplos casos, além dos dois
primeiros cuidados, ele pode afastar essas duas ameaças mesmo que os efeitos de seu
trabalho não sejam tão rápidos e acentuados como se desejaria.

1. Exemplos de estudos de caso tipo A-B


Dois exemplos de estudos de caso com crianças enuréticas realizados no projeto
Enurese que se encontra em desenvolvimento na clínica-escola do IPUSP podem ser
lembrados como forma de ilustrar a continuidade de estudos de caso tipo A-B e o grau de
confiabilidade que eles podem trazer. O primeiro deles, levado a efeito com duas crianças
de aproximadamente oito anos, foi relatado por Prota-Silva e Silvares (2001) e o segundo
realizado com dois adolescentes de aproximadamente 14 anos foi descrito por Costa e
Silvares (2001). Em ambos os trabalhos, do ponto de vista clínico, os terapeutas foram
bem sucedidos na obtenção do controle da enurese de seus clientes através do tratamento
conjugado da terapia comportamental com a família e a criança/adolescente tendo por
adjunto terapêutico o aparelho de alarme de urina. Tanto as crianças quanto os adolescentes
deixaram de ser enuróticos. Do ponto de vista metodológico, os dados objetivos coletados
diariamente demonstraram a estabilidade do problema, pois as molhadas na cama dos
clientes eram altamente freqüentes antes da introdução do tratamento. Ao introduzir o
mesmo, o comportamento declinou sistematicamente até chegar a zero e aí permaneceu
por mais de oito semanas consecutivas. Por meio de medidas repetidas do comportamen­
to, pode-se demonstrar o impacto do tratamento e afastar as ameaças à validade interna
que impossibilitariam associar a VI à VD.
Nesses dois trabalhos, os psicólogos clínicos puderam responder positivamente
a mais de três das questões da Tabela II. Os dois estudos poderiam, portanto, ser
considerados do tipo III, o que lhes confere grande confiabilidade nas conclusões acerca
da efetividade do tratamento. No primeiro deles, entretanto, a inclusão do segundo cliente
no projeto se deu quando ainda se coletavam dados do primeiro cliente o que permitiu que
o trabalho fosse levado a efeito com um delineamento de linha de base múltipla entre
sujeitos com atraso (denominação dada por Cooper, Heron & Heward, 1987). Daí poder ter
mais confiança ao afirmar que no primeiro trabalho a relação entre o tratamento e o resultado
foi mais concretamente efetivada do que no último.
Para avaliar a influência das ameaças à validade externa de um estudo de caso, o
clínico deve ter medidas de seguimento, isto é, deve entrar em contato com o cliente
periodicamente após a alta, para observar se houve generalização com o tempo (o que foi
feito em ambos os casos). Deve também observar se os comportamentos adquiridos e/ou
modificados se adequam aos vários ambientes do cliente e se o seu repertório aumentou
em função do tratamento. Deve ainda aplicar inventários de satisfação do cliente, pois
esta é uma importante medida da efetividade.
Toda esta variedade de possibilidades de estudos de caso tem o objetivo de
identificar métodos de pesquisa que sejam úteis ao clínico e que possam ser efetivamente
uma ponte entre ele e o pesquisador, restaurando o hiato que a metodologia tradicional
criou, ainda que, certamente, tenha sido de forma inadvertida.
O estudo de caso com os cuidados aqui apresentados pode dar condição ao
clinico de contribuir efetivamente para o acúmulo de conhecimentos a respeito do compor­
tamento humano, colocando-o à altura de discutir com os pesquisadores até então muito
críticos e céticos quanto ao procedimento de estudo de caso por estarem provavelmente
presos a um paradigma que não estava respondendo às questões do cotidiano.
Barlow e Hersen (1984) apresentam, logo depois do prefácio de seu livro, um
epigrama com um diálogo entre Tolman e Allport que pode caber como um epílogo para
este texto:
Tolman: “Eu sei que eu deveria ser mais ideográfico em minhas pesquisas, mas
eu não sei como ser".
Allport: "Vamos aprender!".

Referências

Baer, D. M., Wolf, M M., & Risley, J. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior
analysis. Journal of Appliod Behavior Analysis, 1, 91-97.
Barker, C., Pistrang, N., & Elliott, R. (1994). Research methods in clinical and counseling
psychology Chichester, England: John Wiley & Sons.
Barlow, D H., & Hersen, M. (1984). Single case experimental designs; strategies for studying
behavior change (2nd ed.). New York: Pergamon Press.
Barrios, B. A., & O’Dell, S. L. (1998). Fears and anxieties. In E. J. Masch & R. A Barkley (Eds.),
Treatment of childhood Disorders (2nd ed., pp. 249-337). New York: Guilford Press.
Campbell, D. T., & Stanley, J. C. (1973). Experimental and quasi-experimental designs for
research (10th ed ). Chicago: Rand McNally College Publishing Company.
Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (1987). Applied Behavior Analysis. Upper Saddle
River: Prentice Hall.
Costa, N. J. D., & Silvares, E. F. M (2001). Intervenção comportamontal de enurese na adoles­
cência: relato de caso clinico. (Trabalho enviado para publicação.)
Guilhardi, H. J. (1987). O método cientifico e a prática clinica. In H. W. Lettner & B. P. Rangé
(Orgs.), Manual de psicoterapia comportamental (pp. 51-73). São Paulo: Manole.
Hayes, S. C. (1986). The rolo of the individual case in the consumption of clinical knowledge. In
M. Hersen, A. E. Kazdin & A S. Bellack (Eds.), The clinical Psychology Handbook (2nd ed., pp.
181-195). New York; Pergamon Press.
Kazdin, A. E. (1982). Single-case Research designs: Methods for Clinical and Applied Settings.
Cambridge: Oxford University Press.
Neri, A. L. (1987). Estudos de caso: um enfoque metodológico. In A. L. Neri (Org.), Modificação
do comportamento infantil; Estudos de caso em Treino de toalete, Encoprese e Autismo (pp. 41-
65). Campinas: Papirus.

m A fw Lúcia Alcániara tie Oliveira U lian e (-tlwiRes Ferreira de Maltos Silvares


Poling, A., Methot, L. L., & Losago, M. G. (1995). Fundamentals of behavior analytic research.
Now York and London: Plenum Press.

Prota da Silva, R., & Silvares, E. F. M. (2001). Ampliação do atendimento psicológico numa
clínica escola de São Paulo - projeto enurese noturna. IX SICUSP e V Congresso interno do
IPUSP. Resumos, p. 52.

Regra, J. (2000). A agressividade Infantil. In E. F. M. Silvares (Org.), Estudos de caso em psico­


logia clínica comportamental infantil, Vol. 2 (pp 157-194). Campinas: Papirus.
Silvares, E. F. M., & Banaco, R. A. (2000). O estudo do caso clinico comportamental. In E. F. M.
Silvares (Org.), Estudos de caso em psicologia clinica comportamental infantil, Vol.1 (pp. 31-48).
Campinas: Papirus.

Skinner, B. F. (1989) Ciência e Comportamento Humano (Trads. J. C. Todorov & R. Azzi.). São
Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado om 1953.)
Capítulo 18
O controle aversivo no contexto
terapêutico: implicações éticas

Wandcr C. Ai. P. da Silva


L/C H
Instituto Hrasilicnsc t/c Análise t/o C'omporfamento - WA C'

Nunca se falou tanto em ética quanto nesses últimos anos. Porém, verificamos
uma certa banalização do significado deste conceito, chegando-se ao cúmulo de denominar
de "código de ética" até as normatizações de conduta de organizações criminosas. Além
disso, há muita confusão no que diz respeito ao uso do termo "ética", que é freqüentemente,
usado como se referindo a deontologia ou moral.
Embora não seja o interesse desse artigo fazer um aprofundamento hermenêutico
dos termos ética e moral, consideramos importante uma definição destes termos, pois
como afirma Gouvêa (2002) “A distinção [entre moral e ética] é muito benéfica para a
reflexão teórica sobre questões éticas" (p. 12).
Se considerássemos apenas a etimologia das palavras, encontraríamos que o
termo Ética deriva de Êthos (hábito ou costume) e/ou Êthos (lugar ou pátria onde
habitualmente se vive e o caráter habitual, maneira de ser e pensar, da pessoa). Já o termo
Moral viria de Mos ou Mores, ou seja, hábito ou costume. Assim sendo, desse ponto de
vista, a confusão entre os termos seria facilmente justificada.
Do ponto de vista da história do pensamento filosófico, embora possamos encontrar
diversas definições de ética e moral variando de acordo com os diferentes autores e escolas,
uma distinção bastante aceita e difundida é a de que Moral se refere à prática concreta
dos homens em conformidade com os valores, hábitos e costumes de uma dada sociedade.
E a Ética se refere á reflexão científica, filosófica e às vezes teológica sobre essas práticas
e suas especificidades (Marchionni, 1999; Gouvêa, 2002). Esta distinção está longe de
ser consensual. Para alguns filósofos moral e ética seriam aspectos de uma só coisa. A
ética seria a teoria da moral, e a moral a realização prática da ética.
Para os autores que defendem a ética como uma reflexão crítica sobre a ação
humana, a sociedade ocidental construiu modelos de pensamento critico com o intuito de
elaborar parâmetros para essa reflexão. Os modelos filosóficos básicos fundantes da
reflexão ética no ocidente seriam: o realismo, o empirismo, o cepticismo, o
transcendentalismo e a dialética (Oliveira, 1995). A despeito das diferentes concepções
de ética desses modelos, como, por exemplo, a divergência entre a impossibilidade de
uma ótica universal defendida pelos empiristas e cepticistas em contraposição ao
universalismo contido no transcendentalismo, percebemos em todos eles algo em comum:
a noção de livre-arbítrio e a metafísica.
Mesmo se tomarmos como parâmetros a tradição consequencialista/teleológica do
aristotelismo, tanto quanto a deontológica do kantismo, que são duas posturas filosóficas
tradicionais e basilares diante da ética e da moral, ainda assim a reflexão se sustenta sobre a
noção de livre-arbítrio e metafísica. Na herança aristotélica a ética seria a realização do viver
bem, da vida boa (o eudemonismo), já na herança kantiana a moral é definida pelo caráter da
obrigação da norma determinada pela pura “vontade moral”. A “existência" de uma razão ou
logos como um agente metafísico a priori e o eu iniciador e realizador da ética, são vistos
como fundamentais para a discussão da ética nessas tradições.
O behaviorismo, como afirma Skinner (1974), é a filosofia da ciência do comporta­
mento. Apesar disso, não chama para si a responsabilidade de ser um modelo de reflexão
sobre a ética. Mas será que podemos entender a ética do ponto de vista comportamental?

Ética: uma visão comportamental


Inicialmente, podemos considerar que uma perspectiva comportamental para a
ética rejeita justamente o livre-arbítrio e a metafísica que tem sustentado as reflexões
tradicionais sobre a ética ou moral. Skinner (1974) considera que mesmo aquelas pessoas
que estão seriamente imbuídas de preocupações humanas e sociais se equivocam ao
apoiarem suas análises em noções mentalistas.
Uma das conseqüências mais trágicas do mentalismo é a dramaticamente ilustrada
por aqueles que estão seriamente preocupados com a angustiante situação do mundo atual
e que não vêem nenhum remédio a não ser uma volta à moralidade, à ética ou a um senso
de decência, entendidos como propriedades pessoais (Skinner, 1974, p. 168).
Na análise comportamental a distinção entre ética e moral diz respeito às diferentes
contingências ambientais que, em última instância, controlam tanto o comportamento
moral quanto ético. Segundo Skinner (1974) a noção de que temos um sentido moral ou
ético que determina nossa ação é falaciosa. Na verdade, diz ele, ao perguntarmos se uma
pessoa é moral porque age moralmente, ou age moralmente porque é moral, estamos
caindo em uma armadilha. Para a ciência do comportamento a única resposta possível
para essa pergunta seria: "nenhuma coisa nem outra. Ela age moralmente e a consideramos
moral porque ela vive num tipo particular de ambiente" (Skinner, 1974, p. 167). Dessa
forma, Skinner assume que as considerações válidas sobre a ética e a moral são aquelas
que dizem respeito às "causas" ambientais do comportamento, não havendo necessidade
de diferenciarmos a ética da moral.
O que ele quer enfatizar é que um senso moral e ético não pode ter evoluído pura
e simplesmente como condição imanente de nossa humanidade. E que, mesmo que
considerássemos que ele existisse, deveria ser tratado como produto, em última instân­
cia, das contingências ambientais. Esta posição é ilustrada no seguinte trecho:
O homem tem sido considerado superior aos outros animais porque desenvolveu
um senso moral e ético (...) Mas o que evoluiu foi um ambiente social no qual os indivíduos
se comportam de maneiras determinadas em parte por seus efeitos sobre os outros.
Diferentes pessoas apresentam quantidades e tipos diferentes de comportamento ótico e
moral, dependendo do quanto estiveram expostas a tais contingências (Skinner, 1974,
pág, 167).
Para Skinner (1974) a ciência do comportamento deveria considerar a ética e a
moral como comportamentos e não como coisas em si mesmas, não havendo distinção
justificável entre ambos. O comportamento moral ou ótico é resultante das contingências
de reforçamento e punição presente na história de vida de um indivíduo e não de um logos
natural ou metafísico, nem do desejo pessoal ou social.
Mas, mesmo rejeitando a idéia de que a ética e/ou a moral seriam como entidade
metafísica que ora está no sujeito ora na sociedade ou na natureza, e assim concordando
com a posição skinneriana, nós consideramos que uma distinção no uso dos termos ética
e moral pudesse ser útil.
Não seria errado chamar um comportamento de ético ou não ético, por que no
final das contas o comportamento público será sempre passível de classificação moral, ou
seja, de um julgamento do tipo certo errado, bem ou mal. Mas seria mais apropriado
considerar a ética como a designação de um repertório de meta-comportamentos. Tal
repertório teria aspectos verbais, como a capacidade para descrever as relações de con­
tingências sob as quais ele se comporta, identificando reforçadores a longo prazo e esta­
belecendo um curso de ação efetivo sob controle de variáveis que beneficiasse não ape­
nas a si mesmo. Outra característica necessária presente seria o desenvolvimento de
autocontrole e da correspondência dizer-fazer.
É possível que um tipo de repertório assim só seja passível de ser construído
socialmente, nunca pelo indivíduo na sua solidão. Assim, um comportamento poderia ser
chamado de ótico quando o organismo que se comporta possui um repertório verbal com­
plexo para analisar as contingências presentes à luz de reforçadores a longo prazo, esca­
pando do controle por reforçadores imediatos e ó capaz de estabelecer arranjos ambientais
que possibilitem o autocontrole, além de um repertório de correspondência dizer-fazer
bem implementado e, finalmente uma sensibilidade à contingências cujos reforçadores
sejam a valorização da vida, o bem-estar do indivíduo e a manutenção da cultura.

O comportamento ético e o moral no contexto terapêutico


Quando nos referimos à regulamentação de uma atividade profissional costuma­
mos nos referir a um código de "ótica" (na verdade um código de condutas) elaborado por
aquela comunidade profissional e que determina o que deve e o não deve ser feito por seus
membros. Como afirma Krasner (1965), "A prática terapêutica está intrinsecamente ligada
a um contexto social e histórico e um sistema de valores éticos e morais (p. 627). Assim,
as formulações contidas no código de "ética", que servirão de regras para a relação tera­
pêutica, são determinadas, em última instância, pelos “valores" da sociedade mais ampla
na qual a categoria se insere.
Desse modo, as ações dentro do contexto terapêutico envolvem a referência ne­
cessária a conceitos como justiça, liberdade, natureza humana, bem-estar, o certo e o
errado, o bem e o mal, aceitos e perpassados por um dado contexto histórico e o sistema
de valores vigentes em uma cultura. Se considerarmos que passamos a maior parte de
nossas vidas interagindo com uma cultura que trata esses conceitos como coisas dentro
de um indivíduo, não seria difícil imaginar que, mesmo nós analistas do comportamento,
muitas vezes agimos como se estas coisas dependessem unicamente do individuo e
não com as contingências às quais ele está exposto.
Do nosso ponto de vista, o controle ético não se restringe ao código de "ética"
profissional, ele está intrinsecamente relacionado, mais amplamente, ao modo como a
cultura valora/conseqüência comportamentos como bons ou maus, certos e errados,
justos e injustos, e etc. Não há como escapar da noção de controle social mútuo, que
está na base da visão comportamental sobre a ética e a moral, pois esse controle recíproco
está presente tanto na relação de amigos quanto de inimigos, ela se estende dos pais
para a criança e da criança para os pais e existe entre psicoterapeuta e cliente, admitindo-
se ou não (Wetzel & Tharp, 1969).
Grande parte desse controle ó exercido através de contingências verbais (conselhos,
máximas, instruções, avisos, etc.), em que normalmente contingências aversivas são utili­
zadas como mecanismo de controle. “Órgãos ou instituições organizadas (...) e em menor
grau educadores e psicoterapeutas exercem um controle poderoso e muitas vezes nocivo"
(Skinner, 1974, p. 165). Portanto, não há como eliminar o controle, como defendem alguns,
para o terapeuta comportamental trata-se de eliminar o controle aversivo.
O contexto terapêutico, no entanto, produz situações paradoxais. O terapeuta se
depara com questões da vida de outras pessoas que talvez sejam muito diferentes dos
seus valores, regras de conduta e crenças religiosas, ou que não estejam resolvidas em
sua própria vida (p. ex: sexualidade, fidelidade, etc...). Um problema ético surge, segundo
Krasner (1976) na tomada de decisão sobre o comportamento desejável e quem decide.
Nós acrescentamos a isso a questão sobre a escolha do método ou das técnicas
empregadas no tratamento.
Quem decide o que é desejável para o cliente? Esta pergunta se desdobra em
várias outras, como por exemplo: o terapeuta tem o direito de modificar o comportamento
de uma pessoa da maneira que achar conveniente? Ou ainda, quem decide quais métodos
serão utilizados no tratamento? E por último, quais os parâmetros para a tomada de
decisão para uso de métodos de controle aversivo do comportamento?
Consideramos que essas questões são pertinentes a qualquer prática terapêutica
e dizem mais respeito às contingências programadas pela comunidade verbal específica
do que ao indivíduo e ao comportamento deste no contexto terapêutico. Primeiro porque
é responsabilidade da comunidade verbal criar condições de controle para o
comportamento ético. Segundo e principalmente, porque as conseqüências danosas do
comportamento não ético podem recair sobre toda a comunidade da área. É como afirma
Skinner (1974): se não podemos escolher um gênero de vida que no qual não haja controle.
Podemos, então, mudar as condições controladoras.
A atuação de um terapeuta comportamental é determinada pela sua história de
vida, sua preparação profissional e sua formação ética, indissociavelmente. Portanto, é
preciso ampliar a discussão sobre a ética para fornecer ao terapeuta comportamental um
repertório mais de acordo com os princípios defendidos por sua comunidade.
Sobre a questão da escolha do método ou das técnicas empregadas em um
determinado tratamento, uma premissa atual, muito influenciada pela posição de Skinner
(1953/2000), diz que em qualquer atuação de cunho behaviorista radical o controle aversivo
é indesejável como modo exclusivo de intervenção. As razões apontadas são os efeitos
conhecidos da punição.
A partir dessa premissa tem sido considerado pouco ético o uso de controle
aversivo na atuação do terapeuta comportamental, mas, como questiona Todorov (2001)
porque temos rejeitado a punição como técnica de modificação do comportamento, já que
ela é eficazmente utilizada, quase o tempo todo, na vida cotidiana?
É provável que argumentação clássica de "efeitos colaterais” da punição não seja
tão aceitável, pois, a depender da programação, uma contingência reforçadora pode produzir
“efeitos negativos", como a estereotipia do comportamento (Shwartz, 1980). Além disso,
uma contingência onde sempre somos reforçados a resposta tende a diminuir sua
freqüência. Ou ainda, ter sempre sucesso naquilo que nós fazemos pode nos deixar
negligentes com outras formas de se fazer as coisas.
A rejeição total às técnicas de controle aversivo, sob qualquer argumento, é algo
pouco factível. Muitas intervenções atuais, como por exemplo, Kholemberg & Cordova
(1984), recomondam abertamente o "bloqueio" de comportamentos clinicamente relevantes,
e ainda estimulam a evocação de "respostas emocionais" como forma de aceitação. Estas
são técnicas aversivas, como de resto várias outras o são e muitas vezes não nos damos
conta delas.

Controle aversivo: manejo ou manipulação de contingência?


Para Kanfer & Phillips (1974) o uso de procedimentos aversivos no contexto
terapêutico deveria ser precedido de análises cuidadosas das evidências de que (1) estas
serão eficazes na mudança do comportamento na direção desejada, não deixando nenhum
ou poucos efeitos prejudiciais físico/emocionais e (2) que nenhum procedimento alternativo
não-aversivo poderia ser mais eficaz.
Outras medidas necessárias para a segurança do cliente envolveriam o (1)
consentimento voluntário; (2) direito de retirar tal consentimento a qualquer momento; (3)
evidência explícita do processo; (4) representação legal para indivíduos que não são
responsáveis por suas decisões (crianças, psicóticos, alguns deficientes).
Mas será que existem garantias necessárias e suficientes para o uso terapêutico
do controle aversivo? Será que estamos manejando ou manipulando as contingências ao
nosso dispor? Essas respostas têm que ser construídas de modo coletivo pela comunidade
comportamental. Um bom começo é a consideração de que a terapia, independente da
técnica utilizada, é um tratamento que tem suas limitações, suas indicações e que, se
alguns critérios científicos, racionais e éticos não forem considerados, podem ocorrer
resultados prejudiciais ao cliente e, por tabela à comunidade profissional.
Também é importante considerar que o manejo de contingências no contexto
terapêutico deve ser feito com racionalidade, sensibilidade e critérios, evitando a
manipulação, que se justifica não por critérios profissionais, mas pelo simples exercício
do poder e do controle sobre a vida de alguém.
O uso ou não uso de controle aversivo no contexto terapêutico como única
forma de modificação do comportamento do cliente é determinado em última instância,
pelo controle social exercido pela comunidade comportamental. Assim, o desenvolvi­
mento de um repertório de comportamentos éticos de um terapeuta comportamental é
em grande parte modelado pelas contingências estabelecidas pela comunidade verbal
do qual ele faz parte.
Os valores éticos construídos por uma comunidade profissional são influenciados
pelos valores da cultura, mas também devem contribuir para a formação novos valores
dessa cultura. Para Skinner (1974) "O que é bom para espécie é aquilo que lhe ajuda a
sobrevivência. O que é bom para o indivíduo é aquilo que lhe promove o bem-estar. O
que é bom para a cultura é aquilo que lhe permite solucionar seus problemas" (p. 176).
Podemos e devemos intervir não apenas para a sobrevivência da espécie, mas para a
valorização da vida; para o bem-estar do ser humano e para corrigir problemas sociais.

Referências
Carvalho, H. B A. (2000). Alasdair Maclntyro o o rotorno às tradições morais do pesquisa
racional. In M. A. Oliveira (Org ), Correntes fundamentais da Ética contemporânea. Potrópolis:
Vozes

Kanfer, F. H., & Phillips, J. S. (1974). Os princípios de aprendizagem na terapia comportamental,


Vol 1; Abordagem comportamontal o paradigmas de aprendizagem. Sáo Paulo; EPU.

Kohlemborg, R. J., & Cordova, J. V. (1994). Acceptance and the therapeutic relationships. In S. C.
Hayos, N. S. Jacobson, M. V. Follette & M. Doughor, Acceptance and Change: Content an Context
in Psychotherapy. Nevada: Context Press.
Marchionnl, A. (1999) A ótica e seus fundamentos. In M, L. Marcílio & E. L. Ramos (Eds.), Ética
na virada do século; Busca do Sontido da Vida (2nd ed.) São Paulo: LTR Editora Ltda.
Oliveira, M. A. (1995). Ética e Práxis Histórica. São Paulo: Ática.

Skinner, B. F. (1993). Sobre o behaviorismo (Trad. M.P. Villalobos.) S«1o Paulo: Cultrix. (Trabalho
original publicado em 1974.)

Uilman, L. P., & Krasner, L. (1965). Case Studios in Behavior Modification. New York: Holt,
Rinehart & Winston.
------------ Capítulo 19
Considerações sobre expressividade
emocional na prática clínica:
Um levantamento teórico preliminar

Fernanda S. Hrandàd
Pra. Sonia fí. M eyef'

O meu objetivo neste capitulo ó mostrar alguns aspectos de um levantamento


teórico sobre a importância de o cliente expressar emoções na psicoterapia e sobre a
atuação de terapeutas comportamentais frente a emoções ou relato de emoções do clien­
te. Pretendo ressaltar aspectos da atuação do terapeuta para poder depois discutir a
questão da experiência.
Nos dias de hoje poderia ser impossível o Behaviorismo Radical ser julgado e conde­
nado por ignorar emoções ou quaisquer eventos privados. Mas não é isso o que acontece.
Apesar dos inúmeros escritos sobre a diferença entre Behaviorismo Metodológico e Behaviorismo
Radical, psicólogos, alunos e leigos ainda os confundem. Skinner, quando diz que eventos
privados são comportamentos tais como os abertos, nega o dualismo, ou seja:

"(...) Os eventos privados são da mesma natureza dos públicos. Skinner não é
um cartesiano, não aceita a existência de duas substâncias (uma mental outra
material), nem, conseqüentemente, o dualismo mente-corpo cartesiano. (...) É
um monista. (...) Existem eventos subjetivos, mas sua condição subjetiva de­
corro de sua privacidade e não de sua natureza - mental, para um cartesiano.
Eles são subjetivos porque são privados e não porque são mentais (...)" (Abib,
1997 p. 128).

Na prática clínica comportamental, o trabalho com encobertos e emoções come­


çou a ter mais ênfase na década de 80, quando também começaram discussões mais
intensas sobre o comportamento verbal e a relação terapêutica. Um dos fatores que cha-

* P sic ó lo g a Clinica d o P S I C C - Inalltuto d « Psicoturapla Coniportafnantal - L on d rin a - P R , m e stran da em paicologl« clinica [wla U S P - S P ■ o mall:

** Instituto d o P*l(xiloglH da U S P - S P , BhitmvulfiftnKii lu

232 Fern.tnd.i S. Bramtào t Sonia K. M ry c r


mou a atenção para a ênfase no estudo de emoções foi à freqüência de seu relato ou
expressão em sessões de psicoterapia (Martins 1999, Meyer 1997).
A importância dos sentimentos na análise do comportamento é inegável. De acor­
do com Skinner (1994) um dos objetivos da terapia é trabalhar com os subprodutos do
controle, que tem seus efeitos tanto nas emoções como nos comportamentos operantes.
De acordo com Skinner, à medida que o terapeuta começa a ser audiência não
punitiva, começam aparecer comportamentos verbais e não verbais antes punidos, entre
eles, provavelmente, emoções ou relato de emoções que estavam reprimidas.

"O aparecimento de um comportamento previamente punido na presença do uma


audiência nào punitiva torna-se possível à extinção de alguns ofeitos da punição.
(...) Os estímulos automaticamente gerados pelo próprio comportamento do paciento
tornam-se monos e monos aversivos e com menor probabilidade de gerar roações
emocionais. O paciento sente-se menos errado, menos culpado, ou menos pecador.
Como conseqüência dirota ó menos provável que exiba as várias formas de
comportamento operante quo, como vimos, fornece um meio de fugir dessa
estimulação autogerada". (Skinner, 94, p. 351).

Assim, a audiência não punitiva cria um contexto terapêutico que permite o


aparecimento e a diminuição de comportamentos emocionais que provavelmente estavam
incomodando o cliente por aparecerem em outros relacionamentos interpessoais, tal
como proposto por Kohlenberg em 1987.
Um dos aspectos mais relevantes de fazer análise funcional das emoções é que
permite ao indivíduo a auto-observação e conseqüentemente o autoconhecimento e desta
forma o cliente torna-se mais apto a analisar funcionalmente seus comportamentos, sendo
capaz de identificar e descrever as contingências que controlam seu comportamento (Meyer,
1997; Banaco).
Meyer (1997), ao discutir sobre sentimentos e emoções no processo clínico,
lembrou que o próprio Skinner (1989) afirmava que era importante falar dos sentimentos:

"Existom muitas boas razões para as pessoas falarem sobre seus sentimentos. O
quo elas dizem dão dicas quanto ao comportamento passado e as condições que
o afetaram, ao comportamento presente e às condições quo o afetam e às condições
relacionadas com comportamento futuro. O autoconhecimento tem um valor
especial para o próprio indivíduo. A pessoa está mais 'consciente de si mesma'
pelas perguntas que lhe fizeram e está numa melhor posição para predizer e
controlar seu próprio comportamento", (p. 191)

Em outras palavras, ao falar de seus sentimentos, a pessoa fica mais ‘consciente’


do que sente, podendo ter contato com as variáveis controladoras que evocaram tal
encoberto e seu comportamento associado, propiciando um autoconhecimento que
proporcionará ao indivíduo uma possibilidade de previsão e controle de seu próprio
comportamento.
Freqüentemente vê se na literatura que existem pelo menos dois caminhos para
se "ter acesso" às emoções dos clientes: o relato verbal, e as reações emocionais (Martins,
1999).
Kohlenberg (2001 ) colocou a expressividade emocional como uma linha contínua
onde numa ponta tem o comunicar sentimentos (operantes verbais) e no outro extremo
a demonstração de sentimentos (respondentes não-verbais). Entre esses dois pontos
estariam as respostas parcialmente respondentes e modeladas pelas contingências.

( OMI INM'ACAO dkmonmkacAo


l)KSK.N1'IMF.Nros. l)KSKNTIMKNTOS.

Dentro deste primeiro ponto (comunicar sentimentos), estão comportamentos


operantes verbais, que foram aprendidos (operantes) e tem o objetivo de informar as
outras pessoas do sentimento do falante, como, por exemplo, relatar um sentimento:
"Estou com saudades". Na demonstração de sentimentos, estão comportamentos não-
verbais gerados automaticamente, ou seja, respondentes, como por exemplo, risada, ru­
bor e outras expressões faciais primitivas. Entre esses dois pontos estão aqueles com­
portamentos que já foram modelados por contingências, mas que ainda são
parcialmento respondontos, como por exemplo, o choro quo foi modelado pela atenção
que recebe e o “no na garganta" pelo pesar.
A vantagem da primeira (que é o relato) é que ela facilita o entendimento pela
comunidade verbal e que se pode usar, por exemplo, de metáforas para demonstrar o
que está sentindo. (Estou com peso nas costas, referindo-se a culpa) Também é mais
fácil de agradar o outro, pois se pode dizer o que ó socialmente apropriado ao invés do
que é realmente sentido. Kohlenberg (1991) disse que:

"A vantagem da demonstração de sentimentos, (enquanto a oposta a comunicação


do sontimentos) como um método de expressar sentimentos ó que ela (a
demonstração) ó menos suscetível às contingências sociais o dessa forma ó mais
ospontânea e menos provável de ser mal interpretada", (p. 84)

Abib (1997), disse que apenas a observação do comportamento verbal não é


recomendável ou prudente por parte do terapeuta. Isso por que o relato verbal, como disse,
sofre influencia de variáveis culturais e de história de vida do cliente (que interpreta, descreve

234 F crn.intici S. Hr.initòo c Soni.i B. M e y e r


e relata) e do terapeuta (ouvinte - que interpreta), e por isso deveria ser analisado em um
contexto terapêutico, levando em consideração não só essas variáveis, mas também
comportamentos públicos e respostas colaterais que acompanham eventos subjetivos.
Isso porque o comportamento de descrever é modelado e aprendido na história de vida do
cliente. Deixando a nomeação parcialmente sob controle publico, a confiabilidade cai.
Então, aqui Abib e Kohlenberg discutem uma habilidade complexa do terapeuta,
que é além de observar e ouvir, saber interpretar, de forma a identificar a função da fala do
cliente naquele momento da sessão.
Vou explicar melhor o que estou querendo dizer através de uma passagem que
ocorreu comigo: Dias atrás eu fui a um congresso aonde vimos e discutimos um filme. O
filme contava uma história sobre um romance que começou a partir de um anúncio numa
revista. Eles se encontravam semanalmente e a princípio tudo indicava para uma relação
superficial. Uma das cenas que veio à tona na discussão foi uma em que a personagem se
declarava apaixonada pelo seu parceiro. Ao se declarar o homem começou a chorar e não
disse nada. A discussão e interpretação foram várias: Ele ficou emocionado, pois nenhuma
mulher tinha se apaixonado por ele. Ele ficou emotivo, pois também a amava. Ele se sentiu
culpado, pois era casado? O choro foi uma forma de esquivar ou fugir da situação. Ou será
que ele chorou de raiva, pois neste tipo de relacionamento não cabia uma declaração como
esta, entre outros... É claro que ao olhar a cena e assistir o filme, podemos excluir algumas
hipóteses, mas não muitas. O que eu quero mostrar com isso é que não basta olhar, achar.
Para entender o relato e expressão de sentimentos, é preciso contextualizar e fazer análise
funcional das emoções assim como fazemos de outros comportamentos.
Guilhardi (2001), discutindo sobre análise do sentimento de culpa, comparou esse
sentimento com o de medo e ansiedade: Ele diz que:

"Em primeiro lugar não há consenso sobro o uso dessas palavras quo se referom
a sentimentos, uma voz que elas são nomes arbitrários que a comunidade verbal
utiliza A única possibilidade confiável para distinguir sentimentos é descrever, de
forma abrangente, as contingências de reforçamonto em operação que os
produzem. Assim, por oxomplo, o medo poderia ser doscrito como o estado corporal
produzido por punição positiva (...)"; (p. 197)

E assim por diante... Esse mesmo autor ainda afirma que o uso coloquial da
nomeação de sentimentos pode atrapalhar o terapeuta em busca das contingências.
Então, as contingências bastam! Ele diz que o uso dessas palavras como medo ou culpa
podem ser mantidos desde que o terapeuta seja capaz de substitui-las pelas contingências
de reforçamento que lhes dão origem. Assim sendo, ficar sobre controle das contingências
que determinam o relato verbal do cliente e não do relato por si só, seria uma habilidade
importante para um terapeuta.
Em uma conferência, Banaco (2001) também falou sobre isso, sugerindo que o
sucesso de um processo terapêutico na aquisição de autoconhecimento depende também
do grau de correspondência entre o relato verbal do cliente e o estado de coisas a que
ele se refere alcançado nesse processo. E para tanto, constitui-se de tarefas do terapeuta
ensinar o cliente a observar, discriminar e descrever seus comportamentos.
Ainda este autor afirmou que o terapeuta dispõe de alguns recursos para atingir
essas metas: (1) princípios de aprendizagem (reforçamento, extinção, aprendizagem
social, entre outros), (2) conhecimentos gerais (literatura, cinema, sociologia, fisiologia,
medicina), (3) relação terapêutica, (4) sentimentos e emoções (do cliente e de si mesmo)
e (5) observação do cliente dentro da sessão. A Habilidade do terapeuta de investigar ou
fazer perguntas também é importante, pois pode levar a auto-observação, entre outros.
Skinner (1988), apontou que a psicoterapia consiste em um sistema de contingências
para aumentar a observação. O terapeuta leva o cliente à auto-observação por meio de
contingências verbais, como questões feitas ao cliente, sistematização de informações,
realizações de previsões, para que este possa analisar funcionalmente o que esta fazendo
ou sentindo e as razões pelas quais seus comportamentos são emitidos. Assim, o
terapeuta deve promover a discriminação, modefar novas respostas na sessão através
do reforçamento diferencial e fornecer regras para a ação.
Assim, possibilitar e modelar a auto-observação e conseqüentemente o
autoconhecimento seria mais um objetivo importante para o terapeuta.
Meyer (1997) argumentou que

"Quanto ao manojo dos sentimentos e emoções no processo clínico, o objetivo


principal do terapeuta é o de ajudar seus clientes a entrar em contato com as
variáveis controladoras de seus próprios comportamentos, o que inclui, perceber
seus sentimentos. Para isto ó necessário que, como terapeuta, ele observo
indícios de que sou cliente possa estar evitando sentir e/ou expor seus
sentimentos. Quando isso ocorre, ele pode retomar a estímulos dos quais sou
cliente parece estar se esquivando, ou encoraja-lo a expressar seus afetos e as
lembranças difíceis", (p. 192)

Assim, de acordo com Meyer (1997), o papel do terapeuta vai além de facilitar
ocorrências de emoções. Eíe deve responder aos sentimentos expressos, no momento
adequado. Momento adequado pode ser entendido como aquele em que a probabilidade
do cliente escutar e continuar a análise ó grande. Neste sentido, momento não adequado
seria aquele no qual a resposta do terapeuta produza algum tipo de esquiva.
Falando em habilidades importantes para os terapeutas, num levantamento bibli­
ográfico, Meyer e Vermes (2001) listaram algumas categorias de comportamentos do
terapeuta importantes para o sucesso da terapia. Uma delas ó a empatia, calor humano,
compreensão, concordância: comportamentos verbais e/ou gestuais (inclusive expres­
sões de rosto) que tenham como objetivo a aproximação e a demonstração de compreen­
são. Esses comportamentos do terapeuta são úteis também para oportunizar a ocorrên­
cia de emoções ou relatos de emoções do cliente.
A empatia é considerada uma habilidade importante para os terapeutas. De acordo
com Falcone (2001), a empatia é entendida como a capacidade de compreender e expressar
compreensão acurada sobre a perspectiva e sentimentos de outra pessoa, além de experi­
mentar sentimentos de compaixão e de interesse pelo bem estar desta (Barrett-Lennard,
1993; Egan, 1994; Falcone, 1999). Ela complementa que a habilidade empática deve ocorrer
em pelo menos duas etapas. Primeiro, o indivíduo que é empático, no caso o terapeuta, está
envolvido em compreender os sentimentos e perspectiva da outra pessoa e, de algum modo

236 fcrnamld S. Br.ind.lo c Sonld B. M eyer


experienciar o que está acontecendo com ela naquele momento. Na segunda etapa, inclui
comunicar esse entendimento de forma sensível (Barrett-Lennard, 1981; Greenberg & Elliot,
1997). A compreensão empática inclui prestar atenção e ouvir sensivelmente. A comunicação
empática inclui verbalizar sensivelmente (verbalizações empáticas) (2000 p.214).
Esta autora complementa que um dos efeitos do ouvir sensivelmente e prestar
atenção ó que ele provoca efeitos positivos no cliente. Quando alguém é ouvido sensivel­
mente, sente-se validado e valorizado, tendo maior probabilidade de se expor na interação.
Outros comportamentos do terapeuta que podem facilitar a ocorrência de relatos
ou expressividade emocional do cliente, de acordo com Baptitussi (2001) são a emissões
de falas facilitadoras para o comportamento desejado, que incluem comportamentos do
terapeuta como elogios, incentivos, sinalização de compreensão e fala sobre assuntos
prazerosos e também o uso de modelação e modelagem por aproximações sucessivas.
Como usar de empatia, comportamentos estes que se constituem em audiência não
punitiva.
Nestas circunstâncias, os analistas do comportamento têm tido experiências
positivas em trabalhar com os encobertos do cliente, principalmente quando eles ocorrem
durante a sessão ou/e através da relação terapêutica.
Outra forma importante do terapeuta trabalhar com emoções é por meio de treino
da expressão de sentimentos, de habilidades sociais e assertividade. O treino de expres­
são de sentimentos é quando o terapeuta, dentro da sessão, modela a expressão e relato
de sentimentos do cliente, através da modelagem, modelação, ensaio comportamental,
entre outros. Pode-se dizer que:

"O comportamento socialmonte habilidoso ó esse conjunto de comportamen­


tos omitidos por um indivíduo em um contexto interpessoal quo expressa os
sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo, de um modo
adoquado à situação, respeitando esses comportamentos nos demais, e que
geralmente resolve problemas imediatos da situação enquanto minimiza a
probabilidade do futuros problemas". (Caballo, 1986)

Um dos requisitos das habilidades sociais e assertividades é a capacidade de


demonstrar sentimentos e emoções (positivas e negativas) de forma apropriada.

“Revendo a literatura sobre assertividade observa-se que esta tem sido considerada
como expressão de sentimentos, emoções e pensamentos no relacionamento
interpessoal, referindo-se à habilidade de falar de si mesmo e de defender os seus
direitos. Abrange também a manifestação do certas habilidades sociais tais como
Iniciar, manter e terminar um diálogo, entre outros". (Lima, 2000, p. 292).

Tanto a assertividade como habilidade sociais dependem de um contexto mutável.


Não é fácil defini-las. Uma mesma resposta pode ser julgada habilidosa socialmente ou
inabilidosa, de acordo com o contexto emitido. Assim, ela deve ser considerada dentro do
contexto cultural, padrões de comunicação e estar sempre vinculada a fatores como sexo,
idade, classe social, educação, entre outros. O que se pode dizer é que a assertividade e
a habilidades sociais são classes de respostas, e o principal critério de enquadramento é
a função do comportamento emitido, e não sua topografia. Assim, para decidir se um
comportamento é socialmente habilidoso ou assertivo, é necessário observas as
conseqüências imediatas e em longo prazo que esse comportamento pode ‘oferecer’.
Assim. Somente com a visão da análise funcional, a assertividade e treino de habilidades
sociais ganham um mérito maior por permitir uma compreensão mais completa.
Para finalizar, gostaria de fazer uma pequena comparação entre comportamentos
de terapeutas experientes e inexperientes em relação à expressividade emocional dos
clientes na terapia. Os comportamentos e habilidades de terapeuta que acabei de menci­
onar são esperados, e sabe-se através de pesquisas, como a de Martins (1999), que
analisou comportamento de terapeutas inexperientes em relação a falas sobre eventos
privados, que alguns comportamentos de terapeutas inexperientes geralmente não atin­
gem essas habilidades, objetivos e comportamentos.
Por exemplo, essa pesquisadora percebeu que as falas dos terapeutas iniciantes
sobre eventos privados na sessão são menos freqüentes do que as falas que abordavam
outros assuntos, o que não condiz com as informações da literatura.
Banaco, em 1993, disse que terapeutas iniciantes costumam ser mais inseguros
que terapeutas experientes, e que estes, como provavelmente já formam modelados atra­
vés de experiências passadas, estão mais aptos a discriminar comportamentos reflexos
do cliente, que são mais difíceis de serem descritos e controlados. Podendo então ter
mais facilidade para discriminar e ‘‘trabalhar’’ com a expressividade emocional do cliente
do que terapeutas inexperientes.
Apesar de todos estes indicativos da importância da experiência do terapeuta, há
um aspecto que indica que terapeutas inexperientes possam ter bons resultados. Dados
da literatura, como de Garfield (1995), dizem que parece não ter diferença entre terapeutas
inexperientes e terapeutas experientes no desenvolvimento da relação terapêutica. Uma
boa relação entre duas pessoas certamente inclui expressão de sentimentos. Assim a
experiência do terapeuta não é fundamental para o desenvolvimento do vínculo terapêutico.

Referências
Abib, J. A. D. (1997). Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia. São Carlos:
Editora da UFSCar.

Banaco, R. A (1999) Os casos da raiva e da tristeza. Trabalho apresentado no VII Encontro da


Associação Brasileira do Psicoterapia e Medicina Comportamental, São Paulo. (Não publicado).

Banaco, R. A. (1993). O impacto do atendimento sobre o cliente. Tomas em Psicologia, 2.

Banaco, R. A. (1997). O impacto do atendimento sobre o cliente2: experiências de vida. In M.


Dolitti (Org ), Sobro Comportamento e Cognição - a prática da análise do comportamonto o da
terapia cognitivo comportamental Santo Andró; ESETec Editores Associados.

Bapptitussi, M. (2001). Comportamentos do terapeuta na sessào que favorecem a reduçào de


efeitros supressivos sobre comportamentos punidos do cliente. Dissertação de mestrado apre­
sentada no programa de estudos pós-graduandos em psicologia experimental: análise do
comportamento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

238 f cmdiuiii S. Rr.md.lo c Soni«i B. M e yrr


Caballo, V. (1996). Treino de Habilidades Sociais. In V. Caballo (Org,), Manual de técnicas de
terapia comportamental e modifícação do comportamento (1st ed.). São Paulo: Ed. Santos.
Falcone, E. (2000). Habilidades sociais: para além da assertividade. In R. C. Wielonska (Org.),
Sobre Comportamento e Cogniçào - questionando e ampliando a teoria e as intervenções
clinicas em outros contextos, Vol. 6 (pp. 204 a 210). Santo Andró: ESETec Editores Associados.
Falcone, E. (2001). Uma proposta de um sistema de classificação das habilidades sociais. In
H, J. Guilhardi, M. B. B. Madi & et al. (Org), Sobre Comportamento e Cognição - expondo a
variabilidade. Santo André: ESETec Editores Associados.
Garfield, S. L. (1995). Psychotherapy: An Ecletic-lntegrativo Approach (2nd ed.). Now York:
Wiley-lntercience Publication.

Guilhardi, H. J. (2002) Análise comportamental do sentimento de culpa. In A. M. Teixeira, M. R.


Assunção & et al. (Org.), Ciência do comportamento - conhecer e avançar, Vol. 1 (pp. 173 a
200). Santo André: ESETec Editores Associados.

Kohlenberg, B. (2000). Emotion and Tho Relationship in Psychotorapy: A Behavior Analytic


perspective. In M. J Dougher (Org.), Clinical Behavior Analysis. Nevada: Context Press.

Kohlenberg, R., & Tsai, M. (1991). FAP - Psicoterapia Analítico Funcional. Santo André: ESETec
Editores Associados.

Kohlenborg, R., & Tsai, N. (1987). Psicoterapia Analitico Funcional. In N S. Jacobson (Ed ),
Psicoterapia na Prática Clinica: Perspectivas Cognitivas e Comportamentais (Trad. A. Barce­
los). New York; Guilford.

Kohlenberg, R., & Tsai, N. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: creating intense and
curative therapeutic relationships New York: Plenum Press.
Lima, M V. (2000). Assertividade e Frustração: o uso do teste de frustração do Rosenazweig na
avaliação e desenvolvimento dos comportamentos assertivos. In R. R. Korbauy (Org.), Sobre
Comportamento e Cogniçào - Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na emo­
ção e no questionamento clinico, Vol. 5 (pp. 290 a 301). Santo Andró: ESETec Editores Associ­
ados

Martins, P. S. (1999). Atuação de terapeutas estagiários com relação a falas sobre eventos
privados sem sessões de terapia comportamental. Dissertação de mestrado apresentada no
curso de mestrado em psicologia: teoria e pesquisa do comportamento. Univorsidade Federal
do Pará.

Meyer, S. 3. (1997). Sontímentos e emoçõos no processo clínico In M. Dellítí (Org ), Sobro


Comportamento e Cognição - A prática da Análise do Comportamento e da Terapia Cognitivo
Comportamontal, Vol. 2 (1st od., pp. 188 a 194). Santo Andró: ESETec Editores Associados.
Moyer, S. B., & VERMES, J. S. (2001). Relação Terapêutica. In B. Rangé (Org.), Psícoterapias
Cognitivo-comportamentais - Um diálogo com a psiquiatria (pp. 101 a 110). Porto Alegre:
ARTMED.

Skinner, B. F. (1994). Ciência e Comportamento Humano (9th ed.). São Paulo: Martins Fontes.
Capítulo 20
O sentimento de culpa e suas implicações
para o controle coercitivo do
comportamento. Proposição de análise*
So/angcL Machado
Univ. Tuiuti do Paraná
Yara Kupcrstein Ingberman
Univ. hcdcral do Paraná

O ar frio da noite já se infiltrara pelas frestas da janela da sala. Textos sublinhados


e anotações soltas sobre a mesa assinalavam o trabalho que eu realizava há horas -
revisão de alguma bibliografia para escrever este artigo. A porta se abriu e um amigo
que passara o dia em passeios, ao ver-me, imediatamente levou a mão à testa, exclaman­
do consternado: “Que vergonha! Eu deveria estar fazendo o mesmo". Recostei-me na
cadeira, observando o desenrolar de uma cadeia comportamental partilhada em seme­
lhança por, provavelmente, todas as pessoas no mundo num momento ou outro de suas
vidas. O culpar-se vem sempre acompanhado de sofrimento e algumas pessoas passam
a vida procurando livrar-se dele. Parte de minha própria motivação para trabalhar naquele
momento relacionava-se a um sentido de dever que, se não cumprido, evocaria um incômodo
"sentimento de culpa". Neste trabalho, procura-se tecer algumas considerações e propor
uma análise comportamental do culpar-se.

Proposição de análise comportamental do culpar-se


Inicialmente, consideremos alguns excertos sobre culpa encontrados na literatura:
• "Culpa é o sentimento de ser indigno, mau, ruim, cheio de remorsos, autocensurável,
detestando a si mesmo" (Viscott, 1982, p.89).
• "Sentimos vergonha ou culpa quando acreditamos que fizemos ou permitimos que aconteça
algo que não atinge um padrão ou que fere uma regra geral" (Harris, cfe. citado em Loss,
1999, p.53).
• "É a consciência mais ou menos penosa de ter descumprido uma norma social e/ou um
compromisso (afetivo, moral, institucional) assumido livremente" (Houaiss e Villar, 2001,
p.887).

‘Agrariocim onlim a Andrél« Schmtdt e M au ra G o n go *» pala ktttura o «uguatOu«


• “O sentimento de culpa tem sido caracterizado como uma forma de auto-avaliação
negativa, sugerindo como apropriada uma ação reparativa. Está incorporado um
elemento de autopunição" (Gilbert, 1997, p.73).
O que ó usualmente chamado de sentimento é descrito por Skinner (1989/1991,
p. 104) como o estado corporal resultante de condicionamento respondente, em
contrapartida ao estado resultante do condicionamento operante, observado através da
introspecção, geralmente chamado estado da mente. Embora seja comum se atribuir a
causa de comportamentos aos sentimentos, esta é uma relação equivocada, devendo a
causa iniciadora ser buscada nos eventos que são responsáveis pelo que fazemos e
sentimos: não brigamos porque estamos com raiva; brigamos e sentimos raiva porque
algo aconteceu anteriormente. “A análise experimental do comportamento favorece a
nossa compreensão dos sentimentos por esclarecer os papéis dos ambientes passado
e presente” (p. 15). O sentimento de culpa ó aprendido e mediado socialmente. O grupo
social fornece os indícios sobre os reforçamentos e punições disponíveis para cada ato
e sobre como o individuo deve se sentir ao incorrer em ato que acarrete punição.
Botomó e Kubo (1998) sugerem que para a análise de sentimentos troque-se o
substantivo pelo verbo, para enfatizar que sentimentos não são fenômenos independentes
da atuação dos organismos, mas processos comportamentais que podem ser analisados
em termos das condições antecedentes, classes de respostas e condições conseqüentes
envolvidas. Assim falaremos em termos do comportamento operante "culpar-se", sugerindo
que este pode ser diferenciado do comportamento respondente de "sentir culpa".
"Culpar-se" implica no reconhecimento de infração de uma regra estabelecida em
uma relação (com um indivíduo, grupos ou instituições) e na probabilidade de sofrer uma
punição subseqüente, de caráter público (desaprovação social, humilhação, ônus diversos)
ou privado (autopunição pela privação do reforçadores ou exposição voluntária a estímulos
aversivos).
"Sentir-se culpado" inclui processos respondentes condicionados na história de
aprendizagem de cada indivíduo, que explicam a diversidade das sensações associadas
ao relato de sentir-se culpado, tais como vontade de chorar, tristeza, peso nas costas,
aperto no peito, enfraquecimento das pernas, ansiedade, dor de cabeça, apatia, fadiga,
etc. Situações-estlmulo potencialmente evocadoras para alguém podem eliciar os
respondentes do sentir culpa, seguidos ou não da plena consciência dos estímulos
discriminativos presentes. Estes estímulos controladores podem não ser percebidos
conscientemente mas são suficientes para eliciarem o mal-estar condicionado em situações
punitivas anteriores: o indivíduo sente-se mal sem “saber bem porquê". Por exemplo, estar
em um ambiente ou com pessoas que emitem sinais similares aos que estiveram presentes
em uma experiência anterior de infração de regras e punição, pode ser suficiente para
eliciar os respondentes condicionados na situação. Skinner (1953/1998, p. 204-205) assinala
que “fortes predisposições emocionais são também vividas pelos primeiros passos de um
comportamento severamente punido. São o principal ingrediente daquilo que chamamos
de culpa, vergonha ou sentimento de pecado. Parte do que sentimos quando nos sentimos
culpados são respostas condicionadas de glândulas e músculos lisos do tipo registrado

' “ConadAnda* ó u«npraondlda no M iifcJo axp»dtado por SWnnar (1900/1#80, p 289) ’A («m m kliKkt vortxil gara oonacéênda quando omtnu uin Indivíduo
a (tmcruviir iuhj comportamento paaaado a o comportamento eu»« ntn (rt |*uvnvutrMNrft) o x fl* no futuro • a k k trM tju a« vartfvafa dm quafc oa tnáa
«Ao pmvNvoliTmntn HkiçAo’
pelo detector de mentiras (...)”. Ter sido punido ao quebrar regras ensinou ao indivíduo
“quando" culpar-se e ter experimentado as respostas somáticas que acompanharam à
exposição à punição ensinou ao indivíduo "como" sentir-se culpado.
Nos excertos sobre culpa apresentados no inicio deste texto, três processos são
citados: quebra de regra estabelecida em relacionamento, autoavaliação negativa e ação
reparativa ou ação autopunitiva. Com base em Botomé e Kubo (1998), propõe-se a análise
do comportamento de culpar-se, procurando situar estes processos. Três questões foram
propostas pelos autores e adaptadas para esta análise, que não pretende ser exaustiva:
1. Quais aspectos do meio controlam o comportamento de quem “se culpa"?
A resposta está na identificação das condições antecedentes, baseadas na his­
tória de aprendizagem do indivíduo. Seriam elas:
• A existência de regras em um sistema relacionai que inclui o indivíduo (relações pes­
soais, grupais, institucionais, etc).
• Ter assistido alguém empreender, ter empreendido ou planejar empreender comporta­
mento que fere as regras e ter assistido alguém sofrer, ter sofrido ou antecipar a puni­
ção decorrente do ato.
Ou seja, podem ser condições antecedentes quaisquer condições relativas à
inobservância de regras e punição decorrente.
2. Quais classes de respostas que alguém apresenta mudam as condições antecedentes
para as condições conseqüentes?
Quaisquer comportamentos que diminuam os respondentes aversivos
associados, como ações de reparação, desculpabilização (busca de justificativas
ambientais ou transferência de responsabilidade para outros) ou autopunição.
3. O que resulta quando alguém emite estas classes de respostas em relação as
condições antecedentes?
As condições conseqüentes são a diminuição dos respondentes aversivos
associados á situação (isto é, o sentimento de culpa) - contingência de reforçamento negativo.
Também podem ocorrer mudanças no ambiente social em função das ações reparativas que
disponibilizem novamente para o indivíduo o acesso à reforçadores positivos.
O comportamento de culpar-se é descrito no Quadro 1:
Quadro 1. Descrição do comportamento de culpar-se.
Condições antecedent«» Classe« de respostas Condições conseqüentes

A oxlstôncla do rogras om Quaisquer comportamentos que Diminuição dos re spo nden ts


um sistema relacional diminuam os respondentes avorslvos associados á
(roluçõos pessoais, grupais, aversivos associados, como situação
Institucionais, etc) quo Inclui ações roparativas, ações • Dlsponlblllzaçâo do
o Indivíduo. autopunitlvas ou do reforçadores positivos, om
• Tor assistido alguém dosculpabllt/açâo funçflo das ações
omproonder, ter reparativas.
empreendido ou planejar
omproonder comportamento
que foro as rogras o tor
assistido alguóm sofrer, tor
sofrido ou antoclpar a
punição decorrente do ato

242 Sofiinjjc L. Mticfhirfo c Y«ird K. ínflbcmnin


Um exemplo de ação reparativa ó o que ocorre quando o culpar-se ó evocado por
contingências punitivas arranjadas pela sociedade, ligadas a preceitos religiosos que glo­
rificam a pobreza e o sofrimento, do gênero “o sofrimento purifica" e "é mais fácil um
camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus".
Ganhar dinheiro, proporcionar-se prazer e usufruir de bens que outros não podem ter, o
que é passível de reprovação neste contexto, motivam um indivíduo que culpa-se a empre­
ender ações reparativas como as filantrópicas, para poder usufruir de sua condição elimi­
nando os estímulos aversivos associados à situação. O aumento das ações filantrópicas
no final do ano, época em que se gasta muito com bens, comemorações e viagens, pode
se dar, ao menos em parte, em função da maior exposição nesta época à situações-
estímulo para o comportamento de culpar-se.
Na classe de respostas de desculpabilização, atribui-se responsabilidade ao
ambiente, isto ó, coloca-se as causas do comportamento no ambiente, o que ó reforçado
por evitar punição (Baum, 1999, p. 193). De contingências sociais a familiares e profissio­
nais, qualquer coisa pode sor invocada como circunstância atenuante para o comporta­
mento 'vergonhoso” em que se foi flagrado. Esta esquiva é particularmente reforçada em
ambientes que não estimulam a aceitação das próprias falhas e onde o erro é severamen­
te punido. A mentira é um subproduto desta contingência, pois cumpre a função de enco­
brir comportamentos vergonhosos passíveis de punição.
A autopunição, como a palavra já diz, é infligir a si próprio uma condição aversiva
como forma de quitar uma "dívida pendente" por um erro.
Como frutos de aprendizagem, o condicionamento dos respondentes aversivos do
sentir culpa e do comportamento de culpar-se remonta à infância. A força e as conse­
qüências destas aprendizagens estão ligadas às condições em que se passaram. Quando
a criança erra, às vezes pais ou pessoas de referência adotam uma atitude punitiva que
extrapola a relação adequada entre comportamento e conseqüência na situação. Quali­
ficar a criança de má, ignorante, sem valor algum, ingrata ou egoísta, associando a
apresentação destes qualificativos a sinais não verbais eliciadores de medo para a cri­
ança, como expressões faciais, intensidade e tom de voz, tensão corporal e ás vezes
agressão física, geram uma situação aversiva da qual a criança fará qualquer coisa para
livrar-se no momento e esquivar-se no futuro. Para o punidor, esta ó uma ação reforçada
pois normalmente obtém o controle imediato sobre o comportamento da criança.
Outra via de aprendizagem do culpar-se são os princípios morais injetados no
mundo da criança por fábulas e contos clássicos que projetam padrões ideais de valores
como honestidade, altruísmo, coragem e bondade. Estes padrões são impróprios para um
cotidiano em que as escolhas e as decisões a serem tomadas raramente estão em bran­
co e preto, mas em um largo espectro de graduações de cinza. No enredo destas estóri­
as, fazer a escolha errada significa ser severamente punido. As iniciativas como a de
Masur (2000) para ensinar a criança a relativizar situações infelizmente ainda não domi­
nam o mercado editorial infantil.
Junte-se a isso "culpas universais" destiladas desde cedo pela educação religi­
osa, que afirma a natureza pecadora do ser humano (Adão e Eva, a expulsão da huma­
nidade do paraíso, o sacrifício de Jesus pelos pecados dos homens, etc.), e adicione-se
ainda à lista os deveres e expectativas introduzidos pela educação familiar e social, e
teremos um modelo rígido e perfeccionista de comportamento que inevitavelmente en­
trará em confronto com a dinâmica da vida. O perfeito (que etimologicamente quer dizer
acabado, concluído - Lalande, 1996, p. 805) não é próprio do encadeamento
comportamental que se combina e recombina a cada instante, numa sucessão de con­
tingências que nunca se repetem exatamente do mesmo modo - são no máximo, simi­
lares. É natural que o indivíduo eventualmente incorra em erro e isto o situa em dívida
para com o modelo perfeccionista, antecipando a punição determinada por uma cultura
rígida e intolerante ao erro, o que o empurra a empreender as classes de respostas que
resultem na diminuição ou eliminação dos estímulos aversivos. Sidman (1995, p. 109)
descreve o que nos acontece quando submetidos continuamente às contingências de
reforçamento negativo:" (...) inculca um repertório comportamental estreito, deixando-
nos temerosos de novidades, com medo de explorar. (...) Particularmente se intenso e
contínuo, pode restringir estreitamente nossos interesses, ató mesmo causando uma
espécie de ‘visão de túnel’ que nos impede de atentar para qualquer coisa, exceto o
estresse a que estamos no momento sendo submetidos".

A manipulação social coercitiva do comportamento de culpar-se


Os estímulos discriminativos para o comportamento de culpar-se acompanham
as mudanças históricas e sociais, estando hoje mais ligados às preocupações da vida
moderna do que aos princípios religiosos. Examinando a lista das "culpas modernas” da
reportagem de Veja (Buchalla e Zakabi, 2002, p.76-83), depreende-se um aspecto em
comum à algumas delas: o culpar-se por não corresponder às expectativas dos outros.
Isto equivale a estar sujeito ao outro e temer a punição pela apresentação de estímulos
aversivos ou pela retirada de estímulos reforçadores importantes para o indivíduo e contro­
lados peio outro. O indivíduo que responde freqüentemente a estímulos discriminativos
para culpar-se, torna-se mais suscetível ao controle exercido por outros, pois como assi­
nala Skinner (1953/1998, p. 205),

(...) uma condição de culpa ou vergonha não ó gerada apenas por comportamen­
to previamente punido, mas por qualquer ocasião externa consistente com esse
comportamento. O indivíduo pode sentir-se culpado om uma situação na qual foi
punido. Podemos controlá-lo pela introdução de estímulos que causem esse efeito.

Dizer a alguém “você deveria ter agido melhor comigo" introduz os estímulos
para reenvià-lo à aversividade de contingências em que foi punido por não ter agido
conforme regras do relacionamento interpessoal ou expectativas de outras pessoas.
Conseqüentemente, a probabilidade de que responda tentando diminuir a aversividade
da experiência, atualizada naquele instante, aumenta. A classe de resposta emitida
provavelmente incluirá ceder às demandas do outro. Se estas forem de natureza coercitiva
o indivíduo será vítima de manipulação. O desdobramento do comportamento de ceder
à manipulação em contingência envolvendo a indução ao culpar-se poderia ser descrito
como segue (Quadro 2):
Quadro 2. Descrição do comportamento de ceder à manipulação coercitiva em
contingência que envolva indução ao se culpar.

Condlçõ«« antecsdsntss Classss de respostas Condiçftes conseqUentss


Quaisquer eventos na história do Qualquer comportamento que Diminuição dos respondentes
individuo que o tornem diminua a experiência aversiva, aversivos associados à situação
suscetível à indução do culpar-se notadamente atender á demanda contingência de reíorçamento
pelo manipulador (não ter do manipulador, para que cesse negativo
correspondido à padrões a estimulação aversiva
Impostos, autoavallaçâo
negativa, Infração do regras,
ações punidas, e tc )

O uso de palavras como “deve/deveria" e qualificativos como “egoísta, individualista,


ingrato, agressivo, insensível”, etc. cumpre o papel de induzir o indivíduo ao culpar-se.
KeJIer e Scboenfeld (1950/1973, p. 239), analisando o uso que Cari Jung fazia de palavras-
estímulo como "indicadores de complexos e culpas reveladoras", observam que "seu trabalho
foi um reconhecimento do fato de que determinadas palavras, ordinariamente neutras,
podem ter-se tornado emocionalmente carregadas para o indivíduo devido à sua conexão
com experiências anteriores, geralmente incluindo reforçamento negativo".
Nazare-Aga (1997, p. 73-86), indica duas formas de induzir alguém a se culpar:
• Fazê-lo acreditar que está em falta (dívida) sobre algo, quando de fato não existe falta
alguma. Ex: "na sua idade eu já fazia isso e aquilo" (sob a aparência de encorajamento
à ação, insinua-se uma desqualificação do comportamento do indivíduo). ‘‘Eu me
sacrifiquei por você" (insinuação de que o indivíduo foi um fardo que alguém foi obrigado
a carregar).
• Utilizar simultaneamente duas mensagens opostas que fazem com que o indivíduo
obedecendo a uma esteja desobedecendo à outra. Ex: "Eu gostaria que você me
abraçasse espontaneamente". Abraçando ou não abraçando, o indivíduo está sujeito
à crítica pois o manipulador pode retorquir que só é abraçado quando pede.

A funcionalidade do comportamento de culpar-se


Culpar-se é funcional no ambiente social? Sigelmann e Fernandes (1986, p.76)
avaliam que "do ponto de vista da vida comunitária, há no sentimento de culpa um elemento
de saúde necessário ao convívio social. O sentimento de culpa, no dizer de Rollo May, é
uma emoção construtiva e positiva sem a qual a pessoa fica impossibilitada de distinguir o
que uma coisa é e o que deve ser, ou o que deveria fazer”. A concepção de "dever", introduzida
nas relações por estímulos discriminativos como "você tem que" e “você deve/deveria", sina­
liza para o indivíduo as ocasiões de disponibilidade de reforçamento pela adesão a regra ou
ameaça de punição pela sua quebra. "Uma sentença que comece por ‘você deve' é
freqüentemente uma previsão de conseqüências reforçadoras" (Skinner, 1953/1998, p.466).
Como todas as sociedades estabelecem suas regras de convivência, expressas não só por
leis mas principalmente por princípios morais e religiosos, os deveres fazem parte de qual­
quer código social, sendo que um dos elementos de diferenciação entre grupos culturais
diversos é quais são os valores que os organizam.
Para Sigelmann e Fernandes (1986, p.77), o sentimento de culpa é experimenta­
do pela pessoa sadia quando se manifesta o sentido de “dever" e não o de "pecado" como
usualmente é pensado. Pecado é uma palavra impregnada de valores religiosos
dogmáticos que implicam em julgamento moral. Segundo Lalande (1996, p. 799), “existe
nesta palavra uma idéia de perversidade intrínseca, de má intenção, independente da
gravidade do ato e das suas conseqüências; é a própria vontade do agente e sua
moralidade íntima que é considerada". Pela inclusão de termos como "perversidade
intrínseca e intenção", percebe-se a pouca utilidade da noção de pecado para pensar-se
a funcionalidade do comportamento de culpar-se no ambiente social. Podemos nos sair
melhor com a noção de dever, em que o enunciado de contingências é mais propício à
crítica racional.
Lalande (1996, p. 253) indica que dever, como substantivo, ó uma regra de ação
determinada, uma obrigação definida, quer geral, quer especial para uma função, uma
profissão, etc. Estamos falando, em outras palavras, de uma contingência se ... então.
“Em sentido geral, contingência pode significar qualquer relação de dependência entre
eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais. (...) os enunciados
apresentam-se como regras que especificam essas relações entre eventos” (Souza, em
Banaco, 1999, p. 83). Um dever especifica uma contingência do tipo "se tal condição
estiver presente, então deve-se agir de tal forma". Em seguida Lalande assinala que na
forma de verbo, dever marca uma conveniência: o que deve acontecer, no sentido de
que é preferível que isso seja do que não seja. Opõe-se ao que ò e ao que não deve ser,
por exemplo, o bem ao mal, o verdadeiro ao falso, o belo ao feio, o útil ao prejudicial, o
legal ao ilegal. Como explicitação de contingências que atendem à conveniência de um
grupo social, os deveres cumprem o papel de organizar as relações e determinar os
requisitos de funcionalidade dos seus membros neste ambiente. O comportamento de
culpar-se decorrente do descumprimento do dever é funcional na medida em que reduz
a probabilidade de que o indivíduo volte a incorrer em ação prejudicial a si ou ao grupo.
A aversividade da experiência de ser punido em uma situação pode prevenir/controlar a
ação do indivíduo em contingências similares no futuro. Como nos lembra Skinner (1953/
1998, p. 207),

"quando um indivíduo é punido por não responder de uma dada maneira, gera-
se uma ostimulaçâo aversiva condicionada quando estiver fazendo quaJquer
outra coisa. Apenas comportando-se daquela dada maneira ele consegue livrar-
se da culpa. Assim se podo evitar a estimulação aversiva condicionada gorada
por não cumprir o dever simplesmente cumprindo o dever".

A complexidade e controvérsia relativas aos deveres dizem respeito ao


escalonamento de quais são estes deveres, que refletem, habitualmente, os valores dos
grupos de maior influência social. Para os grupos que controlam o fornecimento de
reforçadores e punidores em grande escala na sociedade, aproximar dever de pecado é
uma estratégia útil para os fins de controle do comportamento. Deveres são enunciados
de contingências que podem ser decompostos e questionados mais facilmente. Pecados,
que são enunciados irracionais baseados em dogmas, não se prestam à análise: são
proposições incontestáveis definidas como princípio de fé por uma igreja ou doutrina. A
punição pelo “cair em pecado" ó poderosamente aversiva em nossa cultura permeada
pelos valores religiosos uma vez que aponta o dedo acusador para a "perversidade intrínseca"
do indivíduo. Não há defesa contra isso, a menos que se questione a crença cega no
dogma que fundamenta o pecado. Em suma, é mais fácil exercer o contracontrole lidando
com enunciados do tipo dever do que do tipo pecado. Não cabe aqui entrar na discussão
sobre o conteúdo dos enunciados de deveres, mas observar que a concepção de dever e
o comportamento de culpar-se desempenham um papel na manutenção das condições de
convívio social.
A base para formular os deveres são os valores do grupo. Naturalmente, para
valores tradicionais os reforçadores já estão bem estabelecidos e constituem uma escolha
mais segura. Novos valores e os comportamentos decorrentes deles têm reforçamento
incerto e possibilidades maiores de punição. Estas contingências contextualizam a
afirmação de um leitor de Veja, na semana seguinte à reportagem sobre culpa (7/08/02,
p.24): "nós só deixaremos de sentir culpa quando tivermos a certeza da retidão de nossos
atos". Este desejo de certeza exprime o desejo de garantia de reforçamento e não incorrência
em punição. Talvez a preocupação do leitor fosse menor se a tolerância á falha, ou
simplesmente à diferença, fosse mais presente em nossa sociedade. Ao invés de julgar,
cultivara disposição para olhar e compreender o comportamento inserido em seu contexto,
fruto de uma história. Neste contexto, é preciosa a etimologia da palavra respeito. Do latim
re-espectare, significa “olhar de novo, olhar para trás". Como Baum observa (1999, p. 193),
advogados de defesa pedem compaixão e invocam circunstâncias atenuantes. Do ponto
de vista comportamental, circunstâncias atenuantes significam os fatores ambientais e
compaixão significa levar em conta esses fatores.
Ü que ó referendado coloquialmente como sentimento de culpa é na verdade um
processo comportamental complexo, implicando o condicionamento de respostas
emocionais tanto quanto a aprendizagem das contingências nas quais alguém culpa-se,
as respostas que pode emitir e que conseqüências podem resultar de sua ação. Responder
freqüentemente à estímulos que induzem ao culpar-se pode fazer com que alguém torne-
se vítima de manipulação coercitiva. Chamados “ao dover" são uma forma cultural comum
de exercer controle sobre as pessoas. Deveres têm um papel na organização social
sinalizando os reforçamentos e punições disponíveis para os comportamentos naquele
ambiente. Deveres são passíveis de análise pois configuram um enunciado de contingências
do tipo se ... então, o que propicia o exercício do contracontrole. A base para a formulação
dos deveres é a escala de valores de uma sociedade e novos valores são freqüentemente
mal vistos por ameaçarem uma ordem social estabelecida. Uma maior disposição para a
tolerância à diferença poderia talvez reduzir o uso do controle social pela indução ao
culpar-se e possibilitaria aos membros de um sociedade viverem um pouco mais felizes.

Referências
Baum, W. M. (1999). Compreenc/er o behaviorismo. Ciência, comportamento e cultura. Porto
Alegro: Artmed.
Botomó, S. P., & Kubo, O. M (1998). Inveja ou invejar? Possibilidades de uma análise
comportamental. Departamonto de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. (Toxto
não publicado.)
Buchalla, A. P., & Zakabi, R, (2002, July 31). A culpa de cada um. Veja, 1762, p.76-83.
Gilbert, M. (1997). Groups wrongs and guilt feelings. The Journal o f Ethics, 1, 65-84.
Houaiss, A., & Villar, M. de S. (2001). Dicionário Houaiss da lingua portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva.
Keller, F. S., & Schoenfeld, W, N. (1973). Princípios de psicologia. São Paulo: EPU.
Lalande, A. (1996). Vocabulário técnico e critico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
Loos, H., Ferreira, S. P. A., & Vasconcelos, F. C. (1999). Julgamento moral: estudo comparativo
entre crianças de comunidade do baixa renda com relação à emergência do sentimento de
culpa. Psicologia: Reflexão e Critica, 12, 47-69.
Masur, J. (2000). O frio pode ser quente? São Paulo: Ática.
Nazare-Aga, I. (1997). Les manipuiateurs sont parmi nous. Quebec, Canada: Les Editions de
I 'Homme.
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy.
Sígolmann, E., & Fernandes, L. M. (1986). Desenvolvimento de uma medida de culpa. Arquivo
Brasileiro de Psicologia, 38(2), 76-83.

Skinner, B. F. (1998). Ciôncia e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.


Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus.
Souza, D. das G. do. (1999). O que é contingôncia? In R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamen­
to o cognição: Vol.1 - aspectos teóricos, metodológicos e de formação om análise do compor­
tamento e lerapia cognitivista. Santo André. ESETec Editores Associados.
Viscott, D. (1982). A linguagem dos sentimentos. São Paulo: Summus.

248 Solcinge L M iichjdo c Vdw K. Ingbfrm.m


Seção III

A formação
Capítulo 21
Terapeutas experientes e iniciantes: O que a
Literatura aponta sobre eles?

Patrícia Cristina Novaki*

Muitas pesquisas têm sido realizadas sobre a atuação de terapeutas buscando


enfocar os aspectos relacionados a sua atuação durante os atendimentos clínicos.
Estudos demonstram que a forma como conduzem a sessão, a interação que estabelecem
com o cliente, a sua experiência, sua formação teórica, a escolha das técnicas e as
intervenções que realizam, podem influenciar diretamente no processo e no resultado
da terapia (Garfield, 1995; Silvares & Gongora, 1998; Kohlenberg & Tsai, 2001).
A experiência do terapeuta, em especial, tem recebido muita atenção por diver­
sos autores por acreditarem que possa estar relacionada ao sucesso da terapia. Um dos
aspectos mais pesquisados sobre a experiência do terapeuta liga-se a descoberta das
diferenças entre terapeutas experientes e iniciantes e, em que consiste essa diferença.
Variáveis como Formação do Vinculo, Tipos Específicos de Clientes, Satisfação dos
Clientes, Orientação Teórica do Terapeuta e Objetivos e Tarefas da Terapia foram estudadas
para verificar uma possível relação com a questão da experiência e o sucesso da terapia.
Diversos resultados foram obtidos no estudo dessas variáveis e encontram-se descritos a
seguir.

Formação do vínculo
Em um estudo realizado por Dunkle e Friedlander (1996), sobre as contribuições
da experiência dos terapeutas e as suas características pessoais para formação da aliança
terapêutica, encontraram que as diversas características pessoais do terapeuta foram
preditivas para a formação do vínculo, independente do nível de experiência, como o apoio
social, o menor nível de hostilidade e a capacidade para desenvolver o relacionamento

* t-HpuüallHla urn (’Muoturaptai i m AnâNau do Curipurtamunto pula UfcL, pokrtfcigH do Chibo dun M A tm Unidas, (kxainto rio Puputtwmxito do Pulcologla Owal
o A i UMIm i do Coinportameotn d « UbL a du UntanfcJario Pitranaanaa* UNIRW* Mnatmnda « ti PnMxilogiu CtliitcM | x ií h USP n u n tu t n i » n n / a k t f J i in k ia / Imm
nuUmvukiaMimnuill imn RuaSêoBamnidodoCanipo, 172 Jd. Sumart LondrtutfPi CFP 86062-150
interpessoal íntimo e de conforto com seus clientes. Já a experiência dos terapeutas,
contrariando a hipótese inicial dos autores, não foi preditiva, na avaliação dos clientes
sobre os objetivos e tarefas que compõem a aliança terapêutica. O resultado confirmou a
hipótese de que a experiência não é preditiva para a formação do vínculo. Assim, de
acordo com os autores, os clientes não perceberam diferença na atuação dos terapeutas
sobre os componentes referentes ao vínculo, objetivos e tarefas da terapia, indicando
nesse estudo, que o nível de experiência dos terapeutas não interferiu na formação da
aliança terapêutica.
Para obter esses dados os autores investigaram 73 dlades terapeuta-cliente através
de diversos instrumentos. Um deles foi o WAI (Working Alliance Inventory, Horvath &
Greenberg, 1994). Esse instrumento foi utilizado para avaliar a percepção dos clientes
sobre os componentes da aliança terapêutica: vinculo (refere-se a ligações pessoais entre
cliente e terapeuta, desenvolvidas na atividade compartilhada da terapia; é expresso e
sentido em termos de amizade, simpatia, confiança, respeito pelo outro e um senso de
comprometimento comum e um entendimento compartilhado das atividades), tarefas (refere-
se a atividades específicas desenvolvidas pelo terapeuta e cliente para instigar ou facilitar
as mudanças) e objetivo (caracteriza-se pela negociação e entendimento mútuo entre
terapeuta e cliente acerca dos objetivos da terapia em termos de resultados). O outro
instrumento utilizado foi o INTREX(lntrex Introject Questionnaire, Benjamin, 1982; 1983)
e por meio dele avaliaram o nlvel da hostilidade autodirigida do terapeuta. A Social Provision
Scale (SPS) (Cutrona & Russell, 1987) foi utilizada para avaliar a qualidade do apoio social
do terapeuta (rede de relações sociais na vida cotidiana), e por fim utilizaram a Adult
Attachment Scale (AAS) (Collins & Read, 1990) para estimular a habilidade do terapeuta
em relatar o desenvolvimento do relacionamento.
Outro estudo realizado por Novaki e Luiza (2000) sobre as habilidades dos
terapeutas na formação do vínculo, obteve resultados semelhantes aos do estudo de Dunkle
e Friedlander ( 1996) referentes ao desenvolvimento do vínculo terapêutico, pois, segundo a
percepção dos clientes, tanto os terapeutas experientes como os iniciantes, não diferiam
quanto aos aspectos referentes à formação do vínculo. Essa pesquisa teve como objetivo
investigar quais habilidades dos terapeutas promoviam a formação do vínculo, como também,
comparar as habilidades de terapeutas experientes e terapeutas iniciantes relacionados à
formação do vínculo terapêutico. O estudo envolveu alunos de graduação que estavam
iniciando seus atendimentos na abordagem comportamental, e profissionais três a dez
anos de experiência clínica na mesma abordagem. Os dados foram obtidos através de
questionários preenchidos pelos clientes dos terapeutas. Os resultados indicaram que
quanto às habilidades avaliadas (habilidades iniciais, ex: cumprimento e forma de entrar
no assunto principal; habilidades pessoais, ex: senso de humor e concentração; habilidades
não-verbais, ex: expressões faciais e gestos; e habilidades de investigar, ex: questionar e
informar) não houve diferenças entre os terapeutas analisados, ou seja, as habilidades
foram apresentadas na mesma proporção pelos dois tipos de terapeutas, segundo a
percepção dos clientes avaliados. Com relação às habilidades que estariam relacionadas
á formação do vínculo destacaram-se aquelas relacionadas às características pessoais
do terapeuta, como empatia, ser atencioso e acolhedor, e demonstrar simpatia.,
Mallinckrodt e Nelson (1991) também realizaram um estudo semelhante ao de
Dunkle e Friedlander (1996), porém, o objetivo do estudo foi verificar os efeitos do nível
de treinamento no desenvolvimento dos vários componentes da aliança terapêutica (víncu-
lo, tarefas e objetivos). Avaliaram 50 diades (terapeuta-cliente) sendo que os terapeutas
variavam de estudantes de graduação, terapeutas em treinamento a profissionais
experientes. O instrumento de avaliação utilizado foi o WAI (Working Al/iance Inventory,
Horvath & Greenberg, 1986; 1989).
Nesse estudo, os autores observaram que nas subclasses de tarefas e de objetivos
do WAI obtiveram resultados mais favoráveis os terapeutas mais avançados, na visão
dos clientes, ou os conselheiros com pós-doutorado, de acordo com sua própria auto-
avaliação, indicando assim, uma diferença entre os profissionais com relação aos objetivos
e tarefas da terapia. No entanto, corroboraram os estudos de Dunkle e Friedlander (1996)
e Novaki e Luiza (2000) quando afirmaram que em relação à formação do vinculo não
há diferenças entre os profissionais, pois a sua formação está muito mais relacionada às
características pessoais do terapeuta do que ao nível de experiência.
Assim, com base nesses estudos observa-se que com relação a variável formação
do vinculo nào há diferenças relacionadas ao nível de experiência do terapeuta, pois os
resultados indicam que esta variável está muito mais relacionada às características
pessoais do terapeuta.

Tipos de clientes específicos


Com relação aos tipos de clientes, há o trabalho realizado por Berman e Norton
(1986) que pesquisaram na literatura (em 32 estudos) a relação entre terapeutas
profissionais e terapeutas paraprofissionais. Constatou-se que esses profissionais
apresentavam níveis semelhantes de melhora de seus clientes, e que essa similaridade
entre eles ocorria quando os resultados eram separados por diferentes tipos de problema,
tratamento e resultados. Entretanto, segundo o levantamento realizado pelos autores, a
relação de efetividade pôde variar dependendo do tempo de terapia e da idade dos
clientes, sendo as diferenças, porém, de baixa magnitude. No entanto, mesmo na baixa
magnitude, observa-se uma diferença entre esses profissionais. Os terapeutas
profissionais realizavam uma boa intervenção quando atendiam clientes mais velhos e
em terapia curta, já os terapeutas paraprofissionais apresentavam melhores resultados
quando atendiam clientes jovens e em terapia de longa duração. Isso nos chama a
atenção para duas possíveis diferenças relativas à experiência dos terapeutas. A questão
do pior desempenho dos terapeutas paraprofissionais (inexperientes) com clientes mais
velhos sugere que as habilidades de questionamento, argumentação e enfrentamento,
desenvolvem-se com treino e experiência. O segundo aspecto relaciona-se ao tempo de
terapia, o que sugere que os terapeutas paraprofissionais podem apresentar dificuldades
em definir os objetivos do tratamento e consequentemente as intervenções, justificando
assim, o maior tempo gasto com a terapia.
Outro estudo sobre a atuação de terapeuta e os tipos específicos de clientes foi
realizado por Weisz, Weiss, Alicke e Klotz (1987) com o objetivo de verificar os efeitos
da terapia com crianças e adolescentes, e os efeitos de diferentes níveis de experiência
de terapeutas. Esse estudo apontou que a terapia com adolescentes e crianças poderia
ser efetiva, sendo porém mais efetiva com crianças em relação aos adolescentes,
possivelmente porque os adolescentes conhecendo melhor seu próprio comportamento
poderiam sabotar os esforços do terapeuta. Em relação ao nível de experiência, observa-
ram que os terapeutas paraprofissionais (pais e professores) e estudantes de graduação
eram mais efetivos com crianças do que com clientes mais velhos, enquanto que os
profissionais treinados eram igualmente efetivos com ambos os clientes. Uma explicação
provável dessa diferença encontra-se novamente no fato de que os terapeutas treinados
desenvolvem mais habilidades de questionamento, argumentação e enfrentamento, que
as interações com clientes mais velhos exigem. Esses autores obtiveram tais resultados
pesquisando na literatura 108 estudos sobre os efeitos da terapia com crianças e adoles­
centes, e os efeitos de diferentes níveis de experiência dos terapeutas.
Assim, de acordo com esses estudos pode-se levantar a hipótese de que possi­
velmente as diferenças entre esses profissionais encontram-se no fato de que terapeutas
treinados (experientes) desenvolveram mais habilidades de questionamento, argumenta­
ção e enfrentamento que as interações com os mais velhos exigiram, ficando em vanta­
gem em relação aos terapeutas iniciantes e ou paraprofissionais.

Satisfação dos clientes


O nível do experiência dos terapeutas também parece determinar o grau de satis­
fação do cliente. De acordo com Gold e Dole (1989) os clientes percebem-se mais satis­
feitos quando atendidos por terapeutas experientes do que por terapeutas iniciantes. Po­
rém, numa pesquisa sobre quais fatores poderiam estar ligados à satisfação global do
cliente e à não satisfação com sua experiência na terapia, conduzida por terapeutas
iniciantes (Laszloffy, 2000), os resultados indicaram que a satisfação não está ligada à
experiência do terapeuta, pois todos os casos clínicos estudados foram conduzidos por
terapeutas iniciantes.
Nesse estudo de Laszloff (2000), a satisfação dos clientes estava relacionada a
alguns fatores da própria relação terapêutica. Esses fatores ligados à satisfação eram o
relacionamento positivo com o terapeuta, o envolvimento do terapeuta com a problemática
de seu cliente, o estabelecimento claro dos objetivos terapêuticos, a percepção de que o
terapeuta estava fazendo algo e a concordância entre terapeuta e cliente. Esses dados
foram obtidos através de investigação de 103 casos clínicos, os quais foram separados
em 22 casos de atendimento clínico, que compunham os seguintes grupos: extremamente
satisfeitos e extremamente insatisfeitos. Essa separação foi realizada com base na
avaliação feita pelos clientes sobre o nível de satisfação de sua experiência na terapia.
Quando o nível de satisfação era de 6 a 7 e havia relato de mudanças positivas, o caso
era considerado “extremamente satisfeito” (total de 13 casos), e quando o nível de
satisfação era de 1 a 2 e relatavam não terem mudanças, ou terem mudanças negativas,
o caso era considerado "extremamente não satisfeito" (total de 09 casos). Após essa
separação, os casos atendidos foram analisados e comparados entre si, indicando os
resultados já descritos.

Orientação teórica do terapeuta


Alguns estudos indicam também, que a orientação teórica do terapeuta não é
uma variável que diferencia os profissionais experientes de iniciantes, uma vez que ela não
infere no resultado terapêutico. Contudo, é apontada como influenciando o processo da
terapia. Gomez-Schwartz (1978) realizou um estudo sobre o impacto dos ingredientes do
processo terapêutico no resultado da terapia e obteve dados interessantes. Para ele, os
ingredientes que compunham o processo de terapia eram à busca das causas dos conflitos
dos clientes, o relacionamento terapêutico e as atitudes positivas do cliente. Realizando
uma pesquisa com 35 homens com queixa de depressão, dificuldade de relacionamento
social, ansiedade e timidez, que foram atendidos por 35 terapeutas experientes, de aborda­
gens diferentes, observou que esses ingredientes estavam presentes em todas as interações
terapeuta cliente, independente do tipo de terapeuta, e que o envolvimento com o cliente na
terapia era o melhor preditor de resultados e influenciava tanto os processos exploratórios
(interpretação, confrontação, etc.) quanto o relacionamento oferecido pelo terapeuta (terapeuta
mostra-se compreensivo, caloroso, etc.). Esses dados foram obtidos através da análise das
sessões gravadas, as quais foram avaliadas por dois alunos da pós-graduação do centro
universitário de aconselhamento, com o auxílio de duas escalas de avaliação, a Likert-type
Scale e Vanderbilt Psychotherapy Process Scale (VPPS). Os resultados apontam que o
envolvimento do cliente era consistentemente o melhor preditor de resultados e que a orien­
tação teórica ou o status profissional do terapeuta (ser profissional ou não-profissional) tinha
um impacto sobre o processo, mas não no resultado da terapia.

Objetivos e tarefas da terapia


Com base nos estudos já descritos anteriormente realizados por Mallinckrodt e
Nelson (1991) com 50 d/ades através do instrumento WAI, observa-se que em relação aos
objetivos e tarefas da terapia esse estudo apontou que os terapeutas mais avançados
obtiveram resultados mais favoráveis nos aspectos referentes as tarefas e objetivos da
terapia do que terapeutas iniciantes.
Em contrapartida, os estudos de Dunkle e Friedlander (1996) com 73 díades
através de diversos instrumentos, entre eles o WA\ (também já descrito anteriormente),
obteve-se como resultado a não diferença entre os terapeutas com relação aos objetivos e
as tarefas da terapia, demostrando desta forma que ainda não há uma resposta definitiva
a essa questão das diferenças relacionadas á experiência.

Considerações
De fato, percebe-se com base nos estudos citados, que não existe um consenso
sobre se há ou não diferenças entre esses terapeutas experientes e iniciantes, e se
existem, quais seriam. Porém, observando mais detalhadamente esses estudos ocorre
que algumas diferenças entre os profissionais podem existir, apesar de todos apresentarem
melhoras nos resultados da terapia. Contudo essas diferenças só são percebidas quando
os dados coletados são mais específicos como o estabelecimento das tarefas e objetivos
da terapia, ou com clientes de idades diferentes. Desta forma, pode-se considerar que
essas diferenças estejam relacionadas aos comportamentos apresentados pelos terapeutas
em sessão (fatores específicos) e não à questão do seu relacionamento com o cliente
(fatores inespecíficos), até porque a maioria dos estudos sobre a aliança terapêutica
concorda que com relação à formação do vínculo esses terapeutas não diferem entre si.
Alguns estudos têm apontado a questão do comportamento do terapeuta na ses­
são como um aspecto que pode diferenciar esses profissionais. Assim, comportamentos
como o de ser diretivo (Bohn Jr, 1965), obter um conhecimento mais rápido e mais profun­
do sobre seu cliente (Mullen & Abeles, 1971), demonstrar menos ansiedade e mais habi­
lidade (Pope, Nudler, Vonkorff & McGhee, 1974), definir os objetivos e as expectativas do
cliente (Garfield, 1995), foram apontados como sendo possíveis comportamentos que po­
dem diferenciar profissionais experientes e iniciantes.
Outro aspecto relevante sobre as diferenças entre esses terapeutas, e que vem
sendo estudado (Novaki & Meyer, 2002), relaciona-se ao conhecimento que esses têm
sobre o que acontece em sessão, o que fazem e o porque o fazem, isto é, o quanto os
terapeutas são capazes de prever e controlar seu próprio comportamento na sessão.
Esse estudo aponta que o conhecimento de sua atuação pode ser um aspecto
que difere entre os terapeutas experientes e iniciantes, uma vez que o desenvolvimento
dessa capacidade permite aos terapeutas estar em melhores condições de prever e
controlar seu comportamento na sessão e, conseqüentemente, direcioná-ío no sentido de
trazer maiores ganhos para o cliente, e que terapeutas iniciantes por estarem mais sob
controle de instruções do que das contingências em sessão estariam em desvantagem
quanto ao conhecimento de sua atuação na terapia quando comparado aos terapeutas
com mais prática clínica.
Fica portanto a questão: apesar de ambos terapeutas obterem resultados com
sua atuação na terapia, seria o conhecimento que têm sobre essa atuação um fator que
diferenciaria terapeutas experientes de iniciantes?

Referências
Berman, J. S., & Norton, N. C. (1986). Behavior principles in every day life Englewood cliffs. New
York; Prontico hall.
Bohn Jr, M J (1965). Counselor behavior as a function of counselor dominance, counselor
experience and client type. Journal of Counseling Psychology, 12(4), 346-352.
Dunkle, J. H., & Friedlander, M. L. (1996). Contribution of therapist experience and personal
characteristics to the working alliance. Journal of Counseling Psychology, 43, 456-460.
Garfíold, S. L. (1995). The therapy client-patient. In S. L. Garfield (Org.), Psychotherapy: an
eclectic-integrative approach (pp. 39-65). New York: John Wiley & Sons.
Gold, J., & Dole, A A. (1989). Professional psychotherapists vs non psychotherapists. Thought
process, verbal behavior and client satisfaction. Psychological Reports, 65, 611-620.
Gomes-Schwartz, B. (1978). Effective ingredients in psychotherapy: prediction of outcome from
process variables. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 46(5), 1023-1035.
Kohlonborg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica comportamental: Criando relações
terapêuticas intonsas e curativas (1st ed.). Santo André: ESETec Editores Associados.
Laszloffy, T. A (2000). The implications of client satisfaction feedback for beginning family
therapists: back to the basics. Journal Marital and Family Therapy, 26(3), 391-397.
Mallinckrodt, B., & Nolson, M. L. (1991). Counselor training level and formation of the
psychotherapeutic working alliance. Journal of Counseling Psychology, 38, 133-138.
Mullen, J., & Abolos, N (1971). Relationship of liking, empathy, and therapist’s oxporience to
outcome of therapy. Journal of Counseling Psychology, 18(1), 39-43.
Novaki, P. C., & Luiza, J. C. (2000). Habilidades terapôuticas: avaliação de clientes de terapeutas
exponentes e iniciantes. Monografia apresentada no Curso do Especialização em Psicoterapia
na Análise do Comportamento. Universidade Estadual de Londrina - UEL.
Novaki, P. C., & Meyer, S. B. (2002). Relação entro nivel de experiência de terapeutas
comportamentais na identificação de intervenções clinicas e o efeito do treino desta identifica­
ção Trabalho apresentado no exame de qualificação do mestrado em psicologia clinica da
Universidade de São Paulo - USP.
Pope, B., Nudler, S., Vonkorff, M. R., & McGhee, J. P. (1974). The experience professional interviewor
versus the complete novice. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 42(5), 680-690.
Silvares, E. F. M., & Gongora, M. A. N. (1998). Psicologia clinica comportamental: a inserção da
entrevista com adultos e crianças, caps. 1, 2 o 3. São Paulo: EDICON.
Weisz, J. R., Weiss, B., Alicke, M. D., & Klotz, M. L. (1987). Effoctiveness of psychotherapy with
children and adolescent: a meta analysis. Journal of Counseling Psychology, 55, 542-549.
Capítulo 22
Supervisão clínica: Um enfoque no
comportamento do terapeuta

L iiz / /. S. ferreira
Pui Campinas

Na maioria dos Encontros da ABMPC e muito freqüentemente nas publicações


de nossa abordagem nos deparamos com a seguinte questáo: O que fazem os analistas
do comportamento? Imediatamente a resposta que nos ocorre é; Análise funcional.
Este parece ser um intraverbal tão trivial em nossa linguagem, quanto o: Bem, obrigado,
que respondemos ao estímulo verbal: Como vai você? Se esta é uma questão recorrente,
possivelmente é altamente relevante o não conseguimos ainda responde-la de forma
satisfatória. Andery, Micheletto e Sério (2000) demonstram com clareza a dificuldade de
identificar as variáveis que controlam a resposta verbal análise funcional, quando ela é
usada para descrever a prática dos analistas do comportamento. Como quando se busca
identificar variáveis comuns que controlam uma mesma resposta, dada por diferentes
pessoas, nos defrontamos sempre com a mesma dificuldade, acredito então que o objetivo
deste artigo de tão sérios pesquisadores seja levantar a questáo, como um desafio para
nós, que nos autodenominamos analistas do comportamento.
É para a análise do comportamento individual que precisamos nos voltar. Somen­
te cada um de nós poderá descrever as variáveis a que possivelmente está respondendo
quando diz que faz "análise funcional". Skinner em seu último artigo (1990) diz que:

"A palavra consciente (conscious), usada mais freqüentemente como ciente


(aware), significa co-conhecimento (latim: com-science) ou ‘conhecimento com
outros’, uma alusão às contingências verbais necessárias para estar consciente."

A contingência está aí, precisamos do outro para tomar conhecimento de nosso


próprio comportamento. Precisamos nos perguntar o que estamos fazendo, isolados em
nossas próprias clínicas e consultórios, quando dizemos que fazemos análise funcional.
Somente se nos propusermos a responder para os interlocutores de nossa comunidade
científica poderemos pelo menos começar a ter algum conhecimento sobre a nossa prática.
Como terapeuta, tenho procurado me submeter à avaliação do outros profissionais,
a fim de verificar se as conseqüências obtidas com as mudanças de comportamento dos
meus clientes estão ocorrendo em função dos meus comportamentos como terapeuta, e
quais deles. Como supervisora em clínica a necessidade de conseguir compreender melhor
o meu comportamento como terapeuta se torna ainda mais premente, pois preciso "ensinar"
a "fazer". Esta é uma tentativa de descrever e explicar o que eu faço.
Do ponto de vista psicopedagógico, considera-se o processo ensino-aprendiza-
gem como uma interação entre professor e aluno, com o objetivo de produzir mudanças no
comportamento do aluno, mas esta é uma afirmação vaga, que precisa ser melhor explicada.
Em primeiro lugar precisamos definir o que é ensinar e o que é aprender. De acordo com
os nossos conceitos tanto ensinar como aprender são comportamentos.
Para Skinner (1964) o termo comportamento refere-se à atividade dos organismos
(animais, incluindo o homem) que mantém intercâmbio com o ambiente, e para se ter
uma formulação adequada das interações, entre um organismo e seu meio ambiente
devemos especificar três coisas: (1) a ocasião na qual a resposta ocorre; (2) a própria
resposta e (3) as conseqüências reforçadoras. As relações entre elas constituem o que
ele denominou como as contingências de reforço.
Em 1989, Skinner nos permite esclarecer melhor nossa definição quando diz:

"A modolaçâo oporante e a auto-observação quo ela facilita parocom ser


características exclusivamente humanas.
Quando a musculatura vocal da espécie humana ficou sob controle operante,
as pessoas se tornaram capazes de dizer e demonstrar a outrem o que fazer."
(Skinner 1989, p 46)

Podemos então definir: ensinar como comportamento operante humano, que


ocorre numa interação entre uma pessoa e outro organismo (animal ou homem). Levando-
se em conta a relação, o que ó necessário à explicação de qualquer comportamento,
temos que explicitar as conseqüências. Fazendo isso, temos uma primeira definição do
processo ensino-aprendizagem: Ensinar é comportamento que tem como conseqüência a
instalação ou desenvolvimento de comportamento de aprender.
Para melhor compreensão desta relação, de acordo com Botomé, existem duas
palavras que costumam ser usadas para denominar o processo ensino-aprendizagem que
são: aptidão e habilidade. Elas são substantivos que devem ser transformados em verbos,
podendo ser substituídas por: fazer com facilidade e eficácia. Desta maneira podemos
traduzir a palavra ensinar como uma classe de comportamentos, que tem como função (e
deverá ter, portanto, como conseqüência) a instalação ou desenvolvimento de outra classe
de comportamentos que chamamos de aprender, que por sua vez deverá ser traduzido por
desempenhar ou fazer, com facilidade e eficácia.
Definido desta forma o processo, podemos dizer que um Supervisor de Clínica só
estará se comportando adequadamente, se estiver tendo como conseqüência de seu
comportamento a instalação ou desenvolvimento de uma classe de comportamentos, de
seu aluno, que o permita fazer com facilidade e eficácia. Mas, fazer o quê?
Skinner se refere ao uso dos métodos científicos da ciência do comportamento hu­
mano na prática da psicoterapia, dizendo: “A coleção dos fatos ó o primeiro passo em
uma análise científica. Demonstrar as relações funcionais é o segundo". (Skinner;
1953, p.348)
Ele já nos indicou o caminho: a análise funcional é o instrumento básico de qualquer
analista do comportamento. Reconhecer a importância, no entanto, não é saber usar o instru­
mento. Ele também assinalou a dificuldade de se fazer isso, quando diz que o comportamento
humano é, talvez, o objeto mais difícil dentre os que já foram alvos dos métodos da ciência,
mas que sua complexidade não deveria nos desanimar. Talvez por isso ainda não tenhamos
modelos satisfatórios de como fazê-la, em situações não experimentais.
Na prática clínica o comportamento do terapeuta diferentemente do de um pesquisador,
ocorre em função da demanda de seu cliente. Ele vem com uma queixa que precisa ser resolvi­
da. A interação ocorre e os passos do processo dificilmente podem ser definidos a priori, como
num processo de pesquisa em laboratório, na qual a função específica é produzir conhecimento.
Por isso é difícil separá-los e explicá-los, o que geralmente só pode ser feito depois de sua
ocorrência. Quando um terapeuta faz e descreve uma análise funcional do comportamento para
o seu cliente, ele produz uma contingência que poderá funcionar como estímulo discriminativo,
para que ele possa manipular variáveis das quais seu comportamento é função.
De acordo com Matos:

“Uma análise funcional nada mais ó do que uma análise das contingónclas
responsáveis por um comportamento ou por mudanças nesse comportamento
(sejam eles comportamentos problemáticos - como quebrar vidraças-, ou acei­
táveis - como estudar para o vestibular)." (Matos, M. A., 1999)

O terapeuta é uma pessoa que se comporta, está sob o controle de estímulos da


mesma forma que o seu cliente. O principal fator que coloca um terapeuta em posição
melhor que seu cliente é o desenvolvimento de seu repertório de análise funcional, o fato
de que ele não está respondendo ás mesmas contingências que seu cliente e não tem a
mesma história de reforçamento.
Levando-se em conta que é tarefa de um supervisor criar contingências que pro­
movam condições de instalação ou desenvolvimento de classes de comportamentos de
seus alunos, que permitam um fazer fácil e eficaz, bem como as enormes dificuldades
envolvidas no fazer análise funcional num contexto clínico, somente dar o modelo (fazer
pelo aluno) não é suficiente. Quando um terapeuta traz para a supervisão um caso clínico
é como um cliente que traz para a sessão terapêutica suas dificuldades. Cabe a um
supervisor em primeiro lugar, tentar fazer a análise funcional do comportamento do terapeuta
com quem ele está interagindo no momento e também ajudá*lo a fazer a análise funcional
do comportamento do cliente, de quem o terapeuta está falando. Num terceiro momento,
tentar modelar o comportamento, operacionalizando o processo.
Fazer uma análise funcional é tentar identificar a função de um comportamento. É
fazer uma pesquisa de variáveis das quais este comportamento é função. Na análise

2Ó 0 I <ii7 H . S. hmfirci
funcional uma causa è substituída por uma mudança na variável independente (V.l.) e um
efeito é substituído por uma mudança na variável dependente (V.D.). A análise funcional
tenta responder à questão: À que uma pessoa está respondendo (V.l.) quando se compor­
ta de determinada maneira (V.D.).
De acordo com Matos ( 1999):
"Cinco passos sâo básicos para a realização de uma análise funcional do com­
portamento.

1. Definir precisamente o comportamento de interesse.


2. Identificar e descrever o efeito comportamental.
3. Identificar relações ordenadas entre variáveis ambientais e o comportamento de inte­
resse. Identificar relações entre o comportamento de interesse e outros comportamen­
tos existentes.
4. Formular predições sobre os efeitos de manipulações dessas variáveis e desses ou­
tros comportamentos sobre o comportamento de interesse.
5. Testar essas predições.”

No primeiro passo, definimos o episódio comportamental total e procuramos iden­


tificar as respostas públicas ou encobertas. No segundo, identificamos e descrevemos os
estímulos conseqüentes. No terceiro, os antecedentes e as relações ordenadas entre
eles. É neste ponto que se apresenta a grande dificuldade de se fazer análise funcional do
comportamento, num contexto clinico. Em comportamentos complexos as respostas não
apresentam correspondência ponto a ponto com os estímulos.
A este respeito Catânia (1998/1999) se refere a Esteves (1971):

“Em seres humanos mais maduros, uma grande parto do comportamento


instrumental e mais especialmente, do comportamento verbal está organizado
em rotinas de ordem superior e é, em muitas instâncias, melhor entendido em
termos de operação de regras, principios, estratégias e similares, do que em
termos de sucessões de respostas a estímulos particulares... Nessas
situações, é a seleção de estratégias, mais do que a seleção de relaçòes
particulares a estímulos, que ó modificada pela experiência passada com
conseqüências reforçadoras ou punitivas.” (Catânia, 1999, p. 172)

Quando uma pessoa se comporta ocorrem generalizações, discriminações e


equivalência de estímulos, que não sáo processos do organismo e sim relações funcionais
entre condições de estímulos e distribuição de respostas. São estas as relações que
buscamos identificar neste terceiro passo. Para fazer esta identificação, os Estímulos
Antecedentes devem ser desmembrados em: História de Reforçamento, Estímulos
Contextuais, Estímulos Condicionais e Estímulos Discriminativos.
O Diagrama fica assim:

HlstòfttMi tie
VtiU

1'ithmilon
(tin te «luma K cupom«*

l ;.»tl<mili>« 1’ llltllVIU r I lKotlCTllU CoiuictjUcntm


< -------->
Anle»eilentcn
V 1) V I.
V I
(tm ilia o n a i*

rmlmuliM
Dmrimmmivd»

Os passos 4 e 5 não fazem parte do diagrama, serão descritos depois, pois só


poderão ser dados a partir da análise funcional (são conseqüências dela).
A descrição que se segue ó referente a uma sessão de supervisão na qual a
terapeuta relata para o supervisor o caso de atendimento de seu cliente, numa primeira
sessão. Deve-se, portanto levar em conta que as hipóteses que são levantadas nas aná­
lises feitas, necessitam depois ser testadas para que possam ser validadas, ou não.

Dados do Terapeuta
F. é do sexo feminino, 28 anos, havia terminado seu mostrado em psicologia
clínica e já atuava como terapeuta há três anos. Havia se casado há sete meses e
mudado para sua cidade de origem onde começa a atuar profissionalmente. Faz
supervisão desde que começou a trabalhar em clínica. Traz para a sessão o primeiro
atendimento do um cliente, que lhe foi encaminhado por seu marido. O marido do terapeuta
ó um profissional jovem e promissor na cidade e tem relações profissionais com o cliente,
que lhe relatou estar passando por dificuldades, o que resultou no encaminhamento.

Relato do caso
O relato do caso é a descrição verbal do terapeuta, feita na sessão de supervisão:
A cliente é arquiteta, bem sucedida, tem 44 anos, ó casada há 19 anos, tem dois
filhos, um menino de 16 anos e uma menina de 14 anos. Inicialmente, a cliente afirma que
faz terapia há cinco anos e percebe que não está resolvendo. Diz que já viveu metade de
sua vida e quer que a outra metade seja diferente, precisa de um tipo de terapia direta, que
aponte caminhos e não fique trabalhando "no mundo das idéias".
M. conta que sua vida está desestruturada, que não tem mais nada. Afirma que
nunca gostou do marido, que se casou por conveniência e há três anos não tem qualquer
interação com este, embora morem na mesma casa. Diz que deixou o quarto e atualmente
dorme num colchonete no quarto do filho. Reclama que não pode ver TV a cabo, pois uma
fica no quarto do marido e a outra é monopolizada pelos filhos (parece não ter afeto por
nenhum dos filhos).
M. demonstra extrema ansiedade na sessão, diz que havia tomado Olcadil e que
toma freqüentemente, não consegue dormir sem tomar calmante, se acorda tem pensa­
mentos aterrorizadores.
A cliente afirma que o que mais a incomoda é que apaixonou-se por um homem
casado, com quem tem um caso há dois anos. Ela começou a freqüentar a Companhia
Atlética e o conheceu lá. Desde então se encontram, no local duas vezes por dia. Ele tem
38 anos, segundo ela, tem uma esposa loira de olhos azuis e mesmo assim "mantém
esse relacionamento paralelo" (a cliente embora seja bem cuidada, não parece mais uma
menininha). M. afirma que este homem é um galinha, que já teve outros relacionamentos
extraconjugais e que a vampiriza, mas é a única coisa reforçadora em sua vida. O problema
ó que ele a reforça intermitentemente, marca um programa e só quer conversar. Ela fica
louca, porque quer mesmo é ir pra cama, já que nunca se relacionou bem com o ex-
marido. "Não sei o que acontece, eu estou em forma, faço de tudo e ninguém quer transar
comigo". M. afirma que não quer que ele largue da esposa, apenas que ele a procure com
mais freqüência para relacionamento sexual.
A cliente também queixa-se de não ter amigos, não ter com quem sair. A única
amiga que tem é bem mais velha que ela e a reprime (a cliente é criticada por esta amiga
e pela própria mãe por ter "mania de grandeza", querer sempre andar com pessoas
elitizadas). De fato M. parece ser extremamente exigente, diz que tem um senso estético
muito apurado e por isso odeia pobreza, negros etc. Acha um absurdo a amiga ter um
Corsa, que é um carro chinfrim.
Enfim, ela queixa-se que não tem como conseguir outros homens concorrendo
com mulheres mais novas, acredita que os que não estão casados são tranqueira (sem
curso superior, sem dinheiro, sem cultura, feios, barrigudos...).
Sobre a história de vida, M. conta que morava em Vitória, a família era de classe
média, tinham sempre carros novos, mas a mãe sempre a boicotava, dizendo que ela não
devia andar com os filhos de médicos, que deveria andar com gente de classe mais baixa.
"Tudo o que eu desejava a minha mãe dizia que não era para mim, que eu deveria aspirar
menos" (M. acabou se casando com um médico).

Procedimento do terapeuta
Eu disse a ela (foi difícil, ela não parava de falar) que ela estava vivendo uma situa­
ção muito aversiva, já que tinha perdido muitas coisas. Afirmei que tudo continuará sem
saída se ela não variar o próprio comportamento. Por exemplo, em casa. Questionei o fato
de ela dormir com o filho, sugeri transformar a sala de TV num quarto (já que ela disse que
o apartamento que pretende comprar só fica pronto daqui um ano e meio e que pagar
aluguel, nem pensar). M. afirma que não pode fazer isso, que tiraria o espaço das crianças
e que a situação da moradia é suportável, desde que ela tenha outra coisa para animá-la.
Afirmei que o cara com quem ela tem um caso é um manipulador e o melhor seria
ela encontrar outra pessoa, começar a freqüentar a academia em outros horários, diferen­
tes dos dele. Ela afirma que gostaria de lutar por ele, mesmo que depois chegue á conclu­
são que não era o que ela queria (ela costumava manipular os rapazes dessa forma na
juventude). Sobre mudar o horário da academia, ela afirma que isso atrapalharia o seu
trabalho.
Sugeri que ela venha duas vezes por semana, pra trabalhar com relaxamento, já
que a ansiedade é extrema. Ela concordou, embora tenha achado caro.
Senti que as poucas dicas que eu dei foram refutadas por ela. Ao mesmo tempo
que ela quer que aponte caminhos, parece ter sempre urna resposta pra manter a situação
como está. O que eu poderia sugerir pra ela conseguir novos amigos, aumentar o
repertório? A auto-estima dela é baixíssima...
Para operacionalizar a análise ela deverá ser colocada dentro do diagrama na
seqüência indicada:

3° Passo

1° Passo 2" Passo

Rcuposlns Islii/ltilos

P ú lilia is c l ;nu>hcrtiifi ( '<m sci|ilcntcs

V I) < -------- >

1 2

Análise funcional do comportamento do terapeuta (F.)

1° Passo: Respostas públicas e encobertas


Vamos definir como comportamento de interesse o comportamento de F., que
ocorreu durante a sessão de supervisão, que são descrições de seu comportamento e
do cliente, durante a primeira sessão de atendimento.
• Respostas que formam uma classe de comportamentos, cuja função é fazer análise
do comportamento do cliente:
"Eu disse a ela (foi difícil, ela não parava de falar) que ela estava vivendo uma situação
muito aversiva, já que tinha perdido muitas coisas. Afirmei que tudo continuará sem
saída se ela não variar o próprio comportamento."
"Afirmei que o cara com quem ela tem um caso é um manipulador..."
• Respostas que formam uma classe de comportamentos, cuja função é oferecer
alternativas para alterar contingências:
"Questionei o fato de ela dormir com o filho, sugeri transformar a sala de TV num
quarto (já que ela disse que o apartamento que pretende comprar só fica pronto
daqui um ano e meio e que pagar aluguel, nem pensar)."
"...e o melhor seria ela encontrar outra pessoa, começar a freqüentar a academia em
outros horários, diferentes dos dele."
• Respostas que tem como função alterar a contingôncia (ambiento intorno privado) do
cliente e que faz parte da mesma classe de comportamentos anterior:
"Sugeri que ela venha duas vezes por semana, pra trabalhar com relaxamento, já que
a ansiedade é extrema."
• Respostas de descrição de comportamentos encobertos (sentimentos e pensamentos):
"Senti que as poucas dicas que eu dei foram refutadas por ela. Ao mesmo tempo que
ela quer que aponte caminhos, parece ter sempre uma resposta pra manter a situação
como está."
O pensamento é uma avaliação de que seu próprio comportamento não produziu
as conseqüências esperadas.
Os sentimentos, como foram desencadeados por frustração podem ser
interpretados como de raiva, medo, angustia, etc. (Isto é discutido com o cliente).
• Respostas que tem como função de mando para o supervisor, que teria como conseqü­
ências mudar suas próprias contingências, a fim de alterar o comportamento de seu
cliente:
"O que eu poderia sugerir pra ela conseguir novos amigos, aumentar o repertório? A
auto-estima dela é baixíssima..."

2° Passo: Estímulos conseqüentes


Identificar e descrever estímulos conseqüentes.
- Diante das análises e sugestões de F. o cliente:
"M. afirma que não pode fazer isso, que tiraria o espaço das crianças e que a situação
da moradia é suportável, desde que ela tenha outra coisa para animá-la."
"Ela afirma que gostaria de lutar por ele, mesmo que depois chegue á conclusão que
não era o que ela queria..."
"... ela afirma que isso atrapalharia o seu trabalho.” (mudar horário da academia)
"Ela concordou, embora tenha achado caro." (relaxamento)

Todas as respostas do cliente têm função de esquiva


3° Passo: Estimulos Antecedentes
Tentar identificar os Estímulos Antecedentes para fazer a análise funcional, iden­
tificar as relações, ou seja, tentar responder à questão: A que estímulos F. estava respon­
dendo quando se comportou daquela maneira?
3.1. Histórico de vida (histórico de reforçamento de F.):
F. é jovem, formada há três anos, trabalha como terapeuta e faz mestrado. Na sessão
faz análises pertinentes. Estes dados demonstram que é uma pessoa com bom repertório
teórico nas que não se sente suficientemente segura de suas intervenções. O fato de fazer
supervisão há trôs anos, demonstra seu empenho em desenvolver um bom trabalho. O supervisor
também tem dados anteriores que demonstram que F. ó uma pessoa exigente consigo mesma
e muito responsável. O comportamento de F. na sessão confirma estes dados: diante da
dificuldade com a cliente, F. vai procurar ajuda na supervisão (não se esquiva). Repertório
desenvolvido de seguir regras e de lidar com contingências (seguir suas próprias regras).
3.2. Estímulo Contextuai:
• Está trabalhando como terapeuta, em sua cidade de origem há pouco tempo;
Nesta situação (mudança do ambiente profissional), manter clientes parece ter um
valor reforçador especial, ou seja, isto poderia ser também considerado como uma Operação
Estabelecedora;
- O seting terapêutico, ou seja, a situação específica que determina a função do comporta­
mento do terapeuta, ou seja, atender às demandas do cliente.
3.3. Estímulo Condicional:
• Condição sócio econômica do cliente que ó uma pessoa com boa posição na cidade o que
de várias maneiras pode interferir no desempenho do terapeuta. Pode ser um estimulo que
sinaliza tanto reforçador como aversivo, na medida em que o terapeuta "precisa estar a
altura do cliente". Pode ser um estímulo que sinaliza reforçador, na medida que pode lhe
trazer novos encaminhamentos;
• Características do encaminhamento. O terapeuta estará respondendo também ao seu
próprio marido, que encaminhou o cliente.
3.4. Estímulo Discriminativo:

• Todo o relato do cliente sobre suas dificuldades;


• Comportamento ansioso do cliente na sessão;
Atenção especial às falas:
(mando) “...precisa de um tipo de terapia direta, que aponte caminhos e não fique
trabalhando “no mundo das idéias".
"...diz que havia tomado Olcadil e que toma freqüentemente, não consegue dormir sem
tomar calmante, se acorda tem pensamentos aterrorizadores."
"...foi difícil, ela não parava de falar..."
Com esta identificação podemos formular hipóteses a respeito das funções do
comportamento de F. (4“ Passo)
- Ela esteve sob controle dos estímulos descritos, mas respondeu principalmente aos Estí­
mulos Condicionais, ou seja, respondeu à si mesma (aos seus próprios motivos) e não à
demanda do cliente. Isto fica claro no fato de que usa seu referencial teórico topografica-
mente adequado, mas não funcionalmente adequado, ou seja, não produz as conseqüên­
cias desejadas e que o estimulo discriminativo que controlou foi o mando inicial do cliente:
"preciso de uma terapia..." e não à descrição da queixa ou comportamento ansioso na
sessão.
Com esta análise funcional, F. pode ter conhecimento da funçáo de seu próprio
comportamento e tentar alterar as contingências, para conseguir conseqüências mais
reforçadoras. (4o Passo)

Análise funcional do comportamento do terapeuta

3° Passo

Histórico de Vidti:
I ormada há 3 anos;
Hom repertório teórico;
lixiHcntc, responsável.
1° Passo / v.i). 2° Passo
hstimulos ( ontextuais:
I Analisa o
Trabalha em clinica lui ^ anos,
com portam ento do
- Setinu terapêutico
Kstlmulos cliente;
Respostas de
Anlcccdcnte.s
V I 2. Oferece alternativas; esquiva do cliente
Kstinuilos ( ’oiulicionais:
- ( 'ondiçtko sociocconftmica e
V Keuçóc*. corporais
características do cliente,
de ansiedade.
- M arid o encaminhou o cliente.

Istlm u lo s Discrim inativos.


M ando do cliente,
Relato do solhm cnto,
( 'omportaincnto ansioso do
cliente.

Análise funcional do comportamento do cliente (M.)


1° Passo: Respostas públicas e encobertas
Unidade de análise - comportamento do cliente na sessão.
Respostas descritas (públicas e privadas)
• Relato de seu relacionamento com homem casado que está se esquivando;
“A cliente afirma que o que mais a incomoda ó que apaixonou-se por um homem
casado (...) marca um programa e só quer conversar"
• Relato de sentimento de que ele é a única coisa reforçadora na vida dela;
"M. afirma que este homem é um galinha, que já teve outros relacionamentos extra­
conjugais e que a vampiriza, mas ó a única coisa reforçadora em sua vida"
• Relato de reações corporais de ansiedade;
"(...) diz que havia tomado Olcadil e que toma freqüentemente, não consegue dormir
sem tomar calmante, se acorda tem pensamentos aterrorizadores"
• Relato de que tenta se manter em forma física mas que isto não está sendo suficiente
para produzir reforçadores;
“Não sei o que acontece, eu estou em forma, faço de tudo e ninguóm quer transar comigo"
• Comportamento ansioso na sessão.
“(...) ela não parava de falar”

2° Passo: Estimulos Conseqüentes


• Sentimento de que está perdendo o amante;
• Percepção da dificuldade em atrair outros homens "reforçadores";
• Sentimento de baixa auto-estima;
• Sentimentos de frustração, raiva e impotência diante da situação, descritos como senti­
mentos de ansiedade e angústia.

3° Passo: Estimulos Antecedentes


3.1. Histórico de vida (História de Reforçamento):
• Repertório afetivo pobre: com marido, filhos, familiares e amigos, tanto descritos na
infância, como atualmente;
• Baixo repertorio social;
• Regras sobre relacionamento social e afetivo, que demonstram que, para ela, os estímulos
reforçadores são: posição social, aparência e poder econômico;
• Sentimento de menos valia como pessoa e nenhum valor reforçador para estímulos afetivos;
• Única estratégia encontrada para conseguir reforçadores na classe de comportamentos
de sedução e sexualidade.

3.2. Estimulo Contextuai:


• Fase da vida: Idade do cliente, baixo repertório de relacionamento afetivo com o marido e
com os filhos adolescentes, e social.

3.3. Estimulo Condicional:


• Aparência física do cliente que embora bem cuidada não parece mais uma "menininha";
Como, pela história de reforçamento, a estratégia para conseguir reforçadores enfoca
os atributos físicos, ela sente como se estivesse perdendo com o tempo (e está), a
possibilidade de continuar a consegui-los da mesma maneira;
Tem também um repertório muito pobre para conseguir novos reforçadores, que
aliado à esquiva do amante, pode ser também considerado como Operação Estabelecedora,
que faz com que este reforçador (o amante) passe a ter um valor tão aumentado que ela
o descreve como se fosse sua última possibilidade (reforçadora).
3.4. Estímulos Discriminativos:
- Amante está se esquivando de relações sexuais.

Análise funcional do comportamento do cliente


3o Passo
1° Passo / v.i). 2° Passo
Histórico de Vida
KeperliSrio afetivo pobre,
Unix«) irpcrtíSno social,
IU'kihs c prccimccitoH. 1 Kcnlmicnto ilc i|iic onIA
1 Kelucinnanicnlo
pcrdctulo o Miimnte,
com hom em casado,
listlmulos Contextuais que CNtá kc
I iihc (lii vidu, idade, 2. Dilïculdiule em atruir
ettquiVHiulo,
iN lim u lo H rclacioniiiiwntoK *oci*l e outroN lioinciiH

Anleccifcnlcs atctivo. 2. S ciU im cnto de que "rclurviidori-.s".


V I ele Ó II úmcil COINM
I .Nllimiliis Condicionais 1 llaixa Mulo-cMiiina,
rclorvm lorH cin suu
- Sua aparência tlmca viiln.
4. Sentimento dr
uiiNirdade c angim lia;
1 Kcuv<Vx corporaiH
de aiixicdadv
I n II i i h i Ioh D i s c r i m i n a t i v o *
5 IlUHCll llT Iip ill

- r s i | i i i v i i t io a m a n t e

Análise das relações (4° e 5° Passos)


O cliente continua se comportando diante da nova situação (não é mais jovem e
está perdendo o amante) com o mesmo repertório que sempre usou para conseguir
reforçadores, mas nestas condições o repertório não esta sendo funcional, ou seja, ela não
está mais tendo as mesmas conseqüências que tinha antes, pois as contingências mudaram.
Diante dessa situação sente-se em “desamparo" e vai em busca de ajuda (terapia).
O reforçador pra ela ó homem casado com mulher bonita que, seja rico, bem-
sucedido e que queira se relacionar sexualmente com ela (talvez a função seja de esquiva
de enfrentar as novas contingências).

Função de procurar a terapia:


• Conseguir meios para manter o amante, ou seja, estratégias para obtor as mesmas
conseqüências, diante da mudança nas contingências.

Previsão do comportamento do cliente:


• Dificuldade de manter este amante;
• Dificuldade de conseguir reforçadores desejados;
• Dificuldades de aprender a buscar reforçadores diferentes.
Em termos de operações de regras, princípios e estratégias, este cliente (M)
busca reforçadores tipo sexuais. Como nâo mantém vínculos reais com estas pessoas
com as quais se relaciona, estes reforçadores só funcionam como tal durante a conquista,
por isso, ela precisa sempre de mais uma relação e outra, parecendo que tem uma
necessidade sexual exarcebada. Como está perdendo com o tempo os atributos necessários
para continuar conseguindo estes reforçadores, vai se sentindo em desamparo. A busca
por uma "terapia direta que aponte caminhos”, como ela diz, é uma busca para encontrar
uma "fórmula mágica" para voltar a ser, como quando tinha 20 anos, ou seja, mudar uma
contingência que não dá para ser mudada, como esquiva de mudar o seu próprio
comportamento. É isto que ela deseja do terapeuta. Já o terapeuta, sob controle das suas
condições, o que torna muito reforçador manter este cliente, usando seu referencial teórico,
faz analises certas (pois verdadeiramente essa pessoa está em sofrimento por estar vivendo
uma situação muito aversiva, precisa variar seu próprio repertório, e aprender a buscar
novos e diferentes reforçadores), mas isto para este cliente é muito difícil e não é isto que
o cliente busca no momento. Com sua baixa resistência à frustração ela deseja reforçadores
imediatos (repertório desenvolvido em esquema de reforço contínuo) por isso o uso freqüente
da medicação que abaixa a ansiedade imediatamente. Se continuar assim, possivelmente
aumentará ainda mais a freqüência do uso da medicação. Não tem repertório de comportar-
se até conseguir reforçadores que se mantenham (reforço intermitente), por isso as esquivas
diante das alternativas oferecidas pelo terapeuta. Pelo menos na área das relações
interpessoais. Pode ter repertório deste tipo desenvolvido na área profissional, já que é
uma arquiteta bem-sucedida.
Em termos de previsão, pelo menos neste momento, dificilmente este cliente se
manterá em terapia, mas pela sua dificuldade em formar e manter vínculos, dificilmente
o terapeuta conseguirá fazer um vínculo com ela, possivelmente se for investigado,
poderemos verificar que ela deve ter trocado de terapeutas, da mesma maneira que
troca de parceiros sexuais. Talvez só tenha mantido o relacionamento com este amante
por dois anos, pois já estava percebendo sua dificuldade em conseguir outros.
Provavelmente ela deverá procurar outras estratégias formas, como por exemplo, cirurgias
plásticas, a fim de continuar conseguindo os mesmos reforçadores, sem mudar seu
comportamento, até que talvez aumentado o sofrimento, ela venha a buscar uma terapia
no sentido de tomar conhecimento da função de seus comportamentos e encontrar meios
para mudar suas contingências.

Referências
Andery, M. A. P. A., Micheletto, N., & Serio, T. M. A. P. (2001). Análise Funcional na Análise do
Comportamento. In H. J. Guilhardi (Org.), Sobre Comportamonto e Cognição. Expondo a Vari­
abilidade, Vol. 8 (1 st ed., pp.148-157). Santo André: ESETec Editores Associados.
Kubo, O. M., & Botome, S. P. (2001, Jan/Dec). Ensino - Aprendizagem: uma interação entre dois
processos comportamentais. Interação, 5, 133-171. [Revista do Departamonto de Psicologia
da UFPR, Curitiba.]

Matos, M. A. (1999, Sep/Dec). Análise Funcional do Comportamento. Revista Estudos de Psico­


logia, 16(3), 8-18. Campinas, Puc-Campinas.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Livraria Martin Fontes
Editora.

Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement. A theoretical analysis. New York: Appleton


- Century - Crofts.

Skinner, B. F. (1989). Questões Recontes na Análise do Comportamento. Campinas: Papirus.

Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind? American Psychologist, 45(11),


1206-1210.
Capítulo 23
Condução de atividades lúdicas no
contexto terapêutico: um programa de
treino de terapeutas comportamentais
infantis
Jocelaine M artins da Silveira
Universidade ísfadual de l ondrina
Edwiges Ferreira de Mattos Silvares
Universidade de São Paulo

O treinamento de terapeutas comportamentais infantis (TCIs) tem atraído pouca


atenção de pesquisadores, clínicos e professores de Terapia Comportamental até o momen­
to. Isso é compreensível, levando-se em conta a subordinação desta área de conhecimento
à história da Terapia Comportamental. Esta disciplina, além de recente no cenário das
terapias psicológicas, têm sofrido inúmeras alterações derivadas de autocríticas; o treinamento
a ser descrito aqui, parece decorrer de parte dessas alterações, como se verá a seguir.
As questões empíricas relacionadas ao repertório comportamental do
psicoterapeuta tenderam a permanecer despercebidas durante um período histórico da
Terapia Comportamental em que a preocupação esteve centrada meramente na aplicação
de princípios de aprendizagem para promover mudanças no comportamento humano. As
características do terapeuta passaram, paulatinamente, a atrair a atenção de pesquisado­
res e clínicos que encontraram nelas parte da explicação para os resultados da terapia
(Ferster, 1979; Kohlenberg & Tsai, 1991). Isto equivale a dizer que a análise do comporta­
mento do terapeuta durante a sessão e seu potencial naturalmente reforçador para algu­
mas instâncias do comportamento do cliente ganharam significativo apreço.
No âmbito da história da Terapia Comportamental Infantil, no Brasil, Conte e
Regra (2000) distinguem duas oras; a primeira, que conferiu ênfase à Modificação do
Comportamento Infantil, seguida daquela que se caracterizou por uma preferência pela
Análise Comportamental.
A Terapia Comportamental Infantil é hoje considerada “uma atividade profissional
clínica reconhecidamente diferente da Modificação do Comportamento Infantil", conforme
Conte e Regra (2000) (p. 79). As autoras esclarecem que o papel dos pais na terapia,
atualmente, é o de analistas do comportamento da criança e de seu próprio e não mais de
mediadores da aplicação de procedimentos clínicos.
De acordo com Conte e Regra (2000), pelo menos quatro propriedades da assim
chamada "modificação do comportamento infantil" a distinguiriam da Terapia
Comportamental Infantil. São elas: a ênfase em uma única resposta ou classe de respos­
tas; a negligência dos eventos privados da criança; o foco em eventos ambientais públicos
e imediatamente antecedentes e conseqüentes à resposta; e a necessidade da descrição
rigorosa dos comportamentos-queixa.
As autoras lembram

Blnicialmento...O trabalho direto do terapeuta com a criança no decorror do pro­


cesso era praticamente ausente. Geralmente, o contato entre o terapeuta e a
criança resumia-se apenas à observação de comportamentos do interesse apre­
sentados pela criança...” (Conte & Regra, 2000. p. 81).

Atualmente, o terapeuta que atende crianças costuma observar instâncias de seu


próprio comportamento que têm efeito sobre o comportamento da criança em atendimento
e vice-versa. Possivelmente, as questões relativas ao treino do TCI aumentarão à medida
que a atenção se voltar para as implicações das chamadas variáveis do terapeuta (suas
habilidades, características, etc) nos resultados do tratamento.
Terapeutas comportamentais de adultos e TCIs têm devotado especial atenção à
análise de sua interação com os clientes, prevenidos da importância de seu potencial
naturalmente reforçador da mudança comportamental de interesse clínico. Ambos valem-
se da análise funcional do comportamento para avaliar e intervir em problemas clínicos,
mas diferem, principalmente, no recurso às atividades lúdicas, típico da prática do TCI.
Os recursos utilizados por terapeutas de adultos e TCIs acabam sendo, muitas
vezes, distintos. Os TCIs precisam recorrer a brinquedos e ter um amplo repertório
comportamental relacionado ao lúdico (Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000; Kanfer, Eyberg
& Krahn, 1992; Knell, 1994,1995; Rayfield, Monaco & Eyberg, 1999).
Embora nao tenha discorrido extensamente sobre o assunto, Skinner (1989/1991)
formulou sumariamente as contingências que definiriam os comportamentos de jogar e
brincar. Os jogos, segundo ele, descrevem contingências de reforçamento inventadas,
portanto contêm regras criadas. De acordo com o autor:

"Existom contingências naturais segundo as quais correr mais depressa do que


o outro ó reforçado, mas as contingências do uma maratona sâo planejadas.
Brigar na rua tem conseqüências naturais, mas brigar no ringue acarreta
conseqüências planejadas adicionais. Jogos como o beisebol e o basquetebol
são jogados de acordo com regras. O jogo não é vorbal, mas as regras são
mantidas por árbitros e juizes cujo comportamento ó decididamente verbal. Os
movimentos dos jogos de estratégias são, em si mesmos, verbais no sentido de
que sâo reforçados somente pelos seus efeitos sobre outro jogador...” (Skinner,
1989/1991, p.63).

A diferença entre o brincar e o jogar, segundo Skinner, consiste em que os jogos,


além de pressuporem o estabelecimento de regras, são competitivos e sugerem fortemen­
te um vencedor e um perdedor. Já o comportamento de brincar náo estaria, predominan­
temente, controlado pelo ambiente social.
Diversas atividades lúdicas propostas por TCIs para as crianças, costumam divi­
dir-se nessas duas grandes categorias: jogar e brincar. Tanto o jogar quanto o brincar
propiciam condições para a aprendizagem de comportamentos de interesse clinico. O
papel das atividades lúdicas na terapia comportamental infantil é contribuir, entre outras
coisas, para: 1) diminuir relações coercitivas entre a criança e seus pares etários e entre
ela e os adultos - pais, professores ou outros; 2) desenvolver habilidades diversas e 3)
fomentar comportamentos de interesse clínico durante a sessão.
Silveira (2003) avaliou um programa de treino de habilidades elementares de
TCIs, com ênfase na condução de atividades lúdicas. Os resultados indicaram que o
programa foi efetivo no treino da promoção de atividades lúdicas no repertório de estu­
dantes da terceira série do curso de Psicologia de uma universidade brasileira (N = 15).
O programa destinou-se a estudantes da terceira série do curso de Psicologia
que não dispunham de experiência prévia relacionada à terapia infantil. Seu objetivo foi
treinar habilidades de conduzir atividades lúdicas com crianças indicadas para tratamento
psicológico.
As sessões de treino foram planejadas de modo a ocorrerem duas vezes por
semana, durando 120 minutos cada uma. O programa conteve 12 sessões e seu tempo
de duração foi de seis semanas.
Os métodos predominantes no programa foram a modelação, a modelação por
textos, a modelagem, a retro-alimentação e a instrução. A modelação foi predominante­
mente observada nas sessões em que os estudantes observaram uma TCI conduzindo
uma sessão de atividades lúdicas, com uma criança. A modelação por textos consistiu na
leitura de textos redigidos na voz ativa e que descreviam a interação de uma TCI com seu
cliente. A modelagem foi presumida da interação que os estudantes tiveram com o próprio
grupo e com crianças durante o programa. A retro-alimentação constou de observações
feitas pela pesquisadora e pelos colegas do grupo ao final da condução de uma atividade
lúdica com uma criança. Por último, a instrução, que ocorreu predominantemente em
sessões iniciais. A instrução também foi dada previamente à sessão com uma criança,
quando foram explicitados os jogos e brincadeiras a serem aplicados e os comportamen­
tos da criança a serem reforçados e/ou extintos.
Durante as sessões de treino 8, 9, 10 e 11 foram deixados à disposição do
estudante vários recursos lúdicos. Os brinquedos foram mantidos em uma sacola de
papel pardo posicionada em um canto da sala, a fim de que não distraíssem a criança
antes do momento planejado para seu uso. Cada brinquedo foi retirado da sacola no
momento em que seria usado.
As sessões componentes do programa de treino em que os estudantes interagiram
com as crianças foram planejadas, definindo-se as atividades lúdicas a serem realizadas,
em conformidade com a decisão do terapeuta de fortalecer ou enfraquecer determinadas
classes de resposta apresentadas pelo cliente. Para cada sessão, pelo menos três
atividades foram programadas, sendo uma inicial, aquela que foi considerada de importân­
cia central e uma outra para finalizar o encontro.
A aplicação das brincadeiras manteve-se subordinada aos objetivos de fortale­
cer e enfraquecer classes de resposta previamente indicadas pelos terapeutas das cri­
anças. Assim, a duração, a repetição, a suspensão e até mesmo a inovação das brinca­
deiras dependeram, primordialmente, da resposta emitida pela criança e da classe a
que (a resposta) pareceu pertencer. Por exemplo, supondo que uma criança com dificul­
dades de fazer pedidos e cujos comportamentos concorrentes com esse problema de­
vessem ser fortalecidos, pedisse para repetir uma das brincadeiras, sua solicitação
seria atendida (e supostamente reforçada), mesmo que isso implicasse a suspensão da
próxima atividade.
Nas sessões de treino em que interagiu com uma criança, uma dupla de estudan­
tes programou seu revezamento de modo que cada participante tivesse a oportunidade de
conduzir a interação individualmente.
As atividades lúdicas foram diversificadas entre as sessões de treino. Foram rea­
lizadas, por exemplo, colagens livres, colagens com temáticas definidas, confecção de
painéis, jogos de observação, jogos com lápis e papel; contorno do corpo no papel; brinca­
deiras com massinha caseira; jogos de expressão (imitação de animais e profissões;
repetindo gestos, etc.) e dramatizações com fantoches, conforme conviesse a cada caso.
Estando as crianças muito quietas ou tímidas, utilizaram-se jogos de rapidez e reflexos, o
que ocorreu raramente. Os jogos de mesa com longa duração (damas, dominó, ludo, etc.)
foram evitados, pois reduziriam as oportunidades de manejo das atividades para o estu­
dante, como, por exemplo, concluir uma brincadeira e propor outra ou deixar que a criança
ensinasse uma brincadeira.
Conforme já se discutiu, a aplicação da atividade lúdica esteve subordinada aos
objetivos da sessão e às metas terapêuticas. Tais metas são extremamente
idiossincráticas. Mas, ao programar as brincadeiras desse programa de treino, houve
alguma regularidade na correspondência entre as atividades recomendadas e os tipos de
problemas comportamentais apresentados pelas crianças. As atividades lúdicas progra­
madas e os respectivos comportamentos que se destinaram a fortalecer e enfraquecer
estão apresentados na Tabela 1.
Convém lembrar que, possivelmente, a principal intervenção do TCI para enfra­
quecer determinados comportamentos da criança seja o reforçamento diferencial de
outros comportamentos (DRO). O DRO requer o reforçamento de comportamentos dife­
rentes ou incompatíveis com o comportamento a ser enfraquecido. O DRO apóia-se na
premissa de que um comportamento indesejável não pode ocorrer quando outro compor­
tamento concorrente está em curso. Nesse caso, o procedimento de extinção de deter­
minados comportamentos costuma ser combinado com o reforçamento de outros alter­
nativos (Knell, 1995).
Tabela 1. Atividades lúdicas, sua descrição e comportamentos a serem enfraquecidos e
fortalecidos, conforme programação das sessões de treino.

A T IV ID A D E D E S C R IÇ Ã O COM PO RTAM ENTOS A COM PO RTAM ENTOS A


ENFRAQUECER TO RTELECER

C olagem livre Folheiam -se revistas e a s Fuga/esquiva de Relatar estim ulos


figuras atrativas por su a s verbalizaçõ es sobre reforçadores positivos,
características positivas ou estim ulos reforçadores negativos e aversivos
negativas s â o recortadas e positivos e aversivos. do contexto de vida
coladas em um cartaz, que
ó com entado

C olagem temática Define-se um toma com o a Fuga/esquiva de Relatar relações funcio­


família ou a escola o a s verbalizações sobre o nais em ambientes
figuras d e sta ca d a s d a s tema. ospeclficos.
revistas deverão relacio­
nar-se a ele. A s figuras
com porão um carta/ que 6
discutido

Argila, m assinha de E s se s materiais podem ser Fuga/esquiva de sujar- C oncentrar-so na


modelar ou m assinha sentidos com os olhos fecha se; de bagunçar a s atividade e na convorsa
caseira doe e multas formas e movi­ coisas; de errar (porque durante a atividade.
mentos podem ser dados a e s s e s materiais permi­ Q u a n d o a m assin ha
eles. A experiência sensoriai tem corceçâo) ou de ser caseira é preparada,
pode ser explorada e a forma d e sa p ro v a d o adicionalmente, pode-se
da escultura [xxie dar origem D isp e rsa r-se da promover o sentimento
a mais investigações sobro a atividade e da conversa. de autoconfiança.
vida da criança.
A m a ssa de farinha caseira
pode ser feita na própria
s o s s à o com ajuda de uma
receita.

Conlecçàode pam
óls Painóts sâo compostos (com Fuga/esquiva do ReJatar comportamentos
desenhos e palavras) em papel verbalizações relaciona­ próprios e de outras
mantui ou cartolinas orçjanizafv d a s ao tema. D ireção da pessoas do contexto de
do eventos, sequências atenção a estim ulos vida Portanto, isso pode­
compoftamentals ou eotímulos diferentes d o s que ria aumentar a consdôn
antecedenteae consequentes constamnopainel. dasobreeventose
de urna resposta seqüências
comportamentais impor­
tantes.

Confecção de cartões Em datas comemorativas ou Birra e agressividade Comportamento verbal


com m e n sag e n s em quaisquer ocasiões, estreitamente relaciona­ referente ao relato de
cartões podem ser confec­ d a s com a privação de sentimentos e estados
cionados, exp ressan d o atenção e carinho e de privação de afeto,
sentim
entosapessoa signi­ geralm
ente cujoefeitosocialcostu­
ficativas. A s con seq üê nci­ realacionadas com m aredundar em aumen­
as sociais da expressão de sentimentos de baixa to da auto-estima.
sentimentos de aproxima­ auto-estlma
ção podem ser descritas.
D e se n h os, produção P eças artesanais, desenhos, Dependência de outros, Com portam entos de
de peças artesanals, alimentos ou dobraduras geralmente a com p anh a­ Iniciativa e autonomia,
preparação de podem ser produzidos com a d o s de sentimentos de em geral, relacionados
alimentos e orientação do terapeuta ou baixa autoconfiança. com sentimentos fortes
paplroflexla da própria criança que, de autoconfiança
eventualmente, ensina ao
terapeuta o que aprendeu
fazer em outros contextos.
Foram produ/ldas por exem ­
plo, poças em biscult, flores
com fitas de tecido e
dobraduras em papel.

C o n e co s e fantoches B o n e c o s e fantoches po­ Agitação realcionada à Fantasiar de m odo a se


dem ser p erso na gen s que ansiedade no contexto sentir segu ro e relaxa­
ganham falas e a çõe s em clinico. Fuga/esquiva de do no ambiente clinico.
um a história construída pela falar de Interações Relatar padrões de
criança. in terpesso ais aversivas. interação Interpessoal
freqüontes no contexto
de vida.

C ontorno do corpo no A criança deita-se sobro um Fuga/esquiva de falar Compreender o funcio­


papol papol manilha estendido no sobre o s freqüentes namento do organism o e
chflo e o terapeuta delineia o acidentes na eliminação s e u s sistemas. Aderir à s
corpo com pincel atômico. 0 de fezes e urina, em propostas terapêuticas
contorno do corpo no papel c a so s de enurese e do mudança de hábito
é observado o comentado e encoprese. Sentim entos alimentar o da rotina, nos
a criança pode com plem en­ de descontrole, de culpa c a so s de transtornos de
tar o desenho, conforme o s e de vergonha pelos eliminação.
interesses do caso. Um a acidentes que ocorrem
criança com oncoprese por com crianças com trans­
exemplo, fxxle desenhar o tornos de eliminação.
aparelho digestivo no s locais
correspondentes, com ajuda
do terapeuta.

Rondas, canções D e acordo com Brandão e Se n tim e n to s de a n s ie ­ A s crianças


infantis e parlendas. Freseler (1997), denomina- dade, tédio e baixa frequentemente ensinaram
(A program ação se ronda a brincadeira de a u to co n fia n ç a. aos estudantes, rondas,
consistiu roda com m úsica e coreo­ canções e parlendas que
simplesmente em grafia. A s parlendas sã o conheciam. Quando Isso
deixar que a criança rim as infantis quo divertem, aconteceu, fxxjve uma
as en sin a sse para o p s ajudam a memori/ar, a e s ­ tBndôndn a aumentar o
estudantes colher quem com eça a relaxamento, a aproxima­
brincadeira e podom exerci­ ção cia dfade estudante/
tar a dicção correta da s criança e a autoconfiança
palavras. Por exemplo, o s dodierte.
conhecidos v e rso s "um,
dois - feijão com arroz..."
ou para escolher quem
com eça a brincadeira -
"m am ãe m andou eu bater
n e sse daqui..."
J o go s de m esa S â o jogos que requerem N e sse estudo foram Costumam ser indicados
(Foram evitados na tsbuleiro ou m esa, com o por u sa d o s som ente para para observar ou modelar
program ação mas, exemplo o ludo, a s dam as, concorrer com preocu­ o comportamento da
u sa d o s o dominó, o pega-varetas pação, ansiedade e criança mladonado ao
ocasionalm ente na s (rnlkato). tristeza, m as podem cumprimento de regras.
se ssõ e s) concorrer também com F adlitam a modotagom de
o comportamento de tomada de decisões e
descum prir regras. Iniciativa, quando o
terapeuta deixa que a
criança indique o s próxi­
m os passos do jogo.
N e sse estudo, foram
usados apenas para
promover divereão e
ralnxamonto.

J o g o s do observação Conform e a definição de Direção da atenção para O b serva r o s outros.


Allué (1998), sã o jogos que objetos ou outros a s ­ A proxim ar-se do
instigam a capacidade de pectos que não estejam terapeuta. Dirigir-se aos
observação e a atenção. diretamente relaciona­ outros.
S â o jogos que profrôem dos ao terapeuta. Fuga/
perguntas com o "O nde está esquiva da interação
oscon d id o?" ou " 0 que direta com o torapeuta
estou v e n d o ?”. (olhar nos olhos, dirigir-
se a ele etc.).

J o g o s com lápis e S â o jogos que requerem Fuga/esquiva do co n ­ Em crianças há beis na


paf>fll lápis o papel. A s crianças texto escolar. leitura e escrita podem
com idade escolar aum entar o sentimonto
froqüentemente propuse­ de autoconfiança. Em
ram n e sse estudo o |ogo do crianças com dificulda­
"Enforcado", o “Siop"oo des nocontoxto esco­
|ogo ria velhu. lar, podem prom over
aproxim ação de materi­
ais que lom bram a
e scola.

J o g o s do exp ressão J o g o s do mímica em geral. Sentir-se entediado ou G ostar do contexto


ou dramáticos e Eventualmente envolvem triste. Fuga/esquiva de clinico e do terapeuta.
pantomimas. imitações, que podem ser contato direto com o Nom ear sentimontos e
por exemplo, do anim ais ou terapeuta intorpretar e x p re ssõ e s
de profissionais para que o não verbais de senti­
outro adivinhe. Há varia­ mentos. O b se rva r o s
çõe s com o imitar, por exem ­ outros e aproxim ar-se
plo, um animal com objetivo deles.
de provocar riso no outro,
que deverá evitar o riso.

A título de ilustração da aplicação das atividades lúdicas durante o programa de


treino, tome-se uma das sessões em que as estudantes interagiram com uma menina
de oito anos, cuja queixa clínica inicial exposta pela mãe foi de choro freqüente, falta de
iniciativa, timidez (não falava em sala de aula; dificuldade para fazer amigos) e insegurança
ou baixa autoconfiança em diversas áreas.
No momento da interação com as estudantes, a criança já havia sido submetida
a várias sessões de terapia que visaram fortalecer sua autoconfiança e auto-estima por
meio do encorajamento de comportamentos como entregar bilhetes simpáticos aos cole­
gas de sala; produzir coisas potencialmente reforçadoras para os outros, como, por exemplo,
preparar um docinho caseiro durante uma sessão. Durante o tratamento, em sessões
realizadas com a mãe, analisou-se funcionalmente a relação que tinha com a filha e as
conseqüências de punir ou ignorar os comportamentos da criança relacionados à compe­
tência na realização de tarefas domésticas e escolares. A mãe, na ocasião em que as
estudantes interagiram com a menina, já estava consciente da importância de valorizar
aqueles comportamentos.
Assim, na sessão de treino de condução de atividades lúdicas da qual a cliente
participou, foram deixados disponíveis materiais para confecção de biscuit, a atividade
central. Durante a confecção apenas uma das estudantes conduziria a atividade. Em
todas as situações, a estudante apenas explicou, ofereceu modelo e iniciou a modela­
gem do biscuit. A cliente criou uma escultura e esta habilidade foi descrita e valorizada
pela estudante. A cliente produziu um imã de geladeira, um rosto de menina com cabe­
los loiros cacheados, que foi embalado em uma pequena caixa de presente a ser ofere­
cida à mãe.
A tarefa principal da dupla de estudantes, ao conduzir a brincadeira, foi reforçar
diferencialmente comportamentos previamente descritos pela terapeuta do caso. A clien­
te exibiu com muita freqüência comportamentos a serem reforçados: fez, sem hesitação,
o biscuit; contou que era capaz de fazer outras peças artesanais e que ficavam bem
feitas; sorriu e fez perguntas que levavam a uma aproximação com as estudantes etc.
Assim, nessa sessão, a cliente ofereceu às estudantes poucas oportunidades para opta­
rem pela extinção, cujo emprego foi aparentemente mais difícil, para os estudantes sub­
metidos ao treinamento, do que o emprego de reforçamento positivo.
A avaliação do programa de treino sugeriu que ele tenha ajudado os participantes
não só a ampliarem o repertório lúdico, mas a ficarem mais atentos à interação com a
criança. As informações obtidas por meio do relato da criança pareceram receber menos
atenção em medidas aferidas pós-teste (após aplicação do programa), em comparação
com as do pró-teste (antes da aplicação do programa). Em vez disso, os estudantes
pareceram mais atentos à própria interação com a criança, depois de submetidos ao
treino. Um exemplo dos textos redigidos pelos treinandos é apresentado a seguir. Os
textos escritos por uma estudante, no pré-teste e no pós-teste, vão ilustrar o que pareceu
controlar seu comportamento ao observar a criança. O texto foi redigido pela estudante
em resposta à pergunta "O que você pode dizer sobre a criança, com base na interação
que teve com ela?”, no pré-teste:

"O A. me pareceu muito osporto, no entanto, um tanto agressivo, porque elo


relatou que ele bato na irmã, quando esta mexe em suas coisas o quo a mãe diz
para ele bater mesmo nela Falou também quo se envolve em brigas na escola
e que ofendo a professora. Relatou que quanto ele briga com a professora, o
padrasto bate nele, mas ele não se importa com isto. Elo disse que gosta de
fazer bagunça na escola, porque ele termina a tarefa antes dos outros colegas
então, vai ató a carteira de algum deles para atrapalhar. A respeito do padrasto, A.
disse que ele se diz seu segundo pai, mas ole o chama de tio." sic.
O texto redigido pela mesma participante, após interagir com outra criança no
pós-teste, foi o seguinte:

"O D. é muito extrovertido, conversa bastante e dividiu a atividade a ser realizada


comigo (pediu para eu desenhar com ele). Gosta de brincar, mas não consegue
ficar quieto, ou seja, sentando conversando. Quando perguntei quantos anos
tinha, teve dificuldade de me falar (mostrar com os dedos). Perguntei sobre a
irmã, respondeu que tinha uma o que ela era mais nova, mas logo mudou de
assunto. Sobre a escola, também se esquivou de falar.” sic.

É possível que a estudante tenha aprendido a conhecer a criança por meio de sua
própria interação com ela e parece estar mais inclinada a brincar com a criança em vez de
interrogá-la.
Digiuseppe, Linscott e Jilton (1996) alertaram para a importância de terapeutas
infantis fomentarem a aliança terapêutica no tratamento de crianças e adolescentes. Sabe-
se que a aliança tende a desenvolver-se logo nas primeiras sessões e que ó preditora dos
resultados no tratamento, independentemente da severidade do problema ou da orienta­
ção teórica (Digiuseppe, Linscott & Jilton, 1996). Um repertório lúdico deficitário do terapeuta
pode comprometer o sucesso das primeiras sessões com a criança e possivelmente, a
própria aliança terapêutica.
No presente capítulo, admitiu-se que a habilidade do TCI em conduzir atividades
lúdicas seja o centro da particularidade de sua atuação e por isso, merece treinamento
específico. Apresentou-se um programa de treino de habilidades elementares de TCIs e
uma lista de recursos lúdicos nele empregados, com os respectivos comportamentos da
criança a serem fortalecidos e enfraquecidos.
Sugeriu-se portanto, nesse capítulo, que as atividades lúdicas podem ser treina­
das eficazmente e que a ampliação do repertório lúdico é extremamente recomendável
aos iniciantes da terapia comportamental infantil. Nesse sentido, o capítulo representa
uma síntese de uma das primeiras etapas de investigação nessa área, em que muito há
ainda para ser desenvolvido.

Referências
Alluó, J. M. (1998). O grande livro dos jogos. Belo Horizonte: Editora Leitura.

Brandão, H., & Froeseler, M. G. V. (1997). O livro dos jogos e das brincadeiras. Belo Horizonte: Editora
Leitura.

Conte, F. C. de S., & Rogra, J. A. G. (2000). A psicoterapia comportamental infantil: novos aspoctos.
In E. F. M. Silvares (Org.), Estudos do caso om psicologia clinica comportamental infantil, Vol. I (pp.
79-136). Campinas: Papirus.

Digiuseppe, R., Linscott, J.( & Jilton, R. (1996). Developing the therapeutic alliance in child-
adolescent psychotherapy. Applied and Preventive Psychology, 5,85-100.
Ferster, C. B. (1979). Psychotherapy from the standpoint of a behaviorist. In J. D. Keehn (Org.),
Psychopathology in animals: Research and clinical implications. Nova York: Academic Press.
Guorrolhas, F., Bueno, M., & Silvares, E. F. do M. (2000). Grupo de ludoterapia comportamental
x grupo de espora recreativo infantil. Revista Brasileira do Terapia Comportamental e Cognitiva,
2(2), 157-169

Kanfer, R., Eyberg, S. M., & Krahn, S. M (1992). Interviewing Strategies in Child Assessment. In
C. E. Walker & M. C. Roberts (Orgs.), Handbook o f Clinical Child Psychology (pp. 49-62). Nova
York; John Wiley & Sons.

Knell, S. M. (1994). Cognitive-behavioral play therapy. In K. J. O'Connor & C. E. Schaefer (Orgs ),


Handbook of Play Therapy. Advances and innovations (pp. 111-142). Nova York: Wiley.

Knell, S. M. (1995). Cognitivo-behavioral play therapy. Nova Jorsey: Jason Aronson Inc.

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional analytic psychotherapy: Creating intense and
curative relationship. Nova York: Plenum Press.

Rayfiold, A., Monaco, L , & Eyborg, S. (1999). Parent-child interaction therapy with oppositional
children: a review. In S. W. Russ & T. H. Ollendick (Orgs.), Handbook o f psychothorapios with
children and families. Nova York: Plonum Press.

Silveira, J. M. (2003). Avaliação de um programa de treino de habilidades elementares de


terapeutas comportamentais infantis: condução de atividados lúdicas. Tese de doutorado, não
publicada, orientada por Edwigos F. M Silvares e defendida no Instituto de Psicologia, Univor-
sidado do São Paulo, São Paulo.

Skinnor, B F. (1991). Quostões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus.


Seção IV

Acompanhamento
terapêutico
Capítulo 24
Acompanhamento terapêutico
- Da teoria à prática

AndrtaMdchdib Viânna
A M H A N 4 ÍCV M L A / ’ c A IS M
Thia#o R. de A . Sampaio
A M H A N -t IC ' - / M i / S n A f í f M

A idéia que norteou este capítulo ó frisar a importância do Acompanhamento


Terapêutico, um modelo de intervenção que vem ganhando cada vez mais espaço junto ao
atendimento clínico e em instituições, como hospitais-escola. Inicialmente descreveremos
o papel do acompanhante terapêutico (AT), sua importância na análise aplicada do
comportamento, e a proposta de um curso de formação. Em seguida, apresentaremos um
caso clínico, abordando aspectos teóricos e práticos, ilustrando os aspectos abordados
anteriormente.

1. Definição e origem do acompanhamento terapêutico


O acompanhamento terapêutico é melhor definido, como uma forma de interven­
ção e/ou complemento de um tratamento multidisciplinar, no qual o AT vai até o ambiente
natural do indivíduo, intervir junto ao paciente diretamente no comportamento problema.
Os primeiros trabalhos originaram-se do movimento antimanicomiaí, como uma
alternativa ás condutas terapêuticas hospitalares da década de 50, principalmente na
Europa e Estados Unidos, baseadas em tratamento medicamentoso e observação. Nos
anos 60, surgiram as comunidades terapêuticas, onde o paciente recebia acompanhamento
mais intensivo, nos moídes de um Hospital Dia, marcado por uma proposta mais
individualizada, onde o paciente receberia uma atenção intensiva (Mauer & Resnizky,
1987) e a relação afetiva interpessoal assumia importância primordial.
Na década de 70, o fechamento das comunidades levou os ATs a serem solicitados
nas residências dos pacientes. Exerciam as funções de auxiliar o paciente na administração
da medicação; ampará-los nas atividades rotineiras e ressocializá-los em seu ambiente
(Ibrahin, 1991). Em 1979, o conceito de acompanhamento ganha o caráter de intervenção,
levando estes profissionais, na sua maioria, a atuarem dentro de uma abordagem
psicanalítica durante crises psicóticas (Barreto, 1998).
Na dócada de 90, a análise aplicada do comportamento alcança espaço impor­
tante na comunidade psiquiátrica com os trabalhos de Marks em 1987. Os resultados
promissores obtidos com as técnicas utilizadas nesta abordagem, ampliaram as possibi­
lidades de atendimento, incluindo o trabalho do AT, a outros quadros patológicos não se
restringindo o atendimento à psicose (Drummond, L.M., 1993; Baumgarth, Guerrelhas,
Kovac, Mazer, Zamignani, 1999).

2. A análise do comportamento e o acompanhamento terapêutico


Uma de nossas premissas no papel de analistas do comportamento, é buscar
cada vez mais o acesso fidedigno às contingências mantenedoras de um comportamento
trazido como disfuncional pelo paciente.
Nas sessões em consultório por meio de relatos dos pacientes, escalas, testes
padronizados e entrevistas com familiares-obtemos dados para uma análise funcional e
esta, por sua vez, nos indica o que desencadeia, e mantém, determinado comportamento
apontando caminhos para a elaboração de um projeto terapêutico.
Mesmo com registros e tarefas de casa, instrumentos estes, facilitadores da
observação e aplicação das técnicas propostas na ausência do terapeuta, não obtemos,
em consultório, uma garantia total que os objetivos traçados entre terapeuta e paciente
se concretizem e comportamentos disfuncionais sejam modificados.
Dificuldades as quais nos deparamos, como por exemplo: casos graves e crônicos,
impossibilidade em lidar com conteúdo não verbal (quadros psicóticos), dificuldade de
acesso à dinâmica familiar do indivíduo, dificuldade de locomoção (seja devido a um
comprometimento físico, seja pela presença de um transtorno como a depressão); levam
os profissionais da área de saúde a buscar outras formas de intervenção como o
acompanhamento terapêutico. Este trabalho, torna possível a concretização de tais
modificações, acelerando na grande maioria das vezes o processo terapêutico e facilitando
a manutenção dos ganhos.
O acompanhamento permite que contingências artificiais, obtidas em consultório,
mantenham-se em ambiente natural, nas relações de contingências com a qual o individuo
convive.
Segundo Zamignani (1998), o trabalho com AT apresenta uma série de vantagens:
acesso a dados que explicitam as relações do individuo com o ambiente e suas relações
interpessoais; o AT age como um instrumento de modelagem e modelação; é um agente
ressocializador, os procedimentos realizados de forma assistida aumentam a adesão ao
tratamento; possibilitam uma discriminação imediata e permitem a aprendizagem de um
novo repertório comportamental.

3. O papel do AT e sua função dentro de uma equipe multidiscíplinar


Atualmente, vemos no Brasil, dentro da análise aplicada do comportamento, al­
guns núcleos, como Minas Gerais, Paraná e São Paulo (Zamignani, 1998; Carvalho, 2002
e Nolasco, 2002) que desenvolvem formação e aplicação do trabalho de AT.

286 A m lr é a M a c h a d o V i a n n a c H iia g o P. |>c A . S am p aio


O acompanhante terapêutico pode ser um estudante da área de saúde (psicologia,
psiquiatria, enfermagem, serviço social e etc...) ou um profissional já formado, que trabalha
normalmente em equipe multidisciplinar. Seu trabalho não se caracteriza apenas por intervir
no ambiente natural, tarefa esta que pode ser exercida também por um psicólogo.
A função do AT é determinada dentro da equipe, diferindo seu papel na ausência de um
psicólogo na mesma, pois dentro do programa de tratamento o papel de elaborar uma análise
comportamental adequada é atnbuído ao psicólogo, sendo de suma importância que o AT saiba
elaborá-la, visto que, em inúmeros atendimentos a equipe terapêutica se resume a AT e psiquiatra.
O Acompanhante Terapêutico não é um mero instrumento do psicólogo ou do psiqui­
atra, para aplicação de técnicas. Na atuação e supervisão de trabalhos com AT, observamos,
que o trabalho do mesmo, deve ser respeitado e valorizado dentro da equipe, como qualquer
profissional envolvido. Mesmo quando seu papel seja de somente aplicar determinado proce­
dimento, o AT deve participar á equipe a pertinência ou não de determinada intervenção. Com
o trabalho do AT, obtemos o retrato mais fidedigno da realidade do paciente, a intervenção
mais objetiva e o reforçamento mais imediato. Seu trabalho é de tal importância que direciona
muitas vezes a atuação da equipe, se a sua função também for entendida pela mesma.
A aplicação do técnicas pura e simplesmente, não garante a modificação de um
comportamento ou a manutenção de aprendizagem de um novo comportamento mais
funcional; sendo assim, a formação e supervisão constante, deste acompanhante é de suma
importância para um tratamento, o AT precisa compreender a motivação dos procedimentos
e a importância de uma análise funcional bem feita, mesmo que esta já tenha sido elaborada
por outro profissional envolvido (Holland, 1982; Guedes, 1983).
Para um trabalho eficaz o profissional deve capacitar-se de informações
fundamentais, tais como: conceitos básico da abordagem envolvida; as atribuições do AT; o
seu papel dentro de uma equipe multidisciplinar; sua atuação na família do pacionte,
importância da relação terapêutica e os sentimentos envolvidos; treino de observação e
entrevista psicológica; como realizar uma análise funcional; o racional; a aplicação das técnicas
envolvidas e noções de psicofarmacologia (Zamignani & Wielenska, 1999).

4. A formação do AT
Em virtude da grande demanda por este tipo de serviço, dos benefícios que este tipo
de tratamento traz aos pacientes, da oportunidade oferecida a estudantes de se inserirem no
mercado de trabalho e principalmente pela escassez de profissionais adequadamente forma­
dos (que tenham as informações citadas acima), levou a equipe de profissionais do Ambula­
tório de Ansiedade do Hospital das Clínicas (AMBAN) a organizar um curso anual para forma­
ção de ATs na abordagem cognitivo comportamental (TCC).
O curso une o aprendizado formal que tem como resultado colocar o repertório verbal
do aluno sob o controle de estímulos discnminativos verbais e o prático que desenvolve o
repertório do mesmo, quando colocado sob controle dos estímulos do próprio fenômeno. Não é
a precisão teórica ou formal da análise que comumente controla o comportamento do AT, mas
sim as conseqüências das suas intervenções no comportamento do paciente (Starling, 2002).
Em um primeiro momento os alunos são instrumentalizados de toda as informações
sobre identificação e manejo aplicados aos transtornos ansiosos, de humor, psicoses e transtor­
nos alimentares. Nos quatro meses seguintes realizam atendimentos a pacientes do Ambulató­
rio de Ansiedade supervisionados por psicólogos e psiquiatras especialistas em TCC.
O curso teve início há três anos e vem trazendo benefícios a pacientes, familiares,
estudantes e a profissionais já formados, que acreditam na efetividade do AT intervindo
segundo a óptica cognitivo-comportamental. A seguir, Thiago, ex-aluno do presente curso,
formado em Psicologia continua seu trajeto enquanto AT, nos apresenta um caso.

5. Contrato terapêutico
Um aspecto importante da prática do AT que procuraremos demonstrar ó a
flexibilidade que este profissional, muitas vezes estudante de psicologia, necessita para
lidar com contingências que escapam às condições ideais apresentadas pela teoria,
principalmente com relação ao comprometimento e a disponibilidade para o trabalho,
tanto do paciente como da família do mesmo, como a interação do AT com a equipe de
tratamento.
O primeiro contato do AT com o caso costuma ser com um profissional da área de
saúde, geralmente um psiquiatra ou um psicólogo, que solicita o serviço de AT para um
paciente seu. No momento do contato, são obtidas informações gerais do paciente como
sexo, idade, diagnóstico, objetivo da intervenção e outros detalhes. A seguir, é marcada
uma reunião no consultório do profissional.
Nessa reunião, necessariamente, devem estar presentes o profissional requisitante
e o paciente (dependendo do caso também solicitamos a presença de um familiar mais
próximo). O fato de o primeiro contato do AT com o paciente ser no consultório e na presen­
ça do profissional que já o atende, além de favorecer o vínculo entre AT e o paciente, eviden­
cia o caráter de equipe que o tratamento procura ter.
O paciente deve ter claro, o papel do AT e importância da troca de informações entre
a equipe e os profissionais onvolvidos em seu tratamento e que esta, tenha acesso ao que
ocorrer nos atendimentos com o AT. Uma vez que, os dados obtidos determinam a efetividade
do tratamento como um todo. Cabe ressaltar também, e deixar claro para o paciente, que
existe uma "semipermeabilidade" de informações entre o AT e as pessoas que moram com
eíe, pois a famífia deve saber a razão dos atendimentos serem realizados na casa do paciente.
Por exemplo, o ideal é que todos que moram com o paciente saibam que o AT é um profissional
e não um amigo. O entendimento, a compreensão e o consentimento das pessoas que vivem
com o paciente com relação ao trabalho do AT são fundamentais, mas nem sempre se consegue
a cooperação de todos os membros da familia.
É importante ressaltar que, dentro da mesma reunião, é estabelecido um contrato
terapêutico, onde se discute o número de atendimentos semanais, faltas que possam
ocorrer, valores dos encontros e forma de pagamento.

6. Descrição do caso
Paciente do sexo masculino, então com 25 anos de idade e solteiro. Morava com
os pais, recém formado na faculdade e não trabalhava no momento dos atendimentos.
Sua principal atividade durante o dia era treinar musculação em uma academia com um

288 Andrfci M.icti.ulo Viann.i c fhi<igo P. De A. S.tmp.iio


"personal trainer". Fazia tratamento medicamentoso com psiquiatra; com o diagnóstico de
transtorno obsessivo compulsivo (TOC), que se caracteriza fundamentalmente pela pre­
sença de ansiedade, pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos (ritu­
ais) recorrentes suficientemente severos para consumirem tempo ou causar sofrimento
acentuado ou prejuízo significativo para o indivíduo (APA, 1994).
O paciente não estava em terapia, mas já havia passado tanto por psicoterapêutas
como por um trabalho com AT, no qual, segundo relato do psiquiatra e do próprio paciente,
o mesmo atingiu o objetivo a que, à época, se propusera: eliminar as obsessões de
contaminação e as compulsões de limpeza.

6.1 Análise comportamental e procedimentos utilizados


Como o paciente nào concordara em fazer psicoterapia, a equipe era formada
pelo psiquiatra e o AT.
Ainda na primeira reunião da equipe com o paciente foi combinado o que seria
feito. A equipe decidiu pelas técnicas de exposição e prevenção de resposta indicada
para casos de TOC, que já trouxera bons resultados ao paciente no passado, motivando-
o ainda mais. Essa técnica terapêutica consiste basicamente em expor o paciente aos
estímulos eliciadores de ansiedade, segundo uma hierarquia realizada junto ao paciente,
e impedir as respostas que a aliviam (compulsões), visando a habituação do paciente a
esses estímulos.
No caso da terapia de exposição com prevenção de resposta, é importante que
fique bem claro para o paciente que não é o AT quem faz a terapia e sim ele mesmo.
Cabe ao AT apenas orientá-lo, assisti-lo e apoiá-lo, cuidando para que o procedimento
seja feito da maneira correta, garantindo, assim, sua eficácia.
É muito importante que o paciente tenha claro o papel de cada um no tratamento,
explicitando sua responsabilidade frente aos resultados; para isso, a utilização de metáforas
é bastante útil. Nesse caso, uma figura bastante presente na vida do paciente, a do personal
trainer, foi utilizada. Assim como este profissional, o AT possui competência específica para
orientar, assistir e ajudar o paciente a atingir seus objetivos. Deste modo, assim como não
é o personal trainer que vai fazê-lo livrar-se de seu excesso de peso e sim os exercícios
aeróbicos, não é o AT que irá livrá-lo dos sintomas do TOC e sim os exercícios de exposição
feitos da maneira adequada. Quanto mais comprometido ele estivesse em realizar estes
exercícios, mais resultados alcançaria em um espaço menor de tempo.
A queixa do paciente era: Passo boa parte do meu dia no banheiro (+/- 3hs) e
estou o tempo todo preocupado se há fezes no meu intestino".
Analisando melhor, percebemos que o paciente não apresentava um pensamento
obsessivo claro em sua queixa. Na análise feita, a sensação de que há fezes no intestino
foi colocada como o estímulo ansiogênico, e a defecação com rituais como a resposta
que alivia a ansiedade.
O paciente apresentava comportamentos de esquiva como restrições alimentares
e uso de laxantes; esses comportamentos tinham a função de evitar o contato com o
estímulo ansiogênico ou, em outras palavras, evitar a prisão de ventre. De início precisáva-
mos fazê-lo entrar em contato com o estímulo ansiogênico eliminando o comportamento
de esquiva, ou seja, precisávamos eliminar o uso de laxante e incluir em sua alimentação
alimentos que ele considerava causar-lhe dificuldades para eliminar as fezes. Isso foi
facilitado pelo fato de o paciente ser reforçado pela ingestão desses alimentos que
melhorariam seu rendimento na academia. Os ganhos que o paciente teria em seu
treinamento eram uma forte fonte de motivação para a terapia.
Uma dificuldade que surgiu nos primeiros dias de atendimento era o fato de a
presença do AT em sua residência, enquanto estava no banheiro, ser uma fonte extra de
ansiedade para o paciente. O paciente relatou que quando sua namorada dormia em
sua casa ele a acordava de manhã e a “expulsava"(sic) para poder ir ao banheiro, pois
a presença dela aumentava muito a ansiedade. Tínhamos, então, duas opções:
poderíamos expor o paciente gradativamente à presença do AT na casa enquanto estava
no banheiro, ou tentar que o paciente fizesse a exposição em um horário em que o AT
não estivesse lá. Optamos pela segunda alternativa, mais à frente ficará claro o porquê.
Um passo importante é estabelecer uma meta que seja descrita de modo claro
e objetivo e principalmente que seja alcançável. Nesse caso a meta estabelecida foi:
“Não me preocupar se há ou não fezes no intestino. Ir ao banheiro apenas quando
estiver realmente com vontade, e ficar no máximo 20 minutos”. Vinte minutos foi o
tempo que o paciente considerou razoável para uma pessoa terminar sua defecação.
Agora que tínhamos o estimulo ansiogênico, os comportamentos de esquiva e os
rituais, bem definidos, precisávamos ponsar em um modo de expor o paciente gradativamente
à sensação de fezes no intestino. A primeira idéia foi restringir o tempo que o paciente
ficava no banheiro, porém, o tempo que ele precisava para eliminar tudo era bastante
variável de um dia para outro. Assim, fixando o tempo, não estaríamos fixando o nível de
ansiedade sentido pelo paciente, o que provavelmente levaria à ineficácia do procedimento.
Restaria saber se, para o paciente, a quantidade de fezes que havia no intestino
era proporcional ao nível de ansiedade sentida, e , a partir disso, qual seria o grau de
controle que o paciente possuía sobre essa quantidade. De fato o paciente controlava a
quantidade de fezes que ainda tinha no intestino durante a defecação, por porcentagens,
com uma precisão de 5 em 5 %. A partir disso orientou-se o paciente a, durante as
defecações da semana, anotar em uma folha de papel, de 10 em 10 minutos, a
porcentagem eliminado até aquele momento. O resultado da média da semana está
apresentado no quadro 1.
QUADRO 1 - (Relação entre o tempo de defecação e a porcentagem de fezes eliminada)

T E M PO %
(MIN) E IIM IN A O A

0 10 tb %

10 20 B0%

?0 30 Bb*

30-60 uo%

60-120 «5%

170 1HO 100%

290 Amlróa Machado Vianna e f hia^o I’. Dc A . Sampaio


O registro demostrou que em módia, o paciente eliminava 75% das fezes nos
primeiros 10 minutos de defecação, e que os rituais mais desgastantes se iniciavam a
partir daí.
Com essa informação a hierarquia de exposição foi montada baseada em por­
centagem de fezes eliminada (seguindo os critérios subjetivos do paciente) e não em
tempo de permanência no banheiro. Se conseguíssemos que o paciente se habituasse
à sensação de 2o% de fezes no intestino atingiríamos a meta estabelecida de 20 minutos
de permanência no banheiro.
O procedimento que permite a confecção da hierarquia ó a utilização da 'Escala
de Unidade Subjetiva de Desconforto’ (Wolpe, 1978). Nessa escala o paciente dá uma
nota de 0 a 10 para cada situação ansiogênica, considerando nota 0 como ausência de
ansiedade, de 1 a 3 ansiedade leve, de 4 a 6 moderada, de 7 a 9 intensa e 10 pânico.
Ao dar as notas para cada situação o paciente compara a intensidade da
ansiedade sentida em cada uma delas e estabelece a graduação que garantirá que a
exposição comece da situação menos ansiogênica para a mais ansiogênica.
Montamos então uma hierarquia de exposição à sensação de peso no intestino
em um nível de graduação de 5 em 5 % do total de fezes a ser eliminado, e iniciamos a
exposição ao primeiro item da hierarquia, a sensação de 5% do total de fezes que ‘havia’
no intestino no início de cada defecação. Felizmente o paciento conseguiu seguir as
orientações e em pouco tempo obteve avanços significativos.

6.2 Resultados
O quadro 2 apresenta a hierarquia antes e depois de 45 dias de exposição com
prevenção de resposta.
QUADRO 2 - (Hierarquia de Exposição, antes e depois do Acompanhamento Terapêutico)

S IT U A Ç Ã O 1° s«aslo 4 5 D IA S

F IC A R C O M 5 % D E F E Z E S NO IN T EST IN O (4 0) (0)

F IC A R C O M 10% (4 0) (0)

F IC A R C O M 2 0 % (5.0) (0)

F IC A R C O M 3 0 % (60) (0)

F IC A R C O M 4 0 % (6.5) (0)

FIC A R C O M 5 0 % (70) (0)

F IC A R C O M 6 0 % (7 0) (4)

FIC A R C O M 70 % (7.5) (5)

FIC A R C O M 8 0 % (8.0) (7)

FIC A R C O M 9 0 % (8.0) (8)

100% (NAO IR A O B A N H EIR O P O R 1 DIA) (80) (8)


O paciente atingiu nota 0 de ansiedade com a sensação de ató 50% de fezes no
intestino. Não ficava mais do que 10 minutos no banheiro, passando o dia sem se preocupar
com isso e sem ansiedade. Com isso o paciente pôde, com mais freqüência, incluir em sua
agenda atividades positivamente reforçadoras como sair com os amigos, chamar a namorada
para dormir em sua casa, e outras que deixara de fazer pelo desconforto que geravam, pois,
de uma maneira ou de outra, essas atividades “atrapalhavam" a defecação.

6.3 Considerações finais e conclusão


Com o objetivo proposto pelo paciente atingido, o mesmo interrompeu o tratamento
após 45 dias, ainda que apresentasse alguns sintomas, já os controlava de maneira adequada
e sabia lidar com possíveis recaídas.
A integração da equipe, no caso o AT e o psiquiatra, foi fundamental para o sucesso
do tratamento. As dificuldades encontradas eram discutidas abertamente buscando-se o
melhor direcionamento a fim de superá-las ressaltando a vantagem, que o psiquiatra envolvido
é também um analista de comportamento. Quando as abordagens são as mesmas o trabalho
flui com facilidade.
Apesar de resultados promissores, podemos observar que na prática, alguns
procedimentos não ocorreram segundo a teoria apresentada: não houve contato com
familiares, a presença do AT era mantida por telefone e não no ambiente do paciente, não
houve exposição assistida, outros aspectos mantenedores do problema não foram abordados
devido a interrupção do tratamento, além da ausência de um psicólogo na equipe. Tais fatos
no entanto, não eximiram a qualidade e a função do AT enquanto analista do comportamento,
pois o paciente modificou seu comportamento tanto com os rituais como nas mudanças
referentes ao padrão alimentar, entendeu como manter o mesmo, ocorrendo a aprendizagem,
cada ganho obtido foi reforçado, procedimentos estes, que também competem ao
acompanhante terapêutico. Além disso, de posse dos conhecimentos necessários para a
auto-exposição o paciente poderá, se julgar conveniente, expor-se à presença da namorada
e de outras pessoas durante a óefecaçào, pois o paciente foi orientado a como proceder
caso decidisse eliminar tal problema.
Deve o AT saber que dificilmente encontrará condições ideais de trabalho, portanto,
sua capacidade de avaliação e adaptação às condições que se lhe apresentam ó indispensável
em seu trabalho. Para bem julgar essas condições a formação em um bom curso de
Acompanhamento Terapêutico que abarque a teoria e a prática supervisionada do aluno ó
de suma importância
Assim podemos considerar que o papel do AT está em constante transformação
atendendo as possibilidades de intervir enquanto profissional, segundo as diversidades que
se apresentam e não segundo um modelo que ainda esta em formação, pois lidar com
contingências naturais implica em desenvolver criatividade, flexibilidade e conhecimento para
lidar com as mesmas.

292 Andród Machado Vlanna c rhiago P. D f A . Sampaio


Referências

American Psychiatric Association (APA). (1994), Diagnostic and statistical manual of mental
disorders (4th ed.). Washington, DC.

Baumgarth, G. C. C., Guerrelhas, F. F., Kovac, R., Mazer, M., & Zamignani.D. R. (1999). A Interven­
ção em Equipe de Terapeutas no Ambiente Natural do Cliente e a Interação com Outros Profis­
sionais. In R, R Korbauy & R. C. Wielenska (Orgs), A Intervenção em Equipe de Terapeutas no
Ambiento Natural do Cliente e a Interação com Outros Profissionais (pp. 166-176). Santo André:
ESETec Editores Associados.

Berger, E., Morettin, A. V., & Neto, L. B. (1991). Introdução à Clinica do Acompanhamento
Terapêutico - História. In Equipo de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia A Casa
(Org.), introdução à Clinica do Acompanhamento Terapêutico - História. São Paulo: Escuta.

Carvalho, T., A. O Acompanhamento Terapêutico como Forma de Atuação na Prática Clinica. In


A. M. S. Teixeira, M. R. B Assunção, R R. Starling & S. dos S. Castanheira (Org.), O Acompanha­
mento Terapêutico como Forma de Atuação na Prática Clinica (pp.43-49). Santo Andró: ESETec
Editores Associados.

Guodes, M. L. (1993) Equívocos na Terapia Comportamental. Temas em Psicologia, 2, 81-85.

Holland, J. G. (1978). Behaviorism: part of the problem or part of the solution? Journal o f Applied
Behaviour Analysis, 11,163-174.

Marks, I. M. (1987). Fears, Phobias and Rituals. New York: Oxford.

Teixeira, A. M. S., et al. (2002). Ciência do Comportamento - Conhecer e Avançar, Vol. 2. Santo
André: ESETec Editores Associados.

Wolpe, J. (1978). Prática da terapia comportamental. São Paulo: Brasiliense.

Zamignani, D, R. (1997). O Trabalho de Acompanhamento Terapêutico: a prática de um analis­


ta do comportamento. Revista Biociências, 3(1), 77-90. Taubató, SP.

Zamignani, D. R. (1999) Qual o lugar do AT numa equipe multiprofissional? In R. R. Kerbauy &


R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição (pp.157-165). Santo Andró: ESETec
Editores Associados.
Capítulo 25
Acompanhamento terapêutico -
A terapia no ambiente do paciente

C h iú d u i H â lv e d i
A M R A N assn/v

"Abro esta porta além do mundo, mas não passo.


Basta-me o umbral, de onde se avista o ponto certo, o grande vórtice a
que sobe o olhar do mundo".

Cecília Meireles

A etimologia da palavra define que “acompanhante” é a pessoa que dá assistência


e “terapêutico” é igual a curativo, medicinal, que provoca mudança.
Acompanhamento Terapêutico (AT) é uma técnica que se enquadra nos moldes
comportamental e cognitivo, criado para suprir uma lacuna de maior atenção ao cliente
que passa a ser atendido de forma mais próxima e imediata.
O cliente é acompanhado em suas atividades de forma terapêutica, trabalhando
com as contingências envolvidas no momento da exposição proposta. Com essa
proximidade, o profissional tem acesso às dificuldades, observando-as in loco. Muitas
vezes, os relatos dessas dificuldades pelo cliente, em uma sessão normal de terapia,
não trazem todas as informações necessárias ou são distorcidas por ele. Há, também, o
espaço de tempo entre o acontecido e o relato do fato, prejudicando o auxílio. Com o
processo interativo, o acompanhante terapêutico induz à aprendizagem o cliente, a família,
o ambiente social e a equipe interdisciplinar envolvidos no caso. Esse aprendizado
direcionado pelo profissional mostrará que o cliente não está isolado e não é isoladamente
que conseguirá solucionar o seu problema. O contexto social e familiar onde vive passará
por um processo de modelação e modelagem, para que o tratamento tenha sucesso.
Diante de uma situação de crise, a presença do acompanhante possibilitará um
auxílio imediato na organização de comportamentos do cliente, estimulando-o a participar
e modificar o quadro que se apresenta.
1. Um pouco da história
A bibliografia sobre o tema ainda é bastante escassa. Na América Latina um dos
precursores é o psicanalista argentino Eduardo Kalina, que em 1968 iniciou suas atividades
direcionadas à Psiquiatria Dinâmica.
Kalina liderou um grupo interdisciplinar de jovens colegas, através do qual apren­
deram juntos a trabalhar com técnicas não tradicionais no meio, que requeriam modifica­
ções na técnica psicanalítica clássica. O trabalho em equipe e as leituras sobre a Teoria
Interacional o levaram a utilizar técnicas de abordagem múltipla, pois cada vez tinha mais
consciência da necessidade de utilizar muitos recursos para ter acesso aos pacientes
severamente perturbados.
Criou uma equipe de "acompanhantes terapêuticos" e de professores especializados
que estenderam a ação terapêutica durante o dia e a noite, todos os dias da semana e ao
longo de todos os dias do ano, dentro ou fora do âmbito de internação ou num lar substi­
tuto que, em certas etapas do tratamento era recomendado ao paciente.
Inicialmente o “acompanhante terapêutico" foi chamado por Kalina de "amigo qua­
lificado". A mudança de denominação implicou uma mudança quanto à delimitação e ao
alcance do papel. Ao empregar a expressão "amigo qualificado", acentuava-se o compo­
nente amistoso do vínculo; no entanto, ao substituir pela atual denominação de “acompa­
nhante terapêutico”, acentua-se o que de terapêutico tem esse tipo de função e fortalece-
se o sentido interacional do vínculo.

2. Encaminhamento e avaliação
O cliente para acompanhamento terapêutico comumente vem encaminhado por
um psiquiatra, um módico clínico ou médico da família, pelo próprio terapeuta clinico, ou
por um pedido da família que sabe da existência deste trabalho. Na maioria dos casos dá-
se aí o início de um trabalho interdisciplinar.
É marcado um encontro do acompanhante terapêutico com o cliente e/ou com a
família, num local pré determinado, para que seja efetuada a avaliação da queixa e levan­
tamento das dificuldades do cliente para determinar se o caso realmente é indicado para
o trabalho. Se for deverão ser estabelecidos objetivos a serem atingidos, os quais estão
sujeitos a alteração no decorrer do processo.
Devido ao grande número de casos e sua diversidade, o acompanhante terapêutico
deverá estar disposto a acompanhar seu cliente ao lugar que atenda às necessidades
prementes. Talvez o cliente esteja impossibilitado fisicamente de se mover ou mesmo
internado, ou também tenha fobias a locais e situações. Nesses casos, o acompanhante
irá ao cliente ou o acompanhará aos locais de risco. O cliente também pode ir ao encontro
do profissional, em local que pode ser fixo ou variar freqüentemente, desde que combina­
do com antecedência. Há inúmeras situações que podem ser apresentadas ao profissio­
nal que deve estar cônscio da necessidade de ser flexível.
Essa flexibilidade é uma das grandes contribuições do acompanhante terapêutico
para um tratamento eficaz pois possibilita a avaliação do quadro mais exata, assim como
sua interferência. As queixas e as dificuldades do cliente podem ser estudadas profunda
e objetivamente. A interação entre cliente e profissional proporcionará um vínculo de confi-
ança e esperança benéfico. Diante da avaliação mais eficiente, o profissional poderá de­
terminar quantas sessões serão necessárias, qual o tempo de duração dos atendimentos,
em quantos dias da semana elas ocorrerão e a necessidade de acompanhamento por
tempo limitado ou não.

3. Casos indicados para o AT


Dentre os casos que podem ser acompanhados pelo terapeuta, podemos citar:
• casos psiquiátricos e/ou neurológicos (CID 10)
• psicoses
• autismo
• esquizofrenia
• transtornos do humor
• transtornos somatoformes (somatização)
• transtornos ansiosos e fóbico-ansiosos
• transtorno obsessivo compulsivo
• reação a estresse grave e transtornos de ajustamento
• transtornos alimentares
• retardo mental leve à moderado
• sindromes
• paralisia cerebral
• demências
• TDAH
• dependentes químicos
• álcool
• drogas
• medicamentos
• casos geriátricos
• alterações no desenvolvimento infantil e na adolescência

4. Perfil do AT
O termo "acompanhante terapêutico" tem como principais sinônimos: acompa­
nhante para pacientes críticos; acompanhante psiquiátrico; amigo remunerado e amigo
qualificado.
Tais designações sempre estarão vinculadas a um profissional essencialmente
preparado e empenhado, seguro e responsável para que o tratamento não sofra abalos.
O acompanhante terapêutico deve ter como características:
- Interesse e possibilidade de trabalhar em equipe pois a variedade de casos pode
exigir a participação de várias pessoas, leigas ou não. Com isso, o profissional
pode ser parte integrante de uma estrutura, assim como pode gerenciar comporta­
mentos que afetem seu cliente;
- maturidade que lhe traga segurança e domínio em todas as suas ações;
- alto grau de compromisso, fator essencial na tarefa que se dispõe efetuar. Ele
passa a ser um ponto de aglutinação que emana esperança para o cliente e qual­
quer deslize pode colocar em risco o tratamento em andamento e mesmo outros
futuros;
- iniciativa em tomar decisões diante de quadros que se apresentem, bem como em
situações inesperadas. Seu objetivo deve ser o de auxiliar o seu cliente, mesmo
que para isso precise pedir auxílio a outro profissional. O acompanhante terapêutico
tem responsabilidades sobre seu cliente e a certeza de segurança é primordial para
que o tratamento tenha o melhor desfecho possível;
- atitudes firmes e flexíveis. O cliente pode testar o acompanhante que deve estar
atento às suas próprias respostas. Também não pode manter-se irredutível quando
há contratempos e imprevistos, tendo flexibilidade suficiente para que a confiança
mútua não se rompa.

5. Técnicas cognitivo comportamentais utilizadas no AT


Dentre as técnicas utilizadas dentro do Acompanhamento Terapêutico, podemos
citar como principais:
a) exposição:
- hierarquia da exposição
- exposição na imaginação ou dessensibilização sistemática
- exposição a estímulos interceptivos
- exposição ao vivo
b) controle de regras, quebra da cadeia de comportamento:
- parada de pensamento
- reestruturação de problemas
- solução de problemas
c) controle de contingências:
- modelagem
- diferenciação de resposta
- manejo de recompensa
d) manejo da ansiedade
- relaxamento
- respiração
-yoga
- fisioterapia
- biofeedback (controle dos batimentos com ou sem aparelho)
- feedback

6. Dificuldades encontradas para o desenvolvimento do trabalho


Ao longo do desempenho de suas atividades o profissional passa por algumas dificulda­
des que, muitas vezes, podem interferir e, até mesmo, interromper o tratamento. Tais como:
• Custo - como todo trabalho profissional, o acompanhamento terapêutico requer
remuneração. O profissional preparou-se e investiu em sua escolha, dispondo-se a exercê-
la com responsabilidade. Infelizmente, a grande maioria dos planos de saúde não cobre
esse tipo de tratamento, bem como outros da área da psicologia. Por exigir um tempo
maior de atendimento, seja em visitas ou permanência, o custo pode ser um empecilho.
Seja com o cliente ou com sua família, o profissional deverá ter bom senso para chegar a
um acordo razoável para que não haja desconforto para algumas das partes.
• Invasão da privacidade familiar e do cliente - o inusitado do acompanhamento
terapêutico é a participação do profissional dentro da vida privada do cliente.
Essá proximidade, mesmo trazendo a vantagem da observação direta da dinâmica do
ambiente, se não for bem conduzida pode trazer alguns inconvenientes. A presença do
profissional pode modificar o comportamento das pessoas que rodeiam o cliente em
atendimento. O acompanhante deve ser bom observador para analisar a veracidade do que
presencia para que sua avaliação e procedimento não sejam equivocados. O acompanhante
também deve tomar cuidado para não invadir a privacidade da família ou grupo social onde
estiver seu cliente, tentando alterar comportamentos que não sejam de sua alçada.
• Ganho secundário do cliente - esta é talvez, a grande dificuldade enfrentada
dentro do acompanhamento terapêutico por envolver o comportamento do cliente que
assume uma posição de dependência do profissional que o acompanha. O cliente sente-
se confortável com a atenção a ele dirigida e pode negar-se a qualquer mudança pois isso
lhe traria outro momento que ele desconhece ou não aprecia ou, ainda, um afastamento
de seu “ amigo" também pode ocorrer o aparecimento de outros comportamentos até
então desconhecidos, sugerindo a dependência mencionada ou mesmo outra ramificação
do problema atendido. Como em todos os instantes, o acompanhante deve perceber todos
os indícios que efetivem um comportamento de dependência, procurando formas de ação
que coloquem a situação sob outros rumos e, acima de tudo, sob seu comando.

7. Conclusão
Muitas vezes o acompanhante terapêutico é solicitado quando a família já está
cansada, o cliente exausto e não há mais saída. Mas, em todas as situações, o profissi­
onal deve ter certeza que há muito em jogo e talvez seja ele a pedra certa para a jogada
certa. O acompanhante terá de aprender a ajudar sem sofrer e amar sem paixão. Deverá
observar com cuidado, trabalhar com empenho e fazer com que seu cliente aflore de si
mesmo suas potencialidades, jamais tentando moldá-lo às suas conveniências. Infeliz­
mente o preconceito com relação à problemas comportamentais permeia a grande maio­
ria das pessoas e tira delas a felicidade do desenvolvimento de suas capacidades.
Na citação abaixo a poetisa paranaense Márcia Doniak expressa de forma con­
tundente e sensível, todo o sofrimento do cliente ao qual o acompanhante terapêutico deve
estar atento, pois nem sempre é expresso de forma tão brilhante.
"Ouço sons que vem de longe mas não quero vô-los.
Fechei todas as janelas pois as chuvas de verão chogam som avisar.
O som mais nítido são das lágrimas quo caem do meus olhos no chão. ”

Referências
Beck, J. S. (1995). Teoria Cognitiva - Teoria e Prática. São Paulo: Artos Médicas.
Kalina, E. (1988). Tratamento de Adolescontes Psicóticos. Rio do Janeiro: Livraria Francisco
Alvos.
Oliveira, S. G. (2000). O acompanhante torapôutico. In R. R. Korbauy (Org.), Sobre Comportamen­
to e Cognição: Conceitos, pesquisa e aplicação, a ônfase no ensinar, na emoção e no
questionamonto cKnico, Vol. 5 (1st ed., pp. 257-260). Santo André: ESETec Editores Associados.

Organização Mundial da Saúde. (Coord.). (1993). Classificação de Transtornos Montais o do


Comportamento da CID - 10: Descrições Clinicas o Diretrizes Diagnósticas (Trad. D. Caeta­
no.). Porto Alegre: Artos Módicas.
Rangó, B (Org.). (2001). Psicotorapias Cognitivo-Comportamentais Um diálogo com a psiqui­
atria. Porto Alegre: Artmod.

Rimm, D. C., & Masters, J. C. (1983) Terapia Comportamental: Técnicas e Rosultados Experi­
mentais (2nd ed.). São Paulo: Manole

Simonassi, L. E. (1999). Cognição: contato com contingências e regras. Revista Brasileira de


Terapia Comportamental o Cognitiva, 7(1), 83-93.
Capítulo 26
Acompanhamento terapêutico & clínica
escola: um novo campo de exploração

Fabiane Cristina Cru/


C'línicd í/rccn Wixxi
L uciana Assi de Lima
Patrícia Barbeiro de Moraes

Fazer um histórico de Acompanhamento Terapêutico (AT) não ó uma tarefa fácil.


Se temos que fazer uma busca minuciosa por bibliografia referente ao assunto, temos
que nos desdobrarmos mais ainda para encontrar indícios sobre suas raízes.
Resumidamente, o que se sabe sobre o Acompanhamento Terapêutico é que ele
surgiu como uma tentativa de mudança dos dogmas de exclusão, isolamento e dor, cau­
sado pelas doenças mentais. Este movimento para tentar modificar o conceito de doença
mental, conhecido como Antipsiquiatria, teve início nas décadas de 50 e 60, onde tam­
bém encontramos as primeiras referências ao Acompanhamento Terapêutico.
A provável precursora deste tipo de trabalho (AYUB, 1996), foi a Dr. Carmen
Dametto, da Clínica Pinei, na Argentina.
Em toda bibliografia explorada por nós, o Acompanhamento Terapêutico ó visto
como um recurso, para se ter uma maior compreensão e auxiliar no tratamento de pacientes
que se encontravam atrás dos muros dos hospitais psiquiátricos. Ou seja, uma nova
ferramenta para auxiliar pacientes psiquiátricos crônicos, hospitalizados e com severo
comprometimento social.
Entretanto, pensamos em ampliar este recurso, estender esta ferramenta à
pacientes da clínica escola da UNIP - Araçatuba, buscando taívez enxergar o
Acompanhamento Terapêutico como tendo um caráter preventivo, ou seja, acompanhar
pacientes na tentativa de evitar que um dia eles possam tornar-se pacientes críticos. Melhor
dizendo, pensamos que não seria necessário que um paciente tivesse um comprometimento
social severo ou estivesse hospitalizado para beneficiar-se deste atendimento.
Inserir esta modalidade de atendimento em uma clínica escola pareceu-nos viável
na medida em que compreendemos a versatilidade e a flexibilidade que ela nos revelava,
mas ao mesmo tempo era um desafio que continha muitos riscos, por ser uma experiência
totalmente desconhecida, tanto em sua prática quanto em sua teoria.
Tecer comentários e contar o quão rico foi assumir o desafio desta experiência
mostrará que as portas para o novo continuam abertas dentro da Psicologia, e que com
muita dedicação e fome de conhecimento é possível adaptar uma ferramenta específica à
realidade em que se encontra.
Iniciaremos relatando as principais dificuldades encontradas durante o trabalho.

Implicações e dificuldades na prática


Apesar de todo o anseio pelo início do trabalho, talvez nossa maior dificuldade foi
depararmos com uma bibliografia puramente psicanalítica sobre o assunto e termos que
fazer uma leitura comportamental. Isto implicou adaptarmos o Acompanhamento Terapêutico
aos preceitos da Terapia Cognitiva Comportamental e a utilização de técnicas comportamentais
adaptadas para a situação ao vivo, 7n loco”, o que será descrito mais adiante.
Outro fator importante que nos deparamos na clínica, foi a variedade de patologias
que surgiram. Todo o material bibliográfico que tínhamos referia-se unicamente à pacientes
psiquiátricos graves, mas devido a uma grande demanda, comum em clínicas escolas,
eram encaminhados para o atendimento pacientes diversos, com diagnósticos de adicçáo,
transtornos de humor, transtornos de personalidade, TDAH, LER, transtornos de aprendi­
zagem, entre outros. Cada paciente tinha um tratamento especial, adaptado e focado nas
suas necessidades e limitações.

Funções do AT
De um modo geral, a função do AT manteve-se fiel à encontrada na literatura
(Cataldo Neto, Zanela, Lavinsky, 1998), ou seja:
- ser continente às angústias do paciente
- servir de modelo, mostrando ao paciente a maneira mais adequada de agir e orga­
nizar-se
- perceber, reforçar e desenvolver as aptidões que os pacientes ainda possam produ­
zir para si e para a sociedade
- representar o terapeuta e a equipe multidísciplinar, fazendo com que estes pacien­
tes compreendam as intervenções feitas pelo terapeuta
- informá-los sobre a real situação, expondo a ele desde pequenas normas da soci­
edade e fazê-lo enxergá-la verdadeiramente (dependendo da compreensão de cada
paciente)
- atuar como agente ressocializador, interagindo e reintegrando-os ao meio
- evitar a exaustão familiar, que é gerada muitas vezes pela família devido ao convívio
diário com os pacientes
- executar junto ao paciente, um programa de atividades físicas, recreativas e cultu­
rais, pois esta é uma forma muito rica para reinserí-lo a sociedade (caso esteja
distanciando-se dela, como nos casos de Transtornos de humor, personalidade,
adicçãoe LER).
A função do AT que foi talvez mais adaptada à realidade da clínica foi capacidade
de trabalhar em equipe multidisciplinar, visto que corriqueiramente esta equipe é compos­
ta pelo terapeuta, psiquiatra, AT e outros profissionais - dependo das necessidades do
paciente - e na clínica escola, devido a grande demanda, não foi possível dispensar mais
de um profissional para atender a uma mesma pessoa, sendo que tanto o trabalho do AT,
quanto o do terapeuta, eram desempenhados pela mesma pessoa, existia sim a equipe,
onde todos opinavam e discutiam estratégias, composta por um professor supervisor e
mais doze Ats (estagiárias do 5fl ano de psicologia). Aqui está talvez, o maior ponto de
diferenciação da experiência de inserção do Acompanhamento Terapêutico em clínica
escola com as práticas atuais.
Vale ressaltar que o trabalho do psiquiatra foi devidamente valorizado pela equipe
de Ats da clínica escola, visto que logo nos primeiros encontros com o paciente, quando
se estabelecia um contrato (que será descrito mais adiante), era implícito a visita e o
acompanhamento de um psiquiatra. Então explicava-se a importância dessa parceria e
que o AT estaria agendando esta visita para o mais breve possível, e acompanhando o
paciente durante as consultas.
Geralmente, os psiquiatras procurados eram do Ambulatório de Saúde Mental,
visto que a maioria dos pacientes não podiam ter um atendimento particular. Mas
alguns pacientes dispunham de plano de saúde e, consequentemente, podiam ter um
acompanhamento psiquiátrico particular, e outros ainda, vinham encaminhados por
estes psiquiatras.

Ser Acompanhante Terapêutico e se ttin g terapêutico


Eggers (1995) pontuou algumas aptidões que são importantes e necessárias para
exercer a função de Acompanhante Terapêutico, as quais também consideramos indis­
pensáveis, tais como:
- ser uma pessoa com forte vocação pelos problemas que se relacionam com a
saúde mental
- ter capacidade para trabalhar em equipe
- poder adaptar-se a situações inesperadas que podem surgir
- ter bom controle de ansiedade
- ter capacidade de tolerância às frustrações e,
- possuir a capacidade de se dissociar no processo terapêutico e poder se colocar
como observador participante.
Além de tudo isso, consideramos também fundamentais a simpatia, ter disciplina
e imparcialidade.
As aptidões mais importantes e funcionais durante os atendimentos é o bom
controle da ansiedade e a capacidade de se adaptar à situações inesperadas, ou seja, ser
criativo, isto se explica pelo fato de que o setting terapêutico do AT é, geralmente, a rua,
um espaço aberto e muito menos protegido do que um consultório ou hospital.
Tradicionalmente setting terapêutico - espaço ou lugar onde se dá o encontro
entre terapeuta e paciente - deverá proporcionar segurança, ser facilitador do encontro e
ser acolhedor. O setting do AT nem sempre é um lugar seguro, facilitador do encontro e
nem sempre será acolhedor.
Desta forma, o AT estando na rua ou mesmo na casa do paciente, perde a proteção
da Instituição, tendo ele próprio que construir as regras que possibilitem um trabalho.

O contrato
Apesar de não existir honorários em clinicas escolas, também é estabelecido um
contrato com o paciente, onde determina-se as especificações, ou características do
tratamento.
Este contrato baseava-se em:
- Quantidade de atendimentos e acompanhamentos semanais (geralmente determina*
va-se um atendimento e um acompanhamento semanal, mas ambos estavam sujei­
tos a alterações, o que ocorria com freqüência, quando víamos a necessidade de
mais de um atendimento ou acompanhamento semanal);
- Duração do tratamento (comum na Terapia Cognitiva Comportamental);
- Horário (o horário dos atendimentos na clínica ficava estabelecido neste contrato, o
horário dos acompanhamentos eram determinados durante as sessões de terapia);
- Local dos Acompanhamentos;
- Acompanhamento psiquiátrico;
- Dependendo da situação, seria designado mais um AT;
- Sinceridade por parte do paciente, e o compromisso de “pedir ajuda" sempre que
tiver dúvidas ou angustias;
- Não existiria “Segredos e Pactos" entre paciente e AT. Todo dado trazido pelo paci­
ente seria compartilhado com toda a equipe de AT e com o psiquiatra.
Alguns pontos do contrato eram, em primeira instância, inadmissíveis para o pa­
ciente, como: acompanhamento psiquiátrico, que uma grande maioria dos pacientes
rejeitavam no início julgando não necessitar; acompanhamento na casa do paciente ou
em lugares em que costumava freqüentar, temendo serem vistos como incapazes por
outros, e o compartilhar das informações com equipe e psiquiatras, referindo alguns, sentir-
se traídos.
Para contornar esta situação, o AT deveria estar devidamente esclarecido sobre a
importância de cada situação e ter a capacidade para manusear e reverter esta posição do
paciente.

Acompanhamento terapêutico e família


Inserir a família quando se tem um paciente em Acompanhamento Terapêutico, é
o mesmo que ampliar as possibilidades para este tratamento.
Ao conseguir a parceria com a família, o AT poderia contar com aliados ao trata­
mento, e esta família seria constantemente orientada e esclarecida sobre o processo.
Embora reconhecida esta importância por toda a equipe de AT, nem todos conse­
guiram a participação das mesmas e sua colaboração.
Ao entrar no sistema familiar dos pacientes, nos deparamos com diversos tipos
de famílias, umas bem vinculadas, acessíveis e colaborativas, outras, indiferentes e desin­
teressadas.
Entre os tipos de famílias que mais encontramos dificuldades, estão:
- Fechadas em si mesmas ou defensivas: que toleravam todos os comportamentos
inadequados do paciente para náo terem que entrar em contato com esta disfunção.
- Superprotetoras: tomando o lugar do paciente quando este encontra dificuldades
na vida.
- Ausente: onde aparentemente tudo funciona, mas na verdade, nem comunicação
funcional existe nesta família.
- Indiferente: evitando todo e qualquer contato com o paciente, com o AT e com o
tratamento.
No entanto, compreendemos que pode ser dificil para a família aceitar o AT, visto
que esse trabalho pode despertar diversos sentimentos na família como:
- Raiva, por ter que conviver com um estranho ao meio.
- Ressentimento dirigido ao paciente, por sujeitá-los ao entruso (AT).
- Dor, por depara-se com os comportamentos inadequados do paciente e ver alguém
"estranho" corrigindo-o.
- Vergonha, frente a necessidade de um estranho para organizar um dos membros.
- Culpa, um dos membros culpar-se pela dificuldade do outro
- Solidão, a entrada do AT evidencia a solidão dos membros.
- Medo, de coisas que possam acontecer e ter um estranho por perto.
O ideal, para o Acompanhante Terapêutico, era que tivesse uma família funcional
e parceira no trabalho, no entanto, quando isso não era possível, fazia-se um trabalho
exclusivo com o paciente, o que também nos trouxe resultado.
A maioria das famílias eram solicitadas a fazer Terapia Familiar, fornecida tam­
bém pela clínica escola, porém, nenhuma procurou pelo atendimento.

Aplicação de técnicas comportamentais


A Terapia Comportamental, a ciência do comportmento, dispõe de técnicas que
visam a modificação do comportamento, enfocando diretamente o comportamento a ser
modificado e o ambiente onde esse comportarnent ocorre (Guimarães apud Rangé, 2001).
Segundo a mesma autora “uma proposta de intervenção eficaz requer uma avalia­
ção precisa do comportamento-alvo e das unidades funcionais do ambiente onde esse
comportamento é mais provável de ocorrer. A avaliação do comportamento inclui a
especificação de sua topografia, suas dimensões e funções, a história de reforçamento, a
freqüência de ocorrência, a definição e quantificação das mudanças desejadas. A avalia­
ção do ambiente inclui a especificação dos estímulos antecedentes e conseqüentes ao
comportamento, suas características e sua distribuição no tempo e no espaço. A descri­
ção e quantificação adequadas dessas variáveis mostrarão a extensão do problema ou da
queixa e a validade social da intervenção. A partir dessa medida, ó feita a escolha da
técnica de intervenção mais apropriada às necessidades e às características do cliente e
de sua realidade."
A Terapia Cognitiva enfatiza que as pessoas desenvolvem e mantém crenças
básicas ao longo da vida, a partir das quais formam a visão de si próprias, do mundo e do
futuro. Assim, terapeuta e cliente buscam juntos para modificar e alterar distorções
cognitivas, que são pensamentos, pressupostos e crenças (Guimarães apud Rangó,
2001).Essas crenças, são "certezas" que o indivíduo constroi ao longo dos anos e que
podem condicionar sua vida.
Assim, a Terapia Comportamental Cognitiva concilia as técnicas comportamentais
com a modificação de processos cognitivos, pois auxiliam a identificar, avaliar, controlar e
a modificar as crenças que subjazem a visão que o indivíduo tem do mundo (Volpato
Cordioli, 1998).
Ainda dentro da clínica, enquanto estávamos nas etapas iniciais de diagnóstico e
elaboração do plano de tratamento dos pacientes, fazíamos a avaliação do comportamen­
to a ser modificado e então escolhíamos as técnicas adequadas para aplicar à determina­
do paciente e em que etapa do acompanhamento ela seria aplicada.
Enquanto o processo terapêutico se desenvolvia, percebia-se a necessidade de
aplicar novas técnicas.
Dentre essas técnicas, falaremos, de um modo geral, das que mais foram utiliza­
das durante a experiência, que são:
- Relaxamento Progressivo - inicia-se pela respiração, ensinando o paciente a respi­
rar pelo diafragma, o concentrar-se na respiração distrai o paciente, e em seguida
inicia o relaxamento de determinados grupos musculares, primeiramente tensionando-
os e logo em seguida, relaxando-os, afim de o paciente aprenda respostas biológi­
cas de relaxamento, incluindo o reconhecimento e posterior relaxamento da tensão
muscular e controle da respiração nas situações estressantes do cotidiano (Gui­
marães apud Rangé, 2001). As técnicas de relaxamento levam o corpo a uma
sensação de conforto e bem estar.
- Dessensibilização Sistemática - combina a exposição ao medo, ou a situações
provocadoras de medo, junto com uma resposta de relaxamento profundo, por isso,
além de desenvolver uma hierarquia desses medos, terapeuta e paciente devem
estar aptos nas técnicas de relaxamento (Turner apudCaballo, 1996). O propósito
é extinguir o medo.
- Treino em Habilidades Sociais-destina-se em incrementar a competência de atuação
em situações críticas do cotidiano, é um treino sistemático para ensinar estratégi­
as e habilidades interpessoais para melhorar o seu desempenho em situações
sociais (Caballo, 1996).
Para demonstrar como as técnicas eram utilizadas, usaremos um único caso
para exemplificar.
Sujeito
Paciente do sexo feminino, 29 anos, solteira, universitária, desempregada,
diagnosticada com Transtorno Depressivo Maior com traços de Personalidade Histriónica.
Queixa Principal
Tristeza, choro excessivo, desânimo, redução do comportamento verbal e esquiva
em situações sociais e sentimento de culpa. Todas as queixas surgiram após o faleci­
mento do pai.
Histórico de vida
Durante a infância apresentou alguns medos, principalmente da mãe, que sempre
foi dona de casa e nas constantes brigas com o marido mantinha comportamentos agres­
sivos, como atirar objetos, apontar facas e revolveres.
Foi muito apegada ao pai e aos avós, dizendo que estes últimos eram considera­
dos como seus segundos pais.
Segundo a paciente, sua adolescência e entrada na idade adulta foram marcadas
por comportamentos inadequados, como sair com vários homens, beber, usar drogas
(maconha) e pela morte de pessoas queridas: seus avós, seu melhor amigo o seu pai.
O pai da paciente faleceu após cirurgia para retirada de um tumor na cabeça,
após passar vários meses preso a uma cama.
A paciente nutre um sentimento de mágoa e ressentimento pela mãe e pela
irmã. Explica-se dizendo que quando o pai adoeceu a irmã saiu de casa e foi morar em
outra cidade, quanto a mãe, diz que ela não foi dedicada o suficiente com o pai, princi­
palmente quando ele mais precisava.
Passado alguns meses do adoecimento do pai, a mãe da paciente também
adoeceu e ela teve de cuidar dos dois sozinha.
Após a morte do pai, a mãe casou-se com o enfermeiro que fora contratado para
cuidar do pai enfermo. O que, para a paciente, é inadmissível.
Enquanto o pai era vivo, tinham um padrão de vida elevado, após sua morte,
esse padrão caiu muito, segundo a paciente, devido aos tios que conseguiram tirar
todos os bens deles.
Atualmente mora com a mãe, a irmã e o padrasto. Não mantém um bom relacio­
namento com nenhum deles, refere não sentir-se amada e nem apoiada dentro de casa.
Só cobrada. Estão com dificuldades financeiras e está é uma questão que gera muitos
conflitos e discussões dentro de casa.
Refere não conseguir trabalhar, pois teve uma experiência ‘traumática", segundo a
própria paciente, e devido a isso, não suporta imaginar que trabalhar significa ser subordinado à
alguém, sente pavor desta situação. Colocando ainda que quando têm alguma entrevista de
emprego ou está trabalhando, tem dificuldades para acordar, dizendo que sente uma angustia
muito intensa, taquicandia e respiração irregular.

306 Fabianc Cristina Cru /, Luciana A s s i dc l im a t Patrícia Harbciro dc M o r a e s


Está com problemas na faculdade, há três anos continua no mesmo período, ou
seja, há três anos está sendo reprovada. Refere querer abandonar os estudos. Tem várias
amizades, mas no momento sente-se desprezada e sem o apoio de todas.
Não tem saído de casa, e quando sai devido a insistência dos amigos, não consegue
permanecer nos lugares, principalmente quando este contém um grande número de pessoas.
A designação e utilização das técnicas comportamentais era feito de acordo com
as necessidades da paciente.
De acordo com o plano de tratamento estabelecido por toda a equipe, a primeira
dificuldade a ser trabalhada estaria relacionada à questão do emprego.
Após avaliar cautelosamente a situação, iniciou-se o treinamento em relaxamento,
que deu-se de início dentro da clínica. Durante algumas sessões foi treinado somente o
relaxamento respiratório, e após um período de tempo, inseriu-se o relaxamento muscular.
Durante os acompanhamentos, surgiam constantes situações onde a paciente
referia-se estressada e nervosa, principalmente em sua casa, quando falavam da necessi­
dade dela trabalhar, então era orientada de imediato a parar e praticar o relaxamento. Com
mais ou menos dois meses de acompanhamento e treino direto, houve uma melhora nos
sintomas e diminuição das queixas relacionadas.
Durante o tratamento, a paciente foi indicada por uma tia para trabalhar em uma
empresa, e a queixa que mais se agravou foi a dificuldade de acordar pela manhã, e a
técnica escolhida para trabalhar isso foi a dessensibilização sistemática.
Feito o levantamento dos medos em suas hierarquias e devidamente esclarecida á
paciente sobre o procedimento e sua função, o AT começou a acompanhá-la desde o mo­
mento em que ela acordava para trabalhar, aplicando a dessensibilização sistemática, acom­
panhando-a até a entrada no trabalho e dando um feedback sobre o acompanhamento.
O próximo ponto a ser trabalhado em acompanhamento seria a dificuldade de
relacionar-se socialmente e de manter vida social.
Foram feitos acompanhamentos noturnos a bares, restaurantes e clubes, com o
propósito de ensinar comportamentos adequados de comportamentos e integrá-los ao
repertório comportamental da paciente. A paciente era constantemente instruída e tinha o
AT ao seu lado para servir-lhe de modelo.
Talvez a maior vantagem em aplicar técnicas comportamentais estando ao lado
do paciente quando as situações ocorrem, é poder afirmar com certeza que a técnica foi
aplicada com ou sem êxito.
Durante todos os acompanhamentos, o AT tomava o cuidado de verificar o humor
da paciente, e repetidamente a questionava sobre os sentimentos que poderiam estar
surgindo decorrente de cada situação.
Esta paciente recebeu alta antes do tempo estimado no início do processo. Dedi­
cando-se de forma adequada ao novo emprego, sentindo satisfação e prazerem desenvol­
ver suas atividades, e apesar de considerar mais um ano perdido na faculdade - devido às
notas muitos baixa do primeiro semestre - deu continuidade aos estudos, referindo que
este seria seu último ano perdido. Ao final notamos a remissão do caso depressivo e
desenvolvimento de pensamentos e comportamentos funcionalmente adequados às situ­
ações. Foi constatada a manutenção e generalização dos ganhos terapêuticos.
Não podemos deixar de admitira relevância do processo terapêutico desenvolvido
dentro da instituição, mas consideramos fundamental a contribuição do acompanhamen­
to terapêutico, principalmente quando pensamos na diminuição do tempo do tratamento.
Esperamos que nossa experiência na implantação do Acompanhamento
Terapêutico em clinica escola sirva de exemplo para futuras experiências, pois apesar de
ter sido breve e necessitar talvez de alterações, nos foi muita rica, proporcionando grande
crescimento para todos os envolvidos.
Como mencionado anteriormente, não encontramos nenhuma referência anterior
a este tipo de trabalho, tratando-se de uma experiência nova e com grandes possibilida­
des acertivas. Contudo, é necessário que se desenvolvam outras pesquisas, para validara
eficácia das intervenções , abrangendo outros casos e utilizando delineamentos de pes­
quisa que dêem suporte par tais conclusões.

Referências
Arroyo Guariente, J. C. (2000). Depressão: dos sintomas ao tratamento. São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Ayub, P. (1996). Do Amigo Qualificado ao Acompanhante Terapêutico. Rev. Neuropsiquiátrica
Infância e Adolescência, 37-40.
Beck, J. S. (1995). Terapia Cognitiva, Teoria e Prática. São Paulo: Artes Módicas.
Campos, R. (2002). Dopressão, um estigma feminino Viver, 112, 24-29.
Caballo, V. E. (1996). O treino em habilidades sociais. In Manual de técnicas do terapia e
modificação do comportamento (pp. 361-398). São Paulo: Santos.
Cataldo Neto, A., Zanela, A. P., Lavinsky, F. O. (1998). Acompanhante terapôutico (AT) no
tratamento de pacientes psiquiátricos graves. Rev. Mód. PUCRS., 166-171.
DSM-IV-TR™. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (Trad. Claudia
Dornelles, 4th ed. rev ). Porto Alegre: Artmed.
Eggers, J. C. (1985). O acompanhamento terapôutico: um recurso técnico em psicoterapia de
pacientes críticos. Rev. Psiq., 7(1), 5-10.
Guimarães, S. S. (2001). Técnicas cognitivas e comportamentais. In B. Rangó (Org.),
Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais (pp. 113-130). Porto Alegro; ArtMed.
Turner, R. M. A dessensibilização sistemática. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de
terapia e modificação do comportamento (pp. 147-165). São Paulo: Santos.
Vera, M. N., & Vila, J. (1996). Técnicas de Relaxamento. In V. E. Caballo (Org.), Manual de
técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 147-165). São Paulo: Santos.
Volpato Cordioli, A. (1998). Psicoterapias: Abordagens Atuais. São Paulo; Artes Médicas.

308 hibidne Cristina Cru/, I uciana Assi de I ima e Patrícia Barbeiro de Moraes
Seção V

Aplicações da
análise do
comportamento na
sociedade
Capítulo 27
A atuação do analista do comportamento
com as questões sociais: uma reflexão a
partir das mudanças nos temas
investigados em publicações entre
1968 e 2002'
M artina Killo Otero
l alhtratório dc Psicologia ixpcriniental - IX fc 'AP

O conhecimento acerca do comportamento humano tem produzido resultados


positivos nas mais diversas áreas de aplicação e de discussão de questões humanas. A
Análise do Comportamento, como a ciência responsável pela produção desse
conhecimento, tem oferecido propostas de análise e de atuação aos mais diversos
problemas. As possibilidades de uso do conhecimento produzido pela Análise do
Comportamento para analisar nossa sociedade e propor delineamentos de práticas sociais
mais saudáveis também têm sido esboçadas e discutidas por diversos autores desde
Skinner até a atualidade (Skinner, 1948, Skinner, 1978, Kunkel, 1970, Glenn, 1988, Ellis,
1991, Lamal 1991, Rakos, 1989). É com o foco nessa atuação, nas suas possibilidades
e limites e, principalmente, no modo como ela tem acontecido nos últimos 30 anos, que
este trabalho se desenvolve.
Encontramos, desde cedo, na obra de Skinner, discussões a respeito do uso do
instrumental da Análise do Comportamento para analisar e propor práticas sociais (1948,
1953,1971,1978). Por exemplo, em Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1953)
já discute como a interação de "sistemas intercruzados" (p.297) pode controlar o
comportamento dos indivíduos. Também nessa mesma publicação, Skinner propõe a
noção de "agências controladoras", além de analisar algumas delas ("governo", “religião",
"psicoterapia", "economia" e a "educação”).
Além do próprio Skinner, diversos autores analistas do comportamento, desde o
desenvolvimento da abordagem, também têm desenvolvido sou trabalho - teórico e
aplicado - com foco em práticas e questões sociais (Kunkel, 1970, Holland, 1978,
Malagodi, 1986, Glenn, 1988, Ellis, 1991, Lamal 1991, Rakos, 1989, Andery & Sério,
1999, entre outros...). Apesar de discutida e realizada por muitos analistas do

' I rntwlho dominvnlvKlo rw DMwortHçAo do Mostrado dfl nutririi, ctifo pm|nto fcivn ftnHnrtamontn dfl I A P K S P
comportamento, a análise e a proposição de mudanças a partir da Análise do
Comportamento está longe de ser uma questão resolvida para a abordagem. Há
dificuldades de ordens teórica, metodológica e ética que são palco de pesquisa e
discussão. No que se refere ao desenvolvimento de conceitos, podemos destacar o de
“metacontingência", desenvolvido por Glenn (1988) e que tem sido discutido por diversos
autores (p.ex. Andery e col, 1999) mas ainda não completamente adotado pelos analistas
do comportamento. Além do questões teóricas, há uma série de questões e dificuldades
metodológicas que emergem quando tratamos do estudo de questões sociais - fenômenos
que envolvem muitas pessoas, contextos amplos e um intervalo longo de tempo. Lamal
(1991) destaca algumas questões metodológicas que devem ser tratadas pela Análise
do Comportamento para possa lidar com fenômenos sociais. Entre outras: a definição
de uma unidade de análise, de um tipo de medida e a questão da validade social dos
objetivos envolvidos no estudo - a avaliação da sociedade da relevância dos objetivos
colocados e indica a dificuldade de elaboração de estratégias de coleta de dados sobre
"a sociedade". De fato, diversos autores (Holland, 1978, Jason & Glenwick, 1980, Lamal,
1989, 1991, Malagodi, 1986, Botomé, 1996) identificam limites no desenvolvimento da
Análise do Comportamento em comparação ao quanto ela poderia contribuir para o
desenvolvimento da sociedade.Tais discussões evidenciam que esta é uma área que
está em desenvolvimento e que tem encontrado desafios para tal, possivelmente
vinculados à complexidade do objeto de que trata: relações sociais.
Além de realizado e discutido por autores analistas do comportamento, o
envolvimento do analista com questões sociais, também tem sido discutido por diversos
autores fora da abordagem (Wheeler, 1973, Japiassu, 1991). A Análise do Comportamento
foi e é objeto de críticas no que se refere ao seu papel de agente promotor de
transformação ou manutenção da estrutura social vigente, aos procedimentos usados
nas intervenções comportamentais, à noção de controle dentro da abordagem, ao uso
de controle aversivo, etc.
Apesar de, muitas vezes, tais críticas estarem vinculadas a um entendimento
equivocado de conceitos e práticas da Análise do Comportamento, elas evidenciam
uma dificuldade encontrada pela abordagem: difundir seus conhecimentos na sociedade
de modo a que possa contribuir para a solução de diversos problemas (Lamal, 1989,
Malagodi, 1986).
Temos, portanto, por um lado, autores anafistas do comportamento que, apesar
de reconhecerem limites e dificuldades da abordagem no que se refere à análise de
questões sociais, destacam a contribuição que a abordagem poderia oferecer para a
melhora das condições em que vive o homem. Por outro lado, temos críticos não analistas
do comportamento que avaliam negativamente a possibilidade da Análise do
Comportamento vir a desenvoíver-se/contríbuír nessa área.
O objetivo deste trabalho consistiu em analisar a produção do analista do
comportamento, relacionada com questões sociais e veiculada em revistas científicas
específicas da abordagem, com vistas a contribuir para que a área reflita sobre si mesma.
Nessa análise foram levantados dados específicos sobre seu desenvolvimento e foram
destacadas mudanças ao longo do tempo.

‘ NAofot kx;alt/n<to onbn »nonto» MrtuOus. putiNuKju« pato JA H A o nrwtfeuKtt« miBtu tmtwltio. que wVjUww na aua arWUmn. ou m o«no trHtuwm (Iumm mftcato.
Owlo tamtetn kxlk^Mto pcx Martnrto, 2000
Método
1. Seleção de fontes
A análise de publicações acerca do envolvimento do analista do comportamento
com as questões sociais foi realizada a partir da leitura de artigos de dois periódicos
especializados na abordagem:
1.1. Journal of Applied Behavior Analysis (JABA). Criado em 1968 pela Society
forthe Experimental Analysis of Behavior (SEAB), é um importante veículo de divulgação
de pesquisas aplicadas, relevantes socialmente, de analistas do comportamento em
diversas áreas. Todos os volumes deste periódico, de 1968 a 2001, foram objeto de estudo
nesta investigação.
1.2. Behaviorists for Social Action Journal (BFSAJ), Behavior Analysis and Social
Action (BASA) e Behavior and Social Issues (BSt). Desde sua fundação, em 1978,
foram editorados e publicados pelo grupo de interesse da Association for Behavior
Analysis (ABA), Behaviorists for Social Responsability, que foi precedido pelo
Behaviorists for Social Action. A proposta de periodicidade de publicação do jornal
era de dois números anuais. Os periódicos tinham como foco questões sociais e
análises culturais do ponto de vista dos analistas do comportamento. Em 1986,
ocorreu a mudança de nome de Beahaviorists for Social Action Journal para Behavior
Analysis and Social Action.
O Behavior and Social Issues foi o periódico que deu seguimento, em 1991, ao
Behavior Analysis and Social Action e também publica investigações e discussões de
analistas do comportamento voltadas diretamente a questões sociais. A responsabilidade
pela publicação do periódico foi transferida para o Cambridge Center for Behavioral Studies,
até 2001.

2. Procedimentos de coleta
A coleta foi feita a partir de um sistema de busca do JABA com palavras-chave.
Para estabelecer a lista de palavras, foi feita uma leitura dos programas de governo dos
candidatos vencedores para governo municipal de (2000), estadual (1998) e federal
(1998) e foram destacadas paíavras-chave ou expressões-chave vinculadas a questões
e problemas sociais no contexto brasileiro.
Todos os artigos do conjunto BFSAJ, BASA e BSI foram resgatados, menos
os de uma sessão dedicada a relatos de trajetórias e histórias pessoais de
personagens “notórias" da abordagem.

3. Procedimentos de análise
Os aspectos analisados nos artigos selecionados foram os seguintes:
a) Ano de publicação dos artigos; b) Autoria dos artigos; c) Tipo de estudo relatado
no artigo (teórico, interpretativo, aplicado, revisões de livro e da literatura); d) Tema analisado
ou tratado no estudo. Os temas poderiam estar diretamente ligados a "áreas sociais"
como levantadas pelos programas de governo (como educação formal, emprego, meio-
ambiente) ou poderiam estar relacionados, mais especificamente, a reflexões sobre a
abordagem (como comparações entre sistemas teóricos/ metodológicos, análises de
modelos e práticas sociais existentes); e) Participantes (para estudos aplicados).

Resultados
O número de artigos relativos a questões sociais publicados no JABA, BFSAJ,
BASA e BSI localizados e analisados por este trabalho foi de 405. Desse total, 199
artigos foram publicados no JABA, desde sua fundação em 1968. O BFSAJ publicou 39
artigos, em 6 anos; o BASA publicou também 39 artigos, em 4 anos e o BSI publicou 128
artigos em 11 anos (de 1991 até 2001), totalizado o número de 206 artigos publicados pelo
conjunto BFSAJ, BASA e BSI de 1978 até 2001.
A Figura 1 apresenta os dados relativos ao número de artigos publicado por ano,
nos periódicos investigados.

Figura 1. Número acumulado do artigos, relativo a questões sociais publicados no


JABA o no conjunto BFSAJ, BASA e BSI
O JABA apresentou uma tendência relativamente estável no número de artigos
publicados por ano, apesar de alguns picos. O mínimo de artigos publicados em um ano
foi 1 artigo, em 1969, e o máximo foi de 14 artigos, em 1980. No conjunto BFSAJ, BASA
e BSI houve uma oscilação mais acentuada. Há três anos em que não houve publicação
de artigos (1981,1985 e 1990) e o número máximo de artigos publicados em um ano foi
de 22 artigos em 1997, fato que esteve relacionado com a abertura do periódico a receber
manuscritos de estrangeiros e estudantes de doutorado (Ellis, 1997a, 1997b).
A presença de anos em que não houve a publicação de artigos pelo conjunto
BFSAJ, BASA e BSI está relacionada com a instabilidade de publicação do próprio
periódico. Em análise dos editoriais foi possível identificar duas principais dificuldades
pelas quais passaram os editores responsáveis pelo periódico: a primeira se refere a uma
dificuldade de manter-se economicamente (poucos assinantes individuais e institucionais),
e a segunda, de conseguir artigos (de qualidade e que utilizam a terminologia
comportamental) para serem publicados (Rakos, 1987, Harshbarger, 2000). Esses dados
colocam em questão a influência do BSI dentro da abordagem, pois se "poucas” instituições
assinam o periódico, poucas pessoas têm contato com ele. Essa dificuldade não é
encontrada no JABA. Estudos que investigam as tendências reveladas pelos artigos
veiculados no JABA (Hayes, Rincover e Solnick, 1980, Dymond, 1997, Laties e Mace,
1993, Northup, Volmer e Serrett, 1993) indicam a relevância do periódico enquanto veículo
de publicação e fonte de referências para os analistas do comportamento, demonstrada
pela sua extensa circulação, desde a sua fundação.
O JABA não tem como foco específico questões sociais, porém, periodicamente
dedica números ao estudo de determinados temas que se constituem como “questões
sociais". Vemos que diversos editores encorajaram, em determinados momentos, o estudo
de tais questões, como Bailey (1987) e Neff (1995), entre outros. O número de estudos
publicados, relacionados a questões sociais, em relação ao total de artigos publicados
no periódico, oscilou possivelmente a depender da postura e incentivo do editor daquele
período . De qualquer maneira, podemos dizer que o analista do comportamento tem
produzido constantemente sobre questões sociais. No JABA tal produção é menos
freqüente, porém estável. No conjunto BFSAJ, BASA e BS/a produção é mais numerosa,
porém mais instável também.

Autoria dos artigos


A análise das autorias dos artigos mostrou que 521 autores estiveram envolvidos
na publicação dos trabalhos relacionados com questões sociais. Usualmente, os artigos
publicados no JABA são publicados por conjuntos mais numerosos de autores. Os dados
sobre a autoria dos artigos mostraram também, que a grande maioria dos autores (81,4%
no JABA e 70,32% no conjunto BFSAJ, BASA e BSf) publicou apenas um artigo do
conjunto analisado. Esse dado indica que os autores não costumam publicar diversos
artigos relacionados a questões sociais, eles publicam esporadicamente trabalhos e
discussões com esse interesse especifico. Pode indicar, ainda, que autores interessados
em trabalhar com questões sociais podem estar publicando seus trabalhos em outros
periódicos.
Finalmente, a análise de autoria mostrou que dos 521 autores envolvidos, apenas
21 publicaram no JABA e no conjunto BFSAJ, BASA e BSÍ. Entre os 72 autores que
mais publicaram artigos no JABA (dois artigos ou mais), 10 também publicaram no conjunto
BFSAJ, BASA e BSI. Por sua vez, dos 46 autores que mais publicaram nesse grupo de
periódicos (dois artigos ou mais), apenas 7 também publicaram no JABA. Esses dados
indicam que autores que publicam em um periódico não costumam publicar no outro.
Essa divisão dos periódicos por autores pode significar uma dificuldade de trânsito e de
troca entre aqueles que publicam em um e no outro.

Tipo de artigos investigados


Os dados relativos ao “tipo de artigo" se referem ao tipo de estudo realizado e
relatado no artigo, e está relacionado com os procedimentos envolvidos no estudo, com
o modo pelo qual o objeto é tratado.

t-HM (IIhcumAo foi roallmUi mui« pumK)(K>fl»KJ«r<iunto rm riMMTt*çAo <lu autom


4 l-nram iikw: Altim, D E., ítatumir, F. E., f awixrtt, S B . f-oxx, R M . Galar, E S., Gkmwtck, D. S., Gmun, G , Hayw», 8. C . HoIhik), J G., Jitmxi, I A., Koonan,
M , Kr«nt7, P J., McCIartnafutn, L. E., Mdk». L K., Moore. J . Po<<w»on, ( , Robort», J.. Soufclrm, T., Sul/ef-A/«roff, B . f hyor, B A o Wo/«h, T M
Os dados relativos a tipos de estudos realizados no JABA e no conjunto BFSAJ,
BASA e BS/indicam que há diferenças bastante significativas entre os periódicos. Como
era esperado, o JABA publicou, na sua grande maioria (80,1 %), estudos de tipo “aplicado",
ou seja, que realizam uma intervenção ou um levantamento sistemático de dados para
investigar empiricamente a relação entre as variáveis que são o objeto de estudo.
O conjunto BFSAJ, BASA e BSI, diferentemente do JABA, publicou na sua maioria
(60,11%) estudos de tipo "interpretativo", 19,72% de artigos teóricos e apenas 4,37% de
artigos aplicados. Artigos interpretativos são aqueles que realizam uma análise ou
interpretação, a partir de conceitos da Análise do Comportamento, a respeito de algum
tema relacionado com algum acontecimento atual ou alguma questão social de modo
geral. São diferentes dos teóricos na medida em que o foco da análise não ó um conceito
ou teoria, mas sim uma prática social. O baixo percentual de artigos aplicados esses
periódicos não seria, necessariamente, esperado, pois eles também têm como proposta
as publicações de artigos aplicados.

Tema dos artigos


Os artigos foram classificados em função de seu conteúdo central e o objeto
principal tratado no estudo. Os dados indicaram, mais uma vez, que os periódicos
apresentam diferenças significativas entre si, no que se refere ao tipo de temas discutidos.
Vemos que no JABA a maioria dos artigos (91,96%) investigou temas específicos que têm
relação direta com alguma área de atuação dentro daquelas existentes, enquanto que o
conjunto BFSAJ, BASA e BSI apresenta a porcentagem de artigos com temas localizados
dentro de áreas sociais de 31 % e de artigos com temas relacionados com reflexões sobre
a própria abordagem de 66,99%. O grupo de periódicos BFSAJ, BASA e BSI, portanto,
tem a maioria de artigos com temas relacionados a “reflexões sobre a abordagem" que
são aqueles temas não específicos que se caracterizam por ser reflexões de analistas do
comportamento sobre a própria abordagem, sua função social, que tipo de mundo seria
gestado a partir de seus pressupostos filosóficos.
O tema, entre as áreas sociais, em que o JABA mais publicou artigos foi no de
"Desenvolvimento Social" com 31,66% dos estudos. Tal área se define por trabalhar
com tomas como a inclusão social de participantes fragilizados de alguma forma ou o
aumento de participação de populações no seu contexto mais próximo. Analisando os
dados dentro dessa categoria no JABA, veremos que dos 63 artigos publicados no periódico
sobre “Desenvolvimento Social", 26 deles (41 %) estão relacionados com a integração de
participantes com déficit de desenvolvimento. É preciso lembrar aqui, que estudos relativos
a participantes com déficit de desenvolvimento foram incluídos na análise se tratassem da
deficiência relacionada à outra questão social (trabalho, inclusão social). Não foram incluídos
artigos que tratavam do ensino de habilidades específicas pura e simplesmente. Além
daqueles, há artigos sobre aumento de habilidades sociais em participantes (não com
déficit de desenvolvimento), como resolução de problemas, participação em atividades de
discussão (25%) e, finalmente, artigos que lidam com a inclusão social do idoso (16%),
homossexuais, mulheres e negros (16%). No conjunto BFSAJ, BASA e BSI os artigos
relativos ao tema Desenvolvimento Social foi de 9,71 %.
A categoria que teve a segunda maior porcentagem de artigos no JABA foi a de
“Equipamentos e Estrutura Urbana" (18,1%) que são artigos que lidam com questões
relacionadas com o uso e o acesso da população de equipamentos urbanos como moradia,
transporte e saneamento básico. Dos 36 artigos publicados no JABA relativos ao tema
"Equipamentos e Estrutura Urbana” 28 deles (78%) sào relativos a segurança no trânsito,
como uso de cinto de segurança e diminuição de velocidade ao dirigir.
A área de “Segurança", que trata de aspectos como violência, homicídios, roubos,
delinqüência, foi a terceira mais investigada no JABA{ 13,07%) e também a terceira mais
investigada no conjunto BFSAJ, BASA e BSI (3,04%). Entre os artigos encontrados no
JABA vemos estudos que investigam "tipos" de patrulha policial para diminuir taxas de
determinados crimes em determinadas regiões, estudos que tratam dos efeitos de uma
intervenção com economia de fichas, na "Achievement Place" - uma casa na comunidade
na qual diversos analistas do comportamento realizaram intervenções com delinqüentes e
pró-delinqüentes - para aumentar a emissão de respostas caracterizadas como
"adequadas". No conjunto BFSAJ, BASA e BSI os artigos são de cunho mais analítico a
respeito do sistema correcional, sistema de justiça e de propostas supostos que deveriam
ser considerados para planejamento de ambientes correcionais.
As outras áreas sociais (Educação Formal, Saúde, Emprego e Meio Ambiente)
totalizaram 30% dos artigos no JABA e 19,9% no BFSAJ, BASA e BSI (é necessário
destacar a área de Educação Formal, que foi tratada em 12,6% dos estudos, sendo o
tema, entre as áreas sociais, mais investigado pelo periódico).
Se analisarmos o desenvolvimento dos temas ao longo do tempo, veremos quo
nem sempre a área de “Desenvolvimento Social" foi a mais investigada. A Figura 2
apresenta o desenvolvimento das três principais áreas investigadas no JABA:

2: Número acumulado de artigos por ano, publicados no JABA nas áreas de


“Desenvolvimento Social", "Equipamentos e Estrutura urbana" e “Segurança"

Os dados apresentados na Figura 2 evidenciam uma mudança de foco nas áreas


investigadas pelo JABA ao longo dos anos. A área de "Segurança” teve muitos artigos
publicados, do final da década de 60 até o final da década de 70. Vemos que no terceiro
ano de existência do periódico é a área mais investigada e se mantém nessa posição
até 1981, quando a área de “Desenvolvimento Social" passa a ser a área com maior
número de artigos publicados e assim se mantém até 2001. A categoria de "Equipamen­
tos de estrutura urbana" também passa a ser mais investigada que a de “Segurança", no
ano de 1991.
Muitas podem ser as hipóteses envolvidas nessa transformação do campo de
estudo do analista do comportamento nesse período. Ellis (1991) analisa alguns motivos
que poderiam ter contribuído para que os analistas do comportamento tenham migrado da
área da segurança para outras áreas. Segundo a autora, as intervenções de analistas do
comportamento em ambientes correcionais teriam representado uma mudança muito ra­
dical nas estruturas de poder desses ambientes.
Segundo Ellis (1991) a formação da estrutura de trabalhadores dentro dos
ambientes correcionais (nos quais parte dos trabalhos analisada é feita) cumpre um
papel de manutenção do poder político e econômico de quem está no topo decisório,
e não um papel realmente tecnológico para melhorar a efetividade do sistema no seu
objetivo aparente de “reabilitar" os presos para sua nova inserção na sociedade. Ellis
(1991) diz que esse fato está relacionado com a característica "cerimoniar’ do controle
do comportamento, que torna o indivíduo, sob esse tipo de controle (no caso de sua
análise, aqueles trabalhadores que lidam com os detentos), insensível ás conseqüên­
cias "naturais” de seu comportamento no ambiente, e sensível, basicamente, às con­
seqüências sociais, liberadas por outro participante “mais poderoso" integrante do
mesmo ambiente.
Ellis (1991) sugere que a presença de analistas do comportamento em ambientes
correcionais significou uma ameaça para a estrutura de poder existente, não só na estru­
tura de poder nos "altos escalões", como na diretoria, na estrutura estadual, mas também
para as equipes que trabalham junto aos internos. A autora, então, sugere que o analista
do comportamento teria encontrado resistência à sua atuação nas prisões porque repre­
sentaria um tipo de transformação muito radical nas relações de poder dentro desses
ambientes e teria sido, então, “expulso" ou não mais solicitado a intervir nesses serviços.
Emery & Marholin (1977) também fazem um estudo sobre as intervenções de
analistas do comportamento em ambientes correcionais e sua análise mostra que as
intervenções não estavam conseguindo gerar análises "de uma verdadeira análise aplica­
da'’. A questão de que analistas do comportamento, nas suas aplicações, não conse­
guem ser totalmente coerentes ao que a Análise do Comportamento ditaria pode ser lida
em diversos autores (Emery e Marholin, 1977, Holland, 1978, Botomé, 1996, entre ou­
tros). A discussão sobre a autonomia dada ao analista do comportamento, em suas inter­
venções - ou a falta dela - para manipular todas as variáveis que afetam aquele compor­
tamento que ele pretende modificar será retomada adiante, como mais uma as dificulda­
des encontradas na área de investigação de questões sociais.
A mudança no foco das intervenções significou também uma transformação nos
tipos de participantes com os quais os analistas trabalhavam. A Figura 3 evidencia essa
transformação:
Figura 3: Númoro acumulado de artigos relativos às categorias de participantes do
"marginalizados", “participantes com déficit de desonvolvimento" e “motoristas", ao
longo dos anos.
Até a década de 80, havia um grande número de artigos publicados que investiga­
vam participantes "marginalizados" - que são aqueles isolados do convívio em sociedade
como medida de proteção da própria sociedade, como delinqüentes, pré-delinqüentes,
detentos e "ladrões em potencial". Vemos que a partir dessa década o número de artigos
publicados por ano, com esse tipo de participante, decaiu de forma importante o os núme­
ros de estudos com "motoristas" e "participantes com déficit de desenvolvimento" aumen­
ta nos anos subseqüentes.
Esses dados mostram que os analistas do comportamento têm se debruçado de
maneira bastante acentuada sobre questões e intervenções relativas a participantes com
déficit de desenvolvimento. Northup, Vollmer, & Serrett, ( 1993) ao analisar a literatura da
análise aplicada do comportamento veiculada no JABA também identificam essa tendência.
Segundo os autores a porcentagem de artigos aplicados nos quais os participantes e
beneficiados da intervenção são participantes com déficit de desenvolvimento supera de
maneira desproporcional a incidência e prevalência do problema na população no geral.
Claro está, portanto, que não é necessariamente - e somente - a demanda social e a
identificação de determinados problemas sociais que guiam o interesse do analista do
comportamento no momento de escolher o seu problema de pesquisa ou sua área de
atuação.
A discussão de Ellis (1991), que trata da dificuldade encontrada pelos analistas
no trabalho com os "marginalizados" (1) pelo grau de transformação que tal trabalho
acarretaria e (2) pela impossibilidade dos analistas de intervirem sobre todo o conjunto de
variáveis e relações que estariam envolvidas naqueles ambientes de intervenção, evidencia
outra das razões que permearam a seleção de uma área de atuação: a possibilidade de
atuar nela com capacidade do controle sobre as variáveis envolvidas e, portanto, de mudar
a realidade de fato. Isso se evidencia pela diminuição no número de artigos aplicados
relacionados com questões de "segurança", publicados no JABA ao longo dos anos e
pelo aumento no número de artigos, nesse mesmo periódico, relacionados com questões
de desenvolvimento.
Hayes (2001 ), por exemplo, analisa a ênfase dada a investigações com participantes
com déficit de desenvolvimento e destaca, justamente, a possibilidade de um rígido controle
sobre as variáveis envolvidas nesses trabalhos. O autor apresenta diferentes leituras das
conseqüências da ênfase nas questões de desenvolvimento, para a abordagem. Segundo
o autor, no início de seu desenvolvimento, a Análise do Comportamento estava voltada
para a pesquisa da aprendizagem com animais, porém sua missão sempre esteve
relacionada com o entendimento do comportamento humano complexo. Segundo Hayes
(2001 ):

Ao longo dos anos, ontretanto, tanto a posquisa básica como a análise aplicada
do comportamento, estreitaram-se e aquela visão original foi perdida. A análise
aplicada do comportamento está gradualmente se tornando uma sub área dentro
da área de dificuldades de desenvolvimento, como uma leitura rápida do número
recente do JABA pode confirmar. A profundidade do risco que isto representa é
encoberta pelo rigor metodológico e impacto aplicado dentro desse dominio
restrito (Hayes, 2001, p. 61)

A alta incidência de estudos com participantes com déficit de desenvolvimento


esteve, segundo o autor, vinculada com o rigor metodológico e impacto aplicado que derivam
dessas intervenções. O rigor metodológico ó um dos pilares da investigação em da Análise
do Comportamento e em qualquer ciência. Ao mesmo tempo, porém, estudos de temas
complexos e novos, implicam em riscos que muitas vezes significam diminuir o controle
de todas as variáveis envolvidas. Bailey (1987), quando editor do JABA, também trouxe
essa discussão e inaugurou uma sessão do periódico para garantir a publicação de estudos
desse tipo:

(...) ostudos em novas áreas de pesquisa freqüentemento são rejeitados por


não alcançarem os nossos padrões de rigor metodológico. Nós precisamos,
provavolmente, ser mais compreensivos, encorajando pesquisadores a Investigar
novos tópicos e ser mais reforçadores com aqueles atrevidos o corajosos que
nos conduzem rumo ao dosconhecido. A nova categoria, Inovações, servirá para
resgatar alguns autores que tôm fugido do enviar suas pesquisas para o JABA
para apreciação por estarem certos de que seriam rejeitados (pp. 4)

A fala de Bailey (1987) chama a atenção, em primeiro lugar, de que política editorial
pode ter sido um determinante para o tipo de artigo publicado no JABA\ Ou seja, outros
autores, que publicam artigos relacionados a questões sociais e que realizam estudos
aplicados poderiam estar veiculando seu trabalho em outro periódico, dada a exigência de
rigor metodológico que é característica desse periódico. Porém, os dados relativos à quan­
tidade de artigos aplicados publicados no conjunto BFSAJ, BASAe BSIevidenciam que, ao
menos nesse conjunto de periódicos, os analistas aplicados estão publicando com pouca
freqüência. Resta saber se veiculam seu trabalho em jornais fora da área.
Além disso, Bailey (1987) também chama a atenção para o fato de que a dificul­
dade de manter um rigor metodológico na pesquisa com questões sociais parece ser

*Alôm dotuto exemplo, temo« o d e O l a ary ( 1 0 7 7 ) qua, q uando «xlrtor do J A B A . apraannta urna tala ta m b iS i n n o M xitklo do InoenttvHr n puhtlm çAn itoíin» o
tratudo d e "grup o s m a is o xto n so «' ria a o d a d a d a • raiatM ranrio a poaalbMldad«« d« um axtrarno rtgnr m a tn d o M g k » Ê lodunlvu et» um a n o (1B80) am quo
elo 6 editor quo há o maior num ero * maior porcantagarri »obro o total, de puW teaçâo da arttgc« noUt» quaatflok noctalh
outro fator de relevância para compreender o envolvimento do analista do comportamento,
que trabalha na área aplicada, com determinadas questões e não outras - e para compre­
ender a fartura de pesquisas junto a questões de desenvolvimento.
De qualquer maneira, chama a atenção que a mudança no foco dos estudos
aplicados, também significou o afastamento do analista do comportamento de ambientes
e serviços que, se transformados, acarretariam uma transformação social mais
significativa.
O conjunto BFSAJ, BASA e BSI parece constituir-se de periódicos que seguem
outra linha: não publicam poucos estudos aplicados, porém apresentam mais claramente
sua proposta de contribuir para uma transformação social mais radical (Rakos, 1982).
Diferentemente do JABA, em que a maioria dos artigos publicados investigou
problemas relativos à área social, a grande maioria dos estudos relativos a reflexões
sobre a abordagem foi publicada no conjunto BFSAJ, BASA e BSI. A maior parte dos
artigos com temas relacionados com nesse perfil, foram aqueles que tratavam de
"prescrições metodológicas e conceituais para analistas do comportamento”, com 14,56%
dos artigos publicados no conjunto BFSAJ, BASA e BSI e 4,52% dos artigos publicados
no JABA. Artigos que tratam de “prescrições metodológicas e conceituais para analistas
do comportamento" são aqueles que discutem os instrumentos teóricos e conceituais
existentes, e a elaboração de novos, para analisar e intervir sobre as questões sociais.
Dos 39 artigos publicados nessa categoria (JABA = 9, conjunto BFSAJ, BASA e BS/ =
30), apenas 3 são de tipo "aplicado". Como era de se esperar, a maioria desses artigos
são teóricos (10) ou interpretativos (19).
Artigos que abordaram “mudança de práticas sociais" foram o segundo grupo
mais freqüente, em número de artigos publicados, entre os artigos que fazem reflexões
sobro a abordagem (14,53% no conjunto BFSAJ, BASA e BSI). Os artigos com o tema
"mudança de práticas sociais" são artigos que propõe a transformação de determinadas
práticas sociais, e propõe um sentido determinado para essa transformação, justificado
pelos princípios da Análise do Comportamento. O JABA não publicou nenhum artigo
categorizado nesse tema. No conjunto BFSAJ, BASA e BSI foram ainda identificados
artigos que lidam com análises de "modelos e práticas sociais existentes" (11,65%) e
que realizam “comparações entre sistemas teóricos ou metodológicos” (10,68%). As ou­
tras categorias de temas relacionadas a reflexões sobre a abordagem totalizaram 15,5%
dos artigos no conjunto BFSAJ, BASA e BSI.
Entre os artigos com os temas "mudança de práticas sociais", "modelos e práti­
cas sociais existentes" e "comparação de sistemas teóricos/metodológicos" a totalidade
foi de tipo "teórico" ou “interpretativo". Mais uma vez, vê-se que os estudos com análises
mais amplas não têm sido aplicados. Esse fato parece evidenciar, novamente, a
dificuldade metodológica de trabalhar com análises de práticas culturais e sociais. Além
disso, evidencia que o conjunto BFSAJ, BASA e BSI tem realizado diversas análises e
discussões, porém o conhecimento gerado nessas discussões pode não ter gerado
intervenções concretas, principalmente se considerarmos sua baixa difusão e a dificuldade
de interlocução entre os periódicos.
Quanto ao desenvolvimento ao longo do tempo dos temas relacionados a reflexões
sobre a abordagem, há bastante oscilação. Essas oscilações estão relacionadas com o
contexto fora da abordagem. As discussões realizadas nesses estudos se referem, usu­
almente, a discussões que estão sendo realizadas na sociedade . É possível identificar
isso a partir da leitura dos artigos, porém, seria necessário correlacionar essas discus­
sões com uma análise mais sistemática dos acontecimentos contemporâneos aos textos
para qualificar melhor a relação e os posicionamentos estabelecidos.

— • — comparação tln « ln tn in N » teórico*/ matodoIrtQlco»

ar«*

Figura 4. Número acumulado do artigos publicado do por ano nas principais


categorias do tema "reflexões sobro a abordagem" publicado no conjunto BFSAJ,
BASA e BSI

O único tema relacionado a reflexões sobre a abordagem que tem um crescimen­


to constante e bastante estável é aquele que trata de "prescrições metodológicas e
conceituais para analistas do comportamento", demonstrando que a abordagem tem uma
tradição em refletir sobre a sua própria atuação. Isso é verdade não apenas para autores
que publicam no conjunto BFSAJ, BASA e BSI, mas também no JABA. Nesse periódico,
apesar de em número bem mais baixo do que no conjunto BFSAJ, BASA e BSI, a categoria
de "prescrições metodológicas e conceituais para analistas do comportamento" foi a que
mais teve artigos publicados, entre aquelas referentes a reflexões sobre a abordagem
(4,5% do total).

Considerações finais
Quando falamos de uma atuação do analista do comportamento com as questões
sociais, não estamos tratando de uma área, mas sim de um conjunto de estudos
heterogêneos, diferentes nos tipos de estudos, nos temas tratados e no perfil geral das
discussões. No JABA encontramos artigos, na sua maioria aplicados, relacionados a
temas específicos e, ultimamente, frequentemente relacionados com participantes com
déficit de desenvolvimento. No conjunto BFSAJ, BASA e BSI encontramos artigos de
cunho mais interpretativo e artigos teóricos, com reflexões sobre o papel e a colaboração
da Análise do Comportamento para as questões sociais.

Pot DKiM tiplo N o v ln ( 1 9 « ? ) d i s c u t o p r o p o n tu » u x n p o ítH im tn U M » p tifH rmcAxJx) p * d f t c * do u i r A t o s o u tx x tld íi o u iim ii O u MrtdH. (H a r to w , 1 0 H 8 ) rt ix lltu f
d o m r iu m w n A o u i f x k jh I d u n t m d o p u r i ò d k x ) i j u o d l a c u t o o S o c U t e n o O u , já i * n 1 IW 1, H a kiM / 1 Í W 1 ) Ô ix JH t» tk>w ru » m»m ã o m fw tia I í)Jw;ultrx) o n H iy i m t n ik a
A divorsidado, para a Análise do Comportamento, ó positiva, já quo é com base
nela quo a seleção pode operar. Porém, os dados relacionados à autoria indicaram que,
autores que transitam em um dos perfis não costumam transitar no outro, o que pode
indicar uma dificuldade da área de integrar aspectos tratados por cada um dos perfis
traçados e abordados pelos periódicos investigados.
Com base nesses perfis e na análise realizada, alguns desafios para aqueles
analistas do comportamento que pretendem trabalhar com questões sociais a partir do
ponto de vista comportamental ficaram evidentes. Em primeiro lugar, a análise evidenciou
que não há conceitos específicos para analisar fenômenos sociais que sejam amplamente
difundidos entre os analistas e que tornem possível tanto a discussão teórica, como a
interpretativa e a aplicada. É necessário destacar que há propostas nesse sentido (como
o conceito de "metacontingência"), mas ainda é premente o desenvolvimento conceituai
da abordagem para analisar e compreender práticas e questões sociais.
Em segundo lugar, a análise sobre os temas, os participantes envolvidos e as falas
de alguns autores (O’Leary, 1977, Bailey, 1987) evidenciaram que a área de atuação
relacionada com questões sociais tem uma difícil tarefa metodológica: desenvolver
instrumentos que permitam manter o rigor metodológico das investigações comportamentais,
sem que isso implique em uma simplificação da questão investigada.
E finalmente, está colocado o desafio em relação ao papel do analista do
comportamento - enquanto especialista das relações entre organismo e ambiente - na
sociedade. As mudanças ocorridas nas últimas décadas na área relacionada com
questões sociais evidenciam que, apesar desta ser uma atuação constante do analista
do comportamento, o desafio está na integração e comunicação entre os autores que
produzem e discutem a partir de diferentes referenciais (evidenciados aqui pelos “perfis"
tratados) dentro da abordagem, para que possamos superar algumas dificuldades e,
então, possamos contribuir de maneira mais consistente e com a construção de um
mundo melhor.

Referências
Andory, M. A., & Sério, T. M. (1999). O conceito de metacontingéncias: afinal, a volha contingência
de reforçamonto é suficiente? In R. A Banaco (Org ), Sobre Comportamento e Cognição: as­
pectos teóricos motodológicos e de formação em análise do comportamento o terapia cognitiva
(pp. 106-116). Santo Andró: ESETec Editores Associados.
Bailey, J. S (1987). The Editor's Page. Journal of Apptiod Behavior Analysis, 20, 3-6.
Botomé, S. P. (1996) Serviço à população ou submissão ao poder: o exercício do controle na
intervenção social do psicólogo. Estudos de Psicologia, 1, 173-201,
Carrara, K. (1998) Behaviorismo Radical: critica e metacrítica. Marília: UNESP - Marília Publi­
cações: São Paulo: FAPESP.
Cohen, H. L., & Filipczak, J. (1971). A New Learning Environment: A Case For Learning. San
Francisco: Jossey-Bass.
Dymond, S. (1997). International publication trends in the Experimental Analysis of Behavior.
The Behavior Analyst, 20, 109-119.
Ellis, J. (1977a). Foreword. Bohavior and Social Issues, 7, 1.
Ellis, J. (1977b). Foreword. Behavior and Social Issues, 7, 87.
Ellis, J. (1991). Contingencies and metacontingencies in correctional settings. In P. A. Lamal
(Ed.), Behavioral Analysis of Societes and Cultural Practices (pp. 201-207). Now York-Hemisphere.
Emory, R. E., & Marholin II, D. (1977). An Applied Behavior Analysis of delinquency: The irrelevancy
of relevant bhevaior. American Psychologist, 32, 860-873
Glenn, S. (1988), Contingencies and metacontingencies: Toward a syntesis of Behavior Analysis
and Cultural Materialism. The Behavior Analyst, 11, 161-179.
Harshbarger, D. (2000). A letter from the editor. Behavior and Social Issues, 10 s/n.
Hayes, S. (2001). The greatest dangers facing behavior analysis today. The Behavior Analyst
Today, 2, 61-63
Holland, J. G. (1978). Behaviorism: Part of the problem or part of the solution. Journal of Applied
Bohavior Analysis, 11, 163-174.
Japiassu, H. (1991). As paixões da Ciência - Estudos de História da Ciência. São Paulo: Editora
1otras o Letras LTDA.
Jason, L. A., & Glenwick, D. S. (1980). Behavioral Community Psychology: Progress and Prospects.
Now York: Praoger.
Kunkel, J H. (1970). Society and Economic Growth - A Behavioral Perspective of Social Change.
Now York: Oxford University Press.
Lamal, P. A. (1989). The impact of behaviorism on our culture: some evidence and conjectures.
The Psychological Record, 39, 529-535.
Lamal, P. A. (1991). Introduction In P A. Lamal (Ed.), Behavioral Analysis of Societies and
Cultural Practices (pp. 3-12). New York. Hemisphere.
Laties, V. G., & Mace, F. C. (1999). Taking stock: the first 25 years of the Journal of Applied
Behavior Analysis. Journal of Applied Bohavior Analysis, 26, 513-525.
Malagodi, E. F. (1986). On Radicalizing Behaviorism; A call for Cultural Analysis. The Behavior
Analyst, 9, 1-17.
Martone, R. (2000). Análise Cultural: um estudo preliminar sobre as possibilidades do conceito
de metacontingências. Trabalho de Conclusão de Curso. PUC/SP.
Neef, N. A. (1995), Editorial. Journal of applied Behavior Analysis, 28, 397-398.
Nevin, J. A. (1982). On Bohavior Analysis and nuclear extinction. Behaviorists for Social Action
Journal, 3(2), 2-3
Northup, J., Vollmer, T. R., & Serrett, K. (1993). Publication trends in 25 years of the Journal of
Applied Behavior Analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 26, 527-537.
O’Leary. (1977). Editorial. Journal of Applied Behavior Analysis, 9, pp. i-iii.
Rakos, R. F, (1989). Introduction. Behavior Analysis and Social Action, 6, 2-3.
Rakos, R. F. (1982). Editorial. Behaviorists for Social Action Journal, 3, 1.
Rakos, R. F. (1989). Editorial: Changing for Social Change. Behavior Analysis and Social Action,
7,3.
Skinnor, B. F. (1978). Reflections on Behaviorism and Society. Englewood Cliffs NJ: Prentice-
Hall.
Skinnor, B. F. (1948). Waldon Two. SSo Paulo: Editora Cultrix. (Trabalho original publicado
om1948.)
Skinner, B. F. (1953). Cidncia e Comportamento Humano. Scio Paulo; Editora Cultrix.
Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Knopf.
Todd, J.T., Morris, E. T., Midgley, B. D., Schneider, S. M., & Johnson, L. M. (1995). Conclusion:
some historiography of Behavior Analysis and some Behavior Analysis of historiography. In J. T.
Todd & E. T. Morris. Modern perspectives on B. F. Skinner and Contemporary bohaviorism (pp.
195-215). London: Gleenwood
Wheeler, J. H. (1973). Beyond the punitive Society - Operant Conditioning: social and political
aspects San Francisco W H Freeman and Company.
Capítulo 28
Modelo de redução de risco em Aids:
Avaliação de um projeto de prevenção
com jovens
M a ria Cristina Antunes
L/niversiiiide deSão Paulo -L/nivcrsidade luiuti do ParamI

A epidemia da AIDS cresceu rapidamente no Brasil, que acumulava 237.588 ca­


sos notificados até março de 2002. Houve um aumento significativo de casos por trans­
missão heterossexual (1,6% de casos em 1984 para 59,4 % em 2002) e em grupos com
menor escolaridade (29% entre pessoas que estudaram até 7 anos) (Ministério da Saúde,
2002). Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, foram notificados 51.167 casos até
outubro de 2002, com a maior concentração de casos (81%, 1980-2002) entre pessoas
de 20 e 44 anos (Vigilância Epidemiológica - DST/AIDS Cidade de São Paulo, 2002).
Com a explosão do número de casos de AIDS, desencadeou-se uma onda de
prevenção ao HIV. Inicialmente, os projetos não contavam com um componente de pesquisa
que avaliasse o seu impacto na comunidade. Também nos deparamos com poucos estudos
sobre a sexualidade humana e a diversidade sexual antes do surgimento da epidemia, o que
dificultou o seu melhor entendimento e o desenvolvimento de projetos de intervenção ade­
quados a cada população (Parker, 1994). Segundo Alain Giami, "As pesquisas sobre com­
portamento sexual ocupam uma posição marginal dentro das ciências sociais e sua disper­
são-experimentada, freqüentemente, por rupturas impostas pela conjuntura social-torna
dificil a produção de um saber cumulativo.” (Giami, 1994, p.209-210).
Os estudos na área de prevenção de AIDS foram baseados inicialmente nos mo­
delos teóricos que consideravam a mudança de comportamento como um fenômeno a
nível individual. Esses modelos foram herdados dos estudos em Saúde Pública, tais como
o "Modelo de Crenças em Saúde" e “Teoria Cognitiva Social". Partindo desses modelos,
Catania, Kegels e Coates (1990) formularam o "Modelo de Redução de Risco de AIDS”
(ARRM), no qual esse projeto se baseou. Mas alguns autores (Antunes, Peres, Paiva
Stall e Hearst, 2002; Cáceres, Rosasco, Mandei e Hearst, 1994; Cáceres, 1998; Paiva,
2000) criticaram esse modelo, pois não leva em conta fatores como cultura, grupo social,
diferenças de gênero, entre outros.
Segundo Parker (2000), na década de 80 os estudos focalizaram os comporta­
mentos de risco, tentando produzir modelos para intervir e modificar tais comportamentos,
baixando a incidência de novos casos. Num segundo momento buscou-se um entendi­
mento das estruturas sociais e culturais que poderiam estar associadas à epidemia e
mais recentemente ampliou-se a discussão, enfatizando também fatores econômicos e
políticos que podem influenciar a epidemia.
Segundo Catania et.al. (1990), a mudança do comportamento de risco envolveria
três estágios:
1. O reconhecimento e a definição dos comportamentos de risco.
2. O compromisso em reduzir as práticas sexuais arriscadas.
3. A busca e atuação de estratégias para atingir tais objetivos.
Esse modelo foi baseado no "Modelo de Crença em Saúde" (Health Belief Model),
na "Teoria Social Cognitiva" (conceito de auto-eficácia, de Bandura) e processos
interpessoais. Segundo Catania et.al.(1990), o ARRM se baseia na idéia de que o sujeito
deve se perceber em risco frente à epidemia para então se comprometer com a mudança
de comportamento e adotar práticas sexuais seguras frente ao HIV.
No primeiro estágio, o de percepção do problema, é necessário que a pessoa
tenha as informações sobre a transmissão do HIV. Sem isso não se chega á percepção
de risco, pois o próprio comportamento não está associado à possibilidade de infecção
pelo HIV. Segundo o autor, também seria fundamental a percepção de que a AIDS é algo
ruim, que traz conseqüências negativas para a vida da pessoa caso ela seja infectada.
Nesse estágio pode surgir a negação do risco e a evitação, de forma que o próprio
comportamento não seja visto como arriscado.
Outros autores (Gladis, Michela, Walter e Vaughan, 1992; Lear, 1995; Pligt e
Richard, 1994; Rodrigues, 1996; Rosenberger e Wineburgh, 1992; Schiller & Lewellen,
1994) identificaram a negação de risco como prejudicial ao processo de adoção do sexo
mais seguro.

"Melhor do quo sofrer de uma ansiedade insuportável associada com iniciar as


mudanças de comportamonto para ter sexo seguro, um compromisso foi deferido
onde a ansiedade foi ovitada pela negação do perigo imodiato do AIDS em contato
sexual sem proteção com parceiros desconhecidos ou suspeitos de estarem
infectados." (Rosenberger & Wineburgh, 1992, p. 16).

Não usar preservativo é um comportamento de esquiva, frente às conseqüências


negativas do seu uso, comportamento este que se mantém por reforçamento negativo.
Pedir que o parceiro(a) use o preservativo pode significar acusação, de estar doente ou
infidelidade. Como o risco de se contaminar é hipotético, mas as conseqüências negativas
da negociação do uso do preservativo não, a recusa em aceitar o risco acontece. Em
geral o comportamento do uso de preservativo é adquirido através de aprendizagem por
regra, através da modelação do comportamento. Às vezes, o sujeito é exposto à
contingência, ou seja, tem relação sexual desprotegida com um parceiro(a) contaminado(a)
g toma ciência do fato. Passa por um período que está sob controle da ansiedade, espe­
rando o resultado de seu exame.
No segundo estágio do ARRM existe um compromisso com a mudança de com­
portamento, mas para que isso ocorra o indivíduo deve perceber os seus custos e
benefícios. A pessoa em primeiro lugar deve ter confiança nos meios de prevenção, ou
seja, em que o uso de preservativo nas relações sexuais com penetração é um meio
efetivo de combate à AIDS.
Como foi relatado anteriormente, em geral o preservativo é percebido pelas
pessoas como algo negativo. O custo de usá-lo (ter o prazer diminuído, ter o fluxo natural
da “transa” interrompido) deve ser comparado a seus benefícios. O uso do preservativo
deve ser banalizado e erotizado, de forma a minimizar os aspectos negativos e a transpor
as barreiras (Antunes et.al., 2002; Paiva, 2000).
Segundo Catania et.al. (1990), o sujeito deve sentir-se capaz de manter compor­
tamentos sexuais mais seguros; noção essa retirada da Teoria Cognitiva Social.

"Para a mudança do comportamento ocorrer ó insuficiente acreditar que alguns


comportamentos sexuais são gostosos e que reduzem o risco de infecção do
HIV, as pessoas devem tambôm acreditar em sua própria habilidade para reduzir
o alto risco e ter mais comportamentos de baixo risco" (Catania et.al., 1990,
p.61).

Ainda no segundo estágio, Catania et.al. (1990) referem-se à importância das


normas grupais influenciando o comportamento sexual. O grupo onde o indivíduo está
inserido pode incentivar, ou não, o uso do preservativo. Ele pode conversar sobre as dificul­
dades envolvidas e buscar soluções através da troca de experiências. Segundo Campbell
e Stewart (1992), pode ser criada uma identidade grupai onde os indivíduos se considera­
riam em maior ou menor risco. Outros autores (Campbell & Stewart, 1992; Lear, 1995;
Kipke, BoyereHein, 1993; Siegel, DiClemente, Durbin, Krasnovsky e Saliba, 1995) têm
enfatizado a importância de avaliar essas normas e verificar se o indivíduo conversa sobre
sexo e AIDS com seus pares. O grupo de pares ó fundamental na aprendizagem por regra,
pois pode reforçar positivamente o comportamento de uso do preservativo.
O terceiro estágio do ARRM, de atuação, sugere que o indivíduo vise a mudança
de comportamento, passando por três fases: a da procura de informações, a de obtenção
de soluções e a de atuação das soluções. A primeira fase inclui as normas sociais e a
procura de ajuda formal ou informal. Nesta fase, a pessoa procura a ajuda informal de
amigos, discutindo seus problemas e dúvidas. É importante a comunicação com o(a)
parceiro(a) sobre sexo e AIDS. Tendo sido ultrapassados os outros dois estágios, onde o
indivíduo tem a percepção pessoal do risco e o compromisso com a mudança de compor­
tamento, o uso do preservativo será reforçado negativamente pois elimina o risco de con­
taminação.
Outros autores têm relatado a importância de se aumentar o grau de comunica­
ção entre os parceiros (Antunes, 1999; Guttmacher, Lieberman, Hoi-Chang, Ward, Radosh,
Rafferty e Freudenberg, 1995; Lear, 1995; Paiva, 2000; Wight, 1992). Segundo Catania
et.al. (1990), a habilidade de comunicação com o parceiro ó efetiva para alterar comporta­
mentos de risco. No entanto, a alteração não depende apenas da comunicação com o
parceiro, mas também da negociação do sexo seguro, pois muitas vezes a pessoa pode
se deparar com a dificuldade de convencer o parceiro a utilizar o preservativo. “Quando os
parceiros confrontam conjuntamente o problema, existe uma base mútua para atuar os
passos de mudança de comportamento.” (Catania et al, 1990, p.64) A habilidade de nego­
ciar o sexo seguro depende também da capacidade de discutir problemas sexuais de uma
maneira construtiva. A pessoa deve ter um compromisso com a mudança de comporta­
mento e com a manutenção das práticas sexuais mais seguras.
Neste capitulo serão apresentados dados que demonstram as diferenças entre
homens e mulheres jovens com relação: às suas práticas sexuais, à prevenção de AIDS
e ao impacto de um modelo de prevenção de AIDS. A intervenção avaliada foi desenvolvida
por um programa e pesquisa preliminar com jovens paulistas (Paiva, 2000), que aproveitou
as contribuições do Modelo de Redução de Risco para a AIDS (Catania et.al., 1990) e as
experiências do trabalho com mulheres para promoção de saúde reprodutiva inspirados na
tradição da educação popular inaugurada por Paulo Freire.

1. Método:
Em maio de 1994, foram sorteados para participar deste projeto estudantes entre
18 e 25 anos de idade, do curso noturno de 1a e 2* graus da rede Estadual de Educação,
onde muitos jovens de baixa renda tentam completar sua educação escolar básica en­
quanto trabalham durante o dia. A maioria dos jovens vivia nas proximidades das escolas,
regiões centrais da cidade com altos índices de consumo de drogas, prostituição e casos
de AIDS.
Este estudo longitudinal utilizou um desenho experimental com grupo controle e
grupo de intervenção, com uma medida pré-intervenção e duas medidas pós-intervençáo,
baseada no Modelo de Redução de Risco para AIDS (Catania et.al., 1990), com um grupo
controle. Selecionamos quatro escolas da região central da cidade de São Paulo com
características semelhantes, que foram sorteadas em "grupo controle” (2 escolas) e “gru­
po intervenção" (2 escolas). Foram sorteados 100 estudantes de cada escola para partici­
par do projeto. Todos os 394 jovens adultos que concordaram em participar do estudo
durante 12 meses foram informados dos seus objetivos e das etapas a serem cumpridas.
Eles assinaram um termo de consentimento informado onde a confidencialidade dos da­
dos foi garantida.
Foram feitas 3 aplicações do mesmo questionário, com intervalo de aproximada­
mente 6 meses entre cada uma delas. Após a primeira aplicação do questionário os
alunos participaram de "Oficinas de sexo mais seguro” nas duas escolas do grupo inter­
venção. Conforme demonstra a Tabela 1,152 estudantes do grupo intervenção participa­
ram das oficinas (77% dos que tinham concordado em participar). A principal razão da
perda inicial foi a evasão escolar nos dois meses entre a adesão ao projeto e o início do
programa de prevenção. Seis meses depois 304 estudantes (77% do momento inicial do
estudo) responderam o mesmo questionário.
Tabela 1. Número de participantes em cada etapa do estudo.

ÚUistionárfo 1 (ntervençflO Questionário 2


197 152 150 •
Grupo Intervenção
197 154 115
Grupo Controle '

394 304
Total

1.1. Descrição das “Oficinas de Sexo mais Seguro”:


As oficinas se organizaram em 4 encontros de 3 horas cada um. Moças e rapa­
zes foram separados em diferentes grupos, garantindo confidencialidade e encorajando a
discussão aberta sobre as normas para os gêneros e a atividade sexual, chamando
atenção para a forma como são socialmente construídos. Os participantes discutiram o
simbolismo da AIDS e o preconceito contra portadores do HIV. Exploraram o impacto da
AIDS em suas vidas e exemplos concretos de sua vulnerabilidade pessoal frente ao HIV.
Com uma massa de farinha e sal, os participantes modelaram partes do "corpo erótico e
reprodutivo" e debateram informações corretas, numa conversa franca sobre sexualidade,
reprodução e transmissão do HIV. Conversamos sobre a forma como os diversos tipos
de vínculos afetivos e as normas para os gêneros modelavam as práticas. Demonstramos
como usar o preservativo sem diminuir o prazer sexuaí. Discutimos sexo mais seguro
dentro de relacionamentos heterossexuais e homossexuais. Técnicas de dramatização
e dinâmicas de grupo foram utilizadas para abordar o respeito ás minorias sexuais e a
negociação do uso do preservativo com diversos tipos de parceiro.

1.2. Questionário:
O questionário incluiu uma série de questões baseadas no Modelo de Redução
de Risco para AIDS (Catania et.al., 1990) e outros itens que desenvolvemos para medir
a adesão às normas tradicionais para os gêneros (Paiva, 2000). O questionário, com
questões de múltipla escolha, foi auto respondido em um tempo médio de 50 minutos.
As medidas foram realizadas através de variáveis dicotômicas ou escalas tipo Likert. As
questões se referiam a:
• Dados sócio-demográficos: raça, estado civil, idade, nível de escolaridade e renda
familiar.
• Práticas sexuais: número de parceiros (regulares ou casuais), uso do preservativo
em cada prática. “Nunca" usar preservativo, usá-lo "às vezes" ou "na maioria das
vezes" foram consideradas práticas de risco, gerando uma variável dicotômica
(uso consistente x uso inconsistente).
• Capacidade de negociação: de negociar práticas sexuais, prazer e sexo seguro.
• Percepção de auto-eficácia: "sente-se capaz de se proteger do HIV".
• Dificuldades om usar ou obter a camisinha, impressões a sou respeito relacionadas
ao prazer e sua eficácia para o sexo seguro.
• Capacidade de comunicação sobre Sexo e AIDS: se sente capaz de conversar
sobre esses assuntos com amigos e parceiros.
• Adesão às normas de gênero: concordância com afirmações sobre normas
tradicionais dos papéis masculinos e femininos como, por exemplo, a
responsabilidade sobre o cuidado dos filhos, o sustento da casa, as diferenças de
poder implícitas na relação sexual e na negociação do sexo seguro.

1.3. Análise:
Utilizamos o Pacote Estatístico para Ciências Socias (SPSS/PC+6.0) para analisar
os dados da primeira coleta de dados e do questionário pós*intervenção. A análise se
restringiu apenas aos jovens (n=304) que responderam às duas primeiras coletas de
dados. Utilizamos Qui-quadrado de Pearson (p< .05) para testar hipótese de
homogeneidade entre os gêneros. Utilizamos Análise de Covariância (p< .05) para
comparar os resultados da segunda coleta de dados entre os dois grupos (Intervenção X
Controle), considerando os dados da primeira coleta de dados como covariável. O registro
das oficinas e sua análise foram utilizados como referência para interpretação dos dados
obtidos nos questionários.

2. Resultados:
A tabela 2 apresenta as características demográficas dos estudantes que
participaram de ambas coletas de dados. No grupo feminino verificamos uma maior
quantidade de jovens de cor mulata e no grupo masculino de cor branca. Maior quantidade
de mulheres eram casadas. Uma proporção maior de homens trabalhava e recebia salário
mais alto que as mulheres.
Tabela 2. Diferenças no perfil demográfico de homens e mulheres (n= 304) na
primeira coleta de dados.

Variável Mulheres Homens Total


(n=163) (n=141) (304)

Idade média 19.7 20.1 19.9


Cor***
Branca 42% 52% 47%
Mulata 49% 33% 42%
Negra 07% 07% 07%
Outras 02% 08% 04%
Estado Civil ***
Solteiro(a) 88% 93% 91%
Casado(a) 08% 02% 05%
Mora junto 04% 05% 04%
Trabalha***
Sim 75% 79% 77%
Não 25% 21% 23%
Salário Mensal***
Menos de 1 salário mínimo 03% 03% 03%
De 1 a 2 salários mínimos 79% 51% 66%
De 2 a 5 salários mínimos 16% 40% 27%
De 5 a 10 salários mínimos 02% 06% 04%
** P < .05, Qui-Quadrado Pearson, grupo de homens versus mulheres.

2.1. Comportamento Sexual:


Dos 304 estudantes que completaram ambas coletas de dados, 86% relatou
algum tipo de atividade sexual na sua vida e 76% relatou práticas sexuais nos últimos 6
meses. Entre aqueles que referiram algum tipo de prática sexual nos últimos 6 meses,
67% fizeram sexo com parceiros regulares, 12% com parceiros casuais e 21% com
parceiros regulares e casuais. Entre aqueles que referiram práticas sexuais, o uso
consistente de preservativo foi baixo (33%). Entre os estudantes, 70% declarou uso
inconsistente do preservativo com parceiros regulares, 64% com parceiros casuais e
36% com parceiros não-monogâmicos.

2.2. Diferenças entre homens e mulheres na primeira coleta de dados;


A Tabela 3 mostra que, dos 304 estudantes que completaram ambas coletas de
dados, as mulheres relataram uma maior adesão às tradicionais normas de gênero do
que os homens. Elas conversavam mais com os amigos sobre métodos contraceptivos,
sobre o momento adequado para se ter filhos e sobre infidelidade. Os homens
conversavam mais com os amigos sobre o uso de preservativo e prazer na relação
sexual. Observamos que uma proporção maior de mulheres não tinha experiência sexual
e uma proporção maior de homens relatou maior frequência de práticas sexuais. Maior
quantidade de mulheres indicou dificuldades para negociar o uso de preservativo e vergonha
de falar para o parceiro sobre as práticas mais prazerosas para elas. O sexo para as
mulheres estava mais associado ao amor do que para os homens.
Tabela 3. Questões que obtiveram diferenças significativas entre homens e mulheres na 1*
coleta de dados (n=304).

Máons Horrwns Total


- • * . 1 « ___
Discordam que "Cuidado dos filhos ó
tarefa da mulher". * 42% 54% 47%

Discordam que "Responsabilidade de


evitar filhos é da mulher". * 44% 61% 52%

Discordam que “Mulher pensa mais nas


conseqüências do sexo do que o 37% 41% 39%
homem". *

Conversam com amigos sobre uso de


camisinha*
Sempre 17% 23% 20%
Na maioria das vezes 22% 26% 24%

Conversam com amigos sobre prazer


no sexo *
Sempre 18% 21% 19%
Na maioria das vezes 26% 39% 32%

Conversam com amigos sobre modos


de evitar filhos *
Sempre 36% 21% 29%
Na maioria das vezes 30% 22% 26%

Conversam com amigos sobre


momento para ter filhos*
Sempre 25% 14% 20%
Na maioria das vezes 22% 20% 21%

Conversam com amigos sobre


fidelidade e infidelidade *
Sempre 40% 23% 32%
Na maioria das vezes 20% 32% 25%
Não tiveram nenhuma prática sexual*
21% 05% 14%
Concordam que "Não precisa amar a
pessoa para fazer sexo".* 07% 27% 16%
Concordam que é "Difícil convencer o
parceiro usar camisinha."* 30% 14% 23%
Concordam: "Não tenho vergonha de
falar do que gosto numa transa”* 37% 53% 46%
' P < .05, Qui-Quadrado Pearson, grupo de homens versus mulheres.
2.3. Efeito das oficinas para homens e mulheres:
Comparando os dados do "grupo controle" e do “grupo intervenção" na segunda
coleta de dados não observamos mudanças significativas em nenhuma variável, antes
de analisar separadamente as respostas de homens e de mulheres. Comparando os
dois grupos, observamos maior quantidade de mudanças significativas no grupo de
mulheres. No questionário respondido pós-intervenções, elas passaram a concordar mais
que o fato de "conhecer o parceiro" e a "paixão eram motivos para a não utilização do
preservativo". Segundo a tabela 4, após as oficinas elas passaram a conversar mais
com os amigos sobre AIDS, acreditavam mais na eficácia do preservativo para a prevenção
do HIV, tinham mais facilidade na negociação do prazer sexual e da prevenção.

Tabela 4: Média dos "grupos controle" e "intervenção" das mulheres na primeira e segunda
coleta de dados.
Contr. RmV' w s r
Questão
"Converso com meus amigos sobre r coleta 2,00 1,65
fazer o teste HIV". 2acoleta 1,98 2,28* 0.01
"As camisinhas são seguras, pois não 1acoleta 2,32 2,50
2« coleta 2,67 3,13* 0.012
estouram com facilidade".
"Usando sempre camisinha eu não 1Hcoleta 3,11 3,08
vou pegar AIDS pela relação sexual". 2" coleta 2,93 3,39* 0.007
"Acho que a camisinha é fácil de 1 * coleta 3,26 3,11
colocar". 2" coleta 3,34 3,62* 0.038
"Converso com parceiro sobre como 1« coleta 2,92 2,72
evitar AIDS". 2" coleta 2,71 3,17* 0.01
"Converso com parceiro sobre como 1Hcoleta 3,12 2,82
e quando ter filhos". 2 acoleta 3,07 3,39* 0,035
"Quando tenho relações sexuais, eu 1Hcoleta 1,78 1,93
sou a pessoa que decido o que 2 Hcoleta 1,73 2,17* 0.044
fazemos e como fazemos".

Maior mudança significativa, ANOVA test.


obs: questão graduada de 1 a 4 (discordo para concordo)

Na tabela 5 observamos que apenas o grupo de mulheres indicou uma mudança


significativa nas práticas sexuais. Após as intervenções elas passaram a ter uso mais
consistente de preservativo com parceiros casuais e com parceiros que elas julgavam
não serem monogâmicos, e em relações anais com parceiros regulares.
Tabela 5: Média dos grupos "controle" e “intervenção" de mulheres, para práticas de risco

Controla Intervenção l-g.F


Tipo de parceria
Práticas de risco nas 1 Hcoleta 0,42 1" coleta 0,46
relações anais com parceiro 2 a coleta 0,37 2 a coleta 0,38* 0.019
regular.
Práticas de risco com 1" coleta 0,67 1 n coleta 0,09
parceiros casuais 2 * coleta 0,67 2 Hcoleta 0,01* 0.028

Práticas de risco nas 1 rt coleta 0,20 1fl coleta 0,25


relações vaginais com 2 "coleta 0,17 2 Hcoleta 0,03* 0.050
parceiros casuais
Práticas de risco nas 1" coleta 0,14 1 Hcoleta 0,23
relações com parceiros não 2 n coleta 0,24 2 “ coleta 0,13* 0.032
monogâmicos

* Maior mudança significativa, ANOVA test


obs: questão graduada de 0 a 1
(não uso de preservativo) nas relações sexuais, na primeira e segunda coleta de dados.
No grupo masculino verificamos apenas mudanças com relação à percepção de
auto-eficácia. Após as intervenções se sentiram proporcionalmente mais vulneráveis fren­
te ao vfrus da AIDS. (tabela 6).
Tabela 6: Média dos grupos Controle e Intervenção entre homens, para questões da per­
cepção de eficácia do self, na primeira e segunda coleta de dados.

Controle intervenção Sig.F


Questão

Eu não sou capaz de me 1a coleta 3,39 2,21


proteger do vírus da AIDS. 2 n coleta 3,39 2,93* 0.014
Se o meu destino for pegar 1 * coleta 3,45 3,51
AIDS, não adianta fazer nada 2" coleta 3,67 3,36* 0.026
que eu pego.
* mudança significativa, ANOVA test
obs: questão graduada de 1 a 4 (concordo para discordo)
É importante registrar que as oficinas foram recebidas de forma muito positiva
pela comunidade de estudantes, professores e familiares. Um dos produtos deste projeto
foi a adoção da intervenção pelo Programa de DST/AIDS da Secretaria de Saúde do Esta­
do de São Paulo como um modelo exemplar a ser seguido nas estratégias de prevenção.

3. Discussão:
Analisando os dados verificamos que é fundamental entender as regras de gêne­
ro, aprendidas ao longo da vida. A maior parte dos estudos que avaliam o impacto de
programas de prevenção entre jovens, entretanto, não analisam as diferenças entre ho­
mens e mulheres ou avaliam essas diferenças apenas em algumas variáveis, dificultando
a comparação com nosso estudo.
As diferenças entre homens e mulheres, evidentes na primeira coleta de dados,
são coerentes com os padrões de comportamentos aprendidos de acordo com as regras
de gênero e da sexualidade, como Cáceres (1994) e Paiva (1994, 2000) também
descreveram. Os rapazes faziam mais sexo, conversavam mais sobre sexo e prazer
com seus amigos, tinham menos vergonha de negociar o prazer e a camisinha mesmo
antes das oficinas. As moças valorizavam mais o amor, conversavam mais sobre a
contracepção, a intenção de ter filhos e a fidelidade, eram menos ativas sexualmente e
se sentiam menos capazes de negociar práticas sexuais.
As oficinas não foram suficientes para que os rapazes fossem sensibilizados a
ponto de mudar os padrões de comportamentos sexuais aprendidos, talvez influenciados
pelos grupos de pares (Antunes et.al.,2002; Paiva, 2000). Como este modelo de oficina
foi inspirado no trabalho de conscientização sobre as normas de gênero com mulheres
sugere-se que as abordagens e técnicas (e não apenas a linguagem) precisam ser
adaptadas para responder melhor ao contexto dos homens.
Ao contrário do que poderia parecer, é interessante pensar se não é desejável,
como efeito da oficina, os rapazes passarem a se perceber "menos capazes de se proteger
do HlVeda A i d s Durante as oficinas, a maioria dos rapazes tinha uma atitude inicial de
"sabe tudo sobre o sexo" e “posso tudo" que demorava a ser transformada de forma que
eles compartilhassem dificuldades e dúvidas (Antunes, 1999). Os rapazes aumentarem
sua percepção de que não são tão "sabidos" e tão invulneráveis, seis meses depois de
participarem de oficinas de sexo mais seguro, seria a percepção de suscetibilidade do
primeiro estágio para a mudança de comportamento, segundo Catania et.al.(1990).
Certamente é insuficiente "descontruirmos" a atitude heróica dos rapazes, sem colaborar
para que eles mudem suas práticas no sentido de se protegerem mais. Estratégias
diferentes devem ser desenvolvidas de forma a estimularem a passagem para o segundo
estágio, de compromisso com a mudança de comportamento.
Observamos que as oficinas ajudaram as mulheres nas dificuldades do uso do
preservativo e a acreditarem em sua efetividade. No estudo de Lawrence, Brasfield,
Jefferson, Alleyene e 0 ’Bannon III (1995), as mulheres também tiveram um aumento
significativo da crença na eficácia do preservativo, quanto comparadas com o grupo
masculino. O autor sugere que sejam oferecidos espaços onde os jovens possam treinar
suas habilidades para o uso do preservativo.
Para as mulheres, ficou mais fácil conversar sobre Aíds e contracepção com os
parceiros. Nos estudos de Kipke et.al.(1993) e Kalichman et.al.( 1997) foram encontrados
resultados similares, com o aumento na capacidade de comunicação sobre sexo e Aids
com os parceiros sexuais, apesar de não relatarem se houve diferenças entre homens e
mulheres.
Entre as mulheres, a percepção da capacidade de negociação do sexo seguro e
das práticas sexuais aumentou depois das oficinas. Durante as oficinas as mulheres,
além participarem de dinâmicas psicodramáticas onde negociavam sexo com penetração
com camisinha, trocavam entre elas experiências em que descobriam que o prazer não
estava vinculado necessariamente à penetração (Antunes, 1999). As atividades realizadas
sobre o corpo erótico/reprodutivo e as discussões sobre as regras de gênero nas oficinas
proporcionaram que essas garotas ampliassem o conhecimento sobre seu corpo, prazer
e sexualidade, criticando as regras tradicionais onde as mulheres"não conhecem e não
sabem". Essas atividades podem ter treinado suas habilidades sociais e assertividade
para a negociação sexual. Dados similares, sobre aumento na capacidade de negociação
do sexo seguro, foram obtidos nos estudos de Kipke et.al.(1993) e Kalichman et.al.(1997),
mas esses autores não relataram diferenças entre homens e mulheres.
As mulheres diminuíram o uso inconsistente de preservativo nas relações anais
com seus parceiros regulares, nas relações vaginais com parceiros casuais e com
parceiros que elas julgavam que não eram monogâmicos. Outros estudos encontraram
mudanças nas práticas de risco (Basen-Engquist, 1994; Kipke et.al., 1993), mas não
foram feitas comparações entre homens e mulheres. A literatura tem descrito (Antunes
et.al., 2002; Cáceres, 1998; Paiva, 2000; Villela, 1996) que nas relações estáveis o poder
de negociação permanece menor. O comportamento de esquiva, de não usar preservativo
frente as consequências negativas de sua negociação, permanece. É mais ameaçador
negociar o uso do preservativo com o parceiro regular, onde existe o vínculo afetivo, do
que com o parceiro casual. O tipo de vínculo e a dinâmica dos relacionamentos são
variáveis importantes para a adoção de práticas sexuais mais seguras e devem ser
explorados nas pesquisas e desenho do programas de prevenção. É importante que os
programas de prevenção de Aids abram espaço para a discussão sobre os significados
do amor e da paixão, de forma que os jovens possam modificar os padrões de
comportamento de risco.
Este estudo confirma que mudar as práticas sexuais é uma tarefa mais complexa
do que se pensava no início da epidemia da Aids. Uma das prioridades na agenda de
pesquisa de prevenção do HIV/Aids deve ser o desenvolvimento e avaliação de programas
que considerem os obstáculos sociais e culturais, em especial, as dificuldades vividas
pelos rapazes.
Observamos que o "Modelo de Redução de Risco em AIDS", o "Modelo de
Crenças em Saúde" e a "Teoria Social Cognitiva" tiveram grande influência nas pesquisas
de prevenção de AIDS. O "Modelo de Redução de Risco de AIDS" supõe a existência de
motivadores internos e externos que fazem com que o indivíduo busque os estágios
com o objetivo final de adoção de medidas preventivas. Tradicionalmente, este modelo
explica a mudança de comportamento baseando-se nos motivadores para esta mudança,
enfatizando a responsabilidade individual na adoção ou não de práticas sexuais seguras.
Este ó um modelo baseado na realidade americana, muito parecido com a realidade da
cJasso média escolarizada no Brasil, que tem noção de cidadania, de seus direitos e que
pode ter vontade própria (Paiva, 2000). Mas, conforme foi relatado por Cáceres (1998),
seria fundamental a intervenção para prevenção de AIDS em outros níveis dos quais
esses modelos não dão conta.

Referências
Antunes, M. C. (1999). Influências das Normas de Gênero na Prevenção de AIDS: Avaliando um
Modelo Educativo para Jovens. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia da Universida­
de de São Paulo.
Antunes, M. C., Poros, C. A., Paiva, V., Stall, R., & Hearst, N. (2002). Diferenças na provenção de
Aids entre homens o mulheres jovens de escolas públicas em São Paulo, SP. Revista de
Saúde Pública, 36(4) [supplomento], 88-95.
Basen-Engquist, K. (1994). Evaluation of a theory-based HIV prevention intervention for college
students. AIDS Education and Prevention, 6(5), 412-424.
Cáceres, C. F. (1998). Salud sexual on una cidad joven. Un programa comunitário en salud
sexual con y para los jóvenes Lima, Peru: UPCH e Redess Jóvones.
Crtcoros, C. F., Rosasco, A. M., Mandei, J. S., & Hearst, N. (1994). Evaluating a school-based
intervention for STD prevention in Peru Journal of Adolescent Health, 15, 582-591.
Campbell, L. F., & Stewart, A. E. (1992). Effects of group membership on perception of risk for
AIDS. Psychological Reports, 70, 1075-1092.
Catania, J. A., Kegeles, S. M., & Coates, T. J. (1990). Towards and understanding of risk behavior:
an AIDS Risk Reduction Model (ARRM). Hoalth Education Quartely, 17( 1), 53-72.
Gladis, M. M., Michela, J. L., Walter, H J., & Vaughan, R D. (1992) High school studonts' porcoptions
of AIDS Risk: realistic appraisal or motivated denial? Hoalth Psychology, 11(5), 307-316.
Guttmachor, S., Lieberman, L., Hoi-Chang, W., Ward, D., Radosh, A., Rafferty,Y., et al. (1995).
Gender differences in Attitudes and Use of Condon Availability Programs among Sexually Active
Studonts in New York City Public High Schools. Journal of American Medical Woman Association,
50(3&4), 99-102.
Kalichman, S. C., Rompa, D., & Coley, B. (1997). Lack of positivo outcomos from a cognitive-
behavioral HIV and AIDS prevention intervention for inner-city mon: losson from a controled pilot
study. AIDS Education and Prevention, 9(4), 299-313.
Kipke, M., Boyer, C., & Hein, K. (1993) An evaluation of an AIDS risk roduction education and
skills training (Arrest) program. Journal of Adolescent Health, 14, 533-539,
Lawrence, J. S. S., Brasfield, T. L., Jefferson, K. W., Alleyone, E., & O’Bannon III, R. E. (1995).
Cognitive-Behavioral Intervention to reduce African American Adoloscents’ Risk for HIV Infection.
Journal of Consulting and Clinical Psychology, 63(2), 221-237.
Ministério da Saúde. (2001, 0ct/2002, Mar). Boletim Epidemiológico - AIDS, 15(2). Brasília, DF.
Paiva, V. S. F. (1994). Sexualidade e Gênero num trabalho com Adolescontes para Prevenção
do HIV/AIDS. In R. Parker (Org.), AIDS no Brasil (1982-1992). Rio de Janoiro: Relumé-Dumará,
ABIA-IMS-UERJ.
Paiva, V. S. F. (2000), Fazondo arto com camisinha. São Paulo: Summus.
Pligt, J., & Richard, R. (1994). Changing adolescents’ sexual behavior: perceived risk, self-
efficacy and anticipated regret. Patient Education and Counseling, 23, 187-196.
Siegel, D., DiClemente, R., Durbin, M., Krasnovsky, F., & Saliba, P. (1995). Change in junior high-
school students' AIDS-related knowledge, misconceptions, attitudes, and HIV-preventive behaviors:
effects of a school-based intervention. AIDS Education and Prevention, 7(6), 534-543.
Vigilância Epidemiológica - DST/AIDS Cidade de São Paulo. (2002). Boletim Epidemiológico
do AIDS do Município de São Paulo, Ano VI, r*° 6.
Villela, W. V., & Barbosa, R. M. (1996). Repensando as relações entre gônero e sexualidade. In
R. Parker & M R. Barbosa (Org.), Sexualidade Brasileira. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, ABIA,
IMS/UERJ.
Wight, D. (1992). Impediments to safor hoterosexual sex: a roviow of rosearch with young people.
AÍDS Care, 4, 11.
Capítulo 29
Produção de conhecimento e formação de
profissionais: desafios impostos por
organizações de empreendimento solidário
A n a Lucid Cortcgoso
t /mvcrsnlddc I cdcr.d dc Sdo C'drios

Em sua passagem por São Paulo, há alguns poucos anos atrás, um membro da
comunidade Los Horcones, no México, foi indagado sobre as razões pelas quais, sendo a
proposta da comunidade tão atraente, capaz de suscitar tantos suspiros apaixonados
inclusive naquela platéia, L.os Horcones se mantinha tão reduzida, com tão poucos
membros. A resposta foi, como parece ser do prática, compatível com o princípio vigente
em Los Horcones de ser, ela mesma, em tudo e o tempo todo, um laboratório. O palestrante
disse á pessoa que fez a pergunta aproximadamente o seguinte: “eu estou lá, e não sei
bem porque outros não estão. Mas talvez você saiba: porque vocô não está lá?" Embora
eu não tenha feito aquela pergunta, fiquei feliz por alguém ter feito, porque eu gostaria de
saber. Diante da resposta, fiquei muito feliz por não ter sido eu...
Como pessoa, é difícil para muitos não desejar fazer parte de algo como Los
Horcones, e algumas explicações (ou racionalizações, talvez...) para não fazer isto podem
ser apontadas. No plano profissional, contudo, não é tão simples resistir a este apelo, e o
envolvimento com situações que permitam melhor compreender e melhor lidar com aspectos
como este (a dificuldade dos indivíduos de se integrar a um empreendimento que
corresponde aos anseios de pessoas que desejam um mundo mais igualitário e orientado
pelo bem estar comum), que fazem parte dos desafios de Los Horcones, mas também de
outros tantos empreendimentos que so pautam por princípios de solidariedade e cooperação
na maneira de se organizar e funcionar torna-se inevitável.
A implementação de organizações no âmbito da chamada economia solidária
(Singer, 2000), sendo a cooperativa uma das modalidades provavelmente mais difundidas
entre os empreendimentos autogestionários, não é tarefa simples, e não requer muita
perspicácia ou coragem afirmar que muitas devem ser as variáveis que contribuem para
isso. Sua relevância como alternativa econômica, mas também como alternativa de
organização das relações humanas, contudo, justifica produzir conhecimento capaz de
tornar conhecidas e controláveis tais variáveis.
Algum as fontes de dificuldades para lidar com a implem entação de
organizações cooperativas e autogestionárias
A existência de um contexto social e econômico que se pauta, de forma pratica­
mente hegemônica, pela competição e individualismo, é certamente um componente im­
portante na determinação das dificuldades envolvidas com a implementação de empreen­
dimentos solidários e auto-gestionários. O forte contraste entre as contingências a que
estão expostos os indivíduos em praticamente todos os ambientes com os quais entram
em contato rotineiramente (família, escola, grupos de convivência, trabalho etc.) e as que
decorrem da proposta cooperativista é certamente fonte de quantidade considerável de
desafios para quem tem a responsabilidade de produzir conhecimento - como é o caso da
universidade. Tanto quanto é fundamental descobrir-ou propor, ou inventar-comporta­
mentos compatíveis com o funcionamento de grupos auto-gestionários e cooperativos, é
necessário ainda descobrir, propor e inventar repertórios comportamentais que permitam
aos indivíduos administrar este contraste. Embora não seja este um objeto exclusivo da
Psicologia, constitui certamente algo em relação a que a área de conhecimento e os
profissionais que atuam neste campo não podem deixar de responder, com produção de
conhecimento, preparo destes profissionais e intervenção profissional ética e tecnicamen­
te competente.
A predominância de organizações de natureza capitalista, sendo em geral sinônimo
disto organizações voltadas para a competição mesmo quando internamente buscam
cooperação dos trabalhadores para atingir seus objetivos diante do mercado - interfere no
volume e natureza da produção de conhecimento sobre aspectos que são de interesse
dos diferentes tipos de empreendimentos. Ainda que exista, atualmente, uma certa dispo­
sição social para estimular empreendimentos solidários, os recursos para sustentar a
produção de conhecimento requerida nesta área estão muito aquém das necessidades e
infinitamente aquém daqueles que são tornados disponíveis pelos que detém o poder
econômico para manter este poder e a organização social vigente.
Os desafios para uma incubadora universitária de cooperativas, o contexto no qual
vêm sendo geradas as considerações apresentadas neste texto, são ampliados quando o
objeto em questão não são apenas cooperativas, mas determinados tipos de cooperativas:
cooperativas populares (Guimarães, 2000). A expressão popular, aqui, delimita mais uma
das variáveis que fazem parte deste complexo objeto de produção de conhecimento e de
intervenção: trata-se de gerar e administrar conhecimento necessário para que indivíduos
desprovidos da maioria das condições básicas de cidadania possam se organizar
solidariamente e garantir não apenas sua sobrevivência, mas a dignidade a que todo cidadão
tem direito. Trata-se, enfim, de ampliar e sofisticar repertórios comportamentais em geral
precários mesmo para as exigências da realidade social em termos de sobrevivência, em
direções frequentemente ainda pouco conhecidas, de modo que estes indivíduos possam
enfrentar muitas e diferentes situações e exigências. Além de propor (descobrir, inventar...)
e instalar "novos" comportamentos necessários para lidar com um contexto tão diferenciado
daquele no qual estes indivíduos estão inseridos, é freqüentemente necessário, ainda, recu­
perar a capacidade destes indivíduos para lidar, com maior probabilidade de sucesso, com
o "velho contexto". Trata-se de desenvolver conhecimento, e dele derivar tecnologia capaz de
preparar indivíduos para a atividade produtiva a ser realizada em tudo que ela envolve, para a
administração do empreendimento e das relações com o restante do mundo, e para as
relações pessoais no âmbito do próprio grupo.
A gravidade das necessidades sociais presentes na vida de indivíduos que cons­
tituem a população potencial dos empreendimentos a serem implementados como coope­
rativas populares, cria situações que agregam desafios em termos de produção de conhe­
cimento e intervenção. Gilberto Dimenstein (1995), jornalista e escritor, no encarte de um
CD do cantor Milton Nascimento, relata uma lenda indiana em que um de dois homens,
depois de ajudar a salvar crianças que desciam sucessivamente o leito do rio à beira do
qua) pescavam, conclui que não adiantava apenas ficar salvando as crianças que estão se
afogando, e que era necessário, simultaneamente, estancar o arremesso das crianças
para dentro do rio. A tarefa que cabe a uma unidade universitária, com a função social de
produzir conhecimento e torna-lo acessível (Botomé, 1996), e não de mera prestação de
serviços como fim em si mesmo, em relação à proposição e implementação de coopera­
tivas populares de trabalho, tal como na lenda, impõe a necessidade de uma intensa
articulação entre os processos de produzir conhecimento e intervir que vai além da já
desejável articulação entre estes dois processos (Cortegoso, Botomé e Ronca, 1997),
pela premência de responder às exigências da realidade de exclusão social de parte
considerável da população do país e pela insuficiência de conhecimento disponível sobre
os fenômenos envolvidos e sobre maneiras de mudar esta realidade.
A complexidade do objeto com o qual ó necessário lidar em uma incubadora
universitária de cooperativas populares, sem ser exclusiva deste objeto, atinge nele um
alto grau. À limitação na abordagem a objetos complexos de interesse, tanto do ponto de
vista da pesquisa quanto da intervenção profissional, já imposta pela existência de
diferentes áreas de conhecimento e campos de atuação profissional, aliam-se
frequentemente limitações impostas por fronteiras artificialmente construídas entre tais
áreas e campos, bem como deficiências na formação dos indivíduos como pesquisadores
e profissionais em nível superior, tudo isto resultando em novo desafio: o trabalho conjunto
e integrado de pesquisadores de diferentes áreas e profissionais de diferentes campos,
requerendo sintonias de linguagem, de percepção, e muita disposição para superar estas
limitações e avançar na solução dos problemas com rigor. Desenvolver competências
frequentemente incompatíveis com - ou pelo menos desestimuladas pelas - práticas da
cultura acadêmica vigente tem sido um importante desafio para as equipes de trabalho,
que frequentemente se deparam com poderosas limitações para implementar, mesmo
internamente, práticas que pretendem difundir e para as quais precisam capacitar a
população com a qual trabalham no processo de incubação.
Não apenas por acolher a relevância da ampliação de perspectivas de análise de
pesquisadores de cada área e de profissionais de cada campo de forma a abarcar o
conhecimento e a experiência de outras áreas e de outros campos ao lidar com os objetos
de interesse, mas também pela precariedade dos recursos disponíveis - particularmente
o principal dos recursos, o humano - mais um desafio tem se feito muito presente no
funcionamento da agência tomada como referência nesta oportunidade: a ampliação das
competências de cada membro da equipe para lidar com conhecimentos produzidos em
outras áreas do conhecimento sobre estes objetos e para se comportar de acordo com
estes conhecimentos. No caso específico da Psicologia, com muita frequência somos
praticamente convocados a responder às situações de conflito que, como é muito fácil
supor, marcam todo o processo de organização humana. No entanto, nosso grande desafio
é menos nos multiplicarmos na proporção dos conflitos e mais conseguir que o
conhecimento produzido pela área do conhecimento Psicologia esteja acessível a todos
os indivíduos, membros da equipe e população atendida pelo programa. Assim como os
membros psicólogos têm que tornar-se um pouco contadores, advogados, administradores,
costureiras, faxineiras, catadores de resíduos etc.
Enfrentar desafios como estes ao produzir conhecimento e ao intervir em situações
reais e sofridamente concretas já não seria tarefa simples, mas a que se apresenta no
contexto de uma instituição universitária é ainda mais complexa. Pelo menos um aspecto
presente na concepção de que é o objetivo da Universidade produzir conhecimento,
desenvolvida por Botomé desde seu período de atuação na instituição em que hoje se
insere uma destas incubadoras de cooperativas aqui tomada como referência e expressa
em seu trabalho de 1996, tem influenciado fortemente a instituição de um modo geral, e
alguns indivíduos de modo particular. Mais do que uma palavra de ordem, a articulação
entre ensino, pesquisa e extensão (asseguradas todas as ressalvas já plenamente feitas
pelo próprio autor sobre estas expressões todas) tem sido princípio orientador da ação
dos que respondem pela incubadora e por seus projetos. Com isto fica configurado, então,
mais um desafio: promover produção de conhecimento, criar condições para intervirem
situações reais em que a organização de empreendimentos solidários se apresenta como
alternativa possível ou desejável, e preparar alunos de diferentes cursos de graduação
para produzir conhecimento sobre os fenômenos que fazem parle dos objetos de interesse
e para transformar o conhecimento disponível em condutas próprias e de outras pessoas
capazes de lidar mais adequadamente com seu ambiente, alterando-o para patamares
cada vez melhores de qualidade de vida para todos.
O contato direto com as necessidades e demandas - apresentadas ou identificadas
-tem requerido, de modo permanente: a) identificar lacunas de conhecimento, b) produzir
conhecimento capaz de reduzir tais lacunas, c) identificar frentes de atuação profissional
a atender, d) planejar, implementar e avaliar intervenções, e e) promover oportunidades e
condições para a formação profissional em nível superior para lidar com todas estas
exigências.

Condições favorecedoras para alcance dos objetivos de uma incubadora


universitária de cooperativas populares
Algumas condições têm se apresentado como favorecedoras para alcance dos
resultados desejáveis a partir da atuação de um empreendimento destinado a viabilizar
a produção de conhecimento e a transformação deste conhecimento em interferência
efetiva e eficaz sobre a realidade. São elas:
- participação de alunos de diferentes cursos de graduação e de pós-graduação,
bem como de profissionais de diferentes campos em equipes responsáveis por
projetos no âmbito da incubadora:
- exposição dos alunos que participam dos projetos a diferentes tipos de situações:
contato direto com a população como agente do processo de incubação; debates
com equipe do projeto de que participa; acesso a informações e possibilidade de
participação em outros projetos da incubadora; participação em oportunidades de
desenvolvimento conceituai em relação a aspectos diversos da economia solidária,
do cooperativismo e de outros temas afins; participação em atividades de sistema­
tização de dados sobre atividades desenvolvidas; divulgação de conhecimento pro­
duzido no desenvolvimento dos projetos, em meios académicos e profissionais,
definição de contribuições individuais específicas para questões de interesse geral;
- proposição e implementação de processo de definição sobre a própria organização
incubadora, em termos de sua estrutura e funcionamento, como objeto comum a
todos os participantes

Exemplificando oportunidades de intervenção: Proposição de normas de


conduta com o condição para favo rec er fu n cio n am en to de grupos
cooperativos

O contato direto e indireto com situações que se apresentam como de conflito em


grupos que se preparam para criar uma cooperativa de trabalho ou que já o são, tem indica­
do a existência de um aspecto comum às diferentes situações: um baixo grau de acordo
sobre o que ó esperado de cada um dos membros do grupo ou sobre a adequação ou não
das condutas apresentadas pelos membros. Sem menosprezar a possibilidade de desacor­
dos reais sobre a conveniência e pertinência ou não de determinadas condutas ou procedi­
mentos, um exame mais aprofundado destas situações de conflito, com a ajuda de conhe­
cimento produzido no âmbito da análise do comportamento, aponta para um possível papel
da natureza e da qualidade daquilo que está disponível como referencial para estas condu­
tas na geração e manutenção de conflitos tais como os que têm sido observados.
Como promover comportamentos de cooperação é uma questão que insistente­
mente se apresenta em função das exigências práticas do processo de formação e con­
solidação de grupos solidários, sejam eles cooperativas ou outras formas de empreendi­
mentos auto-gestionários. Examinar esta pergunta fez parte do processo de delimitação
de pergunta de pesquisa para desenvolvimento de monografia de um aluno de graduação
em Psicologia, tanto quanto da definição de frente de atuação desta mesma aluna e de
outras que desenvolveram, durante o ano de 2001, atividades de estágio junto à incubado­
ra de cooperativas populares. Deste processo, que incluiu conhecer melhor a proposta
cooperativista, a literatura sobre cooperação e a compreensão de membros da equipe da
incubadora sobre este assunto, surgiram algumas conclusões: a) não há consenso sobre
o que é cooperação e que comportamentos são de cooperação; b) as referências a com­
portamentos cooperativos, em particular em situações reais (em oposição a certas situa­
ções experimentais controladas) enfatizam classes de respostas - e muito frequentemen­
te limitam-se a elas; c) as indicações de contexto para tais respostas, quando surgem,
são genéricas e amplas, facilitando um apenas aparente acordo entre as pessoas sobre o
que mesmo é cooperar. O danoso papel das afirmações genéricas, que possibilitam inter­
pretações particulares, mas dificultam a localização de divergências reais e significativas
que devem ser dirimidas (e não escondidas), que pode ser observado nas mais rotineiras
atividades humanas, comprometem o papel da linguagem como a principal condição hu­
mana para superar suas determinações de ser animal.
O estudo de textos sobre a experiência de Los Horcones teve, em relação a este
processo, um papel importante. A experiência desta comunidade em relação às normas de
conduta inicialmente formuladas por esta comunidade revelou que não bastava indicar, como
orientação para condutas de interesses coletivo, o que cada indivíduo deveria fazer, e que
normas úteis deveriam especificar, também, em que condições as ações deveriam ser apre­
sentadas, bem como consequências para a apresentação - ou não - das condutas previs­
tas. A isto a comunidade denominou de código de contingências da comunidade.
O conceito de comportamento como relação entre classes de respostas e classes
de estímulos antecedentes e subsequentes e estas respostas, tal como sistematizado por
Botomé (1980), foi fundamental para oferecer uma hipótese explicativa sobre o que ocorrreu
com o primeiro código de condutas formulado em Los Horcones, e para gerar novas dúvidas.
Permitiu compreender, à medida que as mudanças ocorridas sugerem um avanço de um
estágio de desenvolvimento da própria análise do comportamento (ou da maneira como
analistas do comportamento lidavam com o conhecimento produzido pela análise do com­
portamento), no qual a oposição a explicações mentalistas gerou uma tendência a enfatizar
aspectos topográficos diretamente observáveis da conduta humana, para uma efetiva análi­
se funcional do comportamento, com a devida atenção às relações entre eventos como os
reais objetos de interesse. Propiciou o surgimento de novas dúvidas sobre o alcance
efetivamente garantido das novas definições elaboradas pela comunidade, diante da possi­
bilidade de que ao invés de condições subseqüentes, entendidas como resultados, efeitos
ou produtos das classes de respostas que delimitam as relações, tenham sido especificadas
apenas ou prioritariamente consequências suposta ou comprovadamente relevantes para o
controle (manutenção) das condutas desejáveis.
Em um levantamento sobre o que membros da equipe da incubadora de cooperativas
compreendia por cooperação (Franchini, 2002), foi possível identificar, além da grande varieda­
de de concepções apresentadas, uma predominância de expressões vagas e genéricas, apre­
sentadas como sinônimos ou esforços de explicação daquilo que era compreendido como
cooperação pelos entrevistados. Embora as informações obtidas tenham sido sugestivas de
propriedades provavelmente importantes de condições antecedentes, respostas e condições
subsequentes de comportamentos da classe cooperar, elas claramente não constituem
referencial satisfatório para uma possível classificação fidedigna de eventos como sendo ou
não cooperativos, mesmo entre pessoas que recebem a incumbência de capacitar outros para
o trabalho cooperativo. E, certamente, não constituiriam condição favorecedora para a apre­
sentação de comportamentos que viessem a ser considerados igualmente como desejáveis
por um grupo de pessoas que atuam em conjunto. Dados obtidos posteriormente por Franchini
(2003) ao entrevistar membros de cooperativas, para verificar qual a compreensão destes
indivíduos sobre o que era cooperação, e o grau de acordo existente entre eles sobre isso, os
dados obtidos junto à equipe responsável pelo processo de incubação foram confirmados.
Destas atividades de estudo do conhecimento disponível e de caracterização de
necessidades (de conhecimento e de intervenção) no processo de incubação de empreen­
dimentos cooperativos, surgiram: uma proposta de procedimento para formular normas de
conduta cooperativas em grupos de trabalho e um projeto para avaliar o impacto do proce­
dimento proposto sobre o funcionamento do grupo no que se refere a comportamentos
cooperativos, ambos descritos no trabalho de Franchini (2003), ainda em andamento no
momento em que este trabalho foi apresentado, e já concluído nesta oportunidade.
Uma síntese do procedimento proposto para gerar códigos de condutas coopera­
tivas a partir do conhecimento disponível sobre conduta humana, no âmbito da análise do
comportamento, pode ser observada no Quadro 1.
Quadro 1. Síntese de procedimento para elaboração de código do condutas coletivo por
membros de cooperativas populares de trabalho em processo de incubação.

Objetivos Atividades

Identificar papel de um código de con­ Exposição oral. apresentação da proposta do construção


duta para o funcionamento de urn gru|>o de urn código de condutas cooperativas para o grupo

Caracterizar tipo de código de condu­ Dinâm ica ilustrativa do papel de diferentes contextos e
ta que pode contribuir para regras para a conduta humana: aplicação e d iscu ssã o
ofuncionamento adequado do grupo

Descrever com portamontos hum anos Exposição oral para apresentação do conceito de com por­
em termos de relação organlsm o- tamento e exem plos de descrição de comportamentos sim ­
ambiente ples, da v/da diária e pelo menos um exemplo de comporta­
mento diferente

Identificar com portamentos de coope­ Apresentação, a o s cooporantes, de situações que incluam


ração, não-cooperação e incompatí­ comportamentos usualm ente considerados com o cooperati­
veis com cooperação vos a não cooperativos, dentro o s quais p o ssa m ser identi­
ficados comportamentos de interessa do grupo (por meio de
dinâm icas de grupo textos com relatos de situações usual­
mente o b servadas em situações de grupo.

Diante dos com portam entos Identificados, solicitação para


Selecionar com portamentos a serem que o grupo indique aqueles que sejam considerados rele­
incluídos no código de condutas vantes para serem incluídos em um código dde conduta
para o próprio grupo.

D escrever com portam entos C onstrução conjunta de a lguns d o s com portamontos


selecionados em termos de relações selecionados, solicitação para a descrição, em dupla ou
comportamentais pequeno gruf)o, de outros comportamentos desejáveis e
conferência d a s descriçõos polo grupo

Indicar exem plos e contra-exemplos Diante de d escrições de com poertamentos desejáveis do


do comportamontos incluídos no códi­ m em bros do grupo consideradas satisfatórias, solicitar que
go de condutas indicação de exem plos do situações concretas em quo
estaria se evidonciando ocorrência ou nâo de comporta­
mentos com patíveis com a definição; se necessário, apre­
sentação de situações previamente preparadas para esta
finalidade

Exemplo de normas de conduta geradas a partir do procedimento


No Quadro 2 podem ser vistas algumas das definições geradas a partir da aplica­
ção do procedimento para formular códigos de condutas cooperativas, que constituem as
bases de acordo para formulação de normas para um grupo em processo de formação de
uma cooperativa popular de trabalho, utilizando como referencial os componentes consti-
tuintes de uma classe de comportamentos operante: condições diante das quais a classe
de respostas é desejável, apropriada ou conveniente e aquelas com as quais o organis-
mos deve entrar em contato para apresentar a resposta prevista (condições antecedentes)
e resultados, efeitos ou produtos desta classe de respostas que definem a relação inteira
como classe de comportamentos. As indicações a seguir referem-se a condutas desejáveis,
do ponto de vista do grupo, em relação a forma de lidar com reuniões do grupo, diante da
existência de compromissos concorrentes.
Quadro 2. Classes de comportamentos relativas a reuniões do grupo indicadas
como desejáveis.
Cond ições diante d a s quais a Ação R e su lta d o s, efeitos ou produtos da
ação deve ocorrer ação

- reunião da cooperativa marcada


- co m p ro m isso concorrente ao qual a
Docldir omqual
compromisso
Decisflo sobre om qual com prom isso
com parece r tom ada de acordo com
p e sso a necessita ou deseja comparecer, comparecer base o s critérios com binados (de modo
ou imprevisto que a falta o c o rra n a q u e le
- crité rio s p ara d e c is ã o (g ra v id a d e , c o m p r o m is s o em q u e é m e n o r a
urgência d a s situações (reunião e a outra), gravidade da ausência, no de menor
grau em que a s situações dependem da urgência, no de maior possibilidade de
p e s s o a , p o s s ib ilid a d e de a te n u a r o atenuar a a u s ê n c ia para a própria
projulzo da a usên cia em cada um d o s p e sso a e para o s outros envolvidos nas
com p rom issos) situações etc.)

- decisão do faltar a uma reunião do grupo Avisar, o mais rápi­ - g r u p o in fo rm a d o , c o m m aior


- tompo disponível até o horário da rouniào do posslvol, sobrs a n t e c e d ê n c ia p o s s lv o l, s o b r e a
- ro c u rso s d isp o n lv o ls
contato com o grupo
paraonlraremIm
possibilidade ausência de
Ir á reunlflo - possibilidade de o grupo minimizar
problom as decorrentes da ausência da
p e sso a
-r e d u ç ã o d e p ro b a b ilid a d e de
esp ecula çõe s/p re ocu p ações/a trasos
no grufx)

- decisão de faltar a urna reunião do grupo Enviar contribui­ - atenuados o s projuizos, para o grupo,
■ tempo disponível até o horário da reunião ções (produtos, da ausência da p e sso a na reunião
- re c u rso s d isp o n ív e is para entrar ern Idéias, informa­ - m a io r p ro b a b ilid a d e d e se re m
contato com o grupo ções) para o traba­ c o n s id e r a d o s a s p e c t o s d iv e r s o s e
- assu n to s previstos para a reunião lho do grupo r e le v a n t e s s o b r o o s a s s u n t o s de
- contnbuições para o trabalho do
grupo interesse do grupo a sorom tratados na
fjor parte da p e sso a que vai faltar reunião

- reunião do grupo marcada Faltar a uma reu- - impossibilidade de interferir/particular


- c o m p r o m is s o u rge n te /in ad iá ve l no nlio do grupo do d ecisõe s do grupo sobro a ssun to s
m esrno horário, situações de em ergência de interesse com um
- assu n to s previstos para a reunião - g ru p o p riv a d o d a s c o n trib u iç õ e s
- contribuições para o trabalho do grupo especificas da posso a
- d ocisão de faltar a um a reuniAo do grupo - núm oro menor de p e sso a s tomando
d ecisõe s de interesso para o grupo
- p o sso a que falta desinform ada sobre
ocorrências na reunião
- outras n e c e ssid a d e s da pessoa/de
p e sso a s fora do grupo atendidas

- decisões tomadas democraticamente, de Acatar as decisões grupo fortalecido e coe so


a c o rd o com os p ro c e d im e n t o s tomadas
esta b e le cid o s no grupo, em rouniões,
estando a p e sso a presento ou ausonte

- reunião marcada
- assuntos previstos para serem discutidos
Comparocor
rouniào
à - possibilidade de estar informado sobro
a ssu sn to s de intoresse individual e da
- objetivos da cooperativa cooperativa
- conhecimento o opiniões sobre a s s u n ­ - p o s s ib ilid a d e d e c o n trib u ir na
tos previstos d isc u ssã o d o s assu n to s e decisões
- grupo lortalecido em s u s decisões

- ausência a um a reunião do grupo Inform ar-Bo sobro - conhecim ento das tarefas o decisões
- fontes de inform açõos sobre a reunião os resultados da tom adas
disponíveis rouniào a que es­ - Conhecim ento da próxima pauta ou
- r e c u r s o s p a ra a c e s s o á s fo n te s teve ausonte de d isc u ssõ e s pendentes
disponíveis - M aior possibilidade do cumprimento
d a s tarefas detorm inadas na reunião e
d o o fe re c im e n to de a juda n a s
atividades que necessitarem de apoio
A descrição destas classes de comportamentos, produzida em situações coletivas
e envolvendo acordo entre membros de um grupo que partilham parte significativa de
sua vida ao se organizarem autonomamente para gerar suas próprias condições de
trabalho e renda, pode e deve ser, ainda, melhorada. Considerando a natureza social
dos comportamentos envolvidos, identificação e inclusão de resultados, produtos e efeitos
das ações desejáveis em relação à conduta de outros membros do grupo, tais como o
reconhecimento que o próprio grupo deve fazer da adequação da conduta de seus
membros quando apresentada, como parte da própria relação, ó de grande valor e
importância na construção de normas de convivência, e deve ser também garantida.
A elaboração de normas de conduta a partir do conceito de comportamento, que
transfere o foco de observação da ação apresentada pelos indivíduos para a relação
desta ação com o ambiente, parece representar uma importante condição para o
aprimoramento das relações entre membros de um grupo, sejam quais forem seus
objetivos e perspectivas. A possibilidade de contar com uma definição funcional de conduta
humana como ponto de partida para estabelecer as bases de funcionamento de um
grupo cooperativo parece fundamental, como condição para superar um controle
cerimonial da conduta humana na direção de um controle comportamental tecnológico
(Glenn, 1986), orientado pelos resultados, produtos e efeitos significativos da ação humana
sobre seu ambiente.
A transformação de conhecimento disponível em comportamentos humanos
significativos, que faz parte do processo de produção de conhecimento, mas que tem
ocorrido em proporção e velocidade aquém daquelas necessárias para enfrentar os graves
problemas que afligem a maior parte da população deste país e deste planeta, não pode
ser mais adiada, e o próprio processo comportamental envolvido nesta transformação
necessita ser tomado como objeto de pesquisa, ensino e intervenção. A Psicologia de um
modo geral, e a Análise do Comportamento de um modo particular, têm importante papel
a cumprir. Para Overstreet (1978), o conhecimento característico do século XX era o
psicológico. Com certo atraso, temos que resgatar esta dívida que trouxemos para o
século XXI, produzindo e transformando em condutas humanas o conhecimento disponível
sobre como viver coletiva, igualitária e solidariamente neste planeta.

Referências
Botomé, S. P. (1960). Objetivos de Ensino, necessidades sociais o tecnologia educacional.
Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Botomó, S. P. (1996). Pesquisa alienada e ensino alienante: o equivoco da extensão universitá­
ria. Petrópolis: Vozes; São Carlos: EDUFSCar; Caxias do Sul: EDUCS.
Comunidad Los Horcones. Textos disponíveis em <httD://www.loshorcones.orQ.mx>. Acesso
em 30 de março do 2003.

O <loBtii<|iH> du puitltiAnda a ria relevância de iw própria d a a a tçA o d o raxnpnrtamanl», uonaeqüAndM i a u d a l» que devem «nr uiimnttrinN pttlo grupo
(mm m conifxjrtjimonhMi que am aldara deaetávels foi oontrtuçfto d o Prof S IM o B okxriA <)uando da apreeontaçAo deole texto no XI Fncontm du A P O M C , am
2002.1txKltkw
Cortogoso, A. L., Botomé, S. P., & Ronca, A. C. C. (1997). A integração dos processos
comportamontais do intervir om situações e de produzir conhecimento como objeto de estudo
e objetivo de intervenção profissional. CRHONOS, 30(1), 70-102. Caxias do Sul.
Dimonstein, G. Pescador de Ti. In M. Nascimento & M. Ferreira (Prods.), Amigo. Quilombo/
Warner Music Brasil.
Gleen, S. S. (1986) Metacontingencies in Walden Two. Behavior Analysis and Social Action,
5(1&2), 4-8.
Franchini, V. de A. C. (2002). Relatório de projeto de extensão número 151/2001-79. São Carlos,
Universidade Federal de São Carlos.
Franchini, V. de A. C. (2003). Procedimento para elaboração de um código de condutas coope­
rativo em cooperativas populares de trabalho om incubação. Monografia apresentada como
roquisito para o Bacharelado om Psicologia no Curso de Psicologia da Universidade Federal
de São Carlos.
Guimarães, G. (2000). Incubadoras tecnológicas de cooperativas populares: contribuição para
um modelo alternativo de geração de trabalho e renda. In P Singor & A. R. do Souza (Org.), A
economia solidária no Brasil São Paulo: Editora Contexto.
Overstreet, H. A. (1978). A maturidade mental. Sào Pauto: Companhia Editora Nacionai
Singor, P. (2000). Economia solidária: um modo de produção e distribuição. In P. Singer & A. R.
do Souza (Org .), A economia solidária no Brasil (pp. 11-28). São Paulo: Editora Contexto.
Capítulo 30
Comportamentos envolvidos em uma
cooperativa de serviços1

redro Hordini Fuleiros?

Skinner, 1953/1994 afirma que o comportamento social surge porque um organismo


é importante para outro como parte de seu ambiente. Ele ainda considera que "ó sempre
o indivíduo que se comporta, e que se comporta com o mesmo corpo e de acordo com os
mesmos processos usados em uma situação não-social" (p. 285).
Uma análise de situações que envolvem o comportamento social, pode ser reali­
zada no nível cultural. Para Skinner (1984/1987) uma cultura pode ser definida pelas:

(...) contingências de reforçamento social, mantidas por um grupo. Como tal,


elas evoluem a sua própria maneira, à medida quo novas práticas culturais, náo
importando como surjam, contribuem para a sobrevivência do grupo e são
porpotuddas como o fazem. (p. 74).

Mattaini (1996a, 1996b) define práticas culturais como casos especiais de


operantes, que são mantidos por um sistema de reforçadores entrelaçados. O autor ainda
complementa ao afirmar que, "as práticas náo são emitidas por um simples organismo,
mas por uma classe de pessoas, (...)" (Mattaini, 1996 a, p.260).
O autor ainda introduz o termo planejamento cultural, sugerindo que tal processo
favorece um melhor entendimento e esclarecimento para a análise de práticas culturais.
Para Mattaini o planejamento cultural vai além da análise cultural, pois tal
procedimento pretende estabelecer novos sistemas, desenvolvidos não somente com
objetivo de investigação, mas para encontrar melhoria nos resultados práticos.

' VnriiAo iTiodfflutdH du (MwinrltivAn tktfmxlkJn paki muUm p*trn o M w x ^ k } (to titulo d e m ostre pnto P rogru m » do (- utinlcm P ô n G im liiud oN w n Ptticologla
hxpoOdMHitjil A n A lM ti (to C ^ x n p u rttftT iiH rto .iJ a P c in M c ^ U n lv n fa k h K J ttC ttló Ic a d a HAo P aulo P U C S P .flo tH X lu n b ivA m liiP n ir [ V M ikih d o Currm) Ooedt»
j-atu po(M|ulM contou <xmm o npolo flnanctriro da C A P h S
O autor (\ imiHtru o m PsU xilogl» I- xpurimantul (miIu P U C SP, profo*aor d o C íhil/o Unlveialtàrto Hefrnlno O in n tlo Unlam rnM (i (moIoiukh lubitituto d«
unlvuiuldudt) Motodliilu du Pltack:«!» - Unkm>f)
Mattaini sugere que o primeiro passo ó determinar, baseado nos dados existentes,
as práticas da sociedade que são provavelmente estabelecidas ou aumentadas.
A identificação dos múltiplos antecedentes e conseqüências envolvidas nas práti­
cas culturais pode não só ajudar na análise de tais práticas, mas também dar suporte
para aumentar uma prática ou diminuir uma que seja indesejada.
Um tipo de situação em que pode ser empregado o modelo de análise cultural e
planejamento cultural são as organizações cooperativas. De acordo com Crúzio (2000),

"Cooporativa ó a união do trabalhadores ou profissionais diversos, que se


associam por iniciativa própria, sondo livre o ingresso de pessoas desde que os
interesses individuais em produzir, comercializar ou prestar um serviço não sejam
conflitantes com os objetivos gerais da cooperativa." (p. 13)

Em 1995, em um congresso realizado em Manchester a ACI (Aliança Cooperativa


Internacional) estabeleceu sete princípios, para reger as cooperativas no mundo todo:
adesão livre e voluntária; controle democrático dos membros; participação econômica
dos membros; autonomia e independência; educação, treinamento e informação; Coope­
ração entre cooperativas e preocupação com a comunidade.
Estudos envolvendo organizações cooperativas foram realizados por analistas do
comportamento. Em alguns destes estudos, os pesquisadores identificaram os
comportamentos necessários para realizar atividades definidas como cooperativas. Outros,
além de identificar, os pesquisadores também manejaram variáveis com intuito de
implementar e manter comportamentos que visavam a manutenção e o desenvolvimento
da organização.
Em um projeto de moradia estudantil cooperativa em uma Universidade, Couch e
colaboradores (1986) mediram a eficácia de um programa de intervenção baseado na
análise do comportamento. Os autores constataram que os moradores da casa
permaneciam morando nela, no período em que havia analistas do comportamento como
supervisores da casa. No período em que a supervisão era realizada por não analistas do
comportamento, o número de moradores diminuía. A conclusão dos autores era que uma
supervisão baseada em procedimentos de análise do comportamento seria mais eficaz
em manter os moradores na casa. A solução proposta pelos autores era de que houvesse
uma supervisão continuada, incluindo treino e avaliação no próprio local e que os
comportamentos requeridos fossem especificados e ensinados aos moradores da casa.
Com o propósito de preencher as lacunas da pesquisa descrita acima, outros
dois estudos (Johnson, Welsh, Miller e Altus 1991 e Altus, Welsh e Miller 1991) mediram
a manutenção de programas implantados por analistas do comportamento na mesma
casa estudantil cooperativa. Porém, após o programa ter sido implantado, seriam os próprios
moradores que deveriam manter tal programa. Para isto, os autores especificaram quais
seriam os comportamentos requeridos para que houvesse um sistema de trabalho partilhado
e um esquema de recompensas foi implantado para possibilitar a manutenção destes
comportamentos. Após cinco anos, os moradores, sem a presença de supervisores
analistas do comportamento, ainda estavam mantendo o sistema de trabalho partilhado.
O resultados dos dois estudos demonstraram que havia a possibilidade de que o
programa pudesse ser mantido na casa, sem a presença de um supervisor analista do
comportamento, desde que os esquemas de reforçamento e os comportamentos requeridos
fossem mantidos dentro da casa
Altus e Welsh (1991) ao identificar que um dos problemas em programas de
educação em cooperativas não era o material utilizado e sim como e em que nível a
participação e controle estava sendo aplicada, sugeriram que, os problemas de ensino
nas cooperativas poderiam ser resolvidos a partir de um programa baseado na análise do
comportamento. E propuseram um determinado formato, de uma implementação e avaliação
do próprio programa. Tal método seria o PSI - Programa Personalizado de Ensino,
desenvolvido por Fred Keller. A conclusão dos autores era que a sobrevivência da coope­
rativa poderia ser assegurada pela combinação de um bom empreendimento e a educação
do seus membros.
Outros estudos foram realizados fundamentalmente para identificar determinados
comportamentos de cooperados pertencentes a organizações cooperativas, gerando re­
sultados que servem como ponto de partida para futuras intervenções.
Cortegoso, De Mello e Homa (1999) realizaram um estudo, com o objetivo de
obter e sistematizar informações sobre comportamentos necessários para o funcionamento
de uma cooperativa. Para isto, os pesquisadores fizeram um levantamento bibliográfico
sobre cooperativas, entrevistaram profissionais de uma Incubadora de cooperativas e
participaram de uma palestra realizada pela Incubadora a pessoas interessadas em formar
uma cooperativa. Os pesquisadores formularam e organizaram comportamentos que
descreviam as contingências em relação aos comportamentos desejáveis dos cooperados,
de modo a deixar mais claros os antecedentes, ações e conseqüências. Uma das propostas
dos autores foi a de que este estudo poderia se útil na elaboração e implementação de um
programa de ensino de comportamentos desejáveis para o pessoal das incubadoras,
considerando que para quem ensina é preciso ter claro o que se espera do aprendiz (no
caso, os futuros cooperados), além de um planejamento estratégico de ensino.
Um estudo, bastante significativo, que demonstra as possibilidades de atuação
de Psicólogos analistas do comportamento em organizações cooperativas foi feito por
Cortegoso (2002). A autora sugere que as contribuições propostas por Skinner no roman­
ce Walden Two (1977), sobre a possibilidade de uma sociedade igualitária, pacifista e
auto-suficiente e com os conhecimentos gerados pela Comunidade Los Horcones', po­
dem ser utilizados por Psicólogos comportamentais em intervenções voltadas para orga­
nizações cooperativas. Cortegoso vai mais além e demonstra algumas situações, de atuação
e pesquisas de estudantes e profissionais de Psicologia pertencentes a uma incubadora
de cooperativas, que se referem principalmente na identificação e proposição de compor­
tamentos relacionados com a prática cooperativista. Segundo Cortegoso,

^ P a r H t ia h w m a lsio t ffo o P S I KfcLLE R, F S .,B O K I, C M a A £ £ l, R U m c u n M m o d w n o d s p a iu t o g ia bm C tê ncia eC irtlura , v 1A. n“ 4, p 397 300.1064


t ( )fuaiti/at*o q ua wtMMHKjni o d o a n rt v o M n w *) • m anutofvêo d« cooperativa»
L o s H a tc o im s 6 um a cotnunldada situada no M éxico, axhitantn a mata d « 2 5 anoa, b a a a a d a nua ptocottos d a Hnállso d o cnmpnrtamanto
Ifítluonctoda pa lo ro m an ca Wafdtm Two d a SfcirwMM. a c om u n id ad a p ra g a a fguafcíada antra oa mmjh m om broa, prop ríod ad e d o s b «n» coM/vt,
c o o p o ra gâ o u uuto suficiência. P a ra rnakxtts in fo m ia vta a ww w toahorconaa.ory m x/codlgo htmi
"A identificação (ou por vezes proposição) de comportamentos que constituem
(ou devem constituir) uma organização tem se mantido como projeto permanen­
te de pesquisa,produzindo dados que podem ser considerados como funda­
mentais para que questões de outra natureza possam ser adequadamente for­
muladas e para que sejam produzidas repostas cientificamente satisfatórias
para elas." (2002, p. 05)

Visando continuar com os estudos baseados em análise do comportamento, vol­


tados para organizações cooperativas e a partir dos conceitos sobre cultura propostos por
Skinner e principalmente sobre práticas culturais de acordo com o planejamento cultural
proposto por Mattaini, o objetivo do presente estudo foi o de identificar comportamentos
voltados para uma cooperativa de serviços e os cooperados que os emitem.

Método
Participantes
Quarenta e nove adultos sendo 44 mulheres e 5 homens com idade variando de 19
a 64 anos de idade pertencentes a uma Cooperativa prestadora de serviços de limpeza e
conservação de ambientes em geral, localizada em uma cidade do interior de São Paulo,
em um bairro considerado, a partir de uma pesquisa anterior, como um dos mais precários
em termos sócioeconômicos da cidade. A cooperativa foi inaugurada no dia 30 de maio de
1999. A criação e implementação desta Cooperativa tiveram a assessoria e acompanha­
mento técnico da Incubadora Regional de Cooperativas Populares, pertencente a um dos
núcleos de extensão universitária da Universidade Federal de São Carlos. Este núcleo era
formado por professores, técnicos e alunos de graduação e pós-graduação de várias áreas
do conhecimento, como Biologia, Ciências Sociais, Engenharia de Produção, Engenharia
Civil, Pedagogia, Psicologia, entre outras.

Material
Foi utilizado, para análise no presente estudo, material pertencente a Cooperativa
e a Incubadora.
1- Livro de Atas de assembléias
Este livro contém todas as assembléias gerais, ordinárias e extraordinárias da
Cooperativa. O registro sempre era feito por um cooperado que era designado, a cada
reunião, pela diretora presidente da cooperativa. As informações contidas nas atas da
assembléia eram as seguintes: data, endereço do local em que a assembléia foi realizada,
a pauta, o conteúdo das discussões e as decisões tomadas pelos presentes.
2 - Listas de presença das reuniões e assembléias
As listas de presença continham as datas referentes a cada assembléia realizada
pelo grupo e os nomes das pessoas presentes em cada uma delas. Porém, nem todas
as listas de presença referentes a cada uma das assembléias puderam ser encontradas
pelo pesquisador.
3 - Livro de matrícula da cooperativa:
O livro de matrícula ó o registro que garante que a pessoa faça parte da Coopera­
tiva. Quando alguém passa a pertencer à Cooperativa o seu nome é inserido no livro. Os
dados de cada cooperado incluso no livro incluem: nome completo, endereço, n“ da carteira
de identidade, CPF, número de cotas do cooperado. Havia ainda lugar para se colocar a
data de entrada e saída do cooperado e a sua assinatura, embora essas informações nem
sempre estavam contidas no livro.
4 - Caderno de anotação de um aluno de graduação da área de ciências sociais,
membro da Incubadora como auxiliar de pesquisa, que acompanhou o processo de incu­
bação da cooperativa desde o início até ser legalizada.
Neste caderno encontrava-se as datas das reuniões realizadas entre membros
da Incubadora e moradores do bairro, o nome e o número de pessoas presentes nas
reuniões, as pautas, os assuntos discutidos e as decisões tomadas.
5 - Formulário dirigido às pessoas que pertenciam à cooperativa, que não estavam
naquele momento prestando serviços para a mesma. Como todos os outros, este material
não foi pensado para a pesquisa, mas foi elaborado por membros da Incubadora que
acompanhavam a cooperativa , no momento em que a pesquisa estava sendo realizada.

Procedimento
As informações contidas no caderno de anotações do aluno de graduação, que
acompanhou o processo de formação da Cooperativa foram lidas pelo pesquisador. Após
a leitura, uma planilha foi elaborada e sistematizada, contendo informações somente refe­
rentes às reuniões realizadas pelo grupo desde o primeiro contato feito pela incubadora
até logo após a Cooperativa ter sido legalizada, período em que o aluno começou a acom­
panhar outro grupo. Os aspectos considerados para a sistematização das informações
referentes às reuniões foram os mesmos para a sistematização das atas das assembléi­
as da Cooperativa desde a sua legalização (1ü ata de assembléia) até o momento em que
a pesquisa foi realizada. Foram destacados destas duas fontes de informação os seguin­
tes aspectos: A data da reunião ou assembléia, o número de participantes, a pauta e as
decisões tomadas em cada uma delas.

Atividade de trabalho
Com a leitura das atas de assembléias e do livro de matrícula da Cooperativa, foi
possível também destacar informações referentes ao tipo de atividade de trabalho que cada
um dos cooperados realizava, de acordo com os contratos de serviços feitos pela Cooperativa.

Oportunidades de inscrição
Ainda com a leitura do livro de matrículas foi possível identificar as datas em que
houve oportunidades para que as pessoas se inscrevessem na Cooperativa. Assim como
o nome de cada um dos cooperados, o sexo e a idade.

Ot)|K>ts de fomuKiti. u uooporaUvn iteclck) m i que» aindfl o «poto da Incubadora E m c m o pnwtivo, innn nquiixt iS parti "aoom|>Hnlw ln ", luto é
- (Ira ii (Jlapoalçflo fiam apoiá-la rio quo for aolkJtMdo
Presença nas assemblóias
Com a leitura das listas de presença, foi possível medir a freqüência dos coopera­
dos nas assembléias. O critério para medir a freqüência era a presença ou ausência do
nome do cooperado na lista com a data referente à assembléia realizada.

Outras atividades voltadas para a Cooperativa


Além da freqüência às assembléias e as atividades de trabalho realizadas pelos
cooperados de acordo com os contratos da cooperativa, também foram identificadas ou­
tras atividades realizadas pelos cooperados voltadas para cooperativa. As informações
sobre estas atividades também foram obtidas a partir da leitura das atas das assembléias.
Após a identificação destas atividades elas foram sistematizadas e descritas como clas­
ses de respostas, considerando as condições antecedentes e as condições subseqüentes.
Skinner, 1953/1994, define classe de respostas como respostas que possuem proprieda­
des em comum, tais propriedades devem ser definidas levando em consideração os estí­
mulos antecedentes e os conseqüentes em relação a resposta emitida.
Além das características apontadas acima para definir classe de respostas. No
presente estudo, foi considerado como classe de respostas voltadas para a cooperativa
àquelas que fossem emitidas por uma ou mais pessoas, não necessariamente uma na
presença da outra. Ou seja, duas pessoas poderiam emitir a mesma classe de respostas
sem que houvesse a presença de outra.
Ocorrência foi a principal medida utilizada em relação os comportamentos volta­
dos para a cooperativa. Quando era identificado na ata de assembléia o nome do coopera­
do e o comportamento emitido por ele era considerada a ocorrência do comportamento.
Caso o nome do cooperado não estivesse escrito na ata relacionado a atividade voltada
para cooperativa era considerada a não ocorrência do comportamento. Mas a freqüência
também foi considerada como medida, quando foi identificada mais de uma ocorrência da
classe de resposta estabelecida.

Resultados
Como produto da organização e sistematização das informações obtidas, uma
análise foi feita, tendo como referência à condição de cada pessoa inscrita na Cooperati­
va. Três grupos de cooperados foram identificados e divididos de acordo com as condi­
ções de trabalho e situação na cooperativa. Os que trabalham em contrato firmado pela
Cooperativa, os que não estavam trabalhando, em contratos pela Cooperativa e os que
dela se desligaram. Arbitrariamente, estes grupos foram definidos respectivamente pelos
números 1, 2 e 3.
A tabela 1 traz informações sobre os 49 cooperados que já se inscreveram na
cooperativa, até o momento em que a pesquisa foi realizada.
Tabela 1 - Distribuição dos inscritos cf sua condição em relação à Cooperativa

Oitipp» Trabalho N C00D««dQt

Limpeza no Restaurante 8 Be, Ca, Di, El, Fat, lo, Lu,


1. Cooperados que trabalham Universitário (out/99) Te.
om contratos firmados pela Agondamento e manutonção 8 Ad, And, Eli, Fq, Li, Ri,
cooperativa. do Audiovisual (abr/01) Sir, Ze.
(N total =17) Limpeza no laboratório de 1 Vi
Quimica (maio/01)

2. cooperados que não estão Remunerado fora da 5 As, Ci, CL, De, Ed.
trabalhando em contratos Cooperativa
com a Cooperativa. Desempregado 4 Jo, Mc, Ve, Ma,
(N total -22) Sem informação 13 Ab, An, Ei, Eg, Er, Es, Ev,
sobre emprego Jb, Lp, Mz, Ps, Sh, Si.
3. Desligados da Cooperativa Sem informação 10 Ap, Am, DL, For, Ld, Mj,
(N total =10) sobre emprego Nr, Nu, Rc, Ro.

N - número de cooperados

Relativamente ao grupo 1, com total de 17 cooperados, é importante notar que há


diferenças nas condições de trabalho realizado em cada um dos contratos firmados. No
primeiro contrato (limpeza no Restaurente Universitário), o trabalho é realizado em geral
em equipe, as cooperadas trabalham juntas no mesmo local e horário. Além disso, o
trabalho ainda tem um caráter de faxina e limpeza convencionais, mesmo sendo do tipo
limpeza industrial. No contrato de limpeza no laboratório de Quimica, o trabalho é realizado
por apenas uma cooperada, que não tem contato direto com número grande de alunos,
como no Restaurante; além disso, é uma limpeza considerada especial, pois é realizada
em um laboratório em que há algumas especificidades e cuidados. Já o agendamento e
manutenção do equipamento audiovisual são realizados individualmente pelas cooperadas,
em locais diversos dentro da Universidade, com exceção de Sábado, dia em que elas
trabalham em duplas. Este contrato tem um caráter diferente em relação aos outros
contratos de limpeza. Apesar de envolver também limpeza do equipamento e arrumação
das salas de aula (cadeiras, persianas e mesas), o trabalho tem uma conotação mais de
apoio e organização por parte das cooperadas, além da exigência de diploma escolar.
O grupo 2 era formado por 22 cooperados que no momento não trabalhavam em
contratos firmados pela Cooperativa. Inscritos, continuavam podendo/devendo, pelo menos,
freqüentar as assembléias e tomar decisões. Para nove destes cooperados foi possível
saber também sua condição fora da Cooperativa: cinco está com trabalho remunerado e
quatro não tinham ocupação fora de casa.
Em relação aos 10 desligados (grupo 3), cabe lembrar que o Estatuto admite o
desligamento voluntário e este é o caso de todos os que se desligaram da Cooperativa
até o momento. Não foi possível localizar estes ex-cooperados para entrevista e também
saber a data exata do desligamento de cada um da Cooperativa, pois não constava no
livro de matrícula.
O quadro 2 demonstra de acordo com cada um dos grupos, a data em que cada
cooperado oficializou sua inserção na cooperativa e também a freqüência dos mesmos
nas assembléias, de acordo com a datas em que cada uma foi realizada. Cabe lembrar
que a assembléia é a principal instância de decisão da Cooperativa. Todas as decisões
importantes e relevantes para a Cooperativa devem ser tomadas, de acordo com a maioria
presente. A assembléia é a instância de maior poder em uma cooperativa, já que neste
tipo de organização não há relação entre patrão e empregado e sim todos possuem o
direito de decidir e agir em conjunto.
No quadro, caseia cheia sinaliza presença à assembléia; caseia com F significa
que o cooperado faltou; caseia com A significa que o cooperado estava apenas afastado
da cooperativa momentaneamente e caseia em branco siginifica que naquele período o
cooperado não estava inscrito na Cooperativa, porntanto não se esperava que o cooperado
estivesse presente na mesma.

Quadro 2 - Relação do» cooperado» por freqüência à» assembléia»


I )iilns dius HNNcmhléias
IWV 20(M) 2001
< )portm iidndes de cooperados 31/10 25/01 2 6 /0 3 0 2 /0 4 10/01 2X /04 0 2 /0 7

Ani

______ _A H . . .
1)1
le r
M a io c J u lh o /IW )

* Pautas das MSStHnblóiar 31 /1 0 /9 9 - Divulgação da Coopurativa em wnpfesaN da cldad«; 25/01/tX ) - Halnnço do Irabalho
r&allzado no Hrmtmirattíe UnlvonitArio, 28/03/00 - Divulgação tia Cooçarailva na Un)vtH»h)tn1o, 02/04/00 - E n c o ih n do»
eoopnrwlott para trabalhar «m um contrato tnmporário, 10/01/01 - Inscrição d« novos coo pnnidc*, 28/04/01 - Escolha dn um
lerrnno para construção ria s«d« da Coopsrm iva; 02/07/01 - EloiçAo para a Dlrotorta « Consalho Fincai

Ao comparar o desempenho dos cooperados pertencentes aos três grupos, é


nitidamente visível que a freqüência em mais da metade das assembléias, desde a
entrada na cooperativa, tem sido feita pela maioria das pessoas do grupo 1, com exceção
das cooperadas Ad e Fq, que freqüentaram apenas duas delas e de Ri, que não esteve
presente em nenhuma das assembléias da Cooperativa.
Dos 10 cooperados do grupo 2, que se inscreveram na Cooperativa no ano de
1999, seis estiveram presentes em quatro ou mais assembléias e quatro freqüentaram
um número inferior a quatro assembléias. Em relação aos sete cooperados deste grupo
que se inscreveram em janeiro de 2001, quatro não chegaram a freqüentar nenhuma
assembléia e apenas uma cooperada veio a três das assembléias realizadas nesse ano.
O fato de poder se inscrever em uma Cooperativa que já possuía um contrato fechado e
naquele momento estava para conquistar mais um, sinalizava uma possibilidade de
conseguir um emprego e ter uma renda. Porém, uma parte dos cooperados que já estavam
inscritos há quase dois anos e a maioria dos que haviam acabado de entrar na Cooperativa
não haviam conseguido, trabalhar em um contrato firmado pela mesma.
Dos cooperados que se desligaram da cooperativa (grupo 3), apenas três
participaram de assembléias, quando nenhum deles ainda tinha o nome inscrito na
Cooperativa. O número baixo de freqüência às assembléias das pessoas do grupo 3,
pode ser também devido ao fato destas já terem se desligado da Cooperativa, antes ou
no decorrer do período em que foram consideradas as medidas de freqüência ás
assembléias. Esta mesma análise pode ser feita também para a freqüência das pessoas
do grupo 3 nas outras atividades voltadas para a Cooperativa, que serão descritas adiante.
As decisões da Cooperativa foram tomadas pela maioria do grupo 1,
principalmente pelos cooperados que estavam trabalhando em contratos firmados
por ela, em especial pelas pessoas que trabalhavam no primeiro contrato, o do
Restaurante Universitário. Entretanto, estavam participando também dessas
decisões, algumas pessoas que não estavam trabalhando em contratos firmados
pela cooperativa (grupo 2), em geral cooperados inscritos desde 1999.
Na presente análise foi identificado também, além de freqüentar as assembléias,
outras oportunidades de emissão de classes de respostas voltadas para a Cooperativa,
por parte dos cooperados.
Tais classes de respostas foram emitidas pelos cooperados em momentos e
situações diferentes.
Em uma comparação direta entre os três grupos da cooperativa, o quadro 3 de­
monstra que o número de comportamentos voltados para a cooperativa é superior no
grupo 1, seguido respectivamente pelo grupo 2 e 3 .0 mesmo ocorreu na análise anterior
de freqüência às assembléias, em que o número de pessoas do grupo 1 foi maior em
relação ao grupo 2 e 3.
A comparação entre freqüência às assembléias e emissão de comportamentos
voltados para a Cooperativa - no caso do grupo 1, mostra que os cooperados que tiveram
baixa freqüência (Ad, Fq, Ri e Te) também foram os que menos emitiram comportamentos
voltados para a Cooperativa, pelo menos em se tratando dos cooperados que inscreveram
na Cooperativa no ano de 1999.
Os cooperados que mais freqüentaram as assembléias, e que trabalham em con­
trato firmado pela Cooperativa, foram os que mais emitiram comportamentos voltados para
a cooperativa.
Dentre os cooperados que trabalham em contratos, mas não demostraram ocor­
rência de emissão de comportamentos voltados para a Cooperativa, está "Te”. Porém, ela
freqüentou as últimas duas assembléias, que ocorreram no ano de 2001 (Ver quadro 2a),
justamente após ela começar a trabalhar no Restaurante Universitário, no lugar de "Li",
que foi remanejada para trabalhar no agendamento do Audiovisual. "Te" também participou
da elaboração, mas não da apresentação de um dos cursos de cooperativismo, ocorrido
também, quando ela já estava trabalhando pela Cooperativa.
A participação nas atividades da Cooperativa, dos cooperados que no momento não
estavam trabalhando em contratos firmados pela mesma, foi menos expressiva em relação
à freqüência que estes mesmos cooperados tiveram nas assembléias. Com exceção da
Cooperada Ci que, além de estar presente em sete assembléias (Ver quadro 2b), demostrou
ocorrência de quatro comportamentos voltados para a Cooperativa. Ci não trabalhava em
nenhum contrato pela Cooperativa no momento em que a pesquisa foi realizada, mas já
trabalhou no Restaurante Universitário e pediu para se afastar do trabalho.
Em relação às pessoas que se desligaram da Cooperativa, a emissão de compor­
tamentos voltados para a organização foi muito pequena, apenas duas delas realizaram
uma das atividades possíveis.
Os resultados demonstraram que, a manutenção e o desenvolvimento da Coope­
rativa estavam sendo feitos, com exceção de Ci, por algumas pessoas que estão traba­
lhando em contratos firmados pela Cooperativa, tendo novamente como maioria os coope­
rados que prestavam serviços de limpeza no Restaurante Universitário.

Discussão
Como sugerido por Mattaini (1995a, 1995b, 1996a e 1996b), no Planejamento
Cultural são considerados os sistemas das contingências entrelaçadas, que envolvem
uma prática cultural.
No caso do presente estudo, a prática cultural considerada foi os comportamentos
voltados para a cooperativa, emitidos por apenas alguns cooperados pertencentes a ela.
O primeiro aspecto a ser discutido, como uma das contingências da prática cultural
analisada, foi a relação entre membros da Incubadora e cooperados.

360 Pedro Rordini Fuleiro*


O contato direto com a cooperativa estava sendo feito, na maioria das vezes,
pelos membros da incubadora, através dos cooperados que trabalhavam no Restaurante
Universitário. Muito provavelmente pelo fato de que eram estes os cooperados que mais
freqüentavam as reuniões e assembléias. Desde o processo de formação, a Cooperativa
foi assessorada pela incubadora. As reuniões e assembléias eram algumas das circuns­
tâncias para que os membros da incubadora pudessem dar instruções, informes e conse­
qüentemente assessorar a Cooperativa.
Outros fatores que poderia estar favorecendo este contato mais próximo entre
membros da Incubadora e um único grupo de cooperados era o fato de que os membros
da diretoria da cooperativa faziam parte deste grupo e a maioria delas já havia emitido
comportamentos em prol da cooperativa desde o processo de formação da Cooperativa,
condição talvez, que fizesse com que os membros da Incubadora recorressem mais a
essas pessoas para tratar de assuntos ligados a Cooperativa.
Das 32 reuniões realizadas no ano de 2001, pela equipe da Incubadora responsá­
vel pela Cooperativa , 28 tiveram na pauta assuntos relacionados a problemas ou deman­
das trazidos por ou relativos aos contratos firmados pela Cooperativa. Este dado mais à
informação de que apenas quatro reuniões tiveram como pauta assuntos que pudessem
ser do interesse dos cooperados que não estavam trabalhando em contratos firmados
pela Cooperativa, mostram que as discussões e as deliberações tomadas por parte desta
equipe da Incubadora eram, na sua grande maioria, voltadas para os cooperados que
estavam em contratos firmados pela Cooperativa.
Outras contingências puderam ser identificas no que se refere a manutenção da
pratica cultural analisada.
O fato de estar inscrito na Cooperativa não significa va que as pessoas estivessem
participando ativamente nos processos de desenvolvimento e manutenção da mesma.
Em relação aos cooperados que emitiram poucos ou nenhum dos comportamen­
tos voltados para a cooperativa, alguns fatores que contribuíram para esta condição po­
dem ser destacados: Em todas as oportunidades do contrato, estas pessoas não conse­
guiram trabalho. O número de cooperados inscritos sempre foi superior ao número de
vagas oferecidas pelos contratos fechados pela Cooperativa. Como parte destas pessoas
não conseguiu emprego pela Cooperativa, a probabilidade de que elas buscassem outras
opções de emprego, ou até mesmos se desligassem, poderia ser considerada alta.
Como a maior parte dos cooperados não trabalhava em contratos firmados pela
Cooperativa (22 X 17 que trabalhavam) e desde sua inscrição emitiram poucos ou até
mesmo nenhum comportamento voltado para ela, podemos afirmar que estas pessoas
não foram ainda adequadamente expostas às contingências envolvidas em um processo
de cooperação, pelo menos por parte da Cooperativa.
Kunkel (1991) fez uma análise comportamental de três aspectos que ele conside­
ra que são características comuns da sociedade urbano-industrial: "baixas taxas de
atividades importantes (apatia e fatalismo) e comportamento contra-produtivo
(irresponsabilidade)" (p. 219-220). Assim, como Kunkel, o presente estudo não defende
estes termos a partir de fatores ou processos internos do ser humano e sim como fruto de
contingências envolvidas em um processo contextuai e cultural. Para o autor:

'aIncubadora tem« c o n to daa**o««í>rja tx x n outras ooop«ratfva« « prr^fotna deacolher outros g ru p o * r iu « quokumform ar urna o n r jf w*r«tiv«
(...) as conseqüências passadas do comportamento desempenham um papel
crucial na determinação de ações futuras. A partir destas análises podemos
determinar que modificações devem ser introduzidas em grupos e comunidades
para que o comportamento de seus membros seja mudado, (p 223)

A presente análise não pretende especificar os termos utilizados por Kunkel, mas
as propostas feitas por este autor ajudam a entender os processos que podem estar
envolvidos para que alguns cooperados realizem poucas atividades voltadas para a Coope­
rativa. Ao invés de inferir que os cooperados que não emitem comportamentos em prol da
Cooperativa estão “desmotivados" ou "não querem trabalhar”, porque são “preguiçosos",
ou qualquer ocorrência a explicações mentalistas muito utilizadas quando há este tipo de
situação, podemos entender os fatores que mantém a baixa taxa de respostas relativas a
Cooperativa, por parte de alguns cooperados, que é a maioria na Cooperativa pesquisada.
A análise proposta por Kunkel também pode ser frutífera, pois ela também de­
monstra que há possibilidades para que pessoas que emitem pouca ou nehuma taxa de
respostas relacionadas a Cooperativa possam vir a emitir comportamentos de interesse
para todos os inscritos.
Alterações nas contingências, que são responsáveis pela manutenção da prática
cultural em questão, poderia favorecer o desenvolvimento da cooperativa e propiciar uma
maior participação daqueles que não vêm participando das principais decisões e do de­
senvolvimento da cooperativa.
O acompanhamento pelos membros da Incubadora poderia ocorrer, possibilitando a
omissão dos comportamentos pelos demais cooperados e também que eles pudessem
avaliar suas condutas tanto individualmente como em grupo. A especificação dos comporta­
mentos considerados desejáveis para que os cooperados emitissem em prol da Cooperativa
(Cortegoso, De Mello e Homa 1999) poderia ser usado como ponto de partida.
Como apresentado nos estudos realizados na casa estudantil cooperativa (Couch,
Miller, Johnson e Welsh, 1986, Altus, Welsh e Miller, 1991; Johnson, Welsh, Altus, Miller,
1991), os comportamentos requeridos poderiam ser especificados e um acompanhamento
contínuo da emissão e manutenção destes poderia ser realizado pelos próprios cooperados.
O presente estudo além de identificar os comportamentos voltados para a coope­
rativa e os cooperados que os emitiram, também identificou a prática cultural mantida por
uma classe de pessoas e quais poderiam ser as possíveis contingências entrelaçadas
envolvidas com esta prática.
Entretanto, um aspecto importante para a investigação, que não chegou a ser
considerado neste estudo, mas refere-se diretamente a comportamentos sociais como
em especial a cooperação, é partir da análise do comportamento verbal. Os analistas do
comportamento que discutem e analisam as questões voltadas para o aspecto cultural
sempre abordam a importância da mediação verbal como um processo social. Guerin
(1992,1994) sugere que os estudos sobre o comportamento social e cooperação devem
levar em consideração o papel do comportamento verbal.
Para a análise aplicada do comportamento, o estudo de práticas culturais pode
ser frutífero para estudar pequenos grupos como famílias e gangues (Mattaini, 1996a) e
grandes grupos, como grupos étnicos e religiosos. Este tipo de análise seria interessante
não só para estudo, mas também forneceria condições para propor mudanças às práticas
consideradas como indesejadas ou problemáticas.
Um outro campo de atuação em que esta análise poderia ser utilizada seria em
organizações, de pequeno e grande porte, por exemplo, para a área de Análise e
Gerenciamento comportamental (Gilbert, 1996/1978; Daniels, 1994; Miguel 1995).
Uma próxima etapa deste estudo, também poderia envolver a análise de
metacontingências, de modo a identificar os produtos das práticas culturais envolvidas em
uma cooperativa. Analistas do comportamento interessados em estudar cultura e práticas
culturais passaram utilizar o termo metacontingências tanto para discuti-lo conceitualmente
(Glenn, 1988,1991; Pierce, 1991; Biglan, 1995; Anderye Sério, 1997; Martone 2000; de
Souza, 2001), como para analisar e propor mudanças em situações do cotidiano (Todorov,
1987; Bohrer e Ellis, 1988; Ellis, 1991; Schmidt, 2001). A partir dai, a análise no nível
cultural poderia ser ainda melhorada, para que futuras intervenções possam ser realizadas
com uma maior eficácia, gerando condições favorecedoras para condutas que possam se
aproximar da cooporação no dia a dia da Cooperativa.

Referências
Altus, D E., Wolsh, T. M., & Miller, K. L. (1991). A technology maintenance; Programming koy
researcher bohaviors in a student housing cooperative Journal of Appliod Bohavior Analysis,
24(4), 667-675.

Altus, D. E., & Welsh, T. M (1991). Consumor cooperation as an empowerment technology: how
might it the imporved? Behavior and Social Issues, 1(2), 43-52.

Andery, M. A., & Sório, T. M. (1997) O conceito de metacontingências. Afinal, a velha contingência
de reforçamento é suficionto. In R. A Banaco (Org), Sobro comportamento o cognição: Aspec­
tos teóricos, metodológicos e de formação om análise do comportamento o terapia cognitiva,
Vol. 1 (pp. 106-116). Santo Andró: ESETec Editores Associados

Biglan, A (1995). Changing cultural pratices A contoxtualist famework for intervention research
Reno, NV: Context Press.

Bohrer, K., & Ellis, J. (1988). Analysis of Contingencies and metacontingoncies in a private
Workplace. Behavior Analysis and Social Issues, 5(1), 41-52.

Couch, R. W., Millor, K. L., Johnson, M., & Welsh T M (1986). Some considerations for bohavior analysis
developing social change interventions. Bohavior Analysis and Social Action, 5(1&2), 09-16.

Cortegoso, A L., de Mello, E. L., & Homa, M (1999). Identificação e sistematização do compor­
tamentos desejáveis de um cooperado no processo de "incubação" o/ou funcionamento de
uma cooperativa R olatório para a obtenção de cródito referente a m atória "estágio
supervisonado 3 e 4", pela Universidade Fedoral de São Carlos.

Cortegoso, A. L. (2002). Análise do comportamonto o cooperativas de trabalho: produção do


conhocimonto, ensino e transformação do conhecimento em atuação profissional. In H, J.
Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs ), Sobro comportamento e cognição:
Contribuições para a Construção da teoria do Comportamonto (pp. 01-15). Santo Andró: ESETec
Editores Assoiados.

Cruzio, H. O. de. (2000). Como organizar e administrar uma cooperativa (1st ed.). Rio de
Janeiro: Editora GV.
Daniels, A. (1994). Porformancc Management: improving quality productivity through positive
reinforcement (3rd ed.). Tucker, Ge: Performance Management Publications.
de Souza. D. G. (2001). Metacontingôncias como classes de operantes: implicações para a
análise de contingências complexas [Resumo], 177. X encontro brasileiro de psicoterapia e
medicina comportamental realizado de 22 a 23 do setembro de 2001. Campinas-SP.
Ellis, J. (1991). Contingencies and Metacontingencies in Correcional Settings. In P A. Lamal
(Org.), Behavior analysis of societies and cultural pratices (pp. 201-217). New York, NY:
Hemisphere publishing corporation.
Gilbert, T. M. (1996). Human competence: engineering worthy performance [Tribute Edition.].
Washington DC: The International Society for performance improvement. (Trabalho original
publicado em 1978 )
Glenn, S. S. (1988). Contingencies and metacontingencies: toward a synthesis of behavior
analysis and cultural matorialism. The Behavior Analyst, 11(2), 161-179.
Glenn, S. S. (1991). Contingencies and motacontingencies: Relations among behavioral, cultu­
ral, and biological evolution. In P. A. Lamal (Org.), Behavior analysis of societies and cultural
pratices (pp. 39-73). New York, NY: Homisphoro publishing corporation.
Guerin, B. (1992). Behavior analysis and social constrution of knowledge. American Psychologist,
47, 1423-1432.
Guerin, B (1994). Analysing social behavior Behavior analysis and social sciences. Reno, NV:
Context Press
Johnson, P. S., Welsh, T. M., Altus, D. E., & Miller, K. L (1991). Participatory management:
maintaining staff performance in a university housing cooperative. Journal of applied Behavior
Analysis, 24( 1), 119-127
Kollor, F. S., Borl, C. M., & Azzi, R. (1964) Um curso moderno de psicologia. Ciência a Cultura,
16(4), 397-399.
Kunkol, J. H. (1991). Apathy and irrosponsability in social system. In P. A. Lamal (Ed ), Behavioral
analysis of societies and cultural praticos (pp.219-240). New York, NY: Hemisphere Publishing Co.
Martono, R. C. (2001) Análise cultural: um estudo preliminar sobre as possibilidades do concei­
to do metacontingôncias. Trabalho de conclusão de curso como exigência para a Grauduação
em Psicologia pola Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
Mattaini, A. M (1995a). Contingency diagrams as teaching tools. The Behavior Analyst, ffl(1),
93-98.
Mattaini, A. M. (1995b). Teaching cultural desiqn: shaping new bohaviorists. Behavior and Social
Issues, 5(2), 21-28
Mattaini, A. M. (1996a) Envisioning cultural pratices. The Behavior Analyst, 19(2), 257-272
Mattaini, A. M. (1996b). Public issues, human behavior, and cultural design. In M. A. Mattaini & B.
A. Thyer (Eds.), Finding solutions to social problems: Behavior strategies for change (pp. 13-40).
Washington, DC: APA Books.
Miguel, C. F. (1997) Uma introdução ao gerenciamento comportamental de organizações. In M.
Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: A prática da análise do comportamento e da
terapia cognitivo-comportamental (pp. 265-274). Santo André: ESETec Editores Associados.
Schmidt, A. (2001). Motacontingôncias na oscola inclusiva [Resumo], 165. X encontro brasileiro
de psicoterapia e medicina comportamental realizado de 22 a 23 de setembro de 2001. Cam­
pinas - SP.
Skinner, B. F. (1953/1994). Ciôncia e comportamento humano (Trads. J. C. Todorov & R. Azzi, 9
th ed.). São Paulo: Martins fontes. (Trabalho original publicado em 1953.)
Skinner, B. F. (1948/1977). Waldon Two: Uma sociedade voltada para o futuro. São Paulo: EPU.
(Trabalho original publicado em 1948.)
Skinnor, B. F. (1987). Selection by consequences. In Upon Further Reflection (pp. 51-63).
Englowood Cliff, N.J,: Prentice Hall (Trabalho original publicado em Science, 213, 500-504,
1981.)
Todorov, J. C. (1987). Constituição como metacontingôncia. Psicologia ciôncia e Profissão, 7,
09-13.
Capítulo 31
A atuação do psicólogo nas
instituições jurídicas -
A necessidade de uma fundamentação
íü/yjfht FUstin Hoiumiigo
Umvcrsidtide C'omumtám Rcgiomldc C'tuipccó L /N U '/ /A f y/ C Ôc
( /nivcmidüdc do í 'ontcstüdo í/ní 'cm Porto í /niJo/SC

O livro “Manual de Psicologia Jurídica, de Mira e Lopez, publicado em Barcelona,


Espanha, em 1937, foi reeditado, de forma ampliada, em Buenos Aires, Argentina, em
1945. A tradução brasileira desta reedição, em 1955, foi um importante marco para a
formaçáo de um campo de atuação: à Psicologia Jurídica. Tendo por laços históricos a
Psicologia do Testemunho e a intensa demanda dos juristas, a psicologia Jurídica no
Brasil, em seus primórdios, favoreceu o desenvolvimento das pesquisas experimentais,
principalmente sobre memória e percepção, na busca de dados que pudessem ser
considerados cientificamente comprovados e servissem de subsídios às decisões
judiciais, através da elaboração de laudos periciais.
No Brasil, a Psicologia Jurídica é uma área que está em formação e a procura das
instituições jurídicas pelo auxílio da psicologia vem aumentando nestes últimos anos.
Segundo Anais (2000):
A atuação do psicólogo ó muito recente na área da Psicologia Jurídica, principalmente
no Brasil. No estado de São Paulo, o primeiro concurso público para psicólogo aconteceu
no Instituto Oscar Freire, Departamento de Medicina Legal, Ética Módica e Medicina Social
e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 1987. Em 1981,
foi realizada a primeira contratação de Psicólogos pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sâo
Paulo e em 1985, o cargo de psicólogo foi integrado ao quadro de funcionários daquela
instituição, após realização de Concurso Público. No Rio de Janeiro, só no ano de 1998, foi
realizada a primeira prova para o cargo de Psicólogo Jurídico.
Na última pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia em 2001 sobre o
perfil do psicólogo brasileiro, verifica-se que 2,5% dos profissionais entrevistados atuam nesta
área. A procura do Direito e a contribuição dos psicólogos é justificada por Brito, devido “a
atuação do psicólogo juridico ser praticamente indispensável, pois todo o Direito, ou
grande parte dele, está impregnado de componentes psicológicos,Justificando a
colaboração da Psicologia com o propósito de obtenção de eficácia jurídica” (1993:24).
Por outro lado, observa-se uma carência de profissionais especializados e prepa­
rados para um adequado atendimento desta clientela. Verifica-se a necessidade de infor­
mar e preparar psicólogos para atuarem dentro do poder judiciário, para que dediquem
atenção especial a funcionalidade das instituições e aos indivíduos atendidos para que
promovam a análise das contingências envolvidas aos que atuam neste âmbito. Bringhenti
(2002) esclarece que:
Por ser uma formação ainda recente, quase não se percebe, dentro das universi­
dades e em cursos de especialização, discussões muito aprofundadas sobre este novo
espaço de atuação. Do que se tem conhecimento, alguns locais onde a Psicologia Jurídi­
ca está tentando configurar-se é na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)e na
USP (Universidade de São Paulo).

1. Definições da Psicologia Jurídica


Por ser uma área relativamente nova de atuação, a Psicologia Jurídica passa por
uru processo de desenvolvimento teórico e mudanças de objetivos. Inicialmente, quando a
teoria era influenciada diretamento pelo positivismo, as definições estavam relacionadas
com a subordinação do psicólogo ao sistema judiciário e a restrição da sua atuação à
elaboração de laudos e pareceres.
Para Myra y Lópes (1967, p.22), a Psicologia Jurídica era a “Psicologia aplicada
ao melhor exercicio do Direito".
Para Sabaté in Brito (1992) era recomendado aos juristas a utilização de dados
fornecidos por laboratórios de Psicologia, sobre exames de conduta, especialmente
a aplicação de métodos e resultado da Psicologia puramente experimental.
Atualmente, as definições sobre a Psicologia Jurídica não focalizam apenas o trabalho
pericial, há uma ampliação das possibilidades de atuação junto ao Direito. Para Brito (1999):

É um campo do aluação quo rofore-se à pesquisa e às atividados psicológicas


realizadas no âmbito do Sistema do Justiça, tanto na fase processual, como npós a
docisão judicial - fase de execução. Busca a compreensão dos fenômenos que
acontocom na vida dos indivíduos envolvidos no âmbito jurídico bem como a intorvonçáo
junto a ossos fonômenos e a contribuição do medidas preventivas.

Para Martins (2000)


A Psicologia Jurídica ó definida, em geral, como a ciência que aplica os conhecimen­
tos da Psicologia aos diversos campos legais, seja na seleção, no treinamento de policiais, de
juizes, de promotores, seja ainda, na compreensão e tratamento de criminosos, das vítimas
de delitos, de adolescentes em situação de risco, ou ainda, na análise de testemunhas, de
jurados, das influências dos meios de comunicação nos julgamentos, entre outros.
Diante das diversas concepções de atuação da Psicologia Jurídica, também par­
tem as diferentes perspectivas teóricas sobre este assunto, e neste caso, é necessário
uma maior atenção da Psicologia Comportamental sobre como contribuir para a constru­
ção desta nova forma de atuação do psicólogo.
2. Áreas de atuação do psicólogo jurídico:
Uma idéia simplista que ainda hoje está em vigor, é que o trabalho do Psicólogo
Jurídico esta relacionado apenas com a elaboração de laudos e pareceres. Mas o
movimento dos últimos anos dentro da Psicologia Jurídica, mostra que existem outros
campos mais abrangentes para a sua atuação (ver tabela 1). Para Bringhenti (2002):
Dentro da possibilidades intervenção junto ao sistema judiciário evidencia-se os
espaços envolvendo a análise do indivíduo, da família, da criança, do adolescente, das
instituições penais, das perícias judiciais, enfim, a prática do Psicólogo deverá ser
acompanhada pelas ações frente ao seus espaços de atuação, levando em conta que o
sujeito ó também um cidadão, cujos direitos e deveres se constituem em espaço público.
Tabela 1: Possíveis áreas de atuação e intervenções para o Psicólogo Jurídico

Áreas de atuaçio na« Clientela atendida Modalidades do Intervonçfto do psicólogo


instituições Jurídicas Juridico

Jul/ado Espacial Criminal Vitim as de crimes - Intervenções em crises;


violentos > Diminuir a ansiedade da vitima, principalmente
(assaltos a m ào armada, antes da audiôncia;
violência sexual, otc.) - Encam inhar, quando necessário, a s vitimas e
Infratores para serviços de Psicologia ou outros
profissionais específicos;
- Elaborar trabalhos com grupos, com o vitimas
do crim es violentos e p ro fissio na is que estflo
atuando na árua.

- Atender detentos e familiares; - Re alizar de


grupos operativos;
- Orientar a adm inistração do sistem a presidiário;
Siste m a s Prisionais Detentos e familiares - Emitir pareceres para beneficio da pena;
A gentes carcerários - Elaborar estudos, pareceres, relatórios, etc.,
quando solicitado pela autoridade competente
- Facilitar integração e transição do dotento ao
regime fechado, semi-aberto e aberto.
- B u s c a r fo rm a s d e a te n d e r o s a g e n te s
carcerários.

- Diminuir a ansiodade d a s partes envolvidas para


facilitar o andam ento da audiência;
- E n c a m in h a r a s v itim a s pa ra s e r v iç o s de
Jui/ados E sp eciais C a s a is Psicologia e outros profissionais específicos.
Crim inais (J E C R IM ) Familiares - Trabalhar com a s habilidades de com unicação
Infratores de trânsito e resolução de problem as d a s partos envolvidas
no processo.
- Form ação de grupos operativos do acordo com
a dem anda da clientela e da instltulçflo.

C rianças e Adolescentes - G rupo de adolescentes usuários de drogas


Vara da Infância e Pais. P a is que pretendem - G rupo de pais
juventude ou irâo adotar um filho • Orientação para c a sa is guardiões e adotantes

C a s a is em p ro cesso de - Perícia e entrevista devolutiva


divórcio, revisão de - A proveitar o con te údo do parecer para um
Varas de familia acom panham ento psicológico.
bens, determinação de - Participação em plantão e audiência
visita ou guarda de filhos - Encontro com noivos
N oivos - M ediação familiar
O primeiro passo para o psicólogo iniciar seu trabalho é realizar uma análise
funcional institucional e cultural. Uma variável presente é o descrédito que muitas institui­
ções jurídicas tem perante a população, como a ineficácia para punir criminosos e a
burocracia que muitas vezes prolongam o processo por muitos anos.
Em qualquer modalidade de atendimento, o profissional deve observar que está
atuando dentro de agências controladoras e que está sujeito a estas variáveis que irão
influenciar no seu trabalho. Dentro das instituições jurídicas a principal referência e instru­
mento de trabalho é o cumprimento ou não do indivíduo as leis governamentais, que são,
segundo Skinner (1974) “contingências que se tornaram mais poderosas quando
foram codificadas em advertência religiosas e governamentais". A clientela que
passa por estas instituições na maior parte das vezes atuam sob certas contingências
como - serei punido pelo que fiz (ou não fiz)? Ou conseguirei punir para defender meus
direitos?
Para compreender a dinâmica de uma instituição jurídica, faz*se necessário
compreender a questão do controle e contracontrole exercido pelas leis governamentais
e que estarão influenciando constantemente a observação do psicólogo, Skinner (1974)
explica que:

"Tal controlo é exercido de maneiras que reforçam de forma muito eficaz aqueles que
o exercem e, infelizmente, isto via de regra significa maneiras que são ou imediatamente
advorsativas para aqueles que sejam controlados ou os exploram a longo prazo"

Os que são assim controlados passam a agir. Escapam ao controlador - pondo-


se de fora do seu alcance, se for uma pessoa: desertando um governo; apostasiando de
uma religião; demitindo-se ou mandriando - ou então atacam a fim de enfraquecer ou
destruir o poder controlador, como numa revolução, numa reforma, numa greve ou num
protesto estudantil. Em outras palavras, eles se opõem ao controle com contracontrole"
Um dos objetivos da atuação do psicólogo, está relacionado com a questão do
controle, que seria diminuir o número de rescindências de processos e até mesmo dimi­
nuir o número de audiências. Pois muitos casos que se encontram no Poder Judiciário,
estão relacionados a comportamentos disfuncionais entre as partes envolvidas, que pro­
curam o Juiz para decidir e resoíver seus problemas (que nem chegaria a justiça se as
partes tivessem maior competência social), a intervenção dos psicólogos nestes casos,
auxiliaria na agilidade do andamento do processo e na redução de audiências, conseguin­
do assim uma economia de tempo e dinheiro para a Justiça.
Aqui são colocadas apenas algumas sugestões para a desempenho do Psicólo­
go dentro das instituições jurídicas, mas ainda existem muitas formas de intervir junto ao
Direito. O que é necessário ó uma maior dedicação e sistematização multidisciplinar das
pesquisas sobre a atuação e os benefícios da intervenção do Psicólogo Jurídico.

Referencias
Anais do III congresso ibero-americano de Psicologia Jurídica. (2000). São Paulo. Universida­
de Presbiteriana Meckenzie.
Bomfim, E. M. (1994). Psicólogo Brasileiro: práticas emergontos o Desafios para a formação.
São Paulo: Casa do Psicólogo.

Bringhenti, M. E. (2002). Psicologia Jurídica e os desafios da intervenção. Relatório de pesqui­


sa. Chapocó, SC.

Brito, L. M. T. (1999). Tomas de Psicologia Jurídica. Rio do Janeiro: Relumbre Dumará.

Brito, L.M .T, (1993). Separando: um estudo sobre a atuação do Psicólogo nas Varas de Família.
Rio de Janeiro: Relumc do Dumará.

Cerqueíra, A. T. R. (2001). Formação Saúde - o psicólogo na área de saúde: a formação


necessária. In R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos,
metodológicos o do formação em análise do comportamento e terapia cognitiva (pp. 515-522).
Santo Andró: ESETec Editores Associados

Costa e Silva, J. A., Lemgruber, V. (1994, Apr/May/Jun.). Violência Urbana e o Conceito de


Transtorno de Estresse pós - traumático. Inform. Psiq., 13(2).

Martins, S. R. C. (2000) Psicologia Jurídica: campos do atuação e questões sobro a formação


e pesquisa. Anais do III congresso ibero-americano do psicologia jurídica. São Paulo: Univer­
sidade Prebiteiana Mackonzio.

Miguel, C. F. (2001). Uma introdução ao gerenciamento comportamontal de organizações. In M.


Delitti (Org ), Sobre Comportamento e Cognição: a prática da análise do comportamento e da
terapia cognitivo-comportamental (pp. 265-274) Santo Andró: ESEToc Editores Associados.
Mira e Lopez, E. (1955). Manual do Psicologia Jurídica. Rio do Janoiro; Mostre Jou.

Ortz, M. C. M. (1992, May/Aug). Perícia o Laudos Judiciais: curso básico do Psicologia Forense.
Documento CRP - 08, Ano II, n. 3.

Sabate, L. M. (1980). Introducción a la psicologia jurídica. Móxico: Trillas.

Skinner, B F. (1974). Sobro o Behaviorismo. Cultrix: São Paulo.


Seção VI

Aplicações da
análise do
comportamento na
Educação
Capítulo 32
Para uma análise do brincar e de
sua função educacional -
a função educacional do brincar

Juiio Césdr Coelho de Rose


Universidade hederdl de São C\irlos
Mdria Stelld Coutinho de Alcântdrd OH
Universiddde Federdl de Sdo Cdr/os

Todos sabemos que os objetivos da análise do comportamento são predição e


controle do comportamento individual. Sendo assim é surpreendente que um dos maiores
tratados sobre controle comportamental raramente seja utilizado no ensino da análise do
comportamento. Falamos aqui das Aventuras de Tom Sawyere os leitores provavelmente
concordarão que este famoso personagem sabia controlar o comportamento dos outros
melhor do que o próprio B. F. Skinner.
Uma das melhores demonstrações desta habilidade de Tom Sawyer ó o episódio
da cerca. Como castigo por alguma falta qualquer Tia Polly mandou Tom pintar a cerca.
Tom achou rapidamente um meio de terminar a tarefa. Quando um amigo se aproximava,
ele começou a pintar a cerca com uma expressão de deleite e convenceu o amigo de que
ele não estava trabalhando, e sim brincando. O amigo, muito esperto, não quis abrir mão
da oportunidade de experimentar aquela brincadeira nova. À medida que outros amigos
iam passando pelo lugar, Tom foi reunindo uma equipe muito dedicada e feliz, que terminou
rapidamente a pintura da cerca, com todos se divertindo bastante enquanto faziam aquilo.
Muito antes de Skinner e Sidman, Tom ensinou à Tia Polly que a punição não
funciona, porque malandros espertos como ele geralmente encontram uma maneira de
fugir ou de se esquivar. Este episódio também mostra como é difícil definir o brincar. Pode
haver circunstâncias em que mesmo pintar uma cerca se toma brincar em vez de trabalhar.
Por outro lado, atividades como jogar tênis ou tocar violão são geralmente consideradas
lazer e não trabalho e até mesmo, em inglês, usa-se para elas o verbo “to play" (que
também significa brincar) para descrevê-las, assim como em francês usa-se "jouer” (que
também tem o significado de brincar). Mas para algumas pessoas, essas atividades não
são lazer e, sim, trabalho!
Parece claro que não podemos distinguir comportamentos de brincar com base
na topografia. A afirmativa de Tom Sawyer de que estava brincando quando pintava a
cerca poderia ser interpretada como um auto-relato verbal sobre as conseqüências que
mantinham aquele comportamento. Ele teria chamado a atividade de brinquedo, em vez
de trabalho, para indicar que as conseqüências naturais do comportamento tinham uma
forte função reforçadora positiva e que ele estava generosamente disposto a comparti­
lhar aquelas conseqüências com seus amigos, deixando-os pintar a cerca. O auto-
relato de Tom funcionou como uma regra para os companheiros dele. O comportamento
dos amigos, ao pintar a cerca, foi governado por regras, mas nós podemos presumir
que, depois que o comportamento foi emitido, suas conseqüências naturais tenham
sido reforçadoras e tenham mantido o comportamento. De outra forma, os meninos
teriam rapidamente parado de pintar.
O leitor poderia argumentar que Tom Sawyer nunca existiu. O livro teve, contudo,
milhões de leitores reais, que acharam este episódio engraçado. Isto indica que o auto-
relato atribuído ao personagem Tom ó plausível e está de acordo com a experiência das
pessoas, pois se não fosse assim, estas considerariam o episódio ridículo ou
incompreensível. Porém, a maioria das pessoas, ao falar em casos como este, não se
refere às conseqüências das atividades. Em vez disso, as pessoas descrevem as atividades
como prazerosas ou não. Elas podem dizer que uma atividade prazerosa é uma que
produz uma gratificação intrínseca, ou seja, produz prazer. Tais atividades podem, portanto,
ser desempenhadas na ausência de uma recompensa externa, apenas pelo prazer que
proporcionam. As pessoas dizem, com freqüência, que estas atividades são espontâneas.
Os termos prazeroso e espontâneo sugerem comportamentos mantidos por suas
conseqüências naturais. Um comportamento que necessite de um pagamento ou
recompensa externa para sua manutenção não seria considerado espontâneo.
Nós podemos dizer, às vezes, que temos prazer em fazer atividades para as quais
somos pagos, mas dificilmente o desempenho dessas atividades seria chamado de brincar.
Há muita discordância entre teóricos sobre a definição do comportamento de brincar, mas
a maioria das definições requer que o comportamento seja tanto espontâneo quanto
prazeroso. Os analistas do comportamento podem considerar bastante vagos estes termos
e definições, mas eles não podem negar que as crianças brincam. O comportamento
existo, em crianças humanas e também em indivíduos imaturos de muitas espécies não
humanas.
O raciocínio desenvolvido até este ponto pode explicar porque a definição do brincar
é tão controvertida na psicologia. As correntes hoje majoritárias na psicologia têm, de
modo geral, ignorado o papel fundamental das contingências de reforçamenfo. Assim, os
psicólogos do desenvolvimento, por exemplo, freqüentemente tentam definir o brincar com
base na topografia do comportamento ou com base em estados mentais inferidos,
desconsiderando as conseqüências do comportamento. Para os analistas do
comportamento, porém, rótulos vagos como espontâneo e prazeroso sugerem
imediatamente o comportamento mantido por suas conseqüências naturais.
A noção de contingências de reforçamento dá aos analistas do comportamento a
chave para definir o brincar e também para explorar a sua função no desenvolvimento. Para
as psicologias não comportamentais, a função do brincar é tão importante que a maioria
dos teóricos do desenvolvimento tomam o brinquedo como um tema muito importante de
investigação. Bons exemplos são Vygostsky, Piaget e, especialmente, Bruner. Bruner
disse que brincar é a oficina das crianças. Ele também sugeriu razões evolucionárias
pelas quais as conseqüências naturais dos comportamentos de brincar poderiam ser
reforçadores poderosos (embora eíe nâo use este conceito). Bruner sugeriu que, para
mamíferos nâo humanos, brincar fornece oportunidade para praticar comportamentos que
serão importantes para a sobrevivência, em uma situação livre de conseqüências aversivas,
e afirma que brincar em não humanos tem o efeito de amadurecer algumas rotinas
comportamentais que podem ser mais tarde incorporadas em programas de ação mais
abrangentes (Bruner, 1973). Se esta sugestão de Bruner estiver correta, o brincar seria a
escola dos mamíferos não humanos, e seria uma escola efetiva, com poucas conseqüências
aversivas e muito reforçamento. A seleção natural teria criado esta escola. Para as crianças
humanas o brincar também fornece oportunidades para modelar, diferenciar e refinar
habilidades, maximizando reforçadores positivos e minimizando conseqüências aversivas.
Os analistas do comportamento não deixaram de notar o potencial do brincar para
o ensino de novos comportamentos. O brincar aparece com freqüência em estudos
aplicados, como meio para ensinar outros comportamentos ou como uma condição na
qual novos comportamentos podem ser adquiridos (e.g., Bryant & Budd, 1984; Buell,
Stoddard, Harris, & Baer, 1968; Rogers-Warren & Baer, 1976). No entanto, analistas do
comportamento acreditam que há leis e princípios gerais que se aplicam a todos os
comportamentos, ou pelo menos a todos os comportamentos oporantes. A própria noção
de desenvolvimento não parece requerer um tratamento especial na análise do
comportamento. Os analistas do comportamento investigam como as contingências de
reforçamento modificam o comportamento, e isto se aplica tanto a contingências no curto
prazo quanto a contingências no longo prazo. O que os psicólogos chamam de
desenvolvimento é a mudança comportamental ao longo da vida de um indivíduo, resultando
da interação entre contingências e fatores orgânicos (incluindo a bagagem genética).
Os analistas do comportamento, contudo, interessam-se às vezes por propriedades
especiais de uma subclasse de comportamentos. O melhor exemplo é o comportamento
verbal. Ele não seria fundamentalmente diferente do comportamento operante não-verbal,
mas suas propriedades especiais são suficientemente importantes para que ele mereça
um tratamento em separado (Skinner, 1957).
Mesmo quando os analistas do comportamento atentam para subclasses especiais
de comportamentos, eles se interessam por propriedades funcionais amplas. Isto significa
que as subclasses incluem comportamentos bastante diversos, que têm propriedades
funcionais similares. Novamente o comportamento verbal é um bom exemplo: ele se estende
muito além do comportamento vocal. Escrever, gesticular, telegrafar, etc. têm propriedades
funcionais similares e também são considerados comportamentos verbais.
Rosales-Ruiz e Baer (1997) sugeriram um outro tipo de subclasse funcional dos
comportamentos operantes, que pode esclarecer aspectos interessantes do processo de
desenvolvimento. Eles usaram o termo "cunhas comportamentais" (behavioral cusps) para
distinguir um tipo de classe comportamental que expõe o indivíduo a novas contingências,
as quais, por sua vez, abrem oportunidades para a aquisição de comportamentos novos o
significantes que têm efeitos em longo prazo sobre o desenvolvimento comportamental.
Alguns exemplos de cunhas comportamentais seriam andar, imitação generalizada e ler.
Cada uma destas classes "expõe o repertório do indivíduo a novos ambientes, especialmente
novos reforçadores e punidores, novas contingências, novas respostas, novos controles
de estimulo e novas comunidades de contingências mantenedoras ou destrutivas" (Rosaíes-
Ruiz & Baer, 1997, p. 534). Cunhas comportamentais não são transições entre estágios,
como as postuladas por algumas teorias clássicas do desenvolvimento. A decisão sobre
o que poderia ou não constituir uma cunha comportamental depende de julgamento empírico
sobre o que seria importante para a vida de um indivíduo, em um momento particular e nas
circunstâncias sob consideração.
Poderia a noção de cunha comportamental ajudar a aumentar nossa compreensão
sobre o papel do brincar no desenvolvimento comportamental? Poderíamos incluir o
comportamento de brincar em uma subclasse mais geral de comportamentos operantes,
a classe das cunhas comportamentais?
As crianças precisam aprender a brincar. Isto ó, comportamentos operantes
precisam ser estabelecidos e uma grande variedade deles é necessária para brincar.
Voltando ao exemplo de Tom Sawyer, as crianças precisariam ser capazes de pintar a
cerca para poder brincar. Contudo, como argumentamos anteriormente, brincar não se
define pela topografia. As crianças podem desempenhar virtualmente qualquer tipo de
comportamento adulto em uma situação de brincadeira. Elas podem “brincar de" qualquer
coisa que os adultos fazem "seriamente". Porém, quando as crianças "brincam de" um
comportamento adulto complexo, elas podem alcançar apenas uma aproximação deste
comportamento, limitada pelo repertório delas. Mas a situação de brinquedo usualmente
implica em estímulos discriminativos, modelos, instruções e conseqüências, de tal modo
que a criança pode, a partir de seu repertório inicial, refinar seus comportamentos e aprender
novos. Portanto, uma vez que a criança tenha adquirido algum repertório mínimo para
poder participar da brincadeira, esta abre amplas perspectivas para refinar e diversificar o
repertório do indivíduo, nos seus aspectos motor, cognitivo, afetivo, social e verbal.
O repertório verbal, em particular, compreende comportamentos de falante e de
ouvinte. Quando as pessoas se comportam como ouvintes, elas podem modificar seus
comportamentos de acordo com o comportamento verbal de outras pessoas. Uma das
coisas mais importantes que podemos fazer, neste sentido, ó emitir e aprender novos
comportamentos através do controle instrucional.
Nós também sabemos como as pessoas podem aumentar seu controle sobre o
ambiente e comportar-se mais efetivamente quando elas se tornam falantes. À medida
que o comportamento de falante se torna mais sofisticado, há um enorme aumento na
habilidade de produzir modificações no ambiente através das ações de outros. Assim,
uma análise comportamental do controle instrucional deve descrever e explicar como as
crianças desenvolvem suas habilidades de responder sob controle instrucional e de fornecer
verbalizações que funcionam como instruções para outros.
Nós conduzimos um estudo que efetuou uma observação naturalística de crianças
brincando sob a supervisão de uma professora. Nós procuramos desenvolver categorias
comportamentais que pudessem capturar contingências verbais nesta situação e também
capturar como as instruções dadas por adultos afetavam o comportamento das crianças.
Esta categorização é parte de um sistema de análise que vem sendo desenvolvido por M.
Stella Gil, procurando capturar contingências em ambientes naturais e seus efeitos sobre
o comportamento (e.g,, Gil, 1991).
No estudo que nos interessa aqui, observamos cinco grupos de crianças em uma
creche. As idades médias das crianças de cada grupo foram, aproximadamente, 1,2,3,
4 e 5 anos. As crianças brincavam em grupo, com blocos de madeira. Duas câmeras de
vídeo, sendo uma delas fixa e a outra móvel, filmavam cada grupo. Foram analisadas
cerca de quatro horas de registros de vídeo, sendo transcritas todas as verbalizações da
professora para as crianças. Para cada verbalização, nós registramos também a localização
da professora, posição e direção da sua face, assim como a duração da interação entre o
adulto e as crianças. Também foram registrados os comportamentos das crianças que
precederam e sucederam cada verbalização.
O sistema de análise procurava classificar os comportamentos das crianças e da
professora de acordo com os efeitos do comportamento da professora sobre o
comportamento das crianças e vice-versa.
Um episódio de instrução pela professora incluía, portanto: 1) apresentação de
uma instrução; 2) resposta da criança; 3) conseqüências liberadas pela professora.
As instruções foram classificadas como: "estabelecer condições para brincar";
"brincar junto"; "propor/orientar brincadeira"; e “disciplinar”. As categorias para as respostas
das crianças foram: “obediência" e "dispersão".
Nós distinguimos dois tipos de conseqüências: “acesso aos blocos" (brincar com
eles) e "comportamentos do professor que presumivelmente funcionavam como reforçadores
generalizados", tais como elogio verbal ou contato físico.
Com base nas contingências para seguimento da instrução, nós podemos extrair
dois tipos de instrução, que correspondem, grosso modo, ao que Zettle e Hayes (1982)
denominaram tracking e pliance.
As instruções do tipo tracking são aquelas em que o comportamento especificado
produz um reforçador geralmente não verbal. Foram deste tipo as instruções nas categorias
"estabelecer condições para brincar”; “brincar junto"; “propor/orientar brincadeira”. As
instruções do tipo pliance são aquelas nas quais a pessoa que fornece a regra também
libera um reforçador (positivo ou negativo) para a obediência à regra. As instruções deste
tipo foram as orientadas para a manutenção da disciplina na situação de brinquedo.
Uma tendência interessante que observamos foi que a freqüência de tracking
decresceu com a idade, enquanto a freqüência de pliance manteve-se relativamente estável.
As crianças de todas as idades obedeceram cerca de 60% das instruções do tipo
pliance. O seguimento das instruções do tipo tracking foi alto para as crianças de até três
anos de idade. Para as crianças mais velhas, a freqüência de instruções do tipo tracking
havia diminuído bastante, a porcentagem de seguimento também apresentou um
decréscimo .
Como poderíamos interpretar estas tendências? Por que a freqüência de instruções
do tipo tracking diminuiu com a idade? Olhando para as instruções propriamente ditas,
pode-se ver que elas foram se tornando progressivamente mais complexas para as crianças
mais velhas. Isso não é nada surpreendente. Exemplos de instruções para crianças de um
ano foram: "Você põe um", acompanhada do gesto de colocar uma peça no chão. Em
seguida, a professora pega outra peça, a estende para a criança ao mesmo tempo em que
diz: “aí, põe outra em cima". Para crianças de três anos, encontramos instruções tais como:

A a c rta n g u s d « <k>M ano« a p t« M n (iH M n i c ta c ra p é n c l« « « m roiaçAo a ta n riA n c ÍM , ( | i » p ix ic x n s tx M trtx jld a n t a lv o / a u m tfiu p o p u r t la ila r in o n to H g ltw lo
(Jo criwngtt« ou u um a p tufoM ora p*fttaitarrr>*»nt*i tnotpttva
A professora termina a montagem de um conjunto de peças observada por um
pequeno grupo de crianças. Uma delas desfaz a montagem da professora que, dirigindo-
se ao grupo, diz: “monta de novo!" As crianças manuseiam as peças juntando-as.
Se o comportamento de brincar com blocos for tratado como uma seqüência
comportamental, podemos dizer que as crianças mais jovens necessitavam instruções
detalhadas para cada componente da seqüência. A porcentagem de seguimento mostra,
então, que as instruções foram, em geral, efetivas para ensinar às crianças o que fazer, ou
seja, para ensiná-las a desempenhar cada componente da seqüência. Mas elas não estavam
aprendendo somente a brincar com blocos, estavam aprendendo também a seguir
instruções. As crianças de três anos já haviam aprendido a seguir instruções bem mais
complexas. Podemos supor que instruções simples, na forma de estímulos discriminativos
verbais para cada componente de uma seqüência, são gradualmente reunidas em instruções
mais complexas. Estas instruções complexas podem compreender recombinações dos
componentes das instruções simples. À medida que uma criança aprende a brincar, e
também aprende a seguir instruções, uma versão abreviada, tal como “monte..." pode
substituir a especificação passo a passo dos componentes individuais. Isto pode
exemplificar a formação do que Cerutti (1989) denominou classes discriminativas
generalizadas, a recombinação de estímulos discriminativos verbais simples para formar
instruções complexas. As mudanças na freqüência e no tipo de instruções sugerem que
esta situação de brinquedo não ensina apenas como brincar, mas ensina também como
respondera instruções.
Esta era uma situação na qual as crianças brincavam com seus pares, sob
supervisão de uma professora. Vamos analisar agora um outro tipo de situação de brinquedo,
na qual as crianças jogavam um jogo com regras.
Um jogo com regras é também uma situação de brinquedo, no sentido de que as
conseqüências naturais do comportamento são reforçadoras. Ganhar o jogo é,
presumivelmente, um reforçador. Ou, de modo mais geral, o escore que o jogador obtém,
ou a posição em que ele se situa entre outros jogadores, podem ser reforçadores. Além
disso, quando crianças ou adultos jogam em grupo, vários aspectos da interação social
podem também ser reforçadores.
Um jogo com regras especifica conseqüências e comportamentos que conduzem
a estas conseqüências. O jogo é um “espaço de contingências". Uma conseqüência como
“vencer o jogo" é, usualmente, contingente aos comportamentos especificados, em um
esquema de razão variável. Um aspecto importante dos esquemas de razão variável é que
o comportamento sob tais esquemas ou se mantém em taxa muito alta ou não se mantém.
Portanto, há muita variabilidade entre as pessoas no seu interesse por jogos. Há pessoas
altamente motivadas a jogar muitos jogos e pessoas que não se interessam de modo
algum em jogos. Para as pessoas que têm contato suficiente com as contingências de
reforço, os jogos mantêm uma quantidade apreciável de comportamento; eles podem até
mesmo produzir adfçáo.
Em outro trabalho (Gil & de Rose, neste volume), procuramos mostrar que brincar
com parceiros é uma situação que pode modelar e diferenciar comportamentos, assim
como desenvolver o controle instrucional, com base em contingências naturalmente
reforçadoras. Jogos também estabelecem conseqüências reforçadoras e, quando jogados
em grupo, estabelecem ainda uma situação favorável ao controle instrucional.
Uma vez que os jogos com regras especificam comportamentos e conseqüências,
é possível analisar cada jogo e determinar os comportamentos que o jogo pode ensinar. É
interessante notar que muitos jogos comuns especificam comportamentos que podem
ser considerados educacionais. Os comportamentos requeridos para participar nestes
jogos são valorizados em situações acadêmicas e podem contribuir para o desenvolvimento
intelectual de uma criança. Por exemplo, muitos jogos podem ser considerados variantes
de emparelhamento com modelo. Um exemplo claro disso é o jogo de dominó. Por essa
razão há muitas variantes de "dominó educativo" que usam este aspecto do jogo como
recurso auxiliar no ensino de relações e conceitos.
O jogo de dominó requer discriminações condicionais entre uma forma ou padrão
colocada na "mesa" e formas ou padrões que o jogador tem entro suas peças (para uma
revisão sobre aprendizagem discriminativa em geral, e discriminações condicionais em
particular, ver Sório, Andery, Gioia e Micheletto, 2002). Sabe-se que discriminações
condicionais podem dar origem a relações de equivalência, ou seja, comportamento
simbólico (e.g., de Rose, 1993; Sidman, 1994; Sidman & Tailby, 1982). Por este motivo,
Goretti Fonseca, então estudante de mestrado em nosso laboratório, adaptou um jogo de
dominó para verificar se ele poderia ensinar relações entre objetos e símbolos arbitrários a
crianças com retardo mental.
Os participantes deste estudo (Fonseca, 1996) foram quatro estudantes
adolescentes, com retardo mental, que freqüentavam uma instituição especial. Cada peça
do jogo de dominó tinha a figura de um objeto e um símbolo arbitrário. O jogo inicial foi
jogado com sete figuras e sete símbolos. O conjunto de peças envolvia todas as
combinações (um a um) das sete figuras com os sete símbolos.
Em um jogo comum de dominó, o jogador que começa "baixa" uma peça inicial,
que contém, de cada lado da peça, uma figura ou padrão. O jogo pode, portanto, ser
concebido como uma tarefa de emparelhamento com modelo, na qual há dois modelos
em vez de um só. No estudo que estamos descrevendo, a peça inicial foi construída com
apenas uma figura de um lado, tendo o outro lado em branco. Isso tornava o jogo mais
similar a uma situação de emparelhamento arbitrário com modelo, em que havia apenas
um modelo. Se a peça inicial tinha uma figura (podemos designar as figuras como A1, A2,
..., A7), esta servia como modelo para o jogador seguinte. Se a figura fosse, por exemplo,
A2, o jogador precisaria encontrar uma peça com o símbolo correspondente, B3, e "baixá-
la" colocando o símbolo ao lado da figura. Este jogador, portanto, emparelharia á figura
modelo (A3) o símbolo B3, contido em uma de suas peças. Mas a peça com o símbolo B3
conteria também uma outra figura, por exemplo, A5. Esta figura se tornaria, então, o
modelo para o jogador seguinte, e assim sucessivamente. Todos os jogadores estariam,
portanto, emparelhando os símbolos dentre as suas peças com as figuras modelo baixadas
na mesa.
Esta era uma discriminação condicional arbitrária, de modo que era necessário
ensiná-la aos jogadores. A pesquisadora fez isto. Inicialmente ela mostrava ao jogador da
vez um cartão com o símbolo correto. Os jogadores não tiveram dificuldade em encontrar
uma peça com o mesmo símbolo e baixá-la. Então, ela passou a usar uma variante do
procedimento de "dica com atraso" (e.g., Glat, Gould, Stoddard, & Sidman, 1994; Touchette,
1971). Ela esperava alguns segundos até mostrar o cartão, esperando que os jogadores
eventualmente colocassem a peça correta antes que ela mostrasse o cartão. O fracasso
foi total! Só então percebemos que estávamos tentando ensinar sete emparelhamentos
arbitrários ao mesmo tempo. Mesmo com um reforçamento poderoso é muito difícil aprender
alguma coisa quando o desempenho requerido está muito aíém do repertório de entrada
do aprendiz. Modificamos então o jogo, reduzindo para quatro o número de figuras e
respectivos símbolos, e repetimos as fases de dica imediata e dica com atraso. O resultado
foi um pouco melhor: um dos quatro aprendizes aprendeu rapidamente o emparelhamento
arbitrário, mas os outros continuaram apresentando muitos erros.
Examinando o desempenho dos estudantes, Goretti Fonseca suspeitou que, à
medida que as peças iam sendo baixadas, muitos emparelhamentos entre figuras e símbolos
iam sendo exibidos. Cada peça continha um símbolo ao lado de uma figura, e qualquer
combinação símbolo-figura podia aparecerem alguma peça. Os aprendizes podiam olhar
para estes emparelhamentos também, servindo-se, portanto, de dicas erradas. Para remover
a maioria destas dicas, decidimos manter na "mesa” apenas as duas últimas peças jogadas,
removendo sempre a antepenúltima peça baixada. Isto, contudo, não melhorou o
desempenho dos aprendizes.
Na situação de grupo, os aprendizes forneciam muitas instruções uns aos outros.
Embora o jogo fosse, supostamente, competitivo, os jogadores tentavam se ajudar uns
aos outros com instruções, mas as instruções muitas vezes eram erradas. Decidimos,
então, estabelecer uma situação em que o aprendiz-jogador jogava apenas com a
pesquisadora. Ai eles conseguiram aprender, e o desempenho generalizou-se para a situação
em que eles jogavam com os pares.
As conseqüências do jogo, além de aspectos da interação social, foram altamente
reforçadores. Não foi necessário prover nenhum reforçador extrínseco para manter os
estudantes jogando. Isto por si só, contudo, não foi suficiente para ensinar a eles o
emparelhamento entre figuras e símbolos. Para isto foi necessário aperfeiçoar o
procedimento de ensino. Estes aperfeiçoamentos no procedimento de ensino envolvera:
1) redução no número de discriminações condicionais ensinadas simultaneamente; 2)
eliminação de estímulos irrelevantes e distratores.
O experimento com este grupo foi encerrado neste ponto, devido ao encerramento
do ano letivo. Posteriormente, um outro grupo de estudantes, com menos retardo do que
o primeiro, foi submetido ao procedimento revisado. Estes estudantes aprenderam
rapidamente a relação AB, ou seja, entre figuras (A) e símbolos (B). Em seguida, eles
aprenderam uma nova relação entre as mesmas figuras e um novo conjunto de símbolos
(relação AC). Finalmente, eles foram testados individualmente, jogando com a
experimentadora, num jogo em que as peças permutavam os dois conjuntos de símbolos
(relações BC e CB). Neste teste, a pesquisadora não fornecia instruções, reforçamento ou
correção. Todos os aprendizes eventualmente desempenharam as relações emergentes
BC e CB, indicando que as figuras abstratas tornaram-se, de fato, símbolos dos objetos.
Nestes dois estudos, foram examinados dois tipos diferentes de situação de brin­
quedo, estabelecidas por adultos, com propósitos educacionais. Contudo, as crianças
brincam muito sem supervisão de adultos e, depois de uma certa idade, elas também
jogam sem supervisão de adultos. Quando as crianças brincam juntas, elas instruem
umas às outras. Para jogar, as crianças freqüentemente aprendem as regras com outras
crianças que já conhecem o jogo. Um adulto, quando está presente, é usualmente a fonte
principal de instruções; ele é quem ensina. As situações especiais nas quais um adulto
está presente ajudam a analisar aspectos característicos de todas as situações de
brinquedo.
Quando as crianças jogam com adultos ou com pares, elas se beneficiam de
instruções dadas por outros e, assim, aperfeiçoam suas habilidades de ouvinte. Elas
também desempenham o papel de falante e modificam, desta maneira, o comportamento
dos outros participantes. Exercitando e desenvolvendo o papel de falante, as crianças
aumentam suas possibilidades de intervenção em seus ambientes.
A análise de contingências no brincar de crianças parece um instrumento heurístico
promissor para a análise de situações complexas em ambientes naturais, estendendo os
princípios da análise do comportamento para comportamentos e ambientes complexos.
Isto pode levar à análise de temas ainda não explorados pela análise comportamental e
que são, contudo, centrais para a psicologia não comportamental.
O conceito de cunha comportamental pode ser aplicado ao bnncar se considerarmos
que o brincar pode ser uma oportunidade para modificar vários repertórios da criança, cada
um deles criando a possibilidade de acesso a novos ambientes, que irão, por sua vez, dar
origem a novos comportamentos. Entre estes novos comportamentos, poderíamos incluir
o próprio comportamento de aprender a brincar, o qual, por sua vez, ajudará a criança a
aumentar e sofisticar seu comportamento de ouvinte, assim como a estabelecer e refinar
o papel dela como falante e instrutor. Cada uma destas competências abrirá à criança um
novo mundo de possibilidades de desenvolvimento.

Referências

Bruner, J. S. (1973). Competence in infants. In J. M. Anglin (Org.), Jerome S. Bruner. Beyond the
Information Given (pp. 297-308). New York: Norton.
Bryant, L. E., & Budd, K. S. (1984). Teaching behaviorally handicapped preschool children to
share. Journal of Applied Behavior Analysis, 17, 45-56.
Buell, J., Stoddard, P., Harris, F. R., & Baer, D M (1968). Collateral social development
accompanyinq reinforcoment of outdoor play in a preschool child. Journal of Applied Bohavior
Analysis, 1, 167-173.
Cerutti, D. T. (1989). Discrimination theory of rule-governed behavior. Journal of the Experimen­
tal Analysis of Behavior, 51, 259-276.
do Rose, J. C. (1993). Classes de estímulos: Implicações para uma análise comportamontal
da cognição. Psicologia: Teoria o Pesquisa, 9, 283-303
Fonseca, M G. (1996). Situações lúdicas para o ensino em grupo do indivíduos com deficiôncia
mental: Discriminações condicionais e equivalência de estímulos Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal de São Carlos, SP.
Gil, M. S. C. A. (1991). Análise funcional da interaçào professor-aluno: um exercício de identifica­
ção de controle recíprocos. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia, Universidade de São
Paulo, SP.
Glat, R., Gould, K., Stoddard, L. T., & Sidman, M. (1994). A note on transfer of stimulus control in
the delayed-cue procodure: Facilitation by an overt differential response. Journal of Applied
Behavior Analysis, 27, 699-704.
Rogers-Warren, A., & Baer, D, M. (1976). Correspondence between saying and doing: Teaching
children to share and praise. Journal of Applied Behavior Analysis, 9, 335-354.
Rosales-Ruiz, J., & Baer, D. M. (1997). Behavioral cusps: A developmental and pragmatic concept
for behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 30, 533-544.
Sério, T. A. P., Andery, M. A., Gioia, P. S., & Micheletto, N. (2002). Controle de estímulos e compor­
tamento operante. Uma introdução. Sâo Paulo: EDUC
Sidman, M. (1994). Equivalence relations and behavior. A research story. Boston: Authors
Cooperative.
Sidman, M., & Tailby, W. (1982). Conditional discrimination vs. matching to sample: An expansion
of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 5-22.
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.
Touchette, P. E. (1971). Transfer of stimulus control: Measuring the momont of transfer. Journal
of tho Experimental Analysis of Behavior, 15, 347-354.
Zettle, R. D., & Hayes, S. C. (1982). Rule-governed behavior: A potential theoretical framework for
cognitive-behavioral therapy. Advances in cognitive-behavioral research and therapy, Vol. 1 (pp.
73-118). New York: Academic Press.
Capítulo 33
Regras e contingências sociais na
brincadeira de crianças

M aria S/ella Coutinho de Alcântara Q il


{Universidade hederal de São Car/os
lulio César Coelho de Rose
Universidade / ederal de São Car/os

A capacidade humana de brincar tem sido abordada principalmente pela Etologia,


pela Educação e pela Psicologia que contribuem para a compreensão do papel do brinquedo
na infância e influenciaram o emprego do brincar como estratégia pedagógica ou terapêutica.
Para a Etologia os comportamentos contidos no brincar são parte do exercício de
um repertório essencial ao desenvolvimento de comportamentos altamente especializados
dos grandes carnívoros e dos primatas adultos. Seus autores consideram que a sobrevi­
vência dessas espécies se apóia, entre outras, em duas circunstâncias inter-relacionadas
que concorrem para a existência dos comportamentos característicos da brincadeira: a
complexidade da organização social, cujo desenvolvimento se baseia em experiência e
aprendizagem, e a existência de uma infância prolongada e protegida (Carvalho, 1981,
1989).
Na Educação, a brincadeira é valorizada desde o século XVI (Brougère, 1998).
Propostas educacionais baseadas na recreação abordavam a brincadeira como atividade
infantil inata, espontânea e passível de ser empregada em situações de ensino e
aprendizagem. As diferentes concepções e implicações das propostas antigas e atuais
geraram e continuam ensejando controvérsias e discussões sobre o emprego pedagógico
de jogos e das brincadeiras (Wajshop, 1995).
A Psicologia também estuda a brincadeira e o faz com uma ampla diversidade de
enfoques que resultam da combinação da afiliação teórica dos autores e dos variados
objetivos dos trabalhos. A decorrência da diversidade dos estudos sobre a brincadeira em
uma perspectiva psicológica está na existência de algum grau de arbitrariedade em qualquer
seleção que se faça ao apresentar alguns desses enfoques, como se poderá acompanhar
no decorrer da discussão.
A importância do comportamento de brincar foi retomada por Bruner que lhe atribuiu
um papel fundamental no desenvolvimento infantil e que dizia ser a brincadeira a oficina da
criança. Antes disso, poróm, Vigotsky (1984/1930) o Leontiev (1984/1988) dedicaram for­
te atenção à brincadeira por considerá-la uma oportunidade inigualável de aprendizagem
infantil, embora não fosse a única e, aproximadamente no mesmo período, Piaget (1974/
1932) apresentou uma compreensão diferente daquela desenvolvida pelos autores russos
ao recorrer á análise da brincadeira para discutir o surgimento do símbolo e o desenvolvimento
do comportamento moral na criança.
Vigotsky (1984/1930), interessado na constituição dos processos mentais superio­
res, organizou o seu sistema analítico com base na vida social e na apropriação da cultura
pelos indivíduos. Para o autor, a vida social ó a origem e a finalidade dos processos de
consciência, considerados por ele o nível mais elevado de funcionamento psíquico. Dessa
perspectiva, o autor tratou a brincadeira como espaço privilegiado do desenvolvimento do
"autocontrole" pela criança. Durante a brincadeira a criança pode experimentar o mundo
adulto e a cultura sem se comprometer. Na brincadeira, a criança defronta-se com outras
crianças e com diferentes pontos de vista; propõe e se submete a regras que ela estabele­
ceu ao mesmo tempo em que é livre para modificá-las. Desse modo a criança acede,
canaliza ou refreia os seus desejos na parceria com o outro e no exercício conjunto da
imaginação. O autor referiu-se ao brinquedo como uma atividade que se caracteriza por criar
uma situação imaginária que "contém regras de comportamento embora possa não ser um
jogo com regras formais, estabelecidas a priori” (p. 108). Para ele, a evolução do brinquedo é
dada pela relação entre a proeminência do imaginário ou da regra. Inicialmente, a situação
imaginária ó clara estando a regra oculta, o que se inverte progressivamente com o desen­
volvimento. Nas duas circunstâncias, contudo, a regra conduz as ações.
Na visão piagetiana, a brincadeira em geral e sobretudo aquela observada nos pri­
meiros anos de vida não comporta regra.. A brincadeira, ou o jogo em si mesmo, não foi alvo
do interesse do autor; entretanto, o estudo do julgamento moral, cuja base ó um complexo
sistema de regras, foi desenvolvido a partir de uma brincadeira (Piaget, 1977/1932) e uma de
suas considerações sobre o surgimento do símbolo no arcabouço cognitivo da criança em­
pregou o exame das brincadeiras chamadas de "faz-de-conta" (Piaget; 1964/1945).
Piaget e seus colaboradores ao se decidirem pelo estudo da moralidade nas
crianças dedicaram-se à análise do respeito às regras e da idéia de justiça e iniciaram o
trabalho pela investigação da brincadeira entre crianças. Basearam-se nas respostas de
meninos, entre aproximadamente 30 meses e 13 anos, a uma série de perguntas sobre o
jogo de bolinhas de gude, por considerarem que esse jogo se faz de acordo com um
sistema complexo de regras. As respostas obtidas foram interpretadas como indicadores
de que as crianças compreendem e aderem ao jogo de diferentes maneiras, dependendo
da fase de desenvolvimento na qual se encontram. As características das respostas das
crianças permitiram que Piaget e colaboradores delimitassem as fases do desenvolvimento
moral dependendo, entre outros fatores, do tipo e das razões da adesão da criança às
regras. Inicialmente, as crianças estariam submetidas a uma moral da coação, da
heteronomia, para progressivamente atingir a moral da cooperação, da autonomia. A análise
minuciosa da brincadeira - o jogo de bolinhas de gude e o faz-de-conta - constituíram-se
em um dos recursos utilizados pelo autor para propor uma teoria do desenvolvimento das
formas de conhecimento.
Ainda no contexto da Psicologia, diversas investigações sobre a brincadeira foram
realizadas em trabalhos que abordavam os processos de socialização e que trataram
especificamente das interações sociais e dos comportamentos pró-sociais. Em uma ou­
tra vertente da abordagem psicológica da brincadeira tem-se as propostas terapêuticas
nas quais a brincadeira é empregada em tratamentos cujas bases encontram-se na
Psicanálise (a Ludoterapia) ou na Análise Experimental do Comportamento (a Modificação
de Comportamento).
A despeito da grande variedade de modos de enfocar a brincadeira parece haver
unanimidade em tratá-la, ao mesmo tempo, como parte de um repertório social e como
oportunidade para exercitá-lo, ampliando e sofisticando a competência, as capacidades e
as habilidades sociais. É possível que o forte vínculo que se estabeleceu entre a brincadeira
e o ofício de ser criança tenha propiciado que o seu estudo ganhasse maior relevo nos
trabalhos que visavam descrever e compreender o desenvolvimento humano, o que deu à
Psicologia do Desenvolvimento a primazia das investigações que contemplaram o brincar.
Os pesquisadores vinculados à Análise do Comportamento raramente se
dedicaram ao estudo do desenvolvimento humano, exceção feita a Bijou e Baer (1976) e,
atualmente, a Novak (1996) e Schilinger (1995). Ao mesmo tempo, a Análise do
Comportamento deu suporte a vários trabalhos que recorreram à brincadeira para investigar
as características de aquisição de comportamentos sociais por indivíduos normais ou
portadores de deficiências diversas. Outros tantos estudos adotaram a brincadeira como
procedimentos de intervenção ou buscaram instalar o comportamento de brincar visando
ampliar repertórios sociais.
Nos mais de 30 anos de existência do Journal of Applied Behavior Analysis perto
de uma centena de trabalhos empregaram brincadeira ou como recurso para estabelecer
diversos comportamentos ou tiveram por objetivo instalar os comportamentos envolvidos
no brincar.
Dada a importância que o brincar assume também na análise aplicada do
comportamento parece oportuno examiná-lo. Neste exame, propõe-se analisar a brinca­
deira de uma perspectiva de descrição e explicação do desenvolvimento humano e, mais
especificamente, do ponto de vista das aquisições do comportamento de formular e
apresentar instruções e de seguí-las ou alterá-las.
Dois problemas estão subjacentes ao objetivo apresentado acima. O primeiro
deles diz respeito á definição de uma base conceituai compatível com uma análise
comportamental da brincadeira do ponto de vista do desenvolvimento.
Rosales-Ruiz e Baer escreveram um artigo em 1997 propondo que a investigação
do desenvolvimento humano, do ponto de vista da Análise do Comportamento, deveria ir
além de considerar o modo como as contingências se organizam no ciclo vital ao investigar
empiricamente a ocorrência de padrões sistemáticos de contingências ao longo da vida.
De acordo com os autores, seria necessário verificar as características de algumas
mudanças comportamentais que ocorrem durante o ciclo vital quanto ao alcance dos seus
resultados no desenvolvimento do repertório dos indivíduos. Importariam, nesse caso,
aquelas alterações comportamentais que resultassem na exposição do organismo a um
novo ambiente, ampliando as possibilidades de sofisticação do repertório comportamental.
As mudanças comportamentais que atendessem este requisito foram denominadas de
cunha comportai - behavioral cusp.
Em uma tradução livre do texto dos autores, tem-se que (...) "especifica a existên­
cia de cunha comportamental o fato de que a aquisição do comportamento expõe o
repertório do indivíduo a novos ambientes, especialmente a novos reforçadores e punidores,
novas contingências, novas respostas, novos controles de estímulo, e novas comunida­
des de contingências de manutenção ou de destruição" (p.534). Para eles, classes de
comportamento que transformam fortemente o ambiente, tais como o engatinhar, o andar,
a imitação generalizada, a leitura, são exemplos de cunha comportamental. O conceito e
a atribuição das propriedades de cunha a uma classe de comportamentos dependeria da
decisão empírica da audiência sobre o que é importante para a vida daquele indivíduo, no
momento e nas circunstâncias consideradas.
Brincar com parceiros parece enquadrar-se nessa categoria conceituai. O exame
de episódios instrucionais simples ocorridos em uma situação de brinquedo permitiria que
considerássemos a possibilidade de que este tipo de brincadeira se constitua em cunha
comportamental.
Dois meninos encontram-se em uma sala com o mobiliário usual das pré-escolas
e onde estão espalhados diversos brinquedos industrializados e algumas garrafas plásti­
cas vazias, pequenos biocos de madeira coloridos, seixos, caixinhas de papeíão etc.
Ambos engatinham pelo chão, apoiando-se nos joelhos e em uma das mãos. A outra mão
segura um objeto: um segura uma caixa de papelão e o outro segura um seixo. O dois
meninos os arrastam pelo chão fazendo ruídos com os lábios. Ora erguem os objetos, ora
os deslocam por baixo de cadeiras e mesinhas fazendo o percurso de uma viagem imagi­
nária com caminhões. Organizam caminhos, obstáculos e arranjam outros veículos no
trajeto estabelecido na brincadeira. Em determinado momento um deles diz: "O caminhão
vermelho vai cair. Depressa, tira o (caminhão) vermelho do barranco! Ele vai cair!" A outra
criança solta a caixa que tem na mão, atira-se com os braços estendidos na direção do
bloco vermelho e cai no chão fazendo barulho no piso de madeira. Enquanto pega o bloco
vermelho produz ruídos como "aargghh, uuuhhhh, plafts e pufs". O companheiro acompa­
nha os movimentos do colega e ambos comemoram o salvamento do caminhão.
A literatura propõe que um episódio instrucional inclua a apresentação de uma
instrução, uma resposta ocasionada pela instrução e uma conseqüência liberada pelo
agente instrucional, contingente à obediência. No caso da brincadeira com parceiros,
ambos podem estar na posição de agente instrucional ou de emissor de respostas instru­
ídas, ou seja, aquele que obedece.
Ao brincar as crianças estão expostas a um ambiente favorável ao desenvolvimento
de um repertório instrucional versátil. As instruções geralmente apresentadas por parceiros
de brincadeira combinam estímulos discriminativos que indicam as propriedades das res­
postas pretendidas. As instruções podem indicar em um pequeno conjunto de frases ou
em uma única, a forma da resposta, as características temporais, a localização, a força
etc. Ao brincar de “viajar de caminhão", a criança que diz para a outra: "Depressa, tira o
(caminhão) vermelho do barranco! Ele vai cair!" tem como conseqüência deste
comportamento verbal um baque no chão, simultâneo aos braços estendidos na direção
de um bloco vermelho de madeira, “o caminhão”, acompanhado de ruídos como “aargghh,
uuuhhhh, plafts e pufs”, terminando com o engatinhar pelo chão empurrando o bloco de
madeira e o “Urraahh!" dos dois "caminhoneiros’’ comemorando o sucesso da empreitada.

386 M.irid Stcllu Coutlnho dc Alcánt.ird lyil c lulio Cfcwr C odlio dc Rosr
Durante as brincadeiras, há uma grande diversidade de instruções similares ao
exemplo dado que combinam elementos controladores de aspectos das respostas. Em
um processo complexo e dinâmico, essas instruções estabeleceriam ocasião para
discriminações elementares, e as recombinações dos elementos controladores de
respostas em novas instruções gerariam novas respostas, com um aumento crescente na
complexidade de instruções e dos desempenhos ao segui-las.
Na brincadeira, as crianças têm a possibilidade ora de formular instruções, ora de
segui-las. Ao apresentar instruções e ao segui-las estaria ocorrendo, ao mesmo tempo, a
sofisticação do repertório instrucional em duas dimensões: a do falante, que especifica a
natureza da resposta e provê conseqüências para a aquiescência ao estabelecido, e a do
ouvinte cujo seguir a instrução implica em apresentar desempenhos, muitas vezes,
elaborados.
É importante, ainda, o fato de que novas instruções compostas da recombinação
de elementos já empregados anteriormente são apresentadas em contextos diferentes
pela variação dos temas e das formas da brincadeira. Brinca-se com o caminhão, a
motocicleta, o automóvel, o cavalo, os super-heróis, os bonecos dos jogos de armar.
A participação continuada nas brincadeiras refina a instrução e o assentimento.
Não raro a frase: "Depressa, tira o (caminhão) vermelho do barranco! Ele vai cair!" pode ser
substituída por uma outra frase supostamente simples, mas funcionalmente complexa
considerado o efeito sobre o desempenho do parceiro. A frase "Vai cair!!!", é igualmente
seguida pelo companheiro atirar-se ao chão, pegando o objeto/caminhão do momento,
emitindo os ruídos típicos do suposto esforço e do sucesso. As dimensões temporais da
emissão da resposta que explicitam a urgência são dadas pela entonação, e as palavras
resumem toda a seqüência de ações pretendida.
A oportunidade de um aumento crescente na complexidade do repertório instrucional
que a brincadeira parece oferecer acarretaria flexibilidade e economia desse mesmo
repertório. Dizer a frase completa: "Depressa, tira o (caminhão) vermelho do barranco! Ele
vai cair!" ou apenas "Vai cair!" deve estar sob o controle da familiaridade com o parceiro de
brincadeira e da familiaridade de ambos com a própria brincadeira que permite a emissão
de seqüências de respostas similares nas duas ocasiões.
No exemplo analisado, atirar-se ao chão para pegar um bloco de madeira só
ocorre após a apresentação da instrução pelo parceiro de brincadeira. Entretanto, uma
vez iniciado o desempenho ó possível que estejam em vigor outras contingências além
da participação do parceiro na comemoração do sucesso do salvamento, ou seja, da
obediência à instrução. Um grande espectro de alterações ambientais relacionados às
mudanças dos movimentos, da posição e da postura da criança, os ruidos que produz
com o baque no chão e o som das próprias vocalizações pode constituir-se em
conseqüências relevantes para as respostas emitidas. O episódio descrito ilustraria o
fato de que a resposta instruída pode depender de duas sortes de contingências. Uma
delas é socialmente mediada: o companheiro de brincadeira acompanha e comemora o
salvamento do caminhão provendo conseqüências sociais para as ações do outro. A outra
seria dada pelas alterações do ambiente que ocorreram independentemente das ações
daquele que instruiu. Este segundo tipo de conseqüências têm sido chamado de contin­
gência colateral (Cerutti, 1989; Zettle e Hayes, 1982) e só ocorre depois que a obediência
foi gerada. À medida que a criança se atira ao chão outra e outra vez, alteram-se as
posições, as caretas e a produção sonora. Movimentos e sons podem ser adicionados ou
substituídos e outros objetos podem ser incorporados como parte das ações de salva­
mento em obediência à instrução. O nível de elaboração do responder instruído, nesse
caso, poderia estar sob o controle das contingências colaterais.
É possível observar a alternância de papéis nas brincadeiras harmoniosas entre parcei­
ros que acontecem por períodos longos. Por um lado, ambos fornecem e seguem instruções,
por outro, há inúmeras trocas tais como nas imitações onde ora um ora outro é o modelo e nas
conversas, mesmo as mais incipientes. A alternância ao participar de atividades conjuntas
aparece como uma propriedade essencial da comunicação humana e a brincadeira partilhada
implica em inúmeros episódios de comunicação de complexidade variada ( Novak, 1996; Bruner,
1986). A possibilidade de exercer os diferentes desempenhos requeridos na comunicação
interpessoal, fortemente presente na brincadeira, parece constituir-se em oportunidade de aqui­
sição não apenas de desempenho instrucional, mas também de propriedades das trocas
lingüísticas. Os papéis de falante e ouvinte, instrutor e instruído, são intercambiáveis e podem
ocorrer por turnos.
Uma outra característica do brincar está no fato de a participação conjunta na brincadei­
ra exigir que os parceiros estejam sob o controle dos mesmos aspectos do ambiente ou de
aspectos muito similares. As crianças emitem classes de respostas semelhantes para estímulos
que podem ser fisicamente muito diferentes: arrastar uma caixa, uma garrafa, um pedaço de
madeira, um carrinho chamando-os de caminhão. Uma das possibilidades de que se estabeleça
uma equivalência funcional entre tantos estímulos fisicamente diferentes está no fato de que
os estímulos ambientais podem ser partilhados e ganhar em conspicuidade quando se informam
quais são eles, ou quais dimensões da estimulação têm relevância para esta ou aquela resposta,
ou ainda, quais as respostas esperadas diante de tal ou qual estímulo. A informação que
destaca as contingências em vigor naquele momento ou que indica a estimulação relevante
contida nas instruções permitiria, com maior rapidez, compartilhar classes de estímulos emitindo
desempenhos semelhantes frente a objetos diferentes. O acordo em brincar de "viajar de
caminhão" estabelece um conjunto de condições de ação das quais as instruções são uma
parte. Dizer "A gente vai brincar de caminhão" permite que na ausência do objeto especialmente
criado para este brinquedo, o "caminhãozinho", as crianças brinquem cada uma com o seu
achado: uma pedra, uma peça de plástico, um pé de sapato, uma tampa de lata etc.
O fato de a brincadeira conjunta exigir que o desempenho dos parceiros partilhe fontes
de controle semelhantes para ambos permite considerar, ainda, o ajuste permanente de
desempenho entre os participantes. A sintonia das crianças na brincadeira e entre elas não
depende apenas da natureza do controle de estímulos em vigor. Ambos provêm conseqüências
para as ações um do outro, monitorados pelo desenrolar da brincadeira e pelas propostas
formuladas com feitio de instrução. A conseqüência dos desempenhos é, portanto, imediata e
depende de um agente reforçador instável, pois opera em relação ao outro de acordo com
circunstâncias fluidas, que se alteram na medida em que as ações dos participantes se sucedem
e dos seus efeitos no ambiente físico e social.
O breve exame de algumas características do brincar junto permite propor que se
considere que o brincar se constitui em uma cunha comportamental. Tomar-se capaz de brincar
envolve a aquisição de competências que parecem abrir um amplo espectro de possibilidades
de adquirir e refinar capacidades e habilidades sociais, aqui analisadas na forma do controle
instrucional presente na brincadeira conjunta.

388 M j r ld Slclld C o u h n h o de Alcdntard Q il e lulio Céíd r C o e lh o de Rose


Referências

Bijou, S W. (1976). Child Development: The Basic Stage of Early Childhood. Englewood Cliffs:
Prentlce-Hall, Inc.
Brougère, G. (1998). Jogo e Educação Porto Alegre: Artes Módicas.
Carvalho, A. M. A. (1989). Brincar juntos: natureza e função da interação entre crianças. In C.
Ades (Org.), Etologia de animais e de homens. São Paulo: Edicom.
Carvalho, A. M. A. (1981). Interação social e brinquedo. XI Reunião Anual da Sociedade de
Psicologia de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto-SP (mimeo).
Gonzales-Ruiz, & Baer. (1997). Bohavioral cusps; A developmental and pragmatic concept for
behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 30, 533-544.
Leontiev, A N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In L. S. Vygotsky, A. R. Luria
& A. N. Leontiev (Orgs.), Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: leone.
Novak, G. (1986). Developmental Psychology: Dinamical Systems and Behavior Analysis. Reno,
Nevada: Context Press.
Piajet, J. (1977). O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou.
Piajet, J. (1964) A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar Editoros.
Schilinger, H. D. Jr. (1995). A bohavior analytic View of Child Development. Nova Yorque: Plenum
Press.
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.
Vygostsky, L. S. (1984). A Formação Social da Mento. Rio de Janeiro: Martins Fontes.
Wajskop, G. (1995). O brincar na educação infantil. Cadernos de Pesquisa, 92, 62-69
Capítulo 34
Atenção positiva como uma possível
solução ao problema de indisciplina em
sala de aula
I víW i}ross

Ao longo da história da educação, o conceito de "bom professor" foi mudando.


Passou de treinador, mediador de modelos, estimulador de aprendizagem, catalisador
de informação, executor de tarefas pró-estabelecidas, mediador do conhecimento e até
"parteiro das idéias" como queria Sócrates. Segundo a literatura científica, era visto como
alguém político, pesquisador / investigador de sua própria prática profissional, sendo
capaz de promover habilidades de reflexão e ação transformadora nos educandos sob
sua responsabilidade. Mas algo que não mudou foi o entendimento de que o professor
precisa ter e manter um bom relacionamento com o aluno, enfatizando-se os aspectos
emocionais e afetivos desta relação.
Em estudo feito por Oliveira (1998) no qual os professores eram questionados
quanto ao conceito de ser um bom professor, encontra-se que os atributos cognitivos e
profissionais (criativo, crítico e competente, estudioso) foram mais citados no que se
refere ser um bom professor, do que atributos sócio afetivos (entre os quais amoroso e
calmo). Mas a mesma população (professores estaduais do ensino fundamental de
Rondonópolis), quando questionados sobre lembranças de bons professores incluíam
em seu próprio conceito de bom professor, atributos tais como carinhosos, pacientes e
dedicados. Neste estudo, ficou demonstrado que atributos sócioafetivos foram colocados
em segundo plano pelos próprios professores estudados.
Essa evolução do conceito de bom professor parece ter chegado a um ponto em
que, ou continuamos com professores que deixam o afeto em segundo plano ou propomos
o passo seguinte para a melhora da relação professor - aluno, ou seja, o afeto, visto que
os professores já tem internalizado seus requisitos técnicos do bom profissional.
Um risco que se corre neste ponto é confundir o papel paterno, com o papel de
professor. Aquino em seu texto "A indisciplina e a escola atual", faz duras críticas a esse
equívoco; a primeira diz respeito ao desperdício de talento e qualificação específica do
professor, já que para ser pai não se faz curso superior e o professor não fez curso de pai
“postiço"; o segundo ponto diz respeito ao desvio de função, já que o professor não recebe
salário, nem foi contratado para ser pai (embora muitos pais não tenham tanto esclareci­
mento disto).O autor em uma terceira crítica diz que confundir o papel pai/professor é
quebra de "contrato" pedagógico, pois o trabalho académico deixa de ser feito, em detri­
mento de uma função parental (Aquino, 2000).
Isto demonstra que o afeto que o professor deve ter com seu aluno não é um afeto
parental. Que tipo de afeto então se deve ter em sala de aula?
Pode ser difícil de se responder a esta pergunta, pois este conceito de afeto vem
de muito tempo; ainda mais quando a criança entra cedo na escola e corre-se o risco de
uma generalização de ambas as partes. Tal conceituação se complica ainda mais, já que
o amor familiar é o primeiro que se aprende, dificultando ainda mais a diferenciação. A
criança vai para a escola com o afeto que sente pelo pai/mãe e acaba generalizando para
o professor (e muitas vezes é correspondida).
Skinner em sua obra "Sobre o Behaviorismo", diz que sentimentos e personalida­
des são presumivelmente inferidos pelo comportamento (p.158). Sendo assim toca-se em
um outro ponto que muitas vezes ó tido como responsável pela depreciada relação profes-
sor-aluno: os rótulos. Charles e Cliffor Mandsen dizem que “rotular pessoas é uma como­
didade de que a sociedade dispóe para evitar o afrontamento com comportamentos inde­
sejáveis" (Madsen; Madsen; Oliveira; 1975 p. 19) e continuam "Rotular, segregar, classificar
ou alijar indivíduos só é útil para eximir a sociedade de maiores responsabilidades" (p.27).
Deve-se pensar então, se realmente a criança é o chamado “bagunceiro", "burro", "inca­
paz", “desinteressado" (entre outros) ou se todos estes rótulos são jogados em suas
mãos como maneira de eximir o professor de maiores responsabilidades.
Freller afirma que: "nenhum grupo ou categoria profissional detém a chave para
definir o critério de normal/anormal, em relação a comportamento", já que é imprescindível
se conhecer o contexto no qual a indisciplina ocorre. Pois a indisciplina deve ser
contextualizada e enquadrada como elemento de uma "rede de relacionamentos em que
cada ato ó produzido em um contexto coletivo e decodificado em uma situação
intersubjetiva". Já que a indisciplina é uma comunicação, urna expressão que revela ne­
cessidades, iniciativas e/ou esperanças na busca de uma alteração no ambiente que
proporcione novas experiências que são vitais e imprescindíveis no desenvolvimento da
criança em relação ao meio (Freller 2000). E é essa indisciplina que acarreta os rótulos,
os problemas e principalmente as queixas dos professores contra os alunos.
Uma das conclusões a que se chega é que quando o professor vai reforçar o
aluno, ele o faz como um pai (e a criança muitas vezes assim o vê) e quando o professor
cobra uma disciplina (punição) ele o faz na função de professor.
Essa mudança constante de comportamentos do professor cria angústia na cri­
ança por não saber diferenciar as várias instâncias de sua posição na escola. Ela (a
criança) é elogiada por um segundo pai e está no que já foi chamado de segundo lar.
Depois é massacrada pela mesma pessoa que o elogiou anteriormente, agora em seu
patamar de professor. Há tempos atrás, professores primários incentivavam os alunos a
chamá-los de tio/tia, na esperança de criar um vínculo afetivo na relação professor-aluno.
No momento tenta-se desarmar esta "bomba relógio", exigindo que as crianças voltem a
chamar “professores". Custou-se a perceber, que não existe nas escolas a função tio-
professor, mas até hoje, sequer foi mencionado que existe implicitamente o papel de pai-
professor. Foi retomada a palavra, mas a posição frente a ela continua.
O que fica claro então é que falta uma técnica efetiva de reforçamento positivo, mas
uma técnica embasada em princípios teóricos sólidos, a ser passada ao professor. Pois,

"O que tem lhes sido passado, de modo geral, ó ou o resumo da teoria ou, pior,
procodimentos dela derivados sob a forma de roceitas, que acabam virando
fetiches. A questão ó que para corrigir esta distorção é necessário não apenas
conhecer bem a teoria, como ter uma visão clara do que ensinar e para quom
ensinar”.(Luna, Vol 2 Cap 36 p.305).

Hoje em dia a pesquisa que aplica a teoria comportamental inserida nas escolas
já evoluiu muito, com mais respaldo técnico e prático. A teoria comportamental vem mos­
trando o quanto pode contribuir. Buscando, pode-se achar autores como Wolpe, no fim da
década de cinqüenta que deu impulso a outros trabalhos; Zimmerman e Zimmerman (1962)
com a primeira publicação na área; Harris, Johnston, Kelly e Wolf (1964); Patterson (1966);
Hall, Lund e Jackson (1968); Covington (1970); Hall e Copeland (1971); Citados em Mejias
(1973). São resultados claros e objetivos que deixam óbvia a melhora da relação professor
aluno; reafirmando o que diz Skinner, pois o ideal seria um reforçamento positivo de ambas
as partes (Sobre o behaviorismo, 1974, p. 165), já que professores que não precisam
parar a aula a todo instante para reclamar, tem mais tempo para ensinar e crianças mais
motivadas para aprender.
Uma resposta entre outras, a quase todas estas questões, vem sendo desenvol­
vida; Gonzalez em seu artigo “Efeitos da atenção do professor no comportamento de
indisciplina", cita dois conceitos interessantes; "atenção positiva" e "atenção negativa".
Atenção positiva é explicada como atenção dada pelo professor ao aluno, quando este
colabora para o bom andamento da aula e ao seu desenvolvimento pessoal; sendo a
atenção negativa aquela dada pelo professor ao aluno (é mais comum em sala de aula)
quando o aluno não participa ativamente da aula chegando até a atrapalhar seu bom
andamento e não desenvolve sua aprendizagem.
Professores ávidos por “passar" a matéria cobram o silêncio e a participação de
seus alunos, utilizando-se da atenção negativa. Não se deve confundir atenção negativa
com punição1.Ou seja, a problemática não está na topografia do comportamento do pro­
fessor e sim na função que o professor espera atingir com aquele comportamento.
Tanto a atenção positiva quanto a atenção negativa, tem por função o reforço e o
professor não vê e não se percebe disso. Até hoje o que vem sendo reforçado no compor­
tamento dos alunos são justamente os comportamentos inadequados e indesejáveis; quem
já observou uma sala de aula pode constatar isso de forma clara, Alunos que fazem
balbúrdia tem atenção. Aqueles que ficam quietos, além de não precisarem de atenção o
tempo todo, já tem os reforços da nota e do sucesso. Se um aluno ainda não descobriu o
quão reforçador é estudar, ele tem que ter um porque de estar na escola que é tão aversiva
e coercitiva. Uma das respostas pode ser porque o aluno recebe atenção por estar ali.

' ”l’u jxjimAn iNittHKfc» w> h do um nvtrtn hvbtoívo nu h roOnMtn ó» um wnniDpoattvo IrrwdúitJUTdxitti qpóa um a (imputUi, que (Jliiilnu! a fropóônci»
(leslHrtNpontu"(\Ailn1997p3)
Sidman (1995) diz que entende por reforçamento positivo a recompensa às pes­
soas e deixá-las fazer algo de bom e não a fuga da punição. Pode-se fazer um paralelo
com a escola: se a aula fosse punitiva o aluno não iria mais (e muitas vezes não vai); mas
ele está lá; muitas vezes o que pode ocorrer é que há uma punição maior por o aluno não
ir a escola e estar nela seria uma esquiva da punição da família, da sociedade. O mesmo
autor (1995 p.41) continua dizendo que os “professores preocupam-se mais com técnicas
coercitivas para manter a disciplina do que com métodos efetivos de instrução" e Skinner
explica que quando um comportamento não ó mais reforçado o comportamento se extingue
e pouco provavelmente volte a ocorrer (1974, p. 53).
Atenção negativa então é uma forma de reforçar comportamentos inadequados. O
aluno está inserido em um contexto social (a escola e mais especificamente a sala de
aula). Vale lembrar que o ambiente pode influenciar a probabilidade de ocorrência uma
resposta (Skinner, 1974 p. 48). O aluno não está sozinho em sala de aula, ele forma suas
relações pessoais com outros alunos e é reforçado por estes também. Dificilmente um
aluno dito “indisciplinado" fará uma relação afetiva de amizade com um aluno chamado de
"disciplinado" (ao menos não próximo à época de prova), ou seja, ele fará amizade com
outros alunos "indisciplinados" e será reforçado por eles. Percebe-se então que o professor
parece compactuar com isso. Vejamos: o aluno está em privação de atenção; (do professor,
da família, da sociedade), seus colegas não, pois estão fazendo balbúrdia e recebendo
atenção (negativa). A probabilidade da emissão de um comportamento considerado
inadequado aumenta, pois provavelmente estará sendo punido pelo seu circulo de amizades
por não participar da balbúrdia, emitindo o comportamento inadequado, o aluno se esquiva
da punição do grupo e é reforçado pelo professor com a atenção negativa.
Na perspectiva de Prette (2001 p.32), "Assim, a escola hoje não permite uma
formação cidadã; pelo contrário reproduz a violência e o autoritarismo, além de se tornar
um espaço pouco motivador e facilitador de comportamento de risco” (Grifo do autor).
Sendo que "a tarefa de um adulto" (aqui o professor) “é ser o melhor modelo possível a fim
de ajudar as crianças" (aluno) “a encontrar outros modelos que representem o melhor que
o mundo pode oferecer" (Mejias; Mejias; Prado; 1977, p.64). Ora, um professor que
teoricamente é visto como quem estudou muito para tornar-se professor, briga, achincalha
e humilha, não dará exemplo nem motivação alguma a alunos para estudarem. O aluno
estudará para se tornar àquela pessoa aviltante, mas que tem o poder de decidir o futuro
dos alunos em suas mãos? Isso faz pensar o quanto de comportamentos inadequados
tem sido modelado nas escolas.
Mas então a atenção positiva será uma solução a todos os problemas? Não! Ela
soluciona a parte do comportamento dos alunos e não da formação dos professores, nem
da aprendizagem do aluno. A atenção positiva faz uma modelagem da topografia do
comportamento do aluno, não o faz “aprender"; para isso existem outras técnicas
desenvolvidas pelas mais diferentes teorias; a atenção positiva entra em cena como um
facilitador para que o professor possa utiliza-las de uma forma mais pontual e com melhor
resultado.
Outro item que pode ser observado nas queixas dos professores é que elas nor­
malmente são as mesmas: falta de atenção, não fazer tarefa, conversas paralelas; mas
será que esses mesmos professores não reclamariam se a classe fosse atenta, fizesse a
tarefa, não conversasse entre si; mas não participasse? A atenção positiva deve ser utili­
zada para se ter uma sala de aula que muitos professores chamariam de ideal. Mas os
professores querem isso? Não ter do que reclamar, para ter o que elogiar? É uma questão
pessoal. Se assim o desejarem, primeiro deveriam ter em mente que não é fácil, é
desgastante, mas recompensador. Segundo, que provavelmente a criança estará acostu­
mada com o tratamento antigo e achará estranho um professor que não grita, humilha ou
achincalha para que a turma participe. Terceiro, por não estar acostumado, o aluno dificil­
mente emitirá um comportamento completo e idealizado, para tanto deve-se começar a
utilizar da atenção positiva em pequenos comportamentos individuais para que a criança
descubra aos poucos que também há ganhos com atenção, participação na aula; e sem­
pre que ocorrer um momento adequado para a utilização da atenção positiva para todo o
grupo da sala, deve-se fazê-lo. Deve-se também lembrar que atenção positiva não é puni­
ção por comportamentos errados, ela é ampla, podendo ser qualquer atitude mínima que
seja por parte do professor que aumente a probabilidade da emissão do comportamento
desejado. Não se deve esquecer que por ser ampla, a utilização da atenção positiva deve
ser reavaliada quanto a sua forma de emissão, para se ter segurança de que está funcio­
nando com a função certa.
Por último, cada professor é único, cada aluno é único, bem como a sala de aula e o
encontro desses três elementos formam uma célula única de integração, o que funciona para
determinado professor, aluno, sala de aula, pode não funcionar para outro. Portanto, essa não
é a única forma que há de se tornar uma classe em uma sala de aula idealizada, mas a meu
ver, é algo que merece ser tentado. Os resultados parecem-me, serão recompensadores.
Quem sabe até chegarmos ao que disse Skinner em 1995 das escolas. Elas...

...“serào lugaros agradáveis. Assim como lojas, teatros o rostaurantes bem


planejados, alas teráo boa aparôncia, boa acústica o cheirarão bom. Os ostu-
dantos irão à escola não porquo serão punidos por faltarom mas porque so
sontirão atraídos por ela.(...) Eles terão menos motivos para buscar reforçadores
em outras fontes,(...)Os professores terão mais tempo para falar com seus alu­
nos. (...) Comece por isso e todo o resto virá naturalmente, como a noite segue o
dia." (Skinner, 1995, p.129-131)

Referências
Aquino, J.G. A indisciplina e a escola atual. Disponível em: <http://www.scielo.br/
sciolo,php?script=sci arttext&pid=S0102-25551998000200011&lng=pt&nrm=isso> (Acesso
em 16 do junho 2000).
Costa, W. A., Almeida, A. M. O. (1998). A construção social do conceito de bom professor. In A. S.
P. Moreira, D. C. Oliveira, Estudos interdisciplinares de representação social (pp. 251-269).
Goiânia: Goiânea: AB.
Freller, C.C. (2000, November). Indisciplina escolar: mais um desafio para o pediatra. Podiatria
moderna, 36(11).
Gonzalez, M H. (1979). Efeitos da atenção do professor no comportamento do indisciplina
Didática, 15, 115-124.
Luna, S. V. (1997). O analista do comportamonto com profissional da educação. In M. Delitti (Org.),
Sobre comportamento e cognição, Vol 2 (pp. 301-307). Santo Andró: ESETec Editores Associados.
Madsen, C., Madsen, C., Oliveira,J. B. A. (1975). Engenharia do comportamento. Rio de Janeiro:
Americana.
Mejias, T. M., Mcjias.N. P., Prado, A. L. A. A. (1977). Modificação do comportamento infantil. São
Paulo: EPU
Pretto, Z. A. P. D. (2001). Psicologia oscolar o educacional saúde o qualidade do vida, 1. Cam­
pinas: Alínea.
Sidman, M. (1995). Coerção o suas implicações, 1. Campinas: Editorial psy II.
Skinner, B. F. (1974). Sobre o behaviorismo, 9 ed. São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1995). Questões recentes na análise comportamental, 2. Campinas: Papirus.
Valo, A. M. O. Aprendizagem e ensino no pensamento skinneriano. Disponível em: <http://
www.cemD.CQm.br/index%2Qhlmhhtm> (Acesso em 03 de junho 2000).

Documentos consultados
Banaco, R. A. (1997). Sobre comportamonto o cognição, Vol1. Santo Andró: ESETec Editoros
Associados.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamonto, linguagem o cognição, 4 Porto Alegre:
Artmod.
Contini, M L. J. (2000). Discutindo o conceito de promoção de saúde no trabalho do psicólogo
que atua na educação. Psicologia ciôncia e profissão, 2(20), 46-59.
Moroira, A. S. P., Olivoim, D. C. (1998). Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia:
Goianea1AB.
Protte, Z A P D., Prette, A. D., Garcia, F. A., Silva, A. T. B., & Puntel, L. P. (1998). Habilidados
sociais do profossor em sala do aula: um estudo de caso. Psicologia reflexão e critica, 11(3),
591-603 Porto Alegre.
Rogra, J. A. G. (2000, Jan/Jun). Formas de trabalho na psicoterapia infantil: mudanças ocorridas
e novas direções. Revista brasileira do terapia comportamental e cognitiva, 2(1).
Rio, M J. dei. (1996). Comportamonto e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In C.
Coll, J. Palacios, A. Marchesi, Desenvolvimento psicológico e educação Psicologia da oduca-
ção (pp. 25-44). Porto Alegre: Artes Módicas.
Rolim, S. G., Alencar, J. L., & Gil, M S. C. A. (1995). Caracterização da sobreposição das interações
professor-classe o professor-aluno em uma sala de aula do ensino fundamental. In S. G. Rolim,
J. L. Alencar & M. S. C. A.Gil, II Congrosso Nacional de Psicologia Escolar, II. Campinas: editora
Atomo. Anais: O futuro da criança na escola, familia e sociedade (pp. 422-424).
Skinner, B. F. (1994). Ciôncia e comportamento humano, 9. São Paulo: Martins Fontos.
Skinner, B. F. (1975). Contingências do reforço. In Os pensadores (pp. p,7-125). São Paulo: Abril
Cultural.
Skinner, B. F. (1995). Questões recentes na análise comportamental, 2. Campinas: Papirus.
Skinner, B. F. (1972). Tecnologia do ensino. São Paulo: Ed da Universidade do São Paulo.
Capítulo 35
Dificuldades de aprendizagem ou
dificuldades de ensino? -
Algumas contribuições da Análise
do Comportamento1

h ã o dos Santos CarrmY


í /nivcrsidadc d,i Amazônia

Dentro do que se convencionou chamar de fracasso escolar, há muito se discute


acerca das dificuldades de aprendizagem apresentadas por diferentes alunos em
diferentes contextos de ensino. Muitas classificações surgem na tentativa de naturalizar
os problemas identificados e, paralelamente, são feitas críticas quanto à centralização
do fracasso no aluno em detrimento da identificação de fatores sociais, econômicos,
conjunturais. Pouco se pergunta, entretanto, o que é e de quem é o fracasso escolar. O
presente texto objetiva levantar algumas reflexões em torno de um dos parâmetros mais
relevantes na identificação e classificação de dificuldades de aprendizagem: a produção
de erros dos alunos e, ao mesmo tempo, oferece elementos para discutir se o locus das
dificuldades está na aprendizagem ou no ensino.

Algumas implicações educacionais da análise de erros na aprendizagem


Matos (1995) propõe que "erros são aversivos e produzem paradas temporárias ou
permanentes no comportamento" (p. 159) e sugere que o professor deve evitar situações
que levem o aluno a cometer erros em função de que aquelas podem gerar subprodutos
emocionais e tornarem-se, elas mesmas, aversivas ao aluno. A proposição de que erros
são aversivos e a procura por situações de ensino que minimizem a ocorrência de erros
decorrem, em parte, dos estudos e discussões acerca da aprendizagem sem erros, a
qual representa um tipo particular de treino discriminativo no qual a taxa de resposta em
SÀ é, tipicamente, zero desde o inicio do treino (Rilling, 1977; Sidman, 1985; Stoddard,

(rabalho upronontiido na Mutui Mixlondit “Frroa a Acortoa no Eniuno ■ na Aprwxli/atftHn: Codlrltxjívôo* da Artáfoo do Comportamento", durante o XI
fcricontro do Patcotorapia o Modkilrui Cc»npurtamontal, l ondrtna, 28 a 2W0W200? O aufa* agradoco oa ournanIArtoa o ■ugaotOim do Prof Dl. Patilo Prado
jUrump Marllla) u da Profn Dru Adòlia Tataaira (Uf M íi)
P r o fu t ta o r d o c u r e o d o P a i c o k i g t a d a U n tv n rM d a riii d a A m a / A n ta (U N A M A ) , D o u t o r w n F d u c a ç A o |M>la U n t v a r e ld n d o l i x t o n i l d o S A o C a r k a ( U F S C a r ) . E -
ITiall p a r u c o o t a t o x p j a c ( ( l r t a u f a c ji r tir
Por n a t u r u ll/ a r ” n o a r o fn r lm o H A t o r i d A n c la a m c o n a l d o r a r a » d if lc u ld a d r m d o a p r o n d l / a u « m c o m o a o n d o d o o r d o m u r u c ji m n n t a o r y â n l ( j i o u , in a la
imtyNlaimKitn,nmimk^jkjt
Mcllvcane e De Rose, 1987; Terrace, 1963a e 1963b). As investigações sobre aprendiza­
gem sem erros apresentam, pelo menos, três méritos: 1) questionar a noção amplamente
divulgada de que a aprendizagem ó um processo que envolve, necessariamente, a produ­
ção de erros pelo aluno; 2) indicar possíveis efeitos aversivos da ocorrência de erros; e 3)
desenvolver e aplicar técnicas eficazes na maximização de acertos e diminuição de erros
a uma taxa zero ou próxima de zero.
Skinner (1972/1968)^ ao afirmar que "ó falso o pressuposto de que só ocorre
aprendizagem quando se cometem erros" (p. 7) ofereceu, de certa forma, um suporte e
uma confirmação para a relevância das pesquisas sobre aprendizagem sem erros. Tais
estudos, no entanto, não definiram o que chamavam de erro a não ser como a ocorrência,
durante SÀ, de uma resposta reforçada diante do estímulo discriminativo (SD) (Rilling,
1977).
Catania (1999) adverte que "devemos ter cuidado com a linguagem dos erros; o
termo erro implica um julgamento sobre o valor do responder e pode ser inapropriado a
uma análise do comportamento" (p. 157). De fato, o analista do comportamento não
deveria lidar com erros como sendo porta para um juízo de valor sobre um indivíduo ou
sobre seu desempenho e sim como um desempenho, como outro qualquer, o qual é
produto de contingências programadas ou acidentais. Em outras palavras, por ser
desempenho, e não um indicativo do valor da resposta, o erro é um dado que permite
analisar a contingência que o produz. A análise de contingências poderá fornecer
informações relevantes não apenas sobre o repertório do indivíduo mas, sobretudo,
acerca da adequação ou inadequação da programação de ensino.
O termo erro pode ser entendido, cotidianamente, como imprecisão, inexatidão,
resposta aproximativa não aceita, resposta insatisfatória, etc., a depender do contexto
em que ocorra. No ambiente escolar é, freqüentemente, tratado como não atendimento
a um dado critério de desempenho tido como adequado ou correto; este critério,
diga-se de passagem, é sempre arbitrariamente definido pelo professor e as conseqüências
liberadas ao não cumprimento do critério podem ser bastante aversivas para o aluno.
Nesse sentido, é relevante investigar como o erro é conseqüenciado pelo professor e
outros agentes educacionais (pais, monitores, colegas de classe, etc.), o que nos dará
condições de afirmar que não são os erros (entendidos enquanto desempenhos) que são
aversivos e sim as conseqüências que a ele se seguem. Estas conseqüências, se punitivas,
podem alterar a função do SD, isto é, este passará a adquirir a função de estímulo pré-
aversivo caso uma dada resposta - considerada inadequada - seja novamente emitida.
Como contra-exemplo, podemos supor uma situação na qual um em? não é conseqüenciado
negativamente, mas a ele se segue uma mudança no ambiente que oportuniza ao estudante
uma nova tentativa ou coloca sua resposta sob controle de aspectos relevantes que antes
não foram adequadamente discriminados. O professor, diante do e/rode seu aluno, poderá
indicar verbalmente a(s) dimensão(ões) relevante(s) a ser(em) considerada(s), ou então
recolocar o problema de uma forma diferente ou, ainda, reiniciar a partir de pré-requisitos
que, possivelmente, nào ficaram bem estabelecidos. Com este exemplo, mais uma vez
enfatizamos que a aversividade não está no erro - não é propriedade deste - mas pode
estar, ou não, nas conseqüências que o acompanham.

4A pftniolra (IhIb m fn m ■« à otxn outwultada rta tmduçAo para o (xxtuyué« ■ m »agutkIm ilutu i«ten» m mo a n o d a pubUcaçAo ortyirml
Nos exemplos acima, os erros podem ser aproveitados como indicativos de, pelo
menos, três aspectos do contexto: inadequação da programação no estabelecimento de
discriminações: repertório comportamental e desenvolvimental do aluno; medida de
desempenho e do que falta para aumentar a taxa de acertos.
No primoiro caso, o programador de repertórios ó avaliado quanto ao seu planejamento
de ensino; visto por outro ângulo, caberia ao professor, diante dos resultados “negativos” do
aluno, questionar se o método de ensino utilizado ó o mais adequado e, caso o seja, perguntar
se o método está sendo corretamente aplicado.
No segundo aspecto, os erros podem ser tratados como dicas acerca do repertório
atual do aluno - aquilo que já consegue fazer e aquilo que ainda não consegue -, bem
como informações sobre futuras aquisições e mudanças biológicas cujas ausências
impossibilitam, temporariamente, ao aluno o aprendizado de determinadas habilidades
como, por exemplo, segurar adequadamente um lápis e traçar caracteres gráficos sobre
uma linha horizontal, desenhar um círculo em volta de figuras, usar uma tesoura, pintar
dentro de limites, etc.
No terceiro aspecto, o erro pode ser utilizado pelo professor como um critério que
mede o repertório atual do aluno e que pode fazer parte de medidas de avaliação do
desempenho acadêmico. Diante desses parâmetros de mensuração, cabe ao professor
planejar alguns procedimentos de ensino que possibilitem a aquisição de respostas
adequadas, aumentando, com isso, o sucesso do aluno.

Dificuldades de aprendizagem sugerem dificuldades de ensino


Do que está exposto até aqui, têm-se elementos suficientes para afirmar que
aquilo que tem sido cunhado de dificuldades de aprendizagem pode e deve ser analisado
em termos de prováveis dificuldades na programação de repertórios. Como
conseqüência, retira-se o aluno do centro da questão e privilegia-se a identificação e
descrição das variáveis que afetam o comportamento do aluno e do professor.
Uma análise de situações de aprendizagem em sala de aula, portanto, deveria
considerar a história de aprendizagem do aluno a partir das programações de ensino a
que foi submetido. Nesse sentido, os erros produzidos por um aluno podem ser
reinterpretados em termos de descrição das contingências programadas de ensino. A
seguir apresentaremos um exercício de análise dos erros de escrita de uma aluna,
atendida pelo autor, e discutiremos a produção de erros como um indicativo de possíveis
erros de programação.
Uma aluna da 3Üsérie do ensino fundamental, não repetente, foi classificada pela
professora da turma como tendo dificuldade de aprendizagem, o que exigiu da escola que
freqüentava a busca de atendimento especializado. O argumento apresentado pela profes­
sora foi de que a aluna não conseguia escrever, com letras de forma, palavras que
continham NHA. Ao invés do NHA, a aluna escrevia, invariavelmente, NLNA, independente
das tentativas de esclarecimento verbal dado pela professora.

Por "(locuMivoMtmNitar noa rtrfrirtiKmà» aquénçAn« t w A i t o m ou de (to*«ivoMni«*ntuilofrKÍtvkJuo tvktaritMnaDln. pixlorliÉiTx* [»» coorôndu utilinii uponas
o loitno "(xxtipoftiiiTKHibir, rnim hrt nuA«M, M panU K lun noW Icto fio In * »o. pura m manta«, n o prnaenta texto, «ala anparaçAo aillltolHl
Erros ortográficos sào bastante comuns, principalmente nas séries iniciais, quando
se está iniciando a aprendizagem da escrita. Escrever, no entanto, envolve um conjunto
complexo de repertórios, como respostas motoras, soletração, composição e edição
(De Rose, s/d), sendo necessário uma história de aprendizagem bem estabelecida a fim de
que o aluno possa produzir os caracteres gráficos de maneira adequada. Escrever com
letras cursivas não garante que o mesmo desempenho seja realizado com letras de forma
e vice-versa. Estas proposições nortearam o autor durante o contato com a professora e a
criança.
A intervenção no caso deu-se através de algumas etapas. Primeiramente, bus­
cou-se observar a criança realizando os exercícios de escrita. Dessa forma, descobriu-se
que os exercícios eram em forma de montagem de anagramas com letras de forma
vazadas. A tarefa dada em sala de aula consistia em, a partir de uma palavra ditada pela
professora e diante de letras de forma vazadas, escolher as letras que formavam a
palavra ditada, combiná-las de maneira a formar a palavra ditada e, em seguida, escrever
através dos moldes. Constatou-se que a descrição da professora estava correta, ou
seja, a aluna, de fato, apresentou regularmente o mesmo padrão de utilização da
seqüência NLNA para compor palavras com NHA; por exemplo: FARINHA era escrito
como FARINLNA, COZINHA era escrita como COZINLNA, etc.
A seguir, passou-se á análise descritiva do caso em termos de levantamento da
história de aprendizagem de escrita da aluna. Identificou-se que a aluna estava, pela
primeira vez, em contato direto com letras de forma e que, ao ser ensinada na escrita
cursiva, letra por letra, a professora da alfabetização , numa tentativa equivocada de
facilitar a aprendizagem da criança, ensinou que a letra h era a junção das letras I o n.
Assim, ao ser requisitada a escrever palavras em letras de forma que continham nha, e
por não ter familiaridade com esse tipo de letra, a aluna passou a unir as letras L e N para
formar o H tal como havia aprendido a proceder diante de escrita cursiva.
Identificada a fonte do erro de escrita, e dado que a aluna já possuía um repertório
desenvolvido de escrita cursiva e leitura, a simples instrução direta pareceu ter um efeito
positivo na diminuição dos erros e no aumento proporcional dos acertos, os quais foram
conseqüenciados positivamente, inicialmente de forma contínua e depois intermitente­
mente, até a estabilização dessa nova habilidade.
Para Campos (1993), os erros ortográficos “não são bem compreendidos pelas
professoras. Em primeiro lugar, é preciso refletir sobre o que ó um erro, o que ele revela.
Para sua melhor compreensão, o erro necessita de uma conotação menos negativa,
devendo ser compreendido como hipóteses elaboradas pelas crianças" (p. 21). Embora
concordemos com Campos quanto à conotação negativa dada aos erros o quanto à
necessidade de se buscar desvelar o que está por trás de um erro, propomos que a noção
de erros como hipóteses elaboradas pelas crianças seja redefinida em termos de
identificação e descrição das variáveis controladoras do desempenho do aluno, conforme
vimos no caso relatado.
Uma série de estudos experimentais com sujeitos humanos tem indicado que
instruções verbais acerca da realização de uma tarefa geram insensibilidade às contin-

" a [HufiwHom da hKhIxKI/hvAo tjHbttftuwn nu < r * m u a «Mcota. o q u * («rJlttou o contatn com n m o w n * n a nhtixivAn il*n nobru <x» pKxxxJlmenttro
d» txmlno jx * o Ih ullll/udoti
gências programadas de reforçamento (p. ex., Galizio, 1979; Torgrud & Holborn, 1990;
Wulfert etal., 1994). Provavelmente o que mantém esta insensibilidade é a redução da
variabilidade comportamental induzida pela regra ou o acréscimo de contingências sociais
que competem com as conseqüências programadas (Wulfert etal., 1994). Em relação à
aluna com dificuldades ortográficas ficou claro que a instrução dada pela professora, em­
bora inadequada, passou a controlar sua resposta de construção de anagrama indepen­
dentemente das contingências de reforçamento programadas, o que nos dá condições de
identificar um possível fenômeno de insensibilidade, gerado pelas instruções da professo­
ra alfabetizadora, às mudanças nas contingências de aprendizagem da escrita com letras
de forma.
Por outro lado, podemos ainda sugerir que seu responder ficou sob controle de
uma dimensão ou aspecto do estímulo discriminativo - a letra h é a junção de I e n. O
controle dimensional, nesse caso, poderia ser responsável pela generalização da escrita
do h como sendo formado por duas outras letras, mesmo diante de modelos visualmente
distintos, como foi o caso de letras de forma vazadas.
O caso em análise poderia ser descrito como um erro por inclusão ou troca de
letra; porém, categorizar erros é suficiente? Em que nos ajudaria a categorização? Vimos
que a categorização do erro levou a professora a classificar a aluna como portadora de
dificuldades de aprendizagem e, ao mesmo tempo, impediu qualquer tentativa de análise
das contingências controladoras da produção escrita da aluna. As conseqüências puniti­
vas que se seguiram aos erros da aluna geraram nesta, aversão a situações de ensino em
que era requisitada a escrever Dois efeitos bastante conhecidos do controle aversivo são
a fuga e a esquiva às situações sinalizadoras de punição, além dos subprodutos emocio­
nais que as acompanham, o que parece ter sido o caso da aluna em apreço.
Assim, a vantagem de se proceder a uma análise funcional é, exatamente, a de
evitar a cegueira que categorizações e classificações impõem ao pesquisador e ao educa­
dor, os quais podem tender a ver os fenômenos de modo estanque e sem relação com
histórias prévias e atuais de aprendizagem. Em outro momento (Carmo, 2002) foram des­
critas as fontes mais comuns de erros do alunos em situações de ensino e aprendizagem
e apontados algumas falhas na programação de ensino. Nesse caso, a classificação dos
erros foi provisória e serviu para identificar suas fontes, fruto de análise de contingências
de ensino. Somente nessas condições é que podemos aceitar tentativas de sistematiza­
ção na descrição do classes de comportamentos.
Para finalizar, nos encontramos agora em condições de afirmar que a análise das
dificuldades de aprendizagem pode ganharem qualidade se assumirmos que tais dificulda­
des têm, como principal fonte, as dificuldades dos professores e outros agentes educacio­
nais em programar situações adequadas de ensino. Não se trata, simploriamente, de deslo­
car o foco de análise e sim de propor a aplicação da análise funcional ao que se convencionou
chamar de processos de ensino e de aprendizagem. Um resultado imediato dessa nova
abordagem seria a revisão dos atuais programas de formação docente com base na assertiva
de que ensinar é, também, um comportamento complexo a ser aprendido.

Referências
Campos, L. M. L. (1993). Futuros professores e a refíoxáo sobre “erros“ da criança no desenvol­
vimento da linguagem escrita: um caminho em busca de mudanças. Dissertação de mestrado.
Universidade Federal de São Carlos, SP.
Carmo, J. S. (2002). Produção de erros no ensino o na aprendizagem: implicações para a
intoração professor-aluno. In M. G. N. Mizukami & A. M. M. R. Reali (Orgs.), Aprendizagem
profissional da docência: saberes, contextos e práticas. São Carlos: EdUfscar/INEP.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição (Trads. A. Schimidt
et al.). Porto Alegre: ArtMed. (Trabalho original publicado em 1998 )
De Rose, J. C. (s/d). Análise comportamental da aprendizagem do leitura o escrita. Texto não
publicado.
Galizio, M. (1979). Contingency-shaped and rule-governed behavior: instructional control of
human loss avoidance. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 31( 1), 53-70.
Matos, M. A. (1995). Análise de contingências no aprender e no ensinar. In E. S. do Aloncar
(Org.), Novas contribuições da psicologia aos processos de ensino e de aprendizagem (pp.
141-165). São Paulo: Cortez.
Rilling, M. (1977). Stimulus control and inhibitory processes. In W. K. Honig & J. E. R. Staddon
(Eds.), Handbook of operant behavior (pp. 432-480). Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall
Sidman, M. (1985). Aprendizagem sem erro e sua importância para o ensino do deficiente
mental. Psicologia, 11(3), 1-15.
Skinner, B. F. (1972). Tecnologia do ensino (Trad. R. Azzi ). São Paulo: EPU. (Trabalho original
publicado em 1968.)
Stoddard. L. T., Mcilvcane, W., & Do Rose, J. C. (1987). Transferência de controle de ostímulos
com estudantes deficientos mentais: modelagem de estimulo, superposição e aprendizagem
em uma tentativa Psicologia, 13(3), 13-27.
Terrace, H. S. (1963a). Discrimination learning with and without “errors". Journal of the Experi­
mental Analysis of Behavior, 6, 1-27.
Terrace, H. S. (1963b). Errorless transfer of a discrimination across two continua. Journal of the
Experimental Analysis of Behavior, 6, 223-231.
Torgrud, L. J., & Holborn, S. W. (1990). The effects of verbal performance descriptions on nonverbal
operant responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 54, 273-291.
Wulfert, E„ Greenway, D. E„ Farkas, P., Hayes, S. C., & Doughor, M. J. (1994). Correlation botwoen
solf-reportod rigidity and rule-governed insensitivity to operant contingencies. Journal of Appliod
Behavior Analysis, 27(4), 659-671,
Capítulo 36
Programas de ensino lineares:
desempenhos não lineares

Adélia Aitiria Santos Teixeira


i/niversidade hedera! de Mmas i/crais

Ao publicar seus artigos The Science of fearning and the art of (eaching (1954) e
Teaching machines (1958), Skinner penetrou, de uma maneira marcante, no campo da
educação humana, oferecendo-lhe técnicas para arranjar contingências de reforçamento.
Assegurou que constituíam um instrumento para tornar a educação mais eficiente, para
acelerar a aprendizagem e para responder eficazmente à demanda de educação. Dois
produtos decorrentes desta oferta e promessa ficaram logo conhecidos pelo público: a
instrução programada e as máquinas de ensinar. Ambos tiveram origem nos laboratórios
de análise experimental do comportamento. Pode-se dizer que os aparelhos projetados
para estudo do comportamento animal constituiram-se nas primeiras máquinas de ensi­
nar e os arranjos de contingências de reforçamento utilizados nas investigações científi­
cas correspondentes constituíram-se nas primeiras formas de instrução programada. Em
decorrência, não são surpreendentes suas declarações: “A aplicação do condicionamen­
to operante na educação é simples e direta. O ensino é um arranjo de contingências sob
as quais os alunos aprendem" (Skinner, 1968:64).
Avaliando o potencial da análise experimental do comportamento, Skinner (1968)
considerou quase miraculoso seu poder de mudar comportamento e destacou este poder
de mudar comportamento, através de arranjos de contingências de reforçamento, como a
contribuição mais notável, até hoje, desse tipo de análise (p. 65).
O surgimento e a disseminação das máquinas de ensinar e da instrução progra­
mada deram origem a questões, ainda não resolvidas, a respeito da melhor forma de
produzir programas ou arranjar contingências de reforçamento para o ensino humano.
Já em 1962, Green registrava a existência de dois tipos básicos de programas. 0
primeiro, conhecido como linear, foi criado e aplicado por Skinner e seus colaboradores.
Era o mais apropriado para as características das máquinas de ensinar na época.

402 Adéli.i Miirui Santos ícixcir.i


"O programa linear se compõe de pequenos passos que percorrem logicamente
o conteúdo da matéria dada, de tópico em tópico. [...] Para os fins deste programa,
ó importante que o estudante cometa tão poucos erros quanto lhe seja possível.
Com este propósito, os aumentos graduais de conhecimento que o aluno deve
assimilar são pequenos." (Green, 1965: 116)

Este formato considera os princípios desenvolvidos na análise experimental do


comportamento. O repertório comportamental é construído através de modelagem;
garante-se uma alta densidade de reforçamento, mantendo-se o aluno ativo e "motivado"
e cuida-se para que o aprendiz passe por uma preparação, o mais plena possível, em
relação às formas comportamentais que deverá apresentar em correspondência com os
conteúdos da matéria que lhe estão sendo ensinados.
A composição do programa deve ser compreendida como uma sucessão ordenada
de condições estímulo que vão se superpondo na seqüência de seus passos. O aluno, ao
interagir com esses estímulos, emite respostas com alta probabilidade de serem reforça­
das. A superposição dos estímulos entre os passos, além de fortalecer respostas já adqui­
ridas, facilitam a emissão de novas respostas requeridas na seqüência do programa. Isso
reflete a interdependência dos passos, que poderá variar em sua amplitude.
De acordo com Green (1965), a aprendizagem corresponde ao condicionamento
do comportamento aos elementos utilizados como condições de estímulo que se acham
nas partes, ou passos, do programa (p. 116).
Muitas críticas foram dirigidas ao formato linear da instrução programada. Grande
parte delas questiona a proposição da pequena dimensão dos passos para aumentar a
probabilidade do reforço. Os críticos chegam a sugerir a ausência de evidência de que
uma resposta correta em um ponto do programa constituía reforço. Green (1965)
argumenta que a confusão decorre da concepção de reforço como recompensa (leiga)
ou como operação (científica).

"Os proponentes da programação linear não sugerem nada em absoluto acerca


de um responder exitoso, além do fato de que ele fortalece o comportamonto"
(Green, 1965: 118).

Assim, se o termo é usado


“em função da operação, significa simplesmente que o responder correto do
aluno em um ponto dado conduz à aprendizagem. Isto ó reforço de natureza
exatamento igual ao que ocorre ao dar a uma rata uma pelota de alimento por ter
apertado a barra. Constitui fortalecimento de conduta." (Green, 1965: 118)

Do ponto de vista da operação, não há dúvida que seja reforço, se o aluno aprende
algo a partir de sua resposta.
Trata-se de uma definição. Ninguém pode objetá-la independentemente das
predileções teóricas daquele que a formulou. Se alguém opta por significados rebusca­
dos, hedonistas ou especulativos, coloca-se além do que foi proposto. “Tais conseqüênci­
as teóricas não fazem parte do conceito ou da técnica, tais como são empregados no
programa linear" (Green, 1965:118).
Crowder, em 1959, elaborou, descreveu e defendeu um segundo tipo básico de
programa denominado intrinseco ou ramificado.

"Neste programa, o aluno se vô frente a um problema e várias respostas alterna­


tivas optativas, dentro as quais uma ó correta. Uma vez que o aluno oscolheu uma
delas, recebe indicação para dirigir-se a determinada parte, a qual lhe informa se
sua escolha foi incorreta, e neste caso, lhe explica porque foi errada. Logo, tal parte
o envia do volta ao ponto do partida, ao qual respondera incorretamente para fazer
uma nova tentativa, ou talvez o dirige ató um subprograma que ampliará
conhecimentos que se supõem básicos para comprovar o ponto que não pôde
responder adequadamente " (Green, 1965: 118)

Ao obter êxito, o aluno ó instruído a dirigir-se à parte seguinte do programa.


O programa ramificado se assemelha a um exame de escolha múltipla, diferindo
deste porque possui a característica de controlar e oferecer informações imediatas ao
aluno sobre seu desenvolvimento correto ou incorreto, face ao programa, explicando-lhe a
razão do erro cometido. A tarefa do aluno, no programa ramificado, ó de reconhecimento
entre as alternativas disponibilizadas. As respostas possíveis estão automaticamente
limitadas, num programa dessa natureza e nesse tipo de aprendizagem. O mesmo não
ocorre com a técnica do programa linear no qual o aluno deve elaborar sua reposta. É
impossível antecipar todas as possibilidades de respostas que um aluno pode oferecer a
um problema.
Ao cometer erros, o aluno retorna ao ponto de seu equívoco. Supõe-se que o
responderá com êxito, após supri-lo com novos conhecimentos. Se cometer novo engano,
reinicia-se o mesmo processo descrito até a obtenção de êxito. O aluno, então, é instru­
ído para dirigir-se à parte seguinte do programa.
Algumas críticas dirigidas a programações ramificadas dizem respeito à exposi­
ção do aluno a alternativas corretas e incorretas, o que pode favorecer retenção de infor­
mações errôneas no lugar de associações corretas, conforme os propósitos do programa.
Procura-se atenuar esta crítica, ressaltando o poder de controle e de informação sobre o
desenvolvimento do aluno, próprio dos programas ramificados.
A proposta de Crowder (1959) não escapou dos ataques de utilização de princípi­
os aplicados no condicionamento de animais experimentais nos laboratórios. Seus argu­
mentos sobre a relação estudante-professor, nos programas ramificados, não foram con­
vincentes. Destacou que o professor dirige o aluno ató a solução de um problema, empre­
gando a técnica socrática, com um controle e informação imediatos sobre as respostas
do último, insinuando a ocorrência de uma relação recíproca. Green (1965) declara que os
processos de condicionamento estão presentes em sua proposta. Apenas permanecem
obscurecidos pela relação recíproca. Destaca que seu objetivo é o de estabelecer o reper­
tório verbal e, como tal, sua técnica "é essencialmente idêntica a outras técnicas de
condicionamento verba!' (p. 120).
Na postura de Crowder (1959), está implícito o conceito de que o programa linear
é um insulto à inteligência do aluno brilhante, ressaltando que o raciocínio requerido de um
educando nos programas ramificados pode ser considerável e insistindo que se dô ao
aluno uma possibilidade de equivocar-se.
Green (1965) considera que a exigência de raciocínio pode ser igualmente válida
num programa linear. Embora concorde com a utilidade de ocorrência de erros, reconhece
que a pura existência deles não leva a cabo nenhum objetivo de educação. Comparando
as duas propostas de programação - linear e ramificada - avalia que a última oferece
menos oportunidades de erros significativos em um sentido mais útil que a primeira.
Pondera que se o programa linear for muito minucioso, tornando as respostas inevitáveis,
poderá anular o poder dos reforçadores disponibilizados. Além disso, ressalta a maior
dificuldade e complexidade da composição de programação linear. Comparando os
padrões de respostas requeridos nas duas maneiras de programar - reconstrução
(elaboração) e reconhecimento -, pondera que

" s g o aluno adquiriu um grupo de conhecimontos de tal maneira que seja capaz
de elaborar esses conhecimentos, significa que os assimilou o suficiente para
roconhecô-los. Poderia não acontecer o mesmo no processo invorso." (p. 122)

Finalmente, discute a interpretação dos coeficientes de erros nas duas propostas,


concluindo:

"O significado de um coeficiente de erros de 10% em respostas olaboradas é


diferente do coeficiente de 10% no caso em que o sujeito se voja fronto a um
grupo de 10 altornativas dentre as quais pode escolhor urna ao azar." (p. 122)

Esta análise de coeficiente de erros faz sentido na medida em que o procedimento


ramificado produz coeficiente de erros menor do que o produzido por programas lineares,
o que exige uma interpretação e avaliação adequadas do critério de dificuldades nos
dois tipos de programa.
Ao discutir a construção de programas de ensino, Skinner (1968) reafirma
claramente sua posição, já declarada em 1958, frente às duas propostas de programação.
Após sugerir passos para selecionar material que irá compor o programa (definir o campo,
reunir termos técnicos, fatos, leis, princípios e casos), diz:

“Isto deve, então, ser arranjado numa ordem razoável do desenvolvimento -


linear, se possível, ramificada, se necessária" (p. 48).

A seguir, apresentam-se três diagramas correspondentes à construção de três


programas lineares, especialmente planejados para o ensino pré-escolar.
DIAGRAMA 1

Escrita e Leitura

AllklOMK CtaCftilC H nuMM


U1
W IX M II» « M lM lW k « ih M » X kn A »«UM IW
»< H M * (M> * * * * * * * i l » W 4 M H i (4
n*t* wn»Mwn*4f. o
'i»w««**
*«\*•w.wwwwinieiiweu*
a rtnW»«jn i«U) fcf flitaMA0ai4*4«
rufa*« lltM
r»aftV
iM
tM VMMM»«•
m v n n x ■!« K H *1 W> M
{* «na* tw **.% *• •
|irM6LW>¥***eW^

........ ....ff. . .........


#«*««4* KMMlWykiwM ÜtMlMi I* |4<HA» i-xM
M jMIM "Ma«'*CJ< m *lk*Kt*U
irtlv* t.«U4f AHM m
H
U2
i«* k*w-r«** t+mm OM*l9 H^LAnVMM*>«* «•.«»«MU
M IM
**«*
h m ««« •**•

Tf _
“ At»K*M»f 1.040 « « iH » * > IM •" a* mm* j<a^ ' «rr«u«t r?*ri^
• • •
U3
:
H*A *••*••» WMS

c C c
mm “

f
* i .r * y r » i € 0 M»v*«a«0 « A fiv itic t otCv>w*</i u n r * o < • * ur n t» u > .ie iK * « f
fc iXAiw»:«! r* mim««* i i o » i % tfM0* ’«ÇA'< t* iW U * r ’ %
• r ii« , r* % A »m «A iam «Mn#«
U4 MIMtlIMMWIltli
***• ***• • / ** r jr
A tlriO ** * AMMi ■ D IM I«« •
iWftarwlA t »'HÍN m
tif.W tu * *« * • « • »
HMMNIll KV«éA«M»MMP* l» • » m» « >*U M in
C : c c U
»■"*TtííÍicuuÍ**í
M>.nwwwm*m wl«wÚa!UT5
m ............. .. , ........ ........ .; p*

U -u N íw w r
f* • f> * a â o
t • «éT IM ^ A O U T IM IA O
c - C O W K M lA J A N rO
BEU » • iN t t C A M A «tO U * NUA DA« C O N fiafuC U »
O Diagrama 1 descreve um programa construído para o ensino de escrita e leitura.
Este programa foi planejado a partir da identificação de uma cadeia comportamental do ler
e do escrever. Esta cadeia foi composta em correspondência com a escrita e a leitura de
um fonema (a). De acordo com esta cadeia, propunha-se: dado um fonema (S), respostas
de movimento viso-motor apresentam-se (Rs), cujos deslocamentos (Ss) levam a
desempenhos de traçar os grafemas (Rs) que, configurando-se numa determinada forma
(Ss), controlam o comportamento de reconhecer o fonema inicial (R), origem da seqüência,
no grafema traçado. Reconhecer o fonema, no final da cadeia, correspondia à leitura, e
traçá-lo, à escrita. Esta cadeia expandida permitia descrever a escrita e a leitura de qualquer
unidade verbal (fonema, letra, palavra, frase, sentença, período, etc.).
As unidades e passos do programa foram então identificados e seqüenciados,
linearmente, a partir dessa cadeia inicial, com o objetivo de fazer cumpri-la em relação à
escrita e leitura no nível pré-escolar.
Uma contingência de interesse foi identificada para cada passo. Indicava-se, com
ela, as relações entre classes de estímulos e classes de respostas que seriam visadas no
desenvolvimento do passo, tendo em vista seu objetivo. A partir dela, programavam-se
outras contingências que, em conjunto, compunham o passo e cumpriam os requisitos
impostos por sua contingência de interesse.
Os Diagramas 2 e 3 descrevem um programa construído para o ensino de relações
matemáticas envolvendo quantidades de um a dez. A complexidade desse programa levou
à sua divisáo em dois subprogramas: Sistema de Numeração I, que tratava de relações
matemáticas envolvendo quantidades de um a cinco, e Sistema de Numeração II, que
abordava especialmonte as relações matemáticas envolvendo quantidades de seis a dez,
mas incluía, em seus requisitos, as relações matemáticas envolvidas no programa anterior
(Sistema de Numeração I).
Os dois subprogramas foram compostos linearmente. Diferentemente do progra­
ma orientado para escrita e leitura, a construção dos programas de matemática não foi
baseada na identificação de uma cadein comportamental Os conteúdos a serem ensina­
dos foram identificados, distribuídos e seqüenciados, de acordo com seu grau crescente
de complexidade, dando origem à seqüência de unidades e de passos do programa.
Identificou-se, então, para cada passo, uma contingência de interesse que indicava as
classes de estímulos e respostas que deveriam ser colocadas em relação para desenvol­
ver o passo e cumprir seu objetivo A partir dela, programavam-se oi-tras contingências
que, em conjunto, compunham o passo e cumpriam os requisitos impostos por sua con­
tingência de interesse.
Os resultados gerais destes dois programas foram descritos em Teixeira (1983a)
e Teixeira (1983b). Ambos mostraram-se efetivos: ensinaram o que propunham ensinar. O
desempenho dos alunos nos programas foi medido a partir do número de atendimentos
requeridos para cumpri-los no todo e em suas partes: unidades e passos (programa de
escrita) e unidades (programas de matemática).
O maior ou menor número de atendimentos requeridos, para cumprir o programa
ou qualquer de suas partes, indicava a maior ou menor dificuldade do aluno para completar
as tarefas propostas, e dar cumprimento às contingências correspondentes.
DIAGRAMA 2

Sistema de Numeração I

« • m<m (ummw*b*o
^ •(ATM*
i > ••iw*w»e»erxaenfei* .
, c«*|»mm >J»tOMjyX»I,
•* *
•■ * gn!WMR'.
aC ’ rV±Mm*u*’« M
u
mm
rtnM IA
I. #f I * * M *
i • • tm ix+m * */«*!•* *

• ff * <a m oftMMr ir

..... í.....

;
,r U2 \
I - MM IM(V U
r.*
. i ^ ískt"
i c *« &•****••
C4W«frf)Mr '*##<>
lMTI
• | ( L » A « U N 'U é
>t • * U f f# I . •••

...r * * » v*« M è
' U 3 ■*. I * MhUW • , m»áJ*A}úMw(imlAVMffto
i '/
» . ' ( 4 i M I l f M lM :•. <«*
iH W illlll»
, N « W H P fH ”
'
*! ------ «m h*«u
U«MMM , I» « 1 4 « *

...cU4
«*ne«*á,Ari
*.
L.
!• •
» * « * * * r-
..................... • • • • •
• : m u* t i
• I I «M UM I
nf

MNlll

in ......

..r <•;*•••
« lIM tM «
U 5 *. i | |M »iMll
M iin L ' . . M w i M i * pr*«(«a^
. r "4 NUMftrrtMMfeVMÉM1
H» ! »C* ■* r MNtriâmAmW
«c
.
m m m m m «»
M M i WPffeft * + à * ii m ã m H +
• íO m t t m r H ju »

* «IK(MH • «!>»IWW«É**Aíí*4’ rnVuMfl MHM


M4*
' • * M CO%A«*0« • •* ‘ I W * « l | J t

,C 4m « i
‘ «lt»t » M M M M « ttM

U -UNUAt*
P -IW )
v *«ru *çA o fiT M u o
C • C ftM P Ò K Y A Jü ftN T p
•»TA« •INOKJVtf A M O u tfN U A U M C U M tlC lN C M t

4 0 8 .1
Adólici Mciri S«into* Irixeir.i
DIAGRAMA 3

Sistema da Numeração II

,C • ^M

I
U J A •*, I * •H
•• *)*%>*».
BHWmilHtM » ;• :1 :„::s5SMBse. ' • , »»«AieuKei nwmnww»
~4«*« « - ‘ * *« * f 2 ‘ i»»i»*w*uu**«i«>w*»r
.c •
: issA iarr

r
U4 *. I| ' MKW*H ;i,
I* ••
, c - * » U lf c « U N
‘ V'» *«*

• • <fw a cfWirKer«
•- *
I ■ « KIK<AJM<<M :•: íí^^srr
;•mwi w ( i
:crassa

......................................f ........

» * «IMUMft t<WWiN^Uel
U 6 *. itiw tíw ã ir ^

u • U M O A i*
p •h u *o
• •«TU AÇAa ItlM t A O
r. • C O U rO K tA M B X T tí
•»TM • INtNLAU A M a U # N L iA U M C.OWTIUCMCIAI
Os resultados gerais demonstraram um notável controle dos programas de con­
tingências sobre o desempenho das crianças, especialmente no programa de escrita.
Além disso, destacaram unidades, passos e atividades com maior ou menor grau de
dificuldade. Permitiram comparar as duas maneiras de programar (baseada em cadeia
comportamental e baseada em distribuição e ordenação de conteúdos de ensino). A
variabilidade dos dados (maior ou menor dispersão) nos programas e em suas diferentes
partes sinalizaram diferenças individuais das crianças e/ou possíveis falhas na programação.
Desde as primeiras análises de resultados produzidas para estes programas
(Teixeira, 1983a, 1983b), foram notadas irregularidades no desempenho de algumas crianças
nos programas. Estes alunos mostravam dificuldades em certas partes do programa e
facilidades em outras, quando comparados com outras crianças. Pôde-se notar que as
dificuldades ou facilidades de algumas crianças não eram constantes.
Um trabalho, realizado em 1991, aprofundou a análise do programa de escrita,
avaliando os desempenhos dos alunos em relação às atividades que compunham três de
seus passos, 10, 11, 12, especialmente planejados para instalação de habilidades
diretamente relacionadas com escrita e leitura. Novamente, foram notadas irregularidades
no desempenho das crianças em relação ás seqüências de atividades. Desta feita, tais
irregularidades no desempenho das crianças foram designadas como não linearidade de
desempenhos (Teixeira, 1991).
A não linearidade de desempenho no programa de escrita foi, portanto, mostrada
em Teixeira (1983a, 1983b, 1991).
A mesma não linearidade de desempenhos é mostrada, agora, para os programas
de matemática Sistema de Numeração I e Sistema de Numeração II.

Programa de Matemática

Q
PftMOC

1 -r^T»«to<J»afM>0kT^yQ«raqijartda<p«4aiCfk3oçatdoGnjpo l (xnocompMiot
i odo (-xoyrçjma 0« M otorriO*ca Sequência cicn p io yro rro * I kxnanfv.x 2. Quarêckxki.
3 DMtàncla Locabaçâo o ítp a ço . 4 Rmo 5 C rjpocklaaa. 6 tem po, 1 9atomo <1*
N urrw oçôo l. 8 SMterrxa ô® hUTMMciçúo a. 9 SMMnvi âe M M td a t 10 NoçOm d»
Goumefrta, 11 SfctomaMonetáno, 12 ctoFioçâo 13.SUtarruJd»NurriG»oQâoll
O desempenho de um grupo de crianças (Grupo I) é mostrado na Figura 1. Essas
crianças foram agrupadas de acordo com sua idade, ao iniciarem o programa de escrita -
quatro anos. Os programas 7 e 8 representam, respectivamente, os programas Sistema
de Numeração I e II. Observa-se não linearidade de desempenhos nos sujeitos 1, 3,4 e 5,
especialmente no sujeito 3.
Convém aproveitar a oportunidade para verificar a efetividade dos programas em
análise. O programa 13 - Sistema de Numeração III - constituía-se numa revisão dos
programas 7 e 8. Note-se a redução no número de atendimentos requeridos e na variabilidade
dos dados das crianças, comparando-os com os encontrados nos programas 7 e 8.
As Figuras 2 e 3 mostram, com mais clareza, o desempenho de dois grupos de
crianças nas seqüências das unidades dos programas Sistema de Numeração I e II. O
Grupo I corresponde ao mesmo grupo de crianças apresentadas na Figura 1. O Grupo II
corresponde a outro grupo de crianças, agrupadas de acordo com sua idade ao iniciarem
o programa de escrita - cinco anos.
Na Figura 2, os sujeitos 1, 3, 4 e 5 do Grupo I apresentam não linearidade em
seus desempenhos nos programas Sistema de Numeração I e II. A maior ou menor
dificuldade ou facilidade dessas crianças para completar as tarefas programadas varia
conforme as unidades dos programas. Não se observa constância em seus desempenhos.

Programa de Matemática
Grupo I - SN I e SN2

Sistema de Numeração I


2 3 4 5 6
Passos
f t g u r a 2 * N u r r x jf o d e u *e f> rilrr» e n tO i r o q u e r i ô o í p e i a s c i t a n ç o * d o G r u p o 1 [ X * a c o m p t e K j f
c a d a u n k Jc x lo d o * p fo g r tr r > a i S fe to m o d o N i m o c o ç â o 1 q 2

Programa de Matemática
G rupo II - S N I e S N 2

Sistema de Numeração I

i "(

i {
* 20
8 1
| ,o{

1 2 3 4 5 6
Passos
G *\jpo II

(
30
?#
X
20

10

3
Passoi

Figura 3 • N im o fo de crtoixUm ento* roquoiRjc» pefc» crianças do Grupo 2 para corriptoicx


c a d a u ram rto do« orograrrx» SWema cie Nirr>aroç£>o l 0 2,

Na Figura 3, os sujeitos 1, 4 e 8 do Grupo II apresentam não linearidade de


desempenho no programa Sistema de Numeração I e os sujeitos 2,6, 7 e 8 apresentam
não linearidade de desempenho no programa Sistema de Numeração II. Observe-se que o
desempenho do sujeito 3. Embora apresente um dos melhores desempenhos do Grupo II,
o número de atendimentos requeridos para completar as atividades do programa Sistema
de Numeração II oscila, conforme as unidades programadas. O mesmo se verifica em
relação a seu desempenho no programa Sistema de Numeração I. Isso mostra, mais uma
vez, que as facilidades e dificuldades enfrentadas nos programas não se mantêm constantes.
As Figuras 4 e 5 detalham 0 desempenho do Grupo I na seqüência de passos dos
programas Sistema de Numeração I e Sistema de Numeração II.
Os sujeitos 1, 3, 4 e 5 mostram náo linearidade na seqüência dos passos dos
programas Sistema de Numeração I e Sistema de Numeração II.
Os dados continuam evidenciando que as dificuldades ou facilidades não são
constantes. Elas se distribuem diferentemente entre os passos do programa. Uma criança
(S4) com dificuldade máxima em alguns passos do programa Sistema de Numeração I
apresenta facilidade em outros (S4). Obseive-se 0 desempenho de S1 no programa Sistema
de Numeração I: apresenta facilidade nos passos 1,2,10,11,12,15,17 e 18, e dificuldade
nos passos 5,6, 7 8 e 14. No programa Sistema de Numeração II, apresenta dificuldade
nos passos 8 ,1 1 ,1 4 6 1 5 ,6 facilidade nos passos 1, 3, 6, 7 e 10.
I ip no A ■ Nkxryj»c <*» GtorKXrTwtfc» rorjmHVloi p«Mca cnonçc* cto Giupo I p<«i
corrptortar coda paMO ao Ptugtama 9**©ma d» Nurmwoçcxj I

414 A délit» M iiri.i San lo * lelxcíra


o d< M

Pastos

Qntpo I
11 -• ' »1—*r- jJ”
*2 *4 —• - kS -

Flgurn 5 - Número cie atendimentos requefklos pelas cnanças cio Grupo I paio
comptotar coda posso do Programo Sistoma do Numoíaçóo II
As Figuras 6 e 7 detalham o desempenho do Grupo II na seqüência de passos
dos programas Sistema de Numeração I e II. A numeração dos sujeitos que compõem o
Grupo corresponde exatamente à numeração dos mesmos sujeitos na Figura 3.
Na Figura 6, os sujeitos 1,2,4,7 e 8 mostram não linearidade de desempenho no
programa Sistema de Numeração I. Observe-se o desempenho do sujeito 7: no programa
Sistema de Numeração I, apresenta facilidade nos passos 2, 10 e 14, e dificuldade nos
passos 5,6, 7,15,16 e 17. O mesmo fato se observa no sujeito 8: facilidade nos passos
1, 2, 3,4,11 e 12, e dificuldade nos passos 5,6, 7, 8,10 e 13. O sujeito 3, que apresenta
um dos melhores desempenhos, mostra dificuldade no passo 9.
Na Figura 7, os sujeitos 1,2,6,7 e 8 mostram não linearidade de desempenho no
programa Sistema de Numeração II. Observe-se o desempenho do sujeito 2: apresenta
facilidade nos passos 2, 3,4, 5,6 e 7, e dificuldade máxima nos passos 8 e 9. Oscilação
de desempenho pode ser observada também nos sujeitos 6, 7 e 8. Um dos melhores
desempenhos ó o do sujeito 3: apresenta facilidade nos passos 1, 4, 5, 6, 7, 10 e 13, e
dificuldade nos passos 2, 8, 9 e14.

Programa Sistema de Numeração I

] t * i) 14 >n
PW*

Ftgua 6 • Mumewo o© atondm enfot reoMondot caooçcí do Gíupo li paro


completar codu posso do Prootamo S*»emo do Numwoçòo I
Número de

Pa»os

| O*upo N '

j *6—••• *<i ;

Figura 7 - Número de atendimentos requeridos petas crianças do Grupo II pare


completar cada passo do Programa Sistema de Numeração II
Essos conjuntos de dados demonstram a não linearidade de desempenhos em
programas lineares de ensino de matemática elementar (nível pré-escolar), sugerindo que
facilidade e dificuldade de aprendizagem não são constantes. Além disso, evidenciam a
pertinência da análise de micro-unidades de programas de contingências para o ensino. A
avaliação global de um programa dessa natureza, mostrada na Figura 1, não especifica a
sutileza de seus efeitos quando comparada com a avaliação de suas subunidades. Os
programas Sistema de Numeração I e Sistema de Numeração II permitem uma análise de
seus efeitos em função do número de atendimentos requeridos na sucessão de atividades
em cada um de seus passos. No entanto, uma avaliação desse tipo tornaria este trabalho
muito extenso, tendo em vista a complexidade desses programas. Uma análise, ainda
mais refinada, orientar-se-ia para verificar os efeitos dos programas, resposta-a-resposta
do aluno. Isto, no entanto, exigiria recursos de automação. Os programas Sistema de
Numeração I e Sistema de Numeração II não oferecem condições para tal, porque seus
procedimentos não foram mecanizados.
Após mostrar algumas relações estabelecidas entre os programas de contingências
programadas para o ensino de matemática elementar e os desempenhos dos alunos,
passam-se a buscar explicações possíveis para a não linearidade observada no processo
de aquisição dos repertórios comportamentais correspondentes, descrevendo-se alguns
elementos que participaram daquelas relações.
O ponto de partida, na busca de compreensão das relações não lineares
identificadas, impõe o reconhecimento de que dois conjuntos integrados e complexos de
variáveis foram colocados em interação. De um lado, os programas de contingências
propostos; de outro, as crianças que foram submetidas aos mesmos. Não existem razões
para se esperar linearidade derivada dessa interação, uma vez que os dois conjuntos de
variáveis não estão sujeitos a controles absolutos. A suposição e, mesmo, o receio de
que pessoas possam tornar-se semelhantes, ao se submeterem a programas de
contingências de reforçamento comuns, não ultrapassam os limites de crenças infundadas
e fúteis. O mesmo se pode dizer sobre a possibilidade do exorcício de controles absolutos.
O imprevisível encontra sempre um espaço nessas interações, tendo em vista os limites
dos conhecimentos, metodologias, tecnologias disponibilizados, e a especificidade dos
organismos envolvidos.
Os programas de contingências embutiram seqüências de passos, atividades,
materiais, instruções e mecanismos de transmissão. Os organismos que a eles se
submeteram inseriam condições biológicas, histórias de interações ambientais e
disposições diversificadas.
A interação desses dois conjuntos de variáveis nunca será a mesma para dois
casos estudados. Não se pode afirmar que esses organismos estivessem interagindo
com um mesmo programa, ainda mesmo no caso em que este fosse totalmente
mecanizado. Pode-se, no máximo, admitir que estavam interagindo com uma condição
ambiental constituída por componentes bastante similares.
Assim, pode-se prever e esperar controles exercidos pelos programas sobre os
desempenhos dos organismos que a eles se submetam. Porém, essa interação refletirá
sempre as diferenças individuais impostas pelos organismos. O reconhecimento e a
importância atribuídos por Skinner (1968) á questão das diferenças individuais nos
procedimentos educativos não são fortuitos. Derivaram do número inestimável de observações

4 18 Adáli.i M.iri«i Santos leixeir.i


do interações organismo/ambiente, ou seja, organismos/programas de contingências ana­
lisadas em seus estudos de laboratório com organismos infra-humanos.
Os resultados dos programas Sistema de Numeração I e Sistema de Numeração
II evidenciam o padrão de controle exercido por ele sobre o desempenho das crianças que
a eles se submeteram. Nota-se que alguns passos foram mais dificeis ou mais fáceis para
quase todas as crianças. Isso pode sinalizar falhas na própria programação, sugerindo
prováveis problemas na sua distribuição, seqüência e dimensionamento. O mesmo se
pode dizer sobre as atividades que compuseram os passos desses programas. Embora
não se tenha feito uma análise do desempenho das crianças, na seqüência de atividades,
pode-se supor que, pelo menos, alguns seriam não lineares como o foram nos programas
avaliados como um todo, como seqüência de unidades e como seqüência de passos.
Evidências de não linearidade em seqüências de atividades foram encontradas no programa
de contingências de reforçamonto planejado para ensinar escrita e leitura (Teixeira, 1991).
É provável que a seqüência das atividades apresente problemas de distribuição, ordenação
e dimensionamento. O material selecionado e utilizado para o estabelecimento de relações
funcionais de interesse podem ter oscilado em sua adequação, quantidade e efetividade.
As instruções que integravam atividades e material, imprimindo-lhes a condição de estímulos
complexos, com os quais a criança deveria interagir para a ocorrência das relações funcionais
visadas, podem ter variado, também, em sua clareza e efetividade para os alunos e para
os instrutores encarregados de transmiti-las. O mecanismo de transmissão dos programas
às crianças era humano: a relação da criança com os programas era intermediada por um
instrutor, estagiário de Psicologia. Nesse ponto, tudo pode ter acontecido: variação na
disposição do instrutor (humor, fadiga, interesse), maior ou menor cuidado no seguimento
de instruções, viezes derivados de relações diferenciadas com as crianças, pressões
derivadas das condições de trabalho (dificuldades das crianças, exigências da instituição,
volume de material o instruções a serem manipulados, registros a serem realizados, número
de crianças a serem atendidas diariamente), entendimento dos objetivos reais do que se
estava pretendendo com os programas, agilidade no manuseio de diferentes programas
(atividades, material, instruções) para aplicação em diferentes crianças. Tudo isso poderia
favorecer ou dificultar a interação da criança com os programas, produzindo não linearidade
em seus desempenhos.
As crianças que se submeteram aos programas Sistema de Numeração I e Sistema
de Numeração II constituíam organismos biológicos com origens genéticas distintas,
possuíam histórias de interações ambientais diversificadas e variavam em suas disposições,
no dia-a-dia de sua rotina escolar (humor, fadiga, maior ou menor interesse em relação a
atividades e material, viezes derivados de relações com o instrutor). Algumas crianças
eram visivelmente mais ágeis e hábeis do que outras. Acatavam instruções com maior
rapidez e manipulavam, prontamente, as tarefas propostas nos programas. Algumas
crianças já possuíam alguns dos repertórios comportamentais previstos e de interesse
dos programas. Algumas crianças apresentavam, ocasionalmente, dificuldades no
relacionamento com seus instrutores. Algumas crianças, ocasionalmente, recusavam-se
a participar das atividades programadas para o ensino. Tudo isso era observado de uma
maneira não sistemática. Ocorrências dessas naturezas eram notadas em momentos
diversificados na execução dos programas. Além disso, as condições de ensino que
combinavam atividades e material, através de instruções, eram muito complexas. Tornava-
se muito difícil identificar o que, especificamente, controlava o comportamento da criança:
quo parte da instrução? Que característica do material? Que interação do instrutor? Tudo
isso, ó claro, formava um conjunto de variáveis controladoras, mas dependendo de uma
especificidade em alguns desses itens, dificuldades ou facilidades no ensino podiam ser
geradas, provocando as não linearidades no desempenho das crianças.
A complexidade da situação de ensino, que acaba de ser descrita, não pode
sugerir ou apontar uma expectativa de desempenhos idênticos de crianças. A variabilidade
ó uma característica dos desempenhos registrados nesse tipo de ensino. Convém, no
entanto, estar atento a uma variabilidade decorrente de interações diversificadas de
crianças e programas, e a uma variabilidade decorrente de falhas de programação que
sinaliza oportunidade de aprimoramento e/ou correção de contingências programadas.
A mesma complexidade da situação de ensino não pode sugerir ou apontar uma
expectativa de desempenhos lineares decorrentes de programações lineares de ensino.
Programações ramificadas de ensino (Crowder, 1959) não sugerem essa linearidade de
desempenhos porque, por natureza, tratam de ensinos desenvolvidos por diferentes
percursos contingenciais. No entanto, convém atentar para as dificuldades impostas à
avaliação dos programas correspondentes. A quê atribuir a efetividade ou fracasso do
ensino, diante de percursos variados? Como manter um controle preciso acerca desses
percursos? Como esses programas ramificados contribuem para o desenvolvimento do
conhecimento sobre o processo ensino/aprendizagem? Além disso, convém lembrar
sua acentuada ênfase em respostas de identificação, cujas limitações são óbvias, quando
comparadas com as respostas de elaboração, próprias dos programas lineares.
Finalmente, a constatação de desempenhos não lineares, derivados de
programas de ensino lineares, oferece uma contribuição educativa relevante. Os alunos
não apresentam facilidades ou dificuldades constantes, em suas interações com situações
de ensino. As qualificações dos alunos em brilhantes, medíocres ou defasados não se
justificam, conforme os dados apresentados neste trabalho. Esses padrões de
desempenho são circunstanciais ou contingenciais. Um aluno pode sair-se muito bem
em uma parte de sua aprendizagem, não obtendo o mesmo êxito em outra. Do mesmo
modo, a dificuldade exibida em uma parte da aprendizagem pode ser completamente
superada em outra. Essas qualificações são estereotipias perceptivas dos instrutores
que afetam claramente o desempenho dos alunos. Constituem crenças sem fundamento
que precisam ser abolidas do processo educativo. Tudo isso sugere que a questão-
chave diz respeito ao ajustamento de programações contingenciais. Qualquer aluno
exposto a contingência de reforçamento, apropriadas para o nível de seu repertório
comportamental, cumprirá com êxito as exigências contidas nas programações
correspondentes. No entanto, algum nível de não linearidade deverá ser esperado em
seu padrão de desempenho.

Referências
Crowder, N. (1959). Automatic teaching. the State of the art. New York: John Wiley (Trad. Enseflanza
automática por medio de programas ramificados. Editor E. H. Galenter). Citado em: Green, E. J.
(1965) El proceso dol aprondizajo y la instrucción programada. Argentina: Ed. Troquei.
Groon, E. J. (1965). El proceso dot aprondizaje y la instrucción programada (Trads. E. Sierra &
E. Franco). Argentina: Ediciones Troquei. (Trabalho original publicado em 1962: The learning
process and programmed instruction. New York: Holt, Rinehart and Winston.)
Skinner, B. F. (1958). Teaching machines. Science, 128, 969-977.
Skinner, B. F. (1960). Tho science of learning and the art of teaching. In A. A. Lumsdaine & R.
Glaser (Eds ), Teaching machines and programmed learning - a source book. Washington,
D.C.: National Education Association. (Trabalho original publicado em 1954: Harvard Educational
Review, 24(2), 86-97.)
Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching (Trad. R. Azzi. Tecnologia de ensino. São Paulo:
Herder, 1972.). Now York: Appleton - Century-Crofts.
Teixeira, A. M. S. (1983a). A individualização do ensino em uma pré-escola - relato de uma
experiência. Tese de doutorado. Universidade do Sâo Paulo.
Teixeira, A. M. S. (1983b). A individualização do ensino em uma pró-escola. Psicologia, 9(3), 53-57.
Teixeira, A. M. S. (1991). Aquisição da oscrita o da leitura - uma análise comportamental. Tese
de Concurso de Prof. Titular. Universidade Federal de Minas Gorais.
Capítulo 37
Crianças desatentas, hiperativas e
impulsivas: Como lidar com
essas crianças na escola?
Luciana Ri/o
um
Ncnnmi Riuigó
UhR!

Nos últimos anos, profissionais e pesquisadores desse Transtorno têm feito um


esforço de publicação de materiais informativos e sobre manejo do Transtorno de Déficit
de Atenção/Hiperatividade (TDAH) começando, assim, a suprir carência desse tipo de
material em nosso país. Esse trabalho foi construído numa tentativa de compor esse
esforço e instrumentar os professores, tão fundamentais no desenvolvimento das crianças,
sobre como lidar com essas crianças dentro da sala de aula com estratégias que irão
contribuir para o melhor funcionamento de toda a turma.
A primeira parte do trabalho é constituída de material informativo sobre TDAH,
pois se faz fundamental o conhecimento do transtorno para o melhor entendimento do
papel de cada estratégia apresentada na segunda parte.

Características do Transtorno
O TDAH caracteriza-se, principalmente, pela disfunção em três áreas de
funcionamento: sustentação da atenção, agitação excessiva e auto-regulação de Impulsos
(Barkloy, 1981, 1990, 1997b, 2002a). Esses déficits comportamentais aparecem
relativamente cedo na infância, antes dos sete anos de idade, e permanecem durante o
seu crescimento, comprometendo o funcionamento dessas crianças no seu dia-a-dia e
podendo causar sérios prejuízos no desenvolvimento psicossocial e académico delas
(Madan-Swain e Zentall, 1990; Faraone, Biederman e cols.,1993).
Segundo o DSM-IV-TR (2002) para fazer o diagnóstico de TDAH é necessário que
sejam reconhecidos, pelo menos, seis sintomas dentre os nove apresentados para a
desatenção para o subtipo Desatento; no diagnóstico do subtipo Hiperativo/lmpulsivo devem
ser observados, no mínimo, seis sintomas dos nove descritos para esse subtipo. É descrito,
ainda, o terceiro subtipo desse transtorno: o Subtipo Combinado que deve conjugar seis ou
mais sintomas de desatenção e seis ou mais sintomas de hiperatividade/impulsividade.
A desatenção pode ser identificada pelos seguintes sintomas: dificuldade de prestar
atenção a detalhes ou errar por descuido em atividades escolares e de trabalho; dificuldade
para manter a atenção em tarefas e atividades lúdicas; parecer não escutar quando lhe dirigem
a palavra; não seguir instruções e não terminar tarefas escolares, domésticas ou deveres
profissionais; dificuldade em organizar tarefas e atividades; evitar ou relutarem envolver-se em
tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa);
perder coisas necessárias para realização de atividades (p.e.:brinquedos, tarefas escolares,
lápis, livros ou outros materiais); ser distraído por estímulos alheios à tarefa e apresentar
esquecimentos em atividades diárias.
Os sintomas de hiperatividade caracterizam-se por: agitar mãos e pós ou se
remexer na cadeira; abandonar sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais
se espera que permaneça sentado; correr ou escalar em demasia, em situações nas
quais isto ó inapropriado; dificuldade em brincar ou envolver-se silenciosamente em
atividades de lazer; estar freqüentemente “à mil” ou muitas vezes agir como se estivesse
“a todo vapor”; falar em demasia. A impulsividade pode ser reconhecida pelos seguintes
sintomas: freqüentemente responde de forma precipitada antes das perguntas terem sido
concluídas; com freqüência tem dificuldade em esperar a vez e, freqüentemente interrompe
ou se intromete em assuntos de outros.
Para que seja confirmado o diagnóstico, alguns sintomas devem estar presentes
antes dos seto anos. É necessário, ainda, que sejam observadas evidências de prejuízos
clinicamente significativos no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional, ou seja,
os sintomas precisam causar prejuízos significativos no funcionamento em, pelo menos,
duas áreas importantes da vida desses indivíduos dentre a casa, a escola ou o trabalho.
Os sintomas descritos devem persistir por, no mínimo, seis meses em grau desadaptativo
e serem inconsistentes com o nível de desenvolvimento esperado para a idade (DSM-IV-
TR, 2002). Portanto, o diagnóstico do TDAH não se baseia na simples presença dos
sintomas, mas em sua gravidade e duração, e em que extensão interferem na vida cotidiana
(Hallowell e Ratey, 1999).
Desde o final da década de 70 discute-se a persistência do TDAH na idade adulta
(Hallowell e Ratey, 1999). Em estudo recente, Barkley e Fischer e cols. (2002) demonstraram
que se observa uma incidência entre 46 e 66% de TDAH residual na idade adulta, desde
que, para o diagnóstico, soja utilizada uma entrevista com uma pessoa de convívio próximo
além, é claro, da entrevista com o próprio portador.
A causa do TDAH não pode ser atribuída a um único fator. Porém existem claras
evidências que apontam para influência genética. Discute-se, ainda, a importância de
fatores ambientais como gatilhos para a expressão do transtorno, em indivíduos com
alguma predisposição genética.
Pesquisas realizadas com gêmeos mostram um risco maior para a expressão do
transtorno em monozigóticos (MZ) do que dizigóticos (DZ). Shorman, MacGue e lacono
(1997), encontraram concordância para TDAH de 53% a 67% em MZ e de 0% a 32% em
DZ. Estudos realizados com parentes não biológicos de crianças TDAH adotadas mostraram
que estes parentes têm menos chances de receber o diagnóstico de TDAH do que parentes
biológicos de portadores do transtorno (Epstein, Conners, Erhardt e cols., 2000; Faraone,
Biederman e cols. 1993) Em trabalho realizado analisando a prevalência de TDAH em
gêmeos irmãos de portadores apontou a probabilidade de 50% destes receberem o mesmo
diagnóstico que os irmãos (Goodman e Stevenson, 1989; Faraone, Biederman e cols.
1993).
Várias teorias foram construídas sobre as causas ambientais que poderiam ser
apontadas como causa do TDAH: consumo de aditivos alimentares (corantes e
conservantes); excesso de açúcar na alimentação; exposição demasiada à luz
fluorescente e problemas com hormônios da tireóide; contudo, como nenhuma dessas
hipóteses demonstrou-se sólida e suficiente para representar uma das causas do TDAH
todas elas foram abandonadas.
No final da década de 70, Willis e Lovaas postularam que o TDAH seria resultado
de convivência com pais que apresentavam pouco controle sobre o comportamento dos
seus filhos e métodos de criaçáo que resultariam em pouca obediência. Porém, na década
de 80, Barkley e colaboradores desenvolveram uma pesquisa na qual famílias de portadores
de TDAH eram observadas antes e depois do tratamento. Observaram que, nessas famílias,
as mães apresentavam mais comandos e suporvisão sobre seus filhos. Após o tratamento
com estimulantes do Sistema Nervoso Central (SNC), percebeu-se que as mães
apresentavam diminuição significativa do seu comportamento de comandos e supervisão
exacerbada sobre seus filhos. Barkley pode concluir, então, que o comportamento das
mães é resultado e não causa do TDAH de seu filho (Barkley, 1988).
Ainda hoje, discute-se fatores ambientais como uso de tabaco e álcool durante
a gestação; de sofrimento fetal durante o parto (devido à não realização adequada de
exames pré-natais e/ou atraso na realização do parto). Porém esses fatores apontados
como causais podem constituir conseqüências de um comportamento impulsivo e
desatento da mãe também portadora de TDAH (Mattos, 2001).
Até o momento, estudos sugerem que os sintomas do Transtorno do Déficit de
Atenção/Hiperatividade seriam resultantes de disfunção cerebral, principalmente na região
anterior do lobo frontal. Essas alterações seriam responsáveis por déficits cognitivos
das funções executivas, ou seja, na capacidade de planejar e antecipar conseqüências,
de controlar impulsos, de iniciar um plano de ação, de modificar as estratégias a partir
dos resultados obtidos, de verificar a validade da ação e, ainda, da falta de motivação
para iniciar e manter-se atento à realização de tarefas.
A dificuldade de inibição da resposta impulsiva é, hoje, apontada como o principal
comprometimento cognitivo do TDAH (Barkley, 1997a; Nigg, 2001; Clark, Priore e Kinsella,
2000; Barkley, 1997b). A expressão desse comprometimento no dia-a-dia pode ser
observada nas respostas emitidas por essas crianças antes do término da pergunta, no
comportamento de furar a fila para entrar primeiro na sala de aula e na dificuldade de se
manter sentado enquanto faz as tarefas escolares, por exemplo.
Além da dificuldade de controle do impulso, a sustentação da atenção é um dos
déficits cognitivos mais evidentes do TDAH. Essa dificuldade de manter a atenção focada
comprometeria também a memória. A recepção das informações fica desorganizada devido
à dificuldade de concentração impossibilitando assim o armazenamento adequado. Muitos
pais e professores apontam que, embora a criança estivesse parada na sua frente no momento
em que a regra foi explicada, ela nunca segue essas regras da forma como foram explicadas.
Ou, ela se apresenta tão agitada que não consegue focar a atenção para armazenar a
informação.

424 l ua.in<i Ri/o c BcrrumJ Riingt


Os portadores de TDAH são facilmente distraídos por estímulos externos devido à
incessante procura por reforçadores imediatos (Barkley, 1981). Portanto, manter-se em
uma atividade constante de estudo para receber uma boa nota no final do bimestre não
parece razoável para essas crianças, pois a recompensa está muito distante no tempo.
Alguns experimentos foram realizados a fim de verificar essa característica que faz com
que crianças com TDAH troquem recompensas maiores por menores desde que essas
sejam oferecidas imediatamente (reforço imediato).
A maioria dos pacientes que procuram a ajuda de profissionais, sofre com as
dificuldades secundárias resultantes da interação dos comprometimentos cognitivos e
comportamentais, os ambientais, sociais e acadêmicos.

Interação social
A convivência com crianças portadoras de TDAH é muito dificultada pela
impulsividade, agitação e desatenção características do transtorno que possuem. Apre­
sentam baixa tolerância á frustração, são extremamente competitivas, freqüentemente
modificam e criam regras com o fim de se beneficiarem nos jogos, têm grande dificuldade
de compartilhar brinquedos e não parecem dar muita atenção ao que as outras crianças
querem fazer (Phelan, 1996).
O seu comportamento disruptivo acaba por diminuir o número de ambientes a
serem freqüentados por estas crianças, seja por que as outras crianças deixam de
convidá-las para festas e brincadeiras, seja por seus pais evitarem sair com essas
crianças, pois aprenderam que onde quer que as levem sempre sairão do local tendo
experimentado um desconforto propiciado pelo comportamento inadequado de seu
filho.
Alguns estudos empíricos têm observado interações dessas crianças em sala de
aula, pequenos grupos experimentais, em pequenos grupos no playgrounde com adultos.
De uma maneira geral, esses estudos apontam que a criança com TDAH é mais disruptiva,
desligada da tarefa e dominadora dos seus pares (Madan-Swain e Zentall, 1990). Essas
crianças são, freqüentemente, classificadas na zona de rejeição e, raramente, apontadas
com interação positiva pelos seus pares (Braswell, 1991).
A interação familiar é tambóm afetada pela inabilidade social e comportamentos
inadequados decorrentes dos sintomas primários do TDAH. Assim como os conflitos com
colegas, conflitos entre irmãos são muito freqüentes. Além de déficit nas habilidades
sociais com os pares, os portadores de TDAH exibem comportamentos que aborrecem os
adultos como a desatenção no cumprimento de regras, a hiperatividade e a impulsividade.
Esta contribui para a emissão de respostas malcriadas quando eles não recebem imedi­
atamente o que querem e isso é uma expressão da dificuldade de esperar por reforços em
longo prazo que faz com que estes problemas apareçam também com os pais e outros
adultos com os quais convivem. Da mesma forma, estudos têm documentado que, com­
parando com controles, portadores de TDAH são mais propensos a receber ações disci­
plinares tais como suspensões e expulsões (ver, por exemplo, Barkley e cols., 1990;
Smith e cols., 1998).
A escola
A escola é apontada pelas crianças com TDAH com um lugar “chato". Devido à
delas de uma dificuldade de seguirem regras, de manterem-se atentas, de controlarem
seus impulsos e de sua hiperatividade, de passarem horas seguidas em um mesmo local,
realizando tarefas, na maioria das vezes, sem atrativos reforçadores. Tudo isso faz com
que a escola se torne um lugar extremamente aversivo para essas crianças. Não é raro,
em uma sessão inicial com um portador de TDAH ouvir que o recreio é o que ele mais
gosta de fazer no colégio.
Em alguns casos, é a escola que aponta para a necessidade de avaliação da
criança, pois os professores percebem que existe algo de errado com ela. A criança
portadora de TDAH apresenta características muito diferentes do seus colegas e, na maioria
das vezes, perturba o funcionamento da classe (principalmente os portadores do subtipo
hiperativo). As crianças desatentas são identificadas pelo professor, pois parecem estar
em qualquer outro lugar, menos na sala de aula e, por mais que o professor chame a
atenção delas, eles nunca conseguem que essa seja mantida por muito tempo (por mais
que a criança pareça se esforçar para isso).

Principais dificuldades da criança com TDAH na escola


• Dificuldade na filtragem de distratores extornos e internos (atenção seletiva)
A criança apresenta grande facilidade para se distrair, seja com o que vê pela
janela, alguém que passa pelo corredor, com o lápis do colega que cai no chão etc. Outra
grande dificuldade dessa criança ó controlar seu comportamento de ‘sonhar acordado’
(distrai-se com seus próprios pensamentos).
• Dificuldade em sustentar a atenção por tempo prolongado (atenção sustentada)
É muito difícil para a criança portadora de TDAH prestar atenção em explicações
longas e/ou fixar atenção na leitura de parágrafos extensos. Sua atenção se desvia para
outro foco em um curto espaço de tempo.
• Desorganização
Freqüentemente, esquecem material a ser usado em sala de aula. Apresentam
dificuldades para se organizar com datas. Precisam de auxílio extra para organizar as
anotações nos cadernos.
• Esquecem de algo que haviam estudado previamente
Isso ocorre porque a atenção era superficial enquanto estudavam e, assim, o
material não é memorizado corretamente.
• Impulsividade
Não esperam o professor terminar a pergunta para respondê-la. Com freqüência,
acabam fornecendo respostas inadequadas ou incorretas. Passam ao tópico seguinte
sem terminar o anterior construindo anotações confusas ou inacabadas.
Para que o professor possa lidar com essas dificuldades em sala de aula, foram
desenvolvidas estratégias a serem praticadas com toda a turma beneficiando, assim,
tantos aos alunos portadores de TDAH quanto aos não portadores.

4 2 6 l-uiuuiti Rt/o c Hcrn.inJ


As estratégias a serem utilizadas pelos professores em sala de aula serâo apre­
sentadas em tópicos, pois o espaço de um capítulo não seria suficiente para explicar e
realizar uma fundamentação teórica de cada estratégia.

Estratégias que tornam o ambiente escolar facilitador do desenvolvimen­


to da criança com TDAH
• Organizar as cadeiras em linhas. Evitar mesas com grupos de estudantes (objetivo:
minimizar distratores interpessoais)
• Arrumar as cadeiras de forma que permita a movimentação do professor por toda a
sala tendo acesso a todos os alunos.
• Manter os alunos com potencial distraibilidade sentados próximo ao professor (sem
parecer punitivo)
• Localizar a cadeira do estudante longe da janela e corredor, minimizando distratores
visuais e auditivos.
• Colocar sentadas ao lado da criança TDAH crianças que são modelos de atenção
(evitando comparações entre elas).

Estratégias que visam minimizar as dificuldades de aprendizagem


• Estabelecer uma rotina de aula e agenda.
• Estabelecer com a criança o que é esperado dela e prêmios para o seu cumprimento
(sistema de pontos).
• Procurar manter a criança em um meio organizado, com normas de conduta claramente
especificadas e limites dofinidos.
• Mostrar que valoriza a organização, oferecendo alguns minutos para que os alunos
organizem suas carteiras e separem o material a ser usado antes de começar as
atividades.
• Reforçar a organização das tarefas premiando a fileira de carteiras mais organizadas
do dia.
• Estabelecer um trabalho em equipe com a criança - >ambiente colaborativo com re­
gras claras e democraticamente discutidas com todos os alunos.

Sugestões de estratégias no desenvolvimento de tarefas ou testes:


• Aproximar-se da criança quando estiver dando explicações ou apresentando a lição.
• Fazer uma revisão das instruções quando estiver apresentando assuntos novos e veri­
ficar se os estudantes compreenderam as instruções (pedir que um deles repita o que
é para ser feito).
• Evitar folhas de exercícios escritas à mão, prefira impressões com letras em preto.
• Podir que os estudantes sublinhem as palavras chaves dos exercícios enquanto lô os
enunciados.
• Pedir que façam um círculo em volta de sinais matemáticos com cores fortes que
chamem atenção.
• Desenhar bordas nos tópicos que deseja enfatizar no exercício.
• Usar folhas de papel colorido em exercícios ou testes, principalmente se a tarefa for
apontada como "chata” pelos alunos.
• Evitar testes longos.
• Caso seja necessário um teste ou exercício com mais de uma página, oferecer uma
folha e só entregar a próxima quando o aluno terminar a primeira.
• Desenvolver sistema de recompensas para trabalhos feitos em sala e trabalhos de
casa. Enfatizar o ganho pela qualidade e não pela rapidez na execução das tarefas
(rapidez reforça a impulsividade).
• Um exemplo de sistema de reforço para a qualidade do trabalho executado evolve
transformar acertos em fichas a serem gastas num leilão de prendas no final do
semestre.
• Como reforçamento imediato podem ser usados adesivos (estrelas, personagens
favoritos, times de futebol) colados a cada lição completada com boa qualidade.
• Reforçar positivamente os passos dados em direção às metas estabelecidas. Não
esperar para reforçar somente o comportamento meta. Reforçando os passos
intermadiários estará mostrando o caminho para aquisição do comportamento adequado.
• Oferecer elogios específicos do tipo: "Eu gosto de ver vocô fazendo suas tarefas com
tanta qualidade!". Evite elogios generalizados como: "bom garoto!"
• Lembrar aos alunos de conferir o trabalho executado a fim de minimizar a possibilidade
de trabalhos incompletos ou com erros por desatenção/impulsividade.

Estratégias para lidar com a hiperatividade


• Conscientizar o aluno do tipo de prejuízo que esse comportamento traz para ele e para
o grupo.
• Recomendar a participação mais ativa da criança em sala de aula como um Ajudante
do Professor, por exemplo. Pedir que a criança se levante para realizar incumbências,
oferecendo assim uma oportunidade de se movimentar sem atrapalhar o andamento
da aula.
• Oferecer pequenos intervalos entre as tarefas.

Socialização
• Reforçar positivamente os comportamentos adequados promovendo segurança e
encorajamento.
• Estabelecer com a turma metas de comportamento social e implementar um sistema
de recompensas (sistemas de pontos).
• Encorajar a cooperação entre os alunos durante as tarefas de aprendizagem.
• Elogiar os alunos freqüentem ente.

• Criar oportunidades de sucesso para o portador de TDAH em sala de aula. Reforçar


suas melhores habilidades. Por exemplo: se o aluno apresentar habilidades de leitura,
pedir para ele ler para a turma.
• Dar oportunidade ao aluno de demonstrar suas habilidades.
• Evitar pedir que ele se exponha em tarefas que tem dificuldade.

A fim de melhorar a socialização dos alunos em sala de aula, fizemos uma


adaptação do Jogo do Bom Comportamento (‘Good Behavior Game”) desenvolvido por
Sheppard Kellam (Kellam e Rebok, 1992) para crianças que aprensentavam
comportamentos agressivos em sala de aula. Em nossa adaptação, procuramos ressaltar
o papel da cooperação entre os dois grupos a fim de minimizar a competição no jogo.
Tambóm mostrou-se fundamental que nas primeiras listas de comportamentos alvo
estivessem presentes aqueles comportamentos adequados mais facilmente emitidos
pelo portador de TDAH.

Jogo do bom comportamento


• Dividir a turma em dois grupos;
• O jogo tem uma duração pré determinada;
- Se o jogo começar muito longo, aumenta a probabilidade de um ato disruptivo.
(Ex: na primeira semana dura 5 minutos por dia; na segunda semana dura 10 minutos por dia)
• Aquele grupo que tiver o melhor comportamento receberá um adesivo de estrela na
agenda;
- Os alunos e professor devem construir uma lista de bons comportamentos a
serem seguidos durante o jogo;
- A turma deve construir uma lista de prêmios e o valor destes em pontos;
- Colocar nas primeiras listas de comportamentos adequados aqueles nos quais
o portador de TDAH é bastante hábil.
• Não aceitar que um grupo ganhe pontos denunciam;
• do o outro grupo; Evitando assim a competição e confusões criadas por acusações;
• Se os dois grupos tiverem um bom comportamento, terão direito a um ponto de bônus;
Assim estamos reforçando a cooperação entre os grupos.
Como foi apontado anteriormente, essas estratégias devem ser aplicadas a toda
a classe, pois beneficiará a todos os alunos e não só aos portadores de TDAH. E, dessa
forma, não acontecerá a estigmatização do portador.
Com este trabalho, procuramos contribuir para o aumento do informação sobre
um transtorno de alta incidência em todo o mundo e contribuir para que a população
brasilerira tenha instrumentos para lidar com esse transtorno minimizando as perdas nas
interações sociais e no desempenho acadêmico que, como discutimos, comprometem de
forma significativa o desenvolvimento dessas crianças.

Referências
American Psychiatric Association (APA). (1994). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor­
nos Psiquiátricos (4th ed.). Washington, DC.
American Psychiatric Association (APA). (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor­
nos Psiquiátricos (4th ed. rev). Washington, DC.
Barkley, R. A. (1981). Hyperactive children: A handbook for diagnosis and treatment. New York:
Guilford.

Barkley, R. A. (1988). The effects of methylphonidate on the interactions of preschool ADHD


children with their mothers. Journal of the American Academy of child and Adoloscent Psychiatry,
27, 336-341
Barkley, R A., DuPaul, G. J., & McMurray, M. B. (1990). A comprehensive evaluation of attention deficit
disorder with and without hyperactivity. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 58, 775-789.

Barkloy, R. A. (1997a). Behavioral Inhibition, Sustained Attention, and Executive Functions


Constructing a Unifying Theory of ADHD. Psychological Bulletin, 121( 1), 65-94.

Barkley, R. A. (1997b). ADHD and the nature of self-control. Gulford Press: New York.

Barkley, R. (1998) Attention deficit hyperactivity disorder: a handbook of diagnosis and treatment
(2nd ed.) Guilford: New York.

Barkley, R. A., Fischor M., et al. (2002a). The Persistence of Attention-Doficit/Hyperactivity Disorder
Into Young Adulthood as a Function of Reporting Source and Definition of Disorder. Journal of
Abnormal Psychology, 111(2), 279-289.
Barkloy, R. A. (2002b). Transtorno de Dófícit de Atenção/Hiperatividade: Guia completo para
pais, professores e profissionais de saúde. Porto Alegre: Artmed.
Braswell, L., & Bloomquist, M. (1991). Cognitive-Behavioral Therapy with ADHD Children: Child,
Family and school interventions. London:The Guilford Press.
Clark, C., Prior, M., & Kinsella G. J. (2000). Do Executive Function Deficits Differentiate Between
Adolescents with ADHD and Oppositional Defiant/Conduct Disorder? A Neuropsychological
Study Using the Six Elements Test and Hayling Sentence Completion Test. Journal of Abnormal
Child Psychology, 28(b), 403-414.
Doyle, A. E., Biederm an, J., Faraone S. V., & cols. (2000). D iagnostic E fficiency of
Neuropsychological Test Scores for Discriminating Boys With and Without Attontion Deficit—
Hyperactivity Disorder. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 68(3), 477-488.

Epstein, J. N., Connors, C. K., Erhardt, D., & cols. (2000). Familial Aggregation of ADHD
Characteristics. Journal of Abnormal Child Psychology, 28(6), 585-594.
Faraone, S. V., & Biederman, J., & cols. (1993). Intolloctual Performance and School Failure in
Children With Attention Deficit Hyperactivity Disorder and in Their Siblings. Journal of Abnormal
Psychology, 102(A), 616-623.
Faraone, S. V., Biederman, J., Monutoaux, M. C., & Seidman, L. J. (2001 ). A psychomotric measure
of loarning disability predicts educational failure four years later in boys with attention deficit
hyperactivity disorder. Journal of Attention Disorders, 4, 220-230.

Guardiola, A., Fuchs, F., & Rotta, N. (2000). Prevalence of attention-deficit hyperactivity disorders
in students. Arquivos do Nouro-Psiquiatria, 58, 401-407.

Hallowell, E. M., & Ratey, J. J. (1999). Tendência à Distração: Identificação e Gerência do Distúr­
bio do Déficit do Atenção da Infância à Vida Adulta. Rio de Janeiro: Editora Rocco.
Janes, C., Hesselbrock, V., Myers, D., & Penniman, J. (1979). Problem boys in young adulthood:
Toachers’ ratings and twelve-year followup. Journal of Youth and Adoloscence, 8, 453-472.

Kellam, S. G., & Rebok, G. W (1992). Building developmental and etiological theory through
opidemiologically based preventive intervention trials. In J McCord & R. E. Tremblay (Eds.),
Preventing antisocial behavior: Interventions from birth through adolescence (pp. 162-194).
New York: Guilford Press.

Lambert, N M., & Sandoval, J (1980) The prevalence of learning disabilities in a sample of
children considered hyperactivo. Journal of Abnormal Child Psychology, 8, 33-50.

Lovino, M. D., Busch, B., & Aufseeser, C. (1982). The dimension of inattention among children
with school problems. Pediatrics, 70, 387-395.

Madan-Swain, A., & Zentall, S. S. (1990). Behavioral Comparisons of Liked and Disliked
Hyperactive Children in Play Contexts and the Behavioral Accommodations by Their Classmates.
Journal of Consulting and Clinical Psychology, 58(2), 197-209.
Mattos, P. (2001a). No mundo da Lua: Perguntas e respostas sobre transtorno do déficit de
atenção com hiperatividade em crianças, adolescentes o adultos. São Paulo: Lemos Editorial.
Mattos, P., & Duchesne, M. (2001b). Tratamento do transtorno de déficit de atenção com
hiperatividade e im pulsividade. In B. Rangó (Org ). (2001). Psicoterapias Cognitivo-
Comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre; ArtMed Editora.
Nigg, J. T. (2001). Is ADHD a Disinhibitory Disorder? Psychological Bulletin, 127(5), 571-598.

Phelan, T. (1996). All About Attention Deficit Disorder. Illinois: Child Management Inc.

Rangé, B. (Org). (2001). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: Um diálogo com a psiqui­


atria. Porto Alegre: ArtMed Editora.
Rohde L., Bioderman J., Busnello E., et al (1999). ADHD in a school sample of brazilian
adoloscents: a study of prevalence, comorbid conditions and impairments. Journal of tho
American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 38, 716-722.
Seidman, L. J., Biederman, J., Faraone, S. V., Webor, W , & Ouellette, C. (1997). Toward defining
a nouropsychology of ADHD: Performance of children and adoloscents from a largo clinically
referred samplo. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 65, 150-160.

Seidman, L., Biedorman, J., & Monuteaux, M. C. (2001). Learning Disabilities and Executive Dysfunction
in Boys With Attention Deficit/Hyperactivity Disorder. Nouropsychology, 15(4), 544-556.
Sherman, D. K., McGue, M. K., & lacono, W. G. (1997). Twin concordance for attention deficit
disorder: a comparison of teachers' and mothers' reports. American Journal of Psychiaty, 154,
532-535.

Smith, B H., Pelham, W. E., Evans, S., & cols. (1998). Dosage Effects of Methylphenidate on the
Social Behavior of Adolescents Diagnosed With Attention-Deficit Hyperactivity Disorder. Experi­
mental and Clinical Psychopharmacology, 6(2), 187-204.
Strecker, E. A., & Ebaugh, F. G. (1924). Neuropsychiatrie sequelae of cerebral trauma in children.
Archives of Neurology Psychiatry, 12, 443-453.
Weber, L. N. D. (1997). Critérios de seleção para famílias adotivas: em discussão. Interação, 1,
123-127.

Weber, L. N. D. (1999a). Laços de Ternura: pesquisas e histórias sobre adoção. Curitiba: Juruá.

Weber, L. N. D. (1999b). Aspectos psicológicos da adoção. Curitiba: Juruá.

Weber, L. N. D. (2001). Pais e filhos por adoção no Brasil: características, expectativas e senti­
mentos. Curitiba: Juruá.
Weber, L. N. D. (1995). Famílias Adotivas e Mitos Sobro Laços do Sanguo. Revista Contato
CRP08, 15, ?..
Capítulo 38
Ansiedade matemática: conceituação e
estratégias de intervenção1

João dos Santos Carmi/


í Jnivcrsidàdc d<) Anhi/òniü

Uma das temáticas mais recorrentes, desenvolvida ao longo da constituição das


Psicologias, tem sido a ansiedade. Há diversidade de conceitos de ansiedade tanto quanto
há diversidade em sua abordagem. No presente texto, o enfoque será a contribuição que
a Análise do Comportamento oferece ao tema, seja em termos conceituais, seja em
termos experimentais e de aplicação, o que possibilitará uma incursão naquilo que tem
sido chamado de ansiedade matemática (do inglês mathematics anxiety).

O estudo da ansiedade pela Análise do Comportamento: caracterização,


modelo e possibilidades de avanços
Tradicionalmente, e por princípio, a Análise Experimental do Comportamento
(AEC) tem se mantido distante do tema ansiedade e são relativamente poucos os estudos
que tratam do assunto. Friman, Hayes e Wilson (1998) apontam algumas razões para a
baixa produção de estudos sobre ansiedade dentro da Análise do Comportamento:
1) A imprecisão do termo ansiedade, o qual possui base metafórica e idiomática. Sabe-
se que uma característica de nossa cultura é o uso de termos metafóricos que passam,
com o uso, a serem incorporados como explicação para o comportamento dos
indivíduos. São abundantes os exemplos de uso metafórico para descrever estados
internos: "estou nas nuvens"tenho um nó na garganta') “sinto como se estivesse
em meio a um vendavar, “é como se estivesse tateando no escuro", etc. Em relação
ao termo ansiedade, este passou a ser usado para indicar sentimentos e sensações
variadas diante de situações que sinalizavam perigo ou possível dano ao indivíduo
(seja este dano moral ou físico). Porém, se partirmos da origem etimológica da palavra

*1 rahHlho MprnaaritiKJo duranta o XI f-ncnntm do Pwcofcxapi« <t M o d k in « Comportarnantal, Londrina, 26 u ?9/0(l/2002


’p r o la is o r d n curvo d o Palculouta da U nlvarn klad » d a A m a /ô n la ( U N A M A ) , Doutor o m b d u c u ç A n |x>lu U nivnreldude hodtiral d o S i o C ario«
(U F S C a r)
ansiedade (do latim anxietas, anxiotatis), duas situações gorais podem ser identificadas
com o uso desse termo: 1) preocupar-se, isto ó, ocupar-se previamente com algo ou
com certa situaçáo que ainda não ocorreu. Alguém, por exemplo, diz "não consigo
parar de pensar na prova de a m a n h ã 2) desejar, no sentido de querer experienciar
algo, como quando alguém diz “estou ansioso para assistir ao show". Declarações
como essas podem vir acompanhadas de descrições vagas do que ocorre
internamente ao indivíduo, ou seja, as alterações em seu estado fisiológico. Dessa
forma, o termo ansiedade, em nossa cultura - embora a diversidade de descrições e
imprecisão no uso - ganhou um status explicativo para as ações dos indivíduos,
tendo as psicologias de orientação internalista auxiliado significativamente na difusão
(e confusão) do termo;
2) A ansiedade náo era vista, pelos analistas do comportamento, como um fenômeno
empírico por tratar-se de uma categoria ou conceito. De acordo com Friman et al.
(1998) “categorias não são eventos empíricos, isto é, não podem ser observadas
diretamente e, portanto, não são interessantes enquanto objetivos de pesquisa para
os analistas do comportamento”(p. 138). Entretanto, esses autores ressaltam que os
eventos empíricos presentes nas descrições de categorias são passíveis de serem
estudados experimentalmente. Esta afirmação, conforme veremos a seguir, é uma
postura aceita entre os analistas do comportamento e abriu espaço para investigações
em torno da ansiedade;
3) A oposição à visão essencialista de ansiedade, ou seja, oposição ao entendimento
de que a ansiedade possui componentes essenciais - fisiológicos e comportamentais
- que a caracterizam e distinguem de outros fenômenos. Esta ô uma questão derivada
da anterior. Adiante veremos uma proposta de modelo experimental para o estudo da
ansiedade, o qual gerou avanços e, também, levantou novos questionamentos acerca
dos componentes essenciais da ansiedade;
4) A proposição de Skinner (1945) de que há possibilidade de se estudar respostas
emocionais foi lançada juntamente com outra posição sua de que tal estudo era
teórica e empiricamente desnecessário, uma vez que uma explicação, para ser
completa, deve voltar-se para os eventos ambientais manipuláveis. Para Friman et
al. (1998), tal postura, caracterizada pelos mesmos como uma "barreira intelectual",
determinou uma espécie de evitação, por parte da comunidade de Analistas do
Comportamento, ao estudo da ansiedade e de outras ocorrências semelhantes.
Parece, então, que um dos grandes obstáculos ao estudo da ansiedade, enquanto
categoria empírica, foi, durante algum tempo, a proposição de que não existem eventos
essenciais que a caracterizam, tanto no nível fisiológico quanto no nível comportamental,
bem como a falta de um modelo experimental que possibilitasse sua investigação. Apesar
disso, alguns estudos em AEC lançaram luz sobre esse tópico.

O modelo experimental de ansiedade


Em um estudo seminal, Estes e Skinner (1941), utilizando 24 ratos albinos machos
com menos de seis meses de vida, condicionaram a resposta de pressão á barra (RPB).
Após duas semanas de reforçamento periódico, introduziram no ambiente experimental
um som que permanecia ativo por cinco minutos e que era seguido de choque elétrico
aplicado às patas do animal ao final daquele intervalo. O choque era liberado independen­
temente da resposta emitida pelo sujeito. Qualquer resposta do sujeito, durante o tempo
em que o som estava ativo, não tinha qualquer efeito sobre a aplicação do choque. Como
principal resultado verificou-se o condicionamento de um "estado de ansiedade" (expres­
são usada pelos autores do estudo) caracterizado pela redução da freqüência de RPB
durante o período em que o som estava ativado. Como esta redução ocorria apenas duran­
te a exposição ao som, o qual sinalizava a ocorrência do choque, chamou-se a este
fenômeno de supressão condicionada e ao som de estimulo pré-aversivo. O modelo des­
critivo, portanto, foi inspirado no modelo pavloviano do reflexo condicionado: um estímulo
neutro (som) antecipava a apresentação de um estímulo incondicionado (choque) e, com
a continuação dessa associação, o som adquiria propriedades aversivas, tornando-se
estímulo condicinado. Estes e Skinner notaram também que, após o período de supres­
são condicionada, seguia-se um aumento compensatório na freqüência de RPB.
Numa fase posterior, colocou-se em extinção a RPB. Durante a curva típica da
extinção, apresentou-se novamente a associação som-choque e observou-se o mesmo
padrão, ou seja, supressão da RPB seguida de responder compensatório. Por fim, proce­
deu-se à extinção do “estado de ansiedade" apresentando-se o som por um período pro­
longado, porém sem ser seguido de choque. Durante o período de apresentação do som
observou-se inicialmente uma redução da freqüência de RPB e um adiamento na recupe­
ração da taxa normal de respostas. Com a continuação do novo arranjo experimental,
observou-se extinção do "estado de ansiedade".
O estudo de Estes e Skinner permitiu a elaboração de um modelo experimental
da ansiedade, resumido por Millenson (1975) da seguinte forma:
"Dados: um operante, proviamente fortalecido com reforçamento positivo, um
eliciador aversivo incondicionado, um estímulo ‘neutro"
Procedimento: (1) um operante é mantido num esquema intermitente de
reforçamento positivo, por exemplo R -> S+
(2) Enquanto as contingências de reforçamento positivo permanecem em vigor,
S1 é ocasionalmente emparelhado com S2
Processo: Ocorre a supressão gradual da taxa de R sempre que S1 é apresentado.
Resultado: R é suprimida em alguma extensão mensurável durante S1 e alguns
Ss relacionados” (p. 415-416)
Uma vez que os sujeitos experimentais do estudo original de Estes e Skinner (1941),
foram expostos a esquemas de intervalo fixo (Fl), novos estudos seguiram investigando
outros parâmetros. Fantino (1973) aponta diferenças nos efeitos da sinalização da estimulação
aversiva sob diferentes esquemas de reforçamento e assinala que esquemas de intervalo
variável (VI) geram taxas de respostas bastante uniformes, passando este esquema a ser
freqüentemente eleito como linha de base para o estudo da supressão condicionada. Fantino
(1973) discute que a supressão condicionada parece não estar dependente da presença de
estimulação aversiva uma vez que alguns estudos utilizaram estímulos incondicionados
não-aversivos (água, alimento, estimulação intracranial nos centros hipotalâmicos de re­
compensa) que se seguiam ao período de apresentação do estímulo condicionado, o que
gerava o mesmo padrão de supressão condicionada encontrado por Estes e Skinner (1941)
e por outros estudos que utilizaram choque como estímulo incondicionado. Dessa forma, a
supressão condicionada, enquanto índice de ansiedade, precisou ser redefinida em termos
dos seus componentes.
Embora relativamente poucos, os estudos sobre ansiedade em AEC representam
contribuição relevante e, por que não, um avanço em relação aos modelos internalistas
que ainda predominam nas práticas clínicas e educacionais. Lundin (1972), baseado em
estudos experimentais com animais e em observação clínica com humanos, procurou
sintetizar as características definidoras da ansiedade em nossa espécie. Para Lundin, é
necessária a presença de algumas condições para que se possa falar em ansiedade na
espécie humana:
1) Impossibilidade evidente de fuga. Esta característica auxilia no estabelecimento da dife­
rença entre ansiedade e fuga, uma vez que nesta última há a possibilidade de terminar a
estimulação aversiva através da emissão de resposta adequada;
2) Antecipação da punição. A apresentação do estímulo pré-aversivo tem a função de sina­
lizar a ocorrência da estimulação aversiva. É neste período que são observados altera­
ções no estado fisiológico do organismo (aumento da freqüência cardíaca; aumento da
pressão arterial; sudorese; respiração irregular; etc.), bem como nas ações do indivíduo
(alguns relatam agitação motora, outros supressão motora; etc.);
3) Separação do apoio. Para Lundin, se a retirada de um reforçador positivo for entendida
como punição e, por conseguinte, como estimulação aversiva, pode ser interpretada
como uma condição para ocorrência de ansiedade. Os exemplos de abandono e
separação, em nossa espécie, parecem corroborar o autor.
Além da caracterização apresentada por Lundin, vale ressaltar que a história
individual (história prévia de reforçamentos e punições; padrões de imitação aprendidos;
disponibilidade de alternativas para agir; etc.), bem como a importância da experiência
aversiva na história individual (diretamente ligada à intensidade do estímulo aversivo), são
fatores fundamentais e que determinam as diferenças de reações em indivíduos que se
encontram frente a situações ansiogênicas semelhantes.
Outra característica fundamental das respostas de ansiedade em humanos é que
elas são mediadas pela linguagem (Forsyth e Eifert, 1996; Friman et al., 1998), o que
possibilita o acesso a eventos internos ao organismo. Friman et al. propõem que relações
de equivalência (Sidman e Tailby, 1982) e outras relações derivadas oferecem base para
explicar como o comportamento verbal exerce controle sobre respostas emocionais
(voltaremos a esse aspecto mais adiante). Para Friman et al.,

"Na análise do respostas de ansiedade em humanos, os problemas se multiplicam


om número o complexidade porque os padrões de respostas humanos são
tambóm fortemente influenciados por relações indiretas entre eventos e por
respostas publicas e privadas a eventos públicos e privados" (p. 143).

Tendo sido feitas as devidas ressalvas quanto aos problemas conceituais, para o
presente estudo adotar-se-á a seguinte definição de ansiedade dada por Banaco (2001),
levando-se também em conta as observações levantadas por Friman et al.,
"Um conjunto de respostas refloxas eliciadas por um estímulo aversivo que inter­
ferem sobre ações operantes: suprimem operantes positivamente reforçados (o
indivíduo pára de fazer o que estava fazendo) e facilitam operantes negativamente
roforçados (pela remoção do estímulo aversivo)” (p. 17)

Ansiedade Matemática: possibilidades de análise e intervenção


O termo ansiedade matemática, segundo Frankenstein (1989), foi utilizado pela
primeira vez por S. Tobias em 1975. Esta expressão tem sido amplamente utilizada para
se referir às reações fisiológicas e comportamentais descritas por alunos quando estão
diante de situações de aprendizagem da disciplina matemática.
Geary (1996) define a ansiedade matemática como “um estado de medo e
apreensão que está associado a vários cometimentos em matemática, como testes,
freqüência a disciplinas, dever de casa, etc." (p. 274). Segundo esse autor, não há dados
na literatura que apontem para qualquer relação diretamente proporcional entre ansiedade
á matemática e ansiedade em outras situações. Hembree (1990) aponta que baixos
níveis de desempenho em matemática estão diretamente relacionados a altos níveis de
ansiedade à matemática, embora não haja qualquer comprometimento em outras áreas
quando os indivíduos são submetidos a testes de inteligência.
Para Geary (1996), indivíduos com ansiedade à matemática apresentam, clara­
mente, padrões de esquiva e fuga diante de situações que envolvem essa disciplina. As­
sim, por exemplo, é comum evitarem qualquer atividade que envolva o uso da matemática,
inclusive escolha de profissões que exijam conhecimento e aplicação da matemática.
Além do baixo desempenho em matemática, já apontado por Hembre (1990), Geary (1996)
informa que "indivíduos com altos níveis de ansiedade á matemática freqüentemente resol­
veram problemas aritméticos, simples ou complexos, com mais rapidez e com maior
números de erros quando comparados a indivíduos com níveis moderados de ansiedade"
(p. 275), o que tipicamente caracterizaria fuga à situação aversiva ou, conforme o modelo
de supressão condicionada, uma tentativa de eliminação da estimulação pré-aversiva.
Outro dado importante diz respeito ao uso de estratégias mais rígidas e algorítmicas de
resolução de problemas por indivíduos com níveis altos de ansiedade matemática em
comparação aos menos ansiosos. Como esses indivíduos apresentam baixo desempe­
nho em matemática, Geary (1996) sugere que

"O desempenho pobre, por sua vez, muito provavelmonto contribuirá para a pre­
ocupação do indivíduo acorca de sua futura habilidade om ser bem sucedido
em matemática, especialmente se o indivíduo atribui o desempenho pobre á
falta de habilidade mais do que à falta de preparação adequada" (p. 275)

Frankenstein (1989: 18-21), referindo-se a jovens e adultos que vívencíaram


fracassos em tentativas de aprendizagem da matemática ao longo de sua escolarização,
propõe que estes indivíduos aprendem padrões de comportamento de esquiva e fuga
acompanhados de concepções errôneas (auto-regras e auto-atribuições negativas), como:
1. “sou o único que não aprendeu a matemática elementar quando deveria";
2. "nunca serei capaz de aprender matemática";
3. "pessoas inteligentes resolvem mais rapidamente problemas matemáticos, em suas
cabeças, na primeira tentativa";
4. “sinto-me estúpido se cometo erros ou faço perguntas durante a aula";
5. "há somente uma única resposta correta para cada problema matemático”;
6. "há somente uma forma correta de resolução para cada problema matemático";
7. "o professor é o único que pode me dizer as respostas”.
Fica evidente, diante das concepções errôneas levantadas por Frankenstein (1989),
que experiências negativas na aprendizagem da matemática geram não apenas repertórios
pobres nessa disciplina, como também tornam a disciplina extremamente aversiva, o que
nos remete a um breve passeio em torno das estratégias e técnicas de remediação da
ansiedade matemática.

Rem ediação de respostas de ansiedade m atem ática: contribuições


educacionais e clinicas
Tentativamente, apliquemos o modelo comportamental de ansiedade, apresentado
na primeira parte deste texto, a situações de ensino da matemática. Após submetido a
controle aversivo em aulas de matemática, e não tendo obtido sucesso em seu aprendizado,
um estudante ouve de seu colega a seguinte frase "amanhã haverá prova de matemàticá'.
A simples audição da frase passa a gerar no aluno uma série de reações emocionais
negativas que podem se traduzir em esquiva a qualquer tentativa de estudo antes da
prova. O estudante simplesmente evita qualquer contato com livros e anotações da matéria
ou, quando diante do material de estudo, engaja-se em comportamentos incompatíveis
como ouvir música, jogar vídeo game ou, simplesmente, tamborilar até que as horas passem.
No dia seguinte, o aluno acorda com indisposição geral, febre ou outra qualquer reação
orgânica desagradável. Ele vai para a escola e, no caminho, conta aos amigos que não
está em condições de submeter-se à prova em função de seu estado orgânico geral.
Entretanto, a prova é inevitável, ou pior, a iminência de um péssimo desempenho na prova
(inclusive numa prova de segunda chamada) é esperada pelo próprio estudante. Em outra
situação, a simples presença do professor de matemática ou de outros estímulos visuais
ou auditivos associados à matemática (números; equações; enunciados de problemas;
etc.), ou mesmo a proximidade da hora da aula, podem “paralisar" o estudante ou levá-lo
a esquivar-se ou fugir dessas situações.
A literatura mostra (Geary, 1996; Hembree, 1990; Tobias, 1978) que um número
crescente de casos de ansiedade à matemática tem chegado ou a consultórios particulares
ou a orientadores educacionais e psicólogos escolares, o que evidencia a necessidade de
se buscar rever não apenas a prática pedagógica das escolas, mas também desenvolver
formas adequadas de intervenção clinica para os indivíduos que apresentam esses padrões
de respostas emocionais frente á matemática (a literatura tem utilizado o termo remediação
para referir-se ao uso de procedimentos clínicos nos casos de ansiedade matemática e
outros problemas de aprendizagem matemática).
É bastante razoável supor que a diminuição da ansiedade à matemática possa
resultar em algum progresso no desempenho acadêmico em relação a essa disciplina.
Hembree (1990) aponta ser esta uma relação verdadeira tendo em vista os resultados de
aplicação de estratégias redutoras de ansiedade. A utilização de procedimentos
comportamentais tem se mostrado eficaz em casos típicos de ansiedade à matemática.
Hutton e Levitt (1987) estabeleceram uma estratégia para reduzir ansiedade â matemática
em aulas de álgebra a partir do uso de livro-texto especialmente criado para a investiga­
ção. A estratégia era composta pelos seguintes passos: 1) o livro apresentava uma revi­
são de habilidades aritméticas básicas que auxiliaria o estudo de cada tópico em álgebra;
2) as habilidades aritméticas eram exercitadas: 3) aulas e texto eram sincronizados de tal
forma que o conteúdo das aulas eram apresentados como notas esquemáticas no livro-
texto Como resultado geral, Hutton e Levitt (1987) relatam melhoras nos sentimentos de
competência (auto-eficácia) e conseqüente melhora no desempenho em álgebra. O proce­
dimento de Hutton e Levitt (1987) pode ser encarado como programação de ensino, mais
precisamente como uma variante do ensino individualizado proposto por Keller (1972),
guardadas as devidas proporções. O que chama atenção no estudo de Hutton e Levitt
(1987) é o cuidado em fornecer ao aluno amplo acesso e exercício de habilidades pré-
requisitos á aprendizagem do conteúdo em vigor bem como oportunidade de tirar dúvidas
nas aulas, as quais procuravam realçar os aspectos relevantes a serem aprendidos, ou
seja, os comportamentos dos alunos eram colocados sob controle das dimensões rele­
vantes dos estímulos, o que aumentava a probabilidade de acertos, minimizava a possibi­
lidade de erros (aprendizagem-sem-erros) e estabelecia contingências de reforçamento
imediato, tal como propunha Skinner (1968).
Procedimentos clínicos comportamentos também têm sido usados com eficácia.
Hembree (1990) informa que o uso de técnicas de relaxamento, em terapia, tem surtido
efeito positivo na redução da ansiedade, porém não afeta positivamente o desempenho
matemático. Em contrapartida, o relaxamento como parte integrante da dessensibilização
sistemática parece não só diminuir o estado de ansiedade como também melhorar o de­
sempenho em matemática. O cliente, após treino de relaxamento, constrói com auxílio do
terapeuta, uma hierarquia composta por situações geradoras de ansiedade á matemática,
das mais simples ou menos ansiogênicas às mais difíceis de serem vivenciadas. A seguir,
o cliente é orientado a entrar em estado de relaxamento e, gradativamente, é conduzido a
imaginar as diversas situações da hierarquia, uma a cada vez, começando pela mais sim­
ples. Passa-se a uma outra situação, mais difícil, somente após estar condicionado um
estado de relaxamento diante de uma dada situação. O processo continua até que o cliente
possa chegar ao item considerado por ele como mais ansiogênico e apresentar o mesmo
estado de relaxamento. Evidentemente a dessensibilização, como qualquer técnica, tem
limites e torna-se necessário verificar se o cliente consegue estabelecer o relaxamento
diante das mesmas situações na vida real. Além disso, se os procedimentos de ensino
continuam aversivos e se as condições de estudo, em sua casa ou na escola, não são
adequadas, será necessário a reprogramação de seu ambiente. Nesse sentido, a proposta
de Hutton e Levitt (1987), ou de outros procedimentos de programação de ensino, aliada a
técnicas de autocontrole (como a dessensibilização sistemática), podem ser extremamen­
te úteis nos casos de ansiedade à matemática.
Outro aspecto relevante diz respeito aos eventos privados diretamente relaciona­
dos ao baixo desempenho e reações emocionais á matemática. Friman et al. (1998)
ressaltam o papel que auto-discriminações (no sentido de autoconhecimento) exercem
sobre o comportamento. Friman et al. exaram os seguintes exemplos

"Para apreciar este aspecto exponencialmente, imagine-se mordendo um limão.


Algumas das funções porceptuais do morder ocorrem moramento como função
do pensamento, isto ó, os pensamentos são reativos. Similar ao pensamento
sobre limões, pensamentos auto-referenciais podem ser reativos. Por exomplo,
simplos pensamentos sobro engajar-se em falar em público podem provocar
excitação autonômica e avaliação autolimitadoras altamente correlacionadas a
relutância. Dando outro exemplo, simples pensamentos sobre engajar-se em
comportamento sexual podem provocar excitação de tipo diferente, correlacionada
com aproximação. Uma vasta litoratura, embora não comportamental, documenta
a influência adversa de persistentes pensamentos auto-depreciatórios" (p. 144)

De fato, estudos em equivalência de estímulos e outras relações derivadas abrem,


cada vez mais, espaço para investigação da função do comportamento verbal sobre o
repertório geral dos indivíduos. Estudos não comportamentais têm sugerido que
pensamentos intrusos, isto é, não compatíveis, durante o estudo da matemática, bem
como atribuições negativas acerca do próprio desempenho têm papel relevante na
manutenção de respostas emocionais à matemática (Hembree, 1990). Abordagens
cognitivas em terapia podem fornecer técnicas eficazes de modificação de atribuições
negativas e pensamentos intrusos.

Conclusões
O presente texto objetivou apresentar alguns itens relevantes a serem considerados
no estudo da ansiedade á matemática. Para tanto, inicialmente considerou-se alguns
problemas de aceitação do termo ansiedade pelos analistas do comportamento, dado que
este ó, de certa forma, um termo metafórico e, como tal, não é útil enquanto modelo
explicativo ou descritivo de relações entre organismo e ambiente. O termo ansiedade pode
ser considerado, quando muito, uma categoria; entretanto, seus elementos componentes
são empíricos e podem ser estudados cientificamente. A definição comportamental de
ansiedade foi apresentada a partir do modelo experimental proposto por Estes e Skinner
(1941). Nesse modelo, há a presença de um estímulo pró-aversivo que sinaliza a ocorrência
futura, e inevitável, da estimulação aversiva; assim, na presença do estímulo pré-aversivo
ocorrem determinados padrões de respostas fisiológicas e comportamentais chamadas
genericamente de “estado de ansiedade” e, no caso da espécie humana, descritas como
"paralisação", sudorese, taquicardia, hipertensão, medo, tremor, sentimento de impotência,
etc. apesar de críticas pertinentes por parte de investigadores sérios (Pessotti, 1978),
este modelo tem se mostrado útil no estudo de diferentes situações nas quais os indivíduos
dizem sentirem-se ansiosos.
Um caso particular seria o que a literatura vem chamando de ansiedade
matemática, ou ansiedade à matemática. Alguns estudos, ainda poucos em termos
numéricos, têm relatado situações específicas de fracasso em matemática cuja origem,
muito freqüentemente, está ligada a experiências negativas em ambiente escolar. Os
indivíduos apresentam comumente padrões de fuga e esquiva a situações que envolvem
matemática (desde a audição da palavra matemática ató a ocasião de testes individuais
da disciplina), padrões esses acompanhados de alterações fisiológicas e cognitivas.
Indivíduos que apresentam ansiedade à matemática têm se beneficiado de técni­
cas terapêuticas - como relaxamento progressivo, dessensibilização sistemática e
reestruturação cognitiva - bem como de programas de ensino individualizado que
disponibilizam os pré-requisitos necessários aos tópicos de estudo e auxiliam os indivíduos
a reestruturarem seu ambiente de aprendizagem. As concepções errôneas acerca da
aprendizagem da matemática, sugeridas por Frankenstein (1989) e apresentadas
anteriormente, podem ser vistas como auto-atribuições negativas e delas podemos derivar
procedimentos de ensino (ou melhor, estratégias de aprendizagem) que auxiliem o aluno
a engajar-se de modo mais eficiente em situações de estudo da matemática. Há fortes
razões para supor que a associação entre estratégias adequadas de ensino e técnicas
terapêuticas de redução de ansiedade e reestruturação cognitiva, apresenta maior eficácia
do que qualquer um desses procedimentos usados isoladamente.
Com o avanço das investigações sobre formações de classes de estímulos equiva­
lentes e outras relações derivadas em sujeitos humanos verbais, muito se tem compreendi­
do acerca do papel da linguagem na emergência de relações não diretamente ensinadas e,
por conseguinte, na formação de categorias conceituais e outras relações ditas cognitivas.
É desejável que tais estudos possam ser ampliados para casos clínicos, como os de ansi­
edade à matemática, a fim de que possamos ter mais clara noção de como estímulos de
diferentes modalidades passam a fazer parte de uma só classe e afetam diretamente o
desempenho acadêmico e/ou social. O que temos observado é que, entre estudantes que
apresentam baixo desempenho em matemática, estímulos auditivos e visuais ligados a
essa disciplina são suficientes para a emissão de respostas de fuga e esquiva. Além disso,
a palavra matemática parece estar associada a qualificativos como difícil, chato, reprovação
e outros semelhantes. Em um pequeno levantamento realizado com seis alunos da 5“ à 7a
série do ensino fundamental de uma escola pública, todos com história de fracasso em
matemática, Carmo (2002) solicitou que, individualmente, escrevessem, em torno da palavra
matemática a qual era apresentada no centro de uma folha de papel tudo o que lhes
ocorressem. De um modo geral, as anotações referiram-se ao estilo de ensinar do professor,
às qualidades necessárias para aprender matemática, sua utilização diária e possibilidade
de fracasso. Em seguida, os seis alunos realizaram a mesma tarefa em conjunto, não
havendo discrepância entre os resultados individuais e grupais.
No Brasil ainda sentimos falta da descrição de casos e relatos de estudos acerca
de ansiedade matemática. O presente texto pretendeu fornecer alguma contribuição aos
pesquisadores, terapeutas, psicólogos escolares e educadores que lidam com situações
semelhantes em suas práticas profissionais.

Referências
Banaco, R. A. (2001). Altornativas não aversivas para tratamento de problemas de ansiedade.
In M. L. Marinho & V. E. Caballo (Orgs.), Psicologia Clínica o da Saúde. Londrina: UEL.
Carmo, J. S. (2002). Atribuições dadas à matemática por alunos do ensino fundamental com
história de fracasso escolar; um estudo preliminar. Relato de pesquisa não publicado. Univer­
sidade Federal de São Carlos, SP.
Estes, W. K., & Skinnor, B. F. (1941). Some quantitative properties of anxiety. The Journal of
Experimental Psychology, 29, 390-400.
Fantino, W. (1973). Emotion. In J. A. Nevin & G. S. Reynolds (Eds.), The study of behavior:
learning, motivation, emotion, and instinct (pp. 299-302). Glenview/Illinois; Scott, Forosman,
and Company.
Forsyth, J P., & Eifert, G. H. (1996). The language of feeling and the feeling of anxiety: contributions
of the behaviorisms toward understanding the function-altering effects of language. The
psychological Record, 46, 607-649.
Frankenstein, M. (1989). Relearning mathematics: a different third r-radical math(s), Vol 1. London:
Free Association Books.
Friman, P. C., Hayos, S. C., & Wilson, K. G. (1998). Why behavior analysts should study emotion:
the example of anxiety Journal of Applied Behavior Analysis, 31, 137-156.
Geary, D. C. (1996). Children's mathematical development resoarch and practical applications.
Washington, DC: APA
Hembreo, R (1990). The nature, effect, and relief of mathematics anxiety. Journal for Resoarch
in Mathematics Education, 21, 33-46.
Hutton, L A., & Levitt, E. (1987). An academic approach to the remediation of mathematics
anxiety In R. Schwarzer, H. M Van der Ploog & C. D. Spielborger (Eds.), Advances in test anxiety
research, Vol. 5 (pp 207-211). Berwyn, PA: Swots North America.
Keller, F. S. (1972). Adeus, mestre! Ciência e Cultura, 24(3), 207-212.
Lundin, R. W. (1972). Personalidade: uma análise do comportamento (Trads R. R. Kerbauy & L.
O. S Queiroz ). São Paulo: EPU. (Trabalho original publicado em 1961 )
Millenson, J. R. (1975). Princípios do comportamento (Trads A. A. Souza & D Rozende.). Brasilia,
DF: Coordenada - Editora do Brasilia. (Trabalho original publicado em 1967.)
Possotti, I. (1978). Ansiedade. São Paulo: EPU.
Sidman, M., & Tailby, W. (1982). Conditional discrimination vs matching to sample: an expansion
of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 5-22.
Skinnor, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. In B. F. Skinner (1972),
Cumulative Record, a selection of papers. New York: Appleton-Contury-Crofts.
Skinner. B. F. (1968). The technology of toaching. New York: Appleton-Contury-Crofts.
Tobias, S. (1978). Overcoming math anxiety Now York: Norton.
Capítulo 39
Psicopedagogia comportamental como
estratégia preventiva

Atui L uchi tvdtiuk


/ ’( /C 'de C'.impintis - USP

1. Contextualizando:
A procura em consultório para o atendimento do fracasso escolar de crianças e/
ou adolescentes nào é algo recente. Há muito tempo essas questões inquietam a escola,
a famflia e a própria criança e/ou adolescente.
Primeiramente, vamos justificar o que se entende por fracasso escolar ao longo
desse texto. Sabe-se que muitas vezes alunos apresentam dificuldades tidas como
escolares ao longo de todo o seu processo educativo. Definir tais dificuldades não é algo
simples e nem fácil. Na literatura encontra-se uma diversidade de termos. O DSMIV
(1995); se utiliza do termo "Transtornos de aprendizagem" para abranger toda uma maga
de dificuldade que emergem nas situações escolares. Hübner & Marinotti (2000) utilizam-
se do termo "problemas de aprendizagem" e justificam esta utilização uma vez que se
referem às dificuldades no estudo ou na aprendizagem que podem se manifestar diante
de algum fracasso nas atividades escolares, porém não incluindo as crianças que possam
ter algum tipo de retardo mental, pois, estas últimas, necessitariam de atendimento mais
específico.
A partir dessas últimas autoras fica um pouco mais claro entender o que se
argumenta com o fracasso escolar, sendo que ele poderia ser entendido como a manifes­
tação de alguma das mais diversas dificuldades escolares que podem se manifestar ao
longo da atividade escolar.
Então, essas questões, inquietações e problemas que podem ser explicados e
estudados pela psicologia, também tem sido objeto de estudo da Análise do Comporta­
mento, de forma mais intensa a partir da ultima década os quais não se limitam apenas
em explicar tais questões, mas propondo estratégias interventivas que vem se mostrando
cada vez mais eficazes ns pratica clínica (Hübner & Marinotti,2000; Marinotti, 2001,2002;
Saraiva & Hübner, 2001).
Marinotti (2001, p 294) propõe que a Análise do Comportamento habilita "a enfocar
a intervenção entre sujeito e ambiente” e não apenas o que a visão cognitivista, a qual
explica os tais fracassos escolares a partir da visão de fenômenos internos, cujas expli­
cações se fundamentam no cognitivismo. Portanto, considera o fator ambiente e a história
de aprendizagem. Então, a prática baseada nessa visão de entendimento, adota essa
postura, lembrando que ambiente deve ser entendido como algo amplo que se relacione a
todas as contingências as quais os comportamentos podem estar em função, do que
apenas a um local em especifico (Skinner,1994).
Entender o fracasso escolar, então, em termos comportamentais é justamente
fazer uma análise funcional em relação a esta questão em específico. É colher os dados
em termos de historia de aprendizagem com a própria criança, com a família e com a
escola, para que se possa entender o repertório atua) do sujeito e propor as estratégias
que possam vir a desenvolver o repertorio que esta em defasagem ou ampliar tais repertó­
rios. "Se fizermos com que o saber não inclua apenas o repertório como tal, mas todos
os efeitos que o repertório possa ter sobre outro comportamento, então a aquisição do
saber na educação obviamente é muito mais do que aprendizagem mecânica" (Skinner,
1994, p 385)
Tendo contextualizado o assunto, se faz necessário, também, entender o que
pode e deve ser entendido como processo de aprendizagem escolar. Já se explicou que
normalmente as questões referentes ao fracasso escolar, se referem a questão da falta de
aprendizagem escolar em uma dada situação. Então, somente se poderá atuar em ques­
tões de aprendizagem escolar, entendendo esta ultima como um dos tipos de aprendiza­
gem humana.

2. Fatores que podem desenvolver o fracasso escolar:


Existem critérios que necessitam ser satisfeitos para que possam ser considera­
dos como um fracasso propriamente dito. Neste sentido, este trabalho procura se utilizar
como critérios determinantes, os que foram propostos por Hubner & Marinotti (2000, p
260) que seriam:
- Os quadros neurológicos e/ou psiquiátricos:
- A efasagem entre o repertório individual e o nível de exigência escolar;
- As condições temporárias ou eventuais;
- Os transtornos de aprendizagem propriamente ditos;
- A história de vida (contingências de ensino e manutenção de repertórios escolares);
- As possíveis falhas que possam ser encontradas no sistema educacional.
Com a procura pela família para uma avaliação do fracasso escolar, se faz neces­
sário chegar a um consenso sobre quais desses fatores anteriormente citados podem
estar influenciando nas dificuldades apresentadas. Exige-se, então um trabalho de inten­
sa coleta e analise dos dados trazidos pela família, escola e pelo próprio sujeito, como já
foi levantado anteriormente.
Para se chegar a esses dados, utiliza-se de técnicas de entrevista com todos os
envolvidos, observação do sujeito no ambiente de dificuldade, bem como aplicação de
alguns instrumentos com o sujeito a fim de identificar e diagnosticar sobre o desenvolvimento
da aprendizagem em termos pedagógicos. Sabe-se que toda aprendizagem escolar ó
esperada em determinadas faixas etárias e a aplicação de tais instrumentos devem ser
entendidos como auxiliares na identificação destes desenvolvimentos. Porém eles não
devem ser entendidos como únicas fontes de tais dados, devem ser cruzados e analisados
com as entrevistas e com o que pode ser observado no contexto escolar.
Estes instrumentos são conhecidos como testes e seu uso precisa ser muito
bem contextualizado para ter uma validade eficaz. "O uso de testes muitas vezes rotulou
os indivíduos, determinando o sucesso ou fracasso nas atividades escolares e profissionais"
(Saraiva & Hübner, 2001, p.66).
O relato verbal tem um papel fundamental em todo processo avaliativo, ó a partir
dele que se tem acesso a grande parte dos dados que precisam ser considerados, bem
como ele ajuda a comprovar se os dados alcançados nos testes podem ser considerados
na sua totalidade ou precisam ser revistos. Além disso, o relato verbal também permite
fazer uma análise em termos de repertório verbal do sujeito em questão. Muitas vezes as
dificuldades que se demonstram de outras formas, ou seja, em atividades de execução
das atividades escolares, podem ser comprovados por uma baixa de repertorio verbal. Por
repertorio verbal, deve-se entender como a forma de expressão do sujeito durante um
relato verbal. (Skinner, 1994)
A maior possibilidade de conhecimentos que se puder ter em relação ao repertório
do sujeito, seja este repertorio verbal ou não-verbal, melhor poderá ser o planejamento de
estratégias para instalação de ampliação do repertorio, conseguindo restringir melhor a
questão de intervenção (Marinotti, 2002).

3. Pensando na prevenção e na prática interventiva:


Dentro da idéia de trabalho preventivo, deve-se entender que este pode ser
desenvolvido em trôs níveis específicos: prevenção primária, secundária e terciária. Caplan
(1964,apud Erickon, 1998) descreve estes níveis relacionando-os especificamente com o
campo de atuação da psicologia. A prevenção primaria pode ser caracterizada pelo conjunto
de ações que podem visar a redução de novos casos de problemas comportamentais
através de uma variedade de procedimentos médicos e psicoeducacionais. A prevenção
secundária envolveria a redução da duração ou da severidade (ambos os aspectos também
é possível) dos problemas comportamentais, ou seja, quanto antes possam ser detectados,
melhor podem ser as possibilidades eficácia de programas de intervenção para o melhor
aproveitamento daquele individuo. E, finalmente, a prevenção a nível terciário incluiria as
tentativas de reduzir conseqüências a longo prazo dos problemas já estabelecidos, tentando
prevenir conseqüências que possam torná-la mais grave ainda.
Dentro desta perspectiva de prevenção, o trabalho de psicopedagogia
comportamental pode ser caracterizado como um trabalho de prevenção a nível secundário,
uma vez que os problemas comportamentais já se encontrariam instalados no sujeito, mas
o trabalho pode fazer com que o individuo possa, senão saná-lo por inteiro, reduzir em muito
a sua duração e severidade.
A prática interventiva só se faz possível após a definição de quais repertórios que
estejam relacionados com as habilidades acadêmicas que precisem ser ampliados, ou
então, ser reforçados de forma diferente do que era feito até então. O que acaba se
observando é que uma grande maioria acaba tendo questões muito semelhantes neste
sentido, embora, nunca se possa deixar de levar em consideração que cada caso é um
caso único, tem a sua historia de vida e reforçamento. Normalmente, essas questões se
referem a necessidade de ampliação do repertório de hábitos de estudo, ou seja, que
muitas vezes as dificuldades aparecem porque na existem hábitos de estudo saudáveis
e que são reforçados pela família e pela escola; modificação do ambiente de estudo,
para que este possa ser mais favorável ao ambiente de estudo, pois muitas vezes o local
de estudo não é adequado ou possui muitos outros estímulos que faz com que o individuo
se interesse mais pelos outros estímulos do que pelo estudo em si e, sem este último os
anteriores podem se tornar ineficaz, pois serão eles que colocarão em prática os itens
anteriores; a orientação a família e a escola.
A intervenção não se restringe apenas nestes pontos. Hübner & Marinotti (2000)
propõe ainda, que trabalhos em termos de ampliação do repertório verbal; estratégias
de solução de problemas e planejamento de seqüências de ensino também podem ser
altamente eficazes.

Referências
Associação Psiquiátrica Americana (APA). (1995). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor­
nos Mentais (DSM-IV) (Trad. D. Batista, 4th ed.). Porto Alegre; Artos Módicas.
Erickson, M. T. (1998). Behavior disorders ofchildren & adolescents- assosmont, otiology, and
intervention (3rd ed.). New Jersey. Prentice-Hall
Hubner, M M., & Marinotti, M. (2000). Crianças com dificuldades escolares. In Silvaros (Org.),
Estudos de Caso em psicologia comportamental infantil, Vol. II. Campinas: Papirus.
Marinotti, M. (2001). Psicopedagogia Comportamental. In M. Delitti (Org ), Sobre Comporta­
mento e Cogniçào - A prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-
comportamental. Santo Andró: ESETec Editores Associados.
Marinotti, M. (2002) Resolução do problemas e raciocínio lógico como foco de intervenção
psicopedagógica. In Guilhardi, Madi, Queiroz & Scoz (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição
- Contribuições para a Construção da Teoria do Comportamento. Santo Andró: ESETec Edito­
res Associados.
Saraiva, L. Z., & Hubner, M. M. C. (2001). Uma análise comparativa do resultado em testes de
vocabulário, inteligência, equivalência o generalização de loitura. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 3(1), 57-68. São Paulo.
Skinner, B. F. (1994). Ciência o Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Capítulo 40
Orientação profissional para adolescentes
em situação de primeira escolha

Cynthia Borges de M oura


Universidade hstadua! de Londrina

Neste capítulo, descreveremos um modelo comportamental de orientação profis­


sional para adolescentes em situação de primeira escolha. Chamamos "primeira escolha”
a situação em que o adolescente se encontra ao final do Ensino Médio, quando opta por
continuar seus estudos e ingressar no Ensino Superior, necessitando assim escolher qual
curso realizar. Serão apresentadas as etapas da intervenção em grupo, enfatizando objetivos
e estratégias que parecem ser mais facilitadoras da tomada de decisão por parte dos
adolescentes.

1. A vocação sob uma perspectiva comportamental


Considerando que a intervenção que propomos se apóia sobre o modelo da Aná­
lise do Comportamento, faz-se necessário explicar sob qual concepção de "vocação"
estamos trabalhando. Partindo de uma concepção monista de homem, (Skinner, 1974,
1989), a "vocação" pode ser entendida como urna construção pessoal do indivíduo, como
um complexo arranjo de variáveis de sua história genética, pessoal, familiar e cultural,
que se configura de forma única, dado o contexto social em que se desenvolve. Ao longo
da vida da pessoa, o arranjo destas variáveis a encaminha para o desenvolvimento de
interesses e habilidades que, quando analisadas, normalmente correspondem a um
conjunto razoavelmente restrito de opções profissionais, dadas as características e
exigências destas para com os indivíduos que as exercem.
Desta perspectiva, "descobrir a vocação" de uma pessoa consiste na observação
e descrição de seus padrões comportamentais mais típicos, e na análise de que relação
pode manter com as possibilidades ocupacionais às quais o indivíduo tem acesso.
Observar e descrever "padrões comportamentais típicos” implica em especificar tanto o
que ele faz bem e gosta de fazer, quanto as condições ambientais em que, com freqüência,
realiza tais atividades e expressa seus interesses.
Desta forma, quando falamos de identificar padrões comportamentais dos orien­
tando estamos nos referindo a descobrir suas habilidades atuais que podem funcionar
como "pré-requisitos" para que outras se desenvolvam na mesma direção. Isto porque
acreditamos que as chances de sucesso profissional futuro estão em áreas que requeiram
do individuo características similares as que ele apresenta hoje. A identificação de tais
habilidades lhe proporcionará melhores condições de escolher um perfil profissional coe­
rente e planejar o desenvolvimento de sua carreira. Assim, a vocação não é entendida
como algo estático, inerente ao indivíduo, e pronto para ser desvelado a este, mas como
algo inacabado, dinâmico, processual, cabendo ao indivíduo construí-lo a partir de seu
repertório pessoal e das possibilidades educacionais e profissionais a que tem acesso.
Do ponto de vista pragmático, esta forma de encarar a questão nos conduz a
análise de que as experiências de cada indivíduo levam-no a desenvolver determinadas
características pessoais que restringem o conjunto de opções profissionais aos quais ele
poderá vir a se adequar. E que a tomada de consciência de tais características aumentam
a probabilidade de que ele discrimine sua adequação para as exigências de certas atividades
profissionais e não para outras. Isto significa que a Orientação Profissional não tem a
função de revelar “dons" inatos, mas de adotar procedimentos que visem promover o
autoconhecimento dos sujeitos (suas habilidades, as variáveis implicadas, de forma
contingencial, a seu comportamento), o conhecimento da realidade profissional, e a tomada
de decisão sob uma base segura de critérios bem estabelecidos.

2. Principais Idéias do Modelo Comportamental de Orientação Profissional


Como já exposto, o modelo teórico comportamental considera a escolha profissional
“madura" como um processo no qual características pessoais e profissionais devem ser
analisadas, de forma a constituírem-se critérios consistentes de avaliação numa tomada de
decisão.
A concepção de vocação adotada pressupõe uma avaliação permanente de crité­
rios pessoais de escolha, que se inicia durante a intervenção proposta, mas que com certe­
za extrapola seu encerramento e continua ao longo das escolhas profissionais do indivíduo.
Assim, a intervenção prioriza o treino em habilidades de resolução de problemas, primando
pela aprendizagem do processo de decidir e não pelo produto da decisão em si.
A compreensão do comportamento de decidir-se como um processo e não como o
ato em si (Skinner, 1989), tem impacto importante sobre a forma de orientação. As estratégias
de intervenção visam ampliar o valor reforçador da conclusão de etapas do procedimento
adotado, levando o adolescente a pequenas e sucessivas tomadas de decisão. Assim,
comportamentos complexos, como a resolução do problema de escolha e a tomada de
decisão profissional, vão sendo estabelecidos gradualmente, com conseqüências reforçadoras
imediatas e custos fracionados e progressivos para os adolescentes.
O orientação promove ainda, a busca de informações precisas e relevantes sobre
as profissões de interesse, e o reconhecimento e/ou discriminação de habilidades
potenciais, valores, expectativas, dificuldades, e principalmente das variáveis contextuais
às quais o comportamento de escolher está exposto, além de como é consequenciado.
Isto proporcionará ao indivíduo uma ampliação de seu repertório de análise uma vez que
alia às opções profissionais, informações de caráter pessoal de forma a integrá-las,
diminuindo seu leque de escolhas, através de um trabalho de seleção de critérios (Azrin,
Flores & Kaplan, 1975). À ampliação do repertório pessoal de autoconhecimento, de op­
ções profissionais e de seleção de critérios de escolha segue-se uma restrição e exclu­
são de opções, decorrente do aumento da probabilidade de ocorrência de comportamen­
tos relacionados à tomada de decisão.

3. A Intervenção: Etapas e Estratégias


Segundo Moura (2001), um procedimento de orientação profissional nos moldes
comportamentais deve: a) arranjar condições para que o indivíduo discrimine as variáveis
dos diferentes contextos de controle (familiar, social, cultural e econômico) às quais seus
comportamentos de escolher e decidir estão expostos; b) proporcionar informação relevante
sobre as profissões de interesse, relacionando-as aos dados de autoconhecimento e; c)
aumentar a probabilidade de ocorrência de comportamentos relacionados à escolha e/ou
tomada de decisão.
O modelo de intervenção aqui proposto leva em consideração, estes três grandes
grupos de contingências envolvidas na situação de escolha profissional: as variáveis
pessoais, as profissionais e as ligadas à tomada de decisão, que são trabalhadas em
etapas sucessivas ao longo de sessões semanais de 2 horas de duração, em pequenos
grupos de até 10 indivíduos, perfazendo um total de 8 a 10 sessões. O número de sessões
para cada etapa do processo ó dividido o mais equitativamente possível ou de acordo com
as necessidades específicas do grupo. Segue abaixo uma descrição sumária das etapas
do programa e o modelo de intervenção utilizado em cada uma delas.
Primeira Etapa: Promoção de Autoconhecimento. Dentre as variáveis pessoais a
serem conhecidas e analisadas num trabalho de Orientação Profissional, tem-se: carac­
terísticas pessoais; motivações; interesses; potencialidades; habilidades; valores; aspira­
ções; conflitos e ansiedades ligados ao processo de escolha; medos e expectativas em
relação ao futuro; controle e expectativas dos pais; nível sócioeconômico; influência de
amigos, professores, meios de comunicação, história de reforçamento para determinada
atividade por modelagem ou modelação, entre outras (Lucchiari, 1993).
O primeiro passo do trabalho de Orientação Profissional tem como objetivo promover
a discriminação das contingências pessoais (abertas e encobertas) relacionadas às
dificuldades de decisão através do autoconhecimento específico, isto é, identificação de
habilidades, potenciais, interesses, valores, todos ligados à problemática profissional, de
forma a ampliar o repertório de análise das opções e possibilidades de escolha profissional.
Várias são as estratégias que podem ser utilizadas com este propósito, dentre
elas: relatos escritos, confecção de cartazes ou representações artísticas a partir de
temas que sugerem expectativas e dificuldades, sua posterior leitura ou exposição oral
seguida de discussões grupais; realização de exercícios específicos de autoconhecimento
e exploração de características pessoais ligadas às habilidades profissionais com posterior
discussão; feedbacks grupais ou de pessoas significativamente importantes para cada
membro do grupo; entre outros.
Todo processo de Orientação Profissional deve necessariamente iniciar-se pela
promoção do autoconhecimento, porque o trabalho sobre os aspectos envolvidos no co­
nhecimento de si mesmo subsidiarão as discussões em etapas posteriores. Dado que
descobrir o que somos e como somos, é uma tarefa que não se esgota, mas se amplia
numa miríade de possibilidades, esta não é uma etapa estanque, que termina ao final de
um número determinado de sessões, mas uma discussão que permeia todas as demais
etapas do programa.
Quadro 1. Descrição da primeira etapa do programa de Orientação Profissional quanto a
objetivos e procedimentos das sessões.

O B J E T IV O S P R O C E D IM E N T O S
(o s a d o le c e n te s d e v e m a p re se n ta r o s (os orientadores devom conduzir a s e s sã o
seguintes comportamentos) seguindo o s p a ss o s prescritos)

• C onhecer e integrar-se a o grupo; • Apresentação geral dos elementos do grupo;


• E x p o r a s expe ctativas em re lação ao • Exposição da proposta de Orientação Profissional e
processo de Orientação Profissional; estabelecimento do contrato de trabalho.
• D is c rim in a r a s v a r iá v e is q u e e s t ã o • Realização de um relato escrito a partir da proposição
d ific u lta n d o a to m a d a d e d e c is ã o “0 que me trouxe para o p ro c e s s o de orie ntação
profissional; p ro fis s io n a l", id e n tific a n d o a s e x p e c t a t iv a s, a s
1

d ific u ld a d e s e n v o lv id a s na to m a d a de d e c is ã o e
SESSÃO

possibilidades de resolução do problema (Soares, 1987,


p.96),
• Leitura ou e xposição d o s relatos por cadu participante;
• D i s c u s s ã o q u a n to a o s a s p o c t o s om com u m ,
enfatizando a responsabilidade de cada um em relação
a resolução do problema de tomada de decisão;
• Definição do problema de oscolha profissional com o
se n d o do aprendizagem do tomada do doclsão,
esclarecendo que a orientação dar.1! sub síd ios para tal
aprendizagem .
I

• Discrim inar a s características pessoais, • R e a liz a ç ã o d o “E x e r c íc io C o m b in a d o de A uto-


habilidades e atividades de intoresse; conhecimento" (Moura, 2001)
• Discutir a relação interesses X habilidades • D is c u s s ã o do e xe rcício quan to a s h a b ilid a d e s o
X p o te n c ia l d e a p re n d iz a g e m e s u a s interesses que se sobre ssaíram em relação à s demais;
SESSÃO 2

im p lic a ç õ e s p a ra o d e s e m p e n h o de o que pode estar facilitando ou dificultando a realização


qualquer atividade profissional. da s atividades que gosta, o grau em que atividades não
prazerosas necessitam serem realizadas porque trazem
benefícios a m édio e longo pra/os, em que medida
podem os "aprender fazer" e "aprender gostar de fazer"
determ inadas atividades para a s quais a cha m os que
não temos habilidade C o m o a s habilidades podem ser
aprendidas e desenvolvidas para o alcance de metas
p e sso a is o profissionais.

• Rolacionar características, capacidades e • R e a liz a ç ã o da T ó c n ica “C o m b in a ç ã o P ro fissõ e s-


h a b ilid a d e s d a s p e s s o a s frente à s Caracteristicas" (Moura. 2001) em pequenos sub-grupos
e x ig ô n c ia s d a s p r o fis s õ e s e á re a s de e apresentação do trabalho realizado;
atuação selecionadas; • D isc u s s ã o d a s se m e lh a n ç as o diferenças entro os
• D iscutir a relação entre a s p ro fissõ e s critérios de agrupam ento d a s profissões, enfocando-se
3

(profissão-profissão e indivlduo-profissão) e a In t e r-re la ç ã o en tre e la s e s t a b e le c id a p e lo s


--------------1

a s d ive rsas form as do classificação e de adolescentes;


SESSÃO

com binação d a s profissões; • Listagem Individual da s profissões de interesse a serem


• Refletir sobre o s critérios p e sso a is que investigadas n a s próximas sessõe s;-
a u x ilia rã o na s e le ç ã o de a lte rn a tiv a s • R e com e ndação a o s orientadores: alertar um possível
profissionais e na tomada um a decisão. aumento no número de op çõ es a serem consideradas,
com respectivo aum ento de sentimentos de angústia e
indecisão, em função do procedimento de resolução de
p ro b lem a s adotado. Explicar quo a orientação, Irá
priorizar a restrição d o s critérios e consequentemente
d a s opçõ es de escolha.
Segunda Etapa: Conhecimento da Realidade Profissional. Para fazer uma escolha
profissional é importante que o adolescente disponha de um mínimo de informação sobre
as profissões existentes, ou pelo menos saiba qual é a atividade principal de cada uma
delas. Esse conhecimento mínimo lhe permitirá eliminar uma grande parte de suas op­
ções e interessar-se no conhecimento de outras atividades profissionais ainda não consi­
deradas.
Um conhecimento mais profundo das profissões de interesse, segundo Neiva
(1995), deverá abarcar os seguintes aspectos: a) objetivos da profissão; b) atividades
específicas: permanentes e ocasionais; c) curso de formação: escolas ou universidades,
currículos, duração, titulação, exigências, etc; d) áreas de especialização; e) mercado de
trabalho: quem emprega, oferta versus demanda de emprego e faixas salariais.
Lucchiari (1993) acrescenta que a Orientação Profissional deve incluir informa­
ções básicas sobre o que são as profissões, o que fazem os profissionais, como e onde
trabalham; as possibilidades de atuação, os currículos dos cursos, o mundo do trabalho
dentro do sistema político-econômico vigente, entre outros. Essas informações, segundo
a autora, facilitarão ao adolescente identificar as profissões que mais correspondem a
seus critérios pessoais de escolha.
Tem-se então que a segunda etapa da Orientação Profissional visa promover a
discriminação das contingências profissionais acima descritas, de forma a ampliar o re­
pertório de análise das opções de escolha pela discriminação de variáveis ligadas à reali­
dade profissional.
Dentre as estratégias utilizadas para este fim sugere-se: manuseio de manuais,
guias e revistas sobre profissões; utilização de vídeos sobre profissões e instituições;
realização de entrevistas com profissionais e/ou estudantes das áreas afins, dramatização
de situações de desempenho profissional; visitas a instituições educativas (Neiva, 1995:
Rappaport, 1998); realização da técnica Combinação Profissões-Características em
subgrupos, com posterior discussão (Moura, 2001); seleção de profissões de interesse
para pesquisa via Internet.
É importante ressaltar que a Orientação Profissional sob o enfoque comportamental
proporciona, através das etapas até então mencionadas, uma ampliação ora do repertório
pessoal de autoconhecimento circunscrito às características de relevância para a escolha
profissional; ora do repertório de consideração de opções profissionais. Ampliar a consi­
deração de possibilidades profissionais pode gerar nos integrantes do grupo, um senti­
mento de que as dúvidas aumentaram ao invés de diminuírem. E isto pode levar a uma
desmotivação para avançar no processo. Sendo assim, é importante que o orientador
alerte o grupo quanto a esta possibilidade, salientando que esta ocorrência é resultado do
processo, e indica que os participantes estão respondendo bem à intervenção.
Quadro 2. Descrição da segunda etapa do programa de Orientação Profissional quanto a
objetivos e procedimentos das sessões.

OBJETIVOS PROCEDIMENTOS
(os adolescentes devem apresentar (os orientadores devem conduzir a sessão
os seguintes comportamentos) seguindo os passos prescritos)

• Investigar e buscar Informaçõos sobre • Comparação Individual do seu porfil (Exercício Combinado
as profissões de interesse, a partir da de Autoconhecimento) com os perfis profissionais monta­
listagem da sessão anterior, que será dos pelos sub-grupos na sessão anterior e seleção das
ampliada; profissões de interesse para pesquisa,-
• Realizar leituras em motoriol Informativo • Manuseio e leitura do material informativo sobre cursos e
sobre as profissões de Interesse;• profissões;
^ Discutir a importância da pesquisa e da • Apresentação individual da pesquisa ao grupo: informações
<D informação profissional sobre a seleção relevantes, relações das profissões com seus interesses e
Ti- dos critérios de tomada de decisão; caractorlsticas, profissões descartadas e mantidas;
O • Tarefa para casa: Realização de uma entrevista com um
. Observação: A realização de duas profissional escolhido individualmente, tomando como
(/) sessões com os mesmos objetivos é referência um roteiro fornecido para que cada um selecione
w recomendável por possibilitar mais tempo individualmente as questões mais pertinentes para sua
^ de pesquisa e aquisição de informações. entrevista. (Moura, 2001)
• No caso de duas sessões pode-se planejar umn atividade
adicional como assistir a um video informativo sobre
profissões ou promover busca via Internet, conforme
Interesse do grupo.

• Aprofundar o conhecimento das • Dramatização da entrevista realizada: 0 adolescente as­


profissões, desfazendo Informações sumirá o papel do profissional entrevistado, relatando as
incorretas ou distorcidas sobre cursos e Informações obtidas num role-playing com outro membro
carreiras através da obtenção de dados do grupo (entrevistador);
(£) da realidade profissional atual; • 0 grupo deve auxiliar cada membro a analisar o porquê de
Q • Analisar em grupo a compatibilidade sua escolha sobre determinado profissional e indicar
■< entre características pessoais e exigências compatibilldades observadas entre as variáveis da profissão
das profissões selecionadas; e as características pessoais do entrevistador
LLI • Elaborar critérios racionais de escolha • Observação. Se o adolescente não realizou a entrevista,
w profissional. deverá participar do role-playlng da mesma fornia, para que
tenha a oportunidade de perceber a Importância desse
conjunto de Informações para a composição de seus critérios
de escolha

Terceira Etapa: Promovendo a tomada de decisão. As duas primeiras etapas da


intervenção fortalecem a capacidade do adolescente de seleção de critérios de escolha a
partir da consideração e análise do universo pessoal e profissional. A partir desta ampliação
de repertórios, a orientação deve promover, nesta etapa, situações de restrição e exclusão
de opções rumo à tomada de decisão.
No contexto da Orientação Profissional o tomar uma decisão pode ser entendido
como o resultado final de um processo de resolução de problemas. Para resolver o
problema de escolha profissional o indivíduo precisa: 1) selecionar uma variedade de
opções profissionais e/ou ocupacionais potencialmente efetivas ao seu perfil pessoal; 2)
analisar as várias alternativas disponíveis segundo seus critérios pessoais, aumentando
assim, a probabilidade de seleção de uma resposta mais adaptativa.
Segundo Catania (1999), o comportamento do solucionador de problemas depende em
muito de repertórios anteriores já adquindos que podem facilitar a resolução do problema. Então,
sob esta perspectiva, a Orientação Profissional deve se preocuparem produzir um aumento geraf
na efetividade da pessoa em solucionar problemas, através do treinamento em habilidades que
permitirão a ela tomar decisões de forma independente.
Tal aprendizagem, enquanto um processo, envolve variáveis do tipo: história de aprendiza­
gem em tomada de decisão; custo de resposta; instrução sobre parâmetros para decisão; critérios
de inclusão e exclusão para a seleção e restrição das opções profissionais. Sua importância
reside no fato de que tais habilidades parecem ser altamente requeridas do indivíduo tanto no
momento de decidir-se por uma profissão, quanto no exercício futuro da atividade profissional
escolhida.
Estando esta etapa diretamente vinculada às anteriores, na utilização das diversas
estratégias já mencionadas, deve-se priorizar: a combinação de variáveis pessoais e profissio­
nais; a construção e/ou seleção de critérios de escolha consistentes; a análise individual da
situação de vida atual e de expectativas em relação ao futuro, com a identificação de aspectos
reais e/ou ideais; a definição de metas pessoais ligadas ao alcance de metas profissionais a
médio e longo prazo; a operacionalização das informações obtidas em comportamentos
direcionados a uma meta.
Considera-se que diferentes respostas podem ser atingidas ao final da intervenção, pois
muito do repertório de saída depende do repertóno de entrada de quem escolhe. No entanto,
para que tais respostas sejam consideradas avanços no processo elas devem necessariamente
estar voltadas para a restrição de opções ou de critérios de escolha, dado que o adolescente tem
aumentada sua capacidade de seleção, combinação e restrições de opções pessoais e
profissionais.
Quadro 3: Descrição da Terceira Etapa do Programa de Orientação Profissional quanto a objetivos
e procedimentos das sessões.

OBJETIVOS PROCEDIMENTOS
(os adolescentes devem apresentar (os orientadores devem conduzir a sessão
os seguintes comportamentos) seguindo os passos prescritos)

• Identificar e definir valores pessoais • Realização do Exercício de Análise de Critérios de Escolha


onvolvidos na seleção de critérios de (Tayfor, 1997);
SESSÃO 7

decisão; • Discussão sobre como os aspectos ovidonciados no


• Definir metas pessoais ligadas ao alcance exercício compõem os critérios individuais de escolha da
de metas profissionais a médio e longo profissão;
prazo; • Identificação no oxerclcio e nos relatos de metas
• Discutir alternativas de decisão fantasiosas e factíveis e discussão do formas de adequação
profissional que atenda aos valores destas às possibilidades concretas de vida.
pessoais e profissionais.

• Avaliar os resultados alcançados quanto • Auto-avali ação Individual por escrito, a partir da proposição:
a escolha de uma proflssôo, restrição das "Em que cresci com este grupo e em que acho que ainda
opções profissionais e/ou aprendizagem poderei crescer".
SESSÃO 8

do processo de tomada do decisão; • Discussão dos pontos comuns e diferentes surgidos nos
• Relatar as metas profissionais relatos quanto aos ganhos imediatos com a intervenção e
selecionadas e definir passos para a sua ganhos posteriores decorrentes da aprendizagem ocorrida;
concretização a partir da aprendizagem • Distribuição e leitura do resumo final dos tópicos discutidos
ocorrida ao longo da intervenção (Moura, 2001);
• Encerramento e feedback.
4. Orientar para o presente e para o futuro
Cabe ainda uma palavra sobre a conduta do orientador. Conduzir o processo para
o exercício do comportamento de "busca e descoberta”, salientando a responsabilidade
de cada um no seu próprio processo de escolha, parece ser a forma mais efetiva de auxílio
ao orientando. Ou seja, quando o orientador evidencia a necessidade de que cada um
decida sobre tudo aquilo que lhe diga respeito durante o programa, ele age náo só para a
promoção da escolha profissional propriamente dita, mas para o ensino do processo de
tomada de decisão. Esta ênfase parece contribuir em muito para que os participantes do
grupo evoluam gradativamente de um estágio de indecisão e incerteza, para uma postura
de maior decisão, segurança e determinação, assumindo um compromisso não apenas
com relação à escolha da futura profissão, mas com as escolhas atuais que a vida requer.

Referências
Azrin, N. H., Flores, T, & Kaplan, S. J. (1975). Job-Finding Club: A group-assisted program for
obtaining employment. Behaviour Research & Therapy, 13, 17-27.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. Porto Alegre:
Artes Módicas.
Lucchiari, D. H. P. S (Org). (1993). Pensando e Vivendo a Orientação Profissional. São Paulo:
Summus
Moura, C. B. (2001). Orientação Profissional sob o enfoque da Análise do Comportamento.
Londrina: Editora da UEL.
Noiva, K. M. C. (1995). Entendendo a Orientação Profissional. São Paulo: Paulus.
Rappaport, C. R. (1998). Escolhendo a Profissão. São Paulo: Ática.
Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1989). Ciência o Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Taylor, S. C. (1997). Workshop to orient students to career planning services. The career
development quarterly, 45(3), 293-296.
Whitakor, D. (1997). Escolha da carreira e globalização. São Paulo: Modorna.
Capítulo 41
Programa de Atendimento à família
especial brasileira com base na análise
do comportamento
Rcruitii L/rosfi
Univcmdüdc Ishiduiil dc Londrim

Com o objetivo de facilitar a compreensão do presente Programa de Atendimento,


inicialmente, será apresentada a Análise Comportamental realizada, os aspectos de
estudos analisados por diferentes autores, que permearam o delineamento do Programa
e, por fim, será exposto o Programa de Atendimento à Família com filho portador de
deficiência mental e/ou autismo.

Análise Comportamental permeando a elaboração do Programa de Aten­


dimento
O Programa de Atendimento aqui proposto toma como base uma Análise
Comportamental, que considera o comportamento como seu objeto de estudo, por
excelência, e tem seus pressupostos filosóficos e epistemológicos, baseados no
Behaviorismo Radical, proposto por B.F. Skinner. Segundo essa Análise os comportamentos
da pessoa portadora de deficiência mental e/ou autismo são considerados como fenômenos
naturais, que devem ser estudados como quaisquer outros, isto é, através dos métodos
da ciência natural.
Para realizar este tipo de análise, deve-se respeitar uma das leis básicas das
ciências naturais, que é estabelecer as relações de causa e efeito entre as variáveis
independentes (ambiente) e a variável dependente (comportamento), que está sendo
estudada. Tal relação pode ser chamada de análise causal ou funcional. Desta forma a
Análise Funcional põe em evidência os eventos ambientais específicos, que causam um
comportamento, de modo que possam ser objetivamente identificados e potencialmente
manipuláveis, aumentando a probabilidade da utilização de uma segunda lei das ciências
naturais: a previsão e o controle do comportamento de um indivíduo (Skinner, 1994).
Na análise funcional, o principal instrumento adotado é o conceito de contingência,
introduzido por Skinner, o qual postula que a análise deve ser permeada por três aspectos:
1) a ocasião na qual ocorreu a resposta, 2) a própria resposta e 3) as conseqüências
reforçadoras. As relações entre elas constituem as contingências de reforço (Skinner,
1994), favorecendo a interpretação ou a compreensão de um comportamento.
Sendo assim, para interpretar o comportamento problema do filho, considera-se
necessário compreender por que ele ocorre daquela forma e naquela situação. Por meio
da Análise Funcional, buscar-se-á identificar, sistematicamente, os determinantes
ambientais do comportamento, ou seja, os eventos antecedentes e conseqüentes que
controlam os comportamentos do filho e conseqüentemente dos pais. Não basta observar
sua topografia, mas é necessário identificar em que situações ele ocorre e qual efeito
produz no ambiente.
Esta análise ó baseada nos conceitos básicos gerais de aprendizagem, que
fundamentam o modelo explicativo da Análise do Comportamento e pode ser aplicada à
Análise Funcional de diferentes problemas de comportamento (Marinho, 1999, Grossi,
Buranello & Silva, 1999 e Grossi, 2002).
Por isso, para a formulação das hipóteses funcionais, que permeiam a elaboração
do presente Programa, deve-se considerar a situação-queixa (ou as situações-queixa),
isto ó, os contextos de interações em que o filho apresenta os problemas de comportamento
e todos os outros contextos de interação pais-filho e se, preciso, do filho com outras
pessoas. Para que mudanças sejam implantadas e novos condicionamentos operantes
se estabeleçam, diferentes e variados métodos compõem o presente Programa de
Atendimento, de modo a se alcançar o controle dos comportamentos. Assim, a análise
dos ambientes dos indivíduos envolvidos, dos seus comportamentos e das conseqüências
dos mesmos leva á resolução do problema.
Pode-se concluir que, para o presente Programa de Atendimento ser eficiente,
não se deve considerar apenas o filho ou apenas os pais e seus comportamentos isolados
de seu ambiente, mas deve-se realizar uma análise do contexto de interação de modo
mais amplo (família, instituição ou escola onde recebe atendimento, acompanhante
terapêutico, professor), dada a sua relevância na aquisição, na manutenção e na mudança
dos comportamentos apresentados pela pessoa portadora de deficiência mental e/ou
autismo.

Aspectos analisados para a elaboração do Programa de Atendimento


Para facilitar a compreensão da elaboração do presente Programa de Atendimen­
to, apresentaremos uma análise de aspectos que compõem estudos de diferentes auto­
res, de modo que se possa compreender as tomadas de decisões que permearam tal
Programa.
O presente Programa não pretende desmerecer os trabalhos que diferem do pre­
sente e visam um enfoque mais emocional. Não ó sem propósito lembrar com 0 ’dell
(1974); Willians & Matos (1984); LeBlanc & Mayo (1992); Cohen & Volkmar (1997) Grossi
& Buranello (1998); Grossi, Buranello & Marinho, (1998); Marinho (1999); Grossi, Souza &
Batista (1999), Grossi, Pinto, Saito Tramontina & Cimonetti (1999) e Grossi (2002), que os
estudos têm mostrado que, ao se habilitar pais a ensinarem comportamentos adequados
e a modificarem os comportamentos inadequados de seus filhos (portadores de necessi­
dades especiais ou não), a família adquire inúmeros benefícios, tais como:
1. diminuição da ansiedade e dos sentimentos de frustração; conseqüentemente aumen­
ta-se a autoconfiança, pois os pais passam a se sentir capazes de interagir e de
promover mudanças; conseguem, inclusive, analisar e avaliar os atendimentos que
seu filho recebe, o que ajuda o processo de adaptação, diminuindo o nível de estresse
familiar.
2. interação de modo mais positivo com o filho portador de necessidades especiais, pois
passam a participar de modo mais efetivo da vida dele.
3. melhora na percepção dos pais quanto ao potencial e ao prognóstico do filho, passan­
do a ter uma visão mais realística do problema, deixando de lado as explicações
místicas.
4. melhora da vida social familiar que passa a ser mais ativa, retomando uma rotina mais
próxima da que existia antes do nascimento do filho portador de deficiência mental e/
ou autismo.
Acredita-se que estas mudanças ocorram, dentro de uma concepção
comportamental, pois a família ó um sistema estruturado com pessoas que se compor­
tam, estabelecendo uma relação de interdependência. Assim, o comportamento de um
membro ocorre em função do comportamento do outro, onde o comportamento de cada
membro assume função de estímulo discriminativo ou reforçador, dependendo da situa­
ção, o que determina e/ou mantém os padrões comportamentais da família (Whaler, 1976,
Skinner, 1994 e Grossi, 2002).
Desta forma, os comportamentos tidos como "problema” também surgem em
resposta às interações familiares e, assim, os comportamentos da pessoa portadora de
deficiência mental e/ou autismo, adequados ou inadequados, podem sofrer alterações
com a aplicação do Programa de Atendimento no ambiente onde ocorrem (William &
Matos, 1984 e LeBlanc & Mayo, 1990; 1992; Silvares, 1995; Cohen & Volkmar, 1997;
Newsom, 1998; Grossi & Buranello, 1998; Grossi, Buranello & Marinho, 1998; Grossi,
Souza & Batista, 1999, Grossi, Pinto, SaitoTramontina & Cimonetti, 1999 e Grossi, 2002).
Se os familiares não adotam sistemas efetivos de controle sobre os comportamen­
tos inadequados do filho, como por exemplo os de agressão, as contingências naturais de
trocas coercitivas prevalecem, agravando cada vez mais as interações com o filho especial,
fazendo com que ele controle os pais, sendo reforçado, por isso, positivamente, pois, geral­
mente, os pais agem em esquiva, cedendo aos ditames do mesmo (Grossi, 2002).
Com base nas afirmações acima, pode-se considerar que a família ó um sistema
de interações, e com base na Análise Comportamental aplicada, o presente Programa
incorpora os pais como mediadores do trabalho (Willians & Matos, 1984, Silvares, 1995 e
Grossi, 2002), pois eles podem ser ensinados a manejar adequadamente os comporta­
mentos problema de seu filho especial e ensiná-lo a realizar diferentes tarefas de seu dia
a dia, usando técnicas comportamentais (0 ’dell, 1974; Willians & Matos, 1984; LeBlanc
&Mayo, 1992; Weise, 1992 e Sander & Dadds, 1993; Cohen & Volkmar, 1997; Newsom,
1998; Grossi & Buranello, 1998; Grossi, Buranello & Marinho, 1998; Marinho, 1999; Grossi,
Souza & Batista, 1999, Grossi, Pinto, Saito Tramontina & Cimonetti. 1999 e Grossi, 2002).
Willians & Matos (1984), Grossi, Buranello & Marinho (1998) e Grossi (2002)
apontaram alguns aspectos importantes, quando se têm os pais como mediadores do
treinamento: a) o primeiro aspecto é que os pais pormanecem a maior parto do tempo
com seu filho, o que os torna mais acessíveis aos seus comportamentos do que o espe­
cialista; b) além de permanecerem mais tempo com o filho, os pais, geralmente, possuem
controle sobre os reforçadores disponíveis a seu filho e c) partindo do principio de que os
comportamentos são adquiridos na interação do filho (portador de deficiência mental ou
não) com seu ambiente (principalmente o familiar), o principal objetivo deste programa é
de alterá-lo, tomando-o mais reforçador e favorável ao processo de ensino-aprendizagem,
neste ambiente.
Para reafirmar a opção de ter os pais como mediadores, no presente Programa de
Atendimento, temos as posições de 0 ’dell (1974); Williams & Matos (1984); LeBlanc &
Mayo (1992); Cohen & Volkmar (1997), Grossi, Buranello & Marinho (1998) e Grossi
(2002).Tais autores consideram o envolvimento dos pais, no treinamento, como forma de
aumentar a probalidade de que:
1) as mudanças comportamentais da criança persistirão ao longo do tempo;
2) os comportamentos ocorram em diferentes ambientes e situações daqueles em que o
treinamento foi realizado;
3) os pais passem a aplicar os princípios para modificar outros comportamentos e
4) passem a utilizar suas novas habilidades na interação com os outros filhos.
Um outro aspecto considerado na elaboração do Programa, juntamente com a
participação dos pais como mediadores, é a aplicação do programa em situação natural,
com base em autores, corno Williams & Matos (1984); Saunders & Spradlin (1991); LeBlanc
& Mayo (1992); Silvares (1995); Sturmey (1996); Cohen & Volkmar, (1997); Handen (1998);
Newsom (1998); Grossi & Buranello (1998); Grossi, Buranello & Marinho (1998); Spradlin
(1999); Grossi, Souza & Batista (1999) e Grossi (2002). Tais autores demonstram que, se
o treinamento for realizado em situação natural, os pais passam a ser mediadores ou
agentes de modificação do comportamento de seu filho, aprendendo a utilizar-se das
técnicas e dos princípios da análise do comportamento para uma grande variedade de
problemas.
O presente Programa parte do princípio de que, ao habilitar os pais de pessoas
portadoras de deficiência mental e/ou autismo na aplicação dos diferentes princípios da
análise do comportamento, em situação natural, pode-se conseguir alguns resultados
importantes quanto à generalização e à manutenção dos comportamentos aprendidos, pois
as modificações já estão sendo feitas no ambiente. Portanto, não ó necessária a transferência
das habilidades treinadas, tanto dos pais como dos filhos (LeBlanc & Mayo, 1992; Cohen &
Volkmar, 1997; Newsom, 1998; McMahon & Wells, 1998; Grossi & Buranello, 1998; Grossi,
Buranello & Marinho, 1998; Grossi, Souza & Batista, 1999 e Grossi, 2002).
Além da participação direta dos pais em situação natural, o presente Programa,
apoiado em estudos anteriores, propõe o envolvimento de outras pessoas, em outros ambientes,
no treinamento, pois estes tratamentos com participação de pais, de professores e de outros
profissionais a utilizarem práticas comportamentais para o manejo dos comportamentos
problema, passaram tanto a diminuir ou a eliminar a ocorrência dos mesmos, como a atender
o objetivo de aumentar a aquisição de comportamentos adequados pela pessoa portadora de
deficiência mental e/ou autismo (Cohen & Volkmar, 1997; McMahon & Wells, 1998; Newsom,
1998; Handen; 1998; Regra, 2000, Windholz & Meyer, 2000 e Grossi 2002).
Estes estudos mostram que, em geral, os pais, os professores e os outros profis­
sionais não sabem o que fazer com a criança e a criança nâo sabe outra maneira de
interagir com o seu ambiente (físico ou social), senão de modo inadequado, condição
esta, que pode ser alterada com o treinamento (Cohen & Volkmar. 1997; Handen, 1998;
McMahon & Wells, 1998, Newsom , 1998; Regra, 2000, Windholz & Meyer, 2000 e Grossi,
2002). Ao se ensinar, a pessoa portadora de deficiência mental e/ou autismo, como ela
deve responder diante de determinadas situações, ele não só diminui os problemas de
comportamento como aumenta a sua participação em atividades programadas (Saunders
& Spradlin,1991; Handen; 1998; Newsom, 1998 e Grossi, 2002). O que se pretende alcan­
çar com o presente Programa de Atendimento.
Na maioria dos treinamentos de pais, com o referido Programa de Atendimento,
procura-se ensinar os pais, primeiramente, a discriminar os comportamentos adequados
de seu filho ou pelo menos o potencial do mesmo, mudando a interação entre eles, para
depois ensinar procedimentos para manejar os comportamentos problema (por exemplo:
McMahon, Forhand & Griest, 1981; Webster-Stratton, 1991; Patterson, Reid & Dishion,
1992; Silvares, 1995, Marinho, 1999 e Grossi, 2002). Essa forma de proceder está em
conformidade com o que Newsom (1998) denominou de contexto positivo, pois alóm de
diminuir a probabilidade dos problemas comportamentais aparecerem, aumentou-se a
probabilidade da pessoa portadora de deficiência mental e/ou autismo aprender comporta­
mentos adequados.
Este Programa de Atendimento, além do manejo dos comportamentos-probloma,
inclui a aprendizagem de comportamentos tanto por parte do pais como do filho especial.
Por meio da variação sistemática na exposição dos pais e do filho a novas tarefas, aproveita-
se situações que ocorrem no cotidiano da família para ensinar habilidades (Grossi, 2002).
Estudos, que adotaram esta estratégia, constataram que, se estudantes autistas e portado­
res de deficiência mental têm oportunidade de mostrarem uma habilidade que aprenderam e
a serem reforçados pelo sucesso de realizá-la, a freqüência dos comportamentos problema
diminui significativamente (Saunders & Spradlin, 1991; Cohen & Volkmar, 1997; Handen; 1998;
Newsom, 1998, Windholz & Meyer, 2000 e Grossi, 2002).
O presente Programa de Atendimento enfatiza procedimentos, que são aplica­
dos em situações que ocorrem antes do comportamento problema, por meio da mani­
pulação de estímulos antecedentes. Uma intervenção desta natureza é chamada por
Cohen & Volkmar (1997) e adotado por Grossi (2002), de intervenção em eventos
situacionais ou ecológica ou em situação natural. Segundo Cohen & Volkmar (1997) e
Newsom (1998), há evidências de que este tipo de intervenção reduz os comportamen­
tos de auto estimulação e de agressão entre as crianças autistas e portadoras de
deficiência mental.
Estudos, envolvendo crianças com autismo, têm confirmado a influência de situa­
ções antecedentes, imediatas na aprendizagem. Por exemplo, quando os pais são hábeis
para ensinar os jovens autistas a realizarem novas tarefas em casa, com apoio profissio­
nal apropriado, é comum ocorrer o aumento significativo dos problemas de comportamen­
to, durante o processo de ensino-aprendizagem, para depois diminuírem, chegando até a
extinção (Cohen & Volkmar, 1997; Handen; Newsom, 1998 e Grossi, 2002), estabelecen­
do uma linha de desempenho similar à apresentada na Figura 1.
Figura 1. Hipóteses de desempenho do filho quanto à apresentação dos
comportamentos inadequados, durante o processo de ensino-aprendizagem, sob o efeito
de uma Intervenção em comparação com a Linha de Base (Grossi, 2002).

Quanto ao desenvolvimento da aprendizagem das habilidades adquiridas pelos pais,


tem-se como hipótese inicial que, conforme os pais apresentem as habilidades, ensinando
as tarefas e manejando os inadequados do filho, o número de habilidades apresentadas
pelos mesmos aumentará, com conseqüente diminuição, a partir do momento que o filho
ganhe independência, apresentando comportamentos adequados e diminuindo os inade­
quados (Grossi, 2002), caracterizando um gráfico como representado abaixo.

UNHA IN I I.KVliNt. A()


l)l h a s i :

Figura 2. Hipóteses de desempenho dos pais quanto à aquisição e à manutenção


das habilidades para ensinar comportamentos adequados e manejar os inadequados do
filho, comparando os resultados de uma Intervenção com o desempenho da Linha de
Base (Grossi, 2002).
Pretende-se, então, que o presente Programa de Atendimento seja eficaz no senti­
do de diminuir os comportamentos inadequados do filho e melhorar o relacionamento famili­
ar, engajando os pais no processo de mudança e com boa receptividade pelos mesmos,
como sugerem Cohen & Volkmar (1997); Handen (1998); Newsom (1998) e Grossi (2002).
A ênfase no tipo de estratégia seguida no presente programa leva em considera­
ção os estudos apresentados por McMahon & Wells (1998); Handen (1998); Newsom
(1998); Regra (2000) Windholz & Meyer (2000); Mendes, Riguetti, Calvazara, Ribeiro, Rios
& Neves (2001); Mendes (2001) e Grossi (2002), os quais indicam que os problemas de
comportamento sérios precisam ser tratados, para que não perdurem, mas também de­
monstram que, dependendo da seriedade dos mesmos, a criança precisará de tratamen­
to/monitoramento contínuo para evitar que os padrões voltem, pois, assim como na maio­
ria dos problemas de comportamento existe uma grande dificuldade de que haja generali­
zação quanto aos lugares, ao tempo e às pessoas, sendo necessário um tratamento
multimodal, envolvendo escola (professores e colegas), família, criança e outros grupos
sociais (comunidades), como consta no presente Programa.
Analisando estudos anteriores, percebeu-se que a partir da década de 80, os
pesquisadores passaram a se preocupar com a generalização e a manutenção dos
resultados alcançados nos treinamentos com as pessoas portadoras de deficiência mental
e/ou autismo, buscando ampliar os procedimentos, para que pudessem habilitar, também,
os pais, para que estes aprendessem a ensinar e a controlar/modifícaros comportamentos
do filho. O enfoque destes estudos passou a se voltar para as variáveis que atuavam sobre
a interação pais-criança, com ênfase no desempenho dos pais, além de intervir em outros
ambientes do cotidiano destas pessoas (0 ’dell, 1974; Williams & Matos, 1984; LeBlanc &
Mayo, 1992; Sanders & Dadds, 1993; Weisz, Donenberg, Hann & Weiss, 1995; Silvares,
1989; 1995; Cohen & Volkmar, 1997; Handen, 1998; Newsom, 1998; McMahon & Wells,
1998, Marinho, 1999 e Grossi, 2002).
Partindo dos pontos discutidos para a aplicação do presente Programa de
Atendimento à Família Especial Brasileira, adaptou-se algumas sugestões propostas por
diferentes autores, os quais consideram que: a) os pais devem adquirir habilidades e
modificar seu próprio comportamento, b) mudanças devem ser implantadas com os pais,
c) com o filho, d) na instituição e e) mudanças devem generalizar e persistir. Para isto,
este Programa inclui medidas e avaliações das mudanças tanto no comportamento parental
como do filho, além da avaliação da manutenção e da generalização dos resultados, como
propõem Silvares (1989); Wiese (1992) e Grossi (2002).

O Programa de Atendimento à família especial


O presente Programa de Atendimento não tem a pretensão de atender a todos os
aspectos abordados em diferentes pesquisas, que tratam deste tema, mas tem a intenção
de auxiliar a família com filho portador de deficiência mental e/ou autismo, tendo os seguintes
objetivos gerais e específicos a serem alcançados:

1. Objetivo geral do Programa de Atendimento:


Caracterizar a história de condicionamento (ou história de aprendizagem) de uma
família com um filho especial, para favorecer o delineamento e a aplicação de um Programa
de Atendimento adequado às necessidades da mesma:

2. Objetivos específicos da Proposta do Programa de Atendimento:


a) Recolher informações sobre as condições ambientais, pessoais, comportamentais
e biológicas que podem estar, funcionalmente, associadas à situação-queixa trazida
e descrita pela família da pessoa portadora de deficiência mental e/ou autismo.
b) Formular hipóteses funcionais, possíveis de serem contrastadas, com base nas
informações recolhidas.
c) Operacionalizar as alterações ambientais para confirmar as hipóteses levantadas,
avaliando as mudanças comportamentais dos pais, ou seja, apresentação de novas
habilidades comportamentais, de modo que:
• passem a favorecer a aprendizagem de comportamentos adequados pelo filho e;
• aprendam a manejar os comportamentos inadequados, diminuindo suas ocorrências.
Os esquemas a seguir os representam:

d) Promover as seguintes alterações compartimentais no filho:


• aumento na ocorrência de comportamentos adequados e
• diminuição na ocorrência de comportamentos inadequados, principalmente na situ-
ação-queixa.
Os esquemas a seguir representam esses dois últimos objetivos:

e) Verificar a satisfação dos pais quanto aos componentes do Programa de Atendi­


mento.
f) Verificar a manutenção e a generalização das mudanças comportamentais, pelo
menos a curto e a médio prazo.

3.Categorias de Habilidades para manejar e ensinar comportamento do


Programa
Com o intuito de tornar este Programa mais efetivo, Grossi (2002) procurou reunir
e sistematizar informações, a partir de diferentes estudos e autores, tais como: Hall (1973);
Panyan (1974); Striefel (1975); Martin & Pear (1983); LeBlanc & Mayo (1990; 1992); Skinner
(1994); Alencar (1995); Grossi, (1996); Grossi & Almeida (1998); Cohen & Volkmar (1997);
Handen (1998); Newsom (1998), que constituíssem as principais habilidades que os pais
devem apresentar para manejar e ensinar os comportamentos de seus filhos especiais, os
quais podem e devem ser utilizados por todas as pessoas que interagem com as pessoas
portadoras de deficiência mental e/ou autismo, favorecendo a efetivação dos objetivo
traçados.
A seguir, serão apresentadas as 20 habilidades, devidamente, categorizadas por
Grossi (2002), a serem ensinadas aos pais com a finalidade de manejarem comportamentos
inadequados e ensinarem comportamentos adequados ao seu filho especial, as quais
podem ser aplicadas nas diferentes situações do cotidiano da família.

Categoria 1: Postura

• Definição: utilizar uma empostação da voz de acordo com a


situação e com o objetivo que se quer alcançar.
1. Utilizar Tom • Exemplo: estar atento à situação e perceber se sua postura
de Voz frente ao filho(a) deve ser mais rígida ou suave e assim, ou seja,
Apropriado não utilizar um tom de voz suave em uma situação em que o filho(a)
deve terminar determinada tarefa e está resistindo ou utilizar um
tom agressivo no momento de transmitir alguma informação ou
um elogio/incentivo.
• Definição: utilizar a linguagem do dia a dia da família, de modo
2.Utilizar natural e com palavras e expressões apropriadas à idade e ao
Linguagem ambiente social do filho(a), tanto nas situações de aprendizagem
Apropriada como numa conversa informal.
• Exemplo: os pais não devem tratar, por exemplo, um filho(a)
adulto como uma criança, usando expressões do tipo: "meu
meninão, "que nenezão".
• Definição: apresentar expressões faciais condizentes com as
3.Utílízar situações e com os comportamentos a serem trabalhados.
Expressão • Exemplo: os pais, seguros do objetivo comportamental a ser
Facial alcançado, devem apresentar uma expresão facial coerente à
Apropriada linguagem e ao tom de voz utilizados, isto é, elogiar determinada
atitude do filho(a) e emitir uma expressão de alegria e não de
indiferença ou dar detrrminada instrução com uma expressão de
firmeza e não de insegurança

Categoria 2: Reforçamento
Compõem, esta classe, aquelas habilidades que, ao serem utilizadas, aumentam
a probabilidade do filho(a) apresentar comportamentos adequados, envolvendo-se na
realização das tarefas a serem ensinadas; para isto os pais devem:
1. Incentivar/ Incentivar
Elogiar/ Dar • Definição: estimular o filho(a) a realizar e/ou participar das tarefas,
Atenção/ Dar com gestos ou oralmente.
Autonomia: • Exemplo: falar com o filho(a), indicando que ele é capaz de realizar o/
ou de participar das tarefas: “Vamos, lá, eu sei que vocô consegue",
"Está quase no fim".
Elogiar
• Definiçio: valorizar oralmente as atitudes positivas e os sucessos do
filho(a) tanto no momento em que ocorrem como em outras situações,
que julgar pertinente. Quando elogiar o filho(a), os pais devem ser
específicos a respeito de qual comportamento está sendo elogiado, para
assegurar que o filho(a) saiba exatamente qual é o comportamento
desejado.
• Exemplo: os pais: "Gostoi muito de vocô ter me ajudado a colocar os
copos na mesa”, "Vocô que preparou esto suco? Está uma delícia!".
Dar Atenção:
• Definição: olhar para o filho(a) e/ou para a tarefa ou a atividade, que
ele está realizando.
• Exemplo: enquanto seu filho(a) está lavando a louça, seja com sou
auxílio ou sozinho, olhe para elo e ató sorria, mas de modo natural,
reafirmando que vocô está observando o que ele está fazendo.
Dar Autonomia:
• Definição: Permitir que sou filho(a) faça sozinho, quando ele souber,
para que adquira autonomia

• Definição: tocar seu filho(a).


2.Manter Contato • Exemplo: nos momentos de troca de carinhos, com abraços o boijos
Fisico: ou durante os ensinamentos das tarefas, pondo a mão no ombro, pegar
na mão durante um passeio, pois mostra uma relação de ajuda e de
confiança dos pais frente ao empenho do filho(a).

• Definição: estabelecer um diálogo com o filho(a) do modo claro, objetivo


3.Conversar/ o específico, quanto ao assunto a ser abordado com o filho(a). Esta
Tratar como habilidade deve ser usada em todos os momentos, seja para manejar
Pessoas/ Amigo: os comportamentos inadequados como para ensinar o filho(a) ou
simplesmente por ser prazeroso. Tratá-lo e respeitá-lo como uma pessoa
que tem sentimontos como os seus; que também quer diversão, viver
situações divertidas, sentir-se amado e querido, exatamente como todas
as outras pessoas.
• Exemplo: vocô precisa explicar ao seu filho(a), que não gostou dele
ter quebrado o vaso da sala, mas precisa dizer-lhe que gostou dele ter
lhe ajudado a guardar a louça. Sente com seu filho(a), interagindo com
elo como um amigo, mesmo quando precisar ser firme e impor limites.
4. Concentrar-se • Definição: estar atentos aos "pontos fortes”, isto é, àqueles
nas Habilidades: comportamentos, que seu filho(a) já faz ou pode vir a fazer ao longo do
seu dia a dia.
• Exemplo: vocô está ensinando o seu filho(a) a preparar um suco, elo
está mexendo o suco, então ele começa a bater na cabeça, apenas fale
do comportamento de moxer o suco, para que ele perceba que vocô
está concentrado no comportamento adequado. Outro exemplo: quando
vocô está ensinando seu filho(a) uma determinada tarefa a algum tempo
e percebe que ele já realiza passos da mesma sozinho, dô tempo, para
que ele possa apresentar outros comportamentos, independentemente.

5. Demonstrar • Definição: ensinar seu filho(a) com alegria e motivação, apresentan­


Entusiasmo: do-se sorridente, expressando seus sentimentos, descrevondo o que
ele(a) é capaz de fazer na situaçáo/tarefa.
• Exemplo: sorrir para seu filho(a), enquanto lhe ensina a guardar os
talheres, falando, por exemplo: "olha como os talheres estão ficando
organizados: colher com colher, garfo com garfo, faca com faca". "Vocô
me ajudou muito, obrigado".

6. Utilizar Reforço • Definição: apresentar reforçadores (como conversar, dar atonção,


Diferencial elogiar, incentivar, manter contato físico) para aqueles comportamentos
a serem adquiridos pelo filho(a) o não reforçar os inadequados, isto é,
apresentar reforço para comportamentos específicos que se quer ensinar,
em detrimonto do outros.
• Exemplo: existem dois momentos para so utilizar esta habilidade, no
primeiro o filho(a) ostá realizando uma atividado o os pais reforçam
quando ele está envolvido na mesma e ignora-o, quando está
apresentando algum comportamento inadequado. A outra situação, ató
mais eficiente do que a primeira, ó quando, junto com outras possoas, o
filho(a) ó reforçado, estando onvolvido numa atividade. Assim, quando
apresenta algum comportamento inadequado, os pais reforçam os
comportamentos adequados das outras possoas, que estão envolvidas
na atividade a ser realizada.

7. Utilizar de • Definição: Permitir que seu filho(a) exporencie as conseqüôncias que


Reforço Natural ocorrem como resultado do seu comportamonto, as quais podem ser
prazeirosas, isto é, sempre que possível, utilizar os reforços naturais,
que são eventos disponíveis no mundo real como resultado do
comportamento

* Exemplo: quando seu filho(a) coloca uma blusa quando está frio; toma
banho quando está suado e o próprio prazer em consoguir realizar uma
tarofa o ser útil, podo ter função reforçadora, ao invós de utilizarem
roforços artificiais, como por exemplo, a comida. Quando não for posslvol
ou for difícil utilizar os reforçadores naturais, procurar estabelecer
"premiações", que estejam dirotamente relacionadas com a situação do
aprendizagem ou de reforçadores sociais, como os citados acima: elogio,
incentivo, contato físico, atenção.
Categoria 3: Manejo de Inadequado
Para esta classe de habilidades, foram agrupadas aquelas respostas que os pais deveri­
am utilizar com a função de controlar, isto é, mudar a freqüência ou a probabilidade da ocorrência
de comportamentos inadequados, levando-os à diminuição ou à extinção; para isto os pais devem:

1. Observar para • Definição: estar sempre atentos para observar quais as situações e em
antecipar a qual seqüência ocorrem os comportamentos inadequados (aqueles quo se
conduta quer mudar), para que se possa estabelecer algumas estratégias, quo
inadequada dificultem a ocorrência dos mesmos.
• Exemplo: o filho(a) que quebra objetos pode apresentar alguns
comportamontos antes de pegar e quebrar algo, bom como devo havor
situações ospecíficas para que isto ocorra, então os pais podom intervir qundo
o primoiro comportamento da cadoia ocorror, tontando impodir a ocorrência
do comportamento do quebrar objetos e, quando nocossário, até mesmo
evitar expô-k) às situaçõos que sabom que podo ocorror. Outra estratégia é
mantê-lo ocupado, explicar e conversar com o filho(a) o que pode acontecer
e por que, previnindo a ocorrência do comportamento inadequado por deixar
o filho a par do que pode acontecer e das conseqüências, se ele apresentar
o inadoquado.

2. Redirecionar • Definição: direcionar o comportamonto inadoquado do filho(a) para uma


Comportamento: atividade apropriada à sua idado, ao sexo e à situação, pois assim olo apronde
um comportamento adoquado o diminui a probabilidade dolo apresentar um
inadequado
• Exemplo: seu filho(a) está esmurrando sua própria cabeça, enquanto vocês
tentamensiná-to a vamer o chão, simplesmente pegue as mãos dele e direcione
para a vassoura, sem, necessariamente, precisar falar do comportamonto
inadoquado.

3. Utilizara • Definição: ignorar o comportamonto inadoquado do filho(a), qaundo o


Extinção: mosmo não oferocer risco a ole(a) ou a outra pessoa.
• Exemplo: seu filho(a) se joga no chão para não ajudar você a fazer o cartão
do dia dos pais; se ele não estiver se machucando, você continua fazendo a
tarefa ou faz outra tarefa e não dá atenção a ele(a), que está no chão, até que
ele(a) se levante Os pais podem extinguir tais comportamentos ignorando-
os, mas dando preferência para o roforçamonto diforoncial ou rodiroctonamonto
do comportamonto, pois usando a extinção não é onsinado nenhum
comportamonto ao filho(a), enquanto, com os outros dois procodimontos,
promovom aprendizagem.

• Definição: fazer um acordo com o filho(a): quando ele cumpre detrminadas


4. Estabelecer normasAarefas, previamente, estabelecidas olo será reforçado (ou ganhará
Contato de algo ou não perderá), podendo, inclusive,ostabolecer com elo qual sorá este
Contingôncias: reforço. Neste contrato, devo ficar claro qual será a consoqüôncia, se olo
não o cumprir. Os pais dovom ter o cuidado para ostabolocerom contratos/
acordos viáveis para oles e para o filho(a).
• Exemplo: após ter realizado uma tarefa, que a família instituiu como
responsabilidade dele(a), por exemplo alimentar o passarinho, ele(a) pode
subir na árvore, que é um lugar que ele(a) gosta de ficar ou o filho(a) belisca
o irmão durante o almoço, os pais podem estabelecer com ele que, ao beliscar
mais uma vez alguém, será retirado da mesa e almoçara sozinho.
5. Estabelecer • Definição: falar clara e objetivamente com o seu filho(a), o que ele
limites: pode ou não fazer ou ter.
• Exemplo: sou filho(a) quer sorvete de chocolate em pleno domingo às
23h, conversem com ele e expliquem que Isto ó impossível, so for
possível e se ele(a) merecer, dô alternativas, como um doce quo tenha
em casa.

Categoria 4: Favorecimento da Aprendizagem


Nesta classe, as habilidades têm como função favorecer a aprendizagem do filho(a)
de modo sistematizado e, ao mesmo tempo, aproveitar as situações naturais em que os
comportamentos adequados deveriam ocorrer; para isto os pais devem:

1. Persistir nas • Definição: apresentar, verbalmente uma instrução o dar um tempo,


instruções contando aiò 5 (às vezes até 10), para que o filho(a) se mnnifosto o
decida seguir a instrução. Uma vez dada a instrução, os pais dovem
seguir até o término em que o filho(a) obedeça.
• Exemplo: apresenta-se a situação: "Vamos almoçar?", conta-se até 10
e caso ole não omita nonhum comportamento, os pais insistom: "Já é
meio dia, estou com fomo, vamos almoçar? Se não se faz isto, os
filhos(a)s aprondom rapidamente quo não conseguem tazor o quo os
pais lhe pediu. Se não é possivel soguir até o término, é melhor nunca
lhes dar a instrução Os pais dovem ter cuidado para não dar mais do
uma instrução, por exomplo: "F. agora nós vamos trocar do roupa para
sair, que tal você começar tirando a camiseta? Como o filho(a) domora
para tirar a camiseta, logo em soguida os pais pedem: "Então, tira o
"shortsT e muitas vezos o filho(a) não faz nenhum dos dois passos da
tarofa o ainda apresenta comportamentos inadoquados. Diante disto,
os pais devom planejar cuidadosamonto uma instrução, para evitar o
fracasso o, conseqüentemente, a ocorrência dos inadequados

2. Manter-se • Definição: mostrar tranquilidade em suas ações: a) aprondendo a contar


Relaxado: até 10, b) rospirar profudamonte, c) sair da situação, quando percebe
quo irá perder o controlo, d) ser firme, mas não gritar, o) manter uma
postura física de tranqüilidado, por exemplo: os ombros rolaxados, uma
expressão neutra e a respiração ritmada.
• Exemplo: os pais pedem para quo o filho(a) vá tomar banho, o filho(a)
não vai, porcebendo que tomando esta atitude perturba os pais, irá
persistir o comportar-se de modo cada voz pior, ainda, por isso a atitude
não podo transparecer tensão, mas firmeza.

3. Aproveitar as • Definição: usar o interesse que sou filho demosntrar om algo do seu
Situações: ambiente, para ensiná-lo(a), isto é, ensinar os objetivos naqueles
momentos em quo o filho(a) demosntrar.
• Exemplo: trabalhar quantidade com seu filho(a), enquanto proparam
um bolo. Durante a tarofa, pode-se trabalhar tanto os numerais como a
respectiva quantidade.
4. Assegurar-se • Definição: assegurar-se de que tem a atençáo do seu filho(a) antes de
da Atenção: passar um conteúdo.
• Exemplo: virar e segurar o rosto do filho(a) na diroção e próximo ao seu
ou para a atividade, ou pedir, verbalmente, que olho para vocô ou para a
tarefa.

5. Utilizar Ajuda • Definição: dar oportunidade ao filho(a) de realizar a tarefa com total
Graduada para independência, desde o primeiro momento o só posteriormente oferecer
Independência outros níveis de ajuda, pois muitas vezes o filho(a) já possui repertórios
comportamentais, mas não teve a oportunidade de apresentá-los.
• Exemplo: para passar a pasta de dente na escova, pegar na mão de
seu filho(a) e ajudá-lo, fisicamente, a pegar a pasta, abri-la, passar na
escova e fechá-la, sempre usando contextualização junto, por exemplo:
"Filho, nós acabamos de almoçar, nossos dentes estão sujos, por isso
precisamos escová-los" Se for possível use de demonstração, com vocô,
escovando seus dentes, como modolo.
• Observação: a ajuda física deverá ser evitada, tanto quanto seja
possível, já que estas ajudas não fazem parte de uma seqüência natural
do comportamento. Se os pais os ajudam antes que eles tentem uma
resposta, eles aprendem a esperar a ajuda antes de responderem
independentemente. 0 nível contextualização deve ser apresentado
associado a todos os outros níveis do ajuda, pois ó o nível mais próximo
à independência, assim pretende-se aumentar a probabilidade do se
desvanecer a ajuda física ató a independôncia.

Quadro A. Níveis de ajuda oferecidos ao filho(a) na realização dos passos das tarefas,
elaborados por Grossi em 1997, com base no Projeto More (Lent, Keilitz, Foster & McLean,
1974); no Projeto How to do More (Lent, 1978); no Currículo Funcional (LeBlanc & Mayo,
1990; 1992) e Grossi & Almeida (1996):

Níveis de Ajuda Definição Operacional

Independente • fronte á situação, o filho(a) realiza o passo da tarefa, espontanoamento,


sem nenhum tipo de ajuda

Contextualização • oferecer Instruções verbais, descrevendo a situação e/ou o porquô do


filho(a) apresentar o comportamento. Por exemplo: “Agora vamos trocar
de roupa para sairmos" ou “Acabamos de comer, nossos dentos estão
com comida, precisamos escová-los, como se faz?"

indicação gestual • indicar através de gestos o que o filho(a) deve realizar. Por exemplo:
apontar a caneca que será utilizada; apontar onde guarda um alimento.

Demonstração • realizar o passo da tarefa, para que o filho(a) copie (imite).

Ajuda verbal ou • oferecer instruções verbais, descrevendo o comportamento que o


Comando verbal filho(a) deveria apresentar na realização das tarefas. Por exemplo: "Pegue
a caneca" ou "Vamos tomar banho, tira a blusa".
Seguir de perto • acompanhar os movimentos do filho(a) na realização dos passos
das tarefas, com a(s) mão(s) sobreposta à(s) do filho(a), mas sem
encostar, como se fosse uma sombra do seu movimento.

Ajuda fislca • oforecor pequenas ajudas na realização dos passos das tarefas como:
parcial segurar no punho ou no cotovelo para direcionar o movimento do filho(a),
na realização dos passos das tarefas e posicionar utensílios ou
vestimentas, de modo a facilitar o desmpenho do filho(a), na execução
dos passos das tarefas.

Ajuda fislca total • colocar a(s) mão(s) sobre a(s) mão(s) do filho(a), segurar a(s) sua(s)
mão(s) e conduzi-la(s) na realização dos passos das tarefas.

4. Etapas do Programa de Atendimento


A Tabela 1, abaixo, apresenta as Etapas que compõem o Programa de Atendimento
à Família Especial Brasileira.

K i n >*( O ajauvua B o a a ir â a i ua Pnor.tcHHMTOi PAMA P airam oa


UMA ft VAl*AP AMA Ou 1NA
1 C ontato Inicial co m o * P ala a) Aji IUj «
a) M archar Informirçô«a »obra m Mdtainia da ( ntiaviataa
i ÀvaHãçta com o Wího cmvJlçftaa ambfcmtaita a pw aoata Mulalnia da O taarva^fci T f* raunltjo dntNm i)ua
naonaaArUM Inalriiinaiitiia da A v alai,*» f a v o r ■ dnlx>ravAi> da U|x^aamí
1 C ontaln com outroa ProAaalonala h) Varifk.ar o rap«riúrM) ooropurtamanlal Oom|x»laoiaUal taalAvntfi
doa pala a do fllw li) Haall/at Wmayant
c) a aHtj*çArM)uaUa r ) 1 i l a M x a r nrintaln u m na outroa
4 1 Inha d a B a a a
liniAaakinata

a) IMb/m a « iM a a funcional para


8. fo rm u la ç ã o riaa HIpAUaaa aatalialarar aa pnaalvala ralaçflaa T#f «ilatKHMdn ttipótiiaiaa fuiM:ioiwia
ti) Idantlflcar nn vnnáveia
i:aiiaata ivaaanlaa na tHumçào ciiial» poaaívfMa (It* ammn lnal*v«la
independentes (eventos (attira na |Ki<itariiaa ila axnporlanientu Tw MalxHwlo na mudianvMi
am bientai«), que podem M tu r a aaua amhlantaa), colatadoa naa alapa para favnr»r«r o («ata daa
6. P rop osta ria A ltataçÒ «« naa amartor hl|)ò<<MMM, na (juftla nort#iNfn o
determ inando » m antendo n
C ondiçA «a A m blantala b) 1 laborar alaraçAaa amblantala vltvala datinnamonto do (KogtMrna da
situação - queixa (variável da aararn » iJx jiila a ix n dKarantaa a(andirnw)h) a a nt rm<*/a<ln
dependent«) anilttanlaa. qua o PNC fcaipianta
b) 1 lalxvar aa lUfx'toMa furxfcmal*
c) r ialxrHf mmlanvaa viAvwia ita aararn
axaruladaa noa dlfaratilaa w tu M ilaa
a) fom ar aa n m tlç ta a amhlantal» a) Promovar ancontroa nim oa |>ala a Tar ( (inaogiildo (fun aa «Ilivav6na
favtvtvaMi au protwaao da atuUrio- u * v uulraa paaaoaa a pmnaakmua ■a^atn irnplanla(Jas, (tn ixttfwAniJH, mii
7 R^aalriituraçâo da R otina aprarxll/agam doa pal« a do M to o » r anvntvkkia nua alardUrtianloa a no Itxlua oa «mlNanlM qu« a paaaoa PNF
profakna rta ijxn|*>rtartiai<i> da n>odo a colidiam da lamllia IHiaaii am IrnliMda ( axant pio na
prurnovar a raatihicAo ila »KiiaçAo b) Iranam llr. p<» aaiitln, Inlixmaçftaa famlHa « na tnatttuK;AfO
c|im 4iui ralavanlaa para i(iia a« alara^Aaa aa|ain
atatlvai
a) Haal/ar M aafrw Individual» da
w tanlaçSo
b) TranwnIMr aa iilwilai/kaa pnf «acrHo
a) Oar opixtiinldade | « a o fHI» c) Olaouli aa liatxlidailaa a aararn
1 IntarvançAo aprantlar a c»aaarn|>*(iliar paaaoa (taa irtli/ada> p aia anainar «a Tar <|ua na <*t|aMvna
1 rrtfaa# nom larafaa. lrxJa(jatiilai>litma(ila cxxniiartamaiiKia a nwiia|ar aat«t>«liK icliM, rutata fuá« anjunt
Ctun$Mfian}0ntO9 li) Moaliar <|tia o fltio ptxla apraaartar oa liia<lai|i«*<l<* alciir^wtoa
Admjuãúoa do Fito o (»ni|HirtaiTia»lia adar|ua<loa am d) Tialnar aa lialuldailaa mn *au av *»
(latrtnianli) doa kiadaquadoa. paaaando Iialufal por mal» da itamrmrra^Ari.
a *yarlKar rai potancial da vmrtml a wupmvmtn
aprarxllvagam do flllto
o) E»1ab»lucer tarefas a sorom
trntnadas
f) [Mu.ullr aa aa a a tea . anfali/andi) oa
ptxiloa poaMIvoa a aa nalralégla* |iara a
'•aoluçAo doa por)U« rmyattv<«

Tabela 1. Os objetivos; as sugestões de procedimentos e os critérios para passar de uma


etapa para outra, referentes a cada Etapa da Proposta do Programa de Atendimento
à Família Especial Brasileira.
Os objetivos; as sugestões de procedimentos e os critérios para passar de uma
etapa para outra, referentes a cada Etapa da Proposta do Programa de Atendimento
à Família Especial Brasileira.
O u ttm o * S u o r a iô e a o> P an trim u rN ioa C w ita io (a ) tama P/uiiam oc
iim a P iw A r « « * O u iK *
a) Aprimorar teM tklw lm adquirida» a) KmnI/ hi lodua i » prouadlrnanloa
patoa pai* • aprarwlar ixitraa unlnrtorniiailo tfladoa
(i) litatillllcar aitfraMgiaa qua aum artarr b) Apraaantar vldaoa para anA laa d a i
a probaíitlKlada (ta <Kjnré«¥J« do nabitlriadaa ulM/adaa
com porlaniarilo proMama (Ikntmíi oti da c ) r*lH l>al«i«f aatialéglaa qua
In ta r v a n ç lo
n to ocorrar mudando c o tln g ê n u m aum anlm i a ixobabHMiMa tia nvuntuvlm T * u»»»Q»UU>tf/mo» ohftiilvo»
f i w 2. Cnfi m na SUim çâo Qualna
illatantM a prAriinaa à » Itu a çâ o o K a lu do uxnpoftam anto proMantn ilm hnik ou aatalialacldo». rwaln Inkh, «n|nii>
c) Cnalriar coriKKirtamaKU» iK laixatM » da n t o ocorrar. mudando oontlnoftnc.la nlcançadoa
concurrent»» d lalarJaa a prAxInia« k «HiMvAo-<H>d»H.
d) Miiabar au (Ilho <|ua a jitla m otfraa com oa pata
•ftuavAoa <|ua podam adquHr valut d) I lalar, (x m oa pal* kical». «UuaçAm a
rafurv»«o> para ata alM dadaa qu a puaaatn w r rafo r(*d o ra i
para o Dtx)
a) Haagatar ctwn o a pal» o qua )* a) R aal/ ar lodua ua prcx.adlmatiUia da
In U rv a iiç â o apftxxtaiaCTi a n o q u a podam maUiotar, laaa anl»H » Tar uxiaagulO o <tua o» ot>|atlwM
F m J Aparfalçoamanto itam continuando a r i * M m noa b) Hatoniar Io d ai ■■ haM Idadaa a a ta M a c id o * naatu taaa. M>|nrti
HabUhMma ríoa Pala «iniportam antoa adaquadoa (lo Ilho, c) Apraaartar urM uoa a labalaa qua alcaovadoa
para qua oa p al* artarnarti au mvéa da itmTKnatram o daaam panlto doa |m U n
If iu » « n « f a U i w a t f -----------------------

a) Apttca# um InvantArto da HattafaçAo do Tar (X)itaagulrlo uir« rmHK>ati) |H»lllva


t . A vaN açto da BatlafavAu d o * P ala a) 1 avariMh a aatftfaçAo doa pwa Irmim Conaumtrior doa paia, im)i(»itdo qua o Programa ria
Q uanto ao Program a da A tanülm anlo ao Programa (ia Alunriimaiio aptkUKlo b) Raal/a* (iH ivarM i Miformaia <mro AtcxuWmfmlo ria um modo garai,
p aia a rnariugAo ria *MuaçâiM|Ljaíita (taè* a |*oAaafc*iata a U x a oa afnrto* rio alcMOçod aaiiB otjjalivo« (nqimioa
Programa Ua A íauíim a^o. oa raaotuçAo liirikürioa naa faaua da Intacvançâo)
fia artuetâo-ciuaiiui (ta/«Nirio aatM aJh o a t» oadltJiiarilaa
a) Kaafl/*r uma cfc*aJi*çfc> rio
riaaan^ianho doa pala a ria aau fllx».
aofati/ando aa toalU v ai
t>) Naltvnaf ortantaçAaa ftanantNktaM.
aafa oraim anta ou |mm aacritn
10. ImplantaçAo ria t.a tia fég la a p ara a a) fiahorar a apMuir aalralégM» qua c.) TalatMiHK.ar m v aa (arafaa a aaiam 1 ar uMtaagukJo a iMaiHflaoçAo a a
M a m ita iiçlo a a O anaralIfaçA o doa aumatiMm a pfobahfliüaria rioa p a * a do arwioariaa ganaiali/avAo riiM
Maaultarioa fill«) mantarvm a gwavaii/aram <» <0 CJatMvar uni Irolrumafilo qua favttfaça aU ^ r^ aih« « jr i a at>ln avAo <io
raaultarioa afcançarioa quanlo aoa ••ua. o ragtafro, |»4oa (>ata, ria ioanti(af>vAo (i* Pa>grafoa
faapanttvoa claaampanhoa (ta
a) HaaM/ftf fiovM ta a aftai (in n a/ou
aan) odaotavAaa. « n aNuaçAo natural
f) Contatrtf a famRla, pw taM o na para
i»al»«ir com o o fiB*) aalA

Para que o Programa de Atendimento seja efetivo, uma etapa deverá dar suporte
para a realização da seguinte, por isso observa-se que, para passar de uma para outra,
ó necessário que os objetivos de cada uma delas sejam alcançados. No entanto, deve-
se considerar as particularidades de cada participante, pois disto dependerá o número
de sessões, para que os objetivos sejam satisfatoriamente trabalhados.

Considerações finais
1. Objetivos do Programa de Atendimento
O Programa favorece que sejam alcançados os objetivos propostos com a sua
aplicação, de modo a: a) caracterizar a história de condicionamento (história de
aprendizagem) da família; b) operacionalizar a aplicação do Programa de Atendimento,
levando os pais a utilizarem as habilidades para ensinar comportamentos adequados e a
manejar os comportamentos inadequados do filho, tanto da situação-queixa como do
cotidiano da família. Tendo como resultados, a capacitação dos pais, com conseqüente
aumento na ocorrência de comportamentos adequados, do filho, com a diminuição dos
inadequados, chegando à resolução da situação-queixa e à utilização de situações do dia
a dia para ensinar tarefas ao filho especial.
2. Planejamento e flexibilização
O Programa, se aplicado da forma proposta, faz com que o profissional planeje
sua ação, ao mesmo tempo em que deve estar atento e respeitar as idiossincrasias de
cada família, fazendo, gradativamente, a análise funcional para a condução do mesmo,
flexibilizando-o. Para se avaliar quando uma família atingiu os critérios e mesmo para
que atinja os objetivos traçados deve ter suas características e necessidades respeitadas,
para que aumente a probabilidade da adesão e do sucesso do tratamento.

3. Adesão da família ao Programa


Acredita-se que a participação e a satisfação dos pais com o Programa deva-se,
principalmente, do mesmo buscar estratégias para resolver uma situação-queixa emer­
gente e de rápido resultado, pois ele é aplicado de modo intensivo, com foco específico.

4. Ganhos para os pais


Além da aquisição das habilidades ensinadas, ao final do Programa, a família
pode ter alguns ganhos: a) dar início ao processo de adaptação e reestruturação de
suas vidas, buscando e retomando fontes de reforçamento; b) os pais passam a perceber
que podem utilizar aquelas habilidades que usavam com o filho especial com o(s) outro(s)
filho(s); c) passam a fazer o que se pode chamar de Análise Funcional das situações e
buscar estratégias para resolvê-las ou trazê-las para um profissional habilitado, antes
que se torne uma situação-problema e d) resolver seus próprios problemas, buscando,
por exemplo, psicoterapia.

5. Ganhos para o filho


O filho especial passa a aprender as tarefas introduzidas no seu cotidiano ao
longo da aplicação do Programa, mas também passa a permitir que novas pessoas e
outros ambientes sejam fonte de aprendizagem e reforçamento para ele. Além de manter
os comportamentos aprendidos, favorece a apresentação dos mesmos em outros
ambientes e situações.

6. Limitações do Programa:
a) como o Programa de Atendimento Domiciliar visava capacitar os pais em habi­
lidades específicas, para ensinar e manejar comportamentos, em situação natural,
não houve a preocupação de transmitir informações a respeito da problemática do
filho;
b) por ser realizado, diretamente, com os pais, não houve a troca de informações,
características dos atendimentos em grupo e
c) a aplicação do Programa demandou um tempo e uma disponibilidade, tanto dos
pais como do profissional, maior do que se fosse realizado em grupo.
7. Dificuldades que possam surgir durante a aplicação do Programa:
a) os pais adiarem ou até mesmo interromperem os atendimentos;
b) ocorrer incompatibilidade de horários entre pais e profissional ou quem for aplicar o
Programa, para realizarem os acompanhamentos;
c) o nível sócioeconômico e cultural dos pais, pode dificultar a compreensão da defini­
ção e de como utilizar as habilidades, levando o profissional a ter que adaptar a
metodologia para ensinar as habilidades;
d) a falta de recursos materiais e sociais para reestruturar uma rotina, que possa
favorecer a aplicação do Programa; e
e) a situação-queixa envolver a intimidade da família, a ponto de não se obter informa­
ções necessárias e reais para a formulação de hipóteses que possam levar a uma
intervenção eficaz.

8. Sugestão de atendimentos paralelos


Sempre que possível, isto ó, quando a família concordar e houver a disponibilidade
do atendimento, ela deve participar de palestras informativas, de atendimentos psicoterápicos
e manter contato com outras família com a mesma problemática ou semelhante. Tais
contatos podem favorecer a adesão e a participação no Programa, aumentando a proba­
bilidade de absorver mais e melhor as orientações passadas, bem como favorecer a ma­
nutenção e a generalização das mesmas.

9. Vantagens de se usar a análise funcional para a elaboração e a aplicação de


um Programa de Atendimento:
a) favorece a formulação de hipóteses iniciais, que ao serem testadas, podem ser
confirmadas ou levadas a novas informações de relações funcionais, fazendo com
que as hipóteses sejam reformuladas, de modo que outras propostas de interven­
ção resolvam a problemática, que está sendo estudada;
b) a análise funcional é um instrumento, que ao ser utilizado põe em evidência a funcio­
nalidade dos eventos, que estão sendo analisados, favorecendo a tomada de decisão
para a manipulação e o controle das variáveis e da previsão de suas conseqüências;
c) ela auxilia a sistematização do delineamento e da aplicação do Programa, pois
favorece o profissional, mantendo seus objetivos claros e bem definidos, e com a
utilização de recursos metodológicos, estabelecidos a partir das relações funcionais,
auxiliem, por exemplo, na melhora da situação-queixa ou do comportamento-alvo; e
d) além disso, permite e solicita a participação direta das pessoas envolvidas no Progra­
ma (quando possível), de modo que os objetivos e as intervenções sejam discutidos e
decididos passo a passo e em comum acordo, entre participante(s) e o profissional.

10.Dificuldades de se usar a análise funcional para a elaboração e a aplicação


de um Programa de Atendimento:
a) estabelecer as melhores estratégias para se recolher as informações que guardem
relação funcional com o problema, que se quer estudar;
b) conseguir identificar relações funcionais entro eventos antecedentes, muito distan­
tes na cadeia de interação com o problema em questão e, ainda, estabelecer inter­
venções eficazes;
c) especificar relações funcionais relevantes para serem trabalhadas, isto ó, aquelas
que merecem sofrer intervenção: discutir as prioridades, quais as situações que
são mais fáceis de serem enfrentadas pelas pessoas envolvidas no programa, etc.;
d) para que sejam eficazes as metas e os procedimentos, estes devem ser estabele­
cidos em comum acordo entre o profissional e as pessoas envolvidas, pois pode
não haver colaboração por parte das mesmas e
e) identificar as variáveis que, ao serem manipuladas, podem favorecer a manutenção
e a generalização dos resultados alcançados com o Programa.

Estas considerações levam à reflexão quanto à contribuição do Programa de


Atendimento para a área, tanto da Educação Especial como da Psicologia Clinica, pois
levam à conclusão de que é possível realizar uma intervenção que atenda às necessidades
da família especial, sendo adaptado a sua realidade. Os profissionais de instituições
especiais ou mesmo de escolas regulares, a partir do presente programa, podem realizar
intervenções domiciliares, que venham auxiliar o seu trabalho com o cliente ou aluno, de
modo que a melhora seja tanto em casa como em outros ambientes.

Referências
Alencar, E. M. L. S. (1995). Psicologia: Introdução aos princípios básicos do Comportamento
(10th ed.). Petrópolis: Vozes
Cohon, D., & Volkmar, F. R. (1997) Handbook of Autism and pervasive developmontal disorders,
Vols. 1 e 2. New York: John Wiley & Sons. INC.
Grossi, R. (1996). Capacitação de Atendentes em Situação Natural: Um programa de ensino do
tarefas de cuidados pessoais para criança portadora de deficiência mental. Dissortaçáo de
mestrado. Universidade de São Carlos.
Grossi, R. (2002). Análise Funcional de um Programa de Atendimonto Domiciliar: um estudo
do caso de uma família com fílho adolescente, portador de defíciôncia mental severa, de autismo
e com problemas comportamentais. Tese de doutorado. Instituto de Psicologia da Universida­
de de São Paulo, São Paulo.
Grossi, R., & Almeida, M. A. (1998). Melhora na qualidade de vida de uma criança portadora de
deficiência mental através da capacitação de atendimentos. In C. Marquezino, M. A. Almeida, E.
D. O. Tanaka, N N R. Mori, & E. M. Shimazaki (Orgs.), Perspectivas Multidiciplinares em Educa­
ção Especial {pp. 193-96). Londrina: Editora UEL.
Grossi, R., Pinto, C. K. P. A., Saito, M., Tramontina, V. M., & Cimonetii, M. (1999). Atendimento em
Grupo de Famílias Especiais: Um estudo Piloto. Caderno de Resumo da XXIX Reunião Anual
de Psicologia, 82. Campinas.
Grossi, R., Buranello, A. S., & Marinho, M. L. (1998). Dificuldades e Benefícios: Atendimonto domici­
liar com famílias de pessoas portadoras de deficiência mental. Cademo de Resumo da VII Encon­
tro da Associação Brasileira de Psicoterapia e medicina Comportamental, 63. Campinas.
Grossi, R., & Buranello, A. S. (1998). Comportamentos Adaptativos adquiridos por um adoles­
cente portador do deficiência mental através do Atendimento Domiciliar. Anais do VI Simpósio
de Estudantes do Cesulon, 27. Londrina.
Grossi, R., Buranollo, A S., & Silva, A. P. (1998). Aquisição de comportamentos adaptativos e extinção
do comportamentos agressivos a partir da aplicação do currículo funcional em uma criança portadora
de deficiência mental. In C. Marquezino, M. A. Almeida, E. D. O. Tanaka, N. N R. Mori & E. M. Shimazaki
(Orgs ), Perspectivas Multidiciplinares em Educação Especial (pp 187-91). Londrina: Editora UEL.
Grossi, R., Buanello, A. S., & Silva, A. P. (1999). Análise funcional de eliminação e diminuição na
ocorrência de comportamentos inadequados de um menino portador de deficiência mental e
autismo. Anais do II Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial, 146. Londrina.
Grossi, R., Souza, A. Ap,, & Batista, N. C. S. (1999). Atendimento Domiciliar a Famílias Especiais:
Uma alternativa Viável. Caderno de Resumo do VIII Encontro da Associação Brasiloira de Psicoterapia
e Medicina Comportamental. Sào Paulo.
Hall, R. V. (1973). Manipulação de Comportamento: Modificação de Comportamento Princípios
Básicos (Trad. Waldir Bettoi.). São Paulo: EPU.
Handen, B. L. (1998). Montai Rotardation. In E. J. Mash & R. A. Barkley. Treatment of Childhood
Disorders (2nd ed., pp. 369-415). New York: Guilford.
Leblanc, J., & Mayo, L. (1990). Ensoftanza Funcional/Natural para la Generalización y
Mantenimento de las Habilidades para Niftos com Autismo y Retardo (pp. 1-7). Manuscrito não
publicado. Centro de Educación Especial Ann Sullivan, Lima, Peru.
Leblanc, J. M , & Mayo (1992). Avances on el Entronamiento de Padres do nihos com Autismo
y com Retardo mental (pp. 1-12). Peru: Centro de Educación Especial Ann Sullivan
Lent, J R. (1978). How to do More: a manual of basic teaching strategy. Northbrook (ILL): Hubbard.
Lent, J. R,, Keilitz, I., Foster, C D.t & McLean, B. M. (1974). Projeto More Kansas.
Marinho, M. L. (1999). Orientação de pais em grupos: intervenção sobre diferentes queixas
comportamontais infantis. Tose do doutorado. Univorsidade dc São Paulo, SP
Martin, L., & Pear, J. (1983). Behavior Modification What it is and how to do it. New York: Prentice-
Hall, Englewood Cliffs.
McMahon, R. J., Forehand, R., & Griest, D. L. (1981). Effects of Knowledge of social learning
principles on onhnancing outcomo a generalization in a parent trainig program, Journal of
Consulting a Clinical Child Psychology, 49, 529-532.
McMahon, R. J., & Wells, K. (1998). Conduct Problems. In E. J. Mash, & R. A. Barkley. Treatment
of Childhood Disorders (2nd ed., pp. 111-207). New York: Guilford.
Mendes, E. G. (2001). Comportamentos aberrantes ou desafiadores? In C. C. Marquezine, M. A.
Almeida & E. D. O. Tanaka (Eds ), Perspectivas Multidisciplinares em Educação. Especial II (pp.
321-332). Londrina.
Mondes, E. G., Riguetti, C., Calvazara, F., Ribeiro, K., Rios, K., & Noves, P. (2001). Comportamen­
to Estereotipado na Síndrome do Autismo Infantil. In C. C. Marquezine, M. A. Almeida & E. D. O.
Tanaka (Eds ), Perspectivas Multidisciplinares em Educação. Especial II (pp. 343-47). Londrina.
Newsom, C. (1998). Autistic Disorder. In E. J. Mash & R. A. Barkley, Treatment of Childhood
Disorders (2nd ed., pp. 416-467). New York: Guilford.
O'doll, S. (1974). Training parents in behavior modification: a review. Psychological Bulletin,
81(7), 418-33.

Panyan, M. (1974). Manipulação do Comportamento (parte 4). Sào Paulo: EPU.


Patterson, G. R., Reid, J. B., & Dishion, T. J (1992). Antisocial boys. Eugene, OR: Castalia
Regra, J A. G. (2000). A Agressividado Infantil. In E. F. M. Silvares (Org.), Estudos do Casos om
Psicologia Clínica comportamontal infantil, Vol. II (pp. 157-94). Campinas: Papirus.
Sanders, M. R., & Dadds, M. R. (1993). Behavioral Family Intervention. Boston: Allyn and Bacon.
Saunders, R., & Spradlin, J. E. (1991). A supported routines approach to active treatment for enhancing
indonpondence competence and self-worth. Behavioral Residential Treatment, 6(1), 11-37.
Silvaros, E. F de M. (1995). O modelo triádico no contexto da terapia comportamontal com
famílias. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 11(3), 235-41.
Silvaros, E. F. do M (1989). Aconselhamento do pais: uma breve análise retrospectiva de duas
tendôncias comportamontais (ecologia o generalização). Boletim de Psicologia, 39(90/91), 37-44.
Skinner, B. F (1994). Ciôncia o Comportamento Humano (9th ed., Trads. J. C. Todorov & R.
Azzi). São Paulo: Martins Fontes.
Spradlin, J. E. (1999). Rotinas: Implicações para a vida e para o ensino. Caderno de Resumo da
XXIX Reunião Anual de Psicologia, 6. Campinas.
Striofol, S. (1975). Manipulação de Comportamento: Como ensinar uma criança a imitar (Trad.
Suzana B. Cardoso.). São Paulo: EPU
Sturmoy, P. (1996). Functional analysis in clinical psychology. Chichester, Inglaterra: John Wiley
& Sons.
Teoria, pesquisa e terapôutica. São Paulo: McGraw-Hill.
Wahler, R. G. (1976) Deviant child behavior within the family; development speculations and
behavior schange strategies In H. Leitmberg (Org ), Handbook of Behavior Modification and
Behavior Therapy. Now Jersey: Prentice Hall.
Webster-Stratton, C. (1991). Annotation: strategies for helping families with conduct disordered
children. Journal of Child Psychology Psychiatry, 32(7), 1047-62.
Weisz, J. R., Donenborg, G. R., Hann, S. S., & Weiss, B. (1995). Bridging the gap betwoen
laboratory and clinic in child and adoloscent psychoterapy Journal of Consulting and Clinical
Psychology, 63(5), 688-701.
Wiese, M. R. R. (1992). A critical review of parent training research. Psychology in the Schools,
29, 229-36.
Williams, L. C. A., & Matos, M A. (1984). Pais como agentes de mudança comportamental dos
filhos: Uma revisão de área. Psicologia, 10(2), 5-25.
Windholz, M.H. & Moyer, S. B. (2000) Crianças com Problemas de Desenvolvimento In: Silvares,
E.F.M. (org), Estudos do Casos em Psicologia Clinica comportamental infantil (v.ll) (pp. 223-
258). Campinas; Papirus
Capítulo 42
Estilos parentais e desenvolvimento de
habilidades sociais

P r d. Su/dtic Schrnid/in Lõhr


i/fP R / UnnrnP

"Do ponto do vista ovolutivo, ao que tudo indica, as sim quo nossos ancestrais
começaram a desenvolver uma dependência da cultura para sobreviver, criou-se
um contexto ospecial de seleção natural, sondo, a partir de então, favorecidos
genes para o comportamento cultural." (Bussab,1999, p. 18)

A natureza social do homem tem feito com que muitos estudiosos, de diferentes
áreas do conhecimento e diferentes correntes teóricas, se voltem à compreensão e análise
do processo de socialização, assim como de seus componentes. Eibl-Eibesfeldt (1989 in
Pereira Rodrigues, 1999) aponta o cuidado parental como essencial para o desenvolvimento
da sociabilidade dos vertebrados, mostrando que o desenvolvimento de relações amigáveis
e afetivas dos adultos parecem decorrer de sinais presentes nas relações pais—filhos, tais
como solicitações infantis e respostas afetivas dirigidas aos filhotes.
De acordo com Novak (1996), a criança nasce com um aparato para respostas
reflexas, que capacitam-na a interagir com o outro. Não apenas os reflexos, mas também
determinadas características da criança, como graciosidade e busca de aconchego evocam
no outro a função de cuidador. Alguns etólogos defendem a teoria de que provavelmente os
bebês com estas características tiveram maiores chances de sobrevivência, conseguiram
superar o período vulnerável da infância, atingiram a maturidade e foram os que puderam
deixar descendência (Novak, 1996, p. 200). Ao propor uma revisão histórica da organização
familiar, Herbert (1989) mostra-nos que agrupamentos familiares estão presentes desde o
período Pleistoceno, ou seja, há mais de 500.000 anos. A durabilidade e universalidade da
organização familiar, pode ser um indício, segundo Herbert (1989), do valor de sobrevivên­
cia que tal composição social tem para o indivíduo e para a espécie, mas não deve, no
entanto, ser sinônimo de padrão imutável na sua estruturação e funcionamento. A família
sofre influência de pressões sociais, econômicas e históricas e vai se adaptando em
diferentes momentos evolutivos. Um exemplo deste processo adaptativo encontra-se pró-
ximo a nós. Nossa geração tem presenciado a mudança do padrão de organização fami­
liar amplo (grandes famílias), para o modelo nuclear (pais e filhos) e neste padrão nuclear,
as organizações uniparentais (com apenas um adulto responsável), muitas vezes em
decorrência de separação do casal paterno.
A nossa evolução, enquanto espécie, é ainda uma incógnita em vários aspectos.
Há várias hipóteses, as quais merecem maiores estudos para que conclusões sejam
tecidas. Porém já em 1981, Skinner no famoso artigo "Seleção pelas conseqüências"
discutia os diversos níveis de seleção, mostrando-nos que a seleção filogenética ó um
fato, mas que não pode ser observada por nós em seu curso, pois seriam necessários
milhares de anos para um estudo que acompanhasse o processo evolutivo da espécie.
A seleção cultural também é outra realidade que requer a observação de várias gerações
para que mudanças sejam evidenciadas. Mas o segundo nlvel de seleção, que se opera
no indivíduo, via condicionamento operante, é o alvo da psicologia e o único nível de
seleção passível de observação. Estaremos neste artigo, enfocando este nível de seleção,
dando especial atenção para uma habilidade específica, que seria a de estabelecer
relações com outras pessoas, a qual tem sido alvo de atenção na atualidade, através de
programas e atividades dirigidos ao desenvolvimento de habilidades sociais.
Segundo Maccoby (1995), em psicologia duas grandes teorias foram precur­
soras no estudo do processo de socialização: behaviorismo e psicanálise, sendo que
ambas constituíram a base dos conhecimentos mais significativos relativos ao processo
de socialização de que hoje temos conhecimento. Estaremos, neste artigo, enfocando
especificamente o referencial behaviorista, o qual aponta para as condutas cooperativas
como fontes potenciais de reforço para as partes envolvidas, sendo então selecionadas
na ontogênese, ao mesmo tempo em que mostram como o homem necessita do outro
para desenvolver aspectos, como o autoconhecimento, que o diferenciam dos demais
vertebrados.
Para que uma interação social se dê de forma produtiva para as partes envolvidas, faz-
se necessário o domínio e emissão de determinadas condutas facilitadoras do contato, ou
seja, de padrões comportamentais que envolvam reforçamento ou perspectiva de reforçamento
recíproco. Tal conjunto de respostas tem sido agrupado sob a denominação de habilidades
sociais e tem recebido especial atenção do meio acadêmico nos últimos anos.
Classes de comportamentos como assertividade, solução de problemas, empatia,
as quais compõe o rol das habilidades sociais, são, por sua vez, desenvolvidas na interação
com o outro. Assim, tanto as habilidades sociais são fundamentais para o convívio entre
pessoas, como o convívio entre pessoas é essencial para que as habilidades sociais se
desenvolvam. Considerando que os pais constituem o primeiro núcleo social da criança, é
natural que a figura dos pais e as práticas parentais adotadas, tenham grande influência
no processo de construção das habilidades sociais da criança. Assim, estaremos
analisando a relação entre práticas parentais e desenvolvimento de habilidades sociais.
Vários pesquisadores tem procurado analisar esta relação (Baumrind, 1966; Herbert, 1989;
Novak, 1996; Maccoby, 1995). No Brasil, existem alguns centros de pesquisa (USP, UFSCar,
UFPR) desenvolvendo estudos na área das habilidades sociais, demonstrando especial
interesse na interface destas com as práticas parentais.
Em Curitiba, no programa de Mestrado em Psicologia da Infância e Adolescência,
estudos vem sendo desenvolvidos sobre práticas parentais e condutas emitidas peíos
filhos, sob a orientação de vários professores do Programa, a saber: profa. Dra. Lídia N.
Weber, profa. Dra. Paula Inês Cunha Gomide, profa. Dra. Suzane Schmidlin Lòhr, profa.
Dra. Yara Kuperstein Ingberman. Das várias dissertações acompanhadas no Programa,
estar-se-á selecionando algumas que ilustram de maneira apropriada o tema proposto.
Menegatti (2002) estuda as interações pais-filhos relacionando com a depressão infantil.
Tal estudo faz sentido em ser incluído no presente artigo se consideramos que há vários
pontos de relação entre quadros depressivos e dificuldades na área de habilidades sociais,
mas principalmente se observamos tratar-se de um trabalho que analisou as práticas
parentais e algumas condutas emitidas pelos filhos. Outros estudos no programa de
mestrado da UFPR têm enfocado habilidades sociais sem relacionar diretamente com
práticas parentais (Gomes da Silva, 2000; Stemadt, 2001). Estudos como os de Gomos
da Silva e Stemadt, tem possibilitado uma visão mais atenta da relação da criança com
seus pares. Gomes da Silva (2000) procura identificar o que leva as crianças a rejeitarem
os pares e Stemadt (2001) analisa a relação entre conduta anti-social e rejeição na pré-
escola. Estudos integrando práticas parentais e o desenvolvimento de habilidades sociais,
foram desenvolvidos por Lubi (2002) que procurou relacionar estilo parental e comportamento
socialmente habilidoso da criança com seus pares, ou Munhoz da Rocha (2002) que
propôs-se a estudar a relação entre práticas parentais e o auto-conceito de pré-escolares.
Outros estudos encontram-se ainda em andamento (Loyola e Silva, 2002; Salles, 2002;
Leone de Souza, 2003), ficando para serem apresentados em outro trabalho.
A seguir, está estruturando um quadro sintético das dissertações de mestrado
desenvolvidas na UFPR e citadas acima, uma vez que as mesmas direta ou indiretamente
produziram conhecimentos que podem contribuir para a compreensão das habilidades
sociais ou das práticas parentais. A disposição dos estudos no quadro segue a cronologia
das defesas.

Ano Mostrando Amostra Faixa Instrumento Resultados

(n) etária /
amostra
2000 V R M üom es n» 52 9-10 anos •Votação ás avossas Crianças rojeitam paros com
da Silva -Passa a bola base mit comportamentos
-Ficha do professor Inadoquados omitidos por
ostos (autoritarismo, conduta
porturbadora). As crianças
nscolhom paros dovido à
om issão do condutas pró-
sociais
2001 A Stomadt n *20 4-5 ano» -Obs Direta do cpto Foi oncontrada a)corrolaçâo
-aval status positiva ontro rojolçâo o
sociométrtco comportamontos como
-Atrib Cptos aos paros discutir o ataquo físico, b) a
-question.prof criança popular tovo maiores
(adapt TR F- Achonbach) fndicos do conduta pró-soclal
do grupo
2002 C. Monogatti n«153 8-11 anos -Children Doprossion Ditoronças nas interações
Invonlory(CDI) pais-filhos mostram quo
-entrevistas com mfies de crianças depressivas tom
crianças provâvol história do baixo
rotorçumonto positivo, com
mâos pouco disponlvois para
os filhos o quo usam controle
averslvo
2002 G Munhoz da n=30 5-6 -PAI - Porcopçào do
Rocha Autoconhocimonlo Infantil
do Vllla o Au/mondl
- observaçAo direta de
compto Em atividado do
jogo (pais / criança)
2002 A P L Lubi n* 13 5 anos quostkxiôrios o Existo relação. a)ontro ostilo
entrevistas á s mãos parontal autoritatlvo o
obsurvaçôus dirotas das comportnmonto pró-social
crianças omitido pola criança o b)entro
ontrovistas com a inconslstôncia parontal o
prolossora condutas do isolamento e
anti-sociais emitidas pelas
crianças

O número de casos envolvido em cada um dos estudos é pequeno, além de que


muitos deles empregaram análises qualitativas (metodologia de estudo de caso, fazendo
uso de análise funcional para a leitura dos achados), poróm tanto os dados quantitativos-
obviamente cuidando-se com generalizações, uma vez que a amostra era pequena e
não pode ser vista como representativa da população - quanto as análises qualitativas
tem apontado para a relação entre condutas inapropriadas (ataque físico, discutir) das
crianças e rejeição por parte dos pares, o que pode conduzir a comportamentos anti­
sociais futuros, assim como tem evidenciado certa relação entre práticas parentais e
condutas das crianças, seja quando tais condutas ganham uma tonalidade depressiva,
ou quando denotam ou não a presença de habilidades sociais.
Relação na mesma direção foi apontada em pesquisa desenvolvida em São Carlos
por Álvares Garcia (2001). Na pesquisa foi investigada a correlação entre indicadores de
empatia em 22 meninos de 4 a 5 anos e as ações parentais utilizadas por pais de meninos
pouco empáticos e as emitidas por pais de meninos muito empáticos. Álvares Garcia
(2001) concluiu que os pais dos meninos que apresentavam alto nível de empatia eram
tanto mais empáticos, como possivelmente mais coerentes em termos de estilos
comportamentais. Estes estudos, somados aos que encontram-se em curso na UFPR
(Loyola e Silva (2002) está avaliando um programa de orientação individualizada a pais, o
estudo de Salles (2002) tem procurado a relação entre condutas dos pais e emissão de
comportamentos denotando ansiedade por parte da criança e Leone de Souza (2003) está
estudando a relação entre práticas parentais e adesão ao tratamento por parte de crian­
ças asmáticas, podem ser indicadores de como a pesquisa no Brasil tem direcionado
atenção para práticas parentais, especificamente, para a sua relação com habilidades
sociais. Mostra também, que muitos dos achados nacionais, apontam para direções
indicadas na literatura internacional, conforme a revisão citada neste artigo.
Estudos controlados permitem o levantamento de dados e contribuem para o
avanço na compreensão de um determinado tema, além de favorecerem a construção
de recursos para a atuação profissional. É assim que desde 1999 vem sendo oferecido
na UFPR, por alunos da graduação e da pós-graduação, como projeto de extensão (Lõhr,
et al., 2002), um programa grupai que visa desenvolver habilidades sociais em crianças,
no qual os pais participam de sessões de orientação no mesmo horário em que as crian­
ças estão sendo atendidas no grupo. No momento, estamos avaliando a generalização do
procedimento, ao oferecer o programa estruturado na UFPR, também em outra instituição
de ensino - UnicenP (Lõhr et al. 2003), podendo-se em breve obter resultados quanto à
aplicação do programa por outros terapeutas, uma vez que o projeto no UnicenP deverá,
em futuro próximo, ser desenvolvido por alunos daquela instituição de ensino. Outra variá­
vel que esta replicação do estudo em outra instituição pode promover, diz respeito à oferta
do programa a uma comunidade com outras peculiaridades, uma vez que os participantes
do projeto do UnicenP são todos oriundos das vizinhanças da instituição e participam de
outros programas dirigidos à comunidade existentes na instituição, ao passo que as cri­
anças que compõe o grupo da UFPR vem de diferentes bairros da cidade, fazem uso de
transporte coletivo para poder participar do programa, o que pode dificultar a adesão, pois
envolve um custo que na população de baixa renda é significativo, além de que vem para a
UFPR exclusivamente para participar do programa de habilidades sociais.
No programa de extensão acima citado, assim como em várias das pesquisas
desenvolvidas pelos mestrandos, tem-se utilizado a classificação de Maccoby e Martin
(1983) que enfoca duas vertentes nas práticas parentais: responsividade e exigência, e
classifica os estilos parentais segundo estas duas vertentes, em quatro categorias
(autoritativos, negligentes, indulgentes e autoritários). Pais autoritativos apresentam
elevada responsividade e exigência, enquanto pais negligentes tem baixa responsividade
e exigência. Pais indulgentes tem alta responsividade e pouca exigência, e finalmente
os pais autoritários são muito exigentes e pouco responsivos. A combinação ideal é a
que envolve tanto responsividade quanto exigência elevadas, evidenciada no estilo
parental autoritativo. São pais que estão atentos às necessidades de seus filhos,
respondem a estas necessidades, ao mesmo tempo em que impõe os limites necessários
para um desenvolvimento saudável da criança. No programa de extensão em curso na
UFPR, as atividades nas sessões dos pais estão articuladas com as atividades
desenvolvidas no grupo de crianças, e procuram a cada tema, desenvolver nos pais
discriminação das necessidades da criança, discussão dos limites e imposição dos
mesmos, assim como favorecer aos pais percepção do seu comportamento dirigido à
criança e as conseqüências na conduta da criança de tal ação.
Finalizando, constata-se que habilidades sociais e práticas parentais constitui
um campo profícuo de estudo, no qual os achados tem grande relevância social, uma vez
que poderão contribuir para o desenvolvimento de programas voltados à prevenção de
problemas como violência, dificuldades nas interações sociais, convívio em grandes cidades
e assim por diante.
Referências

Alvaros Garcia, F. (2001). Investigando diferentes indicadores de empatia em meninos e sua


relação com a empatia o ações educativas dos pais. Dissertação de mestrado. Programa de
Mostrado em Ciências da Faculdade de Filosofia, Ciôncias e Letras de Ribeirão Preto, USP,
Ribeirão Preto.
Baumrind, D. (1966). Effects of authoritative parental control on child behavior. Child
Development, 37, 887-907.

Bussab, V. S. (1999). Da criança ao adulto - o que faz do ser humano o quo elo ó. In A. Massote
Carvalho (Org.), O mundo social da criança - natureza e cultura em ação São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Gomes da Silva, V M (2000). Indicadores de rejeição em grupos do crianças. Dissertação de
mestrado. Programa de Mostrado em Psicologia da Infância o Adolescência UFPR, Curitiba.
Herbert, M. (1989). Working with children and their families. Michigan: Lyceum Books.
Leone de Souza, E. M. (2003) Crianças com asma: relação ontro comportamento dos pais e
adesão ao tratamento pela criança. Projeto de qualificação para mostrado, Programa de
Mostrado em Psicologia da Infância o Adolescência UFPR, Curitiba.
Lõhr, S. S., Grün.T. B„ Kollor, A. P., Misuta, A. P., Mücke, E., Olivoira, P., ot al. (2002). Desenvolvendo
habilidades pró-Sociais na infância. Projeto de Pesquisa. Curso do Psicologia, UFPR, Curitiba.
Lõhr, S. S., Bastos, H., Gonçalves, E. C., Grun, T. B., Kischnos, L. F., Lohr, T., et al. (2003).
Desenvolvimento de habilidades sociais na infância. Projeto do posquisa. Curso de Psicolo­
gia, UnicenP, Curitiba.
Loyola o Silva, A. (2002). Análise do efeito de um programa de atendimento para pais sobro a
responsividade paronta! Projeto de qualificação para mostrado. Programa de Mestrado om
Psicologia da Infância e Adolescência, UFPR, Curitiba.
Maccoby, E., & Martin, J. (1983). Socialization in tho context of the family: paront-child Interaction
In E. M. Hetherington (Org ), Handbook of child psychology: socialization, Personality and social
development, Vol 4 (pp. 1-101). New York; Wiloy
Maccoby, E. (1995). The role of parents in tho socialization of children: a historical Overview. In R.
Parko, P. Ornstein, J. Riser & C. Zahn-Waxier A century of Developmental Psychology. Washing­
ton, DC: APA.
Massote Carvalho, A. (1999). Interações pró-sociais entre crianças e seus contoxtos de
Emergência. In A. Massote Carvalho (Org.), O mundo social da criança - natureza e cultura em
ação São Paulo: Casa do Psicólogo.
Menegatti, C. (2002). Interações pais-filhos e depressão infantil: uma abordagem
Comportamental. Dissertação do mestrado. Programa do Mestrado em Psicologia da Infância
e Adolescência, UFPR, Curitiba.
Munhoz da Rocha, G. (2002). Análise da relação entre práticas parentais e autoconceito de
Pró-escolares. Dissertação de mostrado. Programa do Mostrado em Psicologia da Infância e
Adolescência, UFPR, Curitiba.
Novak, G. (1996). Psychology: dynamical systems and behavior analysis. Reno: Context Press.

Rodrigues, M. M. P. (1999). Desenvolvimento das relações pais-filhos: uma abordagem


Evolutiva. In A. Massote Carvalho (Org ), O mundo social da criança - natureza e cultura em
ação. S ã o P a u lo : C a s a d o P s ic ó lo g o .
Sallos, A. M. (2002). Ansiedade infantil e parental• investigação das possíveis relações. Projoto
de qualificação para mostrado. Programa de Mestrado em Psicologia da Infância o Adolescên­
cia, UFPR, Curitiba.
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.
Sternadt, A. (2001). A relação entro conduta anti-social e rejeição na criança pré-escolar. Dis­
sertação de Mestrado. Programa de Mestrado em Psicologia da Infância e Adolcscôncia, UFPR,
Curitiba.
Capítulo 43
A transformação do conhecimento em
comportamentos profissionais na formação
do psicólogo: as possibilidades nas
diretrizes curriculares
Mifsuc Kubo'
L/nivcrsiihnJc f cdcnil </«• .S,//;/,/ C
Sílvio /\iu/o Hotomi9
i/nivcmdidc f ciicnil </<• SiinU C

Qual o papel do conhecimento no processo de aprendizagem? A tradicional


expressão "transmitir conhecimento”, ou as metáforas "apropriar-se dolo", "dominá-lo”, ou
"assimilar" podem ser muito inadequadas para caracterizar esse papel. Botomé (1981),
em um estudo sobre objetivos de ensino, sistematizou os principais trabalhos realizados
por vários pesquisadores e estudiosos durante os anos de 1970 a 1980, período em que
publicações sobre objetivos para o ensino foram abundantes no Brasil (Junco, 1974;
Gronlund, 1975; Duran, 1976; Mager, 1976 e 1977; Magere Pipe, 1976; Popham e Baker,
1976a, 1976b, 1976c; Johnson e Ruskin, 1977;Short, 1978; Freitas, I979). Um dos aspectos
examinados foi o núcleo das principais diferenças entre um tipo e outro de proposição
sobre o que é importante para ensinar, permitindo elucidar o que era fundamental para
constituir o conceito, diferenciando esse núcleo do que era acidental, secundário ou pouco
relevante para constituir a noção de objetivo de ensino. As proposições mais tradicionais
sobre o que é considerado necessário ensinar estavam calcadas fundamentalmente em
"itens de conteúdo", ao passo que a literatura emergente naquele período apresentava e
demonstrava a necessidade de objetivos de ensino formulados com base em comportamentos
que caracterizassem o que a pessoa, após terminar o processo de aprendizagem, deveria
ser capaz de realizar em relação ao ambiente ou ao meio (á realidade ou ao mundo) com
o qual necessariamente iria se defrontar.
Um ensino planejado com objetivos expressos sob a forma de comportamentos
significativos pode ser feito graças, principalmente, ás descobertas feitas por
pesquisadores da Análise Experimental do Comportamento (AEC). Como Botomé (1981)
demonstrou e outros estudos corroboraram (Kubo e Botomé, 2001; Matos, 2001), uma
compreensão acurada sobre os processos básicos de ensinar e aprender, possibilitou

' PftjtoHHüfH do I )n|Mir1wnnnto da


Pakx)logMi t - m a u o kíÇ cfh uhu: bf
PmtüBSor do ItapHiliimonlo do Psicologia fc-mnll botomé ftcfti ufsc br
evidenciar porque o comportamento poderia ser considerado a instância oriontadora para
a qual o ensino precisaria ser realizado. Ainda que tenha sido percebida a importância de
alterar o núcleo referencial a partir do qual o ensino, em qualquer âmbito da formação das
pessoas, é planejado (com base em proposições consistentes com o conhecimento da
AEC), essa percepção ainda foi suficiente para mudar significativamente os currículos dos
diferentes cursos de formação, principalmente, os de nível superior.
A proposição das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação
em Psicologia, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 20 de fevereiro de
2002, trouxe, como inovação em relação à noção de currículo mínimo, a possibilidade
de superar um tradicional currículo caracterizado pela enunciação de disciplinas e
"conteúdos programáticos” (concebido como assuntos, temas ou “itens de conteúdo")
por diretrizes enunciadas com base em “competências e habilidades" profissionais. Apesar
das diretrizes, tais como estão formuladas, suscitarem muitos debates e de serem alvo
de críticas e de estudos em relação a vários de seus aspectos (Hoff, 1999; Moura, 1999;
Rocha Junior, 1999; Buettner, 2000; Yamamoto, 2000), elas possibilitam uma outra
expressão das aprendizagens a desenvolver na formação de psicólogos quando indicam
como necessária a explicitação de quais "competências" (não seriam comportamentos
ou uma outra palavra para referir-se a "objetivos de ensino"?) ensinar aos futuros
profissionais, numa tentativa de superar um antigo problema.
Ainda que a formulação das diretrizes curriculares seja inovadora, pelo menos
pela mudança de um currículo definido por "assuntos mínimos" (ou “itens de conteúdo")
para outro tipo de concepção sobre “currículo", as noções do que sejam os conceitos de
“competência", "habilidades", "conteúdo", permanecem sem definições ou esclarecimentos
nos próprios documentos das diretrizes. Essa falta de definições facilita confundi-las com
as noções difundidas nas décadas de 1960 e 1970 sobre essas expressões, propiciando
a ocorrência dos mesmos equívocos conceituais e operacionais que os vários conceitos
de objetivos de ensino e de objetivos comportamentais trouxeram consigo naquelas duas
décadas (Botomó, 1981). Isso configura a necessidade de um exame mais acurado des­
sas expressões e de uma conceituação mais condizente com o conhecimento que a AEC
tem produzido sobre os processos de ensinar e aprender. Talvez isso possibilite, já nos
anos iniciais do século XXI, superar os equívocos do passado em relação a objetivos
comportamentais e lidar com os conceitos “competência" e "habilidade” de forma a não
reduzi-los a significados e usos típicos do início da segunda metade do século XX.
Nesse contexto, a formulação e a compreensão das diretrizes curriculares podem
beneficiar-se com um esclarecimento o mais claro e preciso possível sobre o papel do
conhecimento nos processos de aprendizagem e de formação profissional em pelo menos
algumas de suas várias dimensões. O exame feito por Botomé e Kubo (2002), ao discorrer
sobre a responsabilidade social dos programas de pós-graduação, permite uma
compreensão de qual seria esse papel. Avaliam os autores que o conhecimento (como
produto ou, mais vulgarmente como "conteúdo") é usualmente considerado como "aquilo
que deve ser aprendido” pelos alunos e como "aquilo que deve ser ensinado” pelos
professores. A organização do que precisa ser ensinado em um curso ou em um "programa
de uma disciplina" é decidida, em geral, com base em dois referenciais: assuntos
(informações, conhecimento ou "conteúdo") e tempo. Uma representação dessas duas
dimensões é apresentada na Figura 1, que corresponde a uma espécie de "metáfora
gráfica" dessa concepção sobre a organização do que precisa ser ensinado. Na "metáfora

484 Olfl«! Mitsuc KubocSílvioP.iuloBotomé


gráfica" apresentada na Figura 1, pode ser visto que os “conteúdos” (as informações ou os
conhecimentos) organizados ao longo de um tempo (semestres, por exemplo) configuram
o que é denominado de "grade curricular" ou currículo de um curso. A conseqüência do
preenchimento das “caseias do engradado" formado pelas unidades de assuntos e pelas
unidades de tempo é enfatizar os conceitos, as áreas de conhecimento, os tipos de
conhecimento, as partes de obras, determinados autores, teorias ou escolas como aquilo
que define o que deve ser aprendido ou ensinado em um curso, delimitado por essa “grade
curricular” (outra metáfora e, pelo termo usado, significativa para indicar o que acontece
com os processos de aprendizagem e de ensino). Talvez essa concepção e essa maneira
de organizar o ensino constituam critérios mais apropriadas para organizar um almoxarifado
do conhecimento, ou para organizar estantes de biblioteca, ou constituir a taxonomia do
conhecimento existente ou para alocar os novos conhecimentos que venham a ser
produzidos onde possam ser facilmente encontrados. Mas podem ser muito pouco
adequadas para orientar o que precisa ser desenvolvido como aprendizagens para os
futuros profissionais de nivel superior. A situação de ensino aproxima-se muito mais de
uma “oficina” de produção de aprendizagens do que de um almoxarifado do conhecimento.

ASSUNTOS
(“CONTEÚDOS” )

Figura 1 Representação gráfica de dois referenciais considorados para organizar o que precisa
ser ensinado aos alunos e de suas interseções, conhecida como “grade curricular”. Reproduzido
do Botomé e Kubo (2002), p.87

A concepção ilustrada pela Figura 1 pode ser identificada com a que Paulo Freire
(1968) denominou de "concepção bancária" da educação e se funda na idéia de depósito
de "conteúdos" no aluno, realizados pelo professor. A própria metáfora "conteúdo" derivada
da noção de que o professor é um "continente cheio" (de conhecimento) e o aluno um
"continente vazio" (também de conhecimento) e, por isso, o ensino ó um processo de
“transmissão de conhecimento" (a "transmissão" se relaciona a outra metáfora: a dos
vasos comunicantes). Em alguns casos, a mesma concepção utiliza a metáfora da
“aquisição", como se o conhecimento fosse adquirido pelo aluno em uma espécie de
supormercado (a escola), no qual as prateleiras seriam as "disciplinas", nas quais o aluno
"pegaria" o que quisesse ou pudesse “adquirir”. Para Paulo Freire, tais expressões e metá­
foras são inadequadas para referir-se aos processos de ensinar e de aprender. Também para
os autores que examinaram e tentaram tornar acessíveis os conceitos de objetivos
comportamentais elas não serviriam. Elas constituem uma noção incompleta sobre a rela­
ção entre conhecimento e aprendizagem ou educação. De forma semelhante as analogias
com "introjetar” (o conhecimento), “apropriar-se" (como se o conhecimento fosse algo que
pudesse ser considerado uma “propriedade") ou "incorporar" (como o são os alimentos?)
também parecem figuras de linguagem que expressam noções vagas a respeito do processo
de transformação do conhecimento em relação das pessoas com as circunstâncias e os
contextos com os quais se defrontam. Isso exige um exame sobre as relações entre conhe­
cimento (como produto e como processo) com o comportamento humano.
A pergunta sobre qual o papel do conhecimento no contexto da aprendizagem e
do ensino exige o exame de um terceiro referencial; a capacidade de atuar específica
dos egressos dos cursos perante as situações com as quais eles vão se defrontar
em sua vida profissional ou que vão ter que lidar (e mudar) como egressos desses
cursos (conforme examinado por Botomé e Kubo, 2002). Essa terceira dimensão ou vari­
ável se relaciona ao que, de certa forma, está expresso nas diretrizes, ainda que não
totalmente explicitada - ou formulada - em termos suficientemente claros para facilitar
sua identificação. A Figura 2, reproduzida de um trabalho desses autores, apresenta esse
terceiro referencial: a capacidade de atuar e alguns dos graus ou valores ao longo dos
quais esse referencial pode variar. A consideração desses valores ou graus da capacidade
de atuar permite perceber que, em primeiro lugar, ó possível ver o que vai ser aprendido em
outro fenômeno diferente dos “conteúdos", conhecimentos ou informações, componentes
da "grade curricular". O que ó necessário ser desenvolvido como aprendizagem pode ser
formulado em termos de comportamentos que expressem a capacidade de atuar de
uma pessoa (muitas vezes, no papel de profissional de um carnpo de atuação). Tais
comportamentos, nos casos de uma formação profissional de nível superior, por exemplo,
constituem a capacidade de atuar definidora do papel - e da responsabilidade social
específica - desse profissional na sociedade. Em segundo lugar, os graus ou valores
dessa variável (desse terceiro referencial) são constituídos pelos graus de aprimoramento
que os comportamentos profissionais podem ter no seu desenvolvimento ou que podem
ter quando são apresentados. Tais graus ou valores vão desde a mera informação da
pessoa até o grau máximo de qualidade perfeição? na execução de um tipo de com­
portamento (pericia), passando por graus de perfeição denominados de aptidão, com-
petôncia e habilidade.
As expressões que se referem a valores do terceiro referencial indicado na Figura
2, em função de já terem sido usadas em diferentes sentidos, merecem algum exame e
esclarecimentos a respeito do significado que elas tôm no contexto que essa figura está
ilustrando, ainda como uma "metáfora gráfica" para explicitar as relações entre significa­
dos que podem ter os conceitos nela apresentados. Os termos “conteúdo" foi usado muito
tempo para referir-se ao conhecimento que ó apresentado ao aluno e que constitui um
conjunto de informações sobre o meio, sobre os processos que ocorrem nele, inclusive os
relativos ao homem que faz parte desse meio (ou "mundo", ou "realidade") e das interações
que esse homem realiza com esse meio do qual, por isso mesmo, faz parte. A expressão
"aptidão" já foi utilizada, ainda na segunda metade do século XX, com o sentido de “pron­
tidão", significando "aquilo que alguém já era capaz de fazer em relação a novas exigênci­
as de aprendizagem" (no sentido de “estar pronto para..."). No contexto dos conceitos
apresentados na Figura 2, porém, a palavra está se referindo ao que a pessoa é capaz de
fazer em um grau inicial de qualidade de realização (algo equivalente a ser considerado
"habilitado" - ou apto - a dirigir um automóvel, o que não configura uma capacidade de
dirigir um veículo que pudesse ser qualificada como "competência”, um grau de "aptidão"
mais aperfeiçoado).
Algo parecido pode ser considerado para a palavra "habilidade" que, também até
na segunda metade do século XX, foi usada como sinônimo de “pré-requisito" ou de "apren­
dizagem intermediária". Nesse contexto, a palavra significava o que a pessoa já precisava
estar capaz de realizar (já tinha aprendido) para poder aprender outras coisas. No que a
Figuras 2 apresenta, a palavra significa um grau ainda mais alto de perfeição de uma
atuação do que a palavra “competência" indica. Enquanto a palavra "aptidão" qualifica o
grau de uma capacidade de realização em que a pessoa atua ainda com riscos e imperfei­
ções, insegurança e com cálculos conscientes do que está fazendo, a palavra "competên­
cia" significa um grau da capacidade de realização em que a pessoa atua com correção,
baixo risco, segurança e sem necessidade de calcular cada operação envolvida em uma
atividade, aliados a maior conforto, facilidade e previsão de resultados. A palavra "habilida­
de" vai referir-se a graus ainda maiores na qualificação de uma atuação: facilidade, confor­
to, correção, baixo risco, integração coerente de aspectos e baixo custo pessoal aliado a
um rendimento maior nos resultados da atuação, inclusive de seus efeitos estéticos,
políticos, sociais, além dos técnicos, materiais ou econômicos. Para a expressão “perí­
cia", no contexto dessa revisão que está sendo feita dos conceitos, o grau de qualidade da
atuação corresponderia a algo como "o grau maior de realização conhecido", servindo
como uma referência ou modelo social de uma determinada atuação. Isso ilustra o que
pode significar os diferentes graus de qualificação que pode ter a capacidade de atuar de
uma pessoa no contexto de aprendizagem que envolve essa capacidade de atuar.
Dessa forma, ficam indicadas possibilidades de entendimento dessas expressões
como qualificadoras de graus da atuação de uma pessoa, em comparação com significados
que já tiveram nas décadas de 1960 e 1970, na literatura psicológica e pedagógica. Isso
possibilita considerá-las diferentemente de coisas ou entidades e sim como gradientes de
um processo de interação da pessoa com suas circunstâncias e contextos definida pela
atuação que essa pessoa é capaz de realizar, de acordo com o que se conhece (o conheci­
mento existente) sobre essas circunstâncias e contextos, denominados por diferentes no­
mes: realidade, mundo, sociedade, natureza, ambiente, meio e outros.

Figura 2. Reprosentação gráfica de trôs dimonsões considoradas para organizar o quo precisa
ser ensinado aos alunos no âmbito de um curso e dos graus que pode ter uma dessas
dimensões (a capacidade de atuar). Reproduzido de Botomé e Kubo (2002), p. 88, que
utilizaram a imagem gráfica criada pela professora Maria Te Warveck (Departamento de
Engonharia Elétrica da PUCPR, em 2001).
Considerados dessa forma, os três referenciais permitem a percepção de uma
relação mais complexa do que aquela constituída apenas pela relação entre “tempo" e
"conteúdos"(ou “conhecimentos”). Assim como o tempo tem graus (as unidades de tem­
po), os "conteúdos” (o conhecimento) tem suas categorias (que também são as unidades
de um gradiente sem hierarquia), a capacidade de atuar tem seus graus (informação,
aptidão, competência, habilidade e perícia) que, neste caso, são um gradiente de "perfei­
ção" da capacidade de atuar ou das relações que a pessoa estabelece em sua atuação.
Com as três dimensões explicitadas - assuntos, tempo e capacidade de atuar
- há uma aproximação maior com o que pode ser considerado um "projeto de curso",
mais do com o que é usualmente concebido como currículo, embora ainda seja neces­
sário atender a outras exigências e aspectos para caracterizar um "projeto de curso" de
nível superior. Ficaria restando, por exemplo, respondera uma pergunta nuclear: "como
se relaciona o conhecimento com a atuação ou com a capacidade de atuar"? A perspec­
tiva usual ó considerar que "apresentado" ou “estudado" o conhecimento (ou as informa­
ções, científicas ou outras, existentes sobre algo), o aluno estará capacitado a transfor­
mar, quando for necessário, esse conhecimento em atuação (Botomé e Kubo, 2002,
p.88). Todavia, a garantia de que isso irá ocorrer não ó dada pela simples intenção ou
pelas declarações verbais de professores ou alunos. A defasagem entre a informação e
conhecimento, mesmo quando “adotados", "repetidos", "aplicados", “resumidos", "para­
fraseados" ou "utilizados" ainda não ó superada com a compreensão que esses termos
referem. Uma defasagem que ó possível verificar, por exemplo, em depoimentos infor­
mais de egressos de cursos de graduação ou ainda durante estágios supervisionados
dos cursos de graduação. A transformação do conhecimento em comportamentos ou
condutas humanos ainda parece ser um processo que é conhecido mais pelas metáfo­
ras e analogias do que por descrições ou caracterizações precisas de como ocorre ou
pode ocorrer esse processo.
A Figura 3 ilustra, graficamente, uma representação da relação entre conheci­
mento e capacidade de atuar: Trata-se, no ensino, de transformar o conhecimento em
capacidade de atuar, o que pode acontecer, para cada tipo de atuação, em diferentes
graus de perfeição no processo de aprendizagem e, mesmo, durante a vida de uma pes­
soa. De acordo com o que examinam Botomé e Kubo (2002) essa transformação pode ser
comparada a um processo de construção, ou de produção: o conhecimento constitui os
"insumos", ou os alicerces e fundações (em uma construção) e a capacidade de atuar
(aptidões, competências, habilidades etc.) constituem os resultados, ou os andares su­
periores (da construção) que são construídos por meio de um processo de produção
denominado "ensinar”. "Transformar o conhecimento em atuação ou em capacidade de
atuar é produzir um outro conhecimento. Talvez, nesse sentido, 'reconhecer' ou ‘recons­
truir o conhecimento’ possam ser expressões mais próximas de serem apropriadas para
nomear o processo que ocorre quando uma pessoa aprende a agir coerentemente com o
conhecimento a que teve acesso" (p. 89), configurando uma capacidade de atuar que
poderá atualizar a qualquer momento em que as necessidades, exigências ou possibilida­
des para tal existirem.
Figura 3. Representação gráfica de trôs dimonsões consideradas para organizar o que ensinar
aos alunos no âmbito de um curso, considerando o que é denominado de "grado curricular" e
incluindo uma representação da transformação do conhecimento em capacidade do atuar(linhas
pontilhadas). Reproduzido de Botomó e Kubo (2002), p.89.
Há uma clara indicação de que, qualquer que seja esse processo de transformar
conhecimento em condutas profissionais, há uma exigência para quem aprende:
desenvolver comportamentos complexos que ultrapassam em muito aqueles que sâo
solicitados a apresentar em uma sala de aula, como ouvir, ler, anotar, repetir, adotar,
incorporar ou "aplicar" determinados assuntos ou informações, caracterizando o que
Paulo Freire denominou de "educação bancária” (1968). De que forma um professor
poderia estabelecer aquilo que é importante a ser ensinado para seus alunos,
considerando a função precípua do trabalho com o ensino - transformar conhecimento
de qualidade em comportamentos de valor social? Foi possível derivar um procedimento
relativamente simples a partir das análises comportamentais dos conceitos relacionados
ao processo de ensinar e aprender baseado em uma analogia com uma "análise sintática"
que evidencia aspectos importantes da relação entre conhecimento e comportamento e
desse com as noções de competência, habilidade, “conteúdo" e currículo.
No Quadro 1 estão apresentados os três elementos principais em que ó possíveí
decompor (analisar) uma frase (ou um enunciado) elaborada como expressão de algo
na língua portuguesa, ou dito de outra forma, analisar sintaticamente um enunciado que
expresse de maneira completa o que um aluno precisará aprender, ou estar apto a
realizar coerentemente com o conhecimento existente. O primeiro desses componentes
se refere à identificação do agente que realiza uma ação, o sujeito da oração (à esquerda
do Quadro 1). O segundo componente diz respeito a explicitação do verbo que indica o
tipo de ação apresentada pelo sujeito (no meio do Quadro 1). O terceiro componente (á
direita do Quadro 1) é constituído polo complomonto do vorbo, em geral se referindo a que
se refere ou dirige a ação a ser realizada como capacidade de atuar (aptidão, competência,
habilidade ou perícia).

Quadro 1 - Três componentes nos quais uma oração (como a expressão "alguém deverá
ser capaz de... em relação a...) pode ser analisada (análise sintática).

SIJJKITO VKRIIO COMIM.KMKNTO

Os três elementos indicados no Quadro 1 e as regras básicas de uma análise


sintática possibilitam “transportar1’o esquema desse tipo de análise para o contexto de
um processo de aprendizagem, facilitando descobrir os comportamentos significativos a
serem propostos como ensino para formação de um profissional, por exemplo, um
psicólogo. O Quadro 2 exemplifica como esse processo pode ocorrer. Considerando
como “sujeito" o aluno no papel do profissional a ser formado (psicólogo, médico, arquiteto,
químico, advogado, assistente social, fisioterapeuta etc.), como "complemento" o que
existe de conhecimento sobre os fenômenos, objetos, seres, processos, problemas,
técnicas, procedimentos etc., resta descobrir qual será a capacidade de atuar (explicitada
por um "verbo") requerida desse profissional em relação a cada um dos tipos de
complementos explicitados.
Quadro 2 - Ilustração da transposição do esquema de uma análise sintática ao considerar
um processo do aprendizagem para descobrir os comportamentos (verbo) significativos
em relação ao complemento.

SIJJKITO VKRBO COMPKKMKNTO

A I ii ii o (com o •} U nidades ou aspectos do conhecim ento


p rofission al forniH(lo) sobre os fenômeno, objetos, processos ....

Os dados sobre o sujeito (o profissional a ser formado, momentaneamente no


papel de aluno) geralmente estão disponíveis ou podem ser obtidos ou produzidos por
um trabalho de investigação e definição. A literatura pode ajudar, mas, geralmente, o
próprio nome da profissão (o profissional de um campo de atuação) já indica qual ó o
sujeito das frases que evidenciarão o que deverá ser desenvolvido como capacidade de

490 01^.1 Mifsuc Kubo c Silvio P.iulo Botomé


atuar. Também o que constitui o complemento de cada frase (unidade definidora de
aprendizagens) é conhecido ou pode ser encontrado no que recebe o nome de
conhecimento. O conhecimento pode ser entendido como uma espécie de “retrato" (bom
ou não, completo ou incompleto, com muitas ou poucas variações, mais ou menos
fidedigno etc.) do que acontece, do que constitui os fenômenos, a sociedade, a natureza,
as relações humanas, os processos sociais etc.
Com a delimitação do sujeito e dos complementos fica mais fácil definir o que o
profissional (ou qualquer outro tipo de papel social) precisa ser capaz de fazer (qual a
capacidade de atuar que deverá aprender). Os principais problemas aparecem na
delimitação das unidades de "complementos" ou de conhecimento para configurar o que
será objeto da aprendizagem e na definição do verbo que explicita o que o sujeito precisará
estar apto a fazer para realizar uma atuação significativa ou relevante na sua vida e para as
demais pessoas que constituem sua comunidade, em qualquer abrangência que isso
puder ser considerado.
A descoberta, antes mesmo da formulação, de quais verbos serão os melhores,
no sentido de indicarem com precisão os comportamentos que serão importantes para
os profissionais lidarem com as situações reais de trabalho em seu campo profissional,
constitui uma proposição permanentemente "em aberto". Um professor, ao escolher um
verbo em relação a um tipo de complemento especifico, estará decidindo com base em
muitas informações e conhecimentos de naturezas diferentes. Quanto mais esse professor
conhecer sobre o que caracteriza o trabalho profissional em termos do tipo de situações,
problemas, pessoas, procedimentos, domandas, necessidades sociais, possibilidades
de atuação para um determinado profissional, mais estará aumentando a probabilidade
de "acertar" nas suas escolhas de quais comportamentos precisam ser aprendidos pelos
seus alunos.
Além disso, o aperfeiçoamento seja de uma disciplina, seja de um projeto de
curso, depende de uma revisão constante e organizada do próprio fazer do profissional
formado, ou seja, da verificação sistemática da qualidade do trabalho do profissional
como forma de avaliar as proposições daquilo que está definido como significativo a ser
ensinado. Uma avaliação muito diferente daquela em que há a suposição de serem
necessárias apenas atualizações nas informações que são “transmitidas" aos alunos
nas aulas para que o curso esteja "sintonizado com a realidade atual".
Um exame de um exemplo de construção de uma capacidade de atuar (de um
comportamento, de um objetivo ou de uma "competência" pode ser útil para esclarecer
ou completar o que pode ser a realização do processo que o Quadro 2 está orientando
esquematicamente. No Quadro 3 está representado um exemplo de como descobrir
alguns "verbos" significativos para formação de um psicólogo, em relação a um
complemento. Considerando "média aritmética" como um aspecto da "realidade com
que um profissional vai ter que lidar (mais do um conceito matemático), é possivel definir
que um profissional precisaria ser capaz de calcular ou identificar um fenômeno desse
tipo. Mas também seria possível definir que também será necessário o profissional
"avaliar" o significado de uma média aritmética, "interpretar” o significado de uma média
aritmética; "decidir" quando é adequado usar a média aritmética como medida;
"complementar" a média aritmética com outras medidas de tendência central; "criticar" o
uso inadequado da média aritmética; "identificar" que aspecto dos fenômenos a média
aritmética mede; "identificar" o que uma média aritmética revela; “identificar” o que uma
média aritmética encobre, são alguns exemplos que ultrapassam em muito aquilo que
comumente os professores consideram como suficiente ensinar em cursos de Psicologia
(muitas vezes os alunos aprendem somente a "calcular" a média aritmética e a aplicar
tal tipo de medida a alguns exemplos de problemas). Os tipos de atuações em relaçáo à
média aritmética e o grau de perfeição em que é necessário ou desejável que alunos de
Psicologia aprendam a realizar cada um desses comportamentos, expressos pelos verbos
e seus complementos, dependerá de uma avaliação criteriosa daquilo que será exigido
dele como profissional, tanto no atendimento às demandas existentes como em relação
ao que será exigido em âmbitos ainda não totalmente exploradas e consolidadas como
próprios do fazer de um psicólogo (campo de atuação profissional).
Quadro 3 - Exemplos de identificação de verbos que podem ser relacionados ao comple­
mento "média aritmética", caracterizando um procedimento para descoberta de comporta­
mentos significativos a ser ensinados para futuros psicólogos.

SIJJHITO VHRHO COMm-MHNTO

O psicólogo C alcular a Média aritmética


precisará ser capaz
Complementar com outras medidas m
de...
C riticar o uso inadequado da

Avaliar a validade de uso da


Interpretar o significado de uma
Decidir quando (' advqirnlo t/sur como mvühla »
Identificar que aspecto dos fciiAmcnos mede a

Identificar o que revela uma


Identificar o que encobre uma

(...)
•)

O que está apresentado esquematica e resumidamente nos quadros 1, 2 e 3


constitui uma ilustração de um procedimento que pode auxiliar no exercício de descoberta
de quais comportamentos serão significativos para compor um projeto de curso para
formação de um profissional em nível superior. O conhecimento sobre a natureza do
processo e dos fenômenos envolvidos numa relação de ensinar e aprender descoberto
pelos que trabalham com a Análise Experimental e a Análise Aplicada do Comportamento
permitiu uma refinada elaboração do conceito de objetivo de ensino e a identificação do
que é central em um objetivo de ensino: comportamentos significativos das pessoas em

P u m inala InfonrmçAcm nnbro ou doflnlçA«* d « darnanda por um tipo d a m t v iç o proflaatonal q o a conflguru m a rra d o d o trabalho n c am jio do atuação
purfhtnkMmlvor fiotomCi.S P (tflflfl) F m h u a c a d a p a ra p e ctlva iipa raa P aico io gttio om o A rM d econ h ecIn iM nto ftG om o carn po p rrrfiaN Ío niil Fm Coniw ilho
ro d n r a ld u Pmcoloalii (org ) Q u a m é o p a lc á l o o o b r a a ll a l r o ? ( ? / 3 - ? t i 7 ) S P Fd(con e Rotoetatto, J R «H o to m é. 8 P (10 99) F ls lo t a r a p la n o B ra ill:
p a ra p a ctlva a d a a v o lu ç A o c o m o c a m p o d a atu aç A o p ro fla a lo n a l a c o m o èraa d a c o n h a c k n a n lo S A o Paulo: H lltora M an o io
relação àquilo com que essas pessoas vão se defrontar na sua vida e em seus papéis
sociais, destacadamente os papéis profissionais, no caso do ensino de nível superior. A
esse respeito, há várias contribuições para o desenvolvimento do conhecimento e da
tecnologia correspondente em relação a como explicitar o que os alunos precisam
aprender e, por decorrência, o que os professores precisam ensinar. Desde as primeiras
formulações de Skinner(1931,1935,1938,1969) sobre a noção de operante, as quais se
somaram outras contribuições como as Shick (1975), de Keller e Schoenfeld (1968), de
Catania (1973,1999), de Todorov (1989), de Sidman (1995), de Botomé (2001), o conheci­
mento e a tecnologia a respeito do ensino e da aprendizagem, especialmente da proposi­
ção do que aprender como núcleo do processo de ensino e de seu planejamento está se
desenvolvendo sem parar.
O conhecimento aprofundado sobre comportamento, além de permitir rever o
conceito de objetivo de ensino, possibilitou também o desenvolvimento de uma tecnologia
bastante sofisticada para Mdar com o ensino de comportamentos, denominada de
programação de ensino. Botomé (1981) demonstra que programar ensino envolve mais
do que simplesmente descrever aquilo que alguém pretende que o aluno aprenda em
forma de verbos, ou utilizar de estratégias ou procedimentos operacionais característicos
do ensino programado individualizado. Programar ensino, antes de tudo, requer que o
professor tenha claro e considere em suas decisões aquilo que se configura como
necessidades sociais de uma dada comunidade na qual o futuro profissional irá inserir-
se, como ponto de partida para escolher que comportamentos são significativos para
serem aprendidos. Tais necessidades orientam a seleção dos complementos e dos verbos
para explicitar as aprendizagens relevantes a desenvolver em um processo de ensino,
de acordo com o que foi indicado na descrição do que está apresentado no Quadro 3.
O ensino tradicional considera os "conteúdos" como sendo as aprendizagens
que os alunos devem desenvolver. Já é possível, porém, considerar que o conhecimento
pode ser tomado como aspectos da realidade com a qual o aluno vai se defrontar e, a
partir disso, considerar o que ele, depois de terminar o processo de aprendizagem, deverá
estar apto a fazer (ser capaz de realizar). Isso pode alterar todo o processo do
planejamento do ensino, consequentemente, de sua execução, conforme salienta Botomé
(1981), ao derivar os comportamentos de um professor planejando ensino a partir de
uma detalhada análise dos comportamentos de aprender e de ensinar. De acordo com
esse autor e o procedimento indicado no Quadro 3, as quatro primeiras decisões de um
processo de planejamento de ensino delimitam (1) o que acontece no meio em que o
aprendiz atual vai atuar como futuro profissional, (2) o que deverá resultar de sua atuação
(os tipos de benefícios sociais que devem resultar do trabalho em um campo de atuação),
(3) o que a egresso desse ensino deverá fazer diante do que acontece e para produzir o
que é necessário resultar de sua ação. Só então é apropriado (4) examinar e identificar
as aprendizagens intermediárias para a consecução dessas capacidades de atuar que
caracterizam a formação de alguém. Isso difere muito das concepções e procedimento
usuais no ensino nas quais o "conteúdo" é considerado como as aprendizagens a
desenvolver, sem um exame maior do papel do conhecimento na definição de
aprendizagens a construir para os alunos poderem atuar significativamente na sociedade
em que vão viver.
Considerando os requisitos necessários para um professor ser capaz de
desenvolver coerentemente um processo de programar ensino, é possível contextualizar
mais apropriadamente o que foi apresentado nos quadros 1,2 e 3 como uma proposta de
procedimento para descobrir quais são comportamentos significativos na formação de um
profissional de nível superior. Tal procedimento constitui um auxílio para desenvolver as
primeiras etapas de uma programação de ensino, no que concerne à identificação de
comportamentos que precisarão ser aprendidos em relação a situações de sua vida, para
conseguir um certo tipo de produto, benefício, resultados ou transformações no meio em
que vai viver e atuar. Isso significa que esse recurso sozinho não garantirá a descoberta de
todos os comportamentos que precisarão compor um programa de aprendizagens. O
professor precisará contar com outras fontes de informações, ou mesmo, precisará de­
senvolver estudos sistemáticos (pesquisas) para ser capaz de responder de modo mais
satisfatório às questões pertinentes ao processo de ensinar.
Em síntese, o papel do conhecimento no processo de construção de aprendizagens
transcende aquilo que ó apenas repetido, reconhecido, parafraseado, resumido ou adotado
pelo aluno, muitas vezes, induzido pelos procedimentos do professor. O conhecimento é
“matéria prima" (insumo) ou 'óculos' especiais que o professor utiliza para derivar as condutas
que serão significativas para transformar situações existentes (no meio em que os alunos
precisarão atuar) em situações novas, socialmente desejáveis e significavas (resultados, pro­
dutos, benefícios...) por meio das aptidõos (comportamentos) que os alunos desenvolverão
graças ao ensino que for realizado" (Botomé e Kubo, 2002, p. 91). O exame que se apresenta
do que significam os termos das diretrizes curriculares também indica que elas criam, apesar
das controvérsias e questionamentos em relação a vários de seus aspectos, algumas possi­
bilidades de atuação e de participação no processo de seu aperfeiçoamento: a de examinar
mais cnteriosamente o papel e a relação profissional de professores com seus alunos, a de ter
que identificar o papel do conhecimento em relação à aprendizagem, a de identificar o que
ainda é necessário para isso e questionar o própno preparo daqueles que tem a responsabili­
dade de realizar os processos de formação profissional, assim como daqueles que tem o
papel de administradores ou gestores desses processos.
Os conceitos de “competência", "habilidades", “conteúdos" ainda mantém nos
documentos das diretrizes e na comunidade acadêmica e profissional da Psicologia
significados que permitem equívocos e manutenção de critérios e referenciais já supera­
dos pelas possibilidades do conhecimento disponível. Não basta considerá-los com os
significados das décadas iniciais da segunda metade do século XX e sim redefini-los
com os recursos do conhecimento desenvolvido nos cinqüenta anos que antecedem o
início do século XXI. A redução do significado de tais termos ao conhecido no âmbito de
cada indivíduo pode ser um desastroso retrocesso histórico, inviabilizando as possibili­
dades que uma mudança de currículo mínimo para diretrizes curriculares podem trazer
para o trabalho no campo profissional da Psicologia, por meio de uma melhor concep­
ção - e formulação - do que deve caracterizar o conjunto de atuações que o profissional
desse campo é capaz de apresentar na sociedade como papel próprio desse profissio­
nal e corno identidade da profissão que atua nesse campo. O projeto do profissional e da
profissão é constituído pelo conjunto de verbos e complementos que delimitam o que ele
será capaz de fazer como sujeito do processo de intervenção profissional do psicólogo.
Seja em intervenções diretas sobre os fenômenos e processos psicológicos, seja em
intervenções sobre tais fenômenos e processos por meio de outras pessoas (no papel
de educador ou professor de Psicologia), seja em processos de produção de conheci­
mento para sustentar intervenções de qualquer tipo no campo de atuação que configura
a Psicologia como profissão.
Confundir graus de um fenômeno (aptidões, competências, habilidades, perícias)
com o próprio fenômeno (atuação profissional, expressa em verbos) ou com o conheci­
mento existente ("conteúdos") para orientar a identificação e construção desse fenômeno
pode ser destrutivo. Isso talvez exija uma melhor delimitação desses termos e um traba­
lho de estudo sistemático para utilizá-los no âmbito da construção dos projetos de ensino
de Psicologia no pais.

Referências
Botomé, S. P. (1981). Objotivos comportamentais no ensino: a contribuição da Análise Experi­
mental do Comportamento. Tese de doutorado não publicada. Instituto de Psicologia da Uni-
versidado de São Paulo.
Botomé, S. P. (1988). Em busca de perspectivas para a psicologia como área de conhocimonto
e como campo profissional. In Conselho Foderal do Psicologia (Org.), Quem é o psicólogo
brasiloiro? (pp. 273-297). São Paulo: Edicon.
Botomé, S. P. (2001). Sobre a noção de comportamonto. In H. P. M. Feltes & U. Zilles (Orgs.),
Filosofia: Dialógos de horizontes (pp. 687-708). Caxias do Sul: Editora da Universidade de
Caxias do Sul; Porto Alegre: Editora da Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul.
Botomó, S. P., & Kubo, O. M. (2002) Responsabilidade social dos programas de pós-graduação o
formação de novos cientistas o profossores de nível superior. Interação em Psicologia, 6(1), 81-109.
Buettner, G. E. B. P. von. (2000). Diretrizes curriculares em Psicologia: discursos do resistência.
Tese de doutorado não publicada Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia da Pontifícia Univor-
sidado Católica de Campinas.
Catania, A. C. (1973). The concept of tho operant in the analysis of behavior. Bohaviorism, 1,103-116.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre:
Artes Médicas.
Conselho Nacional de Educação. (2002). Diretrizes curriculares paru os cursos do graduação
om Psicologia (Retirado do; www.mec.gov.br].
Duran, A. P (1975). Comportamentos sociais como objetivo educacional. Dissertação do
mestrado não publicada Instituto do Psicologia da Universidade de São Paulo.
Freire, P. (1968). La concepción "bancaria" de la Educación y la desumanización Cristianismo y
Sociedad (Suplomento-Edición no comercial). Montevideo: Junta Latino-Americana de Iglesia y
Sociedad.
Freitas, L. C. (1979). Programação de contingências em ambiento educacional: uma análise
critica. Simpósio sobre Programação de Ensino, Associação de Modificação de Comporta­
monto Universidado Foderal de São Carlos. Não publicado.
Gronlund, N. E. (1975). A formulação de objetivos comportamentais para as aulas. Rio de
Janeiro: Editora Rio.
Hoff, M. S. (1999). A proposta das diretrizes curriculares para os cursos de psicologia: uma
perspectiva de avanços? Psicologia: Ciência e Profissão, 3(19), 12-31.
Johnson, K. R., & Ruskin, R. S. (1977). Behavioral instruction: an evaluative review. Washington:
American Psychological Association, Inc
Junco, H. G. (1974). Una innovación en la ensenanza superior, sistema de instrución persona­
lizada. México: Editorial Limusa.
Keller, F. S., & Schoenfold, W. N. (1968). Princípios de Psicologia: Um toxto sistemático na
ciôncia do comportamento São Paulo: Editora Hordor.
Kubo, & Botomé. (2001). Enslno-aprendizagem: uma Interação entre dois processos
comportamentais. Interação, 5, 123-132.
Mager, R. F. (1976). A formulação de objetivos de ensino. Porto Alegre: Editora Globo.
Mager, R. F. (1977). Análise de objetivos. Porto Alegre: Editora Globo.
Mager, R F., & Pipo, P. Análise de problemas de desempenho. Porto Alegre: Editora Globo
Matos, M A. (2001). Contingências no aprender e no ensinar. In E. S. do Alencar (Org.), Novas
contribuições da Psicologia aos procossos do ensino o aprendizagem (pp. 142-165). São
Paulo: Cortez Editora.
Moura, E. P. G. (1999). A psicologia (e os psicólogos) que temos e a psicologia quo quoromos:
reflexões a partir das propostas de diretrizes curriculares (MEC/SESu) para os cursos de gra­
duação em psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 2(19), 10-19.
Popham, W. J., & Baker, E. L. (1976a). Como estabelecer metas de ensino. Porto Alegro: Editora Globo.
Popham, W. J., & Baker, E. L. (1976b). Sistematização do ensino Porto Alegre: Editora Globo.
Popham, W. J., & Baker, E. L. (1976c). Como ampliar as dimensões dos objetivos do onsino.
Porto Alegre: Editora Globo.
Rebelatto, J. R., & Botomé, S. P (1999). Fisioterapia no Brasil: perspectivas de evolução como
campo de atuação profissional e como área de conhecimento. São Paulo: Editora Manole.
Rocha Jr., A. (1999). Das discussões em torno da formação om psicologia: as dirotrizes
curriculares. Psicologia: Teoria e Prática, 2(1), 3-8.
Shick, K. (1975). Operants. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 15, 413-423.
Short, J. (1978). Objetivos mensurables para programas educaclonales. In R. Ulrich, T. Stachnik,
J. Mabry (Orgs ), Control de la conducta humana: modificación de conducta aplicada al campo
de la educaciôn (pp. 366-381). México: Editora Trillas.
Sidman, M (1995). Coerção o suas implicações. Campinas: Editorial Psy.
Skinner, B. F. (1931). The concept of the reflex in the descriptions of behavior. Journal of General
Psychology, 5, 427-458.
Skinner, B. F. (1935). The generic nature of the concepts of stimulus and response. Journal of
General Psychology, 12, 40-65.
Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: D. Appleton-Century.
Skinner, B. F. (1969). Contingences of reinforcement. New York: Appleton-Century-Crofts.
Todorov, L. C. (1989). Psicologia como estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
5(3), 347-356.
Yamamoto, O. H. (2000). A LDB o a Psicologia. Psicologia: Ciôncia e Profissão, 20(4), 30-37.
Seção VII

Interação pais e
filhos
Capítulo 44
Estilos parentais e desenvolvimento da
criança e do adolescente e palmadas e
surras: ontem, hoje e amanhã

Lídia Nata/ia Pobrianskyj Weber '


A rui Ptiu/d V iei/er *
Olíviri lustcn Hmndcnburfj *
Pc/hirt.imcnfo dc Psico/o^/j d,i í /nivcrsid.idc hcdcnd do l\ir,in,i

A maioria das definições da palavra "disciplinar" encontra-se em dois grandes


campos: "controlar, punir e corrigir” ou "ensinar, guiar e influenciar". Apesar de a maioria
dos estudos atuais (Patterson, Reid & Dishion, 1992; Hyman, 1997; Garbarino, 1999;
Straus, 2000, 2001, por exemplo) mostrarem que a segunda definição ó mais efetiva na
produção de comportamentos desejados, para muitos pais, a punição física é considerada
a melhor forma de disciplinar os filhos. Justamente pelo fato de a punição física ser tão
utilizada, nós buscamos compreender de forma mais precisa o que explicaria tal
comportamento dos pais. Isto foi realizado por meio de uma pesquisa exploratória com
472 crianças e adolescentes, de escolas pública e privada, que responderam a um
questionário elaborado pelas pesquisadoras (contendo 60 questões fechadas e uma
aberta); o instrumento foi aplicado em sala de aula com a autorização das escolas (Weber,
Viezzer e Brandenburg, 2001).
O objetivo deste texto é relatar de forma breve os dados coletados nesta pesquisa,
os quais dão subsídios para examinar alguns pontos ainda polêmicos na comunidade cien­
tífica, como os motivos de os pais baterem nos filhos, se a punição física realmente funcio­
na, os efeitos provocados pela punição física e se isso representa um fator de risco.

Por que os pais batem?


O uso difundido da punição física pode ser explicado em função de esse compor­
tamento ser controlado tanto por regras quanto por contingências.

PmfitMoni do I Jojwrtamonto do Pnícotogla o do Motttrado mti P»icotogla da liVàfKW n da AdoloacAftcúi


^lolülütnn do InU oçâo Clontificji do CNP<i/UrpR
O controle por regras. O comportamento dos pais de bater nos filhos pode ser
considerado um comportamento governado por regras, pois está sob o controle de regras
sociais que sáo transmitidas pela comunidade verbal ao longo das gerações. Estas regras
sociais referem-se a descrições do tipo: “as palmadas funcionam e não trazem prejuizos
aos filhos", "a punição física mantém a autoridade dos pais", "o castigo corporal é uma
maneira de mostrar limites”, entre outras. Descrições similares podem ser encontradas
em alguns provérbios, como: “Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com
a vara, ele não morrerá; castigando-o com a vara salvarás sua vida da morada dos
mortos" (Bíblia Sagrada, Pv 23, 13-14). Este, entre outros provérbios bíblicos, mostra
que as indicações para o uso de punição física como método disciplinar remontam a
milênios. Os ditados populares, nas diferentes culturas, também indicam esta maneira
de educar uma criança e oferecem regras como: "ama as crianças com o coração, mas
educa-as com tua mão" (provérbio russo); "quem não foi bem castigado com a vara, não
foi bem educado" (provérbio grego). A vinculação da punição física com a disciplina vem
sendo transmitida ao longo de muitas gerações como verdades inquestionáveis a serem
seguidas por pais, na educação de seus filhos.
Estas regras retratam o pensamento de um contexto histórico, no qual a criança
era desvalorizada. A imagem da infância, por vários séculos, foi aquela expressa por
Santo Agostinho (354-430 d.C.), que afirmava não existir inocência infantil. Para ele, a
criança trazia o pecado original desde o ventre de sua mãe, e assim, representava a
condenação da humanidade e tendia sempre para o mal. Se a infância era a personificação
do pecado, a redenção deste pecado deveria ocorrer pelo combate da infância, através
da anulação da sua corrupção, justificando as ameaças, varas e palmatórias (Ariès,
1978; Badinter, 1985; Guerra, 1998). O castigo físico e também o infanticídio (a primeira
lei conhecida proibindo o infanticídio só foi promulgada no ano 374 d.C.) foram permitidos
por lei durante muitos séculos (Badinter, 1985; Gallardo, 1988; Marinopoulos, 1998; Roig
& Ochotorena, 1993).
Rousseau, no século XVIII, marcou um novo conceito de infância: ela não era
corrupta, mas poderia ser corruptível. Não era algo contra o que se devesse lutar, mas
era preciso cuidá-la para que não se deformasse em erro (Mello Neto, 1998). A criança
começou a ser valorizada como um ser humano que necessita de cuidados e atenção
especiais. Este período marcou uma maior aproximação entre os filhos e seus pais
verdadeiros, pois, nos séculos anteriores, a criança ficava sob cuidados de pessoas
alheias á família, mas gradativamente ela passou a ter um contato mais intenso e também
afetivo com seus pais (Ariòs, 1978; Roig & Ochotorena, 1993).
A valorização da criança foi muito tardia. Legalmente, ela só se tornou um sujeito
de direitos no século XX, em 1959, na Assembléia Geral da ONU, na qual foi promulgada
a Declaração dos Direitos da Criança. Em 1989 a Convenção Internacional dos Direitos
da Criança veio a constituir um máximo jurídico e é conhecida como o instrumento mais
ratificado no âmbito jurídico e o mais aceito socialmente na história da humanidade. Em
nosso país, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 trazendo
mudanças profundas no entendimento da criança e do adolescente como seres em
desenvolvimento.
Mesmo havendo uma modificação significativa na maneira de tratar a criança, pode-
se perceber que muitas regras formuladas em outro contexto histórico continuam sendo
utilizadas pelos pais atualmente. Embora o contexto atual valorize a infância - considerando
que a criança precisa ser cuidada, educada, amada e tratada com dignidade - muitos pais
agem de acordo com regras de um contexto que já não existe mais. Portanto, ao utilizar a
punição física, os pais acabam seguindo um pensamento que desvaloriza a infância, sem
perceber que isso ocorre.
Essas regras culturais e históricas a respeito da infância e do uso da punição física
controlam o comportamento dos pais de tal forma que eles não discriminam as mudanças
ocorridas ao longo do tempo a respeito da imagem da infância."(...) Os sujeitos humanos
formulam regras (...) e agem de acordo com essas regras mesmo que algumas vezes essas
regras não sejam compatíveis com as contingências de fato presentes" (Matos, 2001, p.56).
Dados encontrados na nossa pesquisa mostraram que, de fato, o uso da punição
física na disciplina dos filhos é uma regra transmitida de geração para geração. É importante
salientar que os dados da pesquisa foram coletados por meio do relato verbal das crianças
e não comprovadas diretamente. Os resultados mostraram uma clara relação entre o
modelo dos pais e a expectativa de agir no futuro: das crianças que já apanharam, 63,4%
consideraram a palmada importante para um melhor comportamento (+ = 29,123;gl = 1; p
< 0,001) e 51,2% pretendem bater em seus filhos futuramente (+*=29,123; gl = 1; p <
0,001); e das que relataram que nunca apanharam, 78,3% não consideraram a palmada
importante, e 77,8% não pretendem bater em seus filhos. Estes dados confirmam os
resultados encontrados em outras pesquisas: os pais parecem punir fisicamente seus
filhos na mesma medida em que foram punidos na infância (Murphy-Cowan & Stringer,
1999); 93,2% dos sujeitos apanharam na infância e pretendiam bater em seus futuros
filhos (Graziano & Namaste, 1991).
Também foi encontrado que independentemente da idade (+^= 2,072; gl = 1; p =
0,150 para o pai; + = 2,508; gl = 1; p = 0,113 para a mãe) e do nível de escolaridade (Ç =
0,168; gl = 1; p = 0,682 para os pais; +2= 3,318; gl = 2; p = 0,190 para as mães) dos paise
mães, a punição é aplicada da mesma forma. Morris (1996) também encontrou dados que
revelaram que o nível educacional não influenciou significativamente o fato de as mães
usarem ou não a punição física. Assim, pode-se perceber que a regra sobre a necessidade
da punição física se mantém em diferentes idades e em diferentes níveis de escolaridade.
O controle por outras contingências. O comportamento dos pais de bater
também está sob controle de outras contingências como: 1) o efeito imediato, 2) respostas
emocionais e 3) falta de informação.

1) Efeito imediato
Quando apanha, a criança geralmente pára imediatamente de emitir o comporta­
mento. A obediência imediata traz benefício para os pais, aumentando a probabilidade de
eles continuarem a utilizar esta prática educativa novamente (Skinner, 1953/1976). Desta
forma, o efeito imediato atua como um poderoso reforçador negativo para o comportamen­
to de bater dos pais, aumentando assim a probabilidade de este comportamento ser
utilizado em ocasiões semelhantes.
Este efeito é amplamente discutido pela Análise do Comportamento: é muito
mais provável que se obtenha conseqüências imediatas apresentando um estímulo puniti-
vo do que apresentando um reforçador (Skinner, 1953/1976; Sidman, 1989/1995), "e isso
significa que uma pessoa, provavelmente, acha mais fácil aprender técnicas de controle
aversivo do que técnicas de reforço. No entanto, isso não significa que as técnicas aversivas
sejam melhores" (Catania, 1999, p. 128).
Possivelmente por ser um método mais fácil de ser aplicado e por ter resultados
mais rápidos, em nossa pesquisa foi encontrada uma freqüência muito maior de crianças
e adolescentes que apanham (88,1 % da amostra, sendo que 51,5% receberam só tapas
e 36,6% receberam tapas e surras) do que recebem castigos (64,8% da amostra recebeu
castigos como não jogar videogame, não sair de casa por algum tempo, entre muitos
outros.
A facilidade de utilizar métodos aversivos é tanta que está presente em diversos
setores da sociedade. O governo dos palses, a policia, a escola, a religião e a família são
agências controladoras que fazem uso significativo da punição (Skinner, 1953/1976). Na
vida moderna, a punição é a forma mais comum de controle do comportamento humano,
as respostas das pessoas são punidas por aqueles que as empregam, as ensinam, as
protegem, as governam, amam-nas (Todorov, 2001; Sidman, 1989/1995).

2) Respostas emocionais
As respostas emocionais dos pais - especialmente a irritação e a raiva - são
geradas por diversos fatores do meio, como baixa disponibilidade de reforçadores no tra­
balho, contas a pagar, trânsito, e até mesmo alguns comportamentos dos filhos (por
exemplo, se a criança corre para a rua sem olhar se vem carro, acaba assustando seus
pais, que por sua vez poderão emitir uma resposta emocional de medo; ou se a criança
quebra algum objeto valioso, poderá provocar raiva em seus pais). Estas respostas emo­
cionais indicam "predisposições para agir de certas maneiras" e (...) "as respostas que
aumentam de força na raiva infligem dano em pessoas ou objetos" (Skinner, 1953/1976, p.
163). Assim, há o condicionamento de respostas que infligem dano, ou seja, este compor­
tamento é reforçado durante a raiva e conseqüentemente será controlado pelas condições
que controlam a raiva.
A pesquisa de Graziano e Namaste (1990) mostra que 90,7% dos sujeitos relata­
ram que seus pais mostraram expressões de irritação quando bateram, e Cornet (1997)
afirma que os pais descontam nos filhos suas irritações presentes ou mesmo passadas
(pais que apanharam na infância) e tornam a agressividade um círculo vicioso. A exposi­
ção a certas contingências aversivas torna mais provável a ocorrência de comportamentos
agressivos difusos, sem um alvo específico e a presença de crianças por perto torna isso
mais fácil porque não reagem, e esse comportamento agressivo também é controlado por
suas conseqüências. Se há o condicionamento de respostas de infligir dano com a emo­
ção de raiva e, além de tudo, o comportamento dos pais pode estar sob controle da regra
geral que a punição física é adequada, e isto aumenta ainda mais a probabilidade de eles
baterem forte por apenas um pequeno comportamento inadequado da criança (Skinner,
1953/1976). Neste caso, a punição física deixa de ter um caráter educativo, para transfor-
mar-se realmente em falta de autocontrole dos pais e levar á agressão.
As palmadas e surras são utilizadas também pela falta de conhecimento dos pais
sobre as fases do desenvolvimento infantil, sobre outras estratégias educativas e sobre os
malefícios da educação coercitiva. Os pais normalmente seguem o modelo aprendido de
que a punição física disciplina os filhos, e a falta de informações faz com que utilizem este
método educativo sem qualquer questionamento a respeito de sua real eficácia e
conseqüências.

A punição física funciona?


Diversas pesquisas encontraram que a punição física está associada à obediência
imediata das crianças (Bean & Roberts, 1981; Day & Roberts, 1982; Roberts & Powers,
1990). Existem experimentos que provam gue a punição física funciona a longo prazo.
Ao contrário disso, Skinner (1953/1976) argumenta que a punição não funciona
permanentemente. “(...) A longo prazo a punição realmente não elimina o comportamento
de um repertório (...)” (p. 113). O efeito imediato é suficientemente poderoso para as
pessoas continuarem a utilizar esta prática educativa.
Para que este processo realmente funcione e leve à eliminação de um
comportamento, algumas circunstâncias são necessárias (Azrin & Holz, 1966): não pode
haver fuga possível do estímulo punitivo; o estímulo deve ser tão intenso e freqüente
quanto possível; a intensidade não pode ser aumentada gradualmente; a punição tem
que ser imediata; a freqüência de reforço positivo para a resposta deve ser diminuída;
entre outros. Estas condições deveriam ser atendidas para que a punição física também
funcione, porém não são viáveis na vida cotidiana de uma família, até mesmo porque o
agente punidor nem sempre estará presente quando a criança emitir um comportamento
inadequado.
Mesmo que estas condições sejam atendidas e que a punição física funcione,
os custos acarretados pela sua aplicação no contexto familiar são muito altos, e isto será
demonstrado detalhadamente ao longo deste texto.
A punição física gera comportamentos emocionais (choro, medo, ansiedade, raiva)
que são incompatíveis com a emissão de outros comportamentos (Skinner, 1953/1976). A
presença destes comportamentos emocionais foi constatada em nossa pesquisa. Houve
uma relação significativa entre a intensidade da punição física e os seguintes comportamentos
da criança: a tristeza (Ç2= 4,907; gl = 1; p = 0,027), a raiva (+?* 21,138; gl = 1; p < 0,001), o
choro (+'s 22,006; gl = 1; p < 0,001) Essa relação significativa pode ser percebida na
comparação entre as crianças que relataram não terem ficado machucadas, terem ficado
pouco e muito machucadas. Fica evidente a existência de um gradual aumento dos
comportamentos de tristeza, de raiva e de choro, de acordo com a gravidade da lesão relatada.
Ao se verificar os dados que expressam a relação entre ficar machucado e ficar
triste, percebe-se que quanto mais a criança apanha e fica machucada, mais triste ela se
sente. Entre as crianças que nunca ficaram machucadas (63,1 % do total), 44,6% ficaram
tristes e 55,4% não ficaram. Das crianças que ficaram um pouco machucadas (32,8%),

1CJuando dua» tinta» foro*ti u p re o e n U K la n . a I ttc ltc a rá o uno ila odiçAn arigmul, o a Nogurtdd o ano da ndiçAo coimultuda.
54,1 % ficaram tristes e 45,9% não. Já entre as crianças que relataram terem ficado muito
machucadas (4,1 %), 70,6% ficaram tristes e 29,4% não ficaram..
Um padrão semelhante de distribuição dos dados apareceu no cruzamento entre
ficar m achucado e ficar com raiva. Entre as crianças que nunca ficaram m achucadas,
26,9% ficaram com raiva e 73,1% não ficaram; entre as que ficaram um pouco
machucadas, 48,1% ficaram com raiva e 51,9% não; das que ficaram muito machucadas,
58,8% ficaram com raiva e 41,2% não. Comparando as três categorias de crianças,
nota-se um aumento da resposta emocional de raiva à medida que as crianças relatam
que apanham mais e ficam mais machucadas. Da mesma forma, o comportamento de
chorar aumenta de freqüência com o aumento da gravidade do machucado; entre as
crianças que nunca ficaram machucadas, 37,3% choraram e 62,7% não; entre as que
ficaram um pouco machucadas, 60,0% choraram e 40,0% não; entre as ficaram muito
machucadas, 70,6% choraram e 29,4% não.
Todos esses dados deixam tornam clara a existência de uma relação entre o
apanhar e o aparecimento de comportamentos emocionais. O problema se encontra no
fato de tais respostas emocionais poderem também ser condicionadas, por meio do
condicionamento pavloviano, a aparecerem em outras ocasiões não punitivas (Skinner,
1953/1976). Por exemplo, a punição do comportamento de mentir de uma criança pode
levá-la a apresentar os mesmos comportamentos emocionais advindos com a punição
(choro, rubor, suor) em uma situação em que precise se expressar verbalmente.
Outras reações são possíveis diante de punições, tais como a emissão de
comportamentos alternativos (Matos, 1981; Sidman, 1989/1995; Skinner, 1953/1976).
Um tipo de comportamento alternativo é a contra-agressão, o que em nossa pesquisa
foi investigado como "comportamento de desafio". Este consiste em uma atitude de
enfrentamento da criança em relação ao agente punidor. A criança pode enfrentar
verbalmente, dizendo, por exemplo, que o tapa não doeu; ou pode fazê-lo por meio de
atitudes agressivas em direção à pessoa que o puniu (ou em outras pessoas que não
tiveram nada com a questão), ou ainda repetir o mesmo comportamento punido na frente
do agente punidor. O "comportamento de desafio" é explicado pela Análise do
Comportamento, que indica que os eventos aversivos ou desagradáveis podem aumentar
a variabilidade e a força dos comportamen-tos atingidos, bem como podem desinibir de
maneira súbita e violenta, comportamentos anteriormente suprimidos ou reprimidos, ou
seja, o comportamento punido ou outros reprimidos anteriormente podem aparecer com
força e magnitude aumentadas (Matos, 1981).
Outro dado de nossa pesquisa refere-se a relação entre o comportamento de
desafio a criança e o recebimento de punição de maior intensidade (+ = 14,270; gl = 1;
p < 0,001).: de todas as crianças que enfrentaram a pessoa que as puniu (12,4% do
total), 60,8% afirmaram já terem ficado machucadas, e 39,2 % não ficaram machucadas.
Entre as crianças que não desafiaram (87,6% do total), um número bem menor ficou
machucada, 33,6%, e 66,4% não ficaram.
Além dos comportamentos emocionais e dos comportamentos alternativos gerados
pela punição física, há o condicionamento de comportamentos de fuga e esquiva que
reduzem ou livram a criança da estimulação aversiva ou pré-aversiva (Skinner, 1953/1976).
A criança pode simplesmente emitir comportamento (reforçados negativamente) para a
fugire/ou evitar o agente punidor. Portanto, os comportamentos inadequados continuam

504 I Um N.il.ili.i Pobrwinskyj Wcber, A n j l\iul«i V ic /m e Ollvi.i Juslcn Br.indcr»burn


no repertório comportamental da criança, mas deixam de ser punidos quando ela esconde-
se ou mente para seus pais (Zagury, 2002).
A punição enfoca o erro e não ensina o certo (Bettner & Lew, 2000; Skinner, 1953/
1976; Sidman, 1989/1995). Então, no máximo, tal comportamento pode deixar de ser
emitido por algum tempo, mas não necessariamente há a aprendizagem de qual deve ser
o comportamento adequado: “quando muito, punição somente o ensina o que não fazer"
(Sidman, 1989/1995, p.60). Para Sidman, além de a punição não ser eficaz na eliminação
de um comportamento a longo prazo, não contribui na construção de um repertório
comportamental mais adequado. Justamente por isso, a criança necessitará
freqüentemente de ações externas e coercitivas para emitir um comportamento adequado
em contraposição a deliberações internas mais saudáveis.
No contexto familiar, a punição física não contribui para o processo de
aprendizagem da criança. Muito pelo contrário, a punição física enfoca sempre o
comportamento inadequado. Quando os pais não sabem como lidar com os erros e
desobediências de seus filhos, podem transferir a culpa do fracasso disciplinar para a
criança, sem perceber que a falha está no método aplicado.

Quais são os efeitos da punição física?


Pesquisas sobre os dramáticos efeitos do espancamento sobre a criança são
bastante claros e mostram correlação com diversos problemas tanto de internalização
como de externalização: (Bryant & Range, 1995; Glueck & Glueck, 1968; Gomide, 2001;
Patterson & Dishion, 1988; Patterson, Reid & Dishion, 1992; Reid, Taplin & Lorber, 1981;
Welsh, 1976; Wilson & Hernstein, 1985). Outras pesquisas com o objetivo de relacionar
o efeito da palmada com alguma dimensão do comportamento da criança, encontraram,
em geral, prejuízos na sua utilização: as crianças que apanham (comparadas com as
que não apanham) apresentaram mais relatos caracterizados como de baixa auto-estima
(Larzelere, Klein, Schumm & Alibrando, 1990), comportamento agressivo (Strassberg,
Dodge, Pettit & Bates, 1994; Stormshak, Bierman, McMahon & Lengua, 2000), altos
níveis de sintomas psiquiátricos e baixo bem-estar geral (Bachar, Canetti, Bonne, DeNour
& Shaley, 1997).
A evidência de que as crianças que apanham são mais agressivas demonstra
que os pais, ao baterem, estão ensinado seus filhos que o comportamento agressivo é
válido e que podem agir da mesma forma em outras esferas da vida (Zagury, 2002).
Portanto, a criança poderá utilizar-se da agressão física em outras circunstâncias, nas
quais ela queira estar no controle de alguém ou de alguma situação, ou seja, estará
agindo de forma coercitiva de acordo com o modelo aprendido (Patterson, Reid & Dishion,
1992). A probabilidade de a criança seguir o modelo coercitivo aumenta quando ocorre
uma associação pavloviana entre a dor que a criança sente e o amor em relação aos
seus pais. Geralmente a punição física é acompanhada por um discurso dos pais que
amam a criança e que batem para o bem dela (Cornet, 1997). Assim, a associação entre
a dor e o amor vai ensinar a criança a usar o mesmo método em outras situações de sua
vida. Além disso, a criança aprende a suportar situações aversivas e disfuncionais porque
estão emparelhadas com situações de carinho e afeto (Weber, 2001).
Existo ainda outro ofeíto importante em relação às punições, o “desamparo apren­
dido" (Seligman, 1975/1977). O desamparo aprendido é a incapacidade de aprendizagem
de novas respostas de esquiva diante de uma história prévia de exposição a estímulos
aversivos não contingentes a qualquer resposta. Se as punições, especialmente físicas,
não são contingentes e dependem do hum or dos pais. pode acontecer que ocorra o fenô­
meno de desamparo, e a criança simplesmente não saiba o que fazer, qual a resposta
deverá emitir para evitar as punições. O trágico, como ressalta Matos (1981), ó que a
pessoa pode generalizar esse comportamento para outras situações aversivas.
O ambiente em que ocorre a punição torna-se ele mesmo punitivo e se reage a ele
como se fosse o próprio punidor original. Segundo Sidman (1995):"(...) as pessoas que
usam punição tornam-se elas mesmas punidores condicionados. (...) Qualquer um que
use choque torna-se um choque" (p. 103). O uso da punição física faz com que a criança
reaja ao seu próprio lar como um estímulo aversivo, principalmente por serem as mães e
os pais as pessoas que mais punem. Verificou-se em nossa pesquisa que 86,1% das
mães e 58,6% dos pais utilizam-se da punição corporal como método disciplinar. Em
trabalhos que investigam denúncias de maus-tratos, a mãe também aparece como princi­
pal agressora (Weber, Viezzer & Zocche, 2001). No caso dos maus-tratos, o ambiente
familiar torna-se ainda mais aversivo para a criança.
Diante de todos estes efeitos prejudiciais para a criança, encontra-se um único
efeito positivo para a punição física: a imediata obediência da criança (Bean & Roberts,
1981; Day & Roberts, 1982; Roberts & Powers, 1990). Porém Gershoff (2002) argumenta
que, enquanto não forem encontrados efeitos benéficos para as palmadas, os psicólogos
não podem ter a responsabilidade de recomendar o seu uso.
Os efeitos aqui descritos normalmente não são percebidos pelos pais, também
em razão do forte controle exercido pelas regras (do tipo: bater é para o bem dos filhos).
Um experimento descrito por Matos (2001) mostrou o poder do controle por regras.
Neste experimento, realizado por Weiner em 1964, ele instruiu dois grupos de pessoas
com esquemas de reforço diferentes. Durante o experimento, os esquemas de reforço
foram alterados sem que os sujeitos soubessem. Os sujeitos mantiveram suas taxas de
resposta de acordo com o primeiro esquema de reforço (o que foi instruído), ou seja, o
controle pela regra fez com que os sujeitos não discriminassem a mudança da
contingência. O mesmo ocorre com os pais que utilizam a punição física: agem de acordo
com regras sociais e não discriminam os efeitos prejudiciais que são provocados em
seus filhos.

A punição física é um fator de risco


Frias-Armenta (1999) afirma que os pais não têm consciência do limite entre
punição física disciplinar e abuso infantil e, disso pode-se concluir que a passagem da
punição para o abuso é muito frágil. A punição física aparece, então, como um fator de
risco para o abuso e, por isso, deve ser evitada (Whipple e Richey, 1997; Straus, 2001).
Na verdade, não existe uma clara definição da diferença entre o que é “punição disciplinar"
e “abuso". Seria a intenção ou as marcas físicas?
Nossa pesquisa mostrou que realmente há uma continuidade entre a simples
palmada e o abuso físico. Isto pôde ser verificado com os dados referentes ao instrumento
utilizado para bater, com o fato do ficar ou não machucado, com a intensidade e freqüência
da punição física.
Quanto ao instrumento utilizado para bater, as mãos foram as mais utilizadas
(62,3%). O uso de objetos como cinto (43,0%), chinelo (42,3%), vara (13,5%), cabo de
vassoura (4,6%), corrente (2,4%) é bastante preocupante. Mesmo que a punição física
aplicada com as mãos possa ferir a criança, isto ó muito mais provável de ocorrer ao se
utilizar um instrumento. Verificou-se que 36,9% (32,8% que ficaram “pouco machucadas"
e 4,1% que ficaram "muito machucadas") dos participantes já ficaram machucados ou
com marcas depois de apanhar (a interpretação dos participantes sobre o que é ficar
machucado foi subjetiva). Houve diferença na freqüência dos machucados de acordo
com os diferentes instrumentos utilizados. Ficaram machucadas 32,3% das crianças
que apanharam com a mão, (Ç = 6,202; gI = 1; p = 0,013); 49,7% que apanharam de
chinelo (+2= 21,479; gl = 1; p = 0,000); 56,3% que apanharam de cinto (+^=49,447; gl =
1 ; p = 0,000); 67,9% que apanharam de vara (+'’ = 26,689; gl = 1; p = 0,000); 72,7% que
apanharam de mangueira (+ = 6,233; gl = 1; p = 0,013); 100% que apanharam de cabo
de vassoura (+ =34,071; gl = 1; p = 0,000); 100% que apanharam de corrente (+ =
17,531; gl = 1; p = 0,000). Pode-se perceber que o percentual de crianças que ficaram
machucadas é crescente de acordo com a gravidade do instrumento utilizado. A utilização
desses instrumentos deve ser relevada por representar um fator de risco de violência
contra a criança.
Outra evidência sobre o fator de risco que a punição física representa é a relação
entre a intensidade e a freqüência em que ocorre (+ = 30,452; gl = 2; p < 0,001 ). Dentre
as crianças que apanharam uma ou mais vezes por semana, a maior parte (62,8%) já
ficou machucada, enquanto que a maioria daquelas que apanharam poucas vezes no
ano, nunca ficou machucada (70,3%). Essa relação pode ocorrer justamente pelo fato
de o agente punidor não perceber resultados duradouros na correção de comportamentos
inadequados, o que acaba levando-o a punir com maior freqüência e intensidade para
obter os resultados imediatos que a punição oferece.
É preciso ressaltar que as respostas emocionais dos pais são um agravante
neste processo. Quando os pais estão sob influência de respostas como raiva e irritação,
provavelmente foram condicionadas respostas de infligir dano e, portanto, há maior
probabilidade de baterem mais forte e com mais freqüência em seus filhos, o que
representa um importante fator de risco para o espancamento. Isto é confirmado pelos
estudos de Straus (2001 ) e de Whipple e Richey ( 1997) de que a palmada é um fator de
risco para o abuso infantil. Uma pesquisa de Weber, Viezzer e Zocche (2001) sobre
denúncias de maus-tratos, na qual o principal motivo alegado pelo agressor para a
violência foi que ele “queria educar o seu filho" (51,8%).
Portanto, deve-se refletir sobre o fato de que usualmente costuma-se dividir “os
pais que maltratam" do restante, como se fossem naturezas diferentes. Os tapas e o
abuso físico não são de naturezas diferentes, mas pertencem a uma mesma categoria
que varia em intensidade. Desta forma, é possível definir os “maus-tratos" como um
continuum das práticas coercitivas físicas, sendo que a freqüência e a intensidade são
indicadores comuns, ou seja, os maus-tratos iniciam-se no primeiro degrau da escala de
práticas coercitivas (Simons, Whitbeck, Conger & Chyi-ln, 1991). A justificativa mais
freqüente dos que são favoráveis á punição é que uma palmada é muito diferente de um
espancamento. No entanto, a palmada ó a parte inicial de uma escala cuja natureza e
princípios são os mesmos de um espancamento. Bater de leve ou dar uma surra são
atitudes que seguem um mesmo princípio e não ó possível delimitar onde termina um e
começa o outro. Quem dá um tapa será capaz de dar um tapa um pouco mais forte se o
primeiro não resolver, pois fazem parte de contingências coercitivas da mesma forma.
Então, qual o limite entre palmada e espancamento? Quando ó possível dizer que uma
palmada foi muito forte? O limite está em quem bate ou em quem apanha?

Conclusões gerais
A questão da punição, como estratégia disciplinar, ultrapassa o conhecimento da
ciência e chega á ética; é preciso entender "quando e por que os pais escolhem a punição
como uma tática de socialização" (Parke, 2002, p. 600) e que direito temos para infringir
dor a uma criança se há tantas outras possibilidades e outros métodos. A punição física
é uma forma de opressão e de coerção, e ela, infelizmente, encontra eco favorável na
própria estrutura familiar. Todo tipo de agressão é injustificável, tanto do ponto de vista
ético, moral, social, humano, quanto psicológico e científico.
A famosa "regra de ouro" anda esquecida nas questões de disciplina dos filhos:
"não faça aos outros o que você não quer que façam com você". Não parece simples? A
criança tem o direito de ser respeitada em sua dignidade, e o uso da punição física
contraria os direitos humanos, como afirmou Lansdown (2001). Da mesma forma que os
pais normalmente exigem respeito da parte dos filhos, também os filhos merecem respeito
dos pais. Dentro deste respeito encontra-se a questão de aceitar o filho com suas
limitações, não exigindo perfeição e infalibilidade.
A ciência e a ética mostram problemas relacionados com o uso de punições
físicas como uma prática educativa. Além disso, o efeito positivo imediato da punição
física pode ser alcançado igualmente por uma punição não-física, como mostram
pesquisas que compararam métodos disciplinares que fazem uso da punição física (a
palmada) com aqueles que não fazem (o timeout), e chegaram à conclusão de que os
dois métodos funcionam igualmente (Days & Roberts, 1983; Roberts & Powers 1990).
Então, por que utilizar uma prática que envolve tantos aspectos negativos?
Portanto, os pais atuais precisam ter acesso ao conhecimento de outras práticas
educativas que sejam eficazes para criar e manter um repertório de comportamentos
adequados, ajudar o desenvolvimento de habilidades sociais em seus filhos e manter
uma dinâmica familiar com muita responsividade, afeto e comprometimento.
Eventualmente será preciso utilizar alguma estratégia para reduzir ou eliminar
comportamentos inadequados e/ou transgressões aos limites, mas se o uso da disciplina
positiva (uso de reforçadores) for sistemática, o estabelecimento de regras (limites) for
consistente e lógico, houver supervisão constante, modelos positivos e incentivo à autonomia
da criança e fortalecimento de sua auto-estima, não sobrará muito espaço para a ocorrência
de comportamentos inadequados significativos. Os poucos que surgirem poderão ser
resolvidos com estratégias menos dolorosas e indignas do que as punições físicas, tais
como time-out, uso de conseqüências lógicas, adiamento de reforçamento, entre outras.
Ensinar para os pais novas práticas educativas mais eficazes e saudáveis ainda
não é suficiente. Como já foi visto, as regras controlam o comportamento de bater de

508 l.ídici N.it.ili.i Dobrianskyj Webor, A na Paula V ic m v r Ollvia Jutlcn BtamlenburR


forma muito poderosa. Portanto, para que os pais mudem seus comportamentos em rela­
ção aos filhos é necessário que estas regras sejam trabalhadas e substituídas. "Se eu
desejo modificar ou afetar um comportamento controlado por regras, eu preciso, antes de
mais nada, mudar a regra, isto ó, mudar a função dos estímulos discriminativos" (Matos,
2001, p. 57). Para isto, livros ou palestras são insuficientes; è necessário um trabalho de
treinamento vivencial e/ou um trabalho terapêutico.

Referências

Ariòs, P (1978). História social da criança e da familia. Rio de Janeiro: Zahar.

Azrin, N. N., & Hols, W. C. (1966). Punishment. In W. K. Honig, Operant behavior; areas of
reseach and application (pp. 380-447). Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall.
Bachar, E., Canetti, L., Bonne, O., DeNour, A. K., & Shaley, A. Y (1997). Physical punishment and
signs of mental distress in normal adolescents. Adolescence, 32, 945-958.

Badinter, E. (1985). Um Amor Conquistado: o Mito do Amor Materno. Rio do Janeiro: Editora
Nova Fronteira.

Bean, A. W., & Roberts, M W. (1981). The effect of time-out release contingencies on changes in
child noncomplianco Journal of Abnormal Child Psychology, 9, 95-105.

Bettner, B L., & Low, A. (2000). Talking to parents about hitting. Journal of Individual Psychology,
56, 110-114.
Bryant, S. L., Range, L. M. (1995). Suicidality in college women who were sexually and physically
abused and physically punishod by parents. Violence and Victims, 10(3), 195-201.

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre:


Artos Módicas.

Cornet, J. (1997). Faut-il battro les enfants? Paris: Hommes et Perspectives.

Day, D. E., & Roberts, M. W. (1983). An analysis of the physical punishment component of a
parent training program. Journal of Abnormal Child Psychology, 11, 141-152.

Frias-Armenta, M. (1999). Law, psychology, family relations and child abuse in Mexico. Dissertation
Abstracts International: Section 8: The Sciences and Engineering, 60(4-B), 1913.
Gallardo, J. A. (1988). Maios tratos a los nlftos. Madrid: Narcea S. A. de Ediciones

Garbaríno, J. (1999). Lost boys. New York: Free Press.

Gorshoff, E. T. (2002). Corporal punishmont by parent and associatod child bohaviors and
exporionces: a meta-analytic and theorotical review Psychological Bulletin, 128(4), 539-579.

Glueck, S., & Glueck, E. (1968). Delinquents and nondelinquents in perspective. Cambridge, MA:
Harvard University Press.

Gomide, P. I. C. (2001). Efoito das práticas educativas no desenvolvimonto do comportamonto


anti-social. In M. L. Marinho & V. E Caballo, Psicologia Clinica e da Saúde (pp. 33-54). Londrina:
Ed. da UEL / Granda: APICSA.
Graziano, A. M., & Namasto, K, A. (1991). Parental use of physical force in child discipline: A
survey of 679 college students. Journal of Interpersonal Violence, 5, 449-463.

Guerra, V. N. A. (1998). Violência de pais contra fílhos: a tragédia revisitada. São Paulo: Cortez.

Hyman, I. A. (1997). The case against spanking. San Francisco: Jossey-Bass.

Lansdown, G. (2001). Children’s rights and domestic violence. Child-Abuse Review, 9(6), 416-426.

Larzelere, R E., Klein, M,, Schumm, W. R., & Alibrando, S. A. (1990). Relations of spanking and
other parenting characteristics to self-esteem and perceived fairness of parental discipline.
Psychological Reports, 64, 1140-1142.
Marinopoulos, S. (1998). Avant I’adoption: I’abandon. Journal des Psychologues, 153, 23-26.

Matos, M. A. (1981). A ética no exercício de controles aversivos. Boletim de Psicologia, 33(61),


128-133.

Matos, M. A. (2001). Comportamento governado por regras. Revista Brasileira de Terapia


Comportamental e Cognitiva, 3(2), 51-66
Mello Neto, G. A. R. (1998). Criança como erro, pocado e máquina. Psicologia em Estudo, 3(1),
69-103.

Morris, J. D. (1996). The normative influence of social network members on mothors’ attitudes
toward corporal punishment Dissertation Abstracts International: Section B: The Sciences and
Engineering, 57(1-B), 0765.
Murphy-Cowan, T., & Stringor, M (1999). Physical punishment and tho parenting cycle: A survey
of Northern Irish parents. Journal of Community and Applied Social Psychology, 9, 61-71.

Parke, R. D. (2002). Punishment rovisitod. Science, values, and tho right question: Comment on
Gershoif (2002). Psychological Bulletin, 128(4), 596-601.

Patterson, G., & Dishion, T. (1988). Multilevel family process models: traits, interactions, and
relationships. In R. Hinde & J Stevenson-Hinde (Orgs.), Relationships within families: mutual
influences (pp. 283-310). Oxford: Clarendon Press.
Patterson, G., Reid, J., & Dishion, T. (1992). Antisocial boys. Eugene, OR: Castalia Press.

Reid, J. B., Taplin, P. S., & Lorber, R. A. (1981). A social interactional approach to the treatment of
abusivo familios. In R. B Stuart (Org ), Violent Behavior social learning approaches to prediction,
management, and treatment (pp. 83-101). New York: Brunner/Mazol.
Roberts, M. W., & Powers, S. W (1990). Adjusting chair time-out enforcement procedures for
oppositional children. Behavior Therapy, 21, 257-271.

Roig, A. M., & Ochotorona, J. P. (1993). Maltrato y Abandono en la Infancia. Barcelona: Ediciones
Martinez Roca, S. A.

Seligman, M. E. P. (1977). Desamparo: sobre depressão, desenvolvimento e morte. São Paulo:


Hucitec/EDUSP.

Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy.

Simons, R. L., Whitbock, L. B., Conger, R. D., & Chyi-ln, W. (1991). Intergenerational transmition
of harsh parenting. Developmental Psychology, 27, 159-171.

5 10 l.ldi.i N.ildliii Dobriiintkyj Weber, A na l’uul«i V ie //c r c Ollvid luslen Rrdndcnbur^


Skinnor, B. F. (19/6). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: EDART/Livraria Editora
Ltda. (Trabalho original publicado om 1953.)

Stormshak, E. A., Bierman, K. L., McMahon, R. J., & Lengua, L. J, (2000). Parenting practices and
child disruptive behavior problems in oarly elementary school Journal of Clinical Child
Psychology, 29, 17-29.
Strassberg, Z., Dodgo, K. A., Pettit, G. S., & Bates, J. E. (1994). Spanking in the homo and children’s
subsequent aggression toward kindorgarton peers. Development and Psychopathology, 6, 445-461.

Straus, M. A. (2001). Corporal punishment and primary prevention of physical abuse. Child
Abuse and Neglect, 24, 1109-1114.
Todorov, J. C. (2001). Quem tem medo de punição? Revista Brasileira de Terapia Comportamental
e Cognitiva, 3(1), 37-40.
Weber, L. N. D. (2001). Quem onsina a violência? Conjuntura Social, 6, 38-43.

Weber, L. N. D., Viezzer, A. P., & Zoccho, C. R. E. (2001). Estudo descritivo das denúncias
recebidas pelo programa SOS-Criança do Curitiba [Resumo] In Sociedade Brasileira de Psi­
cologia (Org.), Resumos da XXXI Reunião Anual de Psicologia (p. 227). Rio de Janeiro: SBP.

Welsh, R. S (1976). Sovere parontal punishment and delinquency: a developmental thoory.


Journal of Clinical Child Psychology, 5, 17-21.
Whipplo, E. E., & Richey, C. A. (1997). Crossing the lino from physical discipline to child abuse:
How much is too much? Child Abuse and Neglect, 21, 431-444.

Wilson, J. Q., & Hernstoin, R. J. (1985). Crime and human nature. New York: Simon & Schuster

Zagury, T. (2002). Limites sem trauma Rio do Janeiro: Editora Record


Capítulo 45
Adoção: Breve análise das relações
familiares

Lidid Ndtüliii Dobridnskyj Weber'


ficfhirtdmcnto Je Psieolotf/d Jd UniversiJdJe / eJeni! Jo Pdrdmi

A adoção na história
A preocupação com os órfãos e com crianças destituídas de uma família vem de
tempos muito antigos, e a adoção sempre existiu na história da humanidade. Todos já
ouviram falar da história de Moisés, que foi adotado pela filha do Faraó; conta o mito que
os gêmeos abandonados, Rômulo e Remo, foram amamentados por uma loba e fundaram
Roma; o império romano foi governado por mais de um século, pelos filhos adotivos de
Otávio o “Augusto", que, por sua vez, foi filho adotivo de Júlio César. Foram os romanos
que estabeleceram as bases da adoção legal na idéia de filiação conferida por um
certificado aos pais adotivos e na transmissão do nome de família por meio da adoção.
Até no rico imaginário das histórias infantis existem inúmeros personagens que fazem
parte de famílias adotivas: um dos mais conhecidos é o Super-Homem (que até veio de
outro planeta!); no cartoon “Os Flinstones" o Bam-Bam, filho adotivo de Bamey e Beth;
Mogli, o menino-lobo foi abandonado na floresta e adotado seguidamente por vários
animais; Simba, no filme "O Rei Leão", ficou perdido na floresta e também foi adotado
por uma família bastante diferente: um javali e um roedor do deserto; Tarzan e Pinóquio
são outros desenhos que tratam simbolicamente de adoção (Weber, 1999b; Weber, 2001).
Apesar de pais e filhos adotivos existirem desde o início dos tempos, o tema
adoção foi sempre um pouco obscuro, tratado geralmente na intimidade das famílias.
Há algum tempo atrás, poucos estudos acadêmicos sobre este assunto tinham sido
realizados no Brasil, e isto trouxe como conseqüência a generalização de casos
dramáticos e a formação de preconceitos e estereótipos (Weber, 1999a, 1998b), como
reflete Vargas (1994, p. 1): "a adoção, (...) mesmo sendo uma prática corrente na
sociedade desde remotos tempos, continua encoberta no silêncio, a alimentar mitos e
fantasmas". Esses "mitos" e “fantasmas" em relação à adoção advêm da mídia e do boca-
a-boca que generalizam casos malsucedidos de adoção, e também pela generalização de
V m foiia o rii d o O^Htrtumonto do PtMcolouta u d o MeotitKk) «tn Pslujtoy t* d * In M n d * o d » AdoioticAncM d« UF P R

512 I Uiiti N .ifiilu Dobrfiinskyj Wcbcr


casos clínicos dramáticos que colocam a perda inicial dos pais genéticos como irreparável
para a criança adotada, e determinante de todos os problemas da adoção.
As pesquisas sobre famílias formadas por adoção revelam que não se deve mitificar
a essência de ser pai genético com a contingência de ser pai adotivo. Os dois tipos de
parentalidade têm exatamente a mesma importância e a mesma essência. No entanto, a
contingência de ser uma familia adotiva traz características especiais que não devem ser
negadas e demanda modos de enfrentamento diferentes das famílias não adotivas.

Perfil das famílias por adoção no Brasil


Para ter acesso às estatísticas oficiais em relação ao abandono e à adoção no
Brasil seria preciso pesquisar em mais de 2000 Juizados da Infância e da Juventude do
pais. O trabalho mais completo desta natureza até o momento (Weber, 2001) foi uma
tese de doutorado que investigou diversos aspectos da adoção com 400 pessoas em 17
Estados e 105 cidades brasileiras. Atualmente, fala-se em família genética ou gestacional
e não família biológica, pois mãe biológica é aquela que nutre, alimenta e tem interação
com o filho, e mãe genética ou gestacional é aquela que dá a vida (Hrdy, 2002). Um
breve resumo dos principais dados encontrados por Weber será apresentado a seguir:
Sobre os adotantes
• Estado civil dos adotantes: casados (89%);
• Idade dos adotantes: a idade média da mãe adotiva no momento da adoção é de 32
anos e do pai adotivo, 37 anos;
• Cor da pele dos adotantes: 96% das mães e 86% dos pais são brancos;
• Escolaridade dos pais adotivos: metade das mães adotivas (50%) e dos pais adotivos
(48%) está cursando ou possui curso superior;
• Renda salarial familiar. A maioria das famílias adotantes (73%) possui renda familiar
variando entre 3 e 30 salários mínimos mensais;
• Existência de filhos genéticos: 49% das famílias adotivas têm filhos genéticos, sendo
que 84% dos filhos genéticos foram gerados antes da adoção;
• Motivo para não ter filhos genéticos: 80% afirmaram que não geraram filhos por
questões de infertilidade ou esterilidade; 9% são solteiros; 7% afirmaram que optaram
por não ter filhos genéticos e 4% relataram "outros motivos";
• Número de filhos adotados: 54% adotaram somente uma criança e 46% adotaram
duas ou mais crianças;
• Idade da criança adotada: 71 % adotaram um bebê com até três meses de idade; 14%
adotaram crianças até dois anos de idade. Houve, portanto, somente 15% de adoções
de crianças com mais de 2 anos de idade (consideradas adoções tardias);
• Cor da criança adotada: 71% adotaram uma criança de cor branca; 24% adotaram
uma criança de cor parda; 4,5% adotaram uma criança de cor negra e 0,5% adotou
uma criança de cor amarela.
• Saúde da criança adotada: a maioria absoluta de crianças era perfeitamente saudável
(75%); os outras possuíam algum problema de saúde no momento da adoção, mas
geralmente, sem gravidade;
• Gênero da criança adotada: a preferência por meninas (57%) em relação a meninos
(43%) não ó estatisticamente significativa.

Adoção legal ou Informal


Tipo da adoção: as adoções dividem-se em "legais" (52%), realizadas através dos
Juizados da Infância e da Juventude do país, e as "informais" (48%). As informais
ocorrem quando um bebê é registrado em cartório como filho genético (42%) e quando
uma criança passa a fazer parte da família adotiva mas sua certidão de nascimento
continua em nome dos seus pais genéticos (6%) - também as conhecidas como ‘filho
de criação";
• Tipo das adoções versus avaliação dos Juizados da Infância e da Juventude: a maio­
ria absoluta dos adotantes que realizaram uma adoção legal ou informal avaliou nega­
tivamente o trabalho realizado pelos Juizados da Infância e da Juventude em relação à
adoção (76% e 89%, respectivamente) ;
• Tipo das adoções versus nivel de escolaridade dos adotantes: adotantes com nível de
escolaridade superior apresentaram maior tendência em realizar adoções legais. Dos
adotantes com nível superior, 70% dos pais e 80% das mães fizeram adoções legais,
enquanto somente 30% dos pais e 20% das mães realizaram adoções informais; 51 %
dos adotantes com escolaridade até 1ü Grau realizaram adoções informais e somente
26% dos adotantes com escolaridade de 2fl e 3° Graus fizeram esta escolha;
• Tipo das adoções versus renda familiar, adotantes com menor renda familiar apresen­
taram tendência para realizar adoções informais. Os dados mostram que 56% dos
adotantes que têm renda familiar até 15 salários mínimos fizeram adoções informais,
enquanto 24% dos adotantes com renda superior a 15 salários mínimos fizeram este
tipo de adoção.

Motivação para a adoção


• Motivação para adoção: a maioria dos adotantes (63%) adotou uma criança para resol­
ver uma necessidade em sua vida: não pôde gerar filhos genéticos, ainda era solteiro
ou um filho seu havia falecido; 35% dos adotantes alegaram motivações altruístas
(encontrar uma criança abandonada, compromisso social etc.) quando decidiram adotar
uma criança;
• Motivação para adoção versus renda familiar, a adoção cuja motivação é altruísta ocor­
reu com maior freqüência em famílias com renda familiar menos privilegiada. Enquanto
47% dos adotantes que têm uma renda salarial até 30 salários mínimos realizaram
uma adoção por motivos altruístas, 26% dos adotantes com renda superior a 30 salários
mínimos realizaram uma adoção altruísta;

* TíxIjihhh r<0a</k>fl tmtro dado» tu>nmontmi<» rxmto rwmrno« trrarn u xM td o rad u« «•Uttsfcjunonta •ugnNV.atv.Mi pnki tn*d n <.Ui qul t<umU«do txxu p< 0,06
• Motivação para adoção versus escolha das características da criança: os adotantes
cuja motivação foi a infertilidade fizeram maiores exigências em relação aos atributos
físicos da criança a ser adotada. Adotantes que adotaram porque não tinham filhos
genéticos mostraram maior preferência por determinados atributos físicos da criança
(35%) do que aqueles que adotaram por motivos altruístas (7%).

Opiniões sobre situação atual da adoção no pais


• Fatores para o êxito de uma adoção: a maioria dos pais adotivos (39%), dos filhos
adotivos (48%) e dos filhos genéticos (48%), afirmaram que o “amor" é o fator essencial
para o sucesso de uma adoção. No entanto, somente os filhos adotivos falaram da
necessidade de "diálogo", e os filhos genéticos ressaltaram a necessidade de algum
tipo de "ação concreta" para a construção da relação;
• Importância da preparação para a adoção: pais adotivos (58%), filhos adotivos (52%)
e filhos genéticos (72%) concordaram em maioria que a preparação é importante;
• Existência de algum tipo de preparação para a adoção para os adotantes: a maioria
absoluta (79%) dos pais adotivos não teve qualquer tipo de preparação prévia à adoção;
42% dos filhos genéticos foram preparados por seus pais, e para 42% deles a adoção
foi uma surpresa.

Desenvolvimento, educação e relacionamento dos filhos adotivos


• Principais características atribuídas aos filhos adotivos por seus pais: a maioria abso­
luta dos pais adotivos (74%) falou, em primeiro lugar, de características positivas de
seu filho adotivo. Entre todas as características atribuídas ao filho adotivo, as princi­
pais foram: "ser afetivo" (21 ) e "ser alegre" (14%);
• Dificuldades na educação do filho adotivo segundo seus pais: a maioria absoluta dos
pais adotivos (69%) afirmou não ter encontrado dificuldades na educação do filho adotivo,
ou mencionou que as dificuldades foram naturais como em qualquer família;
• Dificuldades na educação do filho adotivo versus idade da criança no momento da adoção:
pais adotivos que adotaram crianças com idade acima de dois anos rolataram maiores
dificuldades na sua educação: 25% dos adotantes que adotaram uma criança até dois
anos relataram dificuldades na educação, enquanto 38% dos adotantes que adotaram
uma criança com mais de dois anos afirmaram terem experimentado dificuldades;
• Dificuldades na educação do filho adotivo e do filho genético: a maioria absoluta dos
adotantes que têm filhos genéticos e adotivos afirmou que as dificuldades encontradas
na educação dos seus filhos foram semelhantes (61 %);
• Dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo: a maioria absoluta dos pais
adotivos (76%) afirma que não encontrou dificuldades no relacionamento afetivo com o
filho adotivo;
• Dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo versus idade da criança no
momento da adoção: a adoção de crianças com mais de dois anos de idade trouxe
aos pais maiores dificuldades no relacionamento afetivo; 13% dos adotantes que
adotaram crianças com menos de dois anos tiveram dificuldades enquanto 72% dos
adotantes que adotaram crianças com mais de dois anos relataram dificuldades com o
relacionamento afetivo de seu filho adotivo. No entanto, essas dificuldades foram supe­
radas e nenhum filho que demonstrou estar insatisfeito com a relação atual foi adotado
tardiamente;
• Dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo versus motivação para
adoção: ter adotado uma criança por infertilidade ou por altruísmo não tem relação
com encontrar dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo; 84% de
adotantes cuja motivação foi infertilidade não encontraram dificuldade no
relacionamento afetivo, e 78% dos adotantes cuja motivação foi altruísmo não
encontraram dificuldades neste tipo de relacionamento com seu filho adotivo.

Preconceito e discriminação social peia família adotiva


• Filhos adotivos pensam que as pessoas tratam de maneira diferente as pessoas
adotadas? Aproximadamente metade dos filhos adotivos (51 %) afirmou que, de maneira
geral, os outros tratam de maneira diferente e discriminam as crianças que foram
adotadas;
• Sentimentos dos filhos adotivos em relação à sua possível parecença com os pais
adotivos:a maioria dos filhos adotivos está satisfeita com a sua situação, sejam parecidos
ou não com os pais adotivos: 32% acham-se parecidos e gostam da situação, e 25%
acham-se diferentes mas também gostam da situação. Somente 13% afirmaram que
se acham diferentes e gostariam de ser parecidos com seu pais adotivos;
• Filhos adotivos indicam as pessoas que os discriminaram: a maioria das atitudes
discriminatórias em relação aos filhos adotivos vieram de amigos (37%), da família
(33%) ou tanto de amigos quanto da família (17%);
• Sentimento de vergonha sobre a adoção de membros da família adotiva: este dado revela
diferenças entre os três grupos pesquisados: a maioria absoluta dos pais adotivos (63%)
afirmaram que nunca sentiram vergonha da sua situação ou, ao contrário, sentem orgulho
(19%). Os filhos genéticos afirmam, em primeiro lugar (58%) que sentem-se orgulhosos
de ter um irmão adotivo ou que nunca sentiram vergonha (30%). A maioria absoluta dos
filhos adotivos respondeu que não sentem vergonha (71%), mas nenhum falou que tem
orgulho desse fato, e 26% sentem-se envergonhados ou procuram não falar do fato;
• Sentimento de vergonha dos filhos adotivos versus idade em que ocorreu a revelação:
filhos adotivos que souberam de sua adoção depois dos seis anos e/ou por terceiros,
sentom mais vergonha da sua condição.

Alguns fatores principais da dinâmica da família por adoção


• Pais adotivos revelaram a adoção ao seu filho adotivo? A maioria absoluta dos pais
adotivos contou a origem ao seu filho e somente 4% não fizeram e nem pretendem
fazer esta revelação; foi a mãe quem falou com o filho sobre a adoção, na maioria das
vezes (43%), e, em segundo lugar (23%), aparecem ambos os pais;
• Idade em que o filho adotivo soube de sua adoção: a maioria absoluta dos filhos que
foram adotados precocemente (79%) afirmou que soube de sua adoção pela mãe e/ou
pai, antes dos seis anos de idade; 22% souberam sobre sua história de maneira pouco
adequada: tardiamente pelos pais, ou por terceiros;
• Idade em que o filho adotivo soube de sua adoção versus sentimento de vergonha por
ser adotivo: aqueles que souberam depois dos seis anos sentem mais vergonha da
sua condição de adotivos (46%) do que aqueles que souberam antes dos seis anos
(28%);
• Os filhos adotivos desejam ter mais informações sobre sua família de origem ? A maioria
absoluta dos filhos adotivos (62%) pensa que ter informações sobre sua família de ori­
gem não é importante; 32% dos filhos pensam que ó bom conhecer sua história;
• Filhos adotivos têm interesse de conhecer pessoalmente sua família de origem? A
maioria absoluta dos filhos adotivos (58%) não quer conhecer sua família de origem
ou não gostou de conhecê-la; 13% foram fruto de adoção tardia e afirmaram que
gostaram de ter conhecido sua família e 18% gostariam realmente de conhecê-la
pessoalmente; para os outros, isso ó indiferente ou deixaram a questão sem resposta;
• Sentimentos dos filhos adotivos por seus pais genéticos: 45% dos filhos adotivos
afirmaram que não têm nenhum tipo de sentimentos por sua família de origem; 28%
referiram-se a sentimentos negativos e 22% falaram de sentimentos positivos;
• Sentimento dos filhos adotivos em relação a seus pais adotivos: a maioria absoluta
(93%) afirmou que sente amor e os percebe como pais; 4% afirmaram que eles são
como estranhos e 3% deixaram a questão sem resposta.

Antes da adoção
O tema da adoção no Brasil ainda ó pouco explorado do ponto de vista acadêmico,
aliado ao fato de que a coleta de dados não ó fácil de ser feita. Aqui as estatísticas em
torno do tema são extremamente escassas, especialmente as oficiais, mas no restante
no mundo sabe-se que a visibilidade da adoção aumenta ao mesmo tempo em que ela
tende a decrescer em números. Isto decorre pela diminuição natural dos abandonos em
países desenvolvidos pelo aumento dos métodos contraceptivos e pelas campanhas de
conscientização e pela melhoria dos métodos de fertilização.
A seleção dos candidatos tem sido um tema polêmico atualmente. A posição
clássica era simplesmente selecionar candidatos que apresentassem "naturalmente”
características e habilidades diferenciadas, ou seja, candidatos que indicassem maior
aptidão para este tipo de tarefa - educar uma criança adotada. De qualquer maneira,
existe, sim, uma série de habilidades especiais no caso de pais adotivos quando
comparados com pais genéticos, a saber:

• A maioria das pessoas que adotam crianças no Brasil têm como motivação a este­
rilidade, infertilidade ou outras dificuldades não determinadas para a concepção de
um filho genético. Nesse caso, os adotantes devem enfrentar os sentimento de
culpa que esta situação traz. Se a concepção religiosa traz o conceito de que
"filhos são uma bênção", o que dizer de pessoas (e especialmente de mulheres)
que não conseguem gerá-los? O escritor francês Balzac coloca as palavras "uma
mulher sem filhos é uma monstruosidade" na boca da personagem Louise, protago­
nista das Memoires des deux jeunnes mariées; "somos feitas apenas para ser
mães" (Perrot, 1995).
• Os adotantes que fazem a adoção pelo sistema legal devem enfrentar o desgastante
processo do habilitação para a adoção, com testes, entrevistas, questionários,
inventários de personalidade, escalas de atitudes, questionários de comportamen­
to, visitas em sua residência, contracheques, atestados de idoneidade, declara­
ções de residência, tudo e mais um pouco. O relato de pais adotivos mostra que
tudo isso provoca uma resposta emocional de raiva, pois, como disse uma mãe
adotiva, "nenhuma pessoa que decide gerar um filho precisa passar por esse pro­
cesso invasivo" Às vezes, vários técnicos perguntam a mesma coisa, e na adoção
de um segundo filho, os adotantes afirmam que devem passar novamente por todo
o processo. Não está em discussão aqui o sistema legal, embora não resta dúvida
de que ele tem sua importância, pois está a cargo do Poder Judiciário determinar
quem pode ser pai adotivo. Porém, questões sobre esse processo devem ser re­
pensadas e atualizadas de maneira menos dogmática (Weber, 1997).
• Os pais adotivos devem saber lidar com a história de origem da criança. Às vezes
esse "lidar" inclui imaginar e refletir sobre essa família de origem sem ter nenhum
dado real sobre ela, o que é muito comum em nosso país devido ao grande número
de abandonos de bebês em locais públicos sem que haja a possibilidade de encon­
trar essa mãe e conhecer dados mínimos sobre a origem da criança adotada.
• Os pais adotivos devem lidar com o fato de que o filho adotivo lhes trará lembrança
de sua própria infertilidade. Ao mesmo tempo em que ele resolve a questão da
infertilidade, ele a sinaliza.
• Os pais adotivos devem ter a capacidade de enfrentar o conhecimento de uma
dolorosa história anterior ou de uma não-história. Aquela criança que foi transforma­
da em filho pode ter sido entregue para adoção em um Juizado da Infância e da
Juventude; pode ter sido abandonada em uma Igreja ou largada no lixo; a sua mãe
gestacional pode ter sido usuária de drogas, de álcool ou vítima de doenças. Geral­
mente isso não está no histórico das crianças disponíveis para a adoção (Weber,
1998,1999,2001), então, na maioria das vezes, a família adotiva deve lidar com o
desconhecimento da história e com todos os pensamentos fantasiosos que isso
acarreta
• Os pais adotivos devem ter a capacidade de lidar com a possível dor do abandono,
do sentimento de rejeição do seu filho. Como eles poderão aprender a minimizar o
fato de que existiu um abandono antes de haver o encontro da adoção?
• Os pais adotivos e seus filhos terão de ter a capacidade de enfrentar as freqüentes
discriminações e preconceitos no dia-a-dia. Se for feita uma adoção especial (uma
criança com mais idade, de cor de pele diferente ou com algum problema de saú­
de), o enfrentamento de curiosidade e preconceito serão muitos ao longo da vida.
É possível afirmar que, de fato, existem diversas habilidades exclusivas dos
adotantes e pais adotivos deverão ter. No entanto, a posição atual indica para a possibili­
dade de desenvolvimento e treinamento de tais habilidades e não simplesmente realizar a
triagem de candidatos em função da existência ou não delas. Desta maneira, o processo
de seleção de candidatos mudou o seu paradigma de “seleção" de candidatos para "pre­
paração e educação" de adotantes (Biniós, 1997). Nessa mudança, ultrapassa-se o mo­
delo de selecionar os mais aptos, para primeiramente preparar, educar, treinar habilidades
e refletir sobre sentimentos, sendo que durante todo esse processo os próprios candida­
tos podem chegar à conclusão de que realmente a adoção é aquilo mesmo que Imagina­
vam e se terão condições de lidar com suas peculiaridades.
Quando a motivação para a adoção é a infertilidade ou esterilidade, a situação
traz muitos estímulos aversivos aos adotantes, que devem ter ou adquirir habilidades
para enfrentá-los:
• àS- = sentir culpa pela infertilidade. Exposição a diversos fatores negativos como
incompreensão dos outros, preconceitos sociais, religiosos e culturais em relação
à infertilidade."Eu me sentia culpada porque não conseguia engravidar1': "às vezes
eu senti como se tivesse feito algo de errado, e a minha punição era não poder
gerar um filho e receber toda a dose de preconceito que vem junto"; “por quê eu,
me perguntava, por quê não consigo ficar grávida e tem essas mães por ai que
largam o seu filho no lixo?"
• àS- = discriminação.“Especialmente as pessoas de minha família achavam estra­
nho que a gente não conseguisse engravidar; fazia com que não nos sentíssemos
completos"; “ onde está o herdeiro, todo mundo nos perguntava a todo momento".
• à S- = raiva, tristeza. A infertilidade produz impedimento de realização (gerar um
filho). “Eu e meu marido sentíamos muita tristeza e, às vezes, até raiva, porque
fazíamos tudo o que nos mandavam mas não conseguíamos eng ra vidar"tenho
raiva dessa minha incapacidade".
• à S- = raiva, tristeza, inveja. A exposição freqüente a bebês, mães e famílias com
filhos ó especialmente dolorosa para pessoas com problemas de infertilidade.
Não se pode considerar uma inveja "malófica" porque não existe o desejo de destruir
o outro, mas adotar implica obter um S+, um filho, por meio de uma resposta
socialmente aceitável.. “Eu não conseguia ver uma mãe embalando um bebê que
já começava a chorar"-, “eu queria chorar quando ia ao shopping e via uma mãe e
seu bebê ou crianças correndo perto dos pais"; "eu precisava de um filho".
• àS- = renúncia do(a) companheiro(a). Quando apenas um dos dois do casal apre­
senta infertilidade (e isso é conhecido), oconre a apresentação de um evento aversivo
ao companheiro (fértil) que deve optar pela renúncia, sendo que o outro inevitavel­
mente sente culpa. “Meu marido optou pela adoção junto comigo; eu sei que o
problema é meu e penso que ele poderia ter um filho com outra mulher e isso dói"',
‘‘meu marido ficou triste quando descobrimos que eu tinha dificuldade e até tenta­
mos a fertilização in vitro com óvulo de uma doadora".
• àS- = frustração, decepção. Cada exame médico negativo, ou cada gravidez inter­
rompida intensifica comportamentos emocionais de frustração. “Eu tinha até medo
de ir buscar o exame, abri o envelope e ver que deu negativo"; "eu tive três abortos
e sempre era como se um pedaço da gente estivesse indo embora’\ “cada vez
depois de uma inseminação, vinha um exame negativo; era uma nova flechada,
muito choro e raiva; foram sete anos de tentativas, até que decidimos pela adoção".
Ao adotar uma criança
A maioria absoluta dos pais adotivos no Brasil não passou por nenhum processo
de preparação (Weber, 2001,) e isso significa que não teve oportunidade de lidar com esse
turbilhão de sentimentos dolorosos que assola a maioria dos adotantes: a infertilidade.
Isso também significa que em nosso país ainda se está longe do paradigma ideal para a
seleção/preparação de candidatos. Por tudo isso é que a decisão de adotar no Brasil,
ainda pode ser considerada como um conflito, em especial um conflito de aproximação-
esquiva, ou seja, o comportamento de adotar uma criança leva simultaneamente a
conseqüências positivas, a conseqüências aversivas, e à remoção de conseqüências
aversivas. Serão listadas algumas situações a seguir.
Apresentação de estímulos positivos após o comportamento de adotar uma criança:
• à S+ = ser mãe/ser pai. Emitir comportamento de maternagem; sentir orgulho de
mostrar o filho aos outros; ter a possibilidade de passar adiante o nome da família;
ter a possibilidade de deixar bens e herança para seu filho; ter a possibilidade de
ensinar comportamentos e valores ao seu filho. A impossibilidade de gerar um
filho pode ser considerada uma operação "natural" de privação que aumenta muito
o valor reforçador de uma criança. Para adotantes com problemas de infertilidade, o
fato de ter um filho é fundamental e uma grande meta na vida, enquanto que para
pessoas férteis a questão de ter um filho pode ser simplesmente uma mera conse­
qüência de um casamento ou de um ato de reprodução... "Não podíamos gerar
nossos filhos e cansamos de tantos tratamentos. A adoção surgiu como outra
forma natural de construirmos nossa família. Não pensávamos que se adotássemos
estaríamos tirando uma criança da rua... Queríamos apenas ser pais e termos nos­
sos filhos. As vezes alguém nos fala: "nossa, que maravilha que vocês fizeram!
Vocês vão ganhar o céu pela boa ação”. O céu nós já ganhamos quando recebe­
mos nosso filho. Será tão difícil as pessoas verem a simplicidade disso? Apenas
pais e filha. Só isso!"
• àS+ = aprovação social. Especialmente a adoção por motivos altruístas (adoção
de crianças mais velhas, com problemas de saúde ou de cor de pele diferente)
levam a certa dose de aprovação, embora, ao mesmo tempo, possam levar também
à desaprovação. "As pessoas me dizem: - Vocês merecem o céu por terem adotado
essa criança tão diferente";ualgumas pessoa me elogiam, mas em seguida dizem:
- Nossa que loucura que você fezr (Costa, 1988; Weber, 2001).

Eliminação de estímulos aversivos após o comportamento de adotar uma criança:


• S- = elimina o problema da infertilidade, isso é, não poder gerar um filho. Quando a
adoção é feita por um casal e se existe conhecimento dos adotantes de que ape­
nas um deles tem problemas com infertilidade ou esterilidade, a resposta de adotar
uma criança passa a minimizar a renúncia do parceiro fértil, pois este poderá expe­
rimentar a maternagem da mesma maneira com um filho adotivo, apenas os genes
não serão os mesmos. "Meu marido é estéril, então nós decidimos adotar uma
criança para sermos mãe e p a i']"tenho problemas para mantera gravidez e já tive
três abortos, então decidimos adotai*'.

520 l.iditi N.il.ili.i Pobri.intkyj Weber


• S- = sentimentos advindos com a infertilidade. A resposta de adotar elimina ou
minimiza os sentimentos de culpa, frustração, raiva e tristeza que decorrem
especialmente da infertilidade. "Eu sentia muita raiva de não poder ter um filho;
porquê eu? pensava, mas depois da adoçào isso acabou"; “eu sentia uma tristeza
e certa inveja quando via as mães passeando com seu filhinhos pelas ruas; agora
também fico passeando e fico toda orgulhosa da minha filhei'\ ”muitos amigos e
principalmente a família do meu marido ficavam me culpando indiretamente pelo
fato de a gente não ter filhos, eu me sentia muito mal com isso”.
• S- retirar uma criança do abandono, (ou também por motivos altru Istas mesmo que
tenha sido uma adoção motivada pela infertilidade) significa retirar crianças do aban­
dono e/ou da institucionalização. "Foi um impulso de solidariedade com a mãe da
criança"; "nosso filho foi entregue na nossa casa em uma caixa"; "a mãe dele
faleceu e era a nossa empregada há anos".
Esses aspectos que levam ao conflito são extremamente poderosos em adotantes
que tiveram a infertilidade como motivo principal, mas diminuem sensivelmente em
pessoas que realizaram a adoção por "motivos altruístas", pois acabam provocando a
simpatia pela sua adoção, e as pessoas não se cansam de repetir: "Vocês vão ganhar o
céu pela sua boa ação".

Apresentação de estímulos aversivos após o comportamento de adotar uma


criança:
• à S- = ser vítima de preconceito, discriminação; sentir medo e culpa, isso ocorre
tanto em adoções por motivos altruístas como quando a infertilidade foi a motivação
Em relação à adoção existe preconceito social, cultural, religioso, legal. Dados de
pesquisa (Weber, 2001) mostram que cerca de 30% dos filhos adotivos admitem
ter algum tipo de dificuldade com membros da família extensa em função de
preconceito e discriminação. Depoimentos de pais adotivos: "Eu me sinto mal,
sou discriminada todos os dias e parece até que fiz alguma coisa errada"; "Eu fico
chateado quando minha mulher fala para alguém que nosso filho é adotado"; "No
dia das mães um vizinho me deu parabéns e disse que eu 'como se fosse uma
mãe';na hora em que ele disse isso, foi como se eu desmoronasse". Uma filha
adotiva disse: "Eu sempre sentia por imaginação que minha mãe podia ser uma
prostituta; queria entender por quê meus pais biológicos não me quiseram. Hoje eu
não saio contando por aí que sou adotada, mas se me perguntam, sei ser sincera".
• ã S- = sentimentos negativos. Os pais adotivos, na maioria das vezes, relatam
medo do desconhecido, medo da história de abandono do seu filho, medo de
serem rejeitados pelo filho no futuro, medo de como será na hora da revelação
sobre a adoção, entre outros. Os pais dizem: “tenho medo do meu filho não me
am ar-não me adotar. Tenho medo de não amá-lo..."; "As vezes me sentia culpada
por castigá-lo por algum motivo. Tinha medo dele pensar que eu não o amava o
bastante". Os filhos dizem: "tenho medo que meus pais exijam que eu seja perfeito
para que possam me amar..."; "minha mãe sempre queria que eu fosse perfeitinha
em tudo. Era difícil porque eu tenho medo de não corresponder e queria ser só
normal"; “as pessoas ficam o tempo todo falando, 'nossa! Você deve ser muito
grata a seus pais, eles te salvaram já estou cheia disso, afinal, foi uma troca, pois
eles queriam muito uma filha!".
• à S- = medo no caso de adoção informal. Como aproximadamente metade das
adoções foram realizadas de maneira informal, isto é, à parte do sistema legal, os
pais sempre têm receio do que possa acontecer no futuro. "Fico sempre pensando
que um dia a mãe do meu filho possa bater na porta e querer falar com ele"; "e se
um dia a minha filha encontrara família biológica e eles falarem que eu fiz algo de
errado? Eles quiseram dá-la para mim, mas nunca se sabe..."; "fiz uma adoção
ilegal, registro direto no cartório, mas tive contato com a mãe e tenho medo o
tempo todo de que ela venha buscar minha filha".
• à S- = pacto do silêncio. Pais e filhos tôm dificuldade em enfrentar o momento da
revelação e as conversas posteriores sobre a origem do filho adotivo, então, cria-se
um “pacto do silêncio” com as seguintes premissas: “eu nâo conto muita coisa,
você não pergunta e nós todos acreditamos que nada há para falar sobre o tema".
Os filhos enfrentam momentos problemáticos em relação à sua história e seus pais
adotivos: “Fiquei sabendo que era adotada numa discussão da vizinha com minha
mãe; ela bateu muito em mim, e a vizinha se revoltou e gritou que ela só me batia
porque ela não era minha mãe"; “eu queria conversar com meus pais sobre minha
história, mas tenho medo de magoá-los, então fico quieta"; “eu perguntava às ve­
zes sobre minha mãe de sangue, mas para eles (pais adotivos) era um super tabu,
era até uma agressão para eles eu querer conversar sobre isso".
• à S- adoção legal faz com que os candidatos sintam-se invadidos e julgados. A
maioria absoluta dos pais adotivos que passaram pelo sistema legal de adoção (e
aqueles que não passaram também) tem uma valoração muito negativa de todo o
processo (Weber, 2001). Encaram como uma infinidade de obrigações e deveres,
mas falta-lhes apoio e preparo. "É muito complicado, os casais são muito mal
atendidos, são desestimulados, além de forçarem a adoção tardia e inter-racial"; “é
muita burocracia, eles exigem muita coisa e não fazem nada, a gente gasta um
dinheirão"; "eu queria ter conversado mais com pessoas que já adotaram para sa­
ber como funciona de fato".
Os pais adotivos devem enfrentar, então, uma série de situações aversivas, e a
maneira como forem enfrentadas determina aspectos da dinâmica familiar. Sem uma pre­
paração adequada e sem o suporte de Grupos de Apoio à Adoção, deve-se refletir sobre
como os membros das famílias por adoção resolvem por si mesmos tais questões. A
ausência de preparação também diminui as chances de outros tipos de adoção de “crian­
ças não-idealizadas” (crianças maiores, por exemplo). Nesse caso, Becker (1995) afirma
que um trabalho bem feito de preparação pode levar candidatos a aceitarem a adoção de
crianças mais velhas ou grupos de irmãos, pois estarão abandonando a idéia de fazer de
conta que o filho adotivo é genético. A concepção generalizada de que brasileiros só
adotam crianças recém-nascidas e de sua própria etnia se deve, em grande parte, à
ausência de trabalho preparatório à adoção".

Aspectos da dinâmica familiar


Um dos aspectos que determinaram dificuldades na dinâmica familiar com maior
freqüência em famílias por adoção foi a revelação tardia e/ou inadequada (Weber, 2001),
ou seja, contar sobre a adoção depois dos seis anos de idade ou a criança saber a adoção
por outros que não os pais adotivos, mostrou correlação com diversos problemas enfren­
tados por pais e filhos por adoção. No entanto, advoga-se a idéia que esta "revelação" não
tenha um caráter de revelação solene, mas que seja incorporada ao cotidiano e ao univer­
so simbólico da criança de modo gradativo e sistemático. Isto significa que não é interes­
sante contar uma vez para a criança e nunca mais falar sobre o tema, mesmo porque a
criança terá diferentes perspectivas de acordo com a idade em que estiver. Porém, foi
exatamente isso que grande parte dos filhos adotivos reclamaram de seus pais, ou seja,
afirmaram que sempre souberam que eram adotados, mas não tiveram oportunidade de
conversar tranqüilamente sobre isso com seus pais adotivos.
Desta maneira, o não falar sobre a história de origem do filho adotivo é um compor­
tamento de esquiva com diversas conseqüências (reais ou imaginárias para os pais):
Esquiva de falar da origem:
• não potencializar o valor dos pais genéticos; impedir que o filho adotado forme
vínculo com os pais genéticos. "Tenho muito medo que meu filho venha a gostar
deles... sei que è um medo bobo, mas o que posso fazer..."
• impedir intromissão em suas vidas. "Eu não gosto nem um pouco de falar sobre
isso; fico pensando que, se eu ficar falando muito, a minha filha fique com vontade
de conhecer essa família".
• enfrentar o ciúme da família de origem: ameaça de retirada de um (filho); essa mãe
genética teria mais habilidades? "As vezes fico pensando se sou mesmo uma boa
mãe e me pego comparando-me com a outra: será que se ela não tivesse deixado
o meu filho na maternidade, seria uma boa mãe?”
• lidar com o desejo de eliminar a origem - potencialidade de retirar seu S+ (filho).
"Meu desejo mesmo seria passar uma borracha nesse passado; queria que essa
família ou essa mãe não existissem "não gosto de pensar nessa mãe que aban­
donou esse meu filho lindo Como é que alguém pode abandonar um bebê, meu
Deus?"
• evitar magoar os pais. O discurso dos filhos indica que eles não querem nem co­
nhecer nem ter muitas informações sobre a família de origem, mas querem trocar
idéias com os pais adotivos sobre ela (Weber, 2001). "Eu até queria conversar
sobro isso, mas lá em casa essa conversa é um super tabu, e minha mãe ficava
de cara amarrada"; uEu queria falar mais sobre minha família biológica com meus
pais adotivos, mas tenho medo de iniciar o assunto e magoá-los".

Alguns pensamentos dos filhos adotivos


Os filhos adotivos acham que estariam em uma situação muito pior se não tives­
sem sido adotados por esta família. "Se eu não tivesse sido adotada poderia estarem um
orfanato ou morando em um casebre miserável"; “Não me imagino em outra situação
melhor do que a em que estou agora, com meus pais adotivos".
Os filhos adotivos sentem os pais adotivos como verdadeiros pais. “Pais e mãe
para mim são meus pais adotivos. A outra família me deu a vida e isso é bom, mas é só
isso"; “Considero meus pais adotivos como meus verdadeiros pais, pais de verdade mes­
mo, e nem penso muito nos outros"; "Quando eu penso em adoção, penso em mamãe e
papai".
Os filhos adotivos sentem amor por seus pais adotivos "adoção ó uma coisa boa
para os dois lados. Ê um complemento para pais e filhos, e eu os amo muito."; “eu sinto
amor, nossa, eu poderia ser uma menina da vida, à-toa"; “amor, pessoas com amor que
adotam, e criança precisa ser amada, sou agradecida a meus pais";
Os filhos adotivos revelam uma grande motivação em falar sobre sua própria
história(Weber, 1999a, 1999b, 2001) e expor positivamente seus sentimentos e opiniões
em relação à adoção. De um modo geral, a maioria mostrou-se disposta a relatar a sua
própria história, expor seus sentimentos e suas opiniões sobre a adoção; gostou e achou
muito interessante responder ao questionário e colaborar ou simplesmente para desaba­
far: "Espero que eu tenha te dado subsídios suficientes para analisar esse comportamen­
to, orientar quem se propuser adotar. Procurei não omitir nada"; Gostei de colaborar, que
isso possa ajudar outras pessoas a adotar"; “achei muito bom saber que pessoas estão
preocupadas com o que está acontecendo ao seu semelhante, e não só fazendo estatís­
ticas para saber o número da grande família adotiva, pois acho que, se o ser humano
deixar de lado os "tabus" e passar a respeitar seu semelhante como ele gosta de ser
respeitado, acho que muita coisa muda"; “eu gosto de falar sobre isso e não tem com
quem, meus pais não gostam de tocar no assunto"; "Foi bom pra desabafar"; "eu achei o
máximo porque eu não agüentava mais ficar sem dizer a ninguém que eu sou adotiva"; "eu
achei que me deu até oportunidade de responder perguntas que eu nunca havia parado
para pensar"; "eu gostei de responder, muitas coisas que eu falei aqui, nunca falei para
ninguém, guardei para mim"; "Primeiro fiquei com medo, achei que ia chorar, tomei um
calmante...foi bom, porque conversei, coloquei para fora".
Os filhos adotivos que conheceram seus pais genéticos são raros (Weber, 2001),
e mesmo nesses casos, nenhum deles deixou sua família adotiva pela outra, desmistificando
a idéia, talvez, mais temida e irreal pelos pais adotivos. Para esses entrevistados, seus
pais adotivos continuaram sendo seus verdadeiros pais, o que ficou claro no depoimento
de uma filha adotiva: “Antes eu achava que não ia ficar aqui, com meus pais adotivos. Se
eu conhecesse minha família biológica, achava que ia querer ficar com eles, e eles iam
querer ficar comigo. Eu os conheci e minha mãe biológica me convidou para ir morar com
ela, mas eu não quis, quero ficar aqui”.
Os filhos não querem que deles seja esperada apenas gratidão, pois entendem
que a relação tem uma bidirecionalidade: "Eu sempre me aborreci quando dos filhos
adotivos só se quer saber a história, mas ninguém se preocupa em saber como ele se
sente ou não, e dele só se espera gratidão, mas que a adoção acontece dos dois lados
ninguém comenta, e não só os pais precisam aceitar a criança e está resolvido, mas tem
que existir a aceitação por parte da criança também. Quando dizem que se os pais não
tivessem adotado, nós estaríamos na rua, pode até ser verdade, mas no meu sentimento
foi sempre tirar uma parte da condição de filho".
Os filhos sentem na pele que poderiam estar do outro lado e apresentam empatia
com as crianças que não puderam ser adotadas: “Fico pensando em todo aquele 'monte'
de crianças que ninguém quer; nos orfanatos as pessoas só levam as coisas e os brin­
quedos que não servem mais e estão quebrados, é muito triste".
Os filhos têm consciência que de sua história de adoção está inevitavelmente
ligada a uma história de abandono, e mesmo que "tenha sido por amor" que a mãe
genética tenha entregado a criança para adoção, os filhos sentem como uma história
triste: "Fico pensando de vez em quando nisso e dói; acho mais fácil pensar que minha
mãe biológica não pode me criar e, por isso, me deu para adoção, mas fico pensando
em quantas mães pobres existem e criam seus filhos..."; “Eu fui deixada em um terreno
baldio igual a um cachorrinho que não se quer mais, ma,s por outro lado, fui encontrada
por essa família maravilhosa que meu adotou"; "Não dá para não pensar que um dia
alguém não me quis e me deixou...".

Alegrias e tristezas de pais e filhos por adoção: conclusão


A adoção ó uma instituição por meio da qual se estabelece uma relação de pais
e filhos entre pessoas que não possuem vínculos genéticos, mas preconceitos sociais em
relação à filiação adotiva e generalizações de casos negativos isolados contribuem para
uma dinâmica familiar complexa (Trillat, 1988; Brodzinsky & Schechter, 1990; Berry, 1992;
Berthoud, 1992; Maldonado, 1995; Santos, 1988; Weber, 1995, 1999, 2001). A análise
molecular dos sentimentos e emoções expressos por pais e filhos mostra algumas direções
paralelas e outras opostas. Para os pais, a adoção significa ter um filho e/ou ajudar uma
criança em dificuldade, para uma criança, significa passar a ser incluída na categoria de
filho, mas também implica admitir que houve um abandono.
Os pais apresentam comportamento de esquiva diante de conversas com o filho
acerca do passado por receio de valorizar os pais genéticos e/ou porque isto os faz
relembraern a sua infertilidade. Os filhos também apresentam comportamento de esquiva
porque a situação de magoar os pais que os acolheram lhes é muito aversiva, mas ressen­
tem-se com isso e gostariam de poder enfrentar mais claramente a situação do seu pas­
sado. Tanto pais quanto filhos têm dificuldade em enfrentar preconceitos sociais que indi­
cam a situação de inferioridade da filiação adotiva porque somente os vínculos “de sangue"
são considerados verdadeiros. É preciso esclarecer fatores determinantes dessa dinâmi­
ca familiar e atuar no sentido de diminuir os fatores de risco que incidem necessariamente
diante da decisão e do compromisso de adotar uma criança. Em certas situações, as
próprias famílias reproduzem estereótipos acerca da adoção e precisam ter um tempo e
um espaço para enfrentar as questões familiares, tais como, revelação da origem (qual o
momento e como fazê-la), lidar com a família extensa e conhecidos, entender as diferen­
ças entre adoção por infertilidade e por altruísmo, enfrentar os colegas de escola e atenuar
as ansiedades dos pais e dos filhos sobre sua história.
Uma das questões mais interessantes, para finalizar, é o desejo do filho adotivo
de pertencer de fato à sua família adotiva. Sobre como imagina sua família de origem, uma
menina disse: "acho que minha mãe biológica era muito feia; eu sou parecida com a
minha mãe adotiva!"Enfrentar as dores de uma adoção e tudo o que isso implica lembra
um provérbio chinês: "Não podemos evitar que pássaros da tristeza voem sobre nossa
cabeça, mas podemos evitar que eles construam ninhos em nossos cabelos".

Referências
Beckor, M. J. (1995). A Adoção em Terre des Hommes, 69, 1.
Berthoud, C. M. E. (1992). Filhos do Coração: O Comportamonto do Apego em Crianças Adotivas.
Dissertação de mestrado. PUC-SP.
Biniés, P. (1997). Quión puede ser padre adoptivo? Critérios de selectión. Infanda y Adoptión,
,
2 11- 20 .

Brodzinsky, D. M., & Schechter, M. D. (Orgs.) (1990). The psychology of adoption. New York:
Oxford Univesity Press.
Costa, M. C. S. (1988). Os “Filhos do Coração": Adoção em Camadas Médias Brasileiras. Tese
de doutorado. UFRJ.
Maldonado, M. T. (1994). Os Caminhos do Coração. São Paulo: Saraiva.
Porrot, M. (1991). História da vida privada 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São
Paulo: Companhia das Letras.
Santos, N. P. F. (1988). Possibilidades de Satisfação na Adoção. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
4(2), 113-128.
Trillat, B. (1988) Abandon et adoption. Paris: Autroment.
Vargas, M. M. (1994). Adoção Tardia: Um Estudo do Processo do Adaptação Criança-Família.
Dissertação de mestrado. PUCCAMP.
Weber, L N. D., & Cornélio, S. A. Filhos Adotivos: Amores ou Dissabores? Revista do Ciências
Humanas, 4, 119-164.
Capítulo 46
Interação pais e filhos -
A observação como instrumento para
identificar práticas parentais
Qioviina Vcbso M u n h o / dd Rochd
i / f PH h! P A R c A C l

Um grande número de estudos tem sido realizado com a finalidade de relacionar


o comportamento infantil com as práticas educativas adotadas pelos pais (ex: Casas,
2002; Gomide, Berri, Busadori, Furtado & Sabbag, 2003; Salles, 2002; Silva, 2001).
Dentre os estudos realizados, ó possível perceber o uso de diversos procedimentos para
avaliar, determinar e até mesmo modificar, as práticas parentais como por exemplo
questionários, inventários e entrevistas respondidos pelos pais e/ou pela criança. Este
capítulo tratará de um tipo de situação de observação desenvolvida e utilizada em uma
pesquisa realizada por Rocha (2001 e 2002) a fim de levantar quais as práticas parentais
observáveis durante a interação pais e filho.

Práticas parentais
As práticas parentais são os comportamentos dos pais em relação aos comporta­
mentos da criança e têm a finalidade principal de educar, instruir e,por que não dizer, contro­
lar. Steinberg & Darling (1993) defendem o uso desta nomenclatura para operacionalizar os
comportamentos parentais. Partindo destes autores poderia-se dizer que a vantagem em
utilizar a definição de Práticas Parentais está na objetividade da descrição comportamental,
ao contrário do que acontece quando é usada a nomenclatura Estilos Parentais, que segun­
do eles ó o contexto que serve de moderador da influência destas práticas específicas sobre
a criança, ou seja, é um constructo e não uma definição operacional.
Gomide (2001) utiliza a nomenclatura Práticas Educativas quando relata estudos
que demonstram os efeitos destas práticas no desenvolvimento do comportamento anti­
social. Segundo a autora, a nogligência parental é um dos fatores decisivos no estabele­
cimento deste tipo de comportamento. Mussen (1966) já afirmava que a negligência e
maus-tratos na infância poderiam resultar em desajustamentos temporários ou duradou­
ros. Patterson, Reid e Dishion (1992) reafirmam estes mesmo achados em seus trabalhos
com jovens anti-sociais.
As práticas parentais são comportamentos específicos e, de acordo com Fox e
Brenner (1999), direcionadas a um comportamento-alvo. Bater numa criança para que
ela obedeça ou elogiá-la para fazer sentir-se bem são exemplos de práticas parentais,
empiricamente os autores determinaram que as práticas refletem padrões diferenciados
de comportamentos parentais. Ainda segundo Fox e Brenner (1999) as práticas parentais
estão relacionadas a fatores tais como: satisfação conjugal, crenças acerca da disciplina,
história de abuso sofrido pelos pais, depressão parental, nível de suporte dado pelo
cônjuge, idade e nível de escolaridade dos pais e situação econômica.

Como avaliar as práticas parentais?


As práticas parentais podem ser aferidas a partir de questionários, inventários e
entrevistas. O Parent Behavior Checklist (Fox, 1994), por exemplo, ó uma medida de
auto-relato composta por três subescalas: de disciplina (trinta itens), de cuidados (vinte
itens) e de expectativas (cinquenta itens), na qual o respondente deve classificar os
itens de acordo com uma escala de frequência de quatro pontos. Em um estudo que
utilizou esta medida e envolveu a participação de 1.056 mães as análises estatísticas
definiram quatro extratos de padrões comportamentais das mães: (1) disciplina baixa a
moderada, cuidados baixos, expectativa baixa a moderada; (2) disciplina baixa a
moderada, cuidados altos, expectativa alta; (3) disciplina baixa, cuidados altos, expectativa
baixa; (4) disciplina alta e muito alta, cuidados baixos, expectativa moderada a alta.
Também são utilizadas entrevistas a fim de identificar práticas parentais. Cataldo
e Geismar (1983) entrevistaram pró-escolares; Weber, Brandenburg, Viezer e Zoche
(2002) levantaram práticas parentais através de relatos de 472 crianças e adolescentes.
Neste estudo, surpreendentemente, 75,2% dos entrevistados (crianças e adolescentes!)
concordaram que quando crianças fazem coisas erradas devem apanhar e,
contraditoriamente, 34,5% (as mesmas crianças e adolescentes!) afirmaram que utilizarão
punição física se um dia vierem a ter filhos.
Sanders e Dadds (1993) defendem que para uma investigação mais detalhada
dos possíveis problemas das crianças e das famílias devem ser utilizadas medidas de
observação, de auto-relato e de automonitoramento. Os autores descrevem métodos
efetivos de investigação, avaliação e levantamento de comportamentos para fins
psicoterápicos. Contudo, sua contribuição na descrição de procedimentos de observação
pode ser generalizada para o contexto da pesquisa aplicada. O tipo da informação obtida
na investigação dos problemas comportamentais depende do método pelo qual a
informação é coletada. Cada tipo de informação, por exemplo: obtida pelos relatos dos
pais, dos professores, da criança e das observações do terapeuta, iluminará diferentes
facetas do problema. Nas avaliações psicoterápicas às quais procedem os autores, a
multimodal é a indicada como a mais efetiva.

“Um dos alicerces das abordagons comportamental e sócio-interacionista para


avaliação é o uso de observações diretas e fidedignas do comportamento, tal
como ele ocorre em seu contexto social natural. O nível no qual tais observações
podem ser auspiciosamente utilizadas depende do sistema de observação
empregado, da natureza dos comportamentos e do contexto no qual eles ocorrem,
e ainda, dos rocursos disponíveis para o clinico. Embora os objetivos da obser­
vação direta variem, goralmente eles sào: (a) medir a frequência, duração e
intensidade dos comportamentos-problema; (b) identificar os antecedentes ime­
diatos e as consequências dos comportamentos-problema, e (c) avaliar o con­
texto ecológico mais amplo dos comportamentos (por exemplo; ambionto físico,
rotinas e atividades familiares, nível de ruído, e assim por diante)." Sanders e
Dadds, 1993.(p. 66)

Em pesquisas nas quais as práticas parentais são objeto de estudo, os objetivos


podem variar desde o estabelecimento e definição do que são as práticas parentais, sua
frequência, antecedentes e consequentes de cada prática, bem como o contexto no qual
ocorrem e são mantidas.
Uma outra forma eficiente de estudar as práticas parentais ó através da análise
funcional do comportamento. Para Banaco (1999), a análise funcional é a grande ferra­
menta que os analistas do comportamento possuem para descrever e manipular as rela­
ções entre indivíduos e ambiente. Meyer (1997) reitera a utilidade da análise funcional
afirmando que se trata do instrumento básico de trabalho de qualquer analista do compor­
tamento porque ó através dela que se identificam as contingências que estáo operando e
partindo disto possivelmente inferir quais as que operaram no passado.

“Fie (o analista do comportamento) também pode propor, criar ou estabelecer


relaçõos de contingência para desenvolver ou instalar comportamentos, alterar
padrões (...), assim como reduzir, enfraquecer ou eliminar comportamentos dos
repertórios do indivíduo " Souza, 1995 (apud Meyer, 1997, p.32)

Desenvolver uma situação que suscite a ocorrência de comportamentos típicos


da interação familiar para que possam ser observados da maneira mais similar à qual
ocorrem naturalmente é o primeiro passo para poder utilizar a análise funcional. A riqueza
da técnica está na possibilidade de identificar as relações funcionais, por exemplo, entre
as práticas parentais e o comportamento infantil, as práticas parentais e a situação conjugal,
e várias outras contingências da interação familiar.

Criando uma situação de observação específica para a interação pais e


filho
Subsidiada principalmente pelos autores acima citados, que já haviam
demonstrado a efetividade da observação de categorias de comportamentos de pais e
crianças, a presente autora idealizou duas situações de jogo para observar práticas
parentais na interação entre pais e filho. As práticas parentais categorizadas foram
empiricamente determinadas em estudo-piloto e posteriormente utilizadas na pesquisa
que tinha como objetivo relacionar práticas parentais e autoconceito infantil (para mais
detalhes ver Rocha, 2002)
A necessidade de utilizar a observação como instrumento de levantamento de
dados de pesquisa surgiu frente à dificuldade de obter um instrumento tipo questionário ou
inventário, validado para a realidade brasiloira. Na época do início do estudo, no ano do
2000, não foi possível encontrar nenhum instrumento devidamente traduzido, quanto mais
padronizado para o Brasil Hoje, há pelo menos um grupo de pesquisadores brasileiros
que vem arduamente trabalhando no desenvolvimento de uma medida fidedigna para ava­
liar as práticas educativas.
Desta forma, a observação pareceu a maneira mais efetiva e menos arriscada de
proceder à coleta dos dados. Porém, mesmo tendo a determinação de que o método se
basearia na observação surgiu uma nova dúvida: qual seria o tipo de observação mais
adequado?
Segundo Cozby (2003) a observação naturalística, por vezes denominada traba­
lho de campo ou observação de campo, exige o contato direto do observador com a
situação. Contudo, o pesquisador pode ser um observador externo ou participante, que
oculta ou não dos participantes os seus objetivos. Na observação participante há o risco
de se perder a objetividade necessária ao trabalho científico. Para minimizar este proble­
ma, a pesquisadora foi orientada a gravar em áudio e vídeo a situação de interação. Então,
mesmo estando presente na situação-alvo dando instruções para a realização das
atividades, quem quantificaria os comportamentos-alvo seriam observadores treinados,
cegos para o objetivo maior do trabalho.
Por definição, quanto aos meios utilizados, a observação realizada poderia
sistemática ou assistemática. Na primeira há certo controle das condições e os "alvos”
são determinados Na segunda, também chamada do espontânea ou informal, os dados
são obtidos sem que o pesquisador utilize procedimentos especiais e nem há necessidade
de pré-estabelecer quais os comportamentos que serão observados. No estudo piloto
foi primeiramente realizada a observação assistemática, pois ainda não havia definição
de categorias comportamentais a serem observadas. Foi este procedimento que permitiu
que posteriormente, na pesquisa, fosse utilizada a observação sistemática.
Segundo o lugar onde se realiza, a observação pode ser de campo (na vida real)
ou em laboratório Aqui se torna necessário explicar que a situação em questão não se
encaixa totalmente em nenhuma destas divisões, pois se observou uma situação cotidi­
ana, que acontecia na vida real, porém está situação não ocorria naquele momento na
casa dos participantes, mas em local preparado pela pesquisadora para que os efeitos
de exatidão de áudio e vídeo fossem maximizados. Além disso, caso as observações
fossem realizadas na casa dos participantes, ter-se-ia menos controle sobre possíveis
variáveis estranhas ao procedimento. Foi preciso pensar uma situação verossímil para
os participantes para que fosse possível observar as práticas parentais que provavel­
mente ocorriam em ambiente natural, caso contrário a pesquisa não teria a validade
desejada.
Tendo fundamentado a escolha do tipo de observação será relatado como se deu
o estudo-piloto que subsidiou o desenvolvimento da estrutura de observação da interação
pais e filho. O estudo piloto foi realizado com uma família composta por pai, mãe e filha (5
anos de idade). A tríade submeteu-se a cinco atividades de jogo: dominó, memória, que­
bra-cabeça progressivo, lince e atividade-desafio .

'l M tx ire tò n o <k> C o fT ip o rlH in o n tu u Anli h x m k , rio Mn«trt*<lo u *n Pskutogtii d« k if â n o a n d * AdotuocAnua dH UF P R


AtlvIriMrin dixinnvolvldfl (hiIm pe*tc|ui»iKlor* a q ua luffri rítMcrtU p oste fkx m an t»

530 (/iovtiiKi Vcloso M u n I k >/ d.i Roílw


Aos pais foi pedido que enquanto um deles jogasse junto com a criança, o outro
deveria jogar contra; depois de algumas rodadas desta forma deveriam inverter as posi­
ções de forma que a criança pudesse jogar o mesmo jogo contra o pai e a mãe. Aquele
que jogava junto não deveria jogar pela criança e nem indicar as jogadas que a criança
devia fazer, este poderia apenas apóia-la, incentivá-la, explicar e relembrar as regras do
jogo. O jogo Dominó não manteve o interesse da criança, além de ter se mostrado inade­
quado quanto ao tempo de duração; durou cerca de dez minutos e proporcionou poucos
dados para observação da interação. O jogo de memória e o quebra-cabeça apresentaram
problemas parecidos: ambos demoraram mais do que quarenta minutos e proporcionaram
um número reduzido de interações da tríade que, claramente teve seu desempenho
diminuído nestas atividades. O jogo lince e a atividade desafio mostraram-se adequados
tanto quanto à duração (trinta minutos) quanto ao número e à qualidade das interações
observadas.
Partindo, então, da observação da interação pais-criança durante o jogo Lince e
a Atividade Desafio foi definido o procedimento que seria utilizado na pesquisa que
visava relacionar estas práticas a um aspecto específico do comportamento infantil. Na
pesquisa foram observadas 55 tríades (pai, mãe e filho(a)). As seis primeiras observa­
ções serviram como fonte de levantamento de todos os comportamentos dos pais que
ocorriam na interação e tiveram como base descrições de Sanders e Dadds (1993), que
propuseram para observar interação familiar as categorias: louvor, contato, contato aversivo,
pergunta, pergunta aversiva, instrução direta, instrução direta aversiva, instrução "confu­
sa", instrução confusa aversiva, atenção social e atenção social aversiva. Destes com­
portamentos observados através dos registros em vídeo, aqueles que tiveram sua
significância matematicamente comprovada através da frequência na qual apareciam,
compuseram as categorias que serviram para quantificar as práticas parentais no estu­
do; as categorias são:
Interação Verbal de Instrução Positiva (IP): Orientações claras na forma (ex- boa
dicção, palavras corretas) e no conteúdo (ex: "mais para a direita", "olhe para perto do
Cascão", “coloque a peça") sobro os comportamentos esperados nas atividades. Exposi­
ção de regras e limites (ex: "sente-se para jogar melhor", "agora já não vale pois o pai já
acabou"). Volume e tom de voz adequados (nem muito alto e nem muito baixo).
Interação Verbal de Instrução Coercitiva (IC): Orientações dúbias ou confusas ou
incompletas sobre os comportamentos esperados nas atividades (ex: “chega mais pra cá,
pra lá, cá, lá...", "mais para o lado", "está muito frio, vamos logo, se apura"). Volume e tom
de voz alterados (muito alto, muito baixo).
Interação Verbal Simples (VS): Qualquer interação verbal com a criança, incluindo
perguntas, pedidos de ajuda (ex: “este jogo ó muito legal", "ajuda a mãe a encontrar este
aqui", "está calor aqui dentro”).
Interação Verbal Positiva (VP): Interações de apoio ao comportamento, incluindo
verbalizações de incentivo, elogios, comemorações (ex: "isto!", "vamos lá", "parabéns").
Interação Verbal Coercitiva (VC): Qualquer interação verbal considerada
inadequada na forma ou no conteúdo. Incluindo: incentivos aversivos, perguntas aversivas
(ex: "vamos lá, você é esperto ou é bobo?", "vai, vai, se não vai perder de novo","... por
isso é que você perde").
Interação Não-verbal Positiva (NVP): Qualquer interação não-verbal ou física não
aversiva (toque, olhar, sorriso, balanço de cabeça).
Interação Não-verbal Aversiva (NVA): Qualquer interação não-verbal ou contato
fisico considerado inadequado (toque, olhar, balanço de cabeça).
Faz pela criança (FP): Realiza a atividade pela criança.

Conduzindo as atividades para a observação


Uma vez tendo determinado o local, verificado os equipamentos para o registro
da atividade e agendada a participação da família podem ter início as atividades. Aos
participantes, assim que cheguem, devem ser explicados os procedimentos: jogarão
dois jogos, sendo que os pais se alternarão no papel, ora de apoio à criança e ora de
opositor da criança no jogo.
Para que a observação direta da interação dos pais com a criança possa
reproduzir uma situação cotidiana, desta vez sob controle do pesquisador, as situações
foram criadas com a finalidade de suscitar reações espontâneas da tríade familiar.
A identificação das práticas parentais é realizada através da observação direta
das tríades (pai/mãe e filho/a) durante os jogos. Acontecem sempre duas combinações
da tríade para jogar:
(a) Mãe + Filho(a) x ( vorsus) Pai
(b) Pai + Filho(a) x (versus) Mãe
Enquanto um dos pais joga, o outro serve como apoio para a criança. Senta-se
ao lado dela, mas não pode indicar nenhuma jogada, pode apenas incentivar e torcer.

Jogo 1: Lince
Inicia-se o jogo escolhendo o apoio da criança, que também ó o líder da rodada.
Este coloca as carteias dentro do saco plástico e distribui três fichas plásticas da mesma
cor para cada participante. O líder mistura bem as carteias e sorteia três para cada
participante, sendo que nenhum participante pode olhar o conteúdo das carteias antes da
jogada iniciar. O líder dá um sinal para iniciar o jogo. Ambos, criança e oponente, olham as
próprias carteias e tentam localizar mais rapidamente as figuras no tabuleiro. Cada vez
que se encontra uma figura, o participante coloca uma ficha plástica no lugar correspondente.
O primeiro que coloca suas três fichas, anuncia a todos. Neste momento, o outro
participante para de jogar. Os participantes permanecem com as carteias cujas figuras
foram localizadas no tabuleiro, devolvendo as restantes e colocando-as no saco plástico.
Novamente recebem suas três fichas plásticas e inicia-se uma nova rodada. Vence o jogo
o participante que consegue o maior número de carteias em aproximadamente oito minutos.

Jogo 2: “Atividade Desafio”


A criança fica com um dos pais na lousa, enquanto o outro descreve com base
em figuras geométricas simples e conhecidas pela criança e de acordo com a orientação
no espaço, uma figura que a criança deve desenhar com giz. Aquele que permanece com
a criança novamente serve apenas como apoio e incentivo. Por exemplo: o pai tem em
mãos o desenho do urso, ele pode dizer: “Desenhe uma bola, agora faça outra bola, um
pouco menor colada na parte de cima desta...".
Rocha (2002) encontrou dados estatísticos que relacionam comportamentos de
mães e pais de forma significativa. Por exemplo, instruções coercitivas, interações verbais
coercitivas e interações não-verbais aversivas maternas variaram positivamente com
estes mesmos comportamentos paternos, ou seja, parece que quanto mais coercitivo é
um dos pais, mais chance o outro tem de apresentar o mesmo padrão.
Por outro lado, a mesma correlação positiva se apresentou em relação aos
comportamentos de instruções positivas e interações verbais positivas, levantando a
mesma possibilidade para padrões adequados de práticas parentais.

Conclusão
O estudo das práticas parentais vem sendo reconhecido como importante estratégia
para que, por exemplo, possam ser desenvolvidos programas preventivos para problemas
comuns na infância. Patterson e colaboradores (1992) procuraram padrões familiares comuns
às crianças anti-sociais, e hoje se sabe que seu Instituto no Oregon oferece à comunidade
programas de prevenção à delinquência, sendo que parte deste trabalho se dá com pais de
crianças pequenas. Maccoby e Martin (1983) relacionam o estilo parental autoritativo com o
melhor desempenho escolar de crianças; este dado possibilita o desenvolvimento de
estratégias educativas para pais de infantes pré-escolares, a fim de promover um melhor
aproveitamento acadêmico e prevenir o fracasso e a evasão escolar.
Gomide et al. (2003) em estudo recente identificaram que a qualidade da interação entre
pais e filhos no horário das refeições (as quais geralmente são feitas na frente da televisão) está
relacionado aos níveis de agressividade infantil. Partindo-se desta informação, poder-se-ia, por
exemplo, através da própria mídia orientar os pais quanto aos efeitos desta prática.
Sobre trabalhos de pesquisa que visam determinar funcionalmente padrões de interação
disfuncionais e possíveis situações preventivas através de treino na casa ou na escola, que
possibilitem a aprendizagem de habilidades comportamentais que o ambiente natural não
ofertou, Ingberman (2001) afirma:
"Tais trabalhos são importantes para intervenção precoce, ou seja, preventivos para
pais e filhos. Terapeutas de crianças, com seus conhecimentos acerca de aspectos funcionais
dos comportamentos desadaptados, poderão contribuir para o desenvolvimento de estratégias
de alcance mais amplo, assim como beneficiar-se de estudos com populações maiores
para embasar seu trabalho." (Ingberman, 2001, p.232)
Para avaliar campos onde a atuação do psicólogo, principalmente a preventiva,
possa surtir melhores efeitos, é preciso que se desenvolvam instrumentos e métodos cada
vez mais eficazes de avaliação comportamental. Este capítulo pretendeu mostrar uma
pequena parte do processo de construção de um instrumento de observação.
A utilização deste procedimento em outros estudos que necessitem investigar o
padrão de interação entre os membros de uma família poderá retificar aspectos que possam
não estar ajustados para que seja reconhecidamente eficiente. No estudo citado, (Rocha,
2002) o objetivo de quantificar as práticas parentais determinadas foi atingido. Contudo,
poder-se-ia pensar em desenvolver novos estudos que aprimorassem as categorias
observadas e que elas mesmas pudessem estar associadas ao método de observação
em futuros estudos sobre o tema.

Referências
Banaco, R. (1999). Técnicas Cognítívo-comportamentais e análiso funcionai. ín R. R. Kerbauy &
R. C. Wiolonska (Orgs.), Sobre Comportamento o Cognição: psicologia comportamental e cognitiva
- da reflexão teórica à diversidade na aplicação. Santo André: ESETec Editoros Associados.
Casas, S. H. (2002). Conversar com os filhos: uma prática punitiva ou interativa? Projeto do
qualificação de mestrado. Universidade Foderal do Paraná
Cataldo, C., & Geismar, L. (1983). Preschoolers views of parenting and the family. Journal of
Research and Development in Education, 16, 8-14.
Cozby, P. (2003). Métodos de pesquisa em ciôncias do comportamento. São Paulo: Editora
Atlas.
Fox, R , & Bronnor, V. (1999). An empirically dorivod classification of parenting practices. Journal
of Genetics Psychology, 160, 343-.
Gomide, P. I. C. (2001). Efeitos das práticas oducativas no desenvolvimento do comportamento
anti-social. In M. L. Marinho & V. E. Caballo (Orgs ), Psicologia Clinica e da Saúdo. Londrina:
Editora UEL-APICSA.
Gomide, P. I. C., Berri, G., Bussadori, D., Furtado, M., & Sabbag, G. (2003, January). A influônda
da TV e dos ostilos parentais nos horários do refeições das famílias. Revista Argumento.
Ingberman, Y. K. (2001). O estudo de padrões de interação entre pais e filhos: prevenção da
aquisição do comportamentos desadaptados, embasamento para a prática clinica. In H. J.
Guilhardi, M B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M C. Scoz (Orgs ), Sobre Comportamento e Cognição,
expondo a variabilidado. Santo André: ESETec Editores Associados.
Maccoby, E., & Martin, J. (1983). Socialization in the context of the family: Parent-child interaction.
In E. M. Hothorington (Org.), P. H. Mussen (Org. série), Handbook of child psychology, Vol. 4:
Socialization, personality, and social development (4th ed., pp. 1-101). New York: Wiley.
Meyer, S. B. (1997). O conceito de análiso funcional. In M Delitti (Org.), Sobre Comportamento
e Cognição, a prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental.
Santo André: ESETec Editores Associados.
Mussen, P. H. (1966). O desenvolvimento psicológico da criança. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Pattorson, G., Roid, J., & Dishion, T. (1992). Antisocial Boys. SA: Castalia Publishing Company.
Rocha, G. V. M. (2001). Análise da relação entre práticas parentais e o autoconceito de pré-
escolares. Projeto de qualificação do mostrado. Universidade Federal do Paraná.
Rocha, G. V. M. (2002). Análise da relação entre práticas parentais e o autoconceito de prè-
escolares. Dissertação do mostrado. Universidade Federal do Paraná.
Sallos, A. (2002). Ansiedade infantil o comportamonto materno: investigação das possíveis
relações. Projeto de qualificação de mestrado. Universidade Federal do Paraná.
Sanders, M., & Dadds, M. (1993). Behavioral family intervention. USA: Longwood profession
book.
Silva, A. L. (2001). Análise do efeito de um programa de intervenção para pais sobre
responsividado. Projeto do qualificação de mestrado. Universidade Federal do Paraná.
Steinberg, L., & Darling, N. (1993). Parental Style as a context: an integrative model. Psychological
Bulletin, 113, 487-497.
Weber, L., Brandenburg, O., Viezzer, A., & Zocche, C. (2002). O uso de palmadas como prática
educativa: uma investigação com 472 estudantes. Manuscrito não publicado. Universidade
Federal do Paraná.
Capítulo 47
Estilo parental e comportamento
socialmente habilidoso da criança
com pares
Arut Pdola Lopes Lu Oi
CVín/Cit Psycho/ (/nivcnp-Pr

Uma das grandes preocupações atuais é o elevado índice de violência e


agressividade, inclusive em classes sociais em que características como privação de
ordem econômica, por exemplo, não existem. Assim, torna-se pertinente o questionamento
das condutas a adotar no que diz respeito à educação das crianças. O estilo parental, a
postura educacional dos pais vem sendo estudada e avaliada como um dos determinantes
de comportamentos anti-sociais, mas também um caminho para a prevenção dos mesmos.
O presente trabalho foi resultado de uma pesquisa realizada para elaboração da dissertação
do mestrado em Infância e Adolescência, pela UFPR, e seu objetivo foi procurar investigar
se há relação entre estilo parental dos pais e comportamentos socialmente habilidosos
da criança em relação a seus pares.
Parte-se do pressuposto de que crianças mais habilidosas socialmente têm me­
nos possibilidade de emitir comportamentos anti-sociais (agressivos, de violação de direi­
tos do outro) ou de isolamento (esquiva de interação com pares). Considere-se também
que na primeira infância o desenvolvimento de habilidades sociais está vinculado de forma
mais intensa e expressiva ao âmbito familiar, ás vivências e às práticas educacionais.
Portanto é neste contexto de análise que surgiu o interesse pelo tema da pesquisa: A
possibilidade de se verificar se há relação entre os comportamentos de limites emitidos
pelos pais e habilidades sociais das crianças, em idade pré-escolar, dirigidas à pares.
Objetiva-se com este estudo contribuir, para outros trabalhos na área, especialmente no
que se refere à prevenção de comportamento anti-social, posto que este tema tem provo­
cado muito interesse e preocupação tanto em pesquisadores, profissionais que trabalham
na área, como na população em geral e nos pais.
Naturalmente não se pretende estabelecer uma relação causal sobre o tema
pesquisado, até porque comportamentos complexos podem envolver múltiplas
contingências; sendo então necessário fazer um recorte em toda a gama de variáveis
existentes entre relações parentais e desenvolvimento infantil. Este trabalho concentrou-
s g na busca do estabelecer se há relação entro comportamentos dos pais que estabele­

cem limites no comportamento de seus filhos e habilidades sociais das crianças.


Os pais enquanto formadores do núcleo familiar são grandes fontes de influência
no desenvolvimento da criança, o que lhes atribui grande responsabilidade (Conte, 1997;
Bee,1996; Patterson, Reid & Dishion,1992; Reis, 1986). Pode-se dizer, portanto que dentro
do modelo proposto, os pais são os maiores reforçadores, fontes de afeto e também
grandes modelos de aprendizagem para as crianças.
A partir da forma dos pais em administrarem situações na relação com os filhos
e também na aquisição de novas habilidades da criança na interação com os pais, estes
vão instrumentalizando a prole (de forma adaptada ou não) para lidar com o ambiente
que os cerca. Segundo Conte (1997, pg. 165),

"o tipo de relaçõos que os pais estabelecem com os seus filhos, desde os 4'
primeiros momentos de suas vidas, tem sido apontado como um dos principais
responsáveis polo processo de desenvolvimento global da criança".

A especificidade das relações que se estabelecem entre pais e filhos sofrem


portanto influência das formas de educação dos filhos escolhidas pelos pais, que são
sintetizadas nos estudos dos estilos parentais. Os estilos parentais, por sua vez, são
compostos a partir das práticas parentais, as quais são constituídas pelos comportamentos
(manifestos e encobertos) emitidos pelos pais com relação à criança .
Estilo parental é definido por Brenner e Fox (1999) como o complexo, o padrão de
atitudes estabelecido e as crenças e forma em que tal comportamento dos pais ocorre.
Darling & Steinberg (1993) colocam que o clima emocional, que perpassa as atitudes dos
pais, tem o efeito de alterar a eficácia de práticas disciplinares especificas, além de influenciar
positivamente ou negativamente a abertura ou predisposição dos filhos para a socialização.
Diversos autores tentaram agrupar conjuntos de práticas parentais o adotar uma
terminologia que caracterizasse estilos parentais específicos. Surgiram as diversas
classificações de estilos parentais, as quais nem sempre são equivalentes.
A classificação utilizada no presente trabalho e bastante referida na literatura
(Moreno & Cubero, 1995; Bee,1996; Newcombe, 1999; Olds& Papalia, 2000) é a proposta
por Maccoby e Martin (1983). Estes autores elaboraram uma variação no sistema de
categorias de Baumrind, propondo a classificação de estilos parentais baseada em duas
dimensões das práticas educativas dos pais: exigência e responsividade. A exigência
parental inclui todas as atitudes dos pais que buscam de alguma forma controlar o
comportamento dos filhos, impondo-lhes limites e estabelecendo regras. Já a responsividade
refere-se àquelas atitudes compreensivas que os pais têm para com os filhos e que visam,
através do apoio emocional e do sentido de mão dupla na comunicação, favorecer o
desenvolvimento da autonomia e da auto-afirmação dos jovens. A responsividade pode ser
definida como o grau do ajuste do ambiente aos estados comportamentais da criança.
Isso envolve o modo como o adulto altera o seu comportamento, assim como aspectos do
ambiente físico circundante, ao nível das demandas e limitações da criança (Isabella &
Belsky, 1991; Papousek & Papousek, 1984,1989; Schaffer, 1992,1997).
Baseados então nostos dois aspectos, exigência e responsividado, Maccoby & Martin
(1983) elaboraram o que segundo eles seriam os quatro estilos parentais existentes: Autoritativos,
nos quais os pais apresentam elevada responsividade e exigência; negligentes são aqueles que
apresentam baixa responsividade e exigência. Pais muito responsivos porém pouco exigentes são
categorizados como indulgentes.e os autoritários são os muito exigentes e pouco responsivos.
Estudos (Bee, 1984; Acker & O'Leary, 1988) mostram que os estilos parentais sofrem
também influência da consistência, ou melhor, da constância da forma de agir dos pais, o que
interfere no padrão de interação pais/filhos e nas possíveis conseqüências desta interação no
desenvolvimento infantil. Quando a punição ou reforço por parte dos pais ora é contingente ao
comportamento da criança ora a outras variáveis (como humor dos pais), a inconsistência nas
práticas parentais dificulta a caracterização de um estilo comportamental e podo ter conseqüên­
cias prejudiciais no desenvolvimento da criança. A oscilação na forma de responder às condutas
dos filhos poderia levar estes pais a serem classificados às vezes como autoritários, às vezes
negligentes ou ainda indulgentes ou autoritativos. Acker & O’Leary (1988), definem inconsistên­
cia como a combinação entre respostas punitivas e permissivas diante de uma mesma situação
por parte dos pais ou educadores, e que podem representar métodos educacionais bastante
inefetivos; além de colocarem este fato como uma das causas do comportamento disruptivo por
parte da criança.
É possível se fazer um paralelo entre responsividade e exigência e o termo "limites",
cuja definição, segundo Patterson, Reid & Dishion (1992), seria:fomecer estímulos discriminativos
adequados às situações e o reforçar e punir contingentemente a criança. Esta definição é rela­
cionada com a proposta de Patterson, Reid & Dishion (1992), no Modelo de Coerção.
A definição de limites acima proposta, baseia-se no Modelo de Coerção, o qual enfatiza
a importância da relação pais e filhos no desenvolvimento e socialização da criança, uma vez
que explica o desenvolvimento e manutenção de condutas anti-sociais na infância, apontando a
gênese do comportamento anti-social basicamente na interação da criança com seus pais.
Assume-se que o comportamento dos pais direciona em parte a socialização dos
filhos (Patterson et al, 1992), havendo habilidades importantes no manejo parental da família que
estão relacionados com a competência social da criança: (a) uso contingonte de reforço positi­
vo; (b) habilidades na solução de problemas (habilidade por parte dos pais em perceber o proble­
ma a ser resolvido e agir conforme esta percepção); (c) a capacidade de envolvimento parental
(responsividade e atitudes compreensivas dos pais para com os filhos). Maccoby & Martin,
(1983) consideram responsividade como atitudes compreensivas que os pais têm para com os
filhos e que visam, através do apoio emocional e do sentido de mão dupla na comunicação,
favorecer o desenvolvimento da autonomia e da auto-afirmação dos jovens. Para um ajustamento
social apropriado espera-se portanto que a criança tenha desenvolvido inicialmente no contexto
familiar, habilidades sociais.

Método
Participaram da pesquisa 13 díades de mães e crianças de 5 anos, de classe sócio-
econômica média que freqüentam a turma de Jardim II, de uma escola de educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio, particular, de Curitiba.
Os instrumentos utilizados foram:A) Questionários para as mães; B) Formulário de
registro de evento da relação entre pares; C) Formulário de entrevista semidirecionada às
professoras; D) Formulário de entrevista semidirecionada às mães.
A pesquisa envolveu diferentes etapas de coleta de dados com sub-grupos da popu­
lação alvo (crianças, mães e professora), tendo sempre a preocupação central em verificar
práticas parentais relativas a limites, e a aproximação social das crianças aos seus pares.
Há momentos em que algumas etapas foram simultâneas. As etapas então foram as
seguintes: (a) aplicação dos questionários aos pais; (b) observação das crianças; (c) entrevis­
ta realizada individualmente, com as mães, complementar ao questionário; (d) entrevista com
os professores enfocando as crianças desta turma.
Os dados foram sistematizados com cruzamento das respostas às questões de
múltipla escolha do questionário e das observações de evento da conduta das crianças: as
classificações de estilo parental (autoritativo, autoritário, indulgente, negligente, misto polari­
zado e misto difuso) que foram obtidas pela correção das questões de múltipla escolha foram
cruzadas com as classes de conduta (isolamento, pró-social e anti-social) das crianças, para
que se pudesse então testar a hipótese da presente pesquisa.
O resumo das entrevistas foi transcrito e utilizado no item análise individual de díades
criança/mães, fornecendo subsídios para uma atribuição mais segura do estilo parental. Ao com­
parar as informações fornecidas pela professora, com os dados de observação de evento, pode-se
verificar o quanto o intervalo de registro de evento representava a conduta usual da criança.

Resultados
A análise dos questionários respondidos pelas mães (n=13) constatou os seguin­
tes resultados: seis autoritativos, um autoritário e seis mistos. Não foi registrado nenhum
negligente ou indulgente.
As condutas das crianças foram categorizadas em: pró-social, anti-social e de
isolamento, foram relacionadas com os estilos parentais apontados pelas respostas das
mães aos questionários. Foram realizadas análises qualitativas das entrevistas individu­
ais das mães, entrevistas com a professora, também, relacionando-se com os dados
acima.
Na análise dos dados pode-se constatar que as crianças com os maiores índices
de comportamentos pró-sociais, tem mães que foram classificadas no estilo autoritativo.
Apenas as respostas da mãe de uma criança que emitiu comportamentos pró-sociais em
freqüência alta, foi classificada como apresentando estilo parental misto.
Ao se relacionar as condutas classificadas como de isolamento, verifica-se relação
tênue com o estilo parental misto. Observa-se também que há uma tendência em crianças
com mães com estilo parental autoritativo em apresentarem menos condutas de isolamento.
No que se refere ao número total de condutas anti-sociais é que, apesar deste ser
baixo, se comparado com o número total de condutas emitidas, somente a conduta de
uma criança foi oriunda de uma criança com mãe apresentando estilo parental autoritativo,
as demais condutas anti-sociais forma emitidas por crianças cujas mães apresentavam
padrão de estilo parental misto.

Discussão e conclusão
O presente trabalho, ao buscar a existência ou não entre os procedimentos de
mães que estabelecem limites no comportamento de seus filhos e o desenvolvimento de
habilidades sociais das crianças, verificou haver um maior número de condutas pró-soci-
ais de crianças filhas de mães com estilo parental autoritativo.
Em contrapartida, as crianças que apresentaram maior número de condutas anti­
sociais e de isolamento, tinham, em sua maioria, mães com estilo parental misto, citado
nessa pesquisa como um dado relevante.
Embora a literatura aponte a inconsistência dos pais na educação dos filhos
como tendo efeitos nocivos no desenvolvimento e socialização da criança, não há um
estilo parental específico com esta nomenclatura. O termo "misto” ou "inconsistente” refe­
re-se à mistura de dois ou mais estilos por parte de pais ou educadores.
Considerando a multideterminação do comportamento humano, não se pode es­
tabelecer relações causais lineares entre práticas parentais e conduta da criança, sendo
que a "análise funcional" de cada caso tem maior valor na detecção de comportamentos
de risco em crianças e adolescentes.
Espera-se que o presente trabalho possa vir a contribuir para que novos estudos
sejam desenvolvidos e aprofundados nesta área.

Referências
Acker, M. M., & O’Leary, S G. (1988). Effects of Consistent and Inconsistent Foodback on
Inappropriate Child Behavior. Behavior Therapy, 19, 619-624
Applegate, J. L., Burleson, B R., & Delia, J. G. (1992). Reflection-enhancing Parentig as an
Antecedent to Children’s Social-cognitive and Communicative Development. In I. E. Siegel, A. V.
McGillicuddy-DeLisi & J. J Goodnow (Orgs.), Parental Brief Systems (pp. 3-40). Hillsdale;
Lawrence Erlbaum.
Bandura, A (1979). Modificação do Comportamento. São Paulo; Fd. Inter Amoricana.
Baumrind, D. (1993) The Average Expectable Environment is Not Good Enough: A responso to
Scarr Child Development, 64,1299-1317. Medline.
Bee, H. (1984). Psicologia do Desenvolvimento - Questõos Sociais. São Paulo; Harbra.
Bee, H. (1996). A Criança em Desenvolvimento. São Paulo; Harbra.
Brenner, V., & Fox, R. A. (1999). An Empirically derived Classification of Parenting Pratices,
Journal of Genetic Psychology, 160.
Bussab, V. S. R. (1990). Comportamento humano: Origens evolutivas. In Etologia: de animais e
de homens, 1. São Paulo: Edicon.
Caballo, V. E. (1987). Teoria, Evaluación y Entrenamiento de las Habilidades Sociales. Valencia:
Promalibro.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem - Comportamento, Linguagem e Cognição (4th ed.). Porto
Alogre: Artes Médicas.
Conto, F. (1997). Promovendo a Relação entre Pais e Filhos. In R. A. Banaco (Org ), Sobre
Comportamento e Cognição. Santo André: ESETec Editores Associados.
Conto, F. C. S. (1996). Pesquisa e intorvonção clínica em comportamento dolinqüonto numa
comunidado pobro. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo.
Costa, F. T., Teixeira, M. A. P., & Gomes, W. B. (2000). Responsividade e Exigência: Duas Esca­
las para Avaliar Estilos Parentais. Rovista Psicologia, Reflexão e Critica, 73(3), Porto Alegre.
Del Prette, A., & Del Prette, Z. (1999). Psicologia das Habilidades Sociais - Terapia e Educação.
Potrópolis: Vozes.
Del Prette, A., & Del Prette, Z. (1997). Habilidades Sociais e Construção de Conhecimento em
Contexto Escolar. In D, R. Zamignani (Org.), Sobro comportamento e Cognição. Santo André:
ESETec Editores Associados.
Ferster, C. B., et al. (1979). Princípios do Comportamento. São Paulo: Hucitoc.
Gomide, P. I. C. (2001). Efeitos das Práticas Educativas no Desenvolvimento do Comportamen­
to Anti-social. In M. L. Marinho & V. E. Caballo, Psicologia Clinica e da Saúdo. Curitiba: Ed. UEL-
APICSA, Londrina-Granada
Maccoby, E., & Martin, J. (1983). Socialization in tho context of the family: Parent-child interaction.
In E. M. Hetherington (Org,), PH.Mussen (Org. série), Handbookof child psychology, Vol. 4:
Socialization, personality, and social development (pp. 1-101). New York; Wiley.
Newcombo, N. (1999). Desenvolvimento Infantil - abordagem de Mussen (8th od.). Porto Ale­
gre: Artes Módicas.
Papalia, D. E., & Olds, S. W (2000). Desenvolvimonto Humano. Porto Alegre: Artmed.
Patterson, G. R., Reid, J. B., & Dishion, T. J. (1992). Antisocial Boys. Castalia Publishing Company,
EUA.
Rimm, D. C., & Masters, J C. (1983). Terapia Comportamental - Técnicas e Resultados Expe­
rimentais. São Paulo. Manolo
Skinner, B. F. (1957). Comportamento Verbal. São Paulo; Cultrix.
Skinnor, B. F (1953). Ciôncia e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontos
Mais uma vez, a ABPMC tem a grata tarefa de compilar
trabalhos que refletem os avanços em pesquisa, clínica e reflexão
do ano de 2002, em um retrato do que vem sendo produzido pela
comunidade na área da Terapia Comportamental e Cognitiva. O
resultado do esforço desta diretoria já está sendo amplamente
reforçado pelos mais de 100 autores que enviaram suas
contribuições neste ano.

(...)

No volume 11, iniciamos com a recuperação de importantes


autores que tiveram influência sobre o pensamento de analistas
do comportamento. Em seguida, passamos a autores que têm
influenciado o pensamento e a prática clínica de terapeutas
comportamentais no Brasil, refletindo suas preocupações com
princípios teóricos e com a apreciação de suas práticas. Temos,
também, aí, trabalhos refletindo preocupação, demonstrada por
analistas do comportamento, com a pesquisa voltada à clínica.
Segue-se com a questão da formação de novos terapeutas e
aplicações da análise do comportamento a trabalhos em
educação e na comunidade.

No volume 12, contamos com importantes contribuições


teóricas para o trabalho em clínica, seguidas de relatos de
experiências com tratamento. Neste volume, o leitor vai encontrar,
ainda, um tópico sobre psicologia e saúde, e outro sobre relatos de
pesquisa básica e em clínica, que têm enriquecido nossos
encontros anuais.

Estes volumes são o retrato deste momento da ABPMC, que


é de muita produção de nossos filiados e de sua disposição em
compartilharem, em ambiente não punitivo, de suas experiências
na pesquisa e na clínica, em mais um passo para descrever a
consolidação de suas ações em nosso meio, contribuindo para o
estudo e o ensino da Terapia Comportamental e Cognitiva no
Brasil.

ESETec
Editores Associados

Você também pode gostar