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GINECOLOGIA NATURAL
Introdução
empírica, observando outras parteiras mais velhas, e que são reconhecidas como parteiras pela comunidade em que
atuam. Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-01/parteiras-renascem-com-maisseguranca-e-tecnicas-
tradicionais
3 Link: https://prazerela.com.br/
4 Publicação não profissional produzida por fãs de determinada cultura ou fenômeno. Costumam seredições simples
Metodologia
Resultados/discussão
As referências à medicina como uma ciência masculina que teria se apropriado dos saberes e
do controle do corpo feminino são frequentes na obra. Trata-se, antes de tudo, de uma crítica ao
processo de medicalização. Conforme a análise de Foucault (2014), a medicalização atua em uma
dimensão biopolítica, isto é, incide sobre o corpo biológico a partir de um discurso de autoridade,
que o disciplina e domina. Conrad (2007, p. 4) também teorizou sobre esse tema e descreveu a
medicalização como: “um processo pelo qual problemas não médicos passam a ser definidos e
tratados como problemas médicos, frequentemente em termos de doenças ou transtornos”. Uma das
críticas da autora à racionalidade médica e seus impactos sobre as mulheres pode ser observada no
seguinte trecho:
A medicina e seu desenvolvimento são imprescindíveis para salvar muitas vidas, mas seu
paradigma está mal focado e ressalta sua falta de humanidade, de contexto e de
sensibilidade. (MARTÍN, 2018, p. 39)
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Como alternativa a essa alienação das mulheres de seus corpos, a autora estimula o
autoconhecimento, o que se dá a partir do compartilhamento de informações sobre o funcionamento
do corpo que, na maioria das vezes, não são aprendidas pelas mulheres em outros ambientes. Além
disso, o “faça-você-mesma” também se apresenta como proposta para retomada dos saberes sobre o
corpo, o que pode ser observado no compartilhamento, tanto nos grupos quanto no manual, de
práticas. Essas técnicas corporais, dentre as quais se destaca o autoexame ginecológico, visam a
uma auto-observação que tem por objetivo identificar sinais de saúde e de possíveis desequilíbrios
que possam acometer o organismo. O autoexame, por exemplo, utiliza um espéculo ginecológico e
um espelho para que a mulher tenha acesso ao seu colo do útero e possa identificar possíveis
alterações.
Tanto o enfoque no faça-você-mesma, quanto o uso do espéculo como símbolo de poder
estiveram presentes nos movimentos feministas norte-americanos iniciados na década de 1970
(HARAWAY, 2018). Dentre eles, destaca-se o Women’s Health Movement e os movimentos de Self
Help, que se empenharam em produzir e compartilhar conhecimentos considerados úteis para a
promoção da saúde das mulheres. Nesse contexto, o espéculo se torna símbolo de reapropriação dos
instrumentos e dos saberes historicamente utilizados pela medicina, a fim de destituí-la de seu poder
e dominação.
A maioria das intervenções médicas são frequentemente rejeitadas pela autora e pelas
praticantes de Ginecologia Natural como um todo. Dentre essas intervenções, destaca-se o uso de
hormônios sintéticos, que costumam ser indicados por ginecologistas para finalidades diversas,
como regulação do ciclo menstrual, cólicas, problemas de pele, alterações emocionais, dentre
outros. De acordo com Nucci (2012), desde o início da comercialização da pílula, em 1957, a
primeira indicação para seu uso era a “regulação do ciclo menstrual”, já que a divulgação de
métodos contraceptivos era proibida nos Estados Unidos. Com o desenvolvimento de novas versões
ao longo dos anos, a pílula passou a ser recomendada para outros fins, o que, segundo Nucci (2012)
estaria ligado a uma necessidade de promover um aprimoramento no corpo. Assim, a pílula poderia
ser entendida como uma droga “estilo de vida”. De acordo com Nucci:
Essas drogas têm o objetivo de tratar condições que não seriam consideradas
patológicas (um risco à vida e à saúde), mas sim problemas que poderiam limitar/
dificultar a vida das pessoas, como a calvície, a falta de atenção e a disfunção erétil,
por exemplo. [...] O objetivo, desta forma, é o aperfeiçoamento e o aprimoramento
da vida, tornando-a “mais do que boa”. (NUCCI, 2012, p. 128).
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Em contrapartida, a essas intervenções tecnocientíficas, o que propõe o manual é justamente
uma espécie de “retorno ao natural”. Essa abordagem se assemelha àquela presente no ideário do
parto humanizado, que, de acordo com Tornquist (2002), produz a concepção de um modelo
universal de feminilidade, que pouco considera a dimensão simbólica e histórica do ser mulher.
Esse discurso, assim como o que analiso aqui, atribui valores positivos a uma suposta condição
natural e biológica do corpo feminino.
Por esse motivo, a Ginecologia Natural pode ser associada ao chamado “feminismo da
diferença” (ROHDEN, 1996; SORJ, 1992), que propõe uma espécie inversão de valores, ancorada
em uma diferença biológica entre os sexos. Esse ideário também se associa ao “ecofeminismo”,
conceito cunhado por Françoise D’eaubonne em 1974 (FLORES; TREVIZAN, 2015), que sugere
que a organização do sistema patriarcal seria responsável, tanto pela dominação e destruição dos
recursos naturais, quanto pela opressão sofrida pelas mulheres. A solução para essas questões seria,
portanto, a libertação de todas as formas de dominação (FLORES; TREVIZAN, 2015).
Ao mesmo tempo em que se empreende uma inversão de valores e enaltecimento de uma
suposta natureza feminina, o manual busca a integração do corpo a essa “natureza”, que se vê
representada a partir do uso de plantas medicinais em seus variados modos de preparo, como chás,
tinturas-mãe5, vaporizações, defumações, dentre outros. Essas preparações têm como objetivo tratar
e prevenir possíveis problemas de saúde que podem ocorrer em diversas fases da vida da mulher,
como a gestação, a menopausa e menstruação. A autora ressalta, no entanto, que não é somente a
composição química da planta que garante a eficácia da técnica, mas também a relação simbólica
mantida entre a mulher e a planta utilizada.
Considerações finais
5 Preparado, geralmente feito a partir de plantas, em conserva de longo-prazo no álcool ou glicerina. Fonte:
http://blog.dermomanipulacoes.com.br/tintura-mae-o-que-e-beneficios/
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A ideia de um corpo individual que se manifesta de forma distinta em cada mulher faz com
que a auto-observação seja fundamental para a construção de um saber sobre esse corpo. A crítica
ao conhecimento biomédico e aos processos de medicalização do corpo feminino também é parte
fundamental nesse ideário.
A crítica à medicalização ocorre simultaneamente a uma proposta de “reapropriação” de um
saber sobre o corpo, do qual as mulheres teriam sido destituídas com o desenvolvimento da
medicina. Ao mesmo tempo, é feito um paralelo entre a opressão às mulheres e a destruição dos
recursos naturais. Contudo, tanto a associação metafórica entre mulher e natureza quanto a ênfase
na diferença biológica entre os sexos, pode gerar algumas armadilhas, tendo em vista que a mesma
lógica determinista já foi amplamente utilizada com o objetivo de reforçar uma visão que considera
as mulheres como inferiores aos homens e passíveis de serem dominadas.
Referências.
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Ciências Sociais, v. 1, n. 1, p.1-15, jul. 2009. Disponível em: https://www.rbhcs.com/
rbhcs/article/view/6/pdf. Acesso em: 23 out. 2018.
SORJ, Bila. O feminino como metáfora da natureza. Revista Estudos Feministas, v. 0, n. 0,
p. 143-150, jul./dez. 1992.
TORNQUIST, Carmen Susana. Armadilhas da Nova Era: natureza e maternidade no ideário
da humanização do parto. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 2, p. 483-492, jul. 2002.
Abstract: Recently, groups of women who propose to share experiences and healing practices have
become popular in Brazil. These groups, which identify themselves as “Natural Gynecology” start
from the critique of medicalization and seek a supposed “rescue” of autonomy and power over the
body, from which women would have been deprived over time, especially with the consolidation of
medicine. The growing popularity of these spaces in Brazil, especially among young and middle
class women, raises questions about their origins and their relationship with other feminist
movements, such as the American Women's Health Movement, in the 1970s. However, some of the
main materials used as a reference in the groups reveal an important connection with Latin
America. One of the best-known authors, the Chilean Pabla Pérez San Martín, owes her relevance
to her book "Introduction to Natural Gynecology", which was released in 2018 in Portuguese in
Brazil. Therefore, this paper, which is part of my master's dissertation, consists of documentary
analysis of this material, in order to grasp female body and nature conceptions in the groups of
Natural Gynecology, based on critical gender studies. The paper also seeks to problematize the
construction of gender difference in its intimate relationship with biological determinism and the
production of a female body structured from a particular conception of "nature".
Keywords: Natural Gynecology. Female Body. Medicalization. Gender.
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