Você está na página 1de 78

+

Maria Livia São Marcos Todo concerto é importante!

VIOLAO
Ano 2 - Número 8 - Abril 2016
www.violaomais.com.br

Exclu
Curso sivo!
de vio
popu lão
com v lar
ídeoa
ulas

Conrado E mais:
Paulino Sérgio Abreu, Paganini e Sor
A lira de Creta
Padronização de notações

Versatilidade total!
O Picado no Flamenco
Padrões para improvisação

Eugenio Becherucci A música contemporânea para violão


editorial
Quente, muito quente!
Neste mês de abril, de calor acima da média, comemoramos mais uma edição, sempre
procurando fazer o nosso melhor. A felicidade de poder dividir com você, leitor, o que
juntamos nesta edição, é enorme. Com a proposta ambiciosa de oferecer o que de
melhor há em informação para você, colaboradores chegam a cada edição, para dar
continuidade a este nosso projeto. E esta edição vem quente, como a primeira quinzena
de abril. Em nossa capa, o simpaticíssimo Conrado Paulino, grande violonista, guitarrista
e compositor, contando sua trajetória como instrumentista e professor, além dos planos
para o futuro. O retrato do mês é de Maria Lívia São Marcos, concertista pioneira, que
tocou com as melhores orquestras do mundo, além de lecionar durante 37 anos em uma
das instituições mais respeitadas do mundo, o Conservatório de Genebra. Um pouco
da sua vida musical, da sua experiência e dos seus novos projetos estão contados
aqui. Uma terceira entrevista, com o violonista, professor e compositor italiano Eugenio
Becherucci, traz o universo da música contemporânea para o violão. Dentre suas
influências, Stravinski e Frank Zappa. Não dá para perder! As colunas estão ótimas,
elaboradas com muito carinho. Na viagem
dos instrumentos de cordas pelo mundo,
chegamos à ilha de Creta! Villa-Lobos é
o assunto da coluna Como tocar. Os que
acompanham a coluna Iniciantes, já estão
fazendo escalas. Carlos Walter e seu
trabalho com músicas que acompanham
a gestação do seu filho, mês a mês, está
em Você na V+. Na coluna No player, um
disco fabuloso do grande Sérgio Abreu,
tocando Paganini e Sor. Fantástico. E
por aí vai... Enfim, mais uma edição, feita
com muito carinho, como você merece.
Espero que goste!

Luis Stelzer
Editor-técnico

VIOLAO Ano 2 - N° 08 - Abril 2016


+
Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus
autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui
Editor-técnico
Luis Stelzer
editor@violaomais.com.br

Colaboraram nesta edição


Alex Lameira, Breno Chaves, Cleber Assumpção,
Eduardo Padovan, Fabio Miranda,
Flavio Rodrigues, Luisa Fernanda Hinojosa Streber,
desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado Reinaldo Garrido Russo, Ricardo Luccas,
para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo Valéria Diniz e Thales Maestre
dos anúncios publicados.
índice

20 44 51
Conexão Como Siderurgia
Internacional Estudar
30 46 54
Mundo Sete Cordas Em grupo

4 60
Você na V+ Flamenco

6 62
No Player Iniciantes

72
De Ouvido

76
Coda

8 32 66
Retrato Conrado Viola Caipira
Paulino
18 70
Vitrine Improvisação

Publisher e jornalista responsável Foto de capa


Nilton Corazza (MTb 43.958) Gal Oppido
publisher@violaomais.com.br
Publicidade/anúncios
Gerente Financeiro comercial@violaomais.com.br
Regina Sobral
financeiro@violaomais.com.br Contato
contato@violaomais.com.br Rua Nossa Senhora da Saúde, 287/34
Diagramação Jardim Previdência - São Paulo - SP
Sergio Coletti Sugestões de pauta CEP 04159-000
arte@violaomais.com.br redacao@violaomais.com.br Telefone: +55 (11) 3807-0626
você na violão+
Ansiedade
Simplesmente fora de série, é um
arraso esta “revista didática”. Sempre
fico ansioso pela próxima... (Mário
Inácio de Oliveira, em nossa página no
Facebook)

Iniciantes
Maravilhosa a aula Ricardo Luccas -
Iniciantes - Violão+ 07, tanto da técnica
da mão esquerda como toda a matéria
até aqui. Parabéns Ricardo Luccas e
toda a equipe de Violão+ (Fernando
Alves, em nosso canal do Youtube)

Flavio Rodrigues - Flamenco


Parabéns! Bem didático e prático!
(MohorCazu em nosso canal do Youtube)

Mostre todo seu talento!


Os violonistas do Brasil têm espaço garantido em nossa revista.
Como participar:
1. Grave um vídeo de sua performance.
2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de
transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt.
3. Envie o link, acompanhado de release e foto para o endereço editor@violaomais.com.br
4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Violão+, com
direito a entrevista e publicação de release e contato.

Violão+ quer conhecer melhor você, saber sua


opinião e manter comunicação constante, trocando
experiências e informações. E suas mensagens
podem ser publicadas aqui! Para isso, acesse,
curta, compartilhe e siga nossas páginas nas redes sociais clicando nos ícones acima. Se
preferir, envie críticas, comentários e sugestões para o e-mail contato@violaomais.com.br

4 • VIOLÃO+
você na violão+

Gestação
O mineiro Carlos Walter traz um trabalho muito original, chamado Calendário do Afeto,
em que mostra grandes qualidades, não só como instrumentista, mas também como
compositor. Trata-se de uma suíte para violão solo com nove movimentos alusivos aos
meses de gestação, concebido ao longo da gravidez do seu primeiro filho. O resultado,
fantástico, está registrado em CD/E-Songbook. A direção musical foi realizada pela
violonista franco-venezuelana Elodie Bouny e o encarte abriga textos de apresentação
de Ulisses Rocha, Juarez Moreira eYamandu Costa, entre outros. Além do áudio, o
CD abriga um arquivo em PDF com o livro de partituras, cifras e tablaturas das peças
disponível para download no Acervo Digital do Violão Brasileiro. O referido trabalho
recebeu menção honrosa e classificou Carlos na categoria melhores instrumentistas de
2015 do Prêmio Melhores da Música Brasileira.

VIOLÃO+ • 5
NO PLAYER Por Luis Stelzer

Sérgio Abreu
interpreta
Paganini e Sor
Sabe um disco que muda a sua vida? Muitos falam
de sua banda de rock favorita. Eu mesmo tenho,
na verdade, a felicidade de dizer que muitos discos
mudaram a minha vida. Este, porém, é diferente

Tinha algum contato com violão bem (quem tem a minha idade, conhece
tocado por meiro de alguns colegas de esse procedimento). Na outra semana,
colégio, que estudavam clássico. Fui comentei com o Giácomo. Ele olhou
estudar e, depois de algum tempo de para mim e disse: “nem me fale em
conservatório, ingressei na faculdade. que prateleira você o escondeu, senão
Estava no primeiro ano da Faculdade de eu vou lá agora e compro antes de
Música. Curso noturno, trabalhando em você! Eu não tenho este disco, ele está
outra profissão. A aula de instrumento, esgotado, o Sérgio Abreu é o melhor
com o mestre Giácomo Bartoloni, era violonista do mundo, já parou de tocar
no sábado pela manhã. e disse que não vai deixar lançar nada
Tudo ótimo, mas não havia nenhum novamente. Então, corre lá!”.
disco de violão em minha casa. Repito: Obedeci. Com tantas informações
nenhum! Fui a uma loja no centro de recebidas de um só fôlego, fui, com
São Paulo, que muita gente conhece: a medo de não achar o tesouro. Ele
Baratos & Afins. Gostava de ir lá, ficar estava lá, me esperando. Corri para
mexendo nos discos, vendo capas de casa, para ouvir a maravilha. Começam
LPs. Podia ficar horas fazendo isso. os primeiros toques da “Sonata em Lá
De repente, vejo este disco de Sérgio Maior”, do Paganini. Caí no chão! Não
Abreu. Eu nem sabia quem era Sérgio acreditava. Quase estraguei o disco de
Abreu. Não comprei na hora, mas tanto ouvir só o primeiro movimento. E
“escondi” o disco no fundo da prateleira ele não é curto, são quase dez minutos,
6 • VIOLÃO+
NO PLAYER
em Allegro Risoluto, sem um vacilo, Ouvi só uma vez. Estava totalmente
imponente, rápido, preciso. Como um consumido. Olhei para o meu violão e
adolescente, procurei imperfeições, pensei: isso não dá para fazer... Fiquei
alguma falha, algo que pudesse parecer uns três dias sem tocar! Nem ouvi o
humano. Nada. Perfeição absoluta. lado B, com estudos de Sor, nesse dia.
Pensei: “ah, isso foi no estúdio, ele Pensei: são estudos, apenas. Depois
deve ter gravado por trechos!”. Ao ler de alguns dias, ouvi. Novamente fui
a contracapa do disco, fiquei sabendo ao chão, absolutamente encantado
que Sérgio não permitia edições nas com a beleza de cada um. Ali, estava
gravações. Aliás, uma das coisas mais um universo possível para o violonista
legais dos discos eram as contracapas de primeiro ano de Faculdade. Dizem
e as fichas técnicas. E, neste disco, que quem estuda Sor faz boa coisa.
com uma belíssima crítica do Alberto Concordo. Fiz as pazes com o violão,
Jaffé. fui para a aula feliz, sabendo que tinha
Cansado, fui ao segundo movimento, muita, mas muita coisa mesmo, pela
Romanza. O timbre muda frente.
completamente. Suave, doce, como Depois de muito tempo, muitos
deve ser o romântico. Que limpeza, professores, muitos alunos, da
que qualidade, que interpretação... A experiência de ter conhecido o Sérgio
melodia na ponta do arpejo, executada Abreu, saber da sua história, ver suas
como se fossem dois violões. Eu entrevistas, tocar nos instrumentos que
olhava a capa do disco, lia e relia a constrói, ouvir seus outros trabalhos
contracapa. Era verdade: um violão só. (até vídeos dele e de seu irmão Eduardo
Claro, a minha inexperiência e pouca sendo redescobertos!), da influência
vivência fazia que certas impressões de sua professora Monina Távora, vejo
saltassem exageradamente. Depois vi como foi importante este disco. Para
que, sim, é possível tocar esse arpejo quem não conhece, está mais que na
com a melodia na ponta e parecer que hora de fazê-lo. Só aviso uma coisa: o
são dois violões. Mas, todas as vezes meu disco, não empresto!
que ouço, me vem a certeza: desse
jeito, só ele.
Terceiro movimento. Eu já estava
totalmente vencido após ouvir umas
dez vezes cada um dos dois primeiros.
Mas, vamos lá. O nome dele não foi
convidativo: Andantino Variato. Pensei:
não vai superar. Acertei, não supera.
Completa. As variações aparecendo e
se tornando cada vez mais virtuosas,
“devoradas” por um tranquilo Sérgio
Abreu. Inclusive, com uma sequência
nos graves simplesmente humilhante!
VIOLÃO+ • 7
RETRATO Por Luis Stelzer

Maria Lívia São Marcos


8 • VIOLÃO+
RETRATO

Todo concerto
é importante!
Maria Lívia São Marcos dispensa
apresentações. Pioneira como mulher
concertista no Brasil, começou muito cedo,
sendo, segundo suas próprias palavras,
uma espécie de “cobaia” do pai, o famoso
mestre Manoel São Marcos. Depois disso,
vieram a carreira no Brasil e na Europa, os
concertos pelo mundo, os 37 anos como
dona da cadeira de violão do Conservatório
de Genebra, muitos discos, muita música,
muitas histórias para contar

Violão+: Como foi o começo, muito no meio do violão. O Sávio frequentava


pequena, orientada por seu pai? a minha casa, meu pai não saía da casa
Maria Lívia: Tudo começou com o meu dele, o assunto era sempre o violão.
tio, Sávio (Maria Lívia chama sempre o Quer dizer: não conheço vida antes do
célebre professor Isaías Sávio, uruguaio violão. Não tenho a mínima ideia. Tenho
que se notabilizou por organizar o estudo fotos, com um ano de idade mais ou
de violão erudito no Brasil, de tio, por menos, com o meu pai me mostrando
carinho e afinidade). Ele foi professor o violão e eu já querendo agarrar o
de meu pai (o português Manoel São instrumento... Não lembro mesmo da
Marcos, outro nome de fundamental minha vida sem o violão.
importância na construção da escola
brasileira de violão erudito). Eles eram E como foi a experiência com
muito ligados. Meu pai foi o primeiro o seu pai, que foi um professor
aluno do Sávio em São Paulo. Daí, nasci importantíssimo?
VIOLÃO+ • 9
RETRATO
De meu pai, meu tio Sávio foi o primeiro Daí para o seu primeiro concerto,
professor e eu a primeira aluna. Meu como aconteceu? Com quantos anos
pai fez dez anos de seminário em você estava?
Coimbra e teve contato com a música Acho que no meu primeiro concerto
lá. Daí, veio para o Brasil, casou, teve mesmo, para críticos e tudo, eu tinha
filho, ficou viúvo, casou com a minha doze, treze anos. Quer dizer, para quem
mãe, e foi ela que incentivou o meu pai começou antes dos quatro, são quase
a procurar aulas com o Sávio, depois dez anos de violão, então, eu já tocava
de um concerto que ele deu aqui em muito bem. Tinha facilidade, técnica.
São Paulo. Ele era um apaixonado
pelo violão e ficou tão encantado com Nesse tempo que você ficou no
o concerto, que minha disse a ele: vai Brasil, estudou sempre com o seu
procurá-lo, quem sabe ele dê aula. Foi pai, ou com o Sávio também?
assim o primeiro contato. Resumindo: Houve uma época, aqui no Brasil,
fui a primeira aluna do meu pai! Também e acho que ainda é assim, que todo
fui uma espécie de cobaia, uma mundo tinha que ter um diploma. Então,
experimentação, não sei se posso falar meu pai quis que eu tivesse o meu
assim... Eu tinha quatro anos, talvez diploma de violão, pelo Conservatório
menos, já estava alfabetizada, sabia Dramático e Musical de São Paulo,
ler e escrever. Então, meu pai viu que onde o dono da cátedra era o Sávio.
eu podia aprender tudo. Logo, vamos Mas aí, eu já tocava muito. Então tirei
aprender música. E me embarcaram meu diploma lá, com todas as matérias.
nisso (risos). Me serviu para o Conservatório de

10 • VIOLÃO+
RETRATO
Genebra, porque, quando mudaram
a lei de ensino de música na Suíça,
eles queriam que todos os professores
tivessem pedagogia. Vim aqui à Avenida
São João, onde era o Conservatório
Dramático e Musical, peguei o meu
diploma, com todas as notas e histórico,
no qual tinha pedagogia. Por isso, pude
continuar a lecionar lá.

Mas depois que você terminou o


Dramático, lecionou aqui no Brasil Com seu pai, o professor Manoel São Marcos
entes de ir para a Europa...
Claro, terminei o Conservatório com 15 E quando se dá essa ida para
anos! Toquei naquela sala maravilhosa Genebra?
que tinha no Conservatório, que, Primeiro, fui para Portugal. Como o
naquele dia, fechou, porque todo mundo meu pai era português, fui visitar a
veio assistir o meu recital! Daí, fiquei minha avó, com o violão embaixo do
por aqui, tocando, dando concertos, braço. Claro, chegando lá, eu “antenei”
fazendo discos... Eu fui a primeira a com o pessoal do violão, na figura do
levar o violão com orquestra para o Duarte Costa, praticamente o único em
Teatro Municipal de São Paulo, depois Portugal inteiro. Tive a sorte de pegar
do Segóvia, é claro! Segóvia esteve uma época em que era muito jovem -
aqui em 1942 ou 43, e eu fui a segunda. fiz dezoito anos em Portugal - e que
Tinha 13 anos! Continuei a minha vida, não havia nada! Ainda por cima, eu era
tocando muito, mas ninguém tocava mulher! Se hoje, as mulheres que tocam
por aqui! Agora, todo mundo toca. E violão se contam nos dedos, imagine a
bem! No meu tempo, ninguém tocava, cinquenta anos. Eu tive a sorte de abrir
eu era a única. Então, fiz discos, toquei as portas para as mulheres no violão.
com quarteto de cordas do Municipal... As pessoas ficavam admiradas que eu
fosse mulher e tocasse como homem e
E esse concerto, você lembra do o violão estava engatinhando aqui no
repertório? Brasil e em Portugal. Na Espanha, não.
Eu fiz Villa-Lobos, com o maestro Ali tocavam muito bem. E por aí, comecei
Armando Belardi. Alguns anos antes, a tocar. Foi assim, entrando. Fiquei
ou seja, com doze anos, fiz os concertos um ano, toquei em Portugal inteiro, na
matinais Mercedes Benz, com o Espanha, na França e voltei ao Brasil.
maestro Souza Lima e a Orquestra do Fiquei um ano aqui. Mas, quando a gente
Municipal. Vivaldi! Um ano depois, o prova o gostinho da Europa, não pode
concerto da temporada, com o Belardi, ficar muito tempo longe. Voltei para lá,
tocando Villa-Lobos. E por aí foi, tive uma bolsa de estudos para fazer o
sempre tocando. curso de Santigo de Compostela. Tive a
VIOLÃO+ • 11
RETRATO
de Lisboa (porque ele era casado
com uma portuguesa). Uns amigos
comentaram, eu falei, “ah, vamos lá”!
Assim, fiz conhecimento com essa figura
maravilhosa. Fazíamos aniversário
no mesmo dia, eu 20, ele 80! Ele era
uma maravilha de pessoa. Depois,
com o Segóvia, ganhei uma bolsa do
Instituto Cervantes e fui a Santiago
de Compostela. O Segóvia era uma
pessoa muito especial. Tinha muito
orgulho daquilo que ele era. Tinha os
alunos fiéis que o cercavam. Onde ele
ia, os alunos iam atrás. Como eu era
uma menina, ainda por cima brasileira
(o amor da vida dele foi a Olga Praguer
Coelho, grande soprano e violonista
nascida em Manaus), se afeiçoou muito
a mim. Acho que tanto com o Pujol
quanto com o Segóvia, foi o contato
pessoal que teve influência na minha
vida de músico. Não foi tanto a técnica,
“faça com o primeiro dedo, faça com o
sorte de ser o ano da volta do Segóvia segundo”, nada disso! Foi o contato com
para a Espanha, ele que estava longe de essas grandes personalidades, que me
lá por problemas políticos, se exilando abriu um outro caminho.
no Uruguai. Então, o Segóvia foi para
Compostela no ano em que fui para lá. Em Genebra, quanto tempo você
Depois, toquei muito em Madri, fui de ficou?
novo para Portugal, Holanda, Paris e Mas eu ainda estou! (risos) Genebra
voltei para cá. Mais um ano de Brasil. devo ao meu marido, que era ótimo
Fui uma terceira vez. Conheci o meu músico. Quando ele me conheceu, eu
marido em Lisboa, um grande violinista. desprezava um pouco os violinistas.
E pronto. Fiquei por lá (risos). Eles tinham um repertório enorme e
nós tínhamos Sor, Carulli, Carcassi...
Nesse período, você teve aulas com Na verdade, acho que eu tinha um
o Andrés Segóvia. O que você pode pouco de inveja dos violinistas. Um
falar sobre ele? dia, meio que para desafiá-lo, eu disse:
Tive aulas com o Segóvia e com o Emílio “vou tocar a Chaconne de Bach!”. E
Pujol. Meio que sem querer, sempre fui ele me fez tocar. E eu quis mostrar
do momento. O Pujol vinha todos os como eu tocava a Chaconne de Bach
anos dar um curso no Conservatório no violão. Quando terminei, ele falou
12 • VIOLÃO+
RETRATO
assim: “é maravilhoso isso que você precisando! Eu, que não falava uma
faz...mas, isso não é Bach!”. (risos) palavra de francês. E lá fui para o
E daí, comecei a estudar diferente. Conservatório de Genebra! Naquele
Ele foi outra pessoa que me “tirou” do tempo, ainda uma escola - embora
violão e me abriu o caminho da música. onde Lizst deu aulas - pequena. Um ano
Bom, em minha casa, meu pai sempre depois, tudo mudou. O Conservatório
teve muitos discos, de orquestras, de ganhou status de Universidade, os
óperas. Eu ia ao Teatro Municipal quase professores tiveram que se adaptar.
toda semana. Não estava “aninhada” Tive a sorte de entrar um ano antes.
no violão, como muita gente, que só vai Foram 37 anos espetaculares que vivi
em concerto de violonista. Mas o meu como professora de lá.
marido começou a trabalhar comigo de
uma outra maneira: pelo ouvido. Me fez Nessa época, você logicamente
escutar música de outro jeito. Lembro continuou gravando e tocando muito.
que ele me dizia: “porque você não vibra Claro, até muito mais! E, como saí
com o terceiro ou com o segundo dedo, do meio dos violonistas, meu marido
só com o primeiro e com o quarto?”. tratava muito não só da parte artística
“Ah, mas que chato que você é”, eu (era solista de Orquestra, em 1980, ficou
resmungava, “isso aqui não é violino!”. como diretor do Concurso Internacional
Ele: “mas você vai imitar o legato do de Genebra, um dos dois concursos
violino”. Ele me mostrava, ligando as mais conhecidos do mundo), mas
notas com o violino. E era verdade! também não quis que eu ficasse mais
A gente no violão, tuc-tuc-tuc-tuc... só no meio do violão. Por isso, posso
Para os violonistas, o grande embate dizer que fui a violonista que mais tocou
é conseguir ligar quando você tem tuc- com orquestras no mundo. Toquei com
tuc-tuc-tuc! Então, fui aprendendo,
assim, às vezes na força, às vezes no
sorriso. Ele então me dizia: “vamos pra
Genebra”. “Para quê, não quero, estou
bem aqui em Portugal, vou voltar para
o Brasil, pra minha vida”! Mas pensei:
por que não vou dar uma voltinha em
Genebra? E fui... Isso faz 46 anos!
(risos). Quando cheguei em Genebra,
meu marido me levou ao Conservatório,
para me apresentar ao professor de
violão. Ao chegar lá, a secretária disse:
“ah, veja só que coisa, estamos sem
professor, temos 30 alunos esperando”.
O professor tinha fugido com uma aluna
(risos). Meu marido não teve dúvidas:
te apresento então quem vocês estão Com Emílio Pujol

VIOLÃO+ • 13
RETRATO
da sua vida?
Todos, claro! Todos foram importantes,
todos foram ótimos! Porque um
concerto é um concerto, né? Você
se prepara sempre como se fosse o
primeiro da sua vida. Vai com o coração
na mão, acha que vai dar tudo errado,
que vai acontecer um terremoto, que
vai pegar fogo no teatro, que não vai
vir ninguém, mas você está pronto...
Quando chega a hora e você pisa
no palco, é como se você tirasse um
casaco e dissesse: aquela fica aqui, a
que sai é a verdadeira. Era a minha
impressão. Eu gostava muito de tocar.
Odiava e gostava. Assim foi.

Você diz que vive muito o hoje, vive


muito o presente. E o que você tem
feito hoje? Quais são seus planos,
com ou sem o violão?
Para falar do presente, tenho que falar
também um pouco do passado. A partir
as grandes. E, por que? Primeiro, de 2008, passei a tocar muito menos.
porque eu tinha repertório. Segundo, Por que? Porque quis fazer outras
porque eu tinha som. Por último, eu coisas na vida, que não fosse acordar
tinha os canais para fazer isso. Hoje, e calcular quantas horas eu iria estudar
você vê nos teatros, dez pianistas, naquele dia. E a minha vida começou
três violinistas, uma cantora...e o a ficar muito interessante! Tenho duas
violonista? Não toca! Então, minha filhas e cinco netos, quer dizer: a vida
carreira foi muito boa, muito importante, continuou. Fui dançar flamenco, fazer
também porque eu saí do troca-troca pintura, fiz quatro anos de desenho
dos violonistas. Se há um festival em nas Belas Artes, outras coisas! Estou
cima de uma montanha ou no mar, sapateando! E gostei muito da minha
ele te convida para o mar, não para a vida sem o violão. Também, as coisas
montanha... Era assim! Agora, não sei, chegaram a um ponto, tanto na Europa
mas naquele tempo era assim. Então, quanto no Brasil ou nos Estados
saí dessa confusão. Unidos... Antes, eu podia escolher
os melhores concertos, os melhores
Você pode destacar, dentre as cachês, o meu programa, tudo. De
maiores orquestras, os maiores repente, começaram a interferir muito
concertos, quais os mais marcantes nisso. Também diminuíram muito as
14 • VIOLÃO+
RETRATO
pagas. Então, comecei a fazer muito novo de tocar. Mas foi horrível, eu tive
menos. Em 2008, meu marido morreu. a impressão que não sabia mais tocar...
Meu pai tinha morrido em 2004, minha Quantos anos sem tocar?
mãe em 2007. Eu tinha me aposentado Uns quatro. Exclamei: “Nossa Senhora,
para cuidar do meu marido. Resolvi eu não sei mais tocar”. Foi muito difícil.
não tocar mais nada. Doei toda a minha Depois, entrei com um projeto na ProAc,
biblioteca para o Conservatório. Quis ano passado. O Paulo Porto Alegre
vender meu violão, mas aí, fiquei um me fez seis prelúdios, maravilhosos.
pouco... Pensei: “ah, depois eu vendo!”. As cinco peças do Belinatti, da Lira
Dai coloquei meu violão debaixo da Brasileira. Também um Osvaldo
cama, para não ter má consciência Lacerda, que foi meu professor de
quando passasse por ele. Assim ficou, harmonia, que tinha feito duas peças
até que o Paulo Belinatti, que foi meu maravilhosas, a “Valsa” e a “Moda
aluno em Genebra, meu encontrou pelo Paulista”. E, como era o centenário
Facebook, disse que estava vindo para do Garoto, também gravei três peças
Genebra. Lógico que eu o convidei para do Garoto. Gravamos e mandamos o
vir na minha casa. Ele veio com uma projeto. Aprendi dezesseis músicas
partitura dele. Eu disse: “ah, Paulo, novas. Estudei muito, 4, 5, 6 horas
eu não toco mais!”. Ele: “como assim, por dia. Fizemos uma gravação muito
você não toca mais?”. Pensei: “lá vem bonita, mas o projeto não passou. Está
mais um chato” (risos). E, para fazer tudo gravado, está lindo. O Paulo vai
um agrado ao Paulo, comecei a olhar... tentar de novo este ano. O Amaral
a música é boa... gostei... gostei de Vieira fez uma linda peça para violão

VIOLÃO+ • 15
RETRATO
sonata de Sor, mesmo os doze estudos
de Villa-Lobos, não ouço Takemitsu,
não ouço Ginastera. Uma vez vi o Fábio
Zanon, que toca maravilhosamente,
interpretando Britten. Fora isso, os
recitais de música brasileira são quase
sempre os mesmos. Isso é uma pena,
porque o violão não tem um repertório
vasto, mas tem um repertório bonito.

Muitos compositores escreveram


para você?
dedicada a mim em 1976, e, se o Sim, muitos! A começar por Ginastera.
projeto for para frente este ano, quero Quando ele fez a Sonata encomendada
gravar também essa peça. Tudo virou pelo Barbosa-Lima, morava em
um ponto de interrogação. Genebra. Ele me telefonava, vinha tirar
dúvidas sobre as possibilidades do
E como foi voltar a um estúdio de violão para o que ele estava escrevendo.
gravação? Eu disse que ele não deveria fazer
Na primeira seção, gravei nove peças isso. Tudo bem, há características do
em quatro horas. Na segunda, sete violão, mas, de resto, todo mundo pode
peças em três horas. Eu sou do tempo tocar tudo. Ela não pode ser restrita
em que não havia cortes. O concerto ao violão. Então, nasceu a “Sonata
de Villa-Lobos e o quinteto de Paganini op. 47”, uma das melhores obras para
foram assim: gravei duas vezes, violão escritas no século 20. E por
escolhi a melhor. Eu não sou do tempo aí, outros: Osvaldo Lacerda, Amaral
de arrumar nota. Vieira, Sérgio Vasconcellos Correia,
Gravar assim é muito mais rápido, mas Lina Pires de Campos, enfim, a lista é
exige um preparo e tanto! bem longa!
Você estuda como se estudasse para
um concerto, aí toca. Bom, é claro E a professora Maria Lívia São
que tem uns ajustes, é normal, a Marcos? Muita gente passou por
gente não é máquina. Agora, vamos você?
ver se acontece alguma coisa. Se O que eu posso dizer é que hoje,
não acontecer nada, o violão volta os grandes que tocam pela Europa
para debaixo da cama (risos). Já fiz a passaram, quase todos, pela minha
minha carreira. Agora, tem gente nova mão. Tive uma classe no Conservatório
tentando. Toca-se muito bem no Brasil, que era internacional. Suíços,
a única coisa que falta é repertório. Os pouquíssimos. Tinha assistentes e
violonistas brasileiros, em geral, não cuidava da performance, do virtuosismo.
saem da música brasileira. Não ouço Os grandes do mundo, quase todos
um concerto por aqui que tenha uma passaram por Genebra.
16 • VIOLÃO+
VITRINE

Simetria nos Estudos para Violão


de Villa-Lobos
Ciro Visconti
EditoraPaco Editorial
Número de Páginas: 188
Tamanho: 14x21cm
Preço sugerido: R$41,90

Alinhado às mais recentes


pesquisas dedicadas
à investigar a obra de
Heitor Villa-Lobos, o
trabalho de mestrado de
Ciro Visconti acaba de
sair em livro, com o título
Simetria nos Estudos para
Violão de Villa-Lobos.
O autor demonstra, por
meio de análises detalhadas, técnicas e estratégias
utilizadas pelo compositor em sua famosa série de
estudos que envolvem relações entre a simetria e a
música. Ciro Visconti é um conceituado guitarrista da
cena paulistana, professor renomado e coordenador
pedagógico do Conservatório Souza Lima. O que
pouca gente sabe é que Ciro é mestre em música
pela ECA/USP em processos de criação musical. Ele
íntegra o PAMVILLA, grupo de pesquisa coordenado
pelo Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles, que se dedica
à obra de Villa-Lobos. Um trabalho absolutamente
fantástico. (Luis Stelzer)

www.editorialpaco.com.br

18 • VIOLÃO+
VITRINE

Alex Lameira e Grupo


Alex Lameira e Grupo
Independente

No álbum de estreia de
Alex Lameira e Grupo, os
músicos buscaram, acima
de tudo, a liberdade criativa
e a inspiração provocada
pela interatividade auditiva
entre os componentes,
onde a diversidade de
instrumentos enriquece
timbres e notas. Com
essência genuinamente
brasileira, o CD traz o estilo que Hermeto Pascoal nomeou
de música universal e que tem em Itiberê Zwarg seu maior
divulgador. Seguindo o mote de Hermeto, o grupo faz um
relato do grande panorama musical brasileiro, com ritmos
como baião, xote, maracatu e samba, em uma linguagem
jazzística com abertura para improvisações e variações
de compassos, sem perder a riqueza dos arranjos com
elementos contrapontísticos vindos da música erudita.
Com André Souto na bateria e percussão, Rik Andrade
no contrabaixo, Fabio Leandro no piano, e Alex Lameira –
que, além de guitarra, gravou faixas tocando cavaquinho,
viola caipira e violão, e fez alguns overdubs de
percussão - a sonoridade do grupo se torna diversificada
e exuberante trafegando entre o acústico e o elétrico, o
tradicional e o folclórico. Neste CD, Itiberê Zwarg - mais
conhecido como contrabaixista de Hermeto Pascoal - foi
responsável pela direção musical, pelos arranjos e por
algumas das composições. O CD traz composições de
Zwarg, Lameira, Baden Powell e Vinícius de Moraes (a
inovadora “Berimbau”), Villa- Lobos (o último movimento
das Bachianas Brasileiras Número 2, mais conhecida
como “Trenzinho do Caipira”) e Hermeto Pascoal (“Tacho”,
do disco Slave Mass”). (Nilton Corazza)

www.alexlameira.com.br
VIOLÃO+ • 19
CONEXÃO INTERNACIONAL Por Luis Stelzer

Eugenio Becherucci

A música para
violão hoje
20 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL
Eugenio Becherucci esteve no Brasil no fim
de 2015, quando nos encontramos para um
rápido bate-papo. Passado algum tempo,
organizamos uma entrevista completa com
este italiano versátil, com muita fluência
entre o passado e o presente

Violão+: Como foi sua formação? repertório variado, incluindo pop e rock,
Eugenio Becherucci: Afamília é o primeiro não esquecendo alguma canção original.
lugar onde uma pessoa pode encontrar No entanto, na minha família, o violão
um terreno fértil para o desenvolvimento erudito é um instrumento muito amado. Foi
daquelas qualidades artísticas que, em meu irmão, Antonio, quem me apresentou
várias medidas, estão presentes em todos nesse percurso, fui encorajado por todos
nós. Em minhas memórias musicais da os outros membros da família. Aos 14
infância, o meu avô, o pintor espanhol anos, fui surpreendido ao ouvir pela
Francisco Urgell, participou como ator e primeira vez a guitarra clássica, aquela
cantor nas representações de zarzuela, “real”, no disco Concierto de Aranjuez,
na Espanha. Não era incomum ouvir de Joaquín Rodrigo, interpretado por
meus pais cantarem os duetos das mais Narciso Yepes. Ouvindo o Adagio, no
famosas óperas de Puccini: qual a melhor ataque da orquestra após a cadência, em
iniciação artística para uma criança? um verdadeiro clímax expressivo, minha
Minha primeira experiência de prática mãe foi às lágrimas. Decidi que seria o
musical foi quando comecei a cantar meu instrumento. Comecei a frequentar
em um coral polifônico na paróquia. Ao um curso de violino paralelamente ao
mesmo tempo, em casa, eu gostava estudo do violão erudito, mas eu estava
de imitar os grandes, com guitarras tão animado com as seis cordas, que
de brinquedo. Lembro claramente as não hesitei em escolher. Acredito que
primeiras experiências de gravações, a educação artística de uma pessoa
com equipamentos rudimentares, em começa e termina com a vida. Não é
que cantava e tocava com meus irmãos banal lembrar que cada experiência pode
blues urbanos improváveis... Depois, tocar o nosso conhecimento, a nossa
comecei a tocar naquela que seria a criatividade, a profundidade expressiva.
minha primeira banda. Como acontece Mas, se nos referirmos aos primeiros
com muitos meninos também hoje, meu anos, em que as antenas estão abertas
primeiro encontro com a música ocorreu a 360 graus e as paixões são mais
de forma muito “social”, com um grupo de urgentes, logo no início dos anos 1970
amigos que experimentaram os primeiros a curiosidade onívora empurrou-me
conceitos rudimentares de música com para a exploração de todo o repertório,
diferentes instrumentos: treinávamos com tanto que em dois anos eu já tinha lido
guitarra elétrica, acústica e clássica um boa parte do que era naquela época
VIOLÃO+ • 21
CONEXÃO INTERNACIONAL
conhecido. Além de tocar o instrumento, vida. Não hesitava em tomar um trem
ouvia música de todos os tipos e preferia e fazer dezenas de horas de viagem
a música moderna e contemporânea, para chegar ao lugar onde havia um
mas com um olhar especial também para concerto ou um curso de interpretação.
a música antiga. Lembro-me de ouvir as Embora chegasse cansado, estava feliz
“Cantigas de Santa Maria” ou as obras em participar do evento do qual eu seria
de Guillaume de Machaut juntamente protagonista. Passei longos períodos
com “Gesang der Jüngling”, de Karlheinz no exterior, na Espanha e na França,
Stockhausen, ou a Música para cordas, onde o contato com artistas importantes,
percussão e celesta do Béla Bartók. como José Tomás e Betho Davezac,
Quando comecei o conservatório, já enriqueceu o meu conhecimento e me deu
tinha bastante experiência instrumental a oportunidade de ouvir alunos de todas
e, além de me formar em guitarra em as nacionalidades. Tive uma visão ampla
poucos anos, enfrentei os estudos de do que estava acontecendo no mundo
composição. Foram anos maravilhosos, da guitarra. Desde sempre, eu tinha uma
em que a paixão pela guitarra e pela forte necessidade criativa, então, posso
música dominou completamente a minha afirmar que nasci violonista-compositor.

22 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL
Ainda tenho todos os meus cadernos de
música dos primeiros anos de estudo,
em que tive o bom hábito de escrever
à mão os exercícios, que estão cheios
de notas e esboços de pequenas peças
que tentava compor. A composição era
uma necessidade expressiva para mim
desde que peguei o violão pela primeira
vez, mesmo antes de embarcar em seus
estudos musicais acadêmicos, antes de
possuir as ferramentas técnicas para Em “Invisible Cities” para ensemble
melhor perceber minhas ideias musicais. (2006), tentei fazer páginas suspensas
Depois de estudar composição no em uma dimensão atemporal, ao mesmo
Conservatório com Mauro Bortolotti, aluno tempo antiga e atual, inspirada na obra
de Goffredo Petrassi, minha experiência de Italo Calvino. https://soundcloud.com/
foi marcada pela maior liberdade de eugeniobecherucci/invisible_cities). Em
esquemas acadêmicos, com a ideia de muitas de minhas obras, o objetivo era
que um caminho de conhecimento estava criar música a partir de uma inspiração
apenas começando. Foi um período literária. Na composição, tento trabalhar
de transição, no final dos anos 1970, em três níveis distintos de percepção
quando se passava de uma posição do homem - o instintivo, o emocional e
radical “avant-garde de Darmstadt” para o racional - para que cada pessoa que
posições menos rígidas. Meu exemplo foi escute, independentemente de idade,
Petrassi, que hoje pode ser considerado educação, preparação, possa encontrar
quase um clássico, mas que em seu elementos de interesse. Mas isso não quer
período criativo havia mostrado que dizer que a minha música é construída
uma linguagem moderna, para ser viva com os critérios ou estereótipos de um
e presente, deve ter força para renovar- produto comercial, já que está totalmente
se e evoluir, não pode e não deve ser fora dessa lógica.
única e autorreferencial, ou ser submissa
a ideias e regras que não têm nada de Quais são suas referências musicais?
artístico. O que me intriga na composição Minhas referências musicais, mesmo
é criar diferentes níveis de expressão limitando-as ao século 20, são muitas. Entre
incluídos na mesma obra, onde coexistam as mais significativas está Julian Bream.
diferentes línguas (ruídos, improvisação, Ele está entre os grandes violonistas
atonalidade, tonalidade ou modalismo, do século e é, definitivamente, aquele
processamento eletrônico). Um exemplo que me agrada mais, tanto em termos
dessa abordagem é o “Concerto per de escolha do repertório, sempre com
Garcia Lorca” (2002), para violão, cordas um olho para a música contemporânea,
e áudio track. Mesmo na obra “Contrasto” como no modo de interpretação, pois foi
(2003), com dois violonistas que tocam e sempre capaz de dar a própria versão
cantam, há uma atmosfera como essa. das obras executadas de forma coerente,
VIOLÃO+ • 23
CONEXÃO INTERNACIONAL
de baladas simples até peças atonais ou
seriais. Esse amor teve como resultado
os shows Radio Zapping e Zapping,
realizados de 1997 a 2002 com o meu
grupo, Logos Ensemble, e com o design
e contribuição artística do meu irmão,
Cristiano. Para esses shows, realizei os
arranjos e toquei violão elétrico e clássico.
É impossível negar a grandeza de Igor
Stravinsky, pelo qual tenho profunda
admiração. Algumas de suas obras foram
fundamentais para o desenvolvimento da
música moderna, como em Le Sacre du
em uma visão estilística respeitável. Por Printemps ou na Sinfonia dos Salmos. É
outro lado, a experiência de viajar para a um compositor que tenho estudado e do
Índia, aos 20 anos, foi indelével, humana qual transcrevi muitas obras para o Logos
e artisticamente. Em 1978, tive a sorte de Ensemble e os shows dedicados a Zappa.
fazer uma turnê nesse país extraordinário, Não se esqueça de que Zappa declarou
com concertos nas principais cidades da que foi influenciado por Stravinsky, e
região. Entrei em contato com a cultura quem conhece os dois pode constatar
indiana, incluindo sua música incrível. que é verdade. Meu encontro com Steve
Anos depois, apresentei em diversos Reich e sua música remonta a 1990,
concertos a transcrição de um raga de quando para um Festival, em Cambridge,
Ravi Shankar para violão, teclado e fui convidado para tocar com o Logos
percussão: ouvi essa música em um Ensemble e ouvi, pela primeira vez, o
disco do sitar indiano gravada com o que acredito ser uma de suas obras-
violinista Yehudi Menuhin. Em minha primas: Different Trains, para quarteto
música “Notturno Indiano” (2001), na de cordas e áudio track. Gostei muito da
versão para soprano e ensemble, as sua capacidade para criar, com poucos
letras são tomadas a partir de um poema ingredientes, um efeito tão dramático,
de Rabindranath Tagore, portanto, parece e desde então nunca abandonei sua
que minha relação com a Índia e sua música. Muitas vezes, incluí nos meus
arte continua no tempo... Frank Zappa é programas Electric Counterpoint, para
meu grande mito musical, sempre amado guitarra e áudio track, Nagoya Guitars e
e seguido desde as suas primeiras Clapping Music.
gravações. Também o ouvi tocar com
seu grupo, Mothers of Invention, várias Como está sua carreira atualmente? O
vezes, em diversos shows. Gosto do seu que tem feito como professor e como
gênio, sua inventividade, seu sarcasmo, concertista?
mas também da extrema gravidade e da Minha carreira como professor tem
competência com que enfrenta, em suas mais de trinta anos em conservatórios
composições, todos os gêneros musicais, italianos: lecionei em La Spezia, Bolonha,
24 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL
Campobasso e, atualmente, estou mas sugerindo formas e estradas de
em Frosinone. Minhas master classes abertura nas quais a criatividade tenha
são realizadas anualmente em muitas o seu lugar, por exemplo, aprofundando
cidades italianas e europeias, incluindo o tema da improvisação, presente na
Lisboa, Lugano, Valência, Salamanca, música erudita em todos os tempos,
Granada, Istambul. Meu modo de ensinar desde a Idade Média e a Renascença
sempre foi baseado em dois princípios até hoje. Minha carreira como concertista
orientadores que ainda considero começa antes da minha graduação e se
válidos: maiêutica e flexibilidade, mas caracteriza por ser internacional. Essa
incluindo a pesquisa e a definição do atividade levou-me a tocar em muitos
som e o controle das faculdades mentais teatros e salas de concertos por toda a
e físicas. Não imponho ao aluno regras Europa, o Médio e Extremo Oriente e
estritas de qual posição assumir em na América Latina. Música de câmara
relação ao instrumento e, desse modo, é, certamente, a parte que prefiro. Ao
tento adaptar a posição ao tipo físico do longo dos anos, explorei o repertório
aluno. E faço de tudo para torná-lo ativo com a flauta, o piano e o violino. Com o
no estudo, não impondo ditames a serem piano, formei um duo junto com Cristiano,
aplicados, mas, sim, tentando fazê-lo meu irmão. Além de tocar o repertório
criar ideias e sentimentos com respeito à
obra que estuda. Claro que é fundamental
que o aluno configure o estudo de
uma peça com todos os elementos do
conhecimento estilístico e histórico do
autor, estimulando, assim, seu interesse a
partir desse ponto de vista. Também diria
que, como foi comigo, junto ao estudo
do instrumento é necessário, em certa
medida, o estudo da composição, se você
quiser conhecer um pouco da ferramenta
de análise do repertório. Sabemos que
a figura do músico era praticamente
inseparável à do compositor. A separação
dessas funções e o advento da figura
do intérprete é algo relativamente novo.
Para um instrumentista, recuperar esse
conhecimento é essencial, mesmo se
você não tem necessidade de compor,
para obter maior consciência, que
conduzirá, inevitavelmente, a melhor
interpretação. Tento inspirar os alunos
dessa maneira, experimentando, não os
forçando no seu papel de intérpretes,
VIOLÃO+ • 25
CONEXÃO INTERNACIONAL
com músicos e artistas de diferentes
origens, como o japonês Otomo Yoshihide,
o norte-americano Elliott Sharp e o norte
africano Nour Eddine Fatty. Nos últimos
anos, meus projetos mais importantes
são o Duo Eutonos, com violino, ao qual
dediquei trabalhos como compositor e
arranjador com a publicação de um CD
baseado em melodias populares catalães.
Esse CD, juntamente com a partitura,
é publicado pela editora Sinfonica.
Também tenho atividade como solista, e
apresentei, junto com os programas mais
tradicionais, projetos originais, como
o CD The guitar music of the next age
(editora Sinfonica) e o Concerto para
Garcia Lorca, um show que contém,
entre outras, a minha obra para guitarra,
cordas e áudio track. Outro projeto como
solista é o Guitar Improvisation Project,
com a AlchEmistica Netlabel. Esse projeto
contém três improvisações minhas: on e
original dos séculos 19 e 20, vários – take without overdub – the harmonics
compositores contemporâneos, como rite. Essas improvisações, muito livres,
Ivan Fedele, Mario Garuti, Francesco não têm nenhum esquema, apenas uma
Pennisi, nos dedicaram diversas obras. ideia inicial de que cada peça sugere no
Também tenho publicado um artigo na título: “on e” significa “construído sobre a
revista italiana Il Fronimo que contém um nota mi”, mas também “um”, no sentido
catálogo detalhado do repertório que é da primeira das três improvisações;
conhecido para o duo. Minha experiência take without overdub, porque remete a
como concertista mais notável é com o duas principais bandas sonoras obtidas
Logos Ensemble, ativo desde 1985, do através das duas ações separadas da
qual sou fundador e que tem sido uma das mão esquerda e da mão direita, mas
referências no panorama dos conjuntos também, ao pegar a primeira letra de
de música contemporânea. Com o Logos, cada palavra do título, você tem two,
além da publicação de numerosos CDs, número dois; the harmonics rite é uma
os últimos dedicados a Mauro Bortolotti, peça essencialmente baseada nos sons
Luca Lombardi e Luciano Berio, fiz vários harmônicos e, pegando algumas letras do
projetos de shows temáticos, entre os título, você obtém o número “três”. Tenho,
quais os já citados “Radio Zapping” e também, uma importante colaboração
“Zapping”, “Suoni Medioccidentali”, com a com o violonista italiano Arturo Tallini,
soprano Inglesa Sara Stowe, e colaborei formamos o Suoni Inauditi Guitar Duo. A
26 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL
ideia desse projeto nasceu do que foi um obras do Leo Brouwer e do jovem e
desafio para ambos, uma ideia agradável talentoso violonista e compositor brasileiro
para aqueles que, como nós, gostam de Daniel Murray. No ano passado, além
desafios, embora às vezes a empreitada dos shows com o Ensemble E-cetra e o
possa ser muito desafiadora. Quando encontro com Daniel Murray, houve uma
conheci o Arturo, sabia que me encontrava colaboração com a soprano dinamarquesa
com um artista que tem desejo de Susanne Bungaard, com quem fiz shows
experimentar, que não é comum a todos. na Dinamarca, França, Espanha e Itália.
É por isso que lhe propus, imediatamente, Também estamos gravando um CD nos
trabalharmos juntos em um projeto estúdios da Radio Vaticana. Este ano
pioneiro a partir da peça incrível de começou com a publicação de todas as
Helmut Lachenmann, Salut für Caudwell. minhas composições para violão solo, em
Essa obra monumental coloca os artistas conjunto de câmara e com orquestra pelas
frente a problemas de realização que editoras italianas Ut Orpheus e Sinfonica.
podem parecer insuperáveis, a menos que
você tenha um forte desejo de completar Recentemente, você esteve no Brasil
o trabalho a qualquer custo. Quando e assisti em concerto com o jovem
tivemos a oportunidade de ouvir a peça, violonista Daniel Murray. Como se
superamos facilmente os problemas. O deu esse encontro? As afinidades em
projeto se completa com a obra Ultima relação à música contemporânea os
rara, de Sylvano Bussotti, e com minha aproximaram?
composição, Contrasto, sobre uma lauda Além da viagem para São Paulo, em
de Jacopone da Todi. Suoni Inauditi é outubro de 2015, estive no Brasil outras
uma emocionante viagem no interior duas vezes para concertos em meados
do corpo e da alma do violão, na qual o dos anos 1980, em um duo de piano e
papel clássico do músico é totalmente violão com meu irmão, Cristiano. Tocamos
transformado. A antiga figura do “virtuoso” repertório original dos séculos 19 e 20,
é completamente revista, com um toque com peças de autores contemporâneos
moderno. Os dois músicos tornam-se, especificamente dedicadas a nosso duo.
às vezes, atores, mímicos, cantores. Foi uma experiência muito agradável,
Mesmo na maneira de tocar o violão, há tivemos a oportunidade de tocar em
pouco de já ouvido: durante o concerto, importantes cidades brasileiras, Rio de
aconselho o público a tentar fechar os Janeiro, Petrópolis, Niterói, São Paulo,
olhos, esquecer a transcendência técnica Nova Friburgo, Caxias do Sul, Porto
das partituras realizadas e imaginar por Alegre, São João Del Rei, Recife, Natal,
quem e como determinados sons estão Fortaleza. A recente experiência musical
produzidos naquele momento. Novo, mas paulista nasceu graças a dois fatores: ter
também no senso do extremo, absurdo, conhecido Daniel Murray e a colaboração
surpreendente. Há uma edição recente com o Instituto Italiano de Cultura de São
desse projeto, um show realizado por Paulo. A dra. Livia Raponi, do Instituto,
mim como diretor do conjunto de guitarras sugeriu que eu trabalhasse com um artista
Ensemble E-cetra, com minhas músicas, brasileiro e, coincidentemente, eu tinha
VIOLÃO+ • 27
CONEXÃO INTERNACIONAL
acabado de conhecer e apreciar o talento
isso? Como monta um repertório?
do Daniel, depois de tê-lo convidado a
A música contemporânea não é sempre
tocar na Itália, no ano anterior. A Livia
compreendida, porque no campo
e o Daniel organizaram os shows muito
“erudito” mesmo, que eu chamaria de
bem e a experiência de tocar junto com
“acadêmico”, a nova música é construída
esse artista foi inesquecível. Toda a
sobre bases linguísticas mais extensas
preparação do programa foi realizada nos
do que no passado, quando a linguagem
últimos dias antes dos shows, precedida
musical era única e mais ou menos aceita
por várias reuniões e ensaios via e compreendida por todos. A explosão
Internet, uma das grandes oportunidades
que ocorreu no início do século passado
que hoje nos dá a tecnologia. Tudo é
formou muitas pequenas (ou grandes)
facilitado pelo fato de que, entre eu e o
expressões idiomáticas, que dificilmente
Daniel, existem muitas semelhanças ao
podem ser compreendidas pelas massas,
interpretar a figura de músico e violonista:
cada vez mais engolidas pela mídia, que
ele é um violonista-compositor e também
“bombardeia” o nosso aparelho acústico
gosta de apresentar obras de músicacom música “lixo”. De modo que, hoje,
contemporânea em concertos, o que para muitos é difícil “digerir” mesmo
facilitou nosso entendimento. O que se
um Monteverdi ou um Brahms. Nesse
esperava nessa ocasião era unir nossas
sentido, a música contemporânea não
experiências, geograficamente distantes,
é, definitivamente, em sintonia com a
mas muito próximas musicalmente, cada
evolução das massas, apesar de que a
uma mantendo sua especificidade, então,
falta geral de seu entendimento talvez
apresentamos obras de compositores seja um espelho do nosso tempo –
italianos e brasileiros, incluindo peças
porém a fruição do público pode estar em
nossas. Sentimos, imediatamente, uma
diferentes níveis, dependendo da idade
linha comum que nos une: a curiosidade
e do nível de conhecimento musical. Um
de explorar o violão e a linguagem bom conselho antes de ouvir os meus
musical. Ao delinear um novo projeto
concertos é obter uma condição de
como um duo, decidimos fazer pleno uso
extrema concentração, por um lado, e
da nossa origem comum no domínio dasem qualquer prejuízo do outro. A melhor
música clássica contemporânea, juntando
estratégia para lidar com uma atitude
as instâncias de experimentação comdo público, nem sempre acolhedora, é
uma reapresentação original da música
apresentar obras de alta qualidade, que
popular de nossos países de origem,as pessoas com sensibilidade artística,
com especial atenção para as influências
apesar de não serem especialistas,
mútuas, que estão sempre vivas e certamente apreciam. Além disso,
presentes entre o erudito e o popular.
trabalho com um repertório – como,
por exemplo, aquele apresentado nos
Seu repertório caminha na linha da concertos em São Paulo com o Daniel –
música erudita recente, que nem combinando as exigências de qualidade
sempre agrada ao público. Você tem e modernidade em um casamento feliz
alguma estratégia para lidar com entre o culto e o popular.
28 • VIOLÃO+
mundo Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber

Lira da Creta
(Κρητική λύρα)
Na maior ilha da Grécia se escondem verdadeiras
maravilhas culturais. Além dos esplêndidos portos
em estilo Veneziano, praias espetaculares, o famoso
labirinto de Cnossos (onde morou o Minotauro), Creta
oferece ao mundo, também, um singular instrumento:
a sua lira de três cordas

Na maior ilha da Grécia se escondem (órgão), o shilyani (arpa) e a salandi


verdadeiras maravilhas culturais. Além dos (possivelmente uma gaita). Mas também
esplêndidos portos em estilo Veneziano, se fala que é parente do rabel espanhol.
praias espetaculares, o famoso labirinto de
Cnossos (onde morou o Minotauro), Creta
oferece ao mundo, também, um singular
instrumento: a sua lira de três cordas
A lira cretense é considerada uma
sobrevivente da Lira Bizantina medieval.
Tem quem pense que é um dos antecessores
do violino. Ele guarda em sua história ser
o instrumento que cristaliza os sons do
mediterrâneo, em um lugar privilegiado
entre a Europa, a África e o Oriente-Médio.

Um pouco de historia
O geógrafo Persa do século IX I.
Khurradadhidh, fazendo uma análise
lexicológica dos instrumentos, considera
a lira da Creta parente direta do kemence,
da Turquia - um instrumento tipicamente
bizantino - em conjunto com o urghun
30 • VIOLÃO+
mundo

Morfologia e afinação
São três tipos de lira Cretence:
1) O Lyraki - instrumento pequeno, Afinação
quase idêntico à lira bizantina, usado
apenas para bailes; São conhecidas várias afinações na
2) A Vrontolyra - tem um som muito lira moderna, sendo La – Ré - Sol (por
potente e é usada para canções; quintas) para a lira cretense.
3) A Lyra comum – é a tocada hoje em
dia na ilha e que resulta da fusão da Na cidade de Drama, na Grécia, se
liraky com o violino. afina La – La - Mi, sendo o segundo La,
A influência do violino alterou muito oitavado. Na Bulgária, usa-se Mi – La –
a forma e até mesmo a afinação do Mi, e na Turquia, La – Re - La.
instrumento, assim como o modo de
tocar e o repertório. Na década de
1920, os artesãos da ilha de Creta
criaram a Viololyra, com a finalidade
de dar ao instrumento possibilidades
técnicas próximas às de um violino. Foi
assim que seu tamanho aumentou. Mas
foi só 20 anos mais tarde que tomou a
forma dos dias de hoje, com três cordas
e 29 centímetros de comprimento.
Pode chegar a ter onze ou 22 cordas
simpáticas (que soam harmonicamente,
sem serem tocadas).
VIOLÃO+ • 31
matéria de capa

Versatilid
Por Luis Stelzer

dade total

O argentino Conrado Paulino


é um cara muito bem-humorado.
Conversa fácil, a entrevista rolou
solta. São muitos e muitos anos
de experiência, acompanhando,
lecionando, tocando como
solista, com banda... Aqui,
ele conta a sua trajetória e
porque se considera muito mais
brasileiro que argentino, além
de planos, gravações novas e
eteceteras. Também fala sobre a
sua visão do ensino de violão.
O cara não parou no tempo...
CONRADO PAULINO

Violão+: Você é argentino e começou com mais de 25 anos é velha (risos). Só


seus estudos lá. Como foi o início? por isso, eu já não dava muito crédito.
É verdade que você não deu muita Burrice minha. Anos depois, descobri
bola para o que o professor tentava que o cara era fera e, ironicamente,
lhe passar? muito do que sei hoje foi graças a
Conrado Paulino: Nasci na Argentina, ele. Ele mandava o aluno comprar um
mas vim muito jovem para o Brasil. caderno quadriculado para usar nas
Tenho mais anos de Brasil do que de aulas. O que eu não tinha percebido
Argentina. Lá estudei pouco, pelo era que, da metade do caderno para
curto tempo passado entre o início das frente, ele deixava escritas explicações
minhas aulas e a mudança para o Brasil e exemplos de escalas, intervalos,
e pela intensidade, porque eu era do acordes e progressões harmônicas.
tipo “vagal” (risos). Na época, meu pai Imagino que esse era o esquema dele e
arrumou um professor que ia na minha que fazia a mesma coisa com todos. Em
casa. Para mim, ele era um velho. minha ignorância e teimosia de criança,
Quando você é criança, qualquer pessoa desisti logo das aulas com ele. Tempos
34 • VIOLÃO+
CONRADO PAULINO
depois, descobri esse tesouro escrito peruano é muito rico e importante
no meu caderno e isso me deu o “start” do ponto de vista rítmico. Há estilos
para entender música profundamente. venezuelanos com compassos ímpares
muito interessantes. A polirritmia ternária
Hoje você toca música brasileira. das músicas andinas são uma festa
Como foi essa transição? Quando para os percussionistas; o Candombe
veio para o Brasil, quando começou uruguaio tem um suingue espetacular.
a tocar profissionalmente? É uma pena que toda essa riqueza e
Sempre toquei música brasileira. O que troca de informações não aconteça
entrou na minha vida posteriormente (muito) por aqui. Mas está melhorando
foi o jazz. Mesmo de criança, já ouvia nos últimos anos, principalmente em
e conhecia música brasileira. Quando São Paulo e Porto Alegre.
comecei a tocar profissionalmente, já
morando em Campinas (no Estado de E seu aprendizado depois daquele
São Paulo), tocava MPB, que era “a” professor, como se deu?
música popular da época, e a música Foi muito “picadinho”, sem uma
internacional da moda, que não era sequência organizada ou um professor
nada ruim. Tocava em um conjunto definido. Quando morava em Campinas,
de baile, uma opção ideal para quem tinha um amigo pianista que estudava no
estava começando, como eu, porque CLAM (Centro Livre de Aprendizagem
dava tempo de aprender as músicas Musical), a escola do Zimbo Trio em
antes e tinha ensaios. Aproveitando a São Paulo, e eu pegava todo o material
pergunta, o que o pessoal do Brasil não que ele estudava, incluindo livros de
sabe é que a música brasileira é muito repertório, que me introduziram no
conhecida e apreciada na América estudo do jazz. Anos depois, eu mesmo
do Sul, principalmente na Argentina e tive a chance de virar professor do
no Uruguai. Em ambos esses países,
existem clubes de choro, de bossa
nova, festivais de música brasileira e
até conjuntos de sambão. E não são
ruins. Infelizmente, é mão de uma via
só, já que o brasileiro médio não tem
informação sobre a cultura dos países
da América Latina. Pelo contrário, vê
os seus vizinhos através dos olhos dos
norte-americanos, via filmes, agências
de notícias. O Brasil é um país de costas
para os seus vizinhos. Os músicos
latino-americanos, em geral, conhecem
a música de todos os países do
continente, incluindo a brasileira. E há
muitos estilos interessantes. O folclore
VIOLÃO+ • 35
CONRADO PAULINO
CLAM, com a vantagem de conhecer me indicou, me chamaram para uma
bem a metodologia e o material didático entrevista e fui aprovado. Isso me
da escola. Antes disso cheguei a possibilitou colocar um pé em São Paulo
frequentar um pouco o curso de arranjo com alguma segurança financeira e sair
do grande Nelson Aires, depois tive de Campinas. A partir daí, além de dar
algumas aulas formais com o mestre aulas no CLAM, comecei a tocar na noite.
Amilton Godoy, mas, basicamente, Você foi coordenador de violão do
aprendi bisbilhotando as aulas, CLAM, uma escola que mudou a forma
tocando com os colegas, lendo muito de ensinar música. Eles eram muito
e, principalmente, tirando muita coisa rígidos com os novos professores,
de ouvido, sem deixar de processar a que tinham que ter sido alunos do
parte teórica do que tirava. próprio CLAM. Como foi com você?
Depois de alguns anos trabalhando
Como foi sua mudança para São como professor, e depois de muitos
Paulo. O que você veio fazer aqui? cursos internos, passei a ser
Aquele amigo pianista de Campinas supervisor de cordas. O CLAM tinha
estava prestes a se tornar professor do um coordenador que era pedagogo de
CLAM. Por uma incrível coincidência, formação, e isso fazia toda a diferença.
o professor de guitarra da escola teve A escola tinha cursos de treinamento
um acidente e eles precisavam de um e reciclagem obrigatórios, duas vezes
substituto com urgência. Meu amigo por ano, isso no fim dos anos 1980,

36 • VIOLÃO+
CONRADO PAULINO

muito antes de essas práticas virarem aluno. E o aluno paga para aprender,
comuns nas empresas. Nos cursos não para ver um músico improvisando
internos, o assunto não era música: na frente dele. Aliás, improvisando
era pedagogia, didática, filosofia da no sentido musical e pedagógico. O
educação, alfabetização. A gente não treinamento dos professores era tão
falava sobre Bach, Pixinguinha, mas rigoroso que o candidato, primeiro,
sobre Piaget, Vigotsky, Edgar Willems, virava monitor, com um número limitado
Dermeval Saviani, Emilia Ferreiro. O de horas por semana e a presença
coordenador era o Geraldo de Oliveira de um colega mais antigo dentro da
Suzigan, que considero meu professor sala de aula para avaliação. Após
de pedagogia. Estudei e aprendi muito alguns meses, e dependendo da sua
com ele. Durante os cursos, ele dizia avaliação, passava a Professor I, II etc.
aos professores: “com certeza vocês Por causa dessa seleção rigorosa e da
tocam bem, senão não estariam aqui. necessidade de treinamento, todos os
Mas, para mim, isso não interessa: eu professores eram ex-alunos da escola,
preciso de professores. E ninguém deita com raríssimas exceções, entre elas,
músico e amanhece professor”. Assim eu, o único supervisor que não tinha
a escola primava pelos professores sido aluno. Foi uma época muito boa,
supermotivados, bem capacitados e mas, quando o coordenador saiu da
competentes para qualquer tipo de escola, o projeto pedagógico mudou e
VIOLÃO+ • 37
CONRADO PAULINO

a escola mudou de rumo. Por isso, saí. de Guitarra e Tecnologia) de Santos;


Emerson de Paula, um craque do
Você deu aula para vários nomes do samba, que foi diretor musical da Leci
violão e também da guitarra. Pode Brandão e hoje está no grupo Fundo de
citar alguns? Quintal; o rei do suingue, Julio César
Tem o compositor Chico César; o Tomati Fejuca, do Sambô, grupo de enorme
(do Programa do Jô); os bluesman Nuno sucesso. E tem baixistas também, como
Mindelis e Lancaster; o grande violonista o supertalentoso Sérgio Carvalho, que
Camilo Carrara, (acompanhou Zizi Possi tocou por muitos anos com Djavan;
e prof. da Faculdade Cantareira); o Pedro Mariano; o multi-instrumentista
compositor Eduardo Gudin; o guitarrista Danilo Penteado, que ficou conhecido
Fernando Corrêa, da Orquestra Jazz pelo seu originalíssimo grupo de choro
Sinfônica do Estado e professor da 4X0; o Guto Brambrilla, ex-integrante
Faculdade Santa Marcelina, que hoje é do Sinequanon e professor do Souza
também um grande arranjador; a versátil Lima. E tem vários que não são tão
violonista Paola Picherzky, integrante conhecidos do público, mas são muito
do grupo Choronas e professora das bons, como o Paulo Oliveira, hoje
Faculdades FAAM e Santa Marcelina; fazendo doutorado na University of
Luis do Monte, filho do Heraldo do Monte Colorado (USA); Roberto Capocchi,
e ex-coordenador do IGT (Instituto que foi fazer mestrado na University of
38 • VIOLÃO+
CONRADO PAULINO
Arizona (USA) e ficou por lá; a Samanta música uma introdução caprichada
Okuyama, professora da prestigiosa (nunca muito longa), conferir a
Fundação das Artes de São Caetano, harmonia da canção – e sua eventual
e muitos mais. Até o Franco, violonista rearmonização – , planificar o solo
do cantor sertanejo Daniel, foi meu do meio e bolar um final criativo
aluno! (risos). Por sinal, ele é muito e condizente com a intenção da
bom. Mas sempre digo que, no caso intérprete, afinal, um grand finale
desses alunos talentosos, não faz muita forte, com uma nota aguda sustentada
diferença quem foram seus professores. longamente, é muito diferente de um
Espero ter ajudado um pouco, ou pelo final melancólico, com rallentando.
menos não ter atrapalhado, mas o meu Precisa prever os detalhes básicos,
verdadeiro orgulho como professor são comuns com a música instrumental:
os alunos com dificuldade. Aí é que a a tonalidade, o andamento, o estilo
competência do professor se comprova. rítmico, a forma e as repetições. No
É fácil dar aula para aluno talentoso, e Brasil, graças à riqueza da nossa
eu gosto, claro. Mas o desafio bacana música, temos grandes referências
é fazer os alunos superarem suas na arte de acompanhar. Na minha
dificuldades, e saber como fazer isso. opinião, o maior de todos, no momento,
é o Lula Galvão, quem também é
Você tem um trabalho importante improvisador incrível.
acompanhando cantores e cantoras.
Obviamente, o toque tem que mudar
em relação ao trabalho puramente
instrumental. Pode comentar a
respeito, sobre sua forma de pensar
nessas áreas ao mesmo tempo
próximas e distantes?
Acompanhar uma cantora exige
mudanças no jeito de tocar, é preciso
fazer um switch e mudar para o “modo
acompanhante”. O violonista tem que
estar, em primeiro lugar, a serviço
da intérprete e da canção, deixando
vaidades de fora. Mas também pode
ousar um pouco, seja na dinâmica, nos
contracantos ou na rearmonização.
O problema é encontrar o ponto de
equilíbrio para ser participativo e
criativo sem jamais prevalecer sobre
o intérprete. Se for um trabalho com
ensaio, dá para planificar os detalhes
do repertório e preparar para cada
VIOLÃO+ • 39
CONRADO PAULINO
desnecessariamente a harmonia, e
o costume dos violonistas de tocar o
baixo de todos os acordes. Isso faz
que estes caiam sempre no tempo
forte, “estragando” as síncopas e
contratempos, além de chocar com
o baixo do conjunto, atrapalhando o
trabalho do baixista. Com relação ao
espaço e à divisão de trabalho dentro
da banda, costumo dizer para os meus
alunos que a música é como um bolo.
Se você é o único músico, o bolo é todo
para você. Se você tocar em duo, terá
de dividir. Se tocar em um quarteto de
violão, piano, contrabaixo e bateria –
como é o meu quarteto – terá que dividir
o bolo com os colegas. Ele não vai
crescer, terá sempre o mesmo tamanho.

Depois do CLAM, você esteve


presente em outras instituições de
ensino de música. Quais as principais
Mesmo na área instrumental, é muito diferenças entre esses lugares?
diferente quando se está sozinho Depois que saí do CLAM, passei a
ou com um grupo. O que você faz, lecionar na ULM (Universidade Livre
por exemplo, para encaixar o violão de Música do Estado), que, em 2009,
numa banda? passou a chamar EMESP – Tom Jobim
Depende da formação da banda e (Escola de Música do Estado de São
do estilo. No caso da bossa nova Paulo – Tom Jobim). A diferença
“clássica”, o violão é o centro, tem que principal estava no perfil dos alunos.
ser ouvido com destaque e permanecer Na ULM/EMESP, que é pública, quase
na região média-grave do instrumento. todos tinham condição econômica
Se tocar um monte de inversões menos favorecida do que os alunos do
agudas, já não soará coerente com o CLAM, que era uma escola particular,
estilo. No caso do João Gilberto era a cara da zona sul. Além disso, a
fácil, porque nunca tinha contrabaixo ULM/EMESP sempre teve perfil mais
e o piano apenas complementava profissionalizante. Consequentemente,
a harmonia. Fora o caso específico o nível médio dos alunos era muito mais
da bossa nova, o problema do violão alto do que os alunos do CLAM. E como
dentro de um conjunto, geralmente, é a ULM/EMESP tem cursos de todos os
o número excessivo de notas dobradas instrumentos, da área popular e erudita,
dos acordes mais comuns, reforçando a convivência e troca de informações
40 • VIOLÃO+
CONRADO PAULINO
que tinha Debora Gurgel no piano e na
entre os alunos é muito mais proveitosa.
Como professor, sempre foi motivo de flauta, Marinho Andreotti no contrabaixo
e Celso de Almeida na bateria. Em
alegria e orgulho ter a possibilidade de
conviver com colegas tão importantes 2008, comemoravam-se cinquenta
como Sizão Machado, Nenê, Pixinga, anos da bossa nova e me chamaram
Daniel D’Alcântara, Mané Silveira, para fazer um show comemorativo
Alemão, Marcus Teixeira, Edu Ribeiro eno Museu Renault, na Argentina. O
tantos outros. O nível dos professorescontrato previa a gravação de um CD
é impressionante. ao vivo, e esse foi o meu segundo CD,
“Noches del Museo”. Em 2010, lancei
Além de tocar com vários artistas, um CD de violão solo, chamado “Wrong
você tem trabalhos autorais Way” e, no ano passado, saiu o novo
registrados em CDs. Quantos são e CD, “Quatro Climas”,
quais as principais diferenças entre com o meu quarteto. São trabalhos
eles? diferentes: no CD de violão solo, posso
Demorei bastante para “acordar” como mostrar meu lado intérprete e arranjador.
artista. Fiquei muito tempo sendo Já nos CDs com o Quarteto, prevalece
“operário” da música. Por isso, meu meu lado compositor e improvisador.
primeiro CD, “Quarteto”, saiu apenas Adoro os dois, mas dá muito trabalho
em 2005. Gravei com o meu grupo, manter um repertório solo em dia e, ao

VIOLÃO+ • 41
CONRADO PAULINO
mesmo tempo, manter a cabeça esperta muito diferente?
para a improvisação. São áreas diferentes, É difícil generalizar, mas de uma
que exigem estudos diferentes. coisa tenho certeza: o nível médio
dos instrumentistas melhorou no país
E que novidades você está inteiro, tanto na área erudita como
preparando? Tem novos trabalhos na popular. Antigamente, tudo se
“no forno”? concentrava no eixo Rio-São Paulo.
Agora estou preparando um novo CD de Hoje em dia, há instrumentistas de alto
violão solo, interpretando meus arranjos nível em todos os estados. Quando vou
e improvisações sobre o cancioneiro fazer workshops e oficinas em estados
brasileiro. É como se fosse o “volume II” distantes, encontro uma moçada muito
do meu outro CD de violão solo. Entre mais informada e esperta. Aconteceu
as canções, vai ter “Circo místico”, de um fenômeno similar ao que aconteceu
Edu Lobo e Chico Buarque; “Sem você”, com o atletismo: as marcas de dez anos
de Tom Jobim e Vinicius de Moraes; estão todas ultrapassadas. Na música,
“Falando de amor”, de Jobim; “Coisa mais também: hoje o pessoal toca mais,
linda”, de Carlos Lyra; “Tema de amor de melhor e antes, quando comparado
Gabriela”, de Jobim; canções belíssimas, com a média das gerações anteriores.
porém pouco conhecidas, como “Coração E, de fato, e apesar de que a mídia não
deserto”, de Elton Medeiros, e “Menina mostra, o nível atual de intérpretes,
da lua”, de Renato Motta. compositores e instrumentistas no
Como você, com tantos anos de Brasil é excelente. Mesmo sem apoio
estrada, vê o ensino de violão e da e divulgação, a música brasileira
música, atualmente, no Brasil? É vai muito bem, obrigado. E o violão
possível falar em termos gerais, ou brasileiro também. Talvez, mais ainda
nas, cidades, nos estados, isso é do que a média.

42 • VIOLÃO+
CONRADO PAULINO

VIOLÃO+ • 43
como estudar

Digitação:
prelúdios de
Breno Chaves
brechaves@gmail.com

Villa-Lobos Parte 2
Quando Villa-Lobos esteve em Paris pela primeira vez, em
1923, o pianista Arthur Rubinstein apresentou-o ao editor
Max Eschig, que, posteriormente, publicou e divulgou a
obra do compositor brasileiro na Europa. No processo de
edição, os manuscritos entregues por Villa-Lobos continham
algumas informações (em português) que os editores
ignoraram. Em obras polifônicas, Villa-Lobos utilizava a
notação proporcional: o uso de diferentes tamanhos de notas
para ajudar a visualizar a textura com mais clareza. Na obra
editada, digitações importantes não foram especificadas,
há andamentos e marcas de expressão que divergem do
original e sinais de repetição não aparecem em alguns
trechos, além de seções serem simplesmente omitidas.
Portanto, vamos dedicar as próximas edições de Violão+
aos “Cinco Prelúdios” de Villa-Lobos para passar algumas
dicas no que se refere as digitações e demais elementos
musicais que possam gerar dúvidas. Vale lembrar que a
análise do Prelúdio Nº 1 está na edição número 7.

Prelúdio Nº 2
No primeiro compasso, temos a nota Lá #, que deverá ser
ligada à nota Si através de portamento – que poderá ser
executado arrastando-se o dedo 4. Essa digitação deverá
ser repetida nos compassos 3, 5, 7, 14 e assim por diante:

44 • VIOLÃO+
como estudar
Escala do compasso 9 (leggiero)
Existem diversas possibilidades de digitação para essa
escala. Sugiro que seja executada simplesmente como
uma escala de Mi maior na primeira posição. A ligadura
existente é uma ligadura de frase, embora alguns
violonistas a executem ligada. O termo leggiero significa,
em italiano, que a escala deve ser executada de forma
“leve”, e não necessariamente rápida.

Os arpejos (Piú Mosso)


Nessa seção, a melodia está na linha dos baixos e deverá
ser tocada com o polegar – mesmo quando existirem
duas notas simultâneas (como no caso das notas Fá e
Dó na cabeça do tempo). Existem diversas digitações de
mão direita, algumas até utilizando o Sweep com o dedo
indicador. A que estou propondo seria a mais “tradicional”:
No exemplo a seguir, há uma sugestão de digitação de mão
direita que aparece na sequência da seção dos arpejos.
Bons estudos!

VIOLÃO+ • 45
sete cordas

Escala Menor Cleber Assumpção

Harmônica
cleberassumpcao@gmail.com

Olá, pessoal! Nesta edição vamos ampliar nossas


possibilidades de “frasear” com as baixarias, por meio do
conhecimento das digitações da escala menor harmônica.
Essa escala tem uma importância muito grande no sistema
tonal, pois gera o acorde de preparação (dominante) para
os acordes menores, além de gerar acordes muito comuns
na música tonal:

- Xm(7M) – menor com sétima maior


- Xm7(b5) – menor com sétima menor e quinta diminuta
(meio-diminuto)
- X7M(#5) – maior com sétima maior e quinta aumentada
- Xm7 – menor com sétima
- X7– maior com sétima menor
- X7M – maior com sétima maior
- X° - diminuto

Obs.: Volto aqui a frisar a necessidade de se aprofundar


cada vez mais na harmonia, sendo importante neste
momento estudar os assuntos relacionados ao Campo
Harmônico Menor Harmônico e funções harmônicas nas
tonalidades menores.

Como nossa intenção aqui não é abrir demais o “leque”
de informações teóricas, vamos voltar nosso foco para a
prática, apresentando exemplos de aplicações dessa escala
na criação de baixarias sobre progressões harmônicas
comuns na música popular.
Além de tocarem os exemplos apresentados no vídeo,
procurem transpor as digitações da escala menor
harmônica para outras tonalidades. E como um “macete”
prático, lembrem-se de que uma das principais aplicações
dessa escala é tocá-la sobre um acorde X7 (dominante)
que prepara para um acorde Xm (menor), sendo que ela
46 • VIOLÃO+
sete cordas
gera as tensões de nona menor (b9) e décima terceira
menor (b13) sobre o acorde dominante, que acrescentam
uma sonoridade muito interessante ao fraseado. Nessa
situação, sobre o acorde dominante, aplicamos a escala
menor harmônica, que coincide com a fundamental do
acorde de resolução, pensando no dominante como V grau
da mesma. Por exemplo:

Estrutura e digitações da escala menor harmônica


Tendo como foco a aplicação prática, podemos pensar na
escala menor harmônica como uma escala menor natural
com o sétimo grau elevado em meio tom.
Obs.: Na teoria musical, estudamos a escala menor
harmônica com o sétimo grau elevado apenas na sua forma
ascendente. Mas para a aplicação prática na criação de
frases, aplicamos tal alteração tanto de forma ascendente
quanto descendente.
Vejamos abaixo a estrutura das escalas de Lá menor
natural e Lá menor harmônica:

VIOLÃO+ • 47
sete cordas

Agora vamos verificar algumas sugestões de digitação da


escala de Lá menor harmônica nas cinco regiões do braço
do violão. Assim como fizemos com a escala diatônica, a
intenção é “mapear” o braço do instrumento, assimilando
todas as notas que fazem parte da escala em cada uma das
regiões, buscando memorizar a localização das tônicas!

Observações
• as “bolinhas” pretas indicam as casas onde as notas devem ser pressionadas;
• as “bolinhas” brancas indicam as notas que estão em cordas soltas no primeiro
diagrama;
• as tônicas, indicadas com a letra “T”, referem-se à nota Lá;
• os algarismos romanos, à esquerda dos diagramas, indicam as casas na escala
do instrumento;

48 • VIOLÃO+
sete cordas
Exercícios de aplicação
Exercício 1: Lá menor

Exercício 2: Lá menor

Exercício 3: Ré menor

Exercício 4: Ré menor

VIOLÃO+ • 49
sete cordas
Exercício 5: Sol menor

Exercício 6: Sol menor

Exercício 7: Dó menor

Exercício 8: Dó menor

50 • VIOLÃO+
siderurgia

Estudos de
sextas Eduardo Padovan

Olá, amigo! Nessa edição de Violão+, darei outro exemplo


do processo de aprendizado que acredito fazer sentido.
Na edição anterior, falei um pouco sobre como aplico
um novo assunto teórico em meu cotidiano de estudos,
adicionando o tema abordado a algo do meu repertório (no
caso, a melodia de “Tenho Sede” – confira na edição 7).
Nesta edição, quero falar sobre um assunto que poucas
vezes é abordado no ensino em geral, isso porque não
se trata de algo que podemos quantificar ou mesmo
qualificar, mas analisar e fazer reflexões e apontamentos
para a continuidade do desenvolvimento. Estou falando
de criatividade. Falar de criatividade é extremamente
complexo, e é exatamente por sua complexidade e riqueza
que acredito nela como ferramenta para nossos estudos.
Deixe-me explicar.
Você já parou para pensar em quantos livros de estudos
já foram editados mundo afora só para o violão? Para
citar alguns: Villa-Lobos, Radamés Gnattali, Leo Brouwer,
Ulisses Rocha e muitos outros. E por acaso você já parou
para pensar quanto esse compositores aprenderam sobre o
instrumento enquanto estavam elaborando esses estudos?
Pois é... Para mim, é aí que está a riqueza desses estudos.
É a riqueza de pensar a respeito de um assunto e, utilizando
aquilo que se assimilou, elaborar algo musical, desafiador
e criativo, que faça sentido para a sua prática. Ou seja,
você estudou, identificou uma dificuldade e criou algo que
irá te ajudar no desenvolvimento do tema estudado.
Para ficar mais claro e colocar o que falei em prática,
resolvi criar um estudo sobre os intervalos de sexta,
afinal, foi o assunto tratado na edição passada.
No que pensei para criá-lo? Colocar em prática situações em
que encontramos os intervalos de sexta frequentemente.
Pronto! Lembrei que é muito comum a utilização de
notas em intervalos de sexta com a função de reforçar a

VIOLÃO+ • 51
siderurgia
harmonia. Exemplo: enquanto estamos em um acorde de
C (Dó Maior) é muito comum que se toque os intervalos
de terças contidos no acorde de forma invertida, assim,
as duas terças empilhadas no acorde de Dó Maior (Dó-
Mi e Mi-Sol) quando invertidas passam a ser duas sextas
(MI-Dó e Sol-Mi).
O estudo escrito abaixo está na tonalidade de Lá maior
e, ao fazê-lo, quis praticar cadências muito comuns do
sistema tonal. Então, com uma breve análise da harmonia
(escrita na partitura), é fácil encontrar cadências do tipo:
II-V; II-V-I e IV-II-V-I.
Ouça, toque e veja se faz algum sentido para você. Se
não fizer, não tem problema: talvez esse seja mais um
ótimo motivo para você criar o seu estudo, abordando algo
que te interesse (como por exemplo: arpejos, escalas,
cromatismos etc.). Com o tempo, você irá perceber que
estudar pesquisando, analisando e criando vale muito
mais a pena do que aquele estudo estritamente mecânico.
Espero que tenha gostado! Nos encontramos na próxima
edição. Abração!

“Estudo de intervalos de sexta”


Eduardo Padovan

52 • VIOLÃO+
siderurgia

VIOLÃO+ • 53
em grupo

Padronização de
notações
Thales Maestre

Tratei, na edição anterior, dos aspectos elementares


relacionados à estruturação de uma camerata de violões
com base em minha experiência com a Camerata do
Programa Guri Santa Marcelina. Na presente edição,
apresentarei outro aspecto relacionado à organização
desse trabalho, referente à busca por uma padronização de
notações associada a procedimentos técnicos e musicais.
As experiências vivenciadas mostraram que obtivemos
bom aproveitamento na condução dos ensaios e êxito no
resultado musical em decorrência dessa padronização.
Em uma orquestra tradicional, é comum o uso de um
sistema de notação padronizado, relacionado a fraseados,
ataques, timbres, articulações. As definições das arcadas
no instrumento de cordas, bem como a indicação do uso
da surdina para o trompetista ou a solicitação do efeito
bouché na trompa, são exemplos de indicações que
determinam procedimentos técnicos de acordo com a
sonoridade desejada.
Nos arranjos elaborados para a Camerata do Programa
Guri Santa Marcelina, constam diversas indicações.
Algumas são consagradas pela grafia tradicional – mas,
normalmente, não evidenciadas nas partituras para violão;
outras foram inventadas com base no que os violonistas
buscam para expandir a gama de coloridos possíveis.
Preestabelecer essas indicações representou importante
ganho nas práticas de ensaio e no direcionamento dos
estudos por parte dos alunos. A maior parte delas refere-
se à exploração de timbres, definição de articulações na
condução dos fraseados e padronização técnica (“ataques”
ou “golpes”), visando ao controle das intensidades não
apenas por meio das notações de dinâmicas. Elementos
comuns a todo violonista, mas que, em um grupo com
blocos de naipes, necessitaram sistematização.
54 • VIOLÃO+
em grupo
Mão Direita
Um desses elementos aborda a mão direita, que pode
ser posicionada em diferentes regiões, desde próximo ao
cavalete até sobre a escala do instrumento, permitindo
variedades de timbre. A definição sobre em que região
tocar, associada a um padrão técnico de colocação
de mão direita (diferentes ângulos) e de toque (apoio
ou sem apoio), representa grande parte do trabalho
de “orquestração” do grupo, como se estivéssemos
fazendo uso de diferentes instrumentos. Exploram-se
as possibilidades de timbres do violão buscando os
diferentes coloridos.
As notações que aparecem nos arranjos sugerem
ideias de sonoridade relativas ao timbre. Claro que não
têm a pretensão de serem definitivas, tendo em vista
que a obtenção de um determinado timbre depende
de inúmeras variáveis, como as características do
instrumento, a colocação de mão direita, o uso da unha.
Caberá ao regente do grupo, com o devido conhecimento
técnico, definir os “ataques” que serão realizados pelos
integrantes do naipe, visando a um resultado homogêneo
e equilibrado.
Assim, as notações de posicionamento de mão direita
simplesmente sugerem possibilidades sonoras a serem
lapidadas pela técnica. Exemplos: uma sugestão de
posicionamento próximo ao cavalete pretende, como
resultado, um timbre “metálico”; um posicionamento de
mão direita sobre a escala do violão ou boca sugere um
timbre mais “doce”. Agora, o quão metálico ou doce será,

VIOLÃO+ • 55
em grupo
dependerá do ângulo de ataque, da unha e do tipo de toque.
Para isso, o ensaio de naipe é fundamental. É o momento
em que o naipe buscará a matização dos timbres entre
seus integrantes a partir de um consenso preestabelecido
sobre qual sonoridade deverá obter, que será definida pelo
regente com base nas orientações das notações.
As notações mostraram-se muito úteis nos estudos
individuais, ensaios de naipes e, com a devida “lapidação”
por parte do regente, nos ensaios gerais, contribuindo para
a conquista de um timbre homogêneo dentro de cada bloco
de naipe e para a diversidade de coloridos entre os naipes.
Trabalhamos com as seguintes variações:
CA – Cavalete (metálico – seco – ardido – rarefeito);
ECM – Entre cavalete e mosaico (região onde a corda é
tensa; obtém-se um metálico com projeção sonora mais
encorpada e menos estridente do que na região do cavalete);
MO – Sobre o mosaico (brilhante – incisivo);
BO – Sobre a boca do violão (doce – suave);
ES – sobre a escala (aveludado – delicado – leve).
Essas sugestões de posicionamento de mão direita refletem
ideias de timbres a serem obtidos e podem estar associadas
a ideias de intensidade. Quando surge uma solicitação de
posicionamento de mão direita sobre a escala, certamente
não se pretende sons fortes. Muitas vezes, essas notações
vêm acompanhadas de outras, referentes à padronização
dos toques de mão direita e digitações (p,i,m,a) para
complementar as ideias de timbres e intensidades a obter.
Exemplos:
P (polpa) – polpa do polegar com apoio (timbre mais
opaco; cria-se a ilusão de som mais encorpado e maior
preenchimento, muito usado nas linhas do baixo para
sustentação da voz grave);
P (com unha) – polegar com unha (timbre mais brilhante);
Toque com apoio – consegue-se maior projeção sonora
(funciona bem em escalas/trechos melódicos);
Toque sem apoio – sons mais leves (melhor aproveitamento
da ressonância/duração dos acordes/arpejos/linhas da
harmonia).
Eventualmente, anota-se, com a solicitação de timbre, o
tipo de toque:
c/a – com apoio s/a – sem apoio
Todos sabemos que é possível transitar por diferentes
56 • VIOLÃO+
em grupo
intensidades, independentemnte de os toques serem
com ou sem apoio. Poderíamos considerar que o uso
das notações tradicionais de dinâmicas seria suficiente
para representar tais nuances, porém também sabemos
que os diferentes ataques podem facilitar a execução
do que se quer expressar musicalmente. Consegue-se
um som forte com maior facilidade quando o ataque é
realizado com apoio. Dessa forma, é importante que este
seja padronizado dentro de um bloco de naipe a fim de
obter não só o som forte, mas também a matização dos
timbres mais facilmente. Isso torna mais clara a colocação
de mão direita e, consequentemente, a definição dos
ângulos de ataque. O toque com apoio, associado a
um som forte, ocorre de maneira satisfatória mais em
trechos melódicos e com andamentos não tão rápidos.
Para trechos mais rápidos, o semiapoio aparece como
boa opção.
A questão do uso do toque com ou sem apoio sempre pode
gerar discordância entre violonistas. O que está relatado
aqui é a maneira como trabalhamos. Associamos o tipo
de toque, com apoio ou sem apoio, às possibilidades de
maior ou menor projeção sonora, geralmente associada
à orientação de dinâmica. Como dito, é possível um
toque sem apoio forte e gerando sons fortes, bem como
um toque com apoio fraco e gerando sons fracos. Basta
controlar o “ataque”.
Associar tais toques às diferenças de projeção sonora
trouxe ganhos para o equilíbrio entre os naipes: que
naipe deve ter maior destaque; qual fica um pouco mais
“escondido”; como destacar os contracantos. Dessa

VIOLÃO+ • 57
em grupo
forma, mesmo em momentos em que se exige uma
dinâmica forte para todo o grupo, é possível estabelecer
diferenças de projeção entre os naipes (dependendo dos
destaques que precisam ser evidenciados) determinando
a maneira de ferir a corda – o que sempre se associa
à solicitação do regente, relacionada com a análise da
obra em busca de boa interpretação musical.
A padronização dos ataques ligada à definição de
articulação também colabora para a boa condução do
andamento e a precisão rítmica executada pelo bloco de
naipe. Logo, nota-se que a definição desses elementos
representam, em grande parte, o êxito que podemos
obter. Timbres, fraseados homogêneos, equilíbrio entre
os naipes e sincronia dependem do rigor com que se
exigem os fundamentos técnicos e elementos musicais
descritos.

Mão Esquerda
As definições das digitações de mão esquerda associam-
se às notações de mão direita. Aqui, basta utilizar a notação
consagrada utilizada pelos violonistas. Os integrantes de
um mesmo naipe devem fazer a mesma digitação, que
estará a serviço da matização de timbres na condução
dos fraseados. Definir as digitações é fundamental para o
resultado musical. Um trecho que poderia ser executado
com facilidade na primeira posição, utilizando as primas
e cordas soltas, pode ser trabalhado nos bordões,
resultando em um timbre “fechado” e com “corpo”. Sei o
quanto isso é óbvio para os violonistas, mas, diante da
não consideração desse aspecto em diversos grupos de
violões, vale reforçá-lo.
A digitação de mão esquerda é item fundamental do
trabalho de orquestração de uma camerata de violões.
Ao determiná-la, é como se estivéssemos escolhendo
diferentes instrumentos, tal como em uma orquestra
tradicional, na busca por uma gama de coloridos.
Por isso, na produção de arranjos, toda a digitação é
previamente determinada.
Sempre julgo importante, durante a condução dos ensaios,
oferecer aos alunos algumas abordagens técnicas sobre
o planejamento mecânico de mão esquerda. Por tratar-
se de um grupo pedagógico, ou seja, com alunos cuja
58 • VIOLÃO+
em grupo
formação técnica está em andamento, é bom tornar
consciente alguns procedimentos técnicos – como noções
sobre deslocamentos (dedo guia, rotação, posições
fixas) e apresentações de mão esquerda longitudinal e
oblíqua. Sabemos que a aquisição de algumas dessas
habilidades podem se dar tacitamente, com a prática da
digitação determinada nos arranjos, porém situar o aluno
proporciona conhecimento, e isso representa mais um
ganho na condução dos ensaios de naipe e na busca de
padrão técnico para o grupo.

Articulações
Definir as articulações na partitura também traz importante
ganho para a condução dos ensaios. É certo que as diversas
notações referentes a articulações podem ser definidas
durante o ensaio de acordo com a concepção do regente. Um
músico experiente, que domina a linguagem do repertório,
realizaria as articulações devidamente sem precisar anotá-
las. É o que ocorre com chorões, jazzistas, especialistas
em música antiga, cujas articulações normalmente não
estão evidentes na partitura. Em uma camerata artístico-
pedagógica, é preciso que o direcionamento seja dado tanto
para obter fraseado claro e homogêneo do bloco de naipe,
quanto para aproximar o grupo da linguagem em questão.
Como visto, a boa execução das articulações favorece a
manutenção dos andamentos por causa da precisão dos
ataques de cada bloco de naipe.
Temos adotado as notações tradicionais da escrita musical,
como o ponto sobre a nota representando o staccato e o
traço sobre a nota representando o tenuto. Quanto aos
legatos, subentende-se que, quando não há marcações,
adota-se essa articulação – embora façamos uso da linha
curva para compreensão de determinados fragmentos
melódicos a fim de estabelecer o tamanho da frase e sua
articulação.
Para que o leitor tenha contato com o que foi descrito, há
um exemplo que traz o arranjo da música “Marcha Triunfal
Brasileira”, de Américo Jacomino, o Canhoto. Posto o
arranjo completo, com grade e partes cavadas, para que
os professores possam trabalhar com suas cameratas ou
analisar as notações. Até a próxima edição, em que tratarei
da concepção dos arranjos!
VIOLÃO+ • 59
f lamenco

Picado Flavio Rodrigues


www.flaviorodrigues-flamenco.eu

Olá amigos leitores! Neste oitavo número da Revista


Violão+, referente à técnica, vamos retomar o picado, para
aplica-lo no compasso de 12 tempos, dentro da escala de
Mi Maior. Consequentemente, essa mesma escala será
utilizada no nosso repertório por Alegrias, que seguirá com
uma sequencia de acordes rasgueados, cifrados a seguir:

A E C/G B/F# B7/F# E

Como curiosidade, vale acrescentar que essa escala foi


utilizada por Paco de Lucía em suas primeiras gravações,
quando ele tinha apenas 16 ou 17 anos de idade, executada
com uma velocidade e uma limpeza sem igual.
Em relação à mecânica que utilizo para executar o rasgueo
de dedos neste caso, segue o seguinte esquema/ordem:

A M I I I

Obs: Reparem nas flechas, que indicam o sentido dos


dedos ao tocar (para cima/baixo). Se houver dúvidas em
quanto ao ritmo, procure o quadro rítmico que publicamos
em números anteriores (5 e 6).

60 • VIOLÃO+
f lamenco

#FicaAdica
Sirimusa
(2006)
Jose Manuel León

Disco de debut de um
dos guitarristas jovens
mais surpreendentes e
inovadores dos últimos
tempos. Jose Manuel
León foi apresentado no
início da década anterior
dentro do disco “La Nueva Escuela de la Guitarra
Flamenca”, produzido pelo Maestro Gerardo Nuñez.
Podemos destacar, entre outras coisas, uma técnica
espetacular, tanto em virtude (velocidade, limpeza
e segurança), como em amplitude (domina todas as
técnicas da guitarra flamenca com absoluta soltura e
fluidez). Também é importante destacar a originalidade
nas composições, instrumentações e arranjos, assim
como suas apartações harmônicas, buscando sempre
expandir sua zona de conforto, sem jamais renunciar
à musicalidade, à beleza e ao flamenco, que é a sua
essência. Todos os temas do disco são composições
próprias.

Destaques: “Chamuskina”, “Tonga” e Sirimusa”.

VIOLÃO+ • 61
iniciantes

“Love Me Tender” Ricardo Luccas


Parte 2 rnluccas@gmail.com

Olá a todos, como foi estudar com o metrônomo? Fiquem


tranquilos, leva um tempo para se acostumar. Persistam,
pois é muito útil no dia a dia de estudos. Reforço a dica:
para ter sucesso no uso do metrônomo, devemos estudar
em andamento lento e, gradativamente, subir a velocidade
(de 10 em 10%).
Tiveram sucesso com a execução da melodia e o exercício
de colocação dos baixos na música “Love Me Tender”?
Primeiramente, vamos ver o exercício de colocação dos
baixos resolvido. Há outras formas de fazer: poderia
ser com quatro notas por compasso (semínimas), duas
(mínimas), ou apenas uma (semibreve). Aqui, optei por
colocá-lo a cada dois tempos. Tente executar utilizando
os dedos i e m (indicador e médio) da mão direita para
tocar a melodia, e o p (polegar) para tocar os baixos.
Vamos executar a música junto com o playback, fazendo a
melodia e exercitando o acompanhamento em dedilhado.

“Love Me Tender”
Ken Darby

62 • VIOLÃO+
iniciantes

Nesta versão, há dois compassos com a indicação do


andamento antes de iniciarmos a música. O dedilhado
é P, I, MA, I (o médio e o anular devem ser tocados ao
mesmo tempo). O polegar varia entre as cordas 6, 5 e
4, conforme o baixo de cada acorde (indicado nas cifras
por uma bolinha no diagrama); o indicador tocará sempre
a terceira corda; os dedos médio e anular tocarão,
respectivamente, a segunda e a primeira cordas. Vejam
o vídeo que acompanha a explicação desse exercício.

Acordes para “Love Me Tender”

VIOLÃO+ • 63
iniciantes
Assistam ao vídeo que apresenta o playback e baixe o
arquivo MID.

Escalas maiores
Nesta edição, aprenderemos a tocar algumas escalas
maiores em uma oitava e na primeira região do braço do
violão. A escala maior é formada por uma sequência de
notas com a distância de tom, tom, semitom, tom, tom,
tom, semitom – a partir da tônica, ou primeiro grau, até sua
repetição uma oitava acima.
Primeiramente, devemos saber que semitom é a menor
distância existente entre uma nota e outra no violão, distância
que se traduz em uma casa. Os dois semitons naturais que
aparecem na escala estão entre as notas Mi - Fá e Si - Dó.
Chamando cada nota da escala pelo seu grau, em Dó Maior,
Dó é o primeiro grau; Ré, o segundo; Mi, o terceiro; Fá, o
quarto; Sol, o quinto; Lá, o sexto; Si, o sétimo. O Dó que
aparece novamente é a oitava. Dessa forma, para a escala
ser maior, os semitons devem estar localizados entre os III e
IV graus e VII e VIII graus. Então, vejam o vídeo explicativo
dessa nova matéria. ESCALA MAIOR
ESCALA MAIOR
Dó maior ESCALA MAIOR
44 DÓ
DÓ MAIOR
« « « «
« «
« «
« «
« « « «
« « «
« « «
ˆ
« «
ˆ
« ˆ
«
« ˆ
«
« ˆ
«
« ˆ
«
« «
ˆ
« «
ˆ
« « «« «« «
« «
ˆ «
ˆ
MAIOR
& 4 “ { _««ˆ «ˆ« «ˆ« «ˆ l ««ˆ ««ˆ «ˆ« «ˆ« l «ˆ« «ˆ« ««ˆ ««ˆ l «ˆ «ˆ« «ˆ« _««ˆ =”{
=======================
& 4 “ { _«ˆ« «ˆ «ˆ« «« l «ˆ« «ˆ« ˆ« ˆ« l ˆ« ˆ« «ˆ« «ˆ« l «« «ˆ« «ˆ _««ˆ =”{
DÓ MAIOR
=======================
& “ { _«ˆ« T «ˆ« T ˆ« ST ˆ« T l T T ST l
=======================
3
3
0
0
2
2
3
3
0
0
2
2 l ˆ« ˆ« «ˆ« _««ˆ =”{
0
0
1
1
1
1
0
0
2
2
0
0
3
3
2
2
0
0
3
3
3 T T ST T
0 2 T 3T 0 2 0 ST1 1 0 2 0 3 2 0 3
T T ST T T T ST
Sol maior
« « « «
SOL MAIOR
« « « « « « « «
& “ { __«« __«««ˆ _««ˆ _««ˆ l ˆ«« «ˆ« #ˆ« ««ˆ l ««ˆ #ˆ« «ˆ« «ˆ«« l _«««ˆ _«««ˆ __««««ˆ _««« ”{
« « « « « « #ˆ ˆ
« ˆ
« #ˆ «
SOL MAIOR
======================== « «
& “ { __«ˆ« __««ˆ _««ˆ _««ˆ l «ˆ «ˆ« «« «ˆ« l «ˆ« «« «ˆ« «ˆ l _««ˆ _««ˆ __««ˆ ___«ˆ« ”{
SOL MAIOR
========================
& “ { __ˆ«« T __««ˆ T _««ˆ ST_««ˆ T l «ˆ« T ˆ« T #ˆ« ST l #ˆ« ˆ« «ˆ« l _««ˆ _««ˆ __««ˆ __«ˆ« ”{
========================
«ˆ T T ST T T T ST «ˆ
3 0 2 3 0 2 4 0 0 4 2 0 3 2 0 3
3 0 2 3 0 2 4 0 0 4 2 0 3 2 0 3
3 0 2 3 0 2 4 0 0 4 2 0 3 2 0 3
T T
« «
T T ST T ST
« »
œ »
œ «
RÉ MAIOR
Ré maior
« «
« «
« «
ˆ
« «
ˆ
« »
œ
» #œ »
» »
»
œ »
»
œ #œ »
» »
œ
» «
ˆ
« «
ˆ
« «
« «
« «
#ˆ « » » #ˆ
& “ { «ˆ« «ˆ« #ˆ«« «ˆ« l «ˆ« »œ» #œ»» »»œ l »»œ #œ»» »œ» «ˆ« l «ˆ« #ˆ«« «ˆ« ««ˆ« ”{
« «
RÉ MAIOR
========================
RÉ MAIOR
========================
& “ { ˆ« «ˆ« « «ˆ« l «ˆ« »œ» #œ» »» l »» #œ» »œ» «ˆ« l «ˆ« « «ˆ« «ˆ ”{
& “ { ˆ«« ˆ« #ˆ«
0 T l T » T »
========================
0 2

T 2 T 4 ST 0
4 0
l 2
2 » » 0
0 l #ˆ« ˆ« «ˆ« ”{
2
2 ST 3
3 3
3
2
2
0
0
2
2
0
0
4
4
2
2
0
0
0 T 2 T 4 ST 0 T 2 T 0 T 2 ST 3 3 2 0 2 0 4 2 0

T T ST T T T ST
« « «« «« «« « «
LÁ MAIOR
« «
& “ { _««« _«« #_«««ˆ «««ˆ l ««ˆ #ˆ««« #ˆ«« «ˆ««ˆ l «ˆ««ˆ #ˆ«« #ˆ««« ««ˆ l «««ˆ #_«««ˆ _«« _««« ”{
LÁ MAIOR
========================
64 • VIOLÃO+
LÁ MAIOR
& “ { «ˆ« ˆ« #ˆ« » »
========================
l l » » l #ˆ« ˆ« «ˆ« ”{
0 2 4 0 2 0 2 3 3 2 0 2 0 4 2 0

T T ST T T T ST iniciantes
La maior
« «« «« «« « «
LÁ MAIOR
« « «
& “ { __««««ˆ _«««ˆ #_««ˆ« ««ˆ« l «ˆ« #ˆ«« #ˆ« ˆ« l ˆ« #ˆ« #ˆ«« «ˆ« l ««ˆ« #_««ˆ« _«««ˆ __««««ˆ ”{
========================
0 2 4 0 2 4 1 2 2 1 4 2 0 4 2 0
T T ST T T T ST
Fa maior
«« ««ˆ« ««ˆ« bœ»» »
œ »
œ »
œ
» »
œ
» »
œ »
œ « «« ««
FÁ MAIOR
»
œ
» » »
» » » »
» » »
œ
» bœ» «
«
ˆ
& “ { ˆ« » l » »
======================== l » » l »» ˆ« ˆ« ”{
3 0 2 3 1 3 0 1 1 0 3 1 3 2 0 3
T T ST T T T ST

Agora, vamos executar juntos, usando o metrônomo


(semínima igual a 60) como base para o estudo. Tocaremos
as escalas executando uma vez cada nota, duas vezes
cada nota, quatro vezes cada nota e depois três vezes
cada nota (sempre revezando os dedos indicador e médio
da mão direita).

TODA A INFORMAÇÃO QUE VOCÊ QUER...


E NÃO TINHA ONDE ENCONTRAR!
• As notícias mais quentes do universo das teclas
• Os mais importantes músicos em entrevistas exclusivas
• Testes e reviews dos principais lançamentos do mercado
• O melhor time de colunistas em aulas imperdíveis
• Equipamentos e artistas que fizeram história Gratu
Multi ita
• Educação, cultura e entretenimento mídia
Suste
ntáve
l

www.teclaseafins.com.br
Teclas & Afins é compatível com
& AFINS

computadores, tablets e celulares


para que você possa ter acesso à
informação onde e como desejar!
A REVISTA DIGITAL DE TODOS OS INSTRUMENTOS DE TECLAS
AUDIO - PERIFERICOS - PRODUCAO - COMPOSICAO - ARRANJO E MAIS

VIOLÃO+ • 65
VIOLA caipira

Fatiando
a viola Fábio Miranda
www.fabiomirandavioleiro.com

Para pontear a viola com sagacidade e ao mesmo tempo


manter o rosto sereno, a violeira deve saber bem por
onde pateia com os dedos no braço do pinho. No be-
a-bá da viola, é costume, desde o início, reconhecer
as escalas duetadas que percorrem as cordas pelo
braço do instrumento*– porém saber pontear em linha,
deslizando pelos mesmos pares de cordas, é o primeiro
passo para dar um importante salto nas artimanhas
violeiras: pontear duetado, só que mudando de cordas!

E como isso pode ser feito?


A viola caipira, assim como tantos outros instrumentos
de cordas, tem uma manha importante: pode-se apertar a
mesma nota em diferentes lugares do braço. Isso acontece
por causa da forma como as cordas são afinadas, lá na
mão do instrumento, e favorece a tocadora a afinar seu
instrumento a partir de uma única corda (podemos ver
isso com detalhes em uma futura aula). E é isso que
também vai ajudar os dedos a pularem de par em par.
Vamos pegar como exemplo a escala duetada que vimos
na edição número 1 de Violão+. Essa escala começa
tocando as cordas turinas e toeiras soltas, marcando o
primeiro grau da escala do tom do cebolão, e percorre a
distância de uma oitava até chegar ao primeiro grau uma
oitava acima (mais agudo). Até aqui, percorremos esse
caminho sempre pisando nas turinas e toeiras (terceiros
e quartos pares), ou seja, seguindo sempre nas mesmas
cordas, em linha. Agora, vamos experimentar fazer essa
mesma escala (mesmas notas), só que mudando de
dueto à medida que pudermos tocar os graus em outro
lugar. Olhem a progressão em três passos:

66 • VIOLÃO+
VIOLA caipira

Percebam que a sequência de graus foi mantida; só


mudou a forma de percorrer o braço! No terceiro passo,
conseguiríamos pontear a mesma escala, que antes era
em linha, pulando de corda em corda. O que antes seguia

VIOLÃO+ • 67
VIOLA caipira
em linha até o bojo da viola seguirá transversalmente,
passando de dueto em dueto até cumprir a oitava. Olhem
de perto:

Tá, mas pra quê saber fazer isso? Bom, vocês vão descobrir
à medida que forem fazendo, mas posso compartilhar
algumas coisas boas que isso me proporcionou:
1) Mais opções de digitação para fazer uma mesma
melodia;
2) Maior facilidade para pontear duetado em outros
tons;
3) Maior facilidade para visualizar e montar acordes;
4) Não precisar fazer nenhum pacto nas encruzilhadas.
Deve haver outras vantagens, mas lembrem: para pontear
bem a viola, é preciso percorrer as estradas retas e as
tortas também, as escalas em linha e as transversais!
Se imaginarmos essa fatia como uma digitação fixa
para estudo, como se estivesse dentro de uma caixa,
poderíamos chamar de FATIA I. Tente percorrê-la de
cabo a rabo, seguindo a ordem dos graus escrita abaixo.
Ela ficaria bem assim, ó:
68 • VIOLÃO+
VIOLA caipira

Óia bem! Incluí o 6º e o 7º graus mais graves para


completar a fatia no braço da viola. Para diferenciar os
graus mais graves (abaixo da oitava principal), optei por
colocar um traço em cima do número do grau. Quando
o traço vier embaixo, sublinhado, é porque o grau está
acima da oitava principal.
Agora, vamos dançar pelos duetos, caminhando pela
melodia da introdução da toada “Chico Mineiro” (Tonico/
Francisco Ribeiro). Lembrem que essa melodia, feita
na fatia, deve soar como se fosse ponteada em linha.
Tentem lá:

1 2 3 4 4 4 4 5 5 5 4 3 3 3 3 6 6 6 6 5 5 5 4 3 4 3 2 1

Deu certo? O que vocês acharam? Tentem de


novo e prestem atenção se estão tocando os graus
correspondentes! Vão fatiando, mas deixem a viola
inteira!

* As escalas duetadas foram trabalhadas nas lições no 1,


3 e 4 de Violão+.
VIOLÃO+ • 69
fundamentos da improvisação

Padrões (Patterns)
Alex Lameira
www.alexlameira.com.br

Seguindo os passos dos mestres, devemos estar cada


vez mais preparados para o momento de improvisação
por meio dos fundamentos que nos darão munição para
que nossa criatividade flua e que, cada vez mais, você
encontre a sua essência, as suas próprias frases e o
seu próprio jeito de tocar e improvisar, como dito por
Egberto Gismonti, a fim de expressar sua opinião sobre
aquela determinada cadência de acordes dentro daquele
tema e gênero em especial. Por isso, pessoalmente, não
acredito em licks, em “tirar de ouvido” ou ler improvisos de
outros músicos, para justamente criar uma personalidade
musical própria.
Alguns fundamentos, no entanto, passam pela aptidão
motora de intervalos. Disso, surgirão motivos que serão
escolhidos como pontes, ideias e assuntos dentro da
improvisação. Sendo assim, temos alguns padrões de
intervalos que podemos utilizar, além de criar nossos
próprios. Seguem aqui alguns dos principais. Os exemplos
estão escritos em C maior, mas é ótimo estudar estes
padrões em todas as escalas e em todos os tons.

Padrão em terças:

Padrão em grupo de 3 notas

70 • VIOLÃO+
fundamentos da improvisação
Padrão em grupo de 4 notas:

Interessante também fazer grupo de quatro em tercinas:

Ou grupos de três em semicolcheias:

Tudo em 4 por 4 , por exemplo, para criar frases para


improvisar em temas mais modernos.
Crie padrões seus. Criei este aqui, por exemplo, e
vou deixar “embaixo do dedo”. Se tiver algo pessoal,
com o tempo pode criar uma característica própria nos
improvisos.

Na próxima edição, falaremos sobre como improvisar


em estilos diferentes, como baião, samba, choro, sem
sair do estilo característico de cada um. Abraços!

VIOLÃO+ • 71
de ouvido

Ouvir
tonalmente Parte 2
Reinaldo Garrido Russo
www.musikosofia.com.br
duemaestri@uol.com.br

A capacidade em ouvir e reconhecer o elemento musical é


conquistada por um treinamento diário. É possível exercitar
em qualquer lugar: no ônibus, no trem do metrô, no banco
do carona, andando, correndo, fazendo ginástica. Só não
é recomendável fazê-lo quando estamos dirigindo um
automóvel. Duas buzinas que tocam, os primeiros sons
de uma canção no rádio, a campainha da casa do amigo,
qualquer coisa poderá ser identificada musicalmente.
Dando continuidade aos exercícios da edição 7, iniciaremos
com a errata referente à mesma. Onde está escrito “78
grupos”, no Exercício 01, leia-se “63 grupos”.

Vamos à correção do Exercício 01 – Áudio 01


Antes de conferirmos os resultados, determinaremos o
seguinte: considerando que os exercícios tem sempre
como primeiro som do grupo a nota Dó e, em seguida, um
som mais agudo da escala mostrada a seguir,

DÓ RÉ MI FÁ SOL LÁ SI DÓ
U 2 3 4 5 6 7 8

faremos a tabela de correção com os números que


representam a quantidade intervalar (explicitada em
edição anterior) de cada som da escala em relação ao Dó.
Por exemplo: Dó-Sol é um intervalo de quinta, portanto
escreveremos “5”. Quando nos deparamos com Dó e, em
seguida, o mesmo Dó, temos um intervalo de uníssono,
portanto escreveremos “u”. Confira.

1) u 2) 8 3) 2 4) u 5) 8 6) 2 7) 8 8) 3 9) 8 10) 4
11) 8 12) u 13) 5 14) 4 15) 3 16) u 17) 8 18) 3 19) 4 20) 5
21) u 22) 8 23) 5 24) 4 25) 5 26) 3 27) 4 28) 2 29) u 30) 8
31) 8 32) u 33) 8 34) 7 35) 8 36) u 37) 7 38) 6 39) 5 40) 8
41) 7 42) 6 43) 7 44) 8 45) u
72 • VIOLÃO+
de ouvido
46) 2 47) 3 48) 4 49) 5 50) 6 51) 7 52) 8 53) u 54) 7 55) 6
56) 7 57) 5 58) 6 59) 4 60) 3 61) 2 62) 7 63) 8

Exercício 02 – Áudio 02

1) u 2) 8 3) 2 4) u 5) 8 6) 2 7) 8
8) 2 9) 3 10) 4 11) 5 12) 6 13) 7 14) 8

A audição tonal
Quando ouvimos uma melodia*, o reconhecimento das notas
pode ser feito de duas maneiras. A primeira é reconhecer
em cada nota que surge em nossa mente o intervalo
existente entre ela e a anterior. É importante sabermos qual
a primeira de todas do grupo. Este método é largamente
usado para identificar as notas de melodias “atonais**”.
A segunda forma é reconhecer a nota em relação àquela
que nos dá a sensação de repouso e que denominamos
“tom”. Os sons vão surgindo em nossa mente com funções
em relação à primeira da escala que nos dá a sensação de
repouso. Esta forma é a que nos interessa. Então, vamos
retomar o esquema a seguir:

DÓ RÉ MI FÁ SOL LÁ SI DÓ
I II III IV V VI VII VIII
tônica sobretônica mediante subdominante dominante sobredominante sensível tônica

Se o leitor experimentou o que foi proposto na edição


anterior, poderá aderir à proposta:
• Cante a nota Dó muitas vezes, em uníssono e oitava,
até sentir ser ela o repouso.
• Crie uma melodia de três notas da escala sem pensar
muito. É evidente que a escala de Dó tem que estar bem
familiarizada.
• Cante a melodia repetidamente como um mantra
indígena.
• Agora, tente cantar com os nomes que as notas têm.
Confira se os nomes que usou estão corretos. Toque a
simples melodia que criou ao piano ou violão e confira.
VIOLÃO+ • 73
de ouvido
Faça o exercício constantemente, sem parar, até diminuir a
margem de erro, até diminuir ou desaparecer a discrepância
entre o que achou que era e o que é realmente. O importante
é fazer o exercício de forma simples não criando melodias
com intervalos muito distantes entre si. Comece com sons
que você considera próximos à nota de repouso Dó.
Podemos agora ampliar as notas de referência na escala.
Por enquanto, só temos uma – a nota Dó. Aqueles que
estão familiarizados com a harmonia básica não terão
dificuldade, pois o acorde de C (Dó, Mi, Sol) já faz parte da
família, não é mesmo? Então, é fácil conceber que a nota
Dó sendo tônica confere ao intervalo de quinta uma espécie
de som dominante, que ocorre sempre, que está sempre
presente e que também pode ser considerado um som de
repouso.Cante muitas vezes a nota Dó. Agora, insira a nota
Sol. Crie uma frase com repetição de muitas notas Dó e
termine em Sol. Repare que ela nos dá uma sensação de
repouso no ar. Muitas trilhas sonoras de filmes que tratam do
espaço sideral começam ou terminam com esta nota, bem
notável, sensação dominante. Posso arriscar dizer que se
trata de um repouso etéreo, no ar, como a nave que parece
flutuar no espaço. Creio que as sensações apresentadas
até então são perceptíveis, imaginadas e consideradas por
pessoas sensíveis à música, atentas às tramas dos sons
musicais. Não é à toa que nos diferenciamos daqueles cuja
sensibilidade é visual, ou mesmo dos dançarinos que tem
alta sensibilidade cinestésica, a do movimento.
Faça o mesmo com a nota Mi. Irá reparar que esse som
intermediário entre a Tônica e a Dominante também nos dá
a sensação de repouso, mas não um repouso “no chão”,
mas o repouso que sugere o recomeço, ou a menção à
outra parte que vem a seguir. Grande parte das canções
sertanejas autênticas começam ou terminam nesta nota
Mediante.
Toque o acorde de C (Dó, Mi, Sol) e comece a cantar
“Menino da Porteira”, por exemplo. Crie uma frase musical
em C e termine cantando a nota Mi. Repare na sensação
*A melodia nada mais é do que uma
de repouso que causa e que é diferente dos outros dois sucessão de notas tocadas ou cantadas
tipos apresentados pela Tônica e pela Dominante. dentro de uma lógica específica criada
ou aderida pelo compositor.
Creio que já temos o bastante para o treinamento neste ** Atonal – que não tem tom. A sucessão
de sons não tem um centro tonal, não
mês. Insista caso não consiga de imediato o que lhe é existe sensação de repouso em nenhuma
das notas. Ouça as obras dodecafônicas
proposto. Vale a pena levantar essa espada. Até lá! de Arnold Schoenberg, por exemplo.

74 • VIOLÃO+
classif icados
Cursos de

Harmonia
Arranjo
Percepção
Leitura Musical
Violão
Contrabaixo
Reinaldo Garrido Russo
Maestro regente e arranjador
(11) 5562.8593
(11) 9.9251.2226

Anuncie aqui!
Divulgue seu produto ou serviço para
um público qualificado!
comercial@violaomais.com.br
Aulas • Escolas • Estúdios • Acessórios
Luthieria • Livros • Métodos • Serviços

Valéria Diniz
Revisão de textos
Mtb 66736

(11) 3862.9948
(11) 9.9260. 4028
dinizvaleria70@gmail.com

VIOLÃO+ • 75
coda

Xi...apertei o botão
errado...
Luis Stelzer

A história da nossa revista é relativamente curta. Parece que foi ontem, mas já
estamos na oitava edição! Não é incrível? O trabalho é intenso, não só meu, mas
dos colunistas, dos colaboradores, do diagramador, do meu sócio Nilton, enfim,
uma turma trabalha forte todo mês para colocar a Violão+ no ar. Obviamente,
alguns “causos”, como diria Rolando Boldrin, vão se acumulando pelo caminho

As entrevistas que acontecem na revista são, tava ansioso e feliz. Isso é prato cheio para
pelo menos até agora, de responsabilidade as pequenas bobagens tomarem propor-
total minha. Vou, faço, transcrevo, enfim, ções gigantescas, às vezes, irreversíveis.
todo mês são pelo menos duas entrevistas. Cheguei pontualmente no horário marca-
Às vezes, três. Me orgulho muito delas. Sem do. Comecei a preparar o gravador. Pre-
contar que conversar com Quaternaglia, Duo cavido, troquei antes a pilha do mesmo.
Siqueira-Lima, Edelton Gloeden, Fábio Zanon, Costumo gravar também no celular, mas
Badi Assad, Ulisses Rocha, Yamandu Costa, pensei: que exagero! Testei tudo antes,
Duofel e outros tantos, todos com muita coisa está tudo certo! E é uma hora em que
legal para nos revelar, tem sido muito gostoso, nada deve dar errado, mesmo, por isso,
mesmo. Mas quem acompanha essa nossa fiz a revisão antes de começar. Como o
seção de encerramento da revista, sabe que meu gravador tem uma longa autono-
este editor aqui é um tanto mia, tratei de deixá-lo
enrolado. Vamos a um O cara nunca vai me dar já ligado, para não es-
“rolo” em que me meti. outra entrevista. Nunca quecer de fazer isso.
Sozinho, como sempre. Uma coisa a menos
Comecinho de janeiro, como esta, pelo menos. para pensar. Estava
fui entrevistar o Arthur revisando minhas per-
Nestrovski. Entrevista agendada, com a se- guntas, meu roteiro da entrevista, quan-
cretária dele, quase um mês antes. O cara do ele me chamou. Lá vamos nós!
é muito ocupado. Afinal, ser diretor artístico Em segundos, Arthur Nestrovski me fez
da Osesp não é tarefa fácil. Vibrei ao con- sentir totalmente à vontade, fez um co-
seguir marcar essa entrevista. Considero mentário rápido sobre a correria, pediu
Nestrovski uma pessoa muito importante, desculpas por me fazer esperar (dois
não só pelo cargo que ocupa atualmente, minutos, talvez menos!), enfim, tudo cer-
mas para o violão também, pois largou uma to, vamos começar a entrevista. Tudo
profissão e uma posição de respeito para pronto, peguei o gravador e o liguei.
se dedicar a tocar o instrumento. Isso, no Começamos nossa conversa gravada.
mínimo, é um ato de muita coragem. Es- Pois é, você reparou que eu liguei o
76 • VIOLÃO+
coda
gravador duas vezes? É isso mesmo o que esgotado, então, fiz o encerramento.
aconteceu: ao apertar de novo o botão, Agradeci muito a ele, que foi muito gentil
eu desliguei o gravador, bem na hora de o tempo todo, me deu alguns folhetos
começar! E nem me dei conta. A entrevista e programas da Osesp. Sua secretaria
rolando, ele me contando coisas incríveis, ainda me ofereceu água, essas coisas. Eu,
com requintes inesperados e riqueza polidamente, recusei. Inesperadamente,
de detalhes. Que feliz eu estava, quase tomado por um sentimento estranho para
transbordando de alegria, pois estava quem estava naquela situação. Eu estava
gravando tudo aquilo, aquele ouro todo. confiante. Talvez pela raiva que estava de
Mas, não estava... mim mesmo, talvez porque me apareceu a
A conversa corria solta, já havia uns qua- ideia salvadora.
renta minutos. Nada, absolutamente nada, Assim que saí da sala, dei com os corre-
poderia ser classificado como menos in- dores do andar superior da Sala São Pau-
teressante. E nada, absolutamente nada, lo. Procurei um lugar silencioso, o que
estava sendo gra- foi fácil, pois es-
vado! Num mo- tava um silêncio
mento à toa, dei daqueles “en-
uma olhadinha rá- surdecedores”.
pida no gravador. A Liguei nova-
sensação de morte mente o gra-
atravessou minha vador. Forcei
coluna vertebral. minha memória
Parei de respirar. ao máximo e
Arthur continuava comecei: ele fa-
a falar, empolgado. lou isso, ele fa-
Eu, indo da glória lou aquilo, disse
ao caos em menos tal coisa, coisa
de um segundo. Apertei o botão errado. E e tal. Gravei tudo o que lembrei, não me
agora? O cara nunca vai me dar outra en- importando tanto com a ordem. Gravei
trevista. Nunca como esta, pelo menos. E primeiro o que tinha mais medo de es-
o tempo que ele tinha disponível já tinha quecer. Peguei meu roteiro de perguntas,
até passado. Morte, pensei. Nem pensei conferi. Lembrei de absolutamente toda
em abrir o jogo, tinha que ter uma saída. a entrevista. Chegando em casa, mon-
Disfarçadamente, apertei de novo o botão, tei o “Frankenstein” que tinha em mãos:
comecei ali a gravar, pelo menos, o final um roteiro de perguntas; uma entrevista
da entrevista. Meio estabanado, comecei com os últimos cinco minutos gravados;
a “recapitular” alguns momentos que, várias gravações da minha própria voz,
com certeza, jamais me lembraria. Ele reproduzindo o que foi dito na parte não
estranhou um pouco, mas não se opôs a gravada. O resultado disso tudo está na
repetir alguns trechinhos, sob a desculpa edião número 5 de Violão+. O próprio
de se “obter mais detalhes”. Ainda tinha Arthur Nestrovski elogiou o conteúdo.
uma pergunta a ser feita, o tempo já estava Eu? Sobrevivi.
VIOLÃO+ • 77

Você também pode gostar