Você está na página 1de 9

Unidade 1 - A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento 71

Módulo 4 11.° Ano


A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder
e dinâmicas coloniais
1. A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento
2. A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos
3. Triunfo dos estados e dinâmicas económicas nos séculos XVII e XVIII
4. Construção da modernidade europeia

Contextualização
A Europa política dos séculos XVII e XVIII caracteriza-se pela afirmação do Estado absoluto
e burocratizado, apoiado nas conceções do absolutismo régio e na sociedade de ordens.
O Estado parlamentar está confinado ao noroeste europeu, às Províncias Unidas e à Inglaterra.
No plano económico, a dinâmica do capitalismo europeu de matriz mercantilista reforçou as
economias nacionais, fomentou os conflitos políticos e as disputas coloniais entre estados.
Na segunda metade do século XVIII, a reunião de um conjunto de condições favoráveis per-
mitiu à Inglaterra ganhar uma vantagem decisiva no arranque para a grande aventura da
industrialização e construir uma hegemonia económica, para a qual também contribuiu a
economia portuguesa e em particular o ouro do Brasil. Cronologia
No domínio cultural, os progressos científicos e técnicos e as mudanças de mentalidade sus-
citados pela filosofia das Luzes alicerçaram a construção da modernidade europeia, cujos 1580-1590
Maus anos agrícolas
princípios e valores inspiraram o projeto político, social e cultural pombalino em Portugal. sucessivos na Europa.
1618-1648
Guerra dos Trinta Anos
e epidemias.
1628-1631
Epidemia de peste na
Unidade 1 A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e Alemanha, França e no
norte de Itália.
crescimento 1640-1668
Guerra da Restauração,
entre Portugal e Espanha.
SUMÁRIO
1642-1648
– Fatores de instabilidade demográfica: as crises demográficas Guerra civil em Inglaterra.
– Os mecanismos autorreguladores 1643-1645
– Uma nova demografia a partir de meados do século XVIII Levantamentos
generalizados no sul de
França contra o fisco.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
1648-1651
- Reconhecer nas crises demográficas um fator de agravamento das condições do mundo Peste em Espanha.
rural e de perturbação da tendência de crescimento da economia europeia. 1648-1652
Guerra civil (“Fronda”)
CONCEITOS/NOÇÕES e peste em França.
Crise demográfica; Economia pré-industrial** 1665-1666
Grande peste em Londres.
* Conteúdos de aprofundamento 1690-1694
** Aprendizagens e Conceitos estruturantes Surto generalizado de
peste e fome na Europa.
72 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais

* Crise demográfica: período – Fatores de instabilidade demográfica: as crises demográficas


mais ou menos prolongado
em que o número de óbitos A irregularidade da evolução da população, traduzida na alternância de tendências de
ultrapassa o número de crescimento e recuo de ritmos e amplitudes variáveis segundo as regiões e as épocas, cons-
nascimentos: o número de
casamentos diminui, bem titui um dos traços mais distintivos da demografia de tipo antigo que caracterizou a Europa
como as taxas de dos séculos XVI a XVIII. As causas desse fenómeno são conhecidas: um equilíbrio frágil
fecundidade e natalidade,
pelo que a população entre o quantitativo da população e as subsistências; as crises demográficas* responsá-
estagna ou declina. veis por quebras populacionais acentuadas nos períodos de rutura desse equilíbrio.

As sociedades do Antigo Regime viveram numa situação de permanente escassez de


recursos alimentares. Por isso, as sociedades viam-se perante um problema caracterís-
* Economia pré-industrial: tico das economias pré-industriais*: para produzir mais eram necessários mais homens,
expressão utilizada para
mas este aumento de braços implicava também mais bocas para alimentar, logo uma
designar uma economia
que não entrou ainda na maior pressão sobre as subsistências. Dois anos consecutivos de más colheitas represen-
era da industrialização: tavam a fome generalizada, epidemias e mortes. Já elevada em anos de produção normal,
essencialmente agrária
e com um setor industrial a mortalidade atingia então níveis catastróficos e instalava-se a crise demográfica. Mesmo em
pouco importante; fraca épocas de relativa normalidade, as taxas de mortalidade eram elevadas devido a malforma-
produtividade agrícola
e industrial; persistência ções genéticas, a acidentes pré-natais (fatores endógenos)(1), à falta de higiene, aos atrasos
de laços e formas de da medicina, a uma alimentação imprópria, acidentes e contágios (fatores exógenos)(2).
exploração de natureza
feudal.
– Os mecanismos autorreguladores
Apesar das potencialidades de crescimento demográfico decorrentes da elevada taxa de
? Questões natalidade e da estrutura jovem da população, nas sociedades de Antigo Regime a taxa de
substituição ou saldo fisiológico(3) situava-se próximo da unidade. Um saldo fisiológico tão
1. Explicite as relações
entre crise alimentar escasso tornava o equilíbrio demográfico precário. Não obstante, existiam mecanismos
e crise demográfica; guerra autorreguladores, isto é, comportamentos biológicos, sociais, morais e religiosos capazes de
e demografia.
contrabalançar os efeitos de uma evolução demográfica irregular, com oscilações de cresci-
2. Enuncie os principais
mecanismos mento excessivo e quebras acentuadas. Constituíam fatores de limitação do crescimento:
autorreguladores da
– o casamento tardio (em média entre os 20 e os 30 anos), conjugado com a fraca
demografia do Antigo
Regime. esperança média de vida e a mobilização dos maridos para a guerra, limitava o
tempo das uniões matrimoniais e a capacidade reprodutora dos casais;
– o celibato definitivo (sobretudo masculino);
– os intervalos intergenésicos relativamente longos(4) (30 meses em média), os abor-
tos espontâneos e a esterilidade feminina precoce;
– a resistência aos casamentos de viúvas e a condenação das conceções pré e extra-
matrimoniais.

Por outro lado, na presença de crises demográficas o regime demográfico antigo con-
servava faculdades de recuperação:
– elevadas taxas de fecundidade e natalidade;
Fig. 1. São Francisco em
– a diminuição da idade no casamento e a sua multiplicação.
Êxtase, c. 1660 (Francisco
de Zurbarán). A morte
(1)
e os seus símbolos eram Fatores endógenos: causas anteriores ao nascimento.
(2)
uma presença constante Fatores exógenos: causas posteriores ao nascimento.
no pensamento e devoção (3)
Diferença entre a mortalidade e a natalidade, ou seja o deve e o haver na contabilidade da população.
quotidianos nos séculos (4)
Intervalos de tempo existentes entre o nascimento dos filhos. Em média eram largos e tendiam a aumentar à
XVII e XVIII. medida que novas crianças nasciam.
Unidade 1 - A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento 73

– Uma nova demografia a partir de meados do século XVIII


Em 1740 os sinais de uma nova tendência demográfica começam a desenhar-se em boa
parte da Europa Ocidental. Primeiro na Grã-Bretanha, que beneficia de uma conjuntura
económica favorável. A diminuição da mortalidade (mais nítida nos adultos, menos visível
e mais lenta nas idades infantil e juvenil) é o indicador mais significativo de uma demo-
grafia nova e explica-se pela diminuição da frequência e da violência das fomes, das epi-
demias e das guerras. Um outro indicador é o aumento da esperança média de vida(5).

Estas transformações processadas, de forma lenta e gradual, na estrutura demográ-


fica das sociedades europeias a partir de meados do século XVIII justificou a designação
de revolução demográfica. Da conjugação da baixa da mortalidade com a manutenção ou
o aumento da natalidade, devido sobretudo à diminuição da idade do casamento e a
casamentos mais numerosos, resultaram importantes ganhos populacionais(6) e foi então
possível contornar as crises demográficas e a penúria de homens que caracterizaram o
regime demográfico antigo.

N.¡
300
200
îbitos
100
50

20
10 Conce›es
5
25
20
15
Casamentos
10
5

1624 1625 1626 1627 1628 Anos

Fig. 2. Crises demográficas e casamentos. Crise de 1625-1627 em Saint-Lambert-de-Levées.

37
35,44 ? Questões
35 34,1 33,84
33,4 33,39
34,0 34,4 34,23
33,3 33,3
Por 1000 habitantes

32,36
1. A partir dos elementos
31,1 30,5 32,0 31,7
31,43
30
29,7
fornecidos, caracterize
27,5 28,8
28,2 o modelo demográfico de
27,9
26,7 25,65 tipo antigo.
26,7
25 26,0
23,14
20,33 21,65
2. Caracterize o novo
19,98 modelo demográfico,
20 20,80
relacionando-o com as
170010 20 30 40 1750 60 70 80 90 1800 10 20 30 40
êndice de natalidade
alterações verificadas na
êndice de mortalidade sociedade europeia na
Fig. 3. A revolução demográfica em Inglaterra. segunda metade do século
XVIII.

(5)
Esperança média de vida: duração média de vida previsível de um indivíduo, consoante as condições de mortalidade
que existem no seu ano de nascimento.
(6)
Este crescimento foi tão notado que suscitou reações alarmistas, destacando-se Thomas Malthus (1766-1834),
autor de Ensaio Sobre o Princípio da População (1798), onde defende que a taxa de crescimento da população segue
uma progressão geométrica e a taxa à subsistência não vai além de uma progressão aritmética, pelo que a fome seria
inevitável. A solução estaria no controlo da natalidade (celibato e casamento tardio), sobretudo para quem não
pudesse (os pobres) assegurar o seu próprio sustento e o dos seus familiares.
74 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais

Unidade 2 A Europa dos estados absolutos e a Europa dos


parlamentos
SUMÁRIO
2.1. Estratificação social e poder político nas sociedades de Antigo Regime*
2.2. A Europa dos parlamentos: sociedade e poder político

APRENDIZAGENS RELEVANTES
- Compreender os fundamentos e as formas da organização político-social do Antigo
Regime**.
- Reconhecer a importância da afirmação de parlamentos numa Europa de estados abso-
lutos**.

CONCEITOS/NOÇÕES
Antigo Regime**; Monarquia absoluta**; Ordem/estado**; Estratificação social**; Mobilidade
* Antigo Regime: do social; Sociedade de corte; Parlamento**
francês, Ancien Régime,
* Conteúdos de aprofundamento
expressão pejorativa
criada nos anos anteriores ** Aprendizagens e conceitos estruturantes
à Revolução Francesa para
designar o conjunto das
instituições políticas,
sociais e jurídicas que os
revolucionários pretendiam
substituir: monarquia 2.1. Estratificação social e poder político nas sociedades de
absoluta, privilégios da
nobreza e do clero, direitos
Antigo Regime
senhoriais, etc. Por
extensão e analogia, é um – A sociedade de ordens assente no privilégio e garantida pelo absolutismo régio
conceito utilizado pela de direito divino
historiografia para
designar o período da A sociedade europeia de Antigo Regime* (sécs. XVI-XVIII) organiza-se em três ordens ou
história europeia do século
XVI às revoluções liberais estados*: o clero, a nobreza e o terceiro estado. A cada ordem corresponde um determi-
(sécs. XVIII ou XIX, nado estatuto, que comporta ao mesmo tempo obrigações e privilégios, justificados pelo
segundo os países).
nascimento ou pela função atribuída a cada ordem. A riqueza não é um critério decisivo.
* Ordem/estado: categoria
ou corpo social tendo por O clero ocupa o primeiro lugar na hierarquia social. O prestígio e o poder espiritual e
base a função
desempenhada na temporal da Igreja junto dos poderes políticos e das sociedades modernas permitiram ao
sociedade e o nascimento, clero beneficiar da proteção dos monarcas absolutos e preservar os seus tradicionais pri-
definia-se por critérios
como a honra, o estatuto vilégios (direito canónico, imunidades, cobrança do dízimo) e manter o seu ascendente
e o prestígio atribuídos
social, cultural e religioso junto das populações.
a essa função.
* Mobilidade social: A nobreza, elite militar e fundiária, constitui o segundo estado e usufrui também de
possibilidade de alteração uma situação privilegiada na estrutura política e social do Antigo Regime.
do posicionamento ou
estatuto social de um Ao terceiro estado, a maioria da população, cabia-lhe a produção de subsistências e
indivíduo. Apesar da
relativa rigidez da o peso dos impostos. Trata-se de uma ordem não privilegiada, muito heterogénea na sua
hierarquia social, no Antigo composição e nos níveis de rendimento.
Regime abriam-se ao
terceiro estado várias vias Apesar da rigidez desta hierarquia, a verdade é que a sociedade do Antigo Regime
de ascensão social:
a entrada no clero desenvolveu uma relativa mobilidade social*. A aquisição de títulos ou de terras cuja
e o enobrecimento (por
posse enobrecesse o acesso a lugares superiores na administração do Estado ou o casa-
concessão ou aquisição de
títulos). mento eram vias possíveis de ascensão social.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 75

– Pluralidade de estratos sociais, de comportamentos e de valores


A sociedade de ordens de Antigo Regime foi adquirindo uma crescente complexidade
e uma maior mobilidade relativamente ao modelo feudal. Com efeito, a estratificação
social* englobava no interior de cada uma das ordens um conjunto diversificado de estra- * Estratificação social:
divisão da sociedade em
tos ou classes. No clero, encontramos o clero secular (papa, cardeais, bispos e párocos) estratos, classes ou
e o clero regular (ordens religiosas masculinas e femininas), o alto clero (cardeais, bis- categorias sociais
distintas.
pos e abades ou abadessas) e o baixo clero (párocos ou curas e monges).

Na nobreza encontramos também diferenças substanciais entre uma alta nobreza e


* Monarquia absoluta:
uma baixa ou pequena nobreza muito inferior àquela em níveis de vida e até de esta-
regime monárquico no qual
tuto, nobreza de corte, nobreza provincial, nobreza de toga (administração) e da nobreza o soberano se considera
legitimado por Deus
de espada (exército), por oposição à velha nobreza de sangue ou de linhagem que pro- (origem divina do poder
cura desesperadamente conservar a sua proeminência tradicional. real) para exercer o poder
soberano e absoluto, isto
No terceiro estado o principal fator de diferenciação é o critério de riqueza/pobreza, é, a jurisdição suprema,
livre de controlos ou
destacando-se a burguesia ligada às atividades mais lucrativas, como o comércio, a limitações e a centralização
dos poderes na sua pessoa
banca, a indústria e as profissões liberais e os proprietários fundiários. Abaixo desta, (sagrada).
situa-se a multidão dos explorados e subjugados pelas elites urbanas e rurais: os peque-
nos comerciantes, artífices, camponeses e os vagabundos e mendigos.
* Sociedade de corte:
A hierarquia social expressava-se também nos valores e comportamentos na vida quo- designa o conjunto
numeroso de pessoas que
tidiana. Os indicadores de diferenciação são muito diversificados e constatam-se em viviam na residência e em
domínios tão vulgares como o do vestuário, dos hábitos alimentares, da habitação, das volta do soberano (corte)
e a organização da vida
diversões, dos modos de tratamento, etc. Cada ordem possui um código de conduta pró- cortesã que se tornou
muito complexa,
prio que a identifica com a sua função e estatuto social. As diferenças obviamente mais
cerimoniosa e protocolar
nítidas distinguem os membros das ordens privilegiadas do clero e da nobreza dos não com o absolutismo
monárquico. A corte na
privilegiados do terceiro estado. Idade Moderna era o centro
do poder político da
monarquia, objeto de
– Os modelos estéticos de encenação do poder atração da nobreza
e símbolo do poder
A centralização político-administrativa da monarquia absoluta* e a natureza sagrada e prestígio do soberano.
de um rei, que comunga da Majestade e da proteção divinas e que dispõe da jurisdição O Palácio de Versalhes
constituiu o modelo dos
suprema sobre todos os seus súbditos, exigiam um espaço físico adequado. Assim, nos palácios reais. A sua
centros urbanos mais importantes dos estados, as capitais, começam a erguer-se impo- dimensão (chegou
a albergar 20 000
nentes e luxuosos palácios para albergar a casa real e o numeroso séquito dos cor- pessoas) e luxo incomuns
impressionaram todas as
tesãos.
cortes europeias.
A corte* e a vida cortesã adquiriram, com o absolutismo real, uma dimensão e impor-
tância proporcionais à imagem do poder absoluto e da autoridade suprema que os sobe-
? Questões
ranos reivindicavam para si, pretendendo inculcar nos seus súbditos e projetar para o
exterior das fronteiras do seu Estado. A corte absolutista assentava em dois pilares 1. Caracterize a sociedade
do Antigo Regime.
essenciais: o luxo e magnificência dos espaços onde se movimenta o rei e os cortesãos;
2. Identifique modelos
a hierarquia regulada por uma etiqueta rigorosa englobando as maneiras de estar, de estéticos de encenação
ou representação do poder
vestir, de falar e de gesticular, as precedências e até os divertimentos correspondendo a
absoluto na Europa nos
outras tantas formas de encenação ou representação do poder. séculos XVII e XVIII.
76 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais

– Sociedade e poder em Portugal: preponderância da nobreza fundiária


e mercantilizada
A organização e a vida da sociedade portuguesa do Antigo Regime foram profunda-
mente influenciadas por dois fenómenos que marcaram o início dos tempos modernos:
a expansão ultramarina, que transformou Portugal numa potência comercial-marítima; e
a progressiva afirmação do absolutismo régio que, sem pôr em causa a hierarquia social
Cronologia tradicional, determinou alterações significativas nos comportamentos sociais, na compo-
sição das ordens e nas relações destas com o poder.
1706-1750
Reinado de D. João V. Aos nobres que se adaptaram aos novos tempos, instalando-se nas cidades, em espe-
1720
cial na capital, na vizinhança da corte régia, o lugar ideal para obter cargos, títulos, remu-
Fundação da Academia
Real da História. nerações e outras dádivas reais, abriram-se novas fontes de enriquecimento e de valori-
1730 zação social através dos negócios, do exército e da administração do Estado. Definem-se
Construção do Mosteiro
de Mafra.
desta forma no seio da nobreza diferentes categorias funcionais: a nobreza mercantilizada
1732 (cavaleiro-mercador), ligada ao tráfico marítimo, a nobreza de espada, com funções essen-
Início da construção da cialmente militares, e a nobreza de corte, com altas funções administrativas. Numa situa-
Igreja dos Clérigos (Porto).
ção bem diferente encontram-se os fidalgos que continuam agarrados ao preconceito sobre
1733
Conclusão da Torre da o trabalho manual, vivendo na província de rendimentos fundiários (nobreza provincial).
Universidade de Coimbra.
Talha dourada barroca
da Igreja de S. Francisco – Criação do aparelho burocrático do Estado absoluto no século XVII
(Porto).
Primeira ópera portuguesa Em Portugal, o absolutismo real apresenta idênticas tendências gerais de centraliza-
em estilo italiano. ção e burocratização. As tendências centralizadoras do poder real começam a afirmar-se
1746 ainda na Baixa Idade Média e no início da Idade Moderna(1), mas o absolutismo português
Publicação do Verdadeiro
Método de Estudar, de só se estruturou verdadeiramente na segunda metade do século XVII e no século XVIII.
Verney.
1747 Essa estruturação assentou, em primeiro lugar, na reorganização da justiça. Os prin-
Início da construção do cipais tribunais do Reino – a Casa da Suplicação, a Casa do Cível, o Tribunal (ou Mesa)
palácio de Queluz.
do Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens – foram objeto de diversas
1748
Inauguração do Aqueduto reformas com vista a um controlo régio mais eficaz sobre o exercício da justiça.
das Águas Livres (Lisboa).
No que respeita à governação, o papel das cortes apagou-se quase completamente.
O infante D. Pedro – futuro D. Pedro II – dissolveu-as em 1674 por suposta ingerência
nos negócios do governo, tendo sido reunidas pela última vez em 1697-1698 para jura-
rem herdeiro da coroa o príncipe D. João.

Relativamente aos conselhos, depois de um período mais ativo que se seguiu à res-
tauração da independência, perderam a sua importância em favor de um número restrito
de secretários, favoritos do rei que trabalhavam na sua dependência direta.

A política de centralização e burocratização estendeu-se também aos assuntos econó-


micos e financeiros. Foram introduzidas profundas reformas no sistema das finanças
públicas com o objetivo de uma fiscalização mais apertada, nomeadamente sobre as
alfândegas e a arrecadação dos impostos. A criação de companhias privilegiadas e de
monopólios, tanto para o comércio como para a indústria, serviu também os objetivos de
controlo e centralização económica do absolutismo régio.

(1)
Recorde a instituição das sisas gerais por D. João I, a Lei Mental de D. Duarte, as Ordenações Afonsinas publicadas
pelo regente D. Pedro (1439-1348) e a disciplinação da nobreza por D. João II.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 77

– O absolutismo joanino Cronologia

A conjuntura económica favorável da primeira metade do século XVIII, proporcionada 1568


pelo ouro do Brasil e pela exportação do vinho para Inglaterra, deu a D. João V (1706-1750) Sublevação do príncipe
Guilherme de Orange
os meios financeiros necessários para se rodear do aparato exterior, à imagem do monarca contra o domínio espanhol;
francês Luís XIV. Enriqueceu o Paço da Ribeira, residência real à beira Tejo, em Lisboa, e início da luta dos Países
Baixos pela independência.
promoveu a construção de novos espaços palacianos, como o palácio dito “dos Bichos”,
1579
em Belém, o convento-palácio de Mafra e o monumental Aqueduto das Águas Livres União de Utrecht:
constituição das Províncias
(Lisboa). Pela riqueza ornamental e decorativa sobressaem a Biblioteca da Universidade de
Unidas (Províncias do
Coimbra e a Capela de S. João Baptista da Igreja de S. Roque, em Lisboa. Norte, calvinistas).
1581
Ao mesmo tempo, D. João V proporcionou à sua corte o luxo adequado à exaltação Declaração de
da figura de um monarca absoluto e ele próprio assumiu o papel de mecenas da vida Independência das
Províncias Unidas.
cultural, financiando o teatro, a Academia Real de História, a publicação e aquisições de
livros e a construção de bibliotecas.

Não obstante, as realizações joaninas tiveram sobretudo um caráter formal, espetacu-


lar e ornamental, não trazendo grandes inovações ao ambiente cultural tradicional no
País, onde a influência dominante dos jesuítas e da Inquisição se manteve. As novas
ideias que chegavam até nós deviam-se fundamentalmente a um grupo restrito de inte-
lectuais portugueses emigrados, os chamados “estrangeirados”.

No plano da governação, D. João V reforçou o papel da coroa, recrutando um maior


número de burocratas e intelectuais para a administração do Reino, ao mesmo tempo que
controlava a nobreza com a concessão de tenças e de outras dádivas. Restringiu a
influência política dos conselhos, transferindo esse poder para secretários. Para os finais
do seu reinado, e com a quebra nas remessas do ouro do Brasil, a crise económica, a
corrupção e a desorganização administrativa, o poder do Estado fragilizou-se e a nobreza
fortaleceu o seu poder pondo em causa os objetivos da sua política absolutista.

2.2. A Europa dos parlamentos: sociedade e poder político


– Afirmação política da burguesia nas Províncias Unidas, no século XVII
Consumada a libertação política, as Províncias Unidas, criadas em 1579 pela União de
Utrecht, integrando sete províncias do norte dos Países Baixos(2), maioritariamente calvi-
nistas, transformaram-se num espaço de liberdade e de oportunidade para todos aque-
les que eram vítimas da intolerância política e religiosa: protestantes, mouriscos, judeus,
intelectuais e políticos perseguidos pelas monarquias absolutistas europeias. Com a imi-
gração de pessoas vieram também conhecimento e capitais, preciosas mais-valias para o
seu desenvolvimento.

O sistema de monarquia absoluta dominante na Europa não se ajustava a uma socie-


dade burguesa liberal e empreendedora. A luta pela independência e a prosperidade
económica exigiam um sistema político liberal, capaz de conjugar a autonomia das cida-
des e províncias e as necessidades gerais de um Estado unificado. No cimo da hierarquia
política estavam os Estados Gerais, que se reuniam em Haia e que agrupavam os dele-
gados das diferentes províncias.

(2)
Holanda, Zelândia, Utrecht, Frísia, Groninga, Overijssel e Gueldres.
78 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais

Apoiada numa burguesia empreendedora e no papel de Amesterdão, centro econó-


mico e financeiro da Europa, e numa rede de rotas marítimas à escala mundial, as Pro-
víncias Unidas tornam-se uma república burguesa e liberal.

– Grócio e a legitimação do domínio dos mares


Afastada dos portos ibéricos, a Holanda, a mais ativa das sete Províncias Unidas,
encontrou uma alternativa: cruzar os mares e constituir um império colonial.
Fig. 1. Hugo Grócio (1583- Mas esta tarefa não era de realização pacífica. Portugal e Espanha reivindicavam, com
-1645). Jurista e diplomata
holandês. No seu Mare base na prioridade da descoberta e na doação pontifícia (reconhecidos, de uma maneira
Liberum (1609) defendeu geral, pelos outros estados europeus), o direito de exclusividade de navegação e do
a liberdade de navegação
e comércio, contra comércio com as terras e os povos integrados nos respetivos impérios coloniais.
a doutrina do Mare
Clausum, legitimada pela Mas, confiante nas capacidades da sua poderosa marinha e armada, liberta de deve-
Santa Sé, segundo a qual res morais de respeito pelas determinações papais (era protestante, maioritariamente cal-
mares e territórios
pertenciam aos seus vinista), a Holanda avançou com o seu projeto colonial. Um incidente surgido em 1603,
descobridores. a sul da península de Malaca, entre um navio português – a nau Santa Catarina – e dois
navios holandeses da poderosa Companhia Holandesa das Índias Orientais, esteve na ori-
gem da obra de Hugo Grócio (1583-1645) (Fig. 1), De Jure Praedae, onde defendeu a liber-
dade de navegação e comércio para todos os povos (doutrina do mare liberum), contes-
tando as pretensões de Portugal e de Espanha ao direito de monopólio da navegação
(mare clausum).

– Recusa do absolutismo na sociedade inglesa


Apesar da tradição de resistência ao autoritarismo monárquico, cujas raízes remontam
à célebre Magna Carta (1215)(3), os monarcas da dinastia Tudor (1485-1603) instauram o
absolutismo em Inglaterra. Em 1603, Jaime I (1603-1625), rei da Escócia e herdeiro dos
Tudor, proclama-se soberano da Grã-Bretanha e inaugura a dinastia dos Stuart (1603-
-1648). O seu reinado inicia um período de lutas violentas motivadas por conflitos de
natureza política e religiosa. Com Carlos I (1625-1649) acentuam-se as divisões entre o
* Parlamento: assembleia monarca e o Parlamento*. Em 1628, o Parlamento exige, mediante a Petição dos Direitos
representativa: na Baixa
(Bill of Rights), garantias face às detenções arbitrárias e aos impostos.
Idade Média e Moderna, os
parlamentos eram
compostos por
A sublevação dos católicos irlandeses (“matança do Ulster”, 1641) e a detenção de
representantes designados alguns dos principais deputados precipitam a guerra civil (1642-1648), que vai confron-
pelas ordens; na Época
Contemporânea,
tar os partidários da coroa, os “Cavaleiros” e os partidários do Parlamento, conhecidos
a representação política por “Cabeças Redondas”(4). Desta guerra sai vencedor o Parlamento, cujas forças eram
resulta do sufrágio.
comandadas por Olivier Cromwell (1599-1658). Carlos I é executado em 1649 e a monar-
quia abolida. Instaurado o regime republicano (Commonwealth) (1649-1660), a Ingla-
terra passa a ser governada pelo Parlamento.

(3)
Magna Carta (1215): imposta pela aristocracia inglesa ao rei João Sem Terra que ficava obrigado a respeitar as leis
tradicionais e os privilégios da nobreza, a consultar o Tribunal do Rei antes de lançar impostos, a não mandar pren-
der ou condenar alguém sem ser julgado.
(4)
“Cabeças Redondas” (Roundheads): assim designados pelo uso do cabelo muito curto, segundo um uso muito comum
entre os puritanos.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 79

Todavia, não por muito tempo. Em 1653, Cromwell assume o título vitalício de Lord Cronologia
Protector, dissolve o Parlamento, inicia uma ditadura pessoal. A sua morte, em 1658,
Inglaterra
abriria caminho à restauração da monarquia com Carlos II (1660-1685), filho do rei deca- 1625-1649
pitado em 1649. Recomeçam as tensões entre a Coroa e o Parlamento. Recusa do absolutismo:
lutas entre a Coroa
A Carlos II sucedeu Jaime II (1685-1688), católico, que tenta a restauração oficial do e o Parlamento.
1628
catolicismo. A reação anglicana irrompe de forma violenta, a oposição parlamentar soli-
O Parlamento impõe
cita a intervenção de Guilherme III de Orange (statouther da Holanda, casado com a filha a Carlos I a Petição de
Direitos (Bill of Rights).
mais velha do rei inglês) e oferece-lhe a coroa inglesa. Jaime II foge para França. Termi-
1642-1648
nava desta forma a pacífica “Revolução Gloriosa” (Glorious Revolution) de 1688, da qual Guerra Civil (Coroa vs.
resultaram importantes consequências: Parlamento).
1649
– a Declaração dos Direitos (Declaration of Rights) de 1689, que impõe importantes Execução de Carlos I
limitações ao poder real; e abolição da Monarquia.
1649-1660
– a divisão de poderes; Regime republicano
(Commonwealth).
– a consagração da superioridade da lei sobre a vontade do rei, isto é, uma monar-
1660-1685
quia controlada pelo Parlamento, ou seja, uma antecipação do regime parlamentar. Restauração da Monarquia
(Carlos II).
1679
– Locke e a justificação do parlamentarismo Publicação do Habeas
Corpus Act.
John Locke(5) (1632-1704) refutou a doutrina do direito divino dos reis defendida pelo
1688
absolutismo. Retomou a doutrina do contrato social, que fundamentou com os seguintes Revolução Gloriosa
(Glorious Revolution).
argumentos:
1689
– o direito de governar vem do consentimento dos governados; Declaração dos Direitos
(Declaration of Rights).
– se um governo tentar governar de forma absoluta e arbitrária, se violar os direitos
naturais do indivíduo pode ser legitimamente derrubado;
– os direitos do indivíduo são absolutos e universais e, como tal, são sagrados, invio-
láveis.

Paralelamente, defendeu a superioridade do poder legislativo sobre o poder executivo,


a supremacia das leis naturais (liberdade, propriedade e segurança) sobre as humanas e
a tolerância religiosa.

(5)
Locke: autor de Dois Tratados sobre o Governo (1689), é considerado como o teórico da “Revolução Gloriosa” inglesa
(1688-1689) e um defensor do parlamentarismo.

Você também pode gostar