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Língua Portuguesa V - Nohad Mouhanna Fernandes - UNIGRAN

Aula 03

SINTAXE DE CONCORDÂNCIA
NAS VARIEDADES
DA LÍNGUA PORTUGUESA

Você já estudou os conceitos de sujeito e predicado, complementos verbais,


complementos nominais, adjuntos adnominais e adverbiais, entre outros termos que compõem
a oração. Estudou também as funções sintáticas que esses termos desempenham no universo
da oração e do discurso. Enfim, você já conhece como se estruturam as frases simples da
língua portuguesa.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira divide a sintaxe (estudo das regras de
combinação das palavras ou frases da língua) em:

a) de regência – nominal e verbal;


b) de concordância – nominal e verbal;
c) de colocação.
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A partir de todo esse conteúdo estudado, podemos, então, avançar para o rico estudo
dos mecanismos da Sintaxe de concordância nominal e verbal característicos da
modalidade culta da língua portuguesa.

AS DIFERENTES REGRAS DE CONCORDÂNCIA NAS VARIEDADES DA


LÍNGUA PORTUGUESA

Antes de iniciar o estudo das regras de concordância da modalidade culta da língua,


não podemos deixar de fazer algumas considerações preliminares com o intuito de mostrar-
lhe as diferenças entre os mecanismos de concordância da modalidade culta e os característicos
de outras variedades do português. Para isso, leia os comentários feitos por Abaurre, Pontara
e Fadel (2000, p. 175 - 176) sobre essa questão:
“Da mesma maneira como diferentes línguas apresentam diferentes mecanismos e
regras de concordância nominal e verbal, também diferentes variedades de uma mesma língua
podem apresentar diferentes regras de concordância. Vamos exemplificar com a língua
portuguesa e suas variedades.
Você certamente nunca ouviu alguém dizer alguma coisa como: “Viera com ele nos
mesma navio, não sei fazer o quê, uns certo Maria da Hortaliça, quitandeiros da praças
de Lisboa, saloia rechonchudo e bonitões”. Um enunciado como esse resulta, como
dissemos, de um uso absolutamente aleatório (isto é, não regrado) dos recursos flexionais de
gênero e número de que dispõe a nossa língua.
É muito provável, no entanto, que você já tenha ouvido enunciados como “Os navio
chegou agorinha mesmo no porto”, ou “Elas vende verdura nas feira da cidade”, ou “Eu não
sei fazer as lição difícil”. Enunciados como esses são típicos de variedades da língua sem
prestígio social, as chamadas variedades socialmente estigmatizadas. A primeira reação que
temos, ao ouvir tais enunciados, é a de rotulá-los como formas erradas da língua. Se os
vemos sob forma escrita, nossa reação é ainda mais negativa. No entanto, se pararmos para
pensar no que essas formas realmente indicam, veremos que são a manifestação de diferentes
mecanismos de concordância, característicos dessas variedades do Português. Nesse sentido,
essas formas são profundamente diferentes do trecho que inventamos acima, pois obedecem
a regras específicas. Vamos comparar dois enunciados, o primeiro característico do Português
padrão, ao qual é conferido prestígio social, e o segundo característico de variedades
estigmatizadas socialmente:

Os exercícios mais difíceis são os de Matemática.


Os exercício mais difícil é os de Matemática.

Observe que, do ponto de vista do sentido, os dois enunciados traduzem


exatamente a mesma idéia de plural. Não há dúvida, em nenhum dos casos, de que se está
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falando de exercícios de Matemática. A regra de marcação de plural da variedade culta do


Português exige que a idéia de plural esteja inicialmente marcada no núcleo do sintagma
(no caso, exercícios), com o qual deverão necessariamente concordar em gênero e número,
ostentando as marcas morfológicas correspondentes, os demais elementos nominais a ele
sintaticamente veiculados (no caso, o artigo os e o adjetivo difíceis). Além dessa regra de
concordância nominal, a regra de concordância verbal dessa modalidade exige também
que o verbo que constitui o núcleo do predicado verbal concorde em número e pessoa
com o núcleo do sujeito da oração (no caso, a forma verbal são está concordando com o
núcleo do sujeito, exercícios).
Já a regra de marcação de plural de determinadas variedades estigmatizadas é
diferente. Nessas variedades, recebe a marca de plural apenas o primeiro elemento do sintagma
nominal, que costuma ser o artigo. Os demais elementos aparecem em sua forma singular.
Assim, nessas variedades, o que se tem, sempre, é “os menino inteligente”, e nunca *“O
meninos inteligentes”, *“O menino inteligentes”, *“Os menino inteligentes”. Existe, portanto,
uma regra que é sempre seguida nessas variedades, e que resulta em uma marcação de plural
formalmente mais econômica do que aquela resultante da regra vigente na modalidade culta,
que exige a marcação formal da concordância nominal em todos os elementos do sintagma
nominal. Observe, a esse respeito, que a regra socialmente prestigiada, a da modalidade
culta, é exatamente a que leva a uma marcação redundante de plural, ao passo que a regra
formalmente mais econômica, que exige a marcação de plural no primeiro elemento do
sintagma, apenas é aquela socialmente estigmatizada.
A conclusão que você deve tirar dessas considerações sobre os mecanismos de
marcação da concordância nominal em diferentes variedades do Português, é que, do ponto
de vista estritamente lingüístico, não há variedades “melhores” ou “piores”. Marcar
redundamente o plural, como na variedade padrão, ou marcá-lo de maneira formalmente
mais econômica, como em variedades socialmente estigmatizadas, produz o mesmo resultado
semântico, ou seja, a interpretação, em ambos os casos, será sempre a desejada pelos falantes.
Mas onde reside, então, o problema? Por que se repete tanto na escola, que a regra de
concordância que prevê a marcação de plural em todos os elementos do sintagma – justamente
a marcação mais redundante – é a que deve ser seguida? Você já deve, a essa altura, ter
refletido sobre a questão e chegado à conclusão esperada: a escola ensina as regras de
concordância nominal e verbal que caracterizam a norma culta da língua portuguesa porque
as pessoas costumam ser socialmente avaliadas também pela maneira como usam a língua, e
– embora muito injustamente! – costumam ser discriminados os falantes das variedades
diferentes da norma. É papel da escola explicar para os alunos esses aspectos sociolingüísticos
relacionados ao uso das diversas variedades da língua, para que aqueles alunos que aprenderam
em casa alguma variedade socialmente estigmatizada não fiquem com a incômoda sensação
de que sua variedade é “pior” do que a que é ensinada na escola, ou de que é simplesmente
“errada”. Em suma, a escola deve “colocar os pingos nos is”, antes de apresentar as regras
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de concordância da modalidade culta da língua. Somente assim, percebendo a injustiça da


discriminação lingüística a que costumam ser submetidos, poderão esses alunos vencer o
sentimento de inferioridade que sempre acompanha a terrível descoberta que fazem na escola:
a de que, do ponto de vista dos falantes do Português culto, eles “não sabem falar Português
corretamente”. Assim, ainda que aceitem a injusta exigência da sociedade e passem a usar,
em contextos menos coloquiais, as regras da variedade culta, saberão sempre respeitar a
variedade que aprenderam em seu ambiente familiar.”
Para reforçar a idéia apresentada no texto acima, veja o que diz Maria Marta Pereira
Scherre (2005, p.18):

“(...) um dos papéis fundamentais dos estudiosos da linguagem é mostrar de forma


clara que fenômenos lingüísticos estruturais chamados de errados têm por detrás de si um
sistema, uma diretriz e, além disso, que fenômenos lingüísticos variáveis apresentam tendências
sistemáticas. Estudos lingüísticos de fenômenos estigmatizados podem ter, portanto, como
conseqüência imediata, a possibilidade de evidenciar que o certo considerado inerente, em
termos de linguagem, não tem razão de ser (por mais óbvio que isto possa parecer). Certo é
tudo o que está conforme às regras ou princípios de um determinado grupo dentro dos limites
do próprio grupo. Considerando isto, a falta de concordância de número pode ser errada
para o grupo que domina uma variedade lingüística que tem esta regra ou este mecanismo.
Mas para um grupo que não apresenta mecanismos de concordância em sua variedade, o
errado é exatamente uma construção que exibe todas as marcas formais explícitas de
concordância. Isto é facilmente entendido quando se trata de línguas diferentes: o português
tem concordância de número (embora variável); o inglês, não. Nem por isso o português é
considerado mais certo do que o inglês.”

Fixadas as noções a respeito das diferenças entre os mecanismos de


concordância da modalidade culta e os característicos de outras variedades do
português, podemos introduzir, na aula seguinte, o estudo das regras de concordância
da modalidade culta da língua.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABAURRE, M. L. , PONTARA, M. N. , FADEL. T. Português Língua e Literatura. São


Paulo: Moderna, 2000.
SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação lingüística, mídia e
preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

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ATIVIDADES
As atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta
“Atividades”. Após respondê-las, enviem-nas por meio do Portfólio - ferramenta do
ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas, utilize as
ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.

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