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Contextualização
A Europa política dos séculos XVII e XVIII caracteriza-se pela afirmação do Estado absoluto
e burocratizado, apoiado nas conceções do absolutismo régio e na sociedade de ordens.
O Estado parlamentar está confinado ao noroeste europeu, às Províncias Unidas e à Inglaterra.
No plano económico, a dinâmica do capitalismo europeu de matriz mercantilista reforçou as
economias nacionais, fomentou os conflitos políticos e as disputas coloniais entre estados.
Na segunda metade do século XVIII, a reunião de um conjunto de condições favoráveis per-
mitiu à Inglaterra ganhar uma vantagem decisiva no arranque para a grande aventura da
industrialização e construir uma hegemonia económica, para a qual também contribuiu a
economia portuguesa e em particular o ouro do Brasil. Cronologia
No domínio cultural, os progressos científicos e técnicos e as mudanças de mentalidade sus-
citados pela filosofia das Luzes alicerçaram a construção da modernidade europeia, cujos 1580-1590
Maus anos agrícolas
princípios e valores inspiraram o projeto político, social e cultural pombalino em Portugal. sucessivos na Europa.
1618-1648
Guerra dos Trinta Anos
e epidemias.
1628-1631
Epidemia de peste na
Unidade 1 A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e Alemanha, França e no
norte de Itália.
crescimento 1640-1668
Guerra da Restauração,
entre Portugal e Espanha.
SUMÁRIO
1642-1648
– Fatores de instabilidade demográfica: as crises demográficas Guerra civil em Inglaterra.
– Os mecanismos autorreguladores 1643-1645
– Uma nova demografia a partir de meados do século XVIII Levantamentos
generalizados no sul de
França contra o fisco.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
1648-1651
- Reconhecer nas crises demográficas um fator de agravamento das condições do mundo Peste em Espanha.
rural e de perturbação da tendência de crescimento da economia europeia. 1648-1652
Guerra civil (“Fronda”)
CONCEITOS/NOÇÕES e peste em França.
Crise demográfica; Economia pré-industrial** 1665-1666
Grande peste em Londres.
* Conteúdos de aprofundamento 1690-1694
** Aprendizagens e Conceitos estruturantes Surto generalizado de
peste e fome na Europa.
72 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
Por outro lado, na presença de crises demográficas o regime demográfico antigo con-
servava faculdades de recuperação:
– elevadas taxas de fecundidade e natalidade;
Fig. 1. São Francisco em
– a diminuição da idade no casamento e a sua multiplicação.
Êxtase, c. 1660 (Francisco
de Zurbarán). A morte
(1)
e os seus símbolos eram Fatores endógenos: causas anteriores ao nascimento.
(2)
uma presença constante Fatores exógenos: causas posteriores ao nascimento.
no pensamento e devoção (3)
Diferença entre a mortalidade e a natalidade, ou seja o deve e o haver na contabilidade da população.
quotidianos nos séculos (4)
Intervalos de tempo existentes entre o nascimento dos filhos. Em média eram largos e tendiam a aumentar à
XVII e XVIII. medida que novas crianças nasciam.
Unidade 1 - A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento 73
N.¡
300
200
îbitos
100
50
20
10 Concees
5
25
20
15
Casamentos
10
5
37
35,44 ? Questões
35 34,1 33,84
33,4 33,39
34,0 34,4 34,23
33,3 33,3
Por 1000 habitantes
32,36
1. A partir dos elementos
31,1 30,5 32,0 31,7
31,43
30
29,7
fornecidos, caracterize
27,5 28,8
28,2 o modelo demográfico de
27,9
26,7 25,65 tipo antigo.
26,7
25 26,0
23,14
20,33 21,65
2. Caracterize o novo
19,98 modelo demográfico,
20 20,80
relacionando-o com as
170010 20 30 40 1750 60 70 80 90 1800 10 20 30 40
êndice de natalidade
alterações verificadas na
êndice de mortalidade sociedade europeia na
Fig. 3. A revolução demográfica em Inglaterra. segunda metade do século
XVIII.
(5)
Esperança média de vida: duração média de vida previsível de um indivíduo, consoante as condições de mortalidade
que existem no seu ano de nascimento.
(6)
Este crescimento foi tão notado que suscitou reações alarmistas, destacando-se Thomas Malthus (1766-1834),
autor de Ensaio Sobre o Princípio da População (1798), onde defende que a taxa de crescimento da população segue
uma progressão geométrica e a taxa à subsistência não vai além de uma progressão aritmética, pelo que a fome seria
inevitável. A solução estaria no controlo da natalidade (celibato e casamento tardio), sobretudo para quem não
pudesse (os pobres) assegurar o seu próprio sustento e o dos seus familiares.
74 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
APRENDIZAGENS RELEVANTES
- Compreender os fundamentos e as formas da organização político-social do Antigo
Regime**.
- Reconhecer a importância da afirmação de parlamentos numa Europa de estados abso-
lutos**.
CONCEITOS/NOÇÕES
Antigo Regime**; Monarquia absoluta**; Ordem/estado**; Estratificação social**; Mobilidade
* Antigo Regime: do social; Sociedade de corte; Parlamento**
francês, Ancien Régime,
* Conteúdos de aprofundamento
expressão pejorativa
criada nos anos anteriores ** Aprendizagens e conceitos estruturantes
à Revolução Francesa para
designar o conjunto das
instituições políticas,
sociais e jurídicas que os
revolucionários pretendiam
substituir: monarquia 2.1. Estratificação social e poder político nas sociedades de
absoluta, privilégios da
nobreza e do clero, direitos
Antigo Regime
senhoriais, etc. Por
extensão e analogia, é um – A sociedade de ordens assente no privilégio e garantida pelo absolutismo régio
conceito utilizado pela de direito divino
historiografia para
designar o período da A sociedade europeia de Antigo Regime* (sécs. XVI-XVIII) organiza-se em três ordens ou
história europeia do século
XVI às revoluções liberais estados*: o clero, a nobreza e o terceiro estado. A cada ordem corresponde um determi-
(sécs. XVIII ou XIX, nado estatuto, que comporta ao mesmo tempo obrigações e privilégios, justificados pelo
segundo os países).
nascimento ou pela função atribuída a cada ordem. A riqueza não é um critério decisivo.
* Ordem/estado: categoria
ou corpo social tendo por O clero ocupa o primeiro lugar na hierarquia social. O prestígio e o poder espiritual e
base a função
desempenhada na temporal da Igreja junto dos poderes políticos e das sociedades modernas permitiram ao
sociedade e o nascimento, clero beneficiar da proteção dos monarcas absolutos e preservar os seus tradicionais pri-
definia-se por critérios
como a honra, o estatuto vilégios (direito canónico, imunidades, cobrança do dízimo) e manter o seu ascendente
e o prestígio atribuídos
social, cultural e religioso junto das populações.
a essa função.
* Mobilidade social: A nobreza, elite militar e fundiária, constitui o segundo estado e usufrui também de
possibilidade de alteração uma situação privilegiada na estrutura política e social do Antigo Regime.
do posicionamento ou
estatuto social de um Ao terceiro estado, a maioria da população, cabia-lhe a produção de subsistências e
indivíduo. Apesar da
relativa rigidez da o peso dos impostos. Trata-se de uma ordem não privilegiada, muito heterogénea na sua
hierarquia social, no Antigo composição e nos níveis de rendimento.
Regime abriam-se ao
terceiro estado várias vias Apesar da rigidez desta hierarquia, a verdade é que a sociedade do Antigo Regime
de ascensão social:
a entrada no clero desenvolveu uma relativa mobilidade social*. A aquisição de títulos ou de terras cuja
e o enobrecimento (por
posse enobrecesse o acesso a lugares superiores na administração do Estado ou o casa-
concessão ou aquisição de
títulos). mento eram vias possíveis de ascensão social.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 75
Relativamente aos conselhos, depois de um período mais ativo que se seguiu à res-
tauração da independência, perderam a sua importância em favor de um número restrito
de secretários, favoritos do rei que trabalhavam na sua dependência direta.
(1)
Recorde a instituição das sisas gerais por D. João I, a Lei Mental de D. Duarte, as Ordenações Afonsinas publicadas
pelo regente D. Pedro (1439-1348) e a disciplinação da nobreza por D. João II.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 77
(2)
Holanda, Zelândia, Utrecht, Frísia, Groninga, Overijssel e Gueldres.
78 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
(3)
Magna Carta (1215): imposta pela aristocracia inglesa ao rei João Sem Terra que ficava obrigado a respeitar as leis
tradicionais e os privilégios da nobreza, a consultar o Tribunal do Rei antes de lançar impostos, a não mandar pren-
der ou condenar alguém sem ser julgado.
(4)
“Cabeças Redondas” (Roundheads): assim designados pelo uso do cabelo muito curto, segundo um uso muito comum
entre os puritanos.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 79
Todavia, não por muito tempo. Em 1653, Cromwell assume o título vitalício de Lord Cronologia
Protector, dissolve o Parlamento, inicia uma ditadura pessoal. A sua morte, em 1658,
Inglaterra
abriria caminho à restauração da monarquia com Carlos II (1660-1685), filho do rei deca- 1625-1649
pitado em 1649. Recomeçam as tensões entre a Coroa e o Parlamento. Recusa do absolutismo:
lutas entre a Coroa
A Carlos II sucedeu Jaime II (1685-1688), católico, que tenta a restauração oficial do e o Parlamento.
1628
catolicismo. A reação anglicana irrompe de forma violenta, a oposição parlamentar soli-
O Parlamento impõe
cita a intervenção de Guilherme III de Orange (statouther da Holanda, casado com a filha a Carlos I a Petição de
Direitos (Bill of Rights).
mais velha do rei inglês) e oferece-lhe a coroa inglesa. Jaime II foge para França. Termi-
1642-1648
nava desta forma a pacífica “Revolução Gloriosa” (Glorious Revolution) de 1688, da qual Guerra Civil (Coroa vs.
resultaram importantes consequências: Parlamento).
1649
– a Declaração dos Direitos (Declaration of Rights) de 1689, que impõe importantes Execução de Carlos I
limitações ao poder real; e abolição da Monarquia.
1649-1660
– a divisão de poderes; Regime republicano
(Commonwealth).
– a consagração da superioridade da lei sobre a vontade do rei, isto é, uma monar-
1660-1685
quia controlada pelo Parlamento, ou seja, uma antecipação do regime parlamentar. Restauração da Monarquia
(Carlos II).
1679
– Locke e a justificação do parlamentarismo Publicação do Habeas
Corpus Act.
John Locke(5) (1632-1704) refutou a doutrina do direito divino dos reis defendida pelo
1688
absolutismo. Retomou a doutrina do contrato social, que fundamentou com os seguintes Revolução Gloriosa
(Glorious Revolution).
argumentos:
1689
– o direito de governar vem do consentimento dos governados; Declaração dos Direitos
(Declaration of Rights).
– se um governo tentar governar de forma absoluta e arbitrária, se violar os direitos
naturais do indivíduo pode ser legitimamente derrubado;
– os direitos do indivíduo são absolutos e universais e, como tal, são sagrados, invio-
láveis.
(5)
Locke: autor de Dois Tratados sobre o Governo (1689), é considerado como o teórico da “Revolução Gloriosa” inglesa
(1688-1689) e um defensor do parlamentarismo.