Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
impressos não apenas um meio eficaz de se espraiar, mas também sua própria
configuração como comunidade política. Essa é uma ideia que Anderson apresenta,
decerto influenciado por McLuhan (2011) e suas teses sobre como os meios de
comunicação geram efeitos sociais e psicológicos que invariavelmente, ainda que não
previsivelmente, alteram os modos de viver — pensamento sintetizado na famosíssima
máxima o meio é a mensagem. Ao usar tais ideias para estudar o nacionalismo, sobretudo
o nacionalismo pioneiro dos criollos da América Espanhola, Anderson compreende que
formas populares do mercado de impressos, como o jornal e o romance, mudaram e
conectaram as noções de tempo, de fraternidade e de poder, criando então contexto
favorável para que o público leitor de determinado território se percebesse como
vinculado, mesmo que aquelas pessoas não se conhecessem ou que a existência de uma
delas não influenciasse diretamente na da outra. Não por acaso, Anderson chama essa
forma de vinculação de comunidade imaginada.
Todavia o próprio Anderson admite que “qualquer comunidade maior que a aldeia
primordial do contato face a face (e talvez mesmo ela) é imaginada” (ANDERSON, 2008,
p. 33). Uma comunidade nacional, portanto, seria reconhecida por dois outros aspectos.
Ela também é limitada, ou seja, possui fronteiras finitas, ainda que elásticas, que a
separam de outras nações; e é ainda soberana, porque não admite autoridade maior do
que ela própria. Basta lembrar que a consagração do povo como chefe supremo da nação,
um dos pilares do nacionalismo até os dias de hoje, significou na origem a recusa da
submissão ao rei e à igreja, as tradicionais figuras de poder da Europa à época do
surgimento das primeiras comunidades nacionais. E todos conhecemos os rostos daqueles
que orientaram a ascensão do nacionalismo: os burgueses europeus, os mais interessados
em deslegitimar ou, no mínimo, reduzir os poderes reais e clericais, como se viu acontecer
na Revolução Francesa de 1789.
A burguesia, ao contrário, até por ser quantitativamente maior, não dispunha desse
tipo de vínculo. Um dono de fábrica do oeste e outro do leste de determinado país, não
estando unidos pela família, nem pelo dinheiro, nem pelo lugar, só poderiam se sentir
ligados por uma base imaginada, que na Europa multilíngue foi dada não só pelas formas
e conteúdos do que circulava no mercado editorial, mas também pela língua em que se
imprimiam tais publicações.
Não obstante a importância atribuída pelas classes burguesas aos livros e aos
jornais, seu diletantismo e o cultivo da erudição não justificam a revolução que o
capitalismo tipográfico europeu experimentou no século XIX, nem as mudanças políticas
que ele ajudou que se realizassem, promovidas pelas intelligentsias de cada país.
Conforme Anderson e Hobsbawm, as necessidades do Estado-nação foram o que mais
afetou o cenário cultural da época. A nova máquina estatal que a burguesia estava
construindo demandava um numeroso corpo burocrático, gente que fosse capaz de falar
e de escrever na língua oficial e que fosse minimamente preparada para lidar com a
administração pública. Para suprir tais carências, surgiu aquilo que poderíamos descrever
como circuito de inflação nacionalista. Um conjunto de ações que, buscando viabilizar o
Estado-nação, acabava por popularizar o nacionalismo, valendo-se da educação como
instrumento propagador.