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Apontamentos sobre a análise do planejamento e a observação da aula1

Estamos partindo do ponto de vista da aula de história como texto (MATTOS,


2006)2, parâmetro que usamos para analisar tanto o planejamento como a aula.
Nessa análise, damos atenção a alguns aspectos, comentados a seguir.

Como todo texto, a aula também tem uma temática, que é geralmente expressa
na forma de um título, que pode mais ou menos despertar o interesse dos
leitores, no nosso caso, as/os alunas/os. O primeiro desafio que se coloca é: qual
a possibilidade de a temática da aula despertar interesse nas/os alunas/os? Ela
tem relação com a contemporaneidade, com a vida delas/es, ainda que
indiretamente? De que tempo a/o professora/o parte para iniciar a aula? Do
presente ou do passado? Em que medida a/o professora/o usa estratégias para
gerar condição de sentido em torno da temática proposta para a aula?

Num ensino de história como produção de sentido (PINHEIRO; SANTOS,


2006)3, logo se observa a necessidade em realizar recortes, já que muitos dos
objetos do currículo oficial de história pouco ou nada dialogam com a sociedade
contemporânea. Em outras palavras, apesar da retórica, tais currículos ou
referenciais curriculares oficiais (BNCC, DCRB, livros didáticos usados pelas
escolas) demonstram pouca preocupação com o valor de orientação social do
conhecimento histórico escolar. O resultado disso é que a/o professora/o sente-
se obrigada/o a ensinar algo, cuja importância é quase sempre posta em dúvida
pelas/os alunas/os. No máximo, eles veem sentido em aprender história pela
necessidade em responder testes e provas, uma aprendizagem mecânica,
forçada, que dificulta muito o trabalho docente.

Nunca é demais lembrar que a história ensinada nas escolas não deveria buscar
a formação de pequenas/os historiadoras/es, mas a formação de cidadãos
comuns, que almeja aprender uma certa cultura histórica, capaz de lhe servir de
suporte para enfrentar os desafios da vida em sociedade. Por essa razão, não é
qualquer passado que interessa no ensino de história na educação básica, mas
aquele que dialoga mais diretamente com o presente, por isso é importante que
a/o professora/o faça seus próprios recortes diante das imposições curriculares
oficiais. Para tanto, vale a pena considerar a advertência que Mendes (2013)4
faz sobre o significado do ato de selecionar, sobretudo numa prática de estágio:

Selecionar é antes de tudo fazer recortes a partir de problematizações


e temáticas, considerando diversas variáveis tais como: demanda

1 Texto produzido com exclusiva finalidade didática, para a discussão na disciplina Estágio
Supervisionado – Ensino Fundamental, ministrada pelo professor José G R Pinheiro.
2 MATTOS, Ilmar Rohloff de. “Mas não somente assim!” leitores, autores, aulas como texto e

ensino-aprendizagem em História. Disponível em:


https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=167013395002, acesso em 28/07/2021.
3 PINHEIRO, José. G. R.; SANTOS, Stella R. Linguagem e práticas no ensino de história.

Salvador: Quarteto, 2006.


4 MENDES, Sandra Regina. A elaboração dos planos de curso e de aula e a Incorporação dos

conceitos de “a aula como texto” e “sequências de ensino”. In: XXVII Simpósio Nacional de
História. 2013. Disponível:
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371329736_ARQUIVO_ANPUH2013REVS
ANDRAREGINAMENDES.pdf
social, política, idade dos alunos, série, tempo, recursos didáticos,
dentre outros. É fazer escolhas, assumindo-se como autor da narrativa
que será construída em sala de aula. Isso não significa que é
necessário romper completamente com o currículo estabelecidos pelos
órgãos de ensino e nem mesmo desconsiderar a proposta do livro
didático adotado. O que se coloca em questão é intervir neste universo
com o compromisso de dar significado ao que está sendo ensinado,
viabilizando a aprendizagem e compreensão do mundo através de
novas abordagens (MENDES, 2013, p.4)

Por outro lado, a preocupação com a participação da/o aluna/o na aula não deve
ficar restrita ao sentido valorativo do objeto de ensino. Portanto, além desse
exercício inicial de literalmente (re)selecionar os objetos de ensino, deve-se
pensar em estratégias complementares para continuar incentivando o
envolvimento dela/e ao longo da aula. Para tanto, a/o professora/o continua
apostando nas relações presente-passado, passado-presente? Mobiliza os
saberes dos alunos para dialogar com o passado? Usa mediadores (fontes de
época; produções secundárias diversas; material didático etc.) para romper a
aula meramente expositiva5? De que maneira? Simplesmente explica-os de
maneira monológica ou enfrenta o desafio de provocar a interpretação coletiva?
Por isso é importante elaborar roteiro de interpretação desses mediadores,
lançando questões e perguntas sobre seu conteúdo e forma. Não adianta, por
exemplo, fazer uma aula sobre Independência do Brasil, com base no quadro de
Pedro América, explicando para eles o conteúdo/forma da obra artística, ao invés
de mediar sua interpretação coletiva.

Durante a aula, ao desenvolver a explicação/compreensão do assunto ou dos


mediadores, é comum o uso de conceitos e de diferentes noções de tempo, isso
faz parte da operação historiográfica escolar.

Com relação aos primeiros, os conceitos, de que forma são usados na aula,
como ferramentas de leitura ou como produtos acabados, que se confundem
com a própria realidade passada? Há a preocupação em decifrar o seu
significado, de que maneira? De modo artificial, como se fossem retirados de um
dicionário, ou como operação de sentido, ao buscar relação com a cultura dos
alunos?

Quanto ao tempo histórico, há preocupação em mostrar a historicidade do objeto


estudado, deixando claro que ele muda e permanece ao mesmo tempo? Que
tais mudanças obedecem a diferentes ritmos? Que o passado pode ser
comparado com o presente, para gerar sentido, mas desde que haja atenção às
diferenças e rupturas?

Como estamos defendendo aqui a ideia de aula de história como texto, algumas
perguntas são necessárias: a aula forma um todo coerente, em que discursos e
práticas aparecem interligados e coerentes com a exploração da temática? As
sequências didáticas propostas refletem essa preocupação com a conexão entre
seus diferentes momentos? E com relação às/aos alunas/os, como reagem à
proposta da aula? Participam pouco ou muito? O objeto de ensino da aula
aparece como efeito de interação intersubjetiva em torno de mediadores ou de

5
Não confundir aula meramente expositiva com exposição em aula.
transmissão mecânica, de aula simplesmente expositiva? A/o professora/o
provoca a interpretação coletiva ou é uma/o mera/o explicadora/o monológica/o?
Que ideia de autoria está subjacente à aula? Individual ou coletiva?

Reconhecemos que a aula de história como texto, como síntese de relações de


sentido é um desafio permanente, mesmo para as/os docentes mais
experimentadas/os, pois se trata de um texto complexo, porque ao vivo e
coletivo. Sendo assim, devemos encarar suas dificuldades como um convite à
reflexão.

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